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IDEIAS › TRIBUNA
HANNAH ARENDT
A palavra revolução — como qualquer outro termo do nosso vocabulário político — pode
ser usada em sentido genérico, sem levar em conta a origem da palavra nem o momento
temporal em que o termo foi aplicado pela primeira vez a um fenômeno político
concreto. O pressuposto básico de semelhante uso é que, independentemente de
quando e por que o termo apareceu, o fenômeno a que alude tem a mesma idade da
memória humana. A tentação de usar a palavra em sentido genérico é particularmente
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15/11/2018 Hannah Arendt: Condições e significado da revolução | Cultura | EL PAÍS Brasil
É também porque nada do que aconteceu no curso dessas revoluções é tão notável e
tão surpreendente quanto o enfático destaque feito em relação à novidade, repetida
várias vezes por atores e espectadores ao mesmo tempo, insistindo que nunca se havia
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produzido até então nada comparável por seu significado e grandeza. A questão crucial
e complexa é que o enorme pathos da nova era, o Novus Ordo Seclorum, que ainda
aparece escrito nas notas de um dólar, se impôs somente quando os atores da
revolução, em boa parte contra sua vontade, chegaram a um ponto de não retorno.
Assim, o que aconteceu no fim do século XVIII foi, na verdade, uma tentativa de
restauração e recuperação de antigos direitos e privilégios que acabou justamente no
contrário: no desenvolvimento progressivo e na abertura de um futuro que desafiava
qualquer tentativa posterior de agir ou pensar em termos de movimento circular ou
rotativo. E enquanto a palavra revolução foi transformada radicalmente no processo
revolucionário, algo semelhante aconteceu, mas infinitamente mais complexo, com a
palavra liberdade. Embora com ela não se pretendesse indicar nada mais do que a
liberdade “restaurada pela bênção de Deus”, continuaria se referindo aos direitos e
liberdades que hoje associamos com o governo constitucional, o que é adequadamente
chamado de direitos civis. Entre estes não se incluía o direito político de participar nos
assuntos públicos. Nenhum dos outros direitos, incluindo o direito de ser representado
para fins tributários, foi resultado da revolução, nem na teoria nem na prática. O
revolucionário não era a proclamação de “vida, liberdade e propriedade”, mas a ideia de
que eram direitos inalienáveis de todos os seres humanos, independentemente do local
onde vivessem ou do tipo de governo que tivessem. E mesmo nessa nova e
revolucionária extensão para toda a humanidade, a liberdade não significava mais que a
autonomia diante de todo impedimento injustificável, isto é, algo essencialmente
negativo. Os direitos civis são resultado da libertação, mas não constituem em absoluto
a autêntica substância da liberdade, cuja essência é a admissão na esfera pública e a
participação nos assuntos públicos.
Hannah Arendt (1906-1975) é uma das pensadoras mais influentes do século XX. Este texto é parte do
ensaio La Libertad de Ser Libres, publicado recentemente na Espanha pela editora pela Taurus.
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