Вы находитесь на странице: 1из 196

O passado,

modos de usar
O passado,
modos de usar
história, memória e política

Enzo Traverso

edições unipop
O passado, modos de usar.
História, memória e política.
Título original Le passé, modes d’emploi:
histoire, mémoire, politique
Autores Enzo Traverso
Tradução Tiago Avó
Revisão Unipop
Capa AnaMary Bilbao
Paginação Unipop
Impressão Guide Artes Gráficas
Copyright La fabrique 2005. Unipop
para a presente edição
Depósito legal 349477/12
ISBN 978-989-97519-1-0

1.ª edição Lisboa, Fevereiro de 2012


2.ª edição Lisboa, Outubro de 2012

http://www.unipop.info
cursopcc@gmail.com
Introdução – A emergência da memória 9
I – História e memória: uma dupla antinómica? 21
Rememoração 21
Separações 29
Empatia 38
II – O tempo e a força 55
Tempo histórico e tempo da memória 55
«Memórias fortes» e «memórias fracas» 71
III – O historiador entre juiz e escritor 89
Memória e escrita da história 89
Verdade e justiça 100
IV – Usos políticos do passado 109
A memória da Shoah como «religião civil» 109
O eclipse da memória do comunismo 120
V – Os dilemas dos historiadores alemães 129
O desaparecimento do fascismo 129
A Shoah, a RDA e o antifascismo 138
VI – Revisão e revisionismo 149
Metamorfoses de um conceito 149
A palavra e a coisa 155
Nota bibliográfica e agradecimentos 165
Notas 169
À memória de Roland Lew (1944-2005)

«A história é sempre contemporânea,


ou seja, política»
Antonio Gramsci
Quaderni del carcere
Introdução
A emergência da memória

São raras as palavras tão banalizadas como «memó-


ria». A sua difusão é ainda mais impressionante dada a
sua entrada tão tardia no domínio das ciências sociais.
Durante os anos 1960 e 1970 ela estava praticamente
ausente dos debates intelectuais. Não figura na edição
de 1968 da International Encyclopedia of the Social Sciences,
publicada em Nova Iorque sob a direcção de David L.
Sills, nem na obra colectiva intitulada Faire de l’histoire,
publicada em 1974 sob a direcção de Jacques le Goff
e Pierre Nora, nem mesmo em Keywords, de Raymond
Williams, um dos pioneiros da história cultural1. Alguns
anos mais tarde teria já penetrado profundamente no
debate historiográfico.

9
A «memória» é recorrentemente utilizada como si-
nónimo de história e tem uma particular tendência para
absorvê-la, tornando-se ela própria numa espécie de
categoria meta-histórica. Captura o passado numa rede
de malha mais larga do que a disciplina tradicionalmen-
te denominada história, aí depositando uma dose bem
maior de subjectividade, de «vivido». Em suma, a me-
mória aparece como um história menos árida e mais
«humana»2. A memória invade hoje em dia o espaço
público das sociedades ocidentais. O passado acompa-
nha o presente e instala-se no seu imaginário colectivo
como uma «memória» extremamente amplificada pelos
meios de comunicação e frequentemente regida pelos
poderes públicos. A memória transforma-se em «obses-
são comemorativa» e a valorização, por vezes mesmo a
sacralização, dos «lugares de memória» engendra uma
verdadeira «topolatria»3. Esta memória superabundan-
te e saturada sinaliza o espaço4. Tudo doravante con-
tribui para «fazer» memória. O passado transforma-se
em memória colectiva depois de ter sido seleccionado
e reinterpretado segundo as sensibilidades culturais,
as interrogações éticas e as conveniências políticas do
presente. Assim toma forma o «turismo da memória»,
com a transformação de locais históricos em museus e
em lugares de visitas organizadas, dotadas de estruturas
de acolhimento adequadas (hotéis, restaurantes, lojas de

10
recordações, etc.), e promovido junto do público atra-
vés de estratégias publicitárias dirigidas.
Os centros de investigação e as sociedades de his-
tória local são incorporados nos dispositivos deste
turismo da memória em que por vezes encontram os
seus meios de subsistência. Por um lado, este proces-
so decorre indubitavelmente de uma reificação do passa-
do, ou seja, da sua transformação em objecto de con-
sumo, estetizado, naturalizado e rentabilizado, pronto
para ser utilizado pela indústria do turismo e do es-
pectáculo, especialmente pelo cinema. O historiador é
frequentemente chamado a participar nesse processo,
na qualidade de «profissional» e de «especialista» que,
nos termos de Olivier Dumoulin, faz da sua arte um
«produto comercial» da mesma forma que o são os
bens de consumo que invadem as nossas sociedades.
A Public History americana, com os seus historiado-
res a trabalhar para instituições ou mesmo empresas
privadas sujeitas à lógica do lucro, há muito que nos
indica o caminho5. Por outro lado, este fenómeno
parece-se igualmente, em vários aspectos, ao que Eric
Hobsbawm chamou «a invenção da tradição»6: um
passado real ou mítico em torno do qual se constro-
em práticas ritualizadas que visam reforçar a coesão de
um grupo ou de uma comunidade, legitimar algumas
instituições e inculcar valores na sociedade. Por outras

11
palavras, a memória tende a tornar-se o vector de uma
«religião civil» do mundo ocidental, com o seu sistema
de valores, crenças, símbolos e liturgias7.
De onde vem esta obsessão memorial? A sua prove-
niência é múltipla, mas deve-se sobretudo a uma crise
de transmissão no seio das sociedades contemporâneas.
Poderia evocar-se a esse propósito a distinção sugeri-
da por Walter Benjamin entre a «experiência transmi-
tida» (Erfahrung) e a «experiência vivida» (Erlebnis). A
primeira perpetua-se quase naturalmente de uma ge-
ração para a outra, forjando as identidades dos gru-
pos e das sociedades num tempo longo; a segunda é
a vivência individual, frágil, volátil e efémera. No seu
Passagen-Werk, Benjamin considera a «experiência vivi-
da» como um traço marcante de modernidade, com o
ritmo e as metamorfoses da vida urbana, os choques
eléctricos de uma sociedade de massas e o caos calei-
doscópico do universo mercantil. A Erfahrung é típica
das sociedades tradicionais e a Erlebnis é própria das so-
ciedades modernas, por vezes como marca antropológi-
ca do liberalismo, do individualismo possessivo, outras
vezes como produto das catástrofes do século XX, com
o seu cortejo de traumas que afectaram gerações intei-
ras sem que fosse possível inscreverem-se como uma
herança no curso natural da vida. A modernidade, se-
gundo Benjamin, caracteriza-se precisamente pelo de-

12
clínio da experiência transmitida, um declínio marcado
simbolicamente pelo início da Primeira Guerra Mun-
dial. Durante esse momento de grande trauma europeu,
muitos milhões de pessoas, sobretudo jovens campo-
neses que tinham aprendido com os seus antepassados
a viver segundo os ritmos da natureza, no interior dos
códigos do mundo rural, foram brutalmente arranca-
dos ao seu universo social e mental8. Foram subitamen-
te submersos «numa paisagem em que quase nada era
reconhecível além das nuvens e, no meio, num campo
de forças atravessado de tensões e explosões destruti-
vas, o minúsculo e frágil corpo humano»9. Os milhares
de soldados que voltaram da frente de guerra, mudos e
amnésicos, comocionados pelos Shell Shocks* provoca-
dos pela artilharia pesada que bombardeava, sem cessar,
as trincheiras inimigas, corporizaram esse corte entre
duas épocas; a da tradição forjada pela experiência her-
dada e a dos cataclismos que se furtam aos mecanismos
naturais de transmissão da memória. As desventuras do
smemorato di Collegno – um ex-combatente amnésico de
dupla identidade, ao mesmo tempo filósofo de Verona
e operário tipográfico de Turim – que apaixonaram os
italianos no período entre as duas guerras, e inspira-
ram obras de Luigi Pirandello, José Carlos Mariátegui

* Nome dado na Primeira Guerra Mundial ao que hoje se


designa, na gíria militar, por combat stress reaction (CSR). N.T.

13
e Leonardo Sciascia, inscrevem-se nessa mutação pro-
funda da paisagem memorial europeia10. Mas, no fun-
do, a Grande Guerra não fazia mais do que completar,
de uma forma convulsiva, um processo cujas origens
foram magistralmente estudadas por Edward Palmer
Thompson num ensaio sobre o advento do tempo me-
cânico, produtivo e disciplinar da sociedade industrial11.
Outros traumas marcaram a «experiência vivida» do
século XX, sob a forma de guerras, genocídios, depu-
rações étnicas ou repressões políticas e militares. A re-
cordação que deles resultou não foi efémera nem frágil.
Para várias gerações incapazes de ter uma percepção da
realidade que não fosse a de um universo fracturado foi
mesmo uma recordação fundadora que, porém, não se
constituiu como uma experiência do quotidiano trans-
missível a uma nova geração12. Uma primeira resposta
à nossa questão inicial poderia, assim, formular-se da
seguinte forma: a obsessão memorial dos nossos dias é
um produto do declínio da experiência transmitida num
mundo que perdeu as suas referências, desfigurado pela
violência e atomizado por um sistema social que apaga
as tradições e fragmenta as existências.
É necessário que nos interroguemos sobre as formas
dessa obsessão. A memória – a saber, as representações
colectivas do passado tal como se forjam no presente
– estrutura as identidades sociais, inscrevendo-as numa

14
continuidade histórica e dotando-as de um sentido, ou
seja, de um conteúdo e de uma direcção. A sociedades
humanas possuíram, sempre e em todo o lado, uma me-
mória colectiva mantida através de ritos, cerimónias e
mesmo políticas. As estruturas elementares da memória
colectiva residem na comemoração dos mortos. Tradi-
cionalmente, no mundo ocidental, os ritos e os monu-
mentos funerários celebravam a transcendência cristã
– a morte como passagem para o Além – e, ao mesmo
tempo, reafirmavam as hierarquias sociais «aqui em bai-
xo». Na modernidade, as práticas comemorativas meta-
morfoseiam-se. Por um lado, com o fim das sociedades
do Antigo Regime, democratizam-se ao investirem a
sociedade no seu conjunto; por outro, secularizam-se
e tornam-se funcionais, veiculando novas mensagens
dirigidas os vivos. A partir do século XIX, os monu-
mentos comemorativos consagram os valores laicos (a
Pátria), defendem princípios éticos (o Bem) e políticos
(a Liberdade) ou celebram acontecimentos fundadores
(guerras, revoluções). Começam a tornar-se símbolos
de um sentimento nacional vivido como uma «religião
civil». Segundo Reinhart Koselleck, «O declínio da in-
terpretação cristã da morte deixou o campo livre para
interpretações puramente políticas e sociais»13. Iniciado
com a Revolução Francesa, berço das primeiras guerras
democráticas do mundo moderno, o fenómeno apro-

15
fundou-se depois da Grande Guerra, quando os mo-
numentos aos soldados caídos em combate começaram
a organizar o espaço público em todas as povoações.
Hoje, o trabalho de luto mudou de objecto e de
formas. Nesta viragem de século, Auschwitz tornou-
-se a base da memória colectiva do mundo ocidental. A
política da memória – comemorações oficiais, museus,
filmes, etc. – tende a fazer da Shoah a metáfora do sé-
culo XX como idade de guerras, de totalitarismos, de
genocídios e de crimes contra a humanidade. No centro
deste sistema de representações instala-se uma figura
nova, a testemunha, o sobrevivente dos campos nazis.
A recordação de que é portador e a atenção que lhe
é reservada (após décadas de indiferença) abalaram o
historiador, ao criarem desordem na sua oficina e ao
perturbarem o seu modo de trabalho. Por um lado, o
historiador teve de se render à evidência das limitações
dos seus procedimentos tradicionais e das suas fon-
tes, bem como ao contributo indispensável das teste-
munhas para a reconstrução de experiências como o
universo concentracionário e a máquina exterminadora
do nazismo. A testemunha pode oferecer-lhe elemen-
tos de conhecimento factual inacessíveis através de
outras fontes, mas sobretudo pode ajudá-lo a restituir
a qualidade de uma experiência histórica cuja textura se
modifica depois de enriquecida pelas vivências dos seus

16
actores. Por outro lado, o aparecimento da testemunha
e, em consequência, a entrada da memória na oficina
do historiador vieram pôr em causa alguns práticas ha-
bituais, como por exemplo as de uma história estrutural
concebida enquanto um processo de acumulação, no
tempo longo, de vários estratos (território, demografia,
trocas, instituições, mentalidades) que permitem apre-
ender as coordenadas globais de uma época, mas que
deixam muito pouco espaço à subjectividade dos ho-
mens e das mulheres que fazem a História14.
Entrámos, para usar as palavras de Annette
Wieviorka, na «era da testemunha», que, colocada sobre
um pedestal, encarna um passado cuja recordação é pres-
crita como um dever cívico15. A testemunha identifica-se
cada vez mais com a vítima, outra marca desta era. Igno-
rados durante décadas, os sobreviventes dos campos de
extermínio nazis tornaram-se hoje, contra a sua vontade,
ícones vivos. São cristalizados numa posição que não
escolheram e que nem sempre corresponde à sua ne-
cessidade de transmitir a experiência vivida. Outras tes-
temunhas, antes apontadas como heróis exemplares, tal
como a resistência que pegou em armas para combater
o fascismo, perderam a sua aura ou caíram mesmo no
esquecimento, engolidas pelo «fim do comunismo» que,
eclipsado da história com os seus mitos, na sua queda
arrastou as utopias e as esperanças que havia encarnado.

17
A memória destas testemunhas já só a poucos interessa,
numa época de humanitarismo onde já não há vencidos
mas apenas vítimas. Esta dissimetria da recordação – a sa-
cralização das vítimas antes ignoradas e o esquecimento
de heróis anteriormente idealizados – indica a ancora-
gem profunda da memória colectiva no presente, com as
suas mutações e regressões paradoxais.
A memória conjuga-se sempre no presente, que de-
termina as suas modalidades: a sucessão de aconteci-
mentos de que se devem guardar recordações (e de tes-
temunhas a escutar), a sua interpretação, as suas «lições»,
etc. Ela transforma-se em questão política e toma a for-
ma de uma injunção ética – o «dever da memória» – que
frequentemente se transforma em fonte de abusos16. Os
exemplos não faltam. Todas as guerras destes últimos
anos, da primeira à segunda guerra do Golfo, passan-
do pela guerra do Kosovo e pela do Afeganistão, foram
também guerras da memória, pois foram justificadas pela
evocação ritual do dever de memória17. Saddam Hussein,
Arafat, Milosevic e George W. Bush foram comparados
com Hitler nas palavras de ordem das manifestações,
nos cartazes, nos meios de comunicação e no discurso
de alguns líderes políticos. O islamismo político é muitas
vezes identificado com o fanatismo nazi. O historiador
israelita Tom Segev indica que Menahem Begin tinha
vivido a invasão israelita do Líbano, em 1982, como um

18
acto reparador, um sucedâneo fantasmático de um exér-
cito judaico que teria expulso os nazis de Varsóvia em
194318. Mais recentemente, em 2002, o Consistório cen-
tral dos israelitas de França declarou que o país estava à
beira de uma onda de antissemitismo comparável à que
se abateu na Alemanha nazi durante a Noite de Cristal
em Novembro de 193819. Para o escritor português José
Saramago, em contraposição, a ocupação israelita dos
territórios palestinos seria comparável ao Holocaus-
to20. Durante a guerra na ex-Jugoslávia, os nacionalistas
sérvios viam as depurações étnicas contra os albaneses
do Kosovo como uma vingança contra a antiga opres-
são otomana, enquanto em França os profissionais do
anticomunismo viam as bombas sobre Belgrado como
uma defesa da liberdade contra o totalitarismo. A lis-
ta poderia continuar. A dimensão política da memória
colectiva – e os abusos que a acompanham – não pode
deixar de afectar a maneira de escrever a história.
Este livro propõe-se explorar as relações entre a
história e a memória e analisar alguns aspectos do uso
público do passado. A matéria que se oferece a essa
reflexão é inesgotável. Baseei-me em alguns temas co-
nhecidos e sobre os quais tenho trabalhado nos últimos
anos. Outros de igual importância ficaram excluídos ou
são pouco evocados neste ensaio, que pretende partici-
par num debate muito vasto e ainda em aberto.

19
I
História e memória:
uma dupla antinómica?

Rememoração
História e memória nascem de uma mesma preocu-
pação e partilham o mesmo objecto: a elaboração do
passado. No entanto, existe uma «hierarquia» entre as
duas. De acordo com Paul Ricoeur, a memória possui
um estatuto matricial 1. A história é um relato, uma es-
crita do passado segundo as modalidades e as regras de
um ofício – de uma arte ou, com muitas aspas, de uma
«ciência» – que tenta responder a questões suscitadas
pela memória. A história nasce, portanto, da memória,
libertando-se desta ao colocar o passado à distância, ao
considerá-lo, segundo a expressão de Oakeshott, como

21
«um passado em si»2. A história acaba, enfim, por fa-
zer da memória um dos seus domínios de investigação,
como prova a história contemporânea. Também cha-
mada de «história do tempo presente», a história do sé-
culo XX analisa o testemunho dos actores do passado e
integra o relato oral nas suas fontes, a par dos arquivos e
de outros documentos materiais ou escritos. Em suma,
a história nasce da memória, de que é uma das dimen-
sões, e posteriormente, adoptando uma postura auto-
-reflexiva, transforma a memória num dos seus objectos.
Proust continua a ser uma referência obrigatória
para toda e qualquer meditação sobre a memória. Nos
seus comentários sobre a obra Em Busca do Tempo Per-
dido, Walter Benjamin sublinha que Proust «não descre-
veu uma vida tal como ela foi, mas uma vida como a re-
memora alguém que a viveu». E continua comparando
a «memória involuntária» de Proust – que traduz como
«trabalho de rememoração espontânea» (Eingedenken),
onde a recordação é a embalagem e o esquecimento é o
conteúdo – com um «trabalho de Penélope» onde é «o
dia que desfaz o que a noite tinha feito». Cada manhã,
ao acordar, «não temos em mãos mais do que algumas
franjas, em geral frágeis e lassas, da tapeçaria do vivido
que o esquecimento em nós teceu»3.
Tirando a sua força da experiência vivida, a memó-
ria é eminentemente subjectiva. Fica ancorada aos fac-

22
tos a que assistimos, dos quais fomos testemunhas, ou
mesmo actores, e às impressões que deixaram no nosso
espírito. A memória é qualitativa, singular, pouco preo-
cupada com comparações, com a contextualização, ou
com generalizações. Quem a transporta não necessita
de apresentar provas. O relato do passado prestado por
uma testemunha – sempre que não seja um mentiroso
consciente – será sempre a sua verdade, ou seja, a ima-
gem do passado em si deposto. Pelo seu carácter sub-
jectivo, a memória nunca é cristalizada; mais se parece
com um estaleiro aberto, em contínua operação. Não
é apenas, segundo a metáfora de Benjamin, «a tela de
Penélope» que se modifica todos os dias devido ao es-
quecimento que «ameaça» em permanência, para reapa-
recer mais tarde, por vezes muito mais tarde, tecida de
uma forma diferente. Não é só o tempo a erodir e a en-
fraquecer a recordação. A memória é uma construção,
sempre filtrada por conhecimentos adquiridos poste-
riormente, pela reflexão que se segue ao acontecimento,
por experiências que se sobrepõem à primeira e modifi-
cam a recordação. O exemplo clássico é, uma vez mais,
o dos sobreviventes dos campos nazis. Muitas vezes, o
relato da permanência em Auschwitz por um ex-depor-
tado judeu e comunista modifica-se consoante a sua re-
lação com o Partido Comunista. Durante os anos 1950,
antes da ruptura com o Partido, coloca a sua identidade

23
política em primeiro plano ao apresentar-se como um
deportado antifascista. Depois, durante os anos 1980,
consumada a ruptura, considera-se em primeiro lugar
um deportado judeu, perseguido como judeu e teste-
munha do aniquilamento dos judeus na Europa. Bem
entendido, seria absurdo distinguir entre dois testemu-
nhos prestados pela mesma pessoa em dois momentos
diferentes da sua vida, elegendo um como falso e outro
como verdadeiro. Os dois são autênticos, mas cada um
deles ilumina uma parte da verdade filtrada pela sensi-
bilidade, pela cultura e também, poderia acrescentar-se,
pelas representações identitárias, ou mesmo ideoló-
gicas, do presente. Resumindo, a memória, individual
ou colectiva, é uma visão do passado que é sempre fil-
trada pelo presente. Nesse sentido, Benjamin definiu o
procedimento de Proust como uma «presentificação»
(Vergegenwärtigung)4. Seria ilusório pensar-se no «antes»
(das Gewesene) como uma espécie de «ponto fixo» de que
nos poderíamos aproximar através de uma reconstrução
mental a posteriori. O «acontecido» é em larga medida
configurado pelo presente, visto ser a memória a «esta-
belecer» os factos: trata-se, segundo Benjamin, de uma
«revolução coperniciana na visão da história»5. Benjamin
reafirma este conceito nas «reflexões teóricas» do seu
Passagen-Werk, quando considera «o passado em colisão
com o presente», acrescentando que «é o presente que

24
polariza o acontecimento (das Geschehen) em história
anterior e história posterior». A história, continua Ben-
jamin, «não é apenas uma ciência», já que é «ao mes-
mo tempo uma forma de rememoração (Eingedenken)»6.
Mais recentemente, numa linha semelhante, François
Hartog forjou a noção de «presentismo» a fim de des-
crever uma situação em que «o presente se tornou o
horizonte», um presente que, «sem futuro e sem pas-
sado», permanentemente engendra os dois segundo as
suas necessidades7.
A história, que no fundo, lembrava Ricoeur, não é
mais do que uma parte da memória, escreve-se sem-
pre no presente. Para existir como campo do saber, no
entanto, a história deve emancipar-se da memória, não
rejeitando-a mas colocando-a à distância. Um curto-cir-
cuito entre história e memória poderia ter consequên-
cias prejudiciais para o trabalho do historiador.
Uma boa ilustração deste fenómeno é oferecida
pelo debate dos últimos anos em torno da «singula-
ridade» do genocídio judeu8. A irrupção desta contro-
vérsia no domínio do historiador relaciona-se, inevi-
tavelmente, com o percurso da memória judaica, com
a sua emergência no seio do espaço público e a sua
interferência nos métodos tradicionais de pesquisa que
foram subitamente confrontados com autobiografias
e com arquivos audiovisuais que apresentam os teste-

25
munhos dos sobreviventes dos campos de concentra-
ção. Se uma tal «contaminação» da historiografia pela
memória se revelou extremamente frutuosa, não deve
no entanto ocultar uma observação metodológica tão
banal como essencial: a memória singulariza a histó-
ria, na medida em que é profundamente subjectiva,
selectiva, muitas vezes desrespeitadora da cronologia,
indiferente às reconstruções de conjunto e às raciona-
lizações globais. A sua percepção do passado não pode
ser senão irredutivelmente singular. Onde o historia-
dor não vê mais do que uma etapa de um processo,
do que um aspecto de um quadro complexo em mo-
vimento, a testemunha pode captar um acontecimento
crucial, o ponto de viragem numa vida. O historiador
pode decifrar, analisar e explicar as fotografias conser-
vadas do campo de Auschwitz. Ele sabe que aqueles
que descem do comboio são judeus, ele sabe que o
SS que os observa fará uma selecção e que a grande
maioria das figuras daquela fotografia não terá mais do
que algumas horas de vida à sua frente. A uma teste-
munha, essa fotografia dirá muito mais. Lembrar-se-á
das sensações, das emoções, dos ruídos, das vozes, dos
cheiros, do medo e da desorientação da chegada ao
campo, da fadiga de uma longa viagem efectuada em
condições horríveis, sem dúvida da visão do fumo dos
crematórios. Dito de outra forma, lembrar-se-á de um

26
conjunto de imagens e de recordações todas elas sin-
gulares e completamente inacessíveis ao historiador,
senão com base num relato a posteriori, fonte de uma
empatia incomparável àquela que a testemunha pôde
reviver. A fotografia de um Häftling* significa aos olhos
do historiador uma vítima anónima; para um paren-
te, um amigo ou um camarada de detenção, evoca um
mundo absolutamente único; para o observador exte-
rior, não representa – como diria Siegfried Kracauer
– mais do que uma realidade «não redimida» (unerlöst)9.
O conjunto daquelas recordações forma uma parte da
memória judaica, uma memória que o historiador não
pode ignorar e que deve respeitar, que deve explorar
e compreender, mas à qual não se deve submeter. O
historiador não tem o direito de transformar a sin-
gularidade dessa memória num prisma normativo da
escrita da história. A sua tarefa consiste muito mais
na inscrição dessa singularidade da experiência vivida
num contexto histórico global, tentando esclarecer as
causas, as condições, as estruturas, a dinâmica de con-
junto. Isto significa aprender com a memória depois
de a passar pelo crivo de uma verificação objectiva,
empírica, documental e factual, assinalando, se ne-
cessário for, as suas contradições e armadilhas. Este

* Prisioneiro. N.T.

27
procedimento pode ajudar a recordação a tornar-se
mais nítida, a clarificar os seus contornos, a tornar-se
mais exigente, e também a trazer luz sobre aquilo que
na lembrança não é redutível a elementos factuais10.
Se pode haver uma singularidade absoluta da memó-
ria, a da história será sempre relativa11. Para um judeu
polaco, Auschwitz significa qualquer coisa de terrivel-
mente único: o desaparecimento do universo humano,
social e cultural onde nasceu. Um historiador que não
consiga compreender isso jamais conseguirá escrever
um bom livro sobre a Shoah, mas o resultado da sua
pesquisa também não seria melhor se concluísse – tal
como o fez, por exemplo, o historiador norte-america-
no Steven Katz – que o genocídio judaico foi o único
da história12. Segundo Eric Hobsbawm, o historiador
não se deve subtrair a um dever de universalismo:
«Uma história que diga respeito apenas aos judeus (ou
aos negros americanos, aos gregos, às mulheres, aos
proletários, aos homossexuais, etc.) não será uma boa
história, mesmo que possa reconfortar quem a prati-
ca.»13. É normalmente muito difícil, para os historia-
dores que trabalham sobre fontes orais, encontrar o
equilíbrio justo entre empatia e distanciação e entre
o reconhecimento das singularidades e a perspectiva
geral.

28
Separações
É apenas a partir do início do século XX, quando os
paradigmas do historicismo clássico entraram em
crise, questionados simultaneamente pela filosofia
(Bergson), pela psicanálise (Freud) e pela sociologia
(Halbwachs), que história e memória passaram a for-
mar um par antinómico. Até então a memória era con-
siderada o substrato subjectivo da história. Para Hegel,
a história (Geschichte) possuía duas dimensões comple-
mentares, uma objectiva e outra subjectiva: de um lado,
os acontecimentos (res gestae); do outro, a sua narração
(historia rerum gestarum); isto é, os «factos» e o seu «re-
lato histórico»14. A memória acompanha o desenrolar
da história como uma espécie de sua protectora, já que
constitui o seu «fundamento interior», e as duas encon-
tram a sua realização no Estado, cuja história escrita («a
prosa da História»15) reflecte, como um espelho, a ra-
cionalidade intrínseca. Hegel apresenta esse domínio
estatizado do passado sob a forma alegórica do conflito
entre Cronos, o deus do tempo, e Zeus, o deus políti-
co. Cronos mata os seus próprios filhos. Engole tudo
à sua passagem, não deixando rasto. Mas Zeus conse-
gue dominar Cronos, porque criou o Estado, capaz de
transformar em história tudo aquilo que Mnemósina, a
deusa da memória, pôde colectar após a passagem de-
vastadora do tempo. Na Fenomenologia do Espírito, a me-

29
mória define a historicidade do Espírito (Geist), que se
manifesta simultaneamente como «recordação» (Erin-
nerung) e movimento de «interiorização» (Er-Innerung),
enquanto que o Estado constitui a sua expressão exte-
rior16. Para Hegel, apenas os povos estatizados, dota-
dos de uma história escrita, possuem uma memória. Os
outros – «os povos sem história» (geschichtlose Völker), ou
seja, o mundo não europeu desprovido de um passado
estatal e do seu relato codificado pela escrita – não po-
dem superar o estádio de uma memória primitiva, feita
de «imagens» mas incapaz de se condensar em consci-
ência histórica17. Daqui resulta uma visão dupla da his-
tória, como prerrogativa ocidental e como dispositivo
de dominação. Não só é pertença exclusiva da Europa,
como só pode existir enquanto relato apologético do
poder18, aquilo que Benjamin denunciou como empatia
historicista com os vencedores19.
No entanto, no seguimento da crise do historicis-
mo, da crítica ao paradigma eurocentrista no período da
descolonização e, depois, com a emergência das clas-
ses subalternas como sujeitos políticos, a história e a
memória dissociaram-se. A história democratizou-se,
rompendo as fronteiras do Ocidente e o monopólio das
elites dominantes; a memória, por sua vez, emancipou-
-se da dependência exclusiva da escrita. A relação entre
história e memória reconfigurou-se como uma tensão

30
dinâmica. A transição não foi nem linear nem rápida
e, de uma certa forma, ainda não foi concluída. Nos
últimos trinta anos, os historiadores alargaram as suas
fontes, mas continuam a privilegiar os arquivos, que não
deixaram de ser o depósito dos vestígios de um pas-
sado conservado pelo Estado. Só recentemente é que
os «subalternos» foram reconhecidos como sujeitos da
história e se tornaram objecto de estudo. E foi ainda
mais recentemente que se começou a tentar escutar a
sua voz. Em 1963, François Furet ainda pensava que
podia integrar as classes subalternas na história apenas
num plano quantitativo, tomando-as em consideração
unicamente sob o signo «do número e do anonimato»,
como elementos «perdidos no estudo demográfico ou
sociológico», ou seja, como entidades condenadas a
permanecer «silenciosas»20. No fundo, para aquele ad-
mirador de Tocqueville, as classes trabalhadoras perma-
neciam ainda como «povos sem história». A mutação
operou-se precisamente no decurso dos anos 1960.
A primeira grande obra de história social das classes
subalternas, The Making of the English Working Class, de
Edward Palmer Thompson, data de 1963; a Histoire de la
folie à l’âge classique, de Foucault, data de 1964; e o pon-
to de partida da micro-história, Il formaggio e i vermi, de
Carlo Ginzburg, que reconstrói o universo de um mo-
leiro de Friuli no século XVI, data de 197621. De igual

31
modo, para a historiografia, as mulheres só passaram a
ter uma história há trinta anos22. Até então, as mulheres
estavam excluídas da mesma forma que o estavam os
«povos sem história» de Hegel. Os Subaltern Studies, por
seu lado, nasceram na Índia no início dos anos 1980.
O seu objectivo é rescrever a história já não como «a
obra da Inglaterra na Índia», nem como a das elites
indianas formadas durante a dominação colonial, mas
como história dos «subalternos», o povo cuja «pequena
voz» (small voice) procura escutar-se e que «a prosa da
contra-insurreição» depositada nos arquivos de Estado
não nos pode restituir, pois a sua função consiste exac-
tamente em submergi-la23. É neste contexto de alarga-
mento das fontes do historiador e de questionamento
das hierarquias tradicionais que se inscreve a emergên-
cia da memória como uma nova oficina de escrita do
passado.
O primeiro a codificar a dicotomia entre as flutu-
ações emocionais da recordação e as construções ge-
ométricas do relato histórico foi Maurice Halbwachs,
na sua obra já clássica sobre a memória colectiva. Aí
denunciou o carácter contraditório da expressão «me-
mória histórica» por unir dois elementos que, a seu ver,
se opõem. Para Halbwachs, a história começa onde ter-
mina a tradição e «se decompõe a memória social»24,
estando as duas separadas por uma clivagem insanável.

32
A história supõe um olhar exterior sobre os aconteci-
mentos do passado, enquanto a memória implica uma
relação de interioridade com os factos relatados. A
memória perpetua o passado no presente, enquanto a
história fixa o passado numa ordem temporal fechada,
acabada, organizada seguindo procedimentos racionais
nos antípodas da sensibilidade subjectiva do vivido. A
memória atravessa as épocas, enquanto a história as se-
para. No fundo, Halbwachs opõe a multiplicidade das
memórias – ligadas aos indivíduos e aos grupos que
delas são portadores e sempre elaboradas em quadros
sociais definidos25 – ao carácter unitário da história,
que se declina em histórias nacionais ou em história
universal, mas que exclui a coexistência de vários re-
gimes temporais num mesmo relato26. Em resumo,
Halbwachs opõe uma história positivista – o estudo
científico do passado, sem interferências com o presen-
te – a uma memória subjectiva baseada nas vivências
dos indivíduos e dos grupos. Radicalizando a pers-
pectiva, compara a clivagem que separa a história da
memória à que opõe o tempo matemático ao «tempo
vivido» de Bergson27. A história, refere o autor, igno-
ra as percepções subjectivas do passado ao privilegiar
cortes convencionais, impessoais, racionais e objectivos
(Halbwachs refere o exemplo da Chronologie universelle, de
Dreyss, publicada em Paris em 1858)28.

33
Essa dicotomia foi retomada, mais recentemente,
por Yosef Haym Yerushalmi que, na sua qualidade
de historiador, se apresenta como um recém-chegado ao
mundo judaico. Numa comunidade unida pela religião,
a imagem do passado foi forjada no decorrer dos sé-
culos graças a uma memória ritualizada que fixava as
modalidades e os ritmos de uma temporalidade judaica
separada do mundo exterior. Por consequência, a his-
toriografia judaica nasce de uma ruptura com a memó-
ria judaica, a única que anteriormente tinha assegurado
uma continuidade, em termos de identidade e de auto-
-representação, no seio do mundo judaico. Essa ruptura
foi marcada pela Emancipação judaica, movimento que
engendrou um processo de assimilação cultural com o
meio envolvente e, no interior da comunidade, o des-
moronamento da antiga organização social centrada na
sinagoga. Inscrevendo-se num mundo secularizado e
adoptando as divisões temporais da história profana, a
história judaica – cujo início foi marcado pela escola da
Wissenschaft des Judentums, nascida em Berlim no início
do século XIX – não poderia senão operar uma ruptu-
ra, pelas suas modalidades, fontes e objectivos, com a
memória judaica29.
A antinomia entre história e memória foi reafir-
mada por Pierre Nora, a quem se deve a renovação, a
partir dos anos 1980, do debate historiográfico sobre

34
a memória. Recuperou para si a tese de Halbwachs,
mas apresentando uma visão bem mais problemática
das vicissitudes da escrita da história. Memória e histó-
ria, explica Nora, estão longe de ser sinónimos, já que
«tudo as opõe». A memória é «a vida», o que a expõe «à
dialéctica da recordação e da amnésia, inconsciente das
suas deformações sucessivas, vulnerável a todas as uti-
lizações e manipulações, susceptível de longas latências
e de súbitas revitalizações». Ora, esse «vínculo vivido
no presente eterno» não pode ser assimilado à história,
representação do passado que, mesmo se problemática
e sempre incompleta, se quer objectiva e retrospectiva,
fundada na distância. A memória é «afectiva e mágica»,
com tendência para sacralizar as recordações, enquanto
a história é uma visão secular do passado, sobre o qual
constrói «um discurso crítico». A memória tem uma vo-
cação singular, ligada à subjectividade dos indivíduos e
dos grupos, a história tem uma vocação universal. «A
memória é um absoluto e a história apenas conhece o
relativo».30 A partir dessa constatação, Nora não pode
conceber senão uma relação entre história e memória,
a de uma análise e reconstrução da memória segundo
os métodos das ciências sociais de que a história faz
parte. Nessa perspectiva, Nora abriu um novo campo
historiográfico extremamente ambicioso: reconstruir a
história nacional em torno dos «lugares da memória»,

35
do território às paisagens, dos símbolos aos monumen-
tos, das comemorações aos arquivos, dos emblemas aos
mitos, da gastronomia às instituições, de Joana d’Arc à
Torre Eiffel.
Todavia, longe de serem o quinhão exclusivo da
memória, os riscos de sacralização, mitificação e am-
nésia espreitam permanentemente a escrita da própria
história e uma grande parte da historiografia moderna
e contemporânea caiu nessa armadilha. O projecto de
Nora não escapa a essa regra, ao reservar um espaço
bem modesto para o passado da França colonial en-
tre a multitplicidade de «lugares de memória». Segundo
Perry Anderson, o mais severo dos seus críticos, o pro-
jecto editorial de Nora reduz as guerras coloniais fran-
cesas, da conquista da Argélia à derrota na Indochina,
«a uma exposição de bugigangas exóticas que poderiam
ter estado presentes na exposição universal de 1931. O
que valem os lugares de memória que se esquecem de in-
cluir Diên Biên Phû?»31
A história, da mesma forma que a memória, não
tem apenas as suas falhas; pode também desenvolver-
-se e encontrar a sua razão de ser no desaparecimento
de outras histórias e na negação de outras memórias.
Como referiu Edward Said, a arqueologia israelita, que
procura trazer à superfície os traços milenares do pas-
sado judaico da Palestina (vista por alguns como uma

36
«arqueologia – religião nacional»), escavou a terra com
o mesmo afinco com que os bulldozers destruíram os
traços materiais do passado árabo-palestino32.
Por outro lado, deve ter-se em conta a influência da
história sobre a própria memória, já que não existe me-
mória literal, original e não contaminada: as recorda-
ções são constantemente elaboradas por uma memória
inscrita no espaço público, submetidas aos modos de
pensar colectivos, mas também influenciadas pelos pa-
radigmas especializados da representação do passado.
Esta situação deu lugar a híbridos – certas autobio-
grafias entram nessa categoria – que permitem à me-
mória revisitar a história, destacando os pontos cegos
e as generalizações apressadas, e à história corrigir as
armadilhas da memória, obrigando-a a transformar-se
em análise auto-reflexiva e em discurso crítico. Uma
obra como Os que sucumbem e os que se salvam, de Pri-
mo Levi33, articula história e memória num relato de
novo tipo, inclassificável, fundado sobre um vai e vem
permanente entre os dois. Pierre Vidal-Naquet, na sua
auto-biografia, relata as suas recordações com o rigor
de um historiador que verificou as suas fontes e sub-
mete a sua memória ao teste de apresentação de provas,
dando-lhe, no entanto, a forma de um balanço retros-
pectivo e muitas vezes crítico. Não se trata apenas do
seu relato, como refere no prefácio, porque ele tem em

37
conta a correspondência dos seus pais, o diário do seu
pai e o diário que a sua irmã começou a escrever depois
da detenção e deportação dos seus pais, mas também
e sobretudo porque se apoia no seu conhecimento de
todo um período histórico. «É nesse sentido – escreve
– que se trata tanto de um livro de história como de me-
mória, um livro de história de que sou, a uma só vez, o
autor e o objecto.»34 Pertencendo ao mesmo tempo ao
registo da memória e ao da história, estes dois exemplos
não entram na dicotomia estabelecida por Halbwachs,
Yerushalmi e Nora.

Empatia
A mesma oposição entre história e memória está for-
temente presente na historiografia do nacional-socia-
lismo, como o demonstrou claramente, em meados
dos anos 1980, a correspondência entre dois grandes
historiadores, Martin Broszat e Saul Friedländer35. Pro-
curando sustentar a sua defesa de uma historicização
do nazismo capaz de romper a tendência para «insu-
larizar» o período de 1933-1945 por razões morais,
Broszat reivindica um método cientifico capaz de se
emancipar da «recordação mítica» das vítimas36. A me-
mória dos sobreviventes do genocídio dos judeus sus-
cita evidentemente o seu respeito, mas deveria ficar ex-

38
cluída das fontes do historiador e não interferir com o
seu trabalho. Face ao positivismo radical de tal posição,
perguntamo-nos se ela não encobre a parte de memó-
ria vivida e afectiva presente na historiografia alemã do
pós-guerra, nomeadamente a historiografia do nazismo
elaborada pela «geração da Hitlerjugend *» 37. Para lá dos
julgamentos que sobre esses resultados – muitas vezes
notáveis – possam ser feitos, uma constatação impõe-
-se: uma característica partilhada pela maior parte dos
seus representantes reside precisamente na exclusão das
vítimas do nazismo do seu campo de investigação, para
não dizer do seu horizonte epistemológico. Essa carac-
terística perpetuou-se, aliás, no trabalho de uma nova
geração, muitas vezes centrada na análise da máquina de
morte do nazismo, mas que raramente se interessa pelo
testemunho das vítimas. Nessa historiografia, as vítimas
ficam num plano secundário, anónimas e silenciosas38.
Esse problema poderia ser também abordado a par-
tir de uma outra perspectiva. O recalcamento dos anos
negros na Alemanha do pós-guerra – recalcamento da
Schuldfrage** e dos crimes nazis – não terá tido, entre os
seus efeitos, o de transformar numa espécie de tabu os
bombardeamentos que destruíram as cidades alemãs,

* Juventude hitleriana. N.T.


** A questão da culpa. N.T.

39
tema que tem sido ignorado até a uma época recente,
tanto pela literatura como pelo cinema e pela historio-
grafia? Essa é a hipótese sugerida por W. G. Sebald, para
quem a ausência de qualquer debate público e de obras
literárias sobre esse trauma colectivo se deve ao facto
de «um povo que havia assassinado e explorado até à
morte milhões de homens ter ficado impossibilitado de
exigir às potências vitoriosas que prestassem contas so-
bre a lógica de uma política militar que tinha ditado a
erradicação de cidades alemãs»39.
Opor radicalmente história e memória é, pois,
uma operação perigosa e discutível. Os trabalhos de
Halbwachs, Yerushalmi e Nora contribuíram para mos-
trar as diferenças profundas que existem entre história
e memória, mas seria errado deduzir daí a sua incom-
patibilidade ou considerá-las como irredutíveis. O que
a sua interacção cria é um campo de tensões no interior
do qual se escreve a história. Sem dúvida que Amos
Fukenstein tem razão quando indica, no ponto de en-
contro entre história e memória, a emergência de um
terceira instância, a que chamou consciência histórica40.
A correspondência com Broszat foi, aliás, o ponto
de partida de Saul Friedländer para uma reflexão fecun-
da sobre as condições de escrita da história. Se o histo-
riador não trabalha fechado na clássica torre de marfim,
ao abrigo dos rumores do mundo, também não vive

40
dentro de uma câmara frigorífica, imune às paixões do
mundo. Ele está submetido às condicionantes de um
contexto social, cultural e nacional. Não escapa às influ-
ências das suas recordações pessoais, nem às de um sa-
ber herdado, de que pode tentar libertar-se, não através
da sua negação, mas de um esforço de distanciamento
crítico. Nessa perspectiva, a sua tarefa não consiste em
tentar pôr de lado a memória – pessoal, individual e
colectiva – mas em colocá-la à distância e em inscrevê-
-la num conjunto histórico mais vasto. Há então no tra-
balho do historiador uma dimensão de transferência que
orienta a escolha, a abordagem e o tratamento do seu
objecto de pesquisa, e da qual ele deve estar consciente.
Friedländer define assim a escrita da história, recorren-
do ao léxico da psicanálise, como um acto de «perla-
boração» (working through). A distância cronológica que
separa o historiador do objecto da sua investigação
cria uma espécie de ecrã protector, mas a emoção que,
muitas vezes de forma imprevista e súbita, ressurge no
decurso do seu trabalho inevitavelmente quebra este
diafragma temporal41. Esta empatia ligada à vivência in-
dividual do historiador não tem necessariamente efeitos
negativos. Pode também revelar-se frutuosa, se o histo-
riador dela estiver consciente e a souber «dominar»42.
A obra de Friedländer constitui um bom exemplo
de uma tal capacidade de domínio. Em Nazi Germany

41
and the Jews, inscreveu uma constelação de «destinos in-
dividuais» num relato histórico global da Alemanha no
período anterior à Segunda Guerra Mundial. Foi assim
capaz de ultrapassar a clivagem tradicional dos estudos
do nazismo: de um lado as pesquisas, feitas essencial-
mente nos arquivos, que focalizam a atenção sobre a
ideologia e as estruturas do regime; do outro lado, uma
reconstrução do passado exclusivamente fundada sobre
a memória das vítimas, por vezes baseada numa vasta
literatura testemunhal, outras preservada nos arquivos
visuais e sonoros. Friedländer tentou integrar essas duas
perspectivas para chegar a uma reconstrução global
do processo histórico, introduzindo a voz das vítimas
numa narrativa que de outro modo se reduziria à análise
das decisões políticas e dos decretos administrativos43.
Apesar da sua postura positivista, os historiadores
alemães da geração da Hitlerjugend, ou seja, aqueles que
nasceram entre 1925 e o início dos anos 1930 (Martin
Broszat, Hans Mommsen, Andreas Hillgruber, Ernst
Nolte, Hans-Ulrich Wehler, etc.), tendem, também
eles, a estabelecer uma empatia com os actores de um
passado que implica recordações pessoais. As investi-
gações sobre a história da vida quotidiana sob o na-
zismo (Alltagsgeschichte) desenham, na maior parte das
vezes, um quadro social de que as vítimas simplesmente
desaparecem44. Outros não escaparam à armadilha do

42
relato apologético. Para Andreas Hillgruber, jovem sol-
dado da Wehrmacht* em 1945, ao descrever o último
ano da Segunda Guerra Mundial, o historiador «deve
identificar-se com o destino da população alemã de
leste e com os esforços desesperados e custosos do
Ostheer** (…) que visavam defender essa população
contra a vingança do exército vermelho, as violações
colectivas, os assassinatos arbitrários e as inúmeras de-
portações, e manter abertas rotas terrestres e marítimas
que permitissem aos alemães dos territórios orientais
fugir em direcção ao Oeste…»45. Ora, como lhe re-
cordou Jürgen Habermas, a resistência encarniçada da
Wehrmacht nesse último ano de guerra foi também o
que permitiu a continuação das deportações para os
campos de concentração nazis, onde as câmaras de gás
continuavam a funcionar.

Tradicionalmente, a historiografia não se apresen-


tou sob a forma de um relato polifónico pela simples
razão de que as classes subalternas não eram tomadas
em consideração, o que resultou na redução da narra-
ção do passado aos relatos dos vencedores. Foi esse
historicismo que Benjamin denunciou nas suas Teses

* Conjunto das forças armadas da Alemanha durante o


Terceiro Reich.
** Exército de Leste. N.T.

43
sobre o conceito de história, descrevendo o seu método
como uma forma de empatia unilateral com os ven-
cedores46. Na verdade, essa «empatia» – a Einfühlung
do historicismo clássico – não é sempre sinónimo de
apologia. Alguns recusam-na, como Ian Kershaw, na
sua biografia de Hitler, por ele apresentada como um
trabalho de um historiador «estruturalista»47. A sua
escolha é motivada tanto pela inconsistência da vida
privada do führer, que reduziria toda a empatia a uma
adesão aos seus desígnios políticos, como pelo seu de-
sejo de distinguir a sua biografia da, mais antiga, de
Joachim Fest. Fascinado pela «grandiosidade demoní-
aca» de Hitler, Fest não conseguiu deixar de lhe reser-
var, mesmo sem intenção, «um bom lugar no panteão
dos heróis alemães»48. Outros adoptaram uma atitude
de empatia crítica – muito mais um motivo de abalo
do que de identificação (mais do que empatia, devería-
mos falar de aproximação «heteropática»)49 – que ajuda
a «compreender» o comportamento dos actores sem
procurar justificá-los. É o esforço empreendido por
Hanna Arendt ao penetrar no universo mental do SS
Adolf Eichmann, esforço que não foi compreendido
e que não lhe foi perdoado aquando da publicação do
seu ensaio sobre a «banalização do mal»50. É também
o sentido do trabalho micro-histórico de Christopher
Bowning, que tentou compreender por que meio e por

44
que etapas certos «homens comuns», como os mem-
bros do 101.º batalhão de reserva da polícia alemã na
Polónia em 1941, se puderam transformar numa equi-
pa de massacre profissional51.
Os percalços que resultam de uma empatia de sentido
único, desprovida de distância crítica em relação ao seu
objecto, são mais frequentes quando a polifonia dos ac-
tores se torna inaudível, escutando-se apenas uma voz,
não havendo lugar a uma interacção entre memórias an-
tagonistas no espaço público. Se na Argélia a indepen-
dência deu rapidamente lugar a uma história oficial da
guerra de libertação, em França o esquecimento não se
podia eternizar. Deveria, mais tarde ou mais cedo, dar
lugar a uma escrita da história alimentada pela multiplici-
dade de memórias. A memória da França colonial, a dos
pied-noirs*, a dos harkis**, a dos emigrantes argelinos e dos
seus filhos, e ainda a do movimento nacional argelino,
mantida também pelos seus representantes entretanto
exilados, enleiam-se numa memória da guerra da Ar-
gélia que impede uma escrita da história fundada sobre
uma empatia unilateral, exclusiva. A escrita dessa histó-
ria só se pode fazer sob o olhar vigilante e crítico de vá-
rias memória paralelas, que se exprimem no espaço pú-

* Cidadãos franceses que viviam na Argélia. N.T.


** Milicianos nativos ao serviço do exército francês. N.T.

45
blico. Esta interacção de memórias obrigou mesmo os
próprios torcionários a sairem do seu silêncio, a formu-
larem a sua versão do passado52. Concluindo, história e
memória interagem aqui, para retomar uma expressão
muito pertinente de David N. Myers, como «categorias
flutuantes no seio de um campo dinâmico»53.
Do outro lado dos Alpes, a paisagem memorial e his-
toriográfica é bem diferente. Pouco antes da sua morte,
George L. Mosse, um dos mais fecundos historiadores
do fascismo do pós-guerra, fez o elogio do seu cole-
ga italiano Renzo De Felice, bem conhecido pela sua
monumental biografia de Mussolini. O principal méri-
to de De Felice, segundo Mosse, residia precisamente
na sua empatia com o fundador do fascismo, no facto
de ter «tentado proceder desde o interior, imaginando
como o próprio Mussolini concebia os seus actos»54.
Na sua autobiografia, Mosse conta, em jeito de anedo-
ta, um episódio da sua adolescência em que se cruzou
com o ditador italiano. Em 1936, Mosse estava em Flo-
rença com a sua mãe. O Eixo, entre a Itália fascista e
a Alemanha nazi, tinha acabado de ser estabelecido, o
que provocou agitação entre os judeus alemães que se
tinham refugiado na península, temendo ser entregues
às autoridades nazis (ameaça que se concretizará pela
expulsão em massa em 1938, com a promulgação das
leis raciais). A mãe do jovem Mosse decidiu então escre-

46
ver a Mussolini para lhe pedir a sua protecção, depois
de lhe relembrar o auxílio financeiro que o seu marido,
um importante editor alemão durante a República de
Weimar, lhe havia oferecido antes da sua chegada ao po-
der. A curta chamada telefónica que o Duce fez à sua mãe
para a tranquilizar mostra, segundo George L. Mosse,
o «carácter de Mussolini, ou pelo menos o seu sentido
de gratidão»55. Ao contrário de Mosse, De Felice não
tinha anedotas pessoais para contar sobre o ditador ita-
liano, mas tentou compreender a sua personalidade ao
longo dos diferentes volumes da sua biografia, enorme
trabalho escrito com uma Einfühlung sempre crescente
ao longo dos anos. Pouco antes da sua morte, De Felice
publicou uma obra muito controversa, Rosso e Nero, na
qual interpreta a última etapa do itinerário de Mussolini,
ou seja, o seu papel na guerra civil italiana de 1943-1945.
Segundo De Felice, «Mussolini, agrade-nos ou não, acei-
ta o projecto de Hitler por motivação patriótica: foi um
autêntico “sacrifício” no altar da defesa da pátria»56. Os
historiadores franceses estão familiarizados com esta
tese, já defendida por Robert Aron, que apresentou o
regime de Vichy como um «escudo» protector contra
os tormentos de uma ocupação total do país57 (evitando
desta forma um destino semelhante ao da Polónia).
Os historiadores do colonialismo fascista trouxeram
à luz documentos que tinham sido ignorados pelas pes-

47
quisas arquivísticas, bastante extensas, de De Felice. O
ditador italiano demonstra aí um aspecto diferente do
seu carácter e esses documentos emprestam um outro
significado tanto ao seu sentido de gratidão como ao
seu espírito de sacrifício. A 8 de Julho de 1936, Mussoli-
ni telegrafou a Rodolfo Graziani, um dos principais res-
ponsáveis militares durante a guerra da Etiópia, uma di-
rectiva autorizando-o «mais uma vez (...) a levar a cabo
de forma sistemática a política de terror e de extermínio
contra os rebeldes e populações suas cúmplices»58. Com
uma notável devoção patriótica, Graziani não hesitou
em utilizar as armas químicas para pôr fim à resistência
etíope. E foi com gratidão que Mussolini reconheceu os
seus méritos, ao nomeá-lo ministro da Defesa da Repú-
blica de Saló no Outono de 1943.
Foi através da pesquisa de uma enorme quantidade
de documentos deste género que alguns investigadores
italianos puderam reconstituir a história do genocídio
fascista na Etiópia em 1935-1936. Mas o reconheci-
mento desse genocídio permanece uma aquisição (no
fim de contas, muito recente) exclusivamente historio-
gráfica. Nunca penetrou verdadeiramente na memória
colectiva dos italianos, para quem, no seu conjunto, a
recordação da guerra da Etiópia permanece como uma
aventura ingénua e inocente, bem resumida pela letra
de uma célebre canção da época, que todos conhecem,

48
Faccetta nera, um concentrado de estereótipos do imagi-
nário colonial. Um conjunto de circunstâncias históricas
(as crises, guerras e ditaduras conhecidas pela Etiópia
até ao presente, tal como a reduzida imigração etíope
em Itália, que nunca foi um lugar de formação de uma
elite intelectual e política africana) impediu que a voz
das vítimas desse genocídio encontrassem um lugar no
relato italiano dessa guerra. Apesar dos seus esforços,
a historiografia não poderá tapar os buracos de uma
memória mutilada. No melhor dos casos, esta tornar-
-se-á, como na Alemanha, uma história na qual haverá
«crimes sem vítimas» ou vítimas completamente anó-
nimas sem identidade e sem rosto. Nós não conhece-
mos a versão da guerra contada pelos companheiros de
Hailou Tchebbedé, um dos chefes de resistência etíope;
dele conhecemos apenas as fotos da sua cabeça exibida
como um troféu pelos soldados italianos59. Esperemos
que os estudos pós-coloniais venham brevemente que-
brar esta dialéctica asfixiada entre história e memória.
Na sua última obra, History. The Last Things Before the
Last, Siegfried Kracauer utiliza duas metáforas para de-
finir o historiador. A primeira, a do judeu errante, visa a
historiografia positivista. Como «Funes, el memorioso»,
o herói do célebre conto de Borges, Ahasvérus, que atra-
vessa os continentes e as épocas, nada pode esquecer e
está condenado a deslocar-se incessantemente, carrega-

49
do com o seu fardo de recordações, memória viva do
passado de que é o infeliz guardião. Alvo de compaixão,
ele não encarna qualquer sabedoria, nenhuma memória
virtuosa ou educativa, apenas um tempo cronológico,
homogéneo e vazio60. A segunda metáfora, a do exilado
– poderíamos também dizer a do estrangeiro, segundo a
definição de Georg Simmel –, faz do historiador uma
figura de extraterritorialidade. À semelhança do exilado,
dividido entre dois países, a sua pátria e a sua terra de
adopção, o historiador encontra-se clivado entre o pas-
sado que explora e o presente em que vive. É assim
obrigado a adquirir um estatuto «extraterritorial», em
equilíbrio entre o passado e o presente61. Como o exila-
do, que é sempre um outsider no país de acolhimento, o
historiador procede a uma intrusão no passado. No en-
tanto, da mesma forma que o exilado se pode familiari-
zar com o país de acolhimento, e sobre ele fazer incidir
um olhar crítico, simultaneamente interior e exterior,
feito de adesão e distanciação, o historiador – não é a
norma, é uma virtualidade – pode conhecer em pro-
fundidade uma época já passada e, graças ao seu olhar
retrospectivo, reconstituir os seus traços com uma mui-
to maior clareza do que os contemporâneos. A sua arte
consiste em reduzir ao máximo as desvantagens que a
distância provoca e tirar o maior proveito das vantagens
epistemológicas que dela provêm.

50
Enquanto «passador» (Grenzgänger) extraterritorial,
o historiador é devedor da memória, embora, por seu
lado, actue sobre esta, já que contribui para a formar e
para a orientar. Precisamente porque, em vez de viver
encerrado numa torre, participa na vida da sociedade
civil, o historiador contribui para a formação de uma
consciência histórica e, portanto, de uma memória colecti-
va (plural e inevitavelmente conflituosa, atravessando o
conjunto do corpo social). Dito de outra forma, o seu
trabalho contribui para aquilo que Habermas chamou
«uso público da história»62. Trata-se de uma constatação
que não precisa de ser sublinhada: os debates alemães,
italianos e espanhóis em torno do passado fascista, os
debates franceses em torno do passado vichista e colo-
nial, os debates argentinos e chilenos em torno do lega-
do das ditaduras militares, os debates europeus e ameri-
canos em torno da escravatura – a lista seria inesgotável
–, ultrapassam largamente as fronteiras da investigação
histórica. Invadem a esfera pública e interpelam o nos-
so presente.
O livro de Ludmila da Silva Catela, No habrá flores en
la tumba del pasado, sobre a memória das vítimas da dita-
dura militar argentina, é um bom exemplo de investiga-
ção histórica que faz da memória o seu objecto, ao mes-
mo tempo que se inscreve num contexto sensível, ine-
vitavelmente participando numa utilização pública da

51
história63. Trata-se, desde logo, de história oral, porque a
autora fez um inquérito entre os familiares (pais, filhos,
irmãos e irmãs) dos desaparecidos de La Plata, cidade
onde a repressão militar foi particularmente virulenta
e extensiva. É o relato do seu medo, da sua esperança,
da sua espera, da sua ira, da sua coragem, da sua ne-
cessidade de agir, do seu alívio depois de cada pequena
acção pública. Trata-se, em seguida, de história política:
como se começaram a organizar, como encontraram a
força para agir publicamente, como inventaram formas
de luta (denúncia, contra-informação) e símbolos (o
pañuelo*, etc.). De que forma estas acções responderam
a um imperativo moral, a uma necessidade pessoal, e
como deram lugar a um movimento político com um
forte impacto no conjunto da sociedade civil. Como
as mães, e por vezes as avós, que eram domésticas, se
tornaram as dirigentes de um movimento da socieda-
de civil contra a ditadura militar. Trata-se ainda, a par
da história oral e da história política, de antropologia e
psicologia: um estudo sobre o sofrimento e sobre a im-
possibilidade do luto ligados ao desaparecimento. Os
familiares sabem que os desaparecidos morreram mas
não os podem considerar como tal porque os seus cor-
pos nunca foram encontrados. Daí a especificidade, e

* Lenço que as mulheres usam na cabeça. N.T.

52
até a criatividade, de uma rememoração que acompa-
nha esse luto simultaneamente inesgotável e impossível
(os desfiles das Madres, o aparecimento dos pañuelos, as
fotografias dos desaparecidos na imprensa, o «assédio»
às autoridades, a abertura dos arquivos, os processos,
a procura dos corpos das vítimas, os escraches, ou seja,
as denúncias públicas em frente às casas dos torcioná-
rios, etc.). Uma rememoração profundamente ancorada
no presente, como o provam as madres e os hijos que
apoiam os piquetes dos desempregados, porque a luta
dos piqueteros pela «dignidade humana» é a mesma que
a dos seus filhos e dos seus pais mortos pela ditadura.
Assim é este livro de história, fundado numa empatia
crítica que volta a dar um rosto e uma voz a quem a
ditadura militar tinha querido apagar sem deixar rasto,
explorando a sua memória, através da suas famílias, na
Argentina de hoje.

53
II
O tempo e a força

Tempo histórico e tempo da memória


A história e a memória têm as suas próprias temporali-
dades, que se cruzam, se chocam e se entretecem cons-
tantemente, sem que, no entanto, cheguem a coincidir
inteiramente entre si. A memória é portadora de uma
temporalidade que tende a pôr em causa o continuum da
história. Walter Benjamin ilustra-o nas suas Teses sobre
o conceito de história. Na tese XV é evocado um episó-
dio curioso da revolução de Julho de 1830: ao cair da
noite, depois dos combates, em vários locais de Paris e
ao mesmo tempo, as pessoas disparavam sobre os reló-
gios como se quisessem parar o dia1. A temporalidade
da revolução – a Revolução Francesa tinha introduzido

55
um novo calendário – não é a dos relógios, mecânica e
vazia, mas antes, esclarecia Benjamin, a da «lembran-
ça», a da revolução como acto redentor da memória
dos vencidos. Nos seus comentários sobre as teses de
Benjamin, Michael Löwy mostra uma outra imagem es-
pantosamente homóloga à dos insurrectos de 1830. É
uma fotografia datada de Abril de 2000, onde figuram
indígenas a disparar sobre o relógio das comemorações
oficiais do quinto centenário da descoberta do Brasil2.
A memória dos oprimidos não se priva de protestar
contra o tempo linear da história. Ela exige, segundo
Benjamin, «um presente que não é de forma alguma
a passagem do tempo, mas antes a sua paragem e blo-
queio»3.
Para ter lugar, a prática historiográfica exige um dis-
tanciamento, uma separação ou mesmo uma ruptura
com o passado, pelo menos na consciência dos con-
temporâneos. Isto constitui uma premissa essencial
para proceder a uma historicização, ou seja, uma perspec-
tivação histórica do passado. Essa distância instala-se
muito mais através de fracturas simbólicas (por exem-
plo na Europa, 1914, 1917, 1933, 1945, 1968, 1989,
etc.) do que em virtude de um simples distanciamento
temporal. A essa distância engendrada por uma ruptu-
ra corresponde normalmente a acumulação de certas
premissas materiais da investigação; desde logo, a cons-

56
tituição e abertura de arquivos privados e públicos. Mas
esta condição é secundária e derivada. A Era dos Extre-
mos de Eric Hobsbawm ou a obra colectiva O Século dos
Comunismos não poderiam ter visto a luz do dia antes da
queda do Muro de Berlim e do desmoronamento da
URSS4. Um trabalho pioneiro como Le Breviaire de la
haine de Léon Poliakov (1951) pressupunha não apenas
o fim da guerra e a queda do nazismo, como também a
possibilidade de consultar os arquivos que tinham per-
mitido instruir os processos de Nuremberga5. Enfim,
para escrever um livro de história que não seja somen-
te um trabalho de erudição é também necessária uma
procura social, pública, o que remete para a intersecção
da investigação histórica com os percursos da memória
colectiva. É por isso que La Destruction des juifs d'Europe
de Raul Hilberg teve um impacto muito reduzido no
momento da sua primeira edição em 1960, tornando-se
uma obra de referência apenas a partir dos anos 19806.
A memória, por seu lado, tende a atravessar várias
etapas que poderíamos, retomando o modelo proposto
por Henry Rousso em Le Syndrome de Vichy, descrever
da seguinte forma: primeiro, um acontecimento mar-
cante, uma viragem, muitas vezes um trauma; depois,
uma fase de recalcamento, mais tarde ou mais cedo
seguida de uma inevitável anamnese (o «regresso do
recalcado») que pode, por vezes, converter-se em ob-

57
sessão memorial7. No caso do regime de Vichy, esse
modelo corresponde ao fim da guerra e à Libertação,
ao recalcamento dos anos 1950 e 1960, à anamnese a
partir dos anos 1970 e, por fim, à obsessão actual. No
caso alemão: a Schuldfrage de Jaspers em 1945, o recal-
camento no período de Adenauer, a anamnese a partir
de 1968 e, por fim, uma obsessão com o passado que
teve o seu ponto culminante com a Historikerstreit *, o
caso Goldhagen, a polémica Bubis-Walser e a exposição
sobre os crimes da Wehrmacht organizada pelo Institut
für Sozialforschung de Hamburgo.
Durante a fase do recalcamento, a reivindicação do
«direito de memória» assume um tom crítico, quando
não a aparência de uma revolta ético-política contra
o silêncio cúmplice. Quando o governo de Adenauer
incluiu entre os seus ministros antigos nazis, como
Hans Globke, um dos autores das leis de Nuremberga,
Adorno considerou a expressão «superar o passado»
(Vergangenheit Bewältigung), então muito em voga, como
uma mistificação que procurava «virar definitivamente
a página e se possível apagá-la da própria memória».
Falar de «reconciliação» significa neste caso reabilitar
os culpados, numa época em que «a sobrevivência
do nazismo dentro da democracia representa maior

* A controvérsia dos historiadores. N.T.

58
perigo potencial do que a sobrevivência de tendências
fascistas dirigidas contra a democracia»8. Jean Améry
reivindica o seu «ressentimento» quando «o tempo fez
o seu trabalho, em paz», e «a geração dos extermina-
dores» envelhece placidamente, sob o respeito geral;
e neste cenário, conclui, é ele quem «carrega o fardo
da culpa colectiva», não eles, «o mundo que perdoa
e esquece»9. Pelo contrário, durante a fase da obses-
são, como a que hoje atravessamos, o «dever de mem-
ória» tende a se tornar uma fórmula retórica e con-
formista.
A historiografia seguiu, grosso modo, o percurso
da memória. Não seria difícil mostrar que a produção
histórica sobre Vichy e sobre o nazismo conheceu um
assinalável desenvolvimento no momento da anamne-
se e alcançou um pico durante a fase da obsessão. Foi
alimentada por essas etapas e, por sua vez, moldou-as.
Basta pensar na Alemanha Federal, que domina hoje
em dia a investigação sobre o genocídio dos judeus,
mas onde, nos anos 1950, os trabalhos pioneiros de
Joseph Wulf e Léon Poliakov foram rejeitados como
«não científicos»10. Esta correlação não é, todavia, li-
near: as temporalidades histórica e memorial podem
também entrar em colisão, numa espécie de «não-con-
temporaneidade» ou de «discordância dos tempos» (a
Ungleichzeitigkeit teorizada por Ernst Bloch11).

59
São inumeráveis os exemplos de coexistência de
temporalidades diferentes. A literatura, o cinema e uma
imensa produção sociológica analisaram o conflito
entre tradição e modernidade, que assume, sobretudo
nas grandes cidades, a forma de um choque geracional
entre pais emigrados e filhos nascidos no país de aco-
lhimento. Os judeus polacos de Nova Iorque descritos
por Isaac Bashevis Singer, os paquistaneses de Londres
narrados por Hanif Kureishi, os italo-americanos fil-
mados por Martin Scorcese nos seus primeiros traba-
lhos, justapõem no seio de uma mesma família visões
do mundo e modos de vida distintos que remetem para
percepções do tempo e para memórias completamen-
te diferentes, por vezes incompatíveis. Os zapatistas de
Chiapas fazem coabitar o tempo cíclico das comunida-
des indígenas com um projecto político de libertação
que se inscreve numa narrativa marxista da modernida-
de (embora liberta de mitologias progressistas) e tam-
bém no «presente perpétuo» do mundo contemporâ-
neo, o da dominação globalizada que combatem12.
Queria apresentar como exemplo um caso significa-
tivo e paradoxal de discordância de tempos, de colisão
entre o olhar histórico e a memória colectiva: a recep-
ção do ensaio de Hannah Arendt sobre o processo de
Eichman em Jerusalem, cujo subtítulo, «a banalidade
do mal», provocou escândalo13. Esse processo foi pre-

60
cisamente uma viragem que pôs fim ao longo período
de ocultação e esquecimento do genocídio dos judeus
e deu início ao momento da anamnese. Pela primeira
vez, o judeucídio* tornou-se um tema de reflexão para
a opinião pública internacional, muito além do mundo
judaico. Foi também um momento catártico de liber-
tação da palavra, já que um grande número de sobre-
viventes do extermínio nazi veio ao processo prestar
testemunho. Ora, no momento em que o mundo to-
mava consciência da amplitude do genocídio judaico,
que aparecia agora como um crime monstruoso e sem
precedentes, Hanna Arendt focalizava o seu olhar em
Eichmann, um representante típico da burocracia ale-
mã que encarnava, a seus olhos, a banalidade do mal.
Arendt, cujos escritos dos anos 1940 provam ter sido
dos primeiros, num mundo então cego, a perceber a
dimensão desse crime, já não concentrava a sua atenção
nas vítimas mas no carrasco. Adoptava aquilo que Raul
Hildberg definiria, bastante mais tarde, como a «pers-
pectiva do executor»14, um executor que ela podia enfim
observar olhos nos olhos, em carne e osso. Ao adoptar
essa perspectiva, Arendt confrontava-se com um crime
monstruoso perpetrado por executores que não eram
monstros habitados pelo ódio e pelo fanatismo, mas

* Na versão original, «judéocide». N.T.

61
gente normal. Os observadores e os comentadores do
processo, pelo contrário, tinham adoptado uma outra
perspectiva, a da memória dos sobreviventes que re-
viviam o seu sofrimento no presente. A ferida estava
ainda aberta e a sangrar; apenas tinha estado escondida
e aparecia agora à luz do dia. A sua atenção estava con-
centrada nos testemunhos dramáticos prestados duran-
te o processo pelos sobreviventes, em face dos quais
Eichmann não era mais do que um símbolo. Em tais
circunstâncias, a banalidade do mal invocada por Arendt
não foi vista como uma noção susceptível de compre-
ender as motivações e as categorias mentais dos execu-
tores mas, muito simplesmente, como uma tentativa de
banalizar um dos piores crimes da História da huma-
nidade15.
O modelo tomado de empréstimo a Henry
Rousso pode, contudo, conhecer numerosas variantes.
Na Turquia, por exemplo, a memória e a história do
genocídio dos arménios nunca podem ser elaboradas
e escritas no espaço público. Foram desenvolvidas fora
do país, na diáspora e no exílio americano, com todas
as consequências que isso implica16. Por um lado, a me-
mória erigiu-se não apenas contra o esquecimento, mas
sobretudo contra um regime político que oculta e nega
o crime no presente. Por outro lado, a escrita da história
sofreu diversos entraves, visto que a ocultação passou

62
pelo encerramento dos arquivos e a multiplicação dos
obstáculos à investigação17.
O recalcamento pode perpetuar-se também de ou-
tras formas. A memória do estalinismo é profundamen-
te heterogénea, uma vez que é simultaneamente memória
da revolução e do Gulag, da «grande guerra patrióti-
ca» e da opressão burocrática. Acompanhou, durante
várias décadas, um regime no poder. Nesse contexto,
a sua expressão pública aparecia como uma forma de
combate – e assim foram considerados os livros de
Gustav Herling, de Alexandre Soljenitsyne, de Vassili
Grossman e de Varlam Chalamov – contra um regime
que não se podia arquivar como passado, nem colocar
à distância. Essa memória é hoje em dia asfixiada, dez
anos depois da queda da URSS. O processo de integra-
ção da memória do estalinismo na consciência colec-
tiva iniciou-se no decurso dos anos 1980, no período
de Gorbatchev, quando se multiplicaram as associações
dos antigos deportados e as reivindicações em favor da
reabilitação das vítimas. Esse movimento foi brusca-
mente interrompido sob a presidência de Ieltsine, que
marcou uma viragem. O trabalho de luto e de apropria-
ção de um passado proibido abriu caminho a uma rea-
bilitação massiva da tradição nacional. A vergonha ligada
à tomada de consciência do estalinismo foi substituída
pelo orgulho de um passado russo (a que pertencem tan-

63
to os czares como Estaline)18. Um fenómeno análogo
caracterizou os países do ex-Império Soviético, onde a
introdução da economia de mercado e a emergência de
novos nacionalismos marginalizaram completamente a
recordação das lutas por um «socialismo de rosto hu-
mano».
Em Itália, onde o antifascismo foi o pilar das ins-
tituições republicanas nascidas no fim da Segunda
Guerra Mundial, a interpretação histórica do fascismo
foi, durante uns bons trinta anos, indissociável da sua
condenação ética e política. A partir do fim dos anos
1970 desenvolveu-se uma nova leitura do passado,
muito mais preocupada em colocar em evidência os
consensos sobre os quais se apoiou o regime de Mus-
solini e, ao mesmo tempo, decidida a libertar-se dos
constrangimentos da tradição antifascista. Durante os
anos 1990, essa viragem historiográfica acentuou-se
com o fim dos partidos que tinham criado a república
(o Partido Comunista, a Democracia Cristã e o Partido
Socialista) e a legitimação dos herdeiros do fascismo
como força de governo (a actual Aliança Nacional).
Esta mutação foi acompanhada pelo regresso do re-
calcado (o fascismo) ao espaço público, com efeitos
inesperados e paradoxais. Por um lado, traduziu-se no
fim do esquecimento das vítimas do genocídio judai-
co (anteriormente sacrificados no altar da guerra de

64
libertação nacional, na qual todos os deportados se
tornaram automaticamente mártires da pátria, portan-
to deportados políticos) e, por outro lado, na reabili-
tação do fascismo, ou seja, dos seus perseguidores. A
crise dos partidos e das instituições que encarnavam a
memória antifascista criou as condições para a emer-
gência de uma outra memória, até então silenciosa e
estigmatizada. O fascismo é agora reivindicado como
uma parte da história nacional, o antifascismo rejeita-
do como uma posição ideológica «antinacional» (o 8
de Setembro de 1943, data da assinatura do armistício
e início da guerra civil, foi apresentado como um sím-
bolo da «morte da pátria»19). O resultado foi, no Outo-
no de 2001, um discurso do presidente da República,
Carlo Azeglio Ciampi, comemorando indistintamente
«todas» as vítimas da guerra, ou seja, judeus, soldados,
resistentes e milicianos fascistas, agora afectuosamen-
te apelidados «os rapazes de Salò»20. Dito de outro
modo, tratou-se de uma comemoração conjunta dos
que morreram nas câmaras de gás e dos que os identi-
ficaram, prenderam e deportaram, como se, ao render
homenagem, o Estado não tivesse que se pronunciar
sobre os valores e as motivações dos actos praticados,
ou, pior ainda, como se pudesse colocar no mesmo
plano carrascos e vítimas, objectos de memórias «si-
métricos e compatíveis»21.

65
Nessa perspectiva, a instituição por decreto gover-
namental de um «dia da memória» (27 de Janeiro) para
comemorar as vítimas da Shoah foi logicamente seguida
pela instituição de dois outros dias: o «dia da recorda-
ção» (10 de Fevereiro) e o «dia da liberdade» (9 de No-
vembro). O primeiro visa evocar os italianos expulsos da
Ístria em 1947, com base num tratado internacional, e
aqueles que foram mortos pela resistência jugoslava en-
tre 1943 e 1945, atirados para fendas nas montanhas que
encimam Trieste (Foibe). O segundo dia celebra a recor-
dação das vítimas do comunismo que simbolicamente
recuperaram a liberdade no dia da queda do Muro de
Berlim. A simetria antitotalitária torna-se assim perfeita,
mesmo se a sua consequência, como nos lembra Claudio
Magris, consiste em transformar a igualdade das vítimas
– todas dignas de memória e de pietas – em «igualdade
das causas pelas quais elas morreram»22, ao misturar cri-
mes de natureza completamente diferente. Essa simetria
antitotalitária coincide agora, porém, com uma dissime-
tria da memória nacional que mantém viva a recordação
das vítimas italianas da resistência titista mas esquece,
tranquilamente, as vítimas jugoslavas da ocupação pro-
tagonizada pelo fascismo italiano, cuja violência assumiu
contornos semelhantes à dos nazis na frente oriental23. E
nem será preciso referir que as vítimas do colonialismo
italiano escapam a esta lógica de memória antitotalitária.

66
Em Espanha, a recordação da guerra civil foi con-
fiscada e instrumentalizada pela propaganda do regime
franquista que, durante trinta e cinco anos, organizou o
apagamento dos rastos da sua própria violência enquan-
to estigmatizava a dos republicanos. Depois da morte
do ditador, em 1975, a opção por uma transição pacífica
para a democracia no quadro das instituições monárqui-
cas foi aceite pelo conjunto das forças políticas, tanto de
direita como de esquerda, que partilhavam o receio de
uma outra guerra civil (o que prova que a sua memória,
ainda que subterraneamente, estava bem viva)24. Mas,
contrariamente à África do Sul dos anos 1990, onde,
graças ao trabalho da comissão «Verdade e Justiça», a
transição pacífica para a democracia pós-apartheid pôde
ser acompanhada de um reconhecimento da verdade e
de uma elaboração do luto, em Espanha optou-se por
uma transição amnésica, prolongando o recalcamento
oficial por mais de uma geração. Foi apenas no final
dos anos 1990 que a questão da memória da guerra ci-
vil voltou ao primeiro plano. Enquanto a historiografia
dedicou a sua atenção à violência do regime franquista
– procedendo a uma nova contagem das vítimas, até
aí bastante deficitária25 – ou a outros fenómenos an-
teriormente ignorados, caso do exílio republicano26, a
nível da sociedade civil iniciou-se um trabalho de luto
pelas vítimas da ditadura que havia sido impossibilitado

67
pela amnistia e pelas formas políticas da transição. Fo-
ram exumados os restos mortais de várias centenas de
militantes republicanos, anarquistas ou comunistas que
tinham sido fuzilados de forma sumária, sem processo
e sem certidão de óbito, e que, como tal, haviam ficado
fora dos cemitérios, sem direito a uma sepultura legal.
O luto clandestino das famílias pôde finalmente tornar-
-se público, provocando uma anamnese colectiva e sus-
citando um vasto debate sobre a relação da Espanha
contemporânea com o seu passado27. Nesse contexto
surgiu a tentação ilusória e mistificadora de uma memó-
ria reconciliada super partes, manifesta na decisão gover-
namental, em Outubro de 2004, de fazer desfilar juntos,
numa festa nacional, um velho exilado republicano e um
ex-membro da División Azul que Franco enviou para a
Rússia em 1941 a fim de combater ao lado dos exércitos
alemães. Ocorreu também, inevitavelmente, um debate
sobre o destino dos inumeráveis monumentos erigidos
em honra do Caudillo e que decoram as cidades e vilas
espanholas: devem ser conservados como lugares de
memória (uma memória que, para uma parte da socie-
dade, assume uma feição nostálgica)? Devem ser demo-
lidos, à semelhança do que foi feito em todos os países
da Europa Central no momento da queda das ditaduras
estalinistas, num gesto emancipador, neste caso muito
(se não mesmo demasiado) tardio? Há uma dezena de

68
anos que estas questões são apaixonadamente debatidas
em Espanha, país onde a memória está longe de se en-
contrar apaziguada.
Na Argentina, ao invés, a memória dos crimes da di-
tadura militar começou a manifestar-se na cena pública
antes do fim da própria ditadura, ajudando ao seu isola-
mento e deslegitimação (escrevo «memória» porque os
desfiles com as fotos dos desaparecidos eram já formas
de comemoração). Devido às modalidades específicas
que a criminalidade do regime assumiu – o desapareci-
mento de dezenas de milhares de pessoas cujos corpos
nunca foram encontrados –, a fase do luto e da dor
perenizou-se, não houve lugar para o esquecimento. Ao
mesmo tempo, por causa das formas que a transição
para a democracia assumiu, sem ruptura radical, sem
um verdadeiro saneamento das instituições militares,
com alguns processos a que se seguiram leis de amnistia
que deixaram os carrascos impunes, a memória não deu
lugar à história28. A ditadura militar não se desmoro-
nou como o fascismo na Europa em 1945, retirou-se
discretamente de cena. Em suma, não foi possível es-
tabelecer uma distância em relação ao passado: houve
um distanciamento cronológico mas não uma separação
marcada por rupturas simbólicas fortes. Somos aqui
confrontados com aquilo a que Dan Diner chamou
um «tempo comprimido» (gestaute Zeit) que se recusa a

69
dar-se como passado29. Uma das condições fundamen-
tais para o nascimento de uma historiografia das ditadu-
ras do Cone Sul, tanto a chilena como a argentina, não
está ainda estabelecida.
O que nos leva, de novo, a Israel. Se o processo
Eichmann é um exemplo de colisão entre a memória
e a escrita da história, o itinerário do sionismo oferece
outros exemplos de encontros (tardios) entre os dois.
É o caso da releitura da guerra de 1948 pelos «novos
historiadores» israelitas (Benny Morris, Ilan Pappé e
outros). Tendo por base uma investigação arquivística
– embora ignorando a historiografia palestiniana e os
testemunhos dos refugiados –, esses historiadores pu-
seram radicalmente em causa o mito sionista da «fuga»
palestina e apresentaram a guerra de 1948, se não como
uma expulsão planificada, pelo menos enquanto um
conflito que se tornou, de facto, a ocasião para realizar o
projecto sionista de um Estado judaico sem árabes. His-
toriadores como Ilan Pappé detectaram nesta guerra
traços de uma campanha de depuração étnica. Essa his-
toriografia confirma os relatos da Nakba (a «catástro-
fe»), a recordação do êxodo preservada pela memória
dos refugiados e reconstituída por uma historiografia
palestina nascida no exílio sob o impacto desse trau-
ma30. Essa memória e essa escrita da história tinham
até agora permanecido acantonadas no mundo árabe,

70
colidindo quer com o relato sionista (a história como
epopeia nacional judaica), quer com a consciência his-
tórica do mundo ocidental. Uma vez que o Estado de
Israel tinha sido criado como uma forma de reparação
pelo genocídio sofrido pelos judeus na Europa, seria
difícil admitir que o seu nascimento tivesse coincidido
com um acto de opressão. Essa convergência entre o
relato palestino da Nakba e a revisão do relato da «guer-
ra de libertação» pela historiografia judaica é a premissa
indispensável para que duas memórias nacionais pos-
sam um dia coexistir num espaço comum (sob a forma
de dois Estados, de uma federação ou de um Estado
binacional). Existiria assim uma convergência entre o
«tempo comprimido» da memória palestina – a Nakba
como eterno presente – e uma anamnese israelita im-
pulsionada pelo trabalho historiográfico.

«Memórias fortes» e «memórias fracas»


A única diferença entre uma língua e um dialecto, diz
um aforismo difundido entre os povos minoritários, é
que uma língua é protegida por uma polícia e um dialec-
to não. Poderia estender-se essa constatação à memória.
Existem memórias oficiais, alimentadas pelas institui-
ções, ou seja, os Estados, e memórias subterrâneas, es-
condidas ou interditas. A «visibilidade» e o reconheci-

71
mento de uma memória dependem também da força de
quem a possui. Dito de outra forma, existem «memó-
rias fortes» e «memórias fracas». Na Turquia, a memória
arménia é ainda hoje proibida e reprimida. Na América
Latina, a memória indígena exprimiu-se durante o quin-
to centenário da descoberta do continente como uma
memória antagonista, directamente oposta à memória
oficial dos Estados nascidos da colonização e do ge-
nocídio. Força e reconhecimento não são dados fixos
e imutáveis, evoluem, consolidam-se ou fragilizam-se,
contribuindo em permanência para a redefinição do es-
tatuto da memória. Numa época em que a URSS era
uma grande potência, e o movimento operário dispu-
nha de uma força social e política considerável, a me-
mória comunista era poderosa, sectária e arrogante;
hoje parece novamente atirada para a clandestinidade.
Perpetua-se como recordação de uma comunidade de
vencidos, estigmatizada, quando não abertamente cri-
minalizada, pelo discurso dominante. A memória armé-
nia permanece fraca, já que os seus negadores dispõem
de um Estado reconhecido no plano internacional, a
quem os outros Estados frequentemente preferem não
recordar o passado, por conveniência económica ou
geopolítica. A memória homossexual apenas agora
começa a exprimir-se publicamente. Durante déca-
das, as associações que representavam os homossexu-

72
ais deportados para os campos de concentração nazis
foram expulsas manu militari das celebrações oficiais
como portadoras de uma recordação vergonhosa e ino-
minável. As leis que tinham permitido a sua deporta-
ção – o parágrafo 75 do código penal da República de
Weimar – foram abolidas bem tardiamente no pós-
-guerra, quando um grande número de ex-deportados
já tinha sido indemnizado.
A memória da Shoah, cujo estatuto é hoje tão uni-
versal que funciona como «religião civil» do mundo
ocidental, ilustra bem essa passagem de uma «memória
fraca» a uma «memória forte». O historiador americano
Peter Novick estudou essa mutação no seio da socieda-
de americana31. Abordou quatro etapas fundamentais.
Primeiro, os anos de guerra, quando para os Estados
Unidos da América o principal inimigo era o Japão.
Roosevelt teve nesse período uma preocupação maior:
evitar que a intervenção americana na Europa apare-
cesse como uma «guerra pelos judeus». Durante este
período, o extermínio dos judeus não é, em nenhum
momento, objecto de uma atenção particular e o país
não estava minimamente atormentado pelos remorsos
de não ter podido, ou de não ter querido, impedir tal
crime. Os judeus não deram prova, à época, de uma
maior consciência ou sensibilidade no que respeita aos
acontecimentos trágicos do velho mundo do que os

73
outros cidadãos americanos; no fim do conflito, esta-
vam sobretudo orgulhosos do seu país, que contribuira
para a derrota do nazismo.
Durante um segundo período – os anos 1950 e a pri-
meira metade dos anos 1960 –, o judeucídio está ausen-
te do espaço público. A lembrança do Holocausto não
encontra terreno fértil mas exigências da luta contra
o «totalitarismo». No momento em que a Guerra Fria
faz da URSS o inimigo totalitário contra o qual devem
ser mobilizadas todas as energias do «mundo livre», a
evocação dos crimes nazis pode desorientar a opinião
pública e criar obstáculos à nova aliança com a Repú-
blica Federal da Alemanha. Os judeus americanos são
suspeitos de simpatia para com o comunismo. Julius e
Ethel Rosenberg serão dos poucos a falar de Auschwitz
na América dos anos 1950, durante o processo que os
condenará à morte, e as instituições judaicas opõem-se
a toda e qualquer edificação de monumentos ou luga-
res comemorativos referentes ao massacre hitleriano.
É o tempo de valorização dos heróis e de exibição da
força como uma virtude nacional: os judeus america-
nos querem identificar-se (e integrar-se) nessa América
conquistadora e, sobretudo, não querem aparecer como
uma comunidade de vítimas.
A transição inicia-se, segundo Novick, no decurso
dos anos 1960. E inica-se, desde logo, com o proces-

74
so Eichmann, que constitui a primeira aparição pública
da memória do Holocausto. Continua, posteriormente,
com a guerra dos Seis Dias, em 1967, após a qual o
termo «Holocausto», até então pouco ou nada utiliza-
do para definir o genocídio dos judeus, entra no uso
corrente. Essa guerra produziu uma clivagem singular
que persiste: uma grande parte dos judeus da diáspora
vive o conflito como ameaça de um novo aniquilamen-
to, enquanto a opinião árabe considera Israel como um
poder neocolonial. Desde então que a memória de Aus-
chwitz está intimamente ligada à percepção do conflito
israelo-árabe, com todos os curto-circuitos ideológicos
e os usos políticos a estes associados. Aí reside uma das
fontes do negacionismo difundido no mundo árabe,
que não tem relação com a história do antissemitismo
europeu. Para uma parte da opinião árabe, a Shoah seria
um «mito» judaico utilizado, se não mesmo fabricado,
para legitimar uma política de opressão dos palestinos.
Israel, pelo contrário, tem tendência a olhar a recusa
árabe através do prisma da Shoah, a tal ponto que os
responsáveis de Tsahal tinham o hábito de chamar às
fronteiras de 1967 «a fronteira de Auschwitz»32. Para
uns, o nascimento de Israel é o símbolo de uma ressur-
reição, para os outros, de uma catástrofe, a Nakba: uma
confrontação violenta entre memórias que não conse-
guem encontrar a via de um diálogo.

75
Em 1982, indignado com os crimes cometidos du-
rante a ocupação israelita do Líbano, o director do
Instituto de História das Ciências da Universidade de
Tel-Aviv, Yehuda Elkana, sobrevivente de Auschwitz,
publicou no diário Haaretz um artigo provocador suge-
rindo aos seus concidadãos a virtude do esquecimento.
«Nós, nós devemos esquecer». É preciso construir o fu-
turo, escreveu ele, e não «ocupar-se, dia e noite, com o
simbolismo, as cerimónias e a herança do genocídio. O
jugo da memória deve ser extirpado das nossas vidas»33.
Redescobria assim as virtudes cívicas do esquecimento, que
os gregos antigos tinham prescrito como uma política
de reconciliação, em 403 a.c., depois da oligarquia dos
Trinta Tiranos34. O sentido da reflexão de Elkana é cla-
ro: se o esquecimento é, tratando-se dos perseguidores
e dos que recolheram a sua herança, repreensível, a me-
mória não é sempre virtuosa e pode ser também fonte
de abusos.
A última fase é aberta pela difusão da série televisiva
Holocaust (1978), que terá um impacto tremendo, tanto
nos Estados Unidos como na Europa, especialmente
na Alemanha. O genocídio judaico torna-se um prisma
de leitura do passado e um elemento essencial de de-
finição tanto da consciência histórica ocidental como,
sobretudo, da identidade judaica. Tornou-se um objecto
de investigação científica e de ensino (desde então que

76
os Holocaust Studies são uma disciplina consolidada na
universidade), de comemoração pública (com a criação
de monumentos, memoriais, museus, cerimónias ofi-
ciais) e mesmo de reificação mercantil pelos média e
pela indústria cultural (Hollywood). A memória do ge-
nocídio conhece então, sublinha Novick, um processo
de americanização, ou seja, entra na consciência históri-
ca dos Estados Unidos, e de sacralização, até se tornar
numa espécie de «religião civil», com os seus dogmas
(o seu carácter único e incomparável) e os seus «santos
seculares» (os sobreviventes transformados em ícones
vivos). O surgimento de tal memória oficial inscreve-
-se num contexto cultural marcado pelo abandono, por
parte dos judeus americanos, do ethos integracionista
dos anos 1950 e 1960, a favor de um ethos particularis-
ta. A fórmula de Wiesel – o Holocausto como acon-
tecimento que tem tanto de único como de universal
– resume bem essa americanização do Holocausto e ao
mesmo tempo a sua transformação em pilar da iden-
tidade étnico-cultural judaico-americana. Essa identifi-
cação com as vítimas, explica Novick, é possível não
pela fraqueza mas pelo poderio dos judeus no seio da
sociedade americana. Daí o seu cepticismo: a sacrali-
zação do Holocausto é uma má política da memória.
Se o reconhecimento do carácter único do judeucídio,
sublinha ainda, desempenhou um papel importante na

77
formação da consciência histórica europeia, nos Esta-
dos Unidos favorece, pelo contrário, uma «evasão da res-
ponsabilidade moral e política»35. Chegamos assim ao
paradoxo da criação de um museu federal do Holocaus-
to, consagrado a uma tragédia consumada na Europa,
enquanto nada de comparável existe para as duas expe-
riências fundadoras da história americana, que são o ge-
nocídio dos índios e a escravidão dos negros. Enquan-
to se inaugurava o museu do Holocausto em 1995, os
Correios emitiam um selo que celebrava o bombardea-
mento atómico de Hiroshima e Nagasaki como o feliz
acontecimento que havia posto fim à Segunda Guerra
Mundial36. Na sua última obra, Olhando o Sofrimento dos
Outros, Susan Sontag apontou o dedo a esse uso muito
selectivo da memória. O Holocausto, escreve, foi «na-
cionalizado» e transformado em vector de uma política
da memória singularmente alheada dos crimes em que a
América não desempenhou o papel de libertadora mas
antes de perseguidora. «Instituir um museu que contas-
se esse grande crime que foi a escravidão dos africanos
nos Estados Unidos da América significaria relembrar
que o mal estava aqui. Os americanos, pelo contrário,
preferem relembrar o mal que estava lá, e de que os
Estados Unidos (…) estão isentos. O facto de este país,
como todos os outros, ter um passado trágico, não se
compagina inteiramente com a confiança fundacional,

78
ainda pujante, no destino excepcional americano.»37
Nos Estados Unidos, acrescenta Novick, «a memória
do Holocausto é tão banal, tão inconsequente, que não
é verdadeiramente uma memória, precisamente por ser
tão consensual, desligada das divisões reais da sociedade
americana, apolítica»38. Novick não é o primeiro a fazer
esta constatação. Há dez anos, Arno Mayer denunciou
um «culto da recordação» rapidamente transformado
em «sectarismo exacerbado», graças ao qual o massacre
dos judeus se tinha desligado das circunstâncias histó-
ricas totalmente profanas que o tinham gerado, ficando
isolado numa memória sacralizada, «de que não é per-
mitido desviar-se e que se subtrai ao pensamento crítico
e contextual»39.
As manifestações exteriores dessa «memória forte»
lembram o narcisismo compassivo denunciado por Gilbert
Achcar a propósito do ritual comemorativo das vítimas
do 11 de Setembro de 200140. O Ocidente, incorporan-
do as vítimas no seu imaginário, na sua consciência, na
sua memória, e assim transformando-as em elemento
constitutivo da sua própria identidade, auto-celebra-se
quando as comemora. Semelhante situação não teria
sido possível logo após a guerra, quando as vítimas do
Holocausto, longe de surgirem como representantes tí-
picos do mundo ocidental, eram entendidas como «ju-
deus de leste», encarnação de uma alteridade negativa e

79
mal tolerada no seio das diferentes comunidades nacio-
nais. O silêncio da cultura ocidental sobre Auschwitz
em 1945 inscreve-se na mesma lógica que preside à in-
diferença ou à compaixão distante com que, nos nossos
dias, reage às violências que devastam o Sul ou contem-
pla as vítimas das suas próprias guerras «humanitárias».
Um contra-exemplo de «memória forte» merece,
contudo, ser mencionado. O impressionante «Memo-
rial aos judeus europeus assassinados» (Denkmal für die
ermordeten Juden Europas) inaugurado em Maio de 2005
em Berlim revela um uso público do passado bem di-
ferente daquele denunciado nos Estados Unidos por
Peter Novick e Susan Sontag. Erigido no coração da
capital alemã, ao lado da porta de Brandeburgo, en-
tre o Reichstag e a Potsdamer Platz, este gigantesco
monumento sóbrio e frio cobre um espaço de quase
20 mil m2 com milhares de estelas em betão de altu-
ra desigual41. O seu arquitecto, o americano Peter
Eisenman, não quis conceder à sua obra uma simbolo-
gia explícita, deixando ao público a sua própria inter-
pretação. As visões são bastante díspares: alguns viram
um cemitério, um labirinto, um campo de trigo, um mar,
outros ainda uma terrível caricatura da arquitectura to-
talitária do Terceiro Reich ou um triunfo do «ornamen-
to da massa» (no sentido de Kracauer) numa imensa
construção sem conteúdo. Na senda de Régine Robin,

80
podemos ver o monumento como uma dessas «cons-
truções desconcertantes» – a cidade de Berlim alberga
várias – que «transmite qualquer coisa do passado na
sua ilegibilidade, não na sua inexplicabilidade»42. Este mo-
numento é o resultado de um intenso debate intelectual
e político que se desenrolou durante mais de dez anos
tanto no seio da sociedade civil como no Bundestag*.
Ligado a um centro de documentação, este memorial
único no seu género preenche várias funções: é um mo-
numento à memória dos judeus exterminados e também
de advertência à nação alemã. Dito de outra forma, um
acto de piedade para com as vítimas e uma relembrança
do crime dirigida à nação que engendrou os seus res-
ponsáveis e que recebeu a sua herança. Alguns, como
o escritor Martin Walser, viram na obra um inaceitável
«monumento à vergonha» (Schandmal); outros, como o
filósofo Jürgen Habermas, a prova de que a Alemanha
integrou Auschwitz na sua consciência histórica. De
uma certa maneira, este memorial cumpriu a sua fun-
ção antes mesmo de ver a luz do dia, se tomarmos em
consideração os debates apaixonados que suscitou. Tes-
temunha também as mutações que fizeram da Shoah
uma «memória forte», no fim de uma controvérsia que,
de início, não excluía outras opções. Entre a proposta

* Parlamento da Alemanha. N.T.

81
de Helmut Kohl, chanceler no momento em que a dis-
cussão se iniciou, que desejava um monumento «a todas
as vítimas da guerra e da tirania», e a escolha final de um
Holocaust Denkmal, foi percorrida uma distância consi-
derável. A proposta de Kohl visava diluir os crimes na-
zis numa comemoração global das vítimas da guerra, in-
cluindo os judeus, os civis e os soldados alemães, as ví-
timas do genocídio e as vítimas dos bombardeamentos
aliados, os deportados e os seus perseguidores caídos
durante o conflito. Alguns anos antes, o chanceler Kohl
tinha-se distinguido pela sua visita, na companhia do
presidente norte-americano Ronald Reagan, ao cemité-
rio militar de Bitburg onde estão enterrados numerosos
SS. Logo após a reunificação, em 1993, conseguiu trazer
o SPD para o seu lado, ao inaugurar em Berlim um novo
memorial da Alemanha Federal (Zentrale Gedenkstätte der
Bundesrepublik Deutschlands). O local escolhido para o
memorial foi a Neue Wache, edifício erigido no coração
de Berlim no início do século XIX pelo arquitecto Karl
Friedrich Schinkel, que foi durante dois séculos o espe-
lho fiel das políticas memoriais dos diferentes regimes
que se sucederam na Alemanha. Nascido como um
local de recordação dos combates patrióticos contra a
opressão napoleónica, transformou-se sob a Repúbli-
ca de Weimar num monumento aos mortos da Grande
Guerra e, mais tarde, sob a República Democrática Ale-

82
mã, em memorial dedicado às vítimas do fascismo. Com
a sua pietá esculpida por Käthe Kollwitz entre as duas
guerras, o local comemora agora todas as «vítimas» da
Segunda Guerra Mundial (a palavra alemã Opfer designa
tanto as vítimas inocentes como os mártires)43. É pa-
tente que o Holocaust Denkmal rompe com esta memó-
ria ambígua que mostra explicitamente o seu carácter
apologético. Contudo, a escolha final de um memorial
do Holocausto (e não de todas as vítimas do nazismo)
expõe-se ao risco que ameaça toda e qualquer «me-
mória forte»: o de esmagar as memórias mais «fracas».
Do historiador Reinhart Koselleck ao escritor Gϋnter
Grass, passando pelo filósofo Micha Brumlik, numero-
sas personalidades criticaram o carácter judeo-centrado
desse monumento. «Aceitar um monumento exclusiva-
mente para os judeus – escreve Koselleck – significa
legitimar uma hierarquia fundada sobre o número de ví-
timas e sob a influência dos sobreviventes, aceitando no
fundo as mesmas categorias de extermínio adoptadas
pelos nazis. Enquanto nação dos executores, nós deve-
ríamos interrogar-nos sobre as consequências de uma
tal lógica.»44 Koselleck propunha assim erigir um mo-
numento concebido como «monumento de advertência
(Mahnmal)» dirigido aos alemães e consagrado à recor-
dação do conjunto das vítimas do nazismo. Habermas,
que considera legítima a escolha de um memorial do

83
Holocausto, tendo em conta o papel desempenhado
pelos judeus na história da Alemanha, admitiu implici-
tamente a boa fundamentação desta crítica, escrevendo
que esse monumento tomava a parte, os judeus, pelo
todo45. Ainda assim, confrontado com as reivindicações
de outras vítimas, o governo federal decidiu criar dois
memoriais suplementares, um dedicado aos ciganos e
outros aos homossexuais deportados.
Como memória e história não estão separadas por
uma barreira inultrapassável, mas sim em interacção per-
manente, existe uma relação privilegiada entre memórias
«fortes» e a escrita da história. Quanto mais forte é a me-
mória – em termos de reconhecimento público e institu-
cional –, mais o passado de que é vector se torna suscep-
tível de ser explorado e historicizado. O exemplo de Raul
Hildberg citado anteriormente ilustra bem esse fenóme-
no. No fim da guerra, quando a memória do Holocausto
era «fraca», Franz Neuman aconselhou-o a mudar o tema
do seu doutoramento, dizendo-lhe abertamente que com
tal pesquisa jamais iniciaria uma carreira universitária
(e, com efeito, durante um longo período Hilberg perma-
neceu um marginal no mundo académico americano, onde
terminou a sua carreira, na Universidade de Vermont)46.
Hoje em dia, a expansão da memória da Shoah no es-
paço público é acompanhada pelo desenvolvimento dos
Holocaust Studies nos campus universitários. De forma aná-

84
loga, é quase banal interpretar a emergência dos estudos
pós-coloniais e do multiculturalismo como uma con-
sequência, a longo prazo, da descolonização, do acesso
dos antigos povos colonizados ao estatuto de sujeitos
históricos e do aparecimento, no seio das instituições
cientificas, de uma intelligentsia de origem indiana ou afro-
-americana.
Não se trata, evidentemente, de estabelecer uma
relação mecânica de causa e efeito entre a «força» de
uma memória de grupo e a amplitude da historiciza-
ção do seu passado. Não foi a força institucional nem
a visibilidade mediática dos Bororos que levou Claude
Lévi-Strauss a escrever Tristes Trópicos. Essa relação não
é directa, uma vez que se define no seio de contextos
diferenciados e está submetida a múltiplas mediações,
mas seria absurdo negá-la. A memória das vítimas do
massacre de Nankin, a capital da China nacionalis-
ta, perpetrado pelo exército imperial japonês durante
a ocupação da cidade em Dezembro de 193747, ou a
memória das «mulheres de conforto» forçadas a pros-
tituir-se pelas autoridades japonesas durante a Segunda
Guerra Mundial foram durante muito tempo circuns-
critas aos seus descendentes, sem presença no espaço
público48. Foi a emergência da China e da Coreia do Sul
como grandes potências económicas que transformou
essa memória num elemento das relações diplomáticas

85
entre esses dois países e o Japão, obrigando este a reco-
nhecer os seus crimes e a apresentar um pedido oficial
de desculpas.
Estas considerações são também válidas, em larga
medida, para a memória da guerra da Argélia. Podemos
certamente falar, a propósito do reconhecimento recen-
te dos crimes do exército francês entre 1954 e 1962,
de um «regresso do recalcado», ligado às etapas de ela-
boração do passado colonial francês. Não há dúvida,
contudo, que esse reconhecimento está também ligado
à emergência de uma memória argelina – mais precisa-
mente beur* – que se exprime actualmente no interior da
sociedade francesa, onde os descendentes dos antigos
colonizados constituem uma minoria importante. O re-
conhecimento do massacre de 17 de Outubro de 1961,
no coração da capital, Paris, não foi negociado entre o
governo francês e as autoridades argelinas (contraria-
mente ao caso do massacre de Sétif, de Maio de 194549).
Permanece essencialmente simbólico, limitando-se a
algumas declarações de responsáveis políticos, a uma
decisão judicial, a uma placa comemorativa colocada na
presença do presidente da câmara da capital, mas, ainda
assim, fez o seu caminho na sociedade francesa. Trata-
-se sobretudo da consequência de um vasto movimen-

* Filhos de emigrantes argelinos nascidos em França. N.T.

86
to, no qual as lutas da geração beur pela igualdade e pela
reapropriação do seu próprio passado se conjugaram
com os esforços de uma historiografia pós-colonial,
susceptível de integrar a voz dos colonizados no seu
relato do passado; e, ainda, poderíamos acrescentar,
com a resistência de uma pequena minoria de arquivis-
tas que, entrando em guerra com a hierarquia da sua
corporação que esteve desde sempre ao serviço da ra-
zão de Estado, colocaram a verdade histórica à frente
das suas carreiras50. A emergência dessa memória pós-
-colonial abalou a memória da esquerda francesa que ti-
nha até então ignorado o massacre de Outubro de 1961,
ocultando-o através da comemoração dos seus próprios
mártires: as nove vítimas da manifestação de Charonne
de 8 de Fevereiro de 1962. A esquerda foi assim con-
frontada com as suas falhas de memória, que mais não
fazem do que revelar a sua submissão a um imaginário
colonial, com as suas hierarquias, que atribuem mais va-
lor à vida dos anticolonialistas franceses do que à vida
dos nacionalistas argelinos.

87
III
O historiador entre juiz e escritor

Memória e escrita da história


O linguistic turn – rótulo sob o qual reagrupamos um
conjunto de correntes intelectuais nascidas nos Estados
Unidos América do encontro, no final dos anos 1960,
entre o estruturalismo francês com a filosofia analíti-
ca e o pragmatismo anglo-saxónico – teve um efeito
frutífero na historiografia contemporânea1. Permitiu
quebrar a dicotomia que separava até então a história
das ideias e a história social, assim como ultrapassar
os limites simétricos de uma história do pensamento
auto-referencial e de um historicismo fundado sobre a
ilusão de que a interpretação histórica se reduziria ao
simples reflexo de uma prática rigorosa de objectivação

89
e contextualização dos acontecimentos do passado. O
linguistic turn sublinhou a importância da dimensão tex-
tual do saber histórico, reconhecendo que a escrita da
história é uma prática discursiva que incorpora sempre
uma parte de ideologia, de representações e de códi-
gos literários herdados que se refractam no itinerário
individual de um autor. Fazendo isso, permitiu estabele-
cer uma dialéctica nova entre realidade e interpretação,
entre textos e contextos, redefinindo as fronteiras da
história intelectual e questionando de forma salutar o
estatuto do historiador, cuja implicação multiforme no
seu objecto de estudo não se pode continuar a ignorar.
Esta corrente conheceu também desenvolvimentos dis-
cutíveis, muitas vezes denunciados (e sobre os quais se
concentrou de forma quase exclusiva a sua recepção na
Europa continental). A mais generalizada das suas de-
rivas metodológicas foi, segundo as palavras de Roger
Chartier, a tendência para «uma perigosa redução do
mundo social a uma pura construção discursiva, a um
puro jogo de linguagem»2. Os proponentes mais radi-
cais do linguistic turn renunciaram, deste modo, à busca
da verdade que preside à escrita da história, esquecendo
que «o passado que ela toma como objecto é uma re-
alidade exterior ao discurso e que o seu conhecimento
pode ser controlado»3. Levando ao extremo algumas
premissas desse movimento, chegaram mesmo a de-

90
fender uma espécie de «pantextualismo» que Dominick
LaCapra qualificou de «criacionismo secularizado»4: a
história não seria mais do que uma construção textu-
al, constantemente reinventada segundo os códigos da
criação literária. Porém, a história não é assimilável à li-
teratura, uma vez que a mise en histoire do passado, isto é,
o tornar o passado em história, deve sujeitar-se à reali-
dade e a sua argumentação não pode evitar a obrigação
de, quando necessário, apresentar provas. É por isso
que a afirmação de Roland Barthes, segundo a qual «o
facto nunca tem mais do que uma existência linguísti-
ca»5, não é aceitável. Como não o é o relativismo radical
de Hayden White que, considerando os factos históri-
cos como artefactos retóricos subsumíveis a um «pro-
tocolo línguistico», identifica a narrativa histórica com a
invenção literária, uma vez que as duas têm como fun-
damento, a seu ver, as mesmas modalidades de repre-
sentação. Segundo White, «as narrativas históricas [são]
ficções verbais em que os conteúdos são tão inventados
como encontrados, e cujas formas estão mais próximas
da literatura do que da ciência»6. Tanto Barthes como
White ausentam o problema da objectividade do con-
teúdo do discurso histórico. Se a escrita da história as-
sume sempre a forma de um relato, este último é quali-
tativamente diferente de uma ficção romanesca7. Não se
trata de negar a dimensão criadora da escrita histórica,

91
uma vez que o acto de escrever implica sempre, como
lembrou Michel de Certeau, a construção de uma frase
«enquanto se percorre um espaço supostamente bran-
co, a página»8. No entanto, De Certeau não deixava de
acrescentar que a escrita não pode evitar uma relação
com o dado: «O discurso histórico pretende dar um con-
teúdo verdadeiro (que releva do verificável) mas sob a
forma de uma narração.»9. White tem razão em alertar
para os perigos da ilusão positivista que consiste em
fundar a história sobre uma pretensa auto-suficiência
dos factos. Sabemos, por exemplo, que os arquivos –
as principais fontes dos historiadores – nunca são um
reflexo imediato e «neutro» do real, uma vez que tam-
bém podem mentir. É por isso que exigem sempre um
trabalho de descodificação e interpretação10. O erro de
White consiste na confusão entre a narração histórica (o
mise en histoire através de um relato) e a ficção histórica (a
invenção literária do passado)11. Eventualmente, po-
deríamos considerar a história, segundo as palavras de
Reinhart Koselleck, como uma «ficção do factual»12. É
certo que o historiador não se pode esquivar ao pro-
blema da «passagem a texto» da sua reconstrução do
passado13, mas nunca poderá, se pretender fazer his-
tória, arrancá-la à sua irredutível base factual. Diga-se
de passagem que é aí que reside toda a diferença entre
os livros de história sobre o genocídio judaico e a li-

92
teratura negacionista, uma vez que as câmaras de gás
permanecem um facto antes de se tornarem um objecto
de construção discursiva e de uma «passagem a intriga
histórica» (historical emplotement)14. Foi precisamente o
desenvolvimento do negacionismo que levou François
Bédarida a reconsiderar, no decurso dos anos 1990, a
posição de «um certo desdém» que os historiadores ti-
nham tido tendência a manifestar, durante as décadas
precedentes, face à noção de facto, e a «exortá-los vigo-
rosamente a não rejeitarem o bebé-objectividade com
a água do banho positivista»15. O questionamento do
historicismo positivista e do seu tempo linear, «homo-
géneo e vazio», da sua causalidade determinista e da
sua teleologia que transformam a razão histórica em
ideologia do progresso, não implica necessariamente a
rejeição de qualquer noção de objectividade factual na
reconstrução do passado. Pierre Vidal-Naquet colocou
o problema em termos muito claros: «se o discurso his-
tórico não estivesse ligado, mesmo que através de todo
o tipo de intermediários, ao que nós chamaremos, à fal-
ta de melhor, o real, estaríamos ainda no discurso, mas
esse discurso deixaria de ser histórico»16.
O relativismo radical de Hayden White parece coin-
cidir de forma bastante paradoxal com o fetichismo
do relato memorial, oposto a qualquer arquivo do real,
defendido incansavelmente por Claude Lanzmann, o

93
realizador de Shoah. Esse filme extraordinário foi um
momento essencial, em meados dos anos 1980, tanto
para a integração do genocídio dos judeus na consciên-
cia histórica do mundo ocidental, como para a integra-
ção do testemunho entre as fontes do conhecimento
histórico. Os trabalhos sobre a memória tiveram nesse
filme um impulso importante e, sem dúvida, que não
será exagerado afirmar que o estatuto do testemunho
na investigação histórica não voltou a ser o mesmo
após esta obra. No entanto, esse resultado não satisfez
Lanzmann, que veio a considerar o seu filme como um
acontecimento, que foi substituindo a pouco e pouco o
acontecimento real, até ao ponto de recusar o valor dos
«arquivos», ou seja, das provas factuais desse aconte-
cimento (por exemplo, as fotografias da exterminação
realizadas pelo Sonderkommando de Auschwitz em Agos-
to de 1944)17. Lanzmann defendeu este ponto de vista
várias vezes, nomeadamente em 2000, quando o filme
foi de novo mostrado nas salas de cinema: «Shoah não
é um filme sobre o Holocausto, não é um derivado, não
é um produto, mas um acontecimento originário. Que
isso agrade ou não a um certo número de pessoas (…),
o meu filme não faz apenas parte do acontecimento da
Shoah: ele contribui para a constituir como aconteci-
mento.»18 Desta forma, primeiro Lanzmann erigiu em
«monumento» – é a sua própria expressão – os teste-

94
munhos coligidos em Shoah. Depois, opôs o seu «mo-
numento» ao «arquivo», qualificando de «insuportável
pretensiosismo interpretativo» o esforço dispendido
pelos historiadores na análise de certos documentos
herdados do passado. Por fim, substituiu o seu filme ao
acontecimento real, reivindicando mesmo o direito de
destruir as provas da sua existência. É este o sentido
de uma sua hipérbole provocadora, que causou grande
ruído aquando da estreia do filme de Steven Spielberg,
A Lista de Schindler: «E se eu tivesse encontrado um fil-
me – um filme secreto porque era estritamente proibido
– rodado por um SS mostrando como três mil judeus,
homens, mulheres e crianças, morreram juntos, asfi-
xiados numa câmara de gás do crematório II de Aus-
chwitz, se eu tivesse encontrado isso, não só não o teria
mostrado, como o teria destruído. Não sou capaz de
dizer porquê. É assim mesmo.»19 Afirmar desta forma
peremptória que Shoah é a Shoah significa simplesmen-
te reduzir esta última a uma construção discursiva, a um
relato moldado pela linguagem no qual o testemunho
deixa de remeter para uma realidade factual originária
e fundadora, mas na qual, pelo contrário, a memória se
basta a si própria ao constituir-se como acontecimento.
E uma vez que Shoah se apresenta como uma suces-
são de diálogos cujo protagonista é sempre o próprio
Lanzmann, o filme revela também a postura narcísica

95
do seu autor, que se considera ele próprio, em última
análise, como um elemento consubstancial do aconte-
cimento.
Acrescente-se que Lanzmann não se limita a subs-
tituir o acontecimento pela memória, já que ele a opõe
à história, ou seja, ao relato do passado que visa a sua
interpretação. «Não compreender», escreve, foi a sua
«lei de ferro» durante os anos de preparação de Shoah:
uma «cegueira» que reivindica não só como condição do
«acto de transmitir» implícito à sua criação, mas também
como postura epistemológica que opõe «à questão do
porquê, com a sucessão indefinida de frivolidades aca-
démicas ou de patifarias que esta não cessa de induzir20».
Essa postura remete para a regra que os nazis haviam
imposto em Auschwitz: Hier ist kein Warum» («aqui, não
há porquê»), regra que Primo Levi achava «repulsiva»21,
mas que Lanzmann decidiu interiorizar como a sua pró-
pria «lei». É difícil não ver nessa interdição do «porquê»
uma sacralização da memória (alguns chamam-lhe uma
forma de «religiosidade secular»22») de matiz bastante
obscurantista. Trata-se de uma interdição normativa da
compreensão que atinge o coração do próprio acto da
escrita da história como tentativa de interpretação, aqui-
lo a que Levi chamava «a salvação da compreensão» (la
salvazione del capire) e que a seus olhos constituía o objec-
tivo de todo o esforço de rememoração do passado23.

96
Uma outra forma de substituição da memória à re-
alidade histórica é sugerida por um filósofo de entre
os mais originais dos últimos anos, Giorgio Agamben.
No seu Ce qui reste d’Auschwitz, interroga a «aporia» no
cerne do extermínio dos judeus, «uma realidade tal que
excede necessariamente os seus elementos factuais»,
criando assim uma clivagem «entre os factos e a ver-
dade, entre a constatação e a compreensão»24. Para sair
desse impasse, socorre-se de Primo Levi que, em Os
que sucumbem e os que se salvam, apresenta o «muçulma-
no» – o detido de Auschwitz chegado ao último esta-
do de esgotamento físico e de aniquilação psicológica,
reduzido a um esqueleto incapaz de pensamento e de
palavra – como a «testemunha integral». É ele, escre-
ve Levi, a verdadeira testemunha, aquele que tocou o
abismo e que não sobreviveu para o contar, de quem
os sobreviventes seriam, no fundo, o porta-voz: «Nós,
nós falamos por eles, por delegação.»25 Enquanto Levi,
ao invocar a figura do «muçulmano», queria sublinhar
o carácter precário, subjectivo, incompleto dos relatos
feitos pelas testemunhas realmente existentes, os sobre-
viventes, aqueles que não tinham visto «a Górgona», ou
seja, aqueles que tinham escapado às câmaras de gás,
Agamben, por seu lado, transforma o «muçulmano» no
paradigma dos campos nazis. A prova irrefutável de Aus-
chwitz, e logo a refutação derradeira do negacionismo,

97
escreve em conclusão da sua obra, reside precisamente
nessa impossibilidade de testemunhar. Segundo Agam-
ben, Auschwitz é «o que é impossível de testemunhar»
e os sobreviventes dos campos da morte, ao tomarem a
palavra no lugar do «muçulmano», aquele que não pode
falar, não são mais do que testemunhas dessa impos-
sibilidade do testemunho26. Aos seus olhos, o núcleo
profundo de Auschwitz não se encontra no extermínio,
mas na produção do «muçulmano», essa figura híbri-
da entre a vida e a morte (non-uomo)27. É por isso que
ele a transforma num ícone (tomando como pretexto
a modéstia de que faz prova Primo Levi quando indica
os limites do seu próprio testemunho). Mas essa visão
dos campos nazis como lugares de dominação biopolí-
tica sobre os detidos reduzidos à «vida nua» (nuda vida)
carece singularmente de espessura histórica. Agamben
parece esquecer que a grande maioria dos judeus ex-
terminados nos campos nazis não eram «muçulmanos»,
uma vez que não eram enviados para a câmara de gás
no final das suas forças mas no próprio dia em que
chegavam ao campo28. Se Agamben pôde negligenciar
um facto tão evidente, é precisamente porque isso não
constitui, a seu ver, o cerne do problema. Toda a sua ar-
gumentação parte do postulado segundo o qual a prova
de Auschwitz não reside no facto do extermínio – uma
verdade que se encontra desqualificada na sua perspec-

98
tiva pelo hiato que separa o acontecimento da sua com-
preensão – mas na impossibilidade da sua enunciação,
incarnada pelo «muçulmano». Se Auschwitz existiu, não
foi tanto porque existiram câmaras de gás, mas porque
os sobreviventes puderam restituir uma voz ao «mu-
çulmano», a «testemunha integral», arrancando-o do
seu silêncio. Mais uma vez, a história é reduzida a uma
construção linguística de que a memória – dissociada
do real – constitui a trama. Fundar a crítica do nega-
cionismo numa tal metafísica da linguagem (de inspi-
ração tanto existencialista como estruturalista29) é uma
operação duvidosa que corre o risco de manter intacta
a «aporia» de Auschwitz, ao mesmo tempo que retira
à sua verdade a sua base material. Podemos também
compreender o desconforto com que os sobreviven-
tes de Auschwitz, as testemunhas realmente existentes,
acolheram Ce qui reste de Auschwitz. Philippe Mesnard e
Claudine Kahan sublinharam justamente esse aspecto
do problema na conclusão da sua crítica: «A escuta da-
quilo que podem dizer os sobreviventes, como podem
dizê-lo, dá lugar [no livro de Agamben] a uma glosa so-
bre o silêncio que lhes é assim imposto. No lugar deste,
Agamben apresenta o muçulmano, a única testemunha
que vale a seus olhos, um ser sem referência – a partir
do qual Agamben pode precisamente construir a sua
própria referência –, abandonado pela identidade, cuja

99
existência se reduz ao espaço que na linguagem ocupa a
sua imagem quase transparente.»30

Verdade e justiça
Na relação complexa que a história estabelece com a
memória inscreve-se o vínculo que as duas mantêm
com as noções de verdade e de justiça. Este vínculo
torna-se hoje cada vez mais problemático com a ten-
dência crescente para uma leitura judiciária da história
e uma «judiciarização da memória»31. Doravante no
centro da nossa consciência histórica, a visão do século
XX como um século de violência conduziu frequente-
mente a historiografia a trabalhar com categorias ana-
líticas tomadas do direito penal. Os actores da história
são, assim, cada vez mais frequentemente colocados
no papel de executores, vítimas e testemunhas32. Os
exemplos mais conhecidos que ilustram essa tendência
são os de Daniel J. Goldhagen e de Stéphane Courtois.
O primeiro interpretou a história da Alemanha moder-
na como um processo de construção de uma comuni-
dade de executores33. O segundo, ao trocar as vestes
do historiador pelas do procurador, reduziu a história
do comunismo ao desenvolvimento de uma operação
criminosa para a qual reclama um novo processo de
Nuremberga34.

100
No fundo, a relação entre justiça e história é uma ve-
lha questão (veja-se a intervenção dos mais eminentes
historiadores durante o processo de Zola, em 189835),
que hoje volta à ordem do dia por uma série de pro-
cessos no decurso dos quais numerosos historiadores
foram convocados na qualidade de testemunhas. Seria
difícil compreender os processos Barbie, Touvier e Pa-
pon em França, o processo Priebke em Itália ou ainda
as tentativas de instrução de um processo a Pinochet,
tanto na Europa como no Chile, sem os relacionar com
a emergência, no seio da sociedade civil desses países e
na opinião pública mundial, de uma memória colectiva
do fascismo, das ditaduras e da Shoah. Esses processos
foram momentos de rememoração pública da história
onde o passado foi reconstituído e julgado numa sala
de tribunal. No decorrer das audiências, os historia-
dores foram convocados para «testemunhar», ou seja,
para clarificar graças às suas competências o contexto
histórico dos factos em julgamento. Diante do tribunal,
os historiadores prestaram juramento declarando como
qualquer testemunha: «Juro dizer a verdade, somente a
verdade e nada mais que a verdade.»36 Esse «testemu-
nho» suis generis colocava evidentemente questões de
ordem ética, mas também retomava questões mais anti-
gas de ordem epistemológica. Punha em causa a relação
da justiça com a memória de um país e a do juiz com

101
o historiador, com as suas modalidades respectivas de
tratamento das provas e do estatuto diferente da verda-
de quando ela é produzida pela investigação histórica
ou é enunciada pelo veredicto de um tribunal. Aten-
to à distinção entre os domínios respectivos da justiça,
da memória e da história, Henry Rousso recusou-se a
testemunhar no processo Papon, justificando a sua es-
colha com argumentos rigorosos e em vários aspectos
esclarecedores. «A justiça – afirmou – coloca a ques-
tão de saber se um indivíduo é culpado ou inocente;
a memória nacional é resultante de uma tensão exis-
tente entre as recordações memoráveis e comemoráveis
e os esquecimentos que permitem a sobrevivência da
comunidade e a sua projecção no futuro; a história é
uma operação de conhecimento e de elucidação. Estes
três registos podem sobrepor-se e foi o que se passou
durante os processos por crimes contra a humanidade.
Mas era desde logo colocar-lhes aos ombros um fardo
insuportável: não poderiam estar, de forma equivalen-
te, à altura dos requerimentos respectivos da justiça, da
memória e da história.»37
Essa mistura de géneros parece recuperar o anti-
go aforismo de Schiller, retomado por Hegel, sobre o
tribunal da história: Die Weltgeschichte ist das Weltgericht,
«A história do mundo é o tribunal do mundo», afo-
rismo que secularizou a moral e a ideia de justiça, ao

102
situá-la na temporalidade do mundo profano e fazendo
do historiador o seu guardião38. Podemos interrogar-
-nos sobre a pertinência dessa afirmação a propósito de
processos que, longe de julgarem um passado já ido e
então encerrado, susceptível de ser contemplado à dis-
tância, não foram mais do que momentos de elabora-
ção de «um passado que não quer passar». No entanto,
para a parte civil, assumiram os traços de uma Némesis
reparadora da História. Contra esse adágio hegeliano,
era inevitável opor um outro: o historiador não é um
juiz, a sua tarefa não consiste em julgar mas antes em
compreender. Na sua Apologie pour l'histoire, Marc Bloch
deu-lhe uma formulação clássica: «Quando o especia-
lista observou e explicou, a sua tarefa está terminada.
Ao juiz resta ainda dar a sentença. Ao silenciar qualquer
inclinação pessoal, pronuncia-a segundo a lei? Achar-
-se-á imparcial. Ele sê-lo-á, com efeito, no sentido dos
juízes. Não no sentido dos especialistas. Porque não
se pode condenar ou absolver sem tomar partido por
um quadro de valores que já não releva de nenhuma
ciência positiva.»39 Mas deve também ser lembrado que,
em Une étrange défaite, Bloch não se abstém de julgar e,
se não queremos preconizar uma visão já gasta (e ilu-
sória) da historiografia como ciência «axiologicamen-
te neutra», somos obrigados a reconhecer que todo
o trabalho histórico veicula também, implicitamente,

103
um julgamento sobre o passado. Seria falso não ver
mais do que arrogância detrás do aforismo hegeliano
sobre a história como «tribunal do mundo». Pierre
Vidal-Naquet relembra, nas suas memórias, a im-
pressão que lhe causou a passagem marcante de
Chateaubriand em que este atribui ao historiador,
«quando, no silêncio da abjecção, já só se ouve o resso-
ar das correntes do escravo e a voz do delator», a nobre
tarefa da «vingança dos povos». Antes de ser a fonte de
uma vocação, relembra, este desejo de redenção e de
justiça foi para ele «uma razão de viver»40.
A contribuição mais lúcida sobre esta delicada ques-
tão é a de Carlo Ginzburg, por ocasião do processo
Sofri em Itália41. O historiador, sublinha Ginzburg, não
deve erigir-se em juiz, não pode emitir sentenças. A
sua verdade – resultado da sua pesquisa – não tem um
carácter normativo; permanece parcial e provisória, ja-
mais definitiva. Apenas os regimes totalitários, onde os
historiadores são reduzidos à categoria de ideólogos
e de propagandistas, possuem uma verdade oficial. A
historiografia nunca está cristalizada, uma vez que em
cada época o nosso olhar sobre o passado – interroga-
do a partir de novos questionamentos, sondado com
a ajuda de categorias de análise diferentes – se modi-
fica. O historiador e o juiz, no entanto, partilham um
mesmo objectivo: a procura da verdade e esta busca da

104
verdade necessita de provas. Verdade e prova são duas
noções que se encontram no cerne do trabalho tan-
to do juiz como do historiador. A escrita da história,
acrescenta Ginzburg, implica além disso um procedi-
mento argumentativo – uma selecção dos factos e uma
organização do relato – cujo paradigma continua a ser
a retórica de matriz judicial. A retórica é «uma arte da
persuasão nascida diante dos tribunais»42; foi aí que,
diante de um público, se codificou a reconstrução de
um facto através das palavras. Isto não é negligenciá-
vel, mas acaba aqui a afinidade. A verdade da justiça é
normativa, definitiva e vinculativa. Não procura com-
preender mas estabelecer responsabilidades, absolver
os inocentes e punir os culpados. Comparada à verda-
de judiciária, a do historiador não é apenas provisória
e precária, é também mais problemática. Resultado de
uma operação intelectual, a história é analítica e refle-
xiva, procurando pôr em evidência as estruturas subja-
centes aos acontecimentos, as relações sociais nas quais
estão implicados os homens e as motivações dos seus
actos43. Em suma, é uma outra verdade, indissociável
da interpretação. Não se limita a estabelecer os factos,
tenta colocá-los no seu contexto, explicá-los, formu-
lando hipóteses e procurando as causas. Se é verdade
que o historiador adopta, para retomar ainda a defini-
ção de Ginzburg, um «paradigma indiciário»44, a sua

105
interpretação não possui a racionalidade implacável,
quantificável e incontestável das deduções de Sherlock
Holmes.
Os mesmos factos engendram verdades distintas. Se
a justiça cumpre a sua missão ao designar e condenar
o culpado de um crime, a história começa o seu traba-
lho de pesquisa e interpretação ao tentar explicar como
este se tornou um criminoso, qual a sua ligação com a
vítima, o contexto em que agiu, assim como a atitude
das testemunhas que assistiram ao crime, que reagiram,
que não souberam como impedi-lo, que o toleraram ou
aprovaram. Estas considerações podem servir para re-
forçar a posição dos historiadores que decidiram não
«testemunhar» durante o processo de Papon. As suas
motivações são tão válidas como as dos que acederam à
convocatória dos juízes. Estes últimos fizeram-no para
não se subtraírem, enquanto cidadãos, a um dever cívi-
co que o seu ofício tornava, a seu ver, ainda mais im-
perativo. Por um lado, o seu «testemunho» contribuiu
para confundir os géneros e conferir o estatuto de um
veredicto histórico oficial a um veredicto judicial, trans-
formando o tribunal em «tribunal da História». Por ou-
tro lado, pôde clarificar um contexto e relembrar factos
que se arriscavam a ficar ausentes tanto das actas do
processo como da reflexão que a acompanhou no seio
da opinião pública.

106
«Moralizar a história»45, essa exigência avançada
por Jean Améry na suas sombrias meditações sobre o
passado nazi, está na origem dos processos evocados
anteriormente. As vítimas e os seus descendentes vive-
ram-nos como actos simbólicos de reparação. Noutros
casos, continuam a bater-se para que esses processos
venham a ter lugar, como hoje em dia fazem, no Chi-
le, os sobreviventes da ditadura de Pinochet e os seus
descendentes. Não se trata de identificar justiça e me-
mória, mas muitas vezes fazer justiça significa também
render justiça à memória. A justiça foi, ao longo de
todo o século XX – pelo menos desde Nuremberga, se
não mesmo desde o caso Dreyfus – um momento im-
portante na formação de uma consciência histórica co-
lectiva. A imbricação da história, da memória e da justi-
ça está no centro da vida colectiva. O historiador pode
operar as distinções necessárias, mas não pode negar
essa imbricação; deve assumi-la, com as contradições
decorrentes. Charles Péguy teve essa intuição durante
o caso Dreyfus, quando escreveu que «o historiador
não pronuncia juízos judiciários; não pronuncia juízos
jurídicos; poderíamos quase dizer que não pronuncia
sequer juízos históricos; elabora constantemente juízos
históricos; está em trabalho perpétuo»46. Poderíamos
ver aí uma confissão de relativismo; na realidade, é o
reconhecimento do carácter instável e provisório da

107
verdade histórica que, para lá do estabelecimento dos
factos, contém a sua parte de juízo indissociável de
uma interpretação do passado como problema aber-
to, mais do que inventário fechado e definitivamente
arquivado.

