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15/11/2018 Hannah Arendt: Condições e significado da revolução | Cultura | EL PAÍS Brasil

IDEIAS › TRIBUNA

Condições e significado da revolução


Em um ensaio que permaneceu inédito durante meio século, Hannah
Arendt investiga a relação entre liberdade e processos revolucionários

Hannah Arendt em um retratao tomado em 1949. FRED STEIN (GETTY)

HANNAH ARENDT

9 NOV 2018 - 17:34 BRST

A palavra revolução — como qualquer outro termo do nosso vocabulário político — pode
ser usada em sentido genérico, sem levar em conta a origem da palavra nem o momento
temporal em que o termo foi aplicado pela primeira vez a um fenômeno político
concreto. O pressuposto básico de semelhante uso é que, independentemente de
quando e por que o termo apareceu, o fenômeno a que alude tem a mesma idade da
memória humana. A tentação de usar a palavra em sentido genérico é particularmente
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forte quando falamos de “guerras e revoluções” ao mesmo tempo, porque de fato as


guerras são tão antigas quanto a história da humanidade desde que temos testemunho
dela.

Talvez custe trabalho usar a palavra guerra em outro sentido além


MAIS INFORMAÇÕES
do genérico, mesmo que seja somente porque sua primeira aparição
não pode ser datada no tempo e nem localizada no espaço, mas não
existe uma desculpa semelhante para o uso indiscriminado do termo
revolução. Antes das duas grandes revoluções que aconteceram no
fim do século XVIII e do surgimento do sentido específico que
adquiriu em seguida, a palavra ocupava um lugar de destaque
As guerras civis
apenas no vocabulário do pensamento e da prática política. Quando
acabarão?
encontramos o termo no século XVII, por exemplo, está ligado
estritamente ao seu significado astronômico original, que se refere
ao movimento eterno, irresistível e recorrente dos corpos celestes; a
utilização política era metafórica e descrevia o retorno a um ponto
pré-estabelecido, por conseguinte, um movimento, um retorno a
uma ordem predeterminada. A palavra não foi usada pela primeira
As vozes de Hannah vez quando estourou na Inglaterra o que podemos chamar
Arendt efetivamente de revolução e Cromwell se erigiu como uma espécie
de ditador, mas em 1660, durante a restauração da monarquia,
depois da derrubada do Parlamento Remanescente (Rump
Parliament). Mas mesmo a Revolução Gloriosa, o acontecimento
graças ao qual o termo encontrou seu lugar, de forma muito
paradoxal, na linguagem histórico-política, não foi concebida como
uma revolução, mas como a restauração do poder monárquico à sua
Felipe VI, o Borbón
mais preparado
antiga retidão e glória.

O fato de a palavra revolução significar originalmente restauração é


mais do que mera curiosidade semântica

O verdadeiro significado do termo revolução, antes dos acontecimentos do final do


século XVIII, se manifesta talvez mais claramente na inscrição presente no Grande Selo
da Inglaterra de 1651, segundo a qual a primeira transformação da monarquia em
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república significou: “Freedom by God’s blessing restored” [liberdade restaurada pela


bênção de Deus]”.

O fato de a palavra revolução significar originalmente restauração é mais do que mera


curiosidade semântica. Nem sequer as revoluções do século XVIII podem ser entendidas
sem indicar que estouraram acima de tudo com a restauração como objetivo e que o
conteúdo dessa restauração era a liberdade. Nos Estados Unidos, nas palavras de John
Adams, os homens que participaram da revolução tinham sido “chamados [a ela] sem
haver previsto e não tiveram outra escolha a não ser fazê-la sem ter uma inclinação
prévia”; a mesma coisa se verifica em relação à França, onde, nas palavras de
Tocqueville, “teria cabimento acreditar que o objetivo da iminente revolução seria a
restauração do Antigo Regime, não sua derrocada”. E foi no curso das duas revoluções,
quando seus atores adquiriam consciência de que tinham embarcado em uma empresa
completamente nova e não no regresso a uma situação anterior, que a palavra revolução
adquiriu, portanto, o seu novo significado. Foi Thomas Paine, nem mais nem menos, que
ainda fiel ao espírito anterior propôs com toda a seriedade chamar de
“contrarrevoluções” tanto a Revolução Norte-americana quanto a Francesa. Eu queria
liberar esses acontecimentos tão extraordinários da suspeita de que com eles se tinha
dado vida a começos completamente novos, assim como da rejeição motivada pela
violência com a que tais acontecimentos se tornaram irremediavelmente ligados.