108
IV
Usos políticos do passado

A memória da Shoah como «religião civil»


Poderemos fazer um uso crítico da memória? A este
respeito as comemorações do sexagésimo aniversário
da libertação do campo de Auschwitz oferecem-nos
matéria abundante para reflexão. A própria dimensão
das comemorações, nas quais participaram dezenas de
chefes de Estado, é em si mesmo um fenómeno notá-
vel. Revela, certamente, o lugar que ocupa o genocídio
dos judeus na paisagem memorial deste início do século
XXI e a sua integração na nossa consciência histórica.
As diferenças entre essas comemorações e as do cin-
quentenário são igualmente reveladoras. Bastante mais
modestas, as comemorações do cinquentenário ficaram

109
marcadas pelo receio do esquecimento. A muito recente
reunificação da Alemanha levantava interrogações legí-
timas quanto ao lugar que a memória dos crimes nazis
ocuparia num país que voltara a ser «normal» e, diziam
alguns, se libertara dos seus fantasmas. Temia-se que
o fim da divisão – uma espécie de recordação perma-
nente do passado e do nazismo segundo Günter Grass,
um dos mais acérrimos críticos da reunificação – fosse
pretexto para um novo recalcamento. Hoje em dia, é
forçoso constatar que esse recalcamento não teve lugar,
que a memória do nazismo, ainda que sempre conflitu-
al, permanece viva tanto na Alemanha como no resto
do mundo ocidental. O receio do esquecimento já não
existe. Se existe um receio, deve-se mais, como subli-
nharam alguns comentadores, aos «excessos da memó-
ria». O risco não é o de esquecer a Shoah, mas o de
fazer um mau uso da sua memória, de embalsamá-la, de
a fechar nos museus e de neutralizar o potencial críti-
co, ou, pior, de a submeter a um uso apologético da actual
ordem mundial.
Não creio ter sido o único a sentir um certo incó-
modo perante as imagens de Dick Cheney, Tony Blair
e Sílvio Berlusconi em Auschwitz. A sua presença pa-
recia enviar-nos uma mensagem tranquilizadora, mas
no fundo apologética, que consistia em ver o nazismo
como uma legitimação em negativo do Ocidente liberal,

110
considerado como o melhor dos mundos. O Holo-
causto funda assim uma espécie de teodiceia secular
que consiste em rememorar o mal absoluto para nos
convencer que o nosso sistema encarna o bem abso-
luto. Nos dias seguintes, durante uma emissão de rá-
dio, num programa de manhã de domingo, com uma
grande audiência, um politólogo francês repetiu várias
vezes que «Auschwitz não é Guantánamo». Auschwitz
não é Guantánamo: a insistência em sublinhar tal facto,
evidente e incontestável, levanta uma interrogação. Fi-
ca-se com a impressão que para alguns a comemoração
da libertação dos campos de Auschwitz seria uma boa
ocasião para demonstrar que, no fundo, Guantánamo
não é assim tão grave. Ora, não se trata de estabelecer
uma homologia entre Auschwitz e Guantánamo, mas
sim de questionar se depois de Auschwitz podemos
tolerar Guantánamo ou Abou-Ghraib, se não existe
algo de indecente no facto de serem precisamente os
responsáveis por Guantánamo e Abu-Ghraib que nos
representam durante uma cerimónia consagrada às ví-
timas do nazismo. Para não falar de Putin, o carrasco
dos chechenos, que conseguiu a façanha de, na sua alo-
cução em Auschwitz, não pronunciar uma única vez a
palavra «judeus». O problema já se tinha colocado, há
uma dezena de anos, durante a guerra da ex-Jugoslávia.
A quem escandalizava a comparação entre Milosevic e

111
Hitler, certamente excessiva, Marek Edelman, um dos
últimos sobreviventes do gueto de Varsóvia, retorquiu
que Srebrenica era, a seus olhos, uma «vitória póstuma
de Hitler»1.
Seria sem dúvida mais frutuoso aproveitar as co-
memorações do sexagésimo aniversário da libertação
de Auschwitz para iniciar uma reflexão crítica sobre o
presente, tentando responder às interrogações sobre as
nossas sociedades que são levantadas pela memória dos
campos de concentração nazis. Esse exercício já tinha
sido tentado, logo após a guerra, por Horkheimer e
Adorno, os nomes cimeiros da Escola de Frankfurt. Em
contra-corrente à visão então dominante, que consistia
em interpretar o nazismo como a expressão de uma re-
caída da civilização na barbárie, viam-no como o resul-
tado de uma dialéctica negativa que tinha transformado
a razão de instrumento emancipador em instrumento
de dominação e o progresso técnico e industrial em re-
gressão humana e social. Adorno definia o Holocausto
como a expressão de «uma barbárie que se inscreve no
próprio princípio da civilização»2. Contra a tendência
tranquilizadora que vê no nazismo uma legitimação em
negativo do Ocidente liberal, estes filósofos lançaram um
sério grito de alerta. O totalitarismo nasceu no seio da
própria civilização, é seu filho. Essa civilização continua
a ser a nossa e nós continuamos a viver num mundo em

112
que Auschwitz delimita um horizonte de possibilidade,
ainda que essa violência possa assumir outras formas
ou outros alvos.
Podemos compreender Habermas quando escre-
ve que é apenas «depois e por Auschwitz (nach und
durch Auschwitz)» que a Alemanha integrou o Ocidente3.
É com efeito sob o impacto do genocídio dos judeus
que a Alemanha iniciou uma ruptura com a sua auto-
-percepção tradicional enquanto comunidade étnica
(exclusivamente fundada sobre o direito de sangue)
e começou a redesenhar a sua identidade segundo as
linhas de uma comunidade política, como uma nação
de cidadãos. Trata-se de uma consequência frutuosa da
memória do Holocausto. Mas o Ocidente não se reduz
ao Estado de direito e à democracia liberal. O nazismo
não se inscreve na história do Ocidente apenas como
expressão extrema do contra-Iluminismo. A sua ideolo-
gia e a sua violência condensaram várias tendências pre-
sentes na Europa desde o século XIX: o colonialismo,
o racismo e o antissemitismo moderno. Foi um filho da
história Ocidental. E a Europa liberal do século XIX foi
a sua incubadora.
O problema que se coloca é então o da ligação da
Shoah com o processo de civilização. O Holocausto
implicou o monopólio estatal da violência que Norbert
Elias e Max Weber, na senda de Hobbes, tinham inter-

113
pretado como um vector de pacificação da sociedade
e, por consequência, como uma conquista do proces-
so de civilização. Para se poder realizar, esse genocídio
pressupunha as estruturas constitutivas da civilização
moderna: a técnica, a indústria, a divisão do trabalho,
a administração burocrático-racional. Foi a técnica
industrial que permitiu a produção em série da mor-
te. Resumindo, a fórmula convencional – que diz que
Auschwitz funcionava como uma fábrica produtora de
morte – não implica, certamente, que todas as fábricas
sejam um campo de extermínio potencial, mas impõe
um questionamento sobre a normalidade das nossas so-
ciedades modernas e sobre a sua compatibilidade com a
violência totalitária que, longe de suprimir essa norma-
lidade, a pressupõe e a utiliza. Depois de ter constatado
que «o Holocausto não atraiçoou o espírito da moder-
nidade», o sociólogo Zygmunt Bauman sublinhou que
«as condições propícias à perpetração do genocídio são
especiais mas não de todo excepcionais. Raras, mas não
únicas (...). No que diz respeito à modernidade, o ge-
nocídio não é nem uma anomalia nem um disfuncio-
namento»4.
Pensar a ligação de Auschwitz com a modernidade
ocidental pode levar a colocar em causa a nossa «nor-
malidade». Os centros de retenção onde são colocados
os estrangeiros em situação irregular e os requerentes

114
de asilo – que proliferaram na Europa no decurso dos
últimos anos – não são evidentemente comparáveis aos
campos de concentração nazis. Possuem, no entanto,
no seio das sociedades democráticas, alguns traços es-
senciais que definem o paradigma do campo de con-
centração, ou seja, segundo Giorgio Agamben, «um es-
paço que se abre quando o estado de excepção começa
a tornar-se a regra»5. São, com efeito, espaços anómi-
cos em que tudo é possível, não porque sejam conce-
bidos como espaços de aniquilamento, mas porque se
tratam de lugares de não-direito. As pessoas aí internadas
correspondem à definição de «pária» dada por Hannah
Arendt: um fora-da-lei, não porque tenha transgredido
a lei, mas porque não há nenhuma lei que o possa reco-
nhecer e proteger. Indivíduos, acrescenta Arendt evo-
cando os apátridas, que são «supérfluos» aos olhos da
comunidade das nações. O Alto Comissariado das Na-
ções Unidas para os Refugiados contabiliza 50 milhões
no mundo de hoje. Várias dezenas de milhar são inter-
nados todos os anos em países da União Europeia, in-
visíveis, como presenças «metaforicamente imateriais»6.
Existe uma passagem de As Origens do Totalitarismo que
hoje não pode ser lida sem que sejamos remetidos para
a actualidade: «antes de fazer funcionar as câmaras de
gás, os nazis tinham cuidadosamente estudado a ques-
tão e tinham descoberto, para sua grande satisfação, que

115
nenhum país iria reclamar essa gente. O que é impor-
tante registarmos é que tinha sido criada uma condição
de completa privação de direitos bem antes de ter sido
contestado o direito de viver.»7
Há também, no entanto, uma outra memória de
Auschwitz. Na época em que o genocídio judaico es-
tava ausente do discurso oficial, a sua recordação sus-
citava uma reflexão e um comprometimento que não
tinham nada de conformista. Em França, a memória de
Auschwitz e Buchenwald foi uma alavanca poderosa
para as mobilizações contra a guerra da Argélia. A Fran-
ça colonial, que torturava e matava, evocava recordações
a todos aqueles que, alguns anos mais cedo, se tinham
batido contra a ocupação alemã. Alain Resnais realizou
Nuit et Brouillard em 1955 como uma forma de lembrar
a história. Testemunhando em 1960 no processo de
Francis Jeanson, julgado por ter criado em França uma
rede de apoio à FLN, Pierre Vidal-Naquet comparou os
massacres cometido na Argélia pelo exército francês às
câmaras de gás de Auschwitz, onde os seus pais tinham
sido mortos. A comparação era certamente exagerada,
como veio a reconhecer nas suas memórias8. Hoje em
dia, tais posições suscitariam a cólera dos «guardiões do
templo» da memória do Holocausto. São posições que
revelam uma paisagem memorial e política bem dife-
rente da nossa e também os limites da historiografia (no

116
sentido mais tradicional do termo), numa época em que
a distinção entre campos de concentração e campos
de extermínio estava longe de ser clara. Mas revelam
também a presença de uma recordação ainda recente,
viva, quente, que funcionava como uma incitação muito
forte para lutar contra as injustiças e as opressões do
presente. Foi essa recordação que inspirou a decisão de
vários dos signatários do «Manifesto dos 121» pela in-
submissão na Argélia, e foi evocada em vários dos pro-
cessos da época. Para o trotsquista holandês Sal Santen,
sobrevivente dos campos nazis e depois condenado em
1960 por ter participado na criação de uma fábrica de
armas clandestina para a FLN, não havia dúvida que
o compromisso anticolonialista não fazia mais do que
prolongar o compromisso antifascista. A comparação
entre crimes nazis e violências coloniais atravessa os
escritos de Frantz Fanon e mesmo as declarações do
Tribunal Russell sobre o Vietname.
A memória de Auschwitz, subterrânea mas activa,
é uma chave igualmente indispensável para explicar o
antifascismo do movimento estudantil e da esquerda re-
volucionária depois de 1968. Esse substrato da memó-
ria colectiva, à época ocultada no discurso oficial, podia
por momentos reemergir à superfície, como aquando
da expulsão de Daniel Cohn-Bendit pelo general de
Gaulle, que fez descer à rua dezenas de milhares de jo-

117
vens gritando «nós somos todos judeus alemães». Esse
slogan possuía então uma força libertadora cujo alcance
é hoje difícil de compreender.
Na Alemanha, após o silêncio da era Adenauer, a
memória de Auschwitz iria reaparecer, logo a partir
dos anos 1960, como um motor do protesto estudan-
til. Uma nova geração exigia que a anterior prestasse
contas, recolocando em causa o passado alemão e de-
nunciando as ligações que uniam a nova Alemanha de
Bona ao Terceiro Reich. Não se trata de idealizar essa
revolta ou de esconder os seus limites e ambiguidades.
Vários analistas sublinharam os resíduos de um nacio-
nalismo de traços antissemitas que poderia estar apenas
adormecido na virulência do antissionismo, do anti-im-
perialismo e do antiamericanismo da esquerda extrapar-
lamentar9. Mas tal não deveria impedir de observar que
esta revolta foi o ponto de partida de todas as querelas
das décadas seguintes em torno do «passado que não
quer passar» e da formação de uma consciência histó-
rica nova em que a memória dos crimes nazis constitui
um elemento central.
Essa rememoração encontrou uma ilustração literá-
ria notável, em 1975, em W ou le souvenir d'enfance, de
Georges Perec. Esse romance articula-se em torno de
um duplo relato, o da memória e o de uma ficção políti-
ca inspirada na actualidade: por um lado, as suas recor-

118
dações de órfão, filho de judeus polacos emigrados em
França, deportados e exterminados em Auschwitz; por
outro, a crónica de uma sociedade totalitária, W, situada
na América Latina, organizada como uma sistema to-
talitário fundado sobre o princípio da competição des-
portiva e que acaba em massacre. O romance termina
com as seguintes palavras: «Eu esqueci as razões que,
com doze anos, me fizeram escolher a Terra do Fogo
para aí instalar W: os fascistas de Pinochet encarrega-
ram-se de dar ao meu fantasma uma última ressonância:
várias ilhotas da Terra do Fogo são hoje em dia campos
de deportação.»10
Podemos, todavia, encontrar exemplos recentes de
um bom uso da memória do Holocausto. Por exemplo,
o do africanista Jean-Pierre Chrétien que publicou em
Abril de 1994 um artigo no Libération em que denun-
ciou os crimes de um «nazismo tropical» no Ruanda11.
De um ponto de vista analítico, o conceito não parece
muito pertinente, na medida em que assimila dois geno-
cídios, o dos Tutsi e o dos judeus, muito diferentes pe-
los seus contextos, pela natureza dos regimes políticos
que os conceberam e pelos meios com que foram per-
petrados. Contudo, do ponto de vista do uso público
da história, esse conceito foi muito bem escolhido. Em
Abril de 1994, quando a opinião pública aparecia ainda
largamente incrédula e indiferente face aos massacres

119
que os média caracterizavam frequentemente como
«conflitos tribais», falar de «nazismo tropical» tinha um
sentido, o de se apoiar na consciência histórica do mun-
do ocidental, onde a Shoah ocupa hoje em dia um lu-
gar central, para chamar a atenção sobre um genocídio
em curso. Tratava-se de mostrar que o Ruanda estava
a viver uma tragédia tão grave como a Shoah e que era
necessário reagir para a tentar impedir. De um ponto
de vista ético-político, a noção de «nazismo tropical»
era portanto perfeitamente justificada. Infelizmente, é
mais fácil comemorar genocídios, sobretudo a décadas
de distância, do que impedi-los.

O eclipse da memória do comunismo


Em Le spleen contre l’oublie, Dolf Oehler mostrou até
que ponto a cultura francesa do Segundo Império foi
assombrada pela memória de Junho de 1848, numa
sociedade que tentava exorcizar por todos os meios a
recordação dessa revolta que se tornou quase inomi-
nável12. Hoje acontece qualquer coisa de semelhante.
A própria ideia de revolução é criminalizada, automa-
ticamente remetida para a categoria do «comunismo»
e assim arquivada no capítulo «totalitarismo» da histó-
ria do século XX. Foi assimilada ao Terror e o Terror
reduzido à execução coerente de uma ideologia crimi-

120
nosa13. O capitalismo e o liberalismo parecem ter-se
tornado novamente o destino inelutável da humanida-
de, como tinham sido descritos por Adam Smith na
época da Revolução Industrial e por Tocqueville depois
da Restauração. Não é identificada uma nova ordem
a construir, de que apenas poderíamos ver os traços
gerais, mas um sistema social e político apresentado
como a única resposta possível para os horrores do
século XX. O contraste com a paisagem memorial do
século agora findo é evidente. Durante os momentos
mais sombrios da «era dos extremos», quando o velho
mundo estava sacudido por uma guerra destrutiva que
lembrava um quadro de Hieronymus Bosch, quando
se generalizava o sentimento de que a humanidade
estava à beira do abismo e a civilização se arriscava a
conhecer um eclipse definitivo, o comunismo aparecia,
aos olhos de milhões de homens e de mulheres, como
uma alternativa pela qual valia a pena lutar. Na ideia de
comunismo havia certamente uma parte de ilusão, de
mistificação e de cegueira de que apenas uma minoria,
de entre os seus defensores, tinha consciência. Estava
contudo fortemente enraizado na sociedade, na cultura
e nas expectativas das classes populares. Comunismo
era uma palavra portadora de múltiplos significados.
Queria dizer tomar em mãos o seu próprio destino,
emancipar-se, bater-se contra o fascismo, contra a in-

121
justiça, contra a opressão, construir uma sociedade de
iguais. Remetia também para realidades mais sombrias:
o avanço «libertador» do Exército Vermelho, a discipli-
na, a razão do partido, o culto de Estaline. Aspirações
libertárias, cálculos maquiavélicos e ameaças totalitárias
ombreavam-se numa dialéctica histórica que a «era dos
extremos» tinha levado ao seu paroxismo. Em França e
em vários outros países do Oeste europeu, a memória
do comunismo é em primeiro lugar a de uma «contra-
-sociedade»14 – caserna, igreja e comunidade fraternal
à vez – que já não existe. Se as sombras e as contra-
dições que essa ideia de comunismo transportava são
doravante bem visíveis, se as suas ilusões estão destruí-
das, temos de reconhecer que também o seu horizonte
de esperança desapareceu. Os movimentos de mas-
sas mais radicais já não ousam reclamar-se dele, nem
reivindicá-lo. Os zapatistas mexicanos não falam de
comunismo mas de dignidade e justiça. As forças que
se mobilizaram no decurso destes últimos anos con-
tra a mundialização neo-liberal, de Seattle a Génova,
têm ideias muto claras sobre aquilo que não querem
– um mundo reificado e transformado em mercadoria
–, mas não ousam propor um modelo alternativo de
sociedade. Os estudantes chineses reunidos na Praça
de Tiananmen em 1989 não reivindicavam, como em
Praga em 1968, um «socialismo de rosto humano», mas

122
a liberdade e a democracia. Nos países da Europa cen-
tral, são numerosos os que, depois de terem lutado por
um socialismo autêntico, se tornaram responsáveis não
apenas pelo regresso à democracia mas também pela
restauração do capitalismo.
Introduzida na consciência histórica do mundo oci-
dental desde o fim dos anos 1970 como um aconteci-
mento central do século XX, a recordação dos campos
de morte nazis uniu-se, após a queda do Muro de Berlim
e o desmoronamento do Império Soviético, à memória
do «socialismo realmente existente». Tornaram-se indis-
sociáveis, como os ícones de uma «era de tiranos», de-
finitivamente acabada15. A elaboração da memória dos
passados fascista e nazi, iniciada alguns anos antes em
vários países europeus, – enleou-se com o fim do co-
munismo. A consciência histórica do carácter assassino
do nazismo serviu de parâmetro para medir a dimensão
criminal do comunismo, rejeitado em bloco – regimes,
movimentos, ideologias, heresias e utopias incluídas
– como um dos rostos do século da barbárie. A noção
de totalitarismo, antes arrumada nas estantes menos
consultadas das bibliotecas da Guerra Fria, conheceu
um regresso espectacular como a chave de leitura mais
capaz, se não a única, de decifrar os enigmas de uma era
de guerras, ditaduras, destruições e massacres16. Uma
vez decapitado o monstro totalitário com cabeça de

123
Jano, o Ocidente conheceu uma nova juventude, qua-
se uma nova virgindade. Se o nazismo e o comunismo
são os inimigos irredutíveis do Ocidente, este deixa de
constituir o seu berço para se tornar a sua vítima, eri-
gindo-se o liberalismo como o seu redentor. Esta tese
exprime-se sob diferentes variantes, das mais vulgares
às mais nobres. A versão vulgar é a do filósofo do De-
partamento de Estado americano, Francis Fukuyama,
para o qual a democracia liberal designa, no sentido he-
geliano do termo, «o fim da História», implicando que
é impossível conceber um mundo que seja ao mesmo
tempo distinto e melhor do que o mundo actual17. A
versão nobre é a de François Furet. Sublinhando, em O
Passado de uma Ilusão, que «nem o fascismo, nem o comu-
nismo foram os sinais inversos de um destino providen-
cial da humanidade»18, Furet deixa entender que um tal
destino providencial na verdade existe e é representado
pelo seu inimigo comum: o liberalismo.
Depois de ter assimilado o movimento e os apare-
lhos políticos, a revolução e o regime, as suas utopias e
a sua ideologia, os sovietes e a Tcheca, os historiadores
da nova Restauração empreenderam a condenação em
bloco do comunismo como uma ideologia e uma prá-
tica intrinsecamente totalitárias. Desprendida de toda
a dimensão libertadora, a sua memória foi alojada nos
arquivos do século dos tiranos.

124
É certo que o século XX suscitou uma interrogação
fundamental quanto ao diagnóstico de Marx relativo
ao papel do proletariado como libertador da humani-
dade. A Revolução Russa (e, na sua senda, as que se
lhe seguiram) engendrou um regime totalitário. Tudo
aquilo contra o qual o comunismo, desde Babeuf e
Marx, se havia insurgido – a opressão, a desigualdade,
a dominação – converteu-se pouco tempo depois na
sua condição normal de existência. A violência «partei-
ra» da história foi institucionalizada como o seu modo
de funcionamento. O aparelho concebido como meio
tornou-se o seu próprio fim, um fetiche que exigia o
seu quinhão de vítimas sacrificiais. O movimento que
tinha prometido a emancipação do trabalho, finalmente
liberto da sua forma capitalista, deu lugar a um sistema
de alienação e de opressão.
O comunismo, tal como nós o conhecemos nas suas
formas históricas concretas depois de 1917, foi engo-
lido com o século que o tinha engendrado. Após uma
época de guerras e de genocídios, de fascismos e de
estalinismo, o socialismo já só subsiste, como nas suas
origens, na sua forma utópica. Mas esta utopia é, dora-
vante, fortemente carregada pelo peso da história, que
a transforma, segundo as palavras inspiradas de Daniel
Bensaïd, numa «aposta melancólica»19. Alimenta-se de
um sentimento agudo das derrotas sofridas, das catás-

125
trofes sempre possíveis, e esse sentimento torna-se no
verdadeiro fio condutor que tece a continuidade da his-
tória como história dos vencidos.
Ao contrário de Marx, que definia as revoluções
como as «locomotivas da História», Benjamin inter-
pretava-as como o «travão de emergência», que pode-
ria parar o curso do comboio rumo a uma catástrofe
eternamente renovada e, assim, romper o continuum da
história20. A metáfora de Marx continuava prisioneira
da mitologia do progresso que ao longo de todo o sécu-
lo XIX tinha tido o seu símbolo no caminho-de-ferro,
expressão da sociedade industrial, imagem da potência
e da velocidade. Depois dos carris de Birkenau, depois
das vias-férreas que os zeks* construíram nos gulags da
Sibéria, as locomotivas já não evocam a revolução.
Nós já não estamos no meio da tempestade, como
os nossos antepassados do período de entre-guerras.
Vivemos, pelo menos provisoriamente, numa paisagem
pós-catastrófica, ao abrigo das calamidades que afligem
outras regiões do planeta. E com a catástrofe afastou-se
a revolução, o seu corolário. Uma vez que o seu «cam-
po de experiência» se afasta de nós como um passado
já ido, o seu «horizonte de esperança» tornou-se invi-
sível21. Não sabemos se o comunismo poderá um dia

* Prisioneiros nos campos de trabalho forçado. N.T.

126
voltar a ser um «horizonte de esperança», uma «utopia
concreta», como o definia Ernst Bloch. O que é certo
é que o seu campo de experiência se eclipsou da nossa
paisagem memorial e que espera ainda a sua anamnese.
Desse ponto de vista, a memória do comunismo co-
nheceu uma parábola análoga à de outros movimentos
emancipadores. Como sublinharam vários historiado-
res, Maio de 68 já não evoca, no imaginário colectivo,
a maior greve geral da história francesa, mas o rito de
passagem para uma sociedade individualista e o mo-
mento de formação de uma nova elite «liberal-libertá-
ria». A analogia mais impressionante é sem dúvida a do
anticolonialismo, cuja memória pública conheceu um
eclipse quase total. Uma gigantesca revolta dos povos
colonizados contra o imperialismo foi esquecida, re-
coberta por outras representações do «Sul» do mundo,
acumuladas durante três décadas: primeiro, a das valas
comuns do Camboja e do Ruanda; depois, as «guer-
ras humanitárias»; e por último o terrorismo islâmico,
cujos porta-vozes substituíram a imagem do guerrillero.
Os ex-colonizados ainda não adquiriram o estatuto de
sujeitos históricos, transformaram-se simplesmente
em «vítimas», objecto de salvamento pelos países de-
senvolvidos, que continuam a cumprir, como no século
XIX, a sua «missão civilizadora», agora envolta na capa
ideológica dos «direitos do homem». Assim enterra-

127
da, a recordação do comunismo e do anticolonialismo
como movimentos emancipadores, como experiência
de constituição dos oprimidos em sujeito históricos,
subsiste como memória escondida, por vezes como
contra-memória oposta às representações dominantes.

128
V
Os dilemas dos
historiadores alemães

O desaparecimento do fascismo
A Alemanha constitui um laboratório interessante para
estudar a interacção entre a memória do nazismo e a
escrita da sua história. Neste país, a emergência de uma
consciência histórica do genocídio dos judeus coinci-
diu com o desaparecimento da noção de «fascismo» do
campo historiográfico. Raros são os historiadores que
se envolveram numa análise comparada dos fascismos1,
raríssimos aqueles que hoje aceitam considerar o fascis-
mo como um fenómeno de alcance europeu. Depois
de no mundo académico se ter «acertado o passo» com
a reunificação, sobram apenas alguns sobreviventes da

129
historiografia da Alemanha de leste. É a própria noção
de fascismo que, para lá do Reno, parece constituir uma
espécie de tabu. O fenómeno não é novo. Estava iden-
tificado desde 1988 por Timothy Mason, um grande
investigador que colocou a história comparada dos fas-
cismos no centro da sua obra. Num artigo significativa-
mente intitulado «Whatever happened to «fascism»?»,
sublinha uma tendência que se acentuou no decorrer da
década seguinte: o desaparecimento, na historiografia
alemã, do conceito de fascismo2.
Os últimos vinte anos foram marcados, na Alema-
nha, por cinco grandes debates, alguns exclusivamen-
te no interior da disciplina, outros projectados para o
exterior, até se tornarem grandes debates da socieda-
de. O primeiro foi a «controvérsia dos historiadores»
(historikerstreit), que polarizou em 1986-1987 a atenção
dos média e teve um impacto considerável além das
fronteiras alemãs. Depois, no ano seguinte, a corres-
pondência entre Martin Broszat e Saul Friedländer, que
não saiu das revistas e das publicações especializadas,
mas que constitui uma reflexão metodológica de pri-
meira importância. Em 1996, foi a controvérsia em tor-
no do livro de Daniel J. Goldhagen sobre os «carrascos
voluntários de Hitler» que fez furor, com fortes reper-
cussões na cena internacional. Por fim, as polémicas
exclusivamente internas à historiografia e puramen-

130
te «germano-alemãs», suscitadas pelo Historikertag* de
1998, e a que se seguiram altercações em torno de uma
exposição itinerante sobre os crimes da Wehrmacht.
Primeiro debate, portanto, o Historikerstreit, iniciado
em 1986-1987 pelas teses de Ernst Nolte sobre o pas-
sado alemão «que não quer passar». A sua interpretação
do nazismo como reacção à Revolução Russa e, sobre-
tudo, a sua visão do genocídio dos judeus como «cópia»
de um «genocídio de classe» perpetrado pelos bolche-
viques foram objecto de polémicas bastante divulgadas.
Jürgen Habermas foi o principal antagonista de Nolte,
a quem acusou de ter encontrado uma maneira cómoda
de «liquidar os danos», de «normalizar» o passado e de
dissolver a responsabilidade histórica pelos crimes do
nacional-socialismo3.
O segundo debate teve lugar um ano mais tarde, em
suplementos da imprensa diária e nos ecrãs de televisão:
um debate metodológico destinado a ter um impacto
muito forte nos meios de investigação. Publicado qua-
se simultaneamente em alemão e em inglês, a corres-
pondência já mencionada entre Martin Broszat e Saul
Friedländer abordava a delicada questão da possibili-
dade e dos limites de uma historicização do nazismo,
revelando em simultâneo a fecundidade do diálogo e as

* Jornada historiográfica. N.T.

131
diferenças de abordagem geradas a partir de dois pon-
tos de observação distintos: o de um historiador alemão
e o de um historiador judeu4. Deve sublinhar-se esta
diferença, que constitui um dos aspectos centrais des-
sa correspondência, não para «etnicizar» o debate, mas
para relembrar as diferentes perspectivas epistemológi-
cas que sustentam a «posição» do historiador (aquilo a
que Karl Mannheim chamou o seu Standort)5, isto é, a
sua inserção num contexto social, político, cultural, na-
cional e memorial específico6.
Terceiro debate: em meados dos anos 1990, a obra
do politólogo americano Daniel Goldhagen suscitou,
bem para lá dos meios universitários, um vasto debate
público sobre a ligação da sociedade alemã com o regi-
me nazi e o grau de implicação dos alemães «normais»
na efectivação dos crimes nazis. Se a tese de Goldhagen,
visando apresentar o genocídio judaico como um «pro-
jecto nacional» alemão, foi objecto de sólidas críticas
por parte da maioria dos historiadores, foi também um
momento importante na confrontação da Alemanha
reunificada com o seu passado nazi e na formação de
uma consciência histórica, especialmente entre os jo-
vens, no centro da qual se inscreve a memória de Aus-
cwitz7. A abordagem funcionalista, que via os crimes
do nazismo como o produto de uma máquina de mor-
te, impessoal e quase anónima, foi fortemente abalada

132
por Goldhagen, que colocou a tónica na participação
activa dos alemães nesses crimes ao desviar a atenção
dos campos de extermínio para as execuções em mas-
sa levadas a cabo pelas unidades especiais do SS (as
Einsatzgruppen), pelos batalhões de polícia e pelo exér-
cito.
Quarto debate: em 1998, o tradicional encontro de
historiadores alemães, que tem lugar de dois em dois
anos, foi marcado por debates muito intensos a respeito
do passado da sua disciplina. O compromisso com o
regime nazi, ou mesmo a adesão aberta, por parte de
certas figuras de proa da historiografia do pós-guerra
– como Werner Conze e Theodor Schieder, os antigos
mestres de vários investigadores que dominam a disci-
plina hoje em dia – foi objecto de revelações e de críti-
cas muito severas8. Foi esse congresso que desenhou o
perfil de uma nova geração – no sentido histórico, e não
simplesmente cronológico do termo, segundo a defini-
ção de Mannheim – que emergiu no decurso da última
década. (Por vezes mesmo mais cedo, especialmente no
caso de um dos porta-vozes da vaga contestatária, Götz
Aly9.) Foi de certa forma inevitável que, após ter sido
um dos vectores privilegiados da elaboração de uma
consciência histórica e do desenvolvimento de um vas-
to debate na sociedade sobre o uso público da história,
a comunidade de historiadores se visse obrigada a cen-

133
trar o seu olhar sobre o seu próprio percurso e a proce-
der, muito honestamente e portanto dolorosamente, à
sua autocrítica. Existe aqui uma identificação completa
entre o juiz e o historiador, num processo em que os
historiadores se constituíram como juízes dos seus pró-
prios antecessores e da sua própria história.
Quinto debate: a exposição sobre os crimes da Wehr-
marcht, organizada pelo Institut fϋr Sozialforschung de
Hamburgo e inaugurada em 1995, tem uma longa e tor-
mentosa história, cuja conclusão podemos referenciar
ao ano de 200210. Resultado de um importante trabalho
de investigação, essa exposição rompeu com um lugar-
-comum instalado na opinião pública alemã, segundo o
qual o exército não teria estado implicado nos crimes
do nazismo, que teriam sido responsabilidade quase ex-
clusiva dos SS e da Gestapo. Apoiando-se num vasto
material ilustrado por imagens e documentos da época,
a exposição de Hamburgo mostrava que, pelo contrá-
rio, o exército tinha perpetrado numerosos massacres
de populações civis na União Soviética – sobretudo na
Ucrânia e na Bielorrússia – e na Sérvia, ao mesmo tempo
que participava na eliminação dos judeus. Tinha estado
no centro de uma guerra de conquista e de extermínio
contra o comunismo, os povos eslavos, os judeus e os
ciganos, guerra que foi radicalizada face à resistência so-
viética e que tinha rapidamente assumido as característi-

134
cas de uma guerra colonial e de uma cruzada antissemi-
ta. Os milhões de jovens soldados que tinham servido
sob o uniforme da Wehrmacht representavam o con-
junto da sociedade alemã, com a qual mantinham con-
tactos e trocavam informações. Mostrar a implicação da
Wehrmacht no genocídio dos judeus significou, por-
tanto, demolir o mito segundo o qual os alemães «não
sabiam».
As ferozes polémicas suscitadas por esta exposição
atingiram o seu ponto alto em 1999, quando os seus de-
tractores conseguiram provar a presença de alguns docu-
mentos falsos (quatro fotografias de crimes do NKVD
atribuídos erroneamente à Wehrmacht) e impor o seu en-
cerramento. Depois do trabalho de investigação de uma
comissão de inquérito independente que rejeitou todas as
alegações de falsificação e de manipulação, a exposição
foi enfim reaberta em 2002, expurgada das fotografias
controversas – uma parte mínima no conjunto dos docu-
mentos reunidos – e acompanhada de um novo catálogo
enriquecido por um importante aparato crítico11.
É verdade que estas controvérsias apresentam ca-
racterísticas muito diferentes. Trata-se respectivamente
de três grandes debates de sociedade que ultrapassaram
largamente as fronteiras de uma disciplina científica (o
Historikerstreit, o caso Goldhagen e a exposição sobre os
crimes da Wehrmacht), de uma reflexão metodológica

135
sobre a interpetação de um passado que se furta aos
procedimentos tradicionais da historicização (a corres-
pondência Boszat-Friedländer) e, por fim, de uma crise
de identidade no interior de uma comunidade intelectu-
al (o Historikertag de 1998). Mas, no entanto, se virmos
bem, as três primeiras controvérsias, que constituem
também a premissa e a base sobre a qual se desenvolve-
ram as outras, andam em torno de uma mesma questão:
a singularidade histórica do nazismo e dos seus crimes12.
O reconhecimento dessa singularidade é doravante o
postulado implícito à maior parte das pesquisas alemãs
sobre o nazismo. Não se trata aqui de pôr em causa essa
singularidade, que podemos muito bem admitir e que
constitui, em vários aspectos, uma aquisição importan-
te da historiografia. O que merece ser sublinhado, em
contrapartida, é o seu corolário, ou seja, as consequên-
cias problemáticas, algumas vezes inquietantes, que
acompanharam esse reconhecimento. Na primeira linha
dessas consequências negativas deve inscrever-se, preci-
samente, o desaparecimento do conceito de fascismo.
Sobre essa questão crucial, temos a impressão de
que todos se posicionaram silenciosamente, mas com
firmeza, ao lado de Karl Dietrich Bracher, o historiador
liberal-conservador que com mais coerência sempre re-
jeitou o conceito de fascismo. Há mais de quarenta anos
que Bracher opõe a sua visão «totalitarista» da Alema-

136
nha nazi às diferentes teorias do fascismo, categoria que
para ele só se aplica à Itália de Mussolini13. Alguns dos
seus discípulos, como Hans-Helmut Knϋter, recusam
mesmo atribuir ao fascismo o estatuto de um concei-
to (Begriff), reduzindo-o a uma simples «palavra de or-
dem» (schlagwort), a uma ideologia e a um instrumento
de propaganda14. Essa atitude não é nova. O que é isso
sim novo é que a ela adiram historiadores e politólogos
provenientes da esquerda, como Wolfgang Kraushaar
ou Dan Diner. O primeiro defende hoje em dia a ideia
de totalitarismo, que apresenta como antinómico em
relação ao fascismo (sendo a Alemanha nazi totalitária,
já não poderia ser fascista)15. O segundo publicou re-
centemente uma ambiciosa e interessante tentativa de
«compreensão» do século XX (Das Jahrhundert verstehen),
em que praticamente não recorre à noção de fascismo16.
O nacional-socialismo aparece aqui como um fenóme-
no exclusivamente alemão, completamente distinto e
independente do fascismo italiano, tanto no seu conte-
údo como na sua forma, insusceptível de ser associado
a um fenómeno fascista de escala europeia. Na maior
parte dos casos os historiadores que continuam a utili-
zar a noção de fascismo são os representantes da escola
histórica da antiga RDA, como Kurt Pätzold, marxis-
tas como Reinhard Kϋhnl17, ou discípulos de esquer-
da de Nolte, como Wolfgang Wippermann18. Entre os

137
grandes historiadores da RFA, a única excepção é Hans
Mommsen, autor de uma obra imponente e notável
mas que, no entanto, não se distingue pelo seu com-
paratismo. Mommsen reconhece a pertinência do uso
do conceito de fascismo, mesmo se a ele não recorre. É
significativo que a única obra hoje em dia disponível na
Alemanha sobre os fascismos seja traduzida do polaco:
Schulen des Hasses, de Jerzy W. Borejsza19.
Outro sinal revelador dessa mutação na paisagem in-
telectual é o abandono da noção de fascismo por quem
mais tinha contribuído para a sua difusão: Ernst Nolte.
Celebrizado no inicio dos anos 1960 graças a um livro
ambicioso em que interpretou o fascismo como um fe-
nómeno europeu de que analisa três variantes principais
– o regime de Mussolini em Itália, o nacional-socialismo
alemão e a Action française – , hoje em dia Nolte prefere
qualificar o nacional-socialismo como totalitarismo, para
o qual tentou dar uma explicação «histórico-genética»20.

A Shoah, a RDA e o antifascismo


Na origem deste «ostracismo» conceptual encontramos,
bem entendido, vários factores. Poderíamos sublinhar
pelo menos quatro, ligados tanto à evolução intrínseca
da investigação histórica como a uma mutação da pai-
sagem memorial da Alemanha.

138
O primeiro vem dos limites hoje evidentes das teo-
rias clássicas do fascismo, nomeadamente as de inspira-
ção marxista. Dificilmente poderemos ficar satisfeitos
com uma explicação do nazismo como expressão, se-
gundo a fórmula canónica, dos sectores mais agressivos
do grande capital e do imperialismo alemão, ou mesmo,
em termos mais matizados, como simples resultado de
uma alteração das relações de força entre as classes21.
Os limites de uma tal leitura são agora reconhecidos,
ainda que, diga-se de passagem, as interpretações mar-
xistas, nos nossos dias pouco frequentadas, são muitas
vezes bem mais ricas e complexas do que se pensa (os
marxistas estão entre os primeiros a ter falado do fas-
cismo em termos de totalitarismo, de policracia, de ca-
risma, de psicologia de massas, etc.)22. A indiferença às
bases de classe do nazismo corre o risco de levar a um
impasse tão grave como uma leitura do Estado hitle-
riano em termos simplesmente classistas. Se ninguém
pode seriamente pretender que as câmaras de gás fo-
ram projectadas pelo capitalismo monopolista alemão,
a implicação deste no sistema concentracionário nazi é
incontestável, tal como o apoio das elites alemãs tradi-
cionais ao regime nazi até ao fim da Segunda Guerra
Mundial.
O segundo factor procede da amplitude das diferen-
ças entre o fascismo italiano e o nacional-socialismo,

139
sobretudo no plano da ideologia. O antissemitismo, que
ocupa um lugar central na mundivisão e nas políticas
nazis, está ausente no fascismo italiano até 1938, dezas-
seis anos depois da chegada ao poder de Mussolini. De
uma forma mais geral, as matrizes culturais do fascismo
italiano (a presença de uma componente «de esquerda»
nas suas origens), a sua exaltação do Estado «totalitá-
rio» (em vez da völkische Gemeinschaft) e mesmo a sua
definição do nacionalismo (mais espiritualista do que
biológica), revelam diferenças tão profundas em relação
ao nacional-socialismo que uma visão monolítica do
fascismo como fenómeno homogéneo, cujas variantes
nacionais fossem apenas superficiais, é necessariamente
contestável23.
Se é certo que essas lacunas e essas limitações ob-
jectivas favoreceram o questionamento do conceito
de fascismo, um terceiro factor que determinou o seu
eclipse é de natureza essencialmente política. A noção
de fascismo era um dogma para a escola histórica da
RDA, num contexto em que eram muito débeis as fron-
teiras entre investigação e ideologia, entre interpretação
do passado e apologia da ordem dominante. Com a
reunificação, essa noção desapareceu após a demolição,
no sentido literal do termo, da escola histórica que a
defendia. Esse processo foi acompanhado primeiro
por um questionamento, seguido pela sua rejeição radi-

140
cal, de uma outra noção, a de antifascismo, que apare-
cia muito mais como uma ideologia de Estado do que
como a herança de um movimento de resistência. O
estudo da resistência comunista – cuja amplitude está
longe de ser negligenciável24 – permaneceu apanágio da
historiografia leste-alemã, submetida a um forte con-
trolo ideológico. A Oeste, foi privilegiada a oposição
no seio do exército, que teve como momento final o
atentado contra Hitler em Julho de 1944, enquanto a
história social tendia a colocar entre parêntesis o pró-
prio conceito de resistência (Widerstand), desviando a
atenção para as diferentes formas de «dissensão» ou de
«inadaptação» (Resistenz) da sociedade civil face ao regi-
me. Como sugeriu Saul Friedländer, a consequência do
uso desse conceito – que literalmente significa «a imu-
nidade, num sentido biológico»25 – era legitimar a visão
lenitiva e apologética, largamente difundida no seio da
opinião pública desde 1945, de uma sociedade civil ale-
mã em última análise estranha aos crimes do nazismo.
Com o desenvolvimento dos estudos sobre a vida quo-
tidiana (Alltagsgeschichte) na Alemanha nazi, a resistência
perdia o seu interesse26. Essa mutação era ainda mais
fácil uma vez que apenas a historiografia da RDA podia
legitimamente considerar-se herdeira de uma tradição
antifascista; não se considerariam, certamente, os histo-
riadores oeste-alemães pertencentes ao que hoje em dia

141
é corrente chamar-se a «geração da Hitlerjugend» e ainda
menos os seus mestres que dominavam a disciplina du-
rante a era Adenauer e que antes de 1945, em muitos
casos, haviam aderido ao partido nazi.
Existe uma diferença fundamental em relação à his-
toriografia italiana, cujas discussões actuais procedem
do questionamento de um «paradigma antifascista» so-
bre o qual ela se tinha reconstituído após 1945. Este
quadro estaria incompleto, porém, sem um outro ele-
mento político. O conceito de fascismo, na sociedade
oeste-alemã dos anos 1960 e 1970, designava mais o
presente do que o passado e servia para motivar a luta
contra as tendências autoritárias de um sistema político
nascido das cinzas do Terceiro Reich. Segundo a céle-
bre fórmula de Adorno, o perigo representado pela so-
brevivência do fascismo na democracia era bem maior
do que a ameaça de um retorno ao fascismo27. A solidez
das instituições democráticas alemãs, de que a reunifica-
ção foi um teste decisivo, mostrou o carácter datado e
agora obsoleto de uma tal concepção.
Vamos agora ao quarto elemento, sem dúvida o mais
importante. O que mais contribuiu para o abandono da
noção de fascismo no seio da historiografia alemã foi
a emergência de uma consciência histórica fecundada
pela memória de Auschwitz. O fascismo aparece como
uma categoria demasiado geral para compreender

142
Auschwitz. O carácter único do extermínio dos judeus
da Europa não pode ser explicado por um conceito
que foi também aplicado à Itália de Mussolini, à Es-
panha de Franco, ao Portugal de Salazar, à Áustria de
Dollfuss, à Roménia de Antonescu, etc. A noção de
fascismo, escreve Dan Diner numa fórmula categóri-
ca, «não permite chegar ao núcleo de Auschwitz»28. O
eclipse do conceito de fascismo aparece assim como o
epílogo de um longo caminho da historiografia alemã
que desemboca numa visão do passado no centro da
qual se inscreve, doravante, a Shoah, o «ponto fixo» do
sistema nazi, caracterizado por uma irredutível «unici-
dade» (Einzigartigkeit). A forma empenhadíssima como
alguns historiadores se desembaraçaram do conceito de
fascismo aparece quase como uma espécie de nihilismo
compensatório, através do qual tentaram apagar o lon-
go período durante o qual os seus precursores foram
incapazes de pensar e de investigar o genocídio dos ju-
deus.
Surge então um problema grave: a noção de totali-
tarismo, que conheceu um renascimento espectacular
no decurso da última década, na Alemanha como no
resto da Europa, será a mais apta para analisar uma tal
singularidade? O deslocamento do comparatismo his-
tórico da ligação entre o fascismo italiano e o nazismo
para a ligação entre o nazismo e o comunismo será mais

143
clarificador para compreender a natureza do regime hi-
tleriano e a singularidade dos seus crimes? Colocar em
paralelo o «duplo passado totalitário» da Alemanha – o
do Terceiro Reich e o da RDA ou, retomando a fórmu-
la de Étienne François, o de um regime que acumulou
uma montanha de cadáveres e o de um regime que acu-
mulou uma montanha de dossiers29 – permitirá chegar
a conclusões de um maior valor heurístico? É duvidoso.
Não se trata de contestar o valor da noção de totali-
tarismo – limitada mas real – nem de recusar uma com-
paração entre os crimes do nazismo e os do estalinismo.
O problema surge do uso que disso se faz. Por que se
deverá pensar o totalitarismo e o fascismo como cate-
gorias analíticas incompatíveis e alternativas? Por que se
deverá atribuir um maior alcance heurístico à compara-
ção entre nazismo e comunismo do que à comparação
entre fascismo e nazismo? Não se trata também de ne-
gar a singularidade histórica dos crimes nazis, uma vez
que o extermínio industrial dos judeus da Europa é uma
característica singular do nacional-socialismo. Mas, se
as câmaras de gás não têm equivalente fora do Terceiro
Reich, as suas premissas históricas – o antissemitismo, o
racismo, o colonialismo, o contra-iluminismo, a moder-
nidade técnica e industrial – estão largamente presentes,
em graus de intensidade distintos, no conjunto do mun-
do ocidental. Por outro lado, a singularidade dos crimes

144
do nazismo não exclui a sua pertença, apesar de todas
as suas particularidades, a uma família política mais
vasta, a dos fascismos europeus. Ora, é precisamente
esta hipótese que, desde o Historikerstreit até aos mais
recentes debates em torno do Livro Negro do Comunis-
mo (cujo impacto na Alemanha não foi negligenciável),
praticamente se eclipsou. Assistimos assim, apesar dos
avanços incontestáveis da investigação, ao regresso de
um «consenso antitotalitário» que, para pegar nas pala-
vras de Jürgen Habermas a propósito da Alemanha de
antes de 1968, supunha um a priori «anti-antifascista»30.
Resumindo, o eclipse do fascismo surge do encontro
entre duas tendências: por um lado, o consenso antito-
talitário liberal e «anti-antifascista», por outro, a emer-
gência de uma consciência histórica fundada sobre a
memória da Shoah e o reconhecimento da sua singula-
ridade. Em Itália, estas tendências foram impulsionadas
por certas correntes da historiografia que, fortemente
amplificadas pelos média, teorizaram uma clivagem
radical entre fascismo e nazismo a fim de reabilitar o
fascismo e criminalizar o antifascismo. O fascismo ita-
liano, afirmava Renzo De Felice, durante uma entrevista
que suscitou enorme alvoroço, fica fora do «cone de
sombra do Holocausto»31. Este fenómeno perverso
– o reconhecimento da singularidade do judeucídio que
actua na Alemanha como vector de formação de uma

145
consciência histórica e em Itália como pretexto de uma
reabilitação do fascismo – é uma fonte permanente de
mal-entendidos e ambiguidades.
Os riscos de tais tendências são os que Martin Broszat
tinha denunciado no início da sua correspondência com
Saul Friedländer, e que este último parece hoje em dia
admitir, pelo menos em parte: um «isolamento» do pas-
sado nazi que impede captar os seus vínculos com os
outros fascismos europeus e, de uma maneira mais ge-
ral, com o modelo civilizacional do mundo ocidental.
Reconhecer esses vínculos não significa «normalizar»
ou reabilitar o nazismo, mas antes «desnormalizar» a ci-
vilização que é a nossa e colocar em causa a história da
Europa. Se existe um Sonderweg alemão, este não explica
as origens do nazismo mas apenas o seu resultado32.
Dito de outro modo, a singularidade da Alemanha nazi
deve-se à sua síntese, que não se realizou nos outros pa-
íses, entre vários elementos – antissemitismo, fascismo,
Estado totalitário, modernidade técnica, racismo, euge-
nismo, imperialismo, contra-revolução, anticomunismo
– aparecidos no conjunto da Europa no fim do século
XIX e que com a Primeira Guerra Mundial foram for-
temente disseminados à escala continental.
Este «isolamento» arrisca-se a afastar a historiografia
alemã das principais correntes da investigação inter-
nacional, onde a legitimidade do conceito de fascismo

146
como «tipo ideal» é geralmente admitida. São inumerá-
veis os historiadores, nos anos mais recentes, que fize-
ram e fazem uso dele. Além disso, a rejeição da noção
de fascismo (e por consequência de antifascismo) não
faz mais do que recolocar a eterna questão das relações
entre história e memória. Abre um hiato radical entre
a historicização actual do nacional-socialismo e a per-
cepção que tinham os seus contemporâneos, quando
o fascismo, antes de ser uma categoria analítica, era
um perigo contra o qual se tinha de lutar e quando o
antifascismo, antes de se tornar uma ideologia de Es-
tado, constituía um ethos partilhado pela Europa demo-
crática e, nesse contexto, pela cultura alemã no exílio.