É muito provável que tenhamos esquecido a expressão de um horror quase instintivo na


consciência daqueles primeiros revolucionários diante de algo completamente novo.
Isso é possível em parte porque estamos perfeitamente familiarizados com o
entusiasmo dos cientistas e filósofos da Idade Moderna por “coisas que nunca haviam
sido vistas antes e ideias que nunca tinham ocorrido a ninguém até a data”.

O que aconteceu no fim do século XVIII foi, na verdade, uma


tentativa de restauração e recuperação de antigos direitos e
privilégios que acabou justamente no contrário

É também porque nada do que aconteceu no curso dessas revoluções é tão notável e
tão surpreendente quanto o enfático destaque feito em relação à novidade, repetida
várias vezes por atores e espectadores ao mesmo tempo, insistindo que nunca se havia
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produzido até então nada comparável por seu significado e grandeza. A questão crucial
e complexa é que o enorme pathos da nova era, o Novus Ordo Seclorum, que ainda
aparece escrito nas notas de um dólar, se impôs somente quando os atores da
revolução, em boa parte contra sua vontade, chegaram a um ponto de não retorno.

Assim, o que aconteceu no fim do século XVIII foi, na verdade, uma tentativa de
restauração e recuperação de antigos direitos e privilégios que acabou justamente no
contrário: no desenvolvimento progressivo e na abertura de um futuro que desafiava
qualquer tentativa posterior de agir ou pensar em termos de movimento circular ou
rotativo. E enquanto a palavra revolução foi transformada radicalmente no processo
revolucionário, algo semelhante aconteceu, mas infinitamente mais complexo, com a
palavra liberdade. Embora com ela não se pretendesse indicar nada mais do que a
liberdade “restaurada pela bênção de Deus”, continuaria se referindo aos direitos e
liberdades que hoje associamos com o governo constitucional, o que é adequadamente
chamado de direitos civis. Entre estes não se incluía o direito político de participar nos
assuntos públicos. Nenhum dos outros direitos, incluindo o direito de ser representado
para fins tributários, foi resultado da revolução, nem na teoria nem na prática. O
revolucionário não era a proclamação de “vida, liberdade e propriedade”, mas a ideia de
que eram direitos inalienáveis de todos os seres humanos, independentemente do local
onde vivessem ou do tipo de governo que tivessem. E mesmo nessa nova e
revolucionária extensão para toda a humanidade, a liberdade não significava mais que a
autonomia diante de todo impedimento injustificável, isto é, algo essencialmente
negativo. Os direitos civis são resultado da libertação, mas não constituem em absoluto
a autêntica substância da liberdade, cuja essência é a admissão na esfera pública e a
participação nos assuntos públicos.

Nenhuma revolução, independentemente da amplitude com que


abre suas portas às massas e aos oprimidos, nunca foi iniciada por
eles

Nenhuma revolução, independentemente da amplitude com que abre suas portas às


massas e aos oprimidos — les malheureux, les misérables ou les damnés de la terre,
como os chamamos em virtude da retórica grandiloquente da Revolução Francesa —
nunca foi iniciada por eles. E nenhuma revolução jamais foi obra de conspirações, de
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sociedades secretas ou de partidos abertamente revolucionários. De modo geral,


nenhuma revolução é possível onde a autoridade do Estado está intacta, o que, nas
condições atuais, significa ali onde se pode confiar que as Forças Armadas obedecerão
às autoridades civis. As revoluções não são respostas necessárias, mas respostas
possíveis à delegação de poderes de um regime; não a causa, mas a consequência do
desmoronamento da autoridade política. Em todos os lugares em que se permitiu o
desenvolvimento descontrolado desses processos desintegradores, geralmente durante
um período prolongado de tempo, podem acontecer revoluções, desde que exista um
número suficiente de pessoas preparadas para o colapso do regime existente e para a
tomada do poder.

Hannah Arendt (1906-1975) é uma das pensadoras mais influentes do século XX. Este texto é parte do
ensaio La Libertad de Ser Libres, publicado recentemente na Espanha pela editora pela Taurus.

Adere a

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