147
148
VI
Revisão e revisionismo

Metamorfoses de um conceito
«Revisionismo» é uma palavra camaleão que assumiu
ao longo do século XX significados diferentes e con-
traditórios, prestando-se a usos múltiplos e suscitando
muitas vezes mal-entendidos. As coisas complicaram-
-se ainda mais por ter sido apropriada pela seita inter-
nacional que nega a existência das câmaras de gás e o
genocídio dos judeus da Europa em geral1. Os negacio-
nistas tentaram apresentar-se como os porta-vozes de
uma escola histórica «revisionista» oposta a uma outra
escola, que eles classificam como «exterminacionista», e
que inclui, bem entendido, o conjunto dos estudos his-
tóricos dignos desse nome, seja qual for a sua corrente,

149
consagrados ao genocídio judaico. A fim de defende-
ram as suas teses, os negacionistas lançaram em 1987
uma revista intitulada Annales d’histoire révisionniste que se
tornou depois Révue d’histoire révisionniste. É inútil acres-
centar que esse movimento – cuja verdadeira intenção
Pierre Vidal-Naquet pôs a nú ao rebaptiza-los «os as-
sassinos da memória»2 – nunca atingiu o seu objecti-
vo, uma vez que não obteve o menor reconhecimen-
to no seio da historiografia nem foi aceite no debate
público. Ao invés – este facto foi muitas vezes sublinha-
do –, o seu aparecimento teve o efeito de estimular a
investigação que no decorrer dos últimos anos alcançou
um conhecimento muito mais preciso e detalhado dos
meios e das modalidades do processo de extermínio
dos judeus.
Os negacionistas, contudo, conseguiram contami-
nar a linguagem e criar uma confusão considerável em
torno do conceito de revisionismo. François Bédarida
recordava-o há uma dezena de anos, quando escreveu
que os negadores dos judeucídio, ao se apropriarem
desse termo, tinham praticado «uma verdadeira usurpa-
ção». Tinham tomado uma palavra existente que tradu-
zia «uma atitude mais que honorável, uma atitude à vez
legítima e necessária, para lhe darem uma respeitabilida-
de enganadora e falsa»3. É agora indispensável, quando
utilizamos o termo, explicitar o seu significado, como o

150
fez por exemplo Pierre Vidal-Naquet, que assinala no
início das suas «Teses sobre o revisionismo» (1985) a
sua escolha deliberada em o utilizar numa acepção res-
tritiva, limitada à «doutrina segundo a qual o genocídio
praticado pela Alemanha nazi contra os judeus e os ci-
ganos não existiu e apenas releva do mito, da fabulação
e da fraude». Vidal-Naquet prossegue sublinhando os
diferentes sentidos que a palavra pode veicular segundo
os contextos, relembrando que também ela conheceu
os seus títulos de nobreza. Em França, escreve, «os pri-
meiros revisionistas modernos» foram os partidários da
revisão do processo que tinha terminado com a conde-
nação do capitão Alfred Dreyfus4.
Em linhas gerais, a história do revisionismo – nega-
cionismo excluído – poderia reduzir-se a três momen-
tos principais: uma controvérsia marxista, um cisma no
interior do mundo comunista e também, no sentido
mais lato, uma série de debates historiográficos poste-
riores à Segunda Guerra Mundial. Primeiro, o revisio-
nismo clássico, pelo qual a palavra foi introduzida no
vocabulário da cultura política moderna: trata-se evi-
dentemente da Bernsteindebatte, que despoletou no fim
do século XIX no seio da social-democracia alemã e
se estendeu imediatamente ao conjunto do movimento
socialista internacional. O antigo secretário de Engels,
Eduard Bernstein, teorizava a necessidade de «rever»

151
certas concepções de Marx, como a polarização cres-
cente entre as classes na sociedade burguesa ou, ainda, a
tendência para o colapso do capitalismo devido às suas
crises internas. Destas revisões teóricas, Bernstein tira-
va conclusões políticas que visavam harmonizar a teoria
da social-democracia alemã com a sua prática, a de um
grande partido de massas que tinha abandonado a via
revolucionária e se encaminhava para uma política re-
formista5. O «revisionismo» foi vigorosamente critica-
do por Kautsky, Rosa Luxemburgo e Lenine, mas nin-
guém pensou em algum momento expulsar Bernstein
do SPD e a querela, por vezes de um alto nível teórico,
permaneceu sempre dentro dos limites do debate de
ideias. Foi seguida de outras «revisões» – por Rodolfo
Mondolfo em Itália, Georges Sorel em França e Henri
de Man na Bélgica – que levaram alguns dos seus pro-
motores do socialismo para o fascismo6. O termo co-
meçava assim a estender-se para lá dos meios marxistas.
Nos anos 1930, qualificava-se de «revisionista» Vladimir
Jabotinsky, que rejeitou a via diplomática defendida pe-
los fundadores do sionismo político (Herzl, Nordau) e
que projectava a criação de um Estado judaico na Pales-
tina através do uso da força7.
A controvérsia socialista assumirá uma conotação
dogmática, quase religiosa, após o nascimento da União
Soviética e a transformação do marxismo em ideologia

152
de Estado, com os seus dogmas e os seus guardiães da
ortodoxia. A palavra «revisionista» torna-se então um
epíteto infamante, sinónimo de «traição». Foi ampla-
mente utilizada durante o cisma jugoslavo em 1948 e
sobretudo durante o conflito sino-soviético, no início
dos anos 1960. Por vezes, tornou-se um adjectivo asso-
ciado a um substantivo mais insidioso, como na fórmu-
la «hiena revisionista», que os ideólogos do Cominform
gostavam de aplicar ao marechal Tito.
As controvérsias em torno de Bernstein, Jabotinsky
e Tito porém não diziam respeito – pelo menos direc-
tamente – à escrita da história. O terceiro campo de
aplicação da noção de revisionismo, pelo contrário, diz
respeito à historiografia do pós-guerra. Várias tentati-
vas que visavam renovar a interpretação de uma épo-
ca ou de um acontecimento, colocar em causa a visão
dominante, foram qualificadas de «revisões». Essa pa-
lavra visava sublinhar o seu carácter inovador, e não
deslegitimá-las, e os seus representantes foram sempre
reconhecidos como membros de corpo inteiro da co-
munidade dos historiadores. Entre as «revisões» mais
marcantes, poderíamos relembrar a que foi impulsio-
nada no início dos anos 1960 por Fritz Fisher, que re-
novava o debate sobre as origens da Primeira Guerra
Mundial (relembrando, contra a tendência dominante
no seio da historiografia alemã, as visões pan-germa-

153
nistas do estado-maior prussiano)8. Depois, a dos poli-
tólogos americanos que, como Gabriel Kolko, puseram
em causam a tese então corrente das origens soviéticas
da Guerra Fria9. Mais recentemente, tivemos a «revisão»
de um historiador como Gar Alperowicz a respeito da
bomba atómica: a escolha americana de lançar as bom-
bas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki em Agosto
de 1945 foi, explicou, mais uma tentativa de afirmar
uma superioridade estratégica dos Estados Unidos da
América sobre a União Soviética – fazendo pesar sobre
a cena mundial o seu monopólio da arma nuclear – do
que de colocar um fim à guerra poupando mais vidas
humanas, como argumentava o presidente Truman10.
Nos Estados Unidos, qualificam-se ainda hoje de «re-
visionistas» os sovietólogos como Moshe Lewin, Arch
Getty e Sheila Fitzpatrick que, desde os anos 1970, se
distanciaram das abordagens anticomunistas da época
da Guerra Fria e começaram a estudar, para lá da fa-
chada totalitária do regime, a história social do mundo
russo e soviético11. Mas numerosas «revisões» apare-
ceram também na Europa. Por exemplo em Itália, no
início dos anos 1960, num debate historiográfico sobre
o Risorgimento, onde «revisionismo» se refere às teses de
Gramsci e Salvemini acerca dos limites do processo de
unificação nacional dirigido pela monarquia piemonte-
sa12. Alguns anos mais tarde, François Furet procede à

154
«revisão» da interpretação jacobino-marxista da Revo-
lução Francesa – interpretação a que chama «vulgata
populista-leninista» – e orienta-se para uma releitura
liberal da ruptura de 1789, apoiado em Tocqueville e
Augustin Cochin, suscitando um vasto e polémico de-
bate internacional13. Aquando do bicentenário da Re-
volução, esta tese antes «revisionista» impôs-se como
a leitura dominante. A última «revisão» importante, já
mencionada em capítulos anteriores, é a dos «novos
historiadores» israelitas. Rompendo com certos mitos
persistentes, Benny Morris e Illan Pappé apresentaram
o conflito de 1948 em toda a sua complexidade, como
uma guerra simultaneamente de auto-defesa e de depu-
ração étnica14. Uma guerra em que o Estado hebraico
que tinha acabado de ser proclamado lutava, por um
lado, pela sua sobrevivência, e procedia, por outro lado,
à expulsão de várias centenas de milhares de palestinos.
Aqui está um exemplo de «revisão» nos antípodas de
qualquer objectivo apologético, e que se esforça, pelo
contrário, em pôr fim a um longo período de amnésia
colectiva e de ocultação oficial do passado.

A palavra e a coisa
Estas «revisões» historiográficas convidam-nos a preci-
sar algumas questões de método. A primeira diz respei-

155
to ao uso das fontes. Se o relato histórico é uma recons-
trução dos acontecimentos do passado «tal como ver-
dadeiramente aconteceu», segundo a fórmula canónica
de Ranke (wie es eigentlich gewesen) – definição certamente
simplificadora mas nem por isso falsa –, então algu-
mas «revisões» inscrever-se-ão de forma natural no seu
desenvolvimento. A descoberta de novas fontes, a ex-
ploração de arquivos e o enriquecimento dos testemu-
nhos podem fazer incidir uma nova luz sobre aconteci-
mentos que se julgava serem perfeitamente conhecidos
ou de que tínhamos um conhecimento erróneo. A revi-
são em baixa do número de vítimas do gulag na URSS
– estimado em dez milhões por Robert Conquest, redu-
zido a um milhão e meio pelas pesquisas mais recentes15
– foi o resultado de uma análise escrupulosa das fontes
e do acesso a uma documentação essencial até então
inacessível.
Outras «revisões» dependem de uma mudança de
paradigma interpretativo. Por vezes, a introdução de um
novo paradigma pode estar ligado a fontes até então
ignoradas, como sabem todos aqueles – ou melhor,
aquelas – que começaram a elaborar uma história das
mulheres (necessariamente revisionista, uma vez que
implica uma mutação do olhar, dos objectos e das fon-
tes na forma de fazer a história). A história escreve-se
sempre no presente e o questionamento que orienta a

156
nossa exploração do passado modifica-se segundo as
épocas, as gerações, as transformações da sociedade
e os percursos da memória colectiva. Se a nossa visão
da Revolução Francesa ou da Revolução Russa já não
é a mesma de há cinquenta anos ou de há um século,
tal não resulta apenas da descoberta de fontes inéditas,
mas de uma perspectivação histórica nova, própria da
nossa época. Não é difícil reconhecer que a leitura ro-
mântica da Revolução Francesa proposta por Michelet,
a leitura marxista de Albert Soboul e a leitura liberal de
Furet pertencem a distintos contextos históricos, cultu-
rais e políticos.
Nessa acepção, as «revisões» da história são legíti-
mas e mesmo necessárias. No entanto, algumas revisões
– aquelas que qualificamos habitualmente como «revi-
sionismo» – implicam uma viragem ético-política na nossa
forma de olhar o passado. Correspondem ao que Jürgen
Habermas chamou, durante o Historikerstreit, a emer-
gência de «tendências apologéticas» na historiografia16.
Utilizado nesse sentido, o conceito de «revisionismo»
assume necessariamente uma conotação negativa. Não
é portanto surpreendente que certos historiadores acu-
sados de «revisionismo» tenham tentado justificar que a
«revisão» faz parte da forma de trabalhar do historiador
e que, por definição, este último seria sempre «revisio-
nista». Na sua correspondência com François Furet,

157
Ernst Nolte sublinhou que «as «revisões» são o pão de
cada dia de que o trabalho científico se alimenta»17.
É bem evidente que nunca ninguém se queixou dos
historiadores «revisionistas» por terem usado arquivos
inexplorados ou por terem baseado os seus trabalhos
sobre uma documentação nova. O que lhes é aponta-
do é o objectivo político subjacente à sua releitura do
passado. Um exemplo clássico de uma tal revisão é jus-
tamente a de Ernst Nolte. Em Der europäische Bürgerkrieg
apresenta os crimes nazis como a simples «cópia» de
uma «barbárie asiática» introduzida pelo bolchevismo
em 1917. Ameaçada de aniquilação, a Alemanha reagiu
exterminando os judeus, construtores do regime bol-
chevique, cujos crimes constituem para Nolte o «pre-
cedente lógico e factual» dos crimes nazis18. A ausência
total de distância crítica em relação às suas fontes – a li-
teratura nazi da época – justifica algumas perplexidades,
como bem sublinhou Hans-Ulrich Wehler19, mas o pro-
blema fundamental não resulta do manuseamento das
fontes. É evidente que o resultado da historicização do
nazismo proposta por Nolte é uma releitura do passado
em que a Alemanha já não ocupa a posição de opressor
mas a de vítima. E as suas vítimas reais, a começar pelos
judeus, são considerados, no melhor dos casos, como
«danos colaterais», e, no pior, como a fonte do mal, já
que responsáveis pela Revolução Bolchevique20.

158
Quanto a Renzo De Felice, a sua pesquisa monumen-
tal sobre a Itália fascista produziu numerosas «revisões»
que são hoje aquisições historiográficas em regra acei-
tes, como por exemplo o reconhecimento da dimensão
«revolucionária» do primeiro fascismo, do seu carácter
modernizador ou ainda do «consenso» obtido pelo re-
gime de Mussolini no seio da sociedade italiana, sobre-
tudo durante a guerra da Etiópia21. Bem mais discutível,
pelo contrário, é a sua interpretação da guerra civil ita-
liana, entre 1943 e 1945, como sendo a consequência
da escolha antinacional de uma minoria de resistentes,
a maior parte deles comunistas. Ou ainda, como já vi-
mos, a sua concepção do fascismo italiano como um
regime completamente distinto, pelas suas raízes, a sua
ideologia e as suas metas, do nazismo, com o qual teria
estabelecido uma aliança contra-natura em 1940. Ou,
por fim, a forma como De Felice faz de Mussolini um
«patriota» que teria escolhido sacrificar-se ao fundar a
República de Saló, a fim de poupar a Itália a um des-
tino comparável ao da Polónia. Trata-se aqui de uma
releitura apologética do fascismo fundada sobre a re-
abilitação de Mussolini. Se lhe acrescentarmos que as
suas teses são desenvolvidas num livro – Il rosso e il nero22
– cuja publicação coincide com o advento do primeiro
governo de Berlusconi, que incluía pela primeira vez
desde o fim da guerra uma partido «pós-fascista» her-

159
deiro da República de Saló, esta revisão histórica apa-
rece como suporte intelectual de um projecto político
restaurador.
Somos quase tentados a opor a revisão histórica
francesa à de De Felice e dos seus discípulos. Em Fran-
ça, no trilho de Zeev Sternhell e de Robert J. Paxton
(ums israelita e um americano), os historiadores pro-
cederam a uma «revisão» que permitiu reconhecer as
raízes autóctones do regime de Vichy, o seu carácter
autoritário ou mesmo fascista, a parte activa que to-
mou no colaboracionismo e a sua cumplicidade com o
genocídio dos judeus23. Em Itália, em oposição, sob o
impulso do último De Felice, apareceu uma tendência
historiográfica que fez da reabilitação do fascismo o seu
objectivo declarado.
As revisões que acabo de mencionar – independente-
mente do seu objectivo e valor – ultrapassam as frontei-
ras da historiografia enquanto disciplina científica para
tocarem um campo mais vasto, o da relação que cada
país estabelece com o seu passado, aquilo que Haber-
mas definiu, através de uma fórmula notável, como o uso
público da história24. Dito de outra maneira, essas revisões
questionam, para lá de uma interpretação dominante,
uma consciência histórica partilhada, uma responsabi-
lidade colectiva a respeito do passado. Tocam sempre
acontecimentos fundacionais – a Revolução Francesa, a

160
Revolução Russa, o fascismo, o nazismo, a guerra israe-
lo-árabe de 1948, etc. – e a sua releitura do passado tem
sobretudo a ver, muito para lá da interpretação de uma
determinada época, com a nossa forma de ver o mun-
do em que vivemos e a nossa identidade no presente.
Existem portanto revisões de natureza diferente: algu-
mas são fecundas, outras discutíveis, outras, enfim, pro-
fundamente nefastas. Fecunda é a revisão dos «novos
historiadores» israelitas que reconhece uma injustiça até
agora negada, que se junta à memória palestina e lança
as bases para um diálogo israelo-palestino. Discutível
é a revisão de Furet que acaba, em O Passado de uma
Ilusão, por pôr radicalmente em causa toda a tradição
revolucionária – fonte, a seus olhos, dos totalitarismos
modernos – e por fazer uma apologia melancólica do li-
beralismo como horizonte inultrapassável da história25.
Nefastas, por fim, são as revisões de Nolte e De Felice
cujo objectivo – ou pelo menos a consequência – é o de
recuperar a imagem do fascismo e do nazismo.
Se algumas revisões da história devem ser comba-
tidas, podemos interrogar-nos sobre a utilidade de as
catalogar numa mesma categoria negativa – o «revisio-
nismo» – que relembra o «inferno» onde antigamente
se guardava a literatura pornográfica na Biblioteca Na-
cional. Transformada em combate «anti-revisionista»,
a crítica das teses de Nolte e de De Felice arrisca-se

161
a conhecer uma deriva semelhante à da controvérsia
marxista sobre o revisionismo evocada anteriormente,
ou seja, a passagem de um debate de ideias a uma prá-
tica inquisitória, à excomunhão de todos aqueles que
se afastam de uma ortodoxia predefinida, de um câ-
none normativo. Isto é, falar de «revisionismo» remete
sempre para uma história teologizada. O antifascismo
transformado em ideologia de Estado nos países do
bloco soviético, nomeadamente na RDA, deu a lon-
go prazo resultados desastrosos, comprometendo fi-
nalmente a sua própria legitimidade. Sem chegar às
mesmas proporções, a retórica antifascista consensual
que reinou em Itália durante quarenta anos teve con-
sequências lesivas para a investigação histórica. A obra
de Claudio Pavone – historiador de esquerda e antigo
resistente – que interpreta a Resistência não apenas
como uma luta de libertação nacional mas também
como uma guerra de classe, e sobretudo como uma
guerra civil, data apenas de 199026. Em poucas palavras,
o antifascismo institucionalizado e transformado em
epopeia nacional não foi um antídoto eficaz contra
a reabilitação do fascismo. Deve evitar-se que algo
análogo se produza com a Shoah, doravante tornada,
como vimos, numa «religião civil» do Ocidente, com
as consequências positivas mas também com todos os
perigos que daí resultam.

162
As tendências apologéticas na historiografia do fas-
cismo e do nazismo devem ser combatidas mas não
contrapondo-lhes uma visão normativa da história. É
por isso que as leis contra o negacionismo podem reve-
lar-se perigosas. Se o negacionismo deve ser combatido
e isolado em todas as suas formas – o de Robert Fauris-
son e o de David Irving, tal como o de Bernard Lewis,
aparentemente mais respeitável27 –, vários historiadores
(entre os quais me incluo) expressaram as suas dúvidas
sobre a oportunidade de o sancionar pela lei, o que le-
varia a instituir uma verdade histórica oficial protegida
pelos tribunais, com o efeito perverso de transformar
os assassinos da memória em vítimas de uma censu-
ra, defensores da liberdade de expressão. Dito de outro
modo, se aceitarmos a noção de «revisionismo» teremos
de admitir o princípio de uma história oficial. Krzysztof
Pomian tem razão ao afirmar que não deveriam existir
nem historiadores oficiais nem historiadores revisionis-
tas, mas apenas historiadores críticos28. «Revisionismo»
é uma palavra herdada de um século onde o engaja-
mento dos intelectuais passava pelo seu compromisso
ideológico e partisan. Acreditou-se, na altura, que vestir
um uniforme ideológico era o melhor meio para de-
fender valores. O preço dessa escolha foi, demasiadas
vezes, a demissão dos intelectuais da sua função crítica.
Hoje tal situação já não tem cabimento. Incorporada

163
na linguagem e de uso corrente nas polémicas, a noção
de «revisionismo» continua a ser muito problemática e
frequentemente nefasta. Proponho que não seja utiliza-
da, a não ser para designar uma controvérsia datada, há
mais de um século levantada por Bernstein.

164
Nota bibliográfica
e agradecimentos

Um primeiro esboço deste ensaio foi apresentado


na Universidade de La Plata, na Argentina, na Prima-
vera de 2002, durante um colóquio organizado pela
Comisión Provincial por la Memoria, instituição que re-
úne os arquivos da ditadura militar dos anos 1975-1983
e constitui um lugar essencial para o estudo da memória
dos «desaparecidos» na região de Buenos Aires. Uma
versão italiana surgiu com o título «Storia e memoria. Gli
usi politici del passato», na revista Novecento. Per una storia
del tempo presente, 2004, n.º 10. O parágrafo do capítulo
IV consagrado ao comunismo foi retirado de uma con-
ferência proferida em Berlim na Primavera de 2001, de-
pois publicada em Jour fixe initiative berlin (ed.) (2002),

165
Geschichte nach Auschwitz, Mϋnster: UNRAST. O capítulo
V é uma comunicação realizada numa jornada de estu-
dos sobre o tema «Fascismo, nazismo, comunismo: de-
bates e controvérsia historiográficas na Alemanha e em
Itália», organizada sob a direcção de Bruno Groppo, no
Centro de História Social do Século XX do CNRS, em
2001. Uma primeira versão foi publicada, com as actas
deste encontro, na revista Matériaux pour l’Histoire de notre
temps, 2002, n.º 68, e depois em espanhol (Argentina) na
revista Políticas de la Memoria, 2003-2004, n.º4. O último
capítulo é a versão revista de uma comunicação apre-
sentada num colóquio dirigido por Catherine Coquio
na Universidade de Paris IV-Sorbonne, em 2002, e foi
publicada sob o mesmo título no volume das actas: Co-
quio, Catherine (ed.) (2003), L’Histoire trouée. Négations et
témoignage, Nantes: L’Atalante. Foi em seguida traduzido
para espanhol na revista de Valência Pasajes, 2004, n.º 14.
Todos estes textos foram completamente revistos neste
ensaio. Gostaria então de agradecer aos amigos que ini-
cialmente me encorajaram a escrevê-los: Patricia Flier,
Elfi Mϋller, Bruno Groppo e Catherine Coquio. Por fim,
e sobretudo, gostaria de agradecer a Eric Hazan, amigo e
cúmplice na La Fabrique: tanto a forma como o conteú-
do deste pequeno livro devem muito à sua leitura crítica.

Paris, Junho de 2005

166
A unipop agradece à Embaixada de França em Portugal o
apoio à deslocação de Enzo Traverso a Lisboa no contexto
do lançamento deste livro. A unipop agradece igualmente a
colaboração, para o mesmo efeito, do Instituto de História
Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e do Centro
Mário Dionísio.

167
168
Notas
Introdução
1. Sills, David L. (ed.) (1968), International Encyclopedia of the
Social Sciences, 7 vols., Nova Iorque: Macmillan; Le Goff, J.
e Nora, P. (eds.) (1974), Faire de l’histoire, Paris: Gallimard;
Williams, Raymond (1976), Keywords. A Vocabulary of Culture
and Society, Londres: Fontana.
2. Cf. Klein, Kerwin Lee (2000), «On the Emergence of
Memory in Historical Discourse», Representations, n.º 69,
p. 129.
3. Reichel, Peter (1998), L’Allemagne et sa mémoire, Paris: Odile
Jacob, p. 13.
4. Maier, Charles (1993), «A Surfeit of Memory? Reflections
on History, Melancholy and Denial», History & Memory, 5, pp.
136-151; Robin, Régine (2003), La Mémoire saturée, Paris: Stock.
5. Dumoulin, Olivier (2003), Le Rôle social de l’historien. De la
chaire au prétoire, Paris: Albin Michel, p. 343.
6. Hobsbawm, Eric (1983), «Introduction: Inventing Tradi-
tions», em Hobsbawm, Eric e Ranger, T. (eds.) (2005), The
Invention of Tradition, Cambridge: Cambridge University Press,

169
p. 9. [Ed. port.: A Invenção das Tradições, Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1997.]
7. Sobre o conceito de «religião civil», cf. sobretudo Gentile,
Emilio (2005), Les Religions de la politique. Entre démocraties et
totalitarismes, Paris: Seuil, uma obra largamente inspirada pelos
trabalhos de George L. Mosse.
8. Sobre este tema, cf. sobretudo Gibelli, Antonio (1990),
L’officina della guerra. La Grande Guerra e le trasformazioni del
mondo mentale, Turim: Bollati Boringhieri.
9. Benjamin, Walter (2000), «Le conteur. Réflexions sur
l’œuvre de Nicolas Leskov», em Benjamin, Walter, Œuvres III,
Paris: Gallimard, p. 116.
10. Cf. a peça de Pirandello, Come tu me vuoi e Leonardo
Sciascia, Il teatro della memoria. La sentenza memorabile, Milão:
Adelphi, 2004.
11. Thompson, E. P. (2004), Temps, discipline du travail et capita-
lisme industriel, prefácio de Alain Maillard, Paris: La Fabrique.
12. Cf. Agamben, Giorgio (2003), Enfance et histoire. Destruction
de l’expérience et origine de l’histoire, Paris: Rivages, p. 25. [Ed. port.:
Infância e História: destruição da experiência da história, Belo
Horizonte: UFMG, 2005.]
13. Koselleck, Reinhart (1997), «Les monuments aux morts,
lieux de fondation de l’identité des survivants», L’Expé-
rience de l’histoire, «Hautes Études», Paris: Gallimard-Seuil,
pp. 140, 151.
14. Entre os inúmeros contributos para este debate historio-
gráfico, cf. a síntese de Noiriel, Gérard (1996), Sur la «crise» de
l’histoire, Paris: Belin.
15. Wieviorka, Annette (1998), L’Ère du témoin, Paris: Plon.
16. Todorov, Tzvetan (1995), Les abus de la mémoire, Paris: Arléa.
17. Cf. nomeadamente, a propósito da primeira guerra do
Golfo, Diner, Dan (1996), Krieg der Erinnerung und die Ordnung
der Welt, Berlim: Rothbuch Verlag.

170
18. Segev, Tom (1993), Le Septième Million. Les Israéliens et le
génocide, Paris: Liana Lévi, p. 464.
19. Cf. Libération de 2 de Abril de 2002.
20. Cf. Bédarida, Catherine, «Le faux pas du romancier José
Saramago», Le Monde de 29 de Março de 2002.

Capítulo I
1. Ricœur, Paul (2000), La Mémoire, l’histoire, l’oubli, Paris:
Seuil, p. 106. Uma posição análoga tinha já sido defendida
com convicção por Hutton, Patrick H. (1993), History as an
Art of Memory, Hanover, N.H.: University Press of New
England.
2. Oakeshott, Michael (1962), Rationalism in Politics and Other
Essays, Londres: Meuthen, p. 198.
3. Benjamin, Walter, «Zum Bilde Prousts», Illuminationen,
p. 336 (trad. fr. «L’image proustienne», Œuvres II, Paris:
Galimard, p 136).
4. Id, ibid., p. 345 (trad. fr., p. 150).
5. Benjamin, Walter (1983), Das Passagen-Werk, Frankfurt/M:
Suhrkamp, Bd. I, p. 490 (trad. fr. Paris, capital du XIXe siècle,
Paris: Éditions du Cerf, 1989, p. 405).
6. Id., ibid., p. 589 (trad. fr., p. 489).
7. Hartog, François (2003), Régimes d’historicité. Présentisme et
expériences du temps, Paris: Seuil, p. 126.
8. Retomo aqui uma discussão já apresentada no meu ensaio
«La singularité d’Auschwitz. Hypothèses, problèmes et dé-
rives de la recherche historique», em Coquio, Cathérine (ed.)
(1999), Parler des camps, penser les génocides, Paris: Albin Michel,
pp. 128-140.
9. Kracauer, Siegfried (1977), «Die Photographie», Das Orna-
ment der Masse. Essays, Frankfurt/M: Suhrkamp, p. 32, e, do
mesmo autor, Theory of Film, Nova Iorque: Oxford University
Press, 1960, p. 14.

171
10. Cf. LaCapra, Dominick (1998), «History and Memory:
In the Shadow of the Holocaust», History and Memory After
Auschwitz, Ithaca: Cornell University Press, p. 20.
11. Chaumont, Jean-Michel (1994), «Connaissance ou recon-
nassance? Les enjeux du débat sur la singularité de la Shoah»,
Le Débat, nº 82, p. 87.
12. Katz, Steven (1996), «The Uniqueness of the Holocaust:
The Historical Dimension», em Rosenbaum, Alan S. (ed.)
(1996), Is the Holocaust Unique? Perspectives on Comparative Geno-
cide, Boulder: Westview Press, pp. 19-38.
13. Hobsbawm, Eric (1997), «Identity History is not Enough»,
On History, Londres: Weidenfeld & Nicolson, p. 277. [Ed.
port.: Sobre a História, Lisboa: Relógio d'Água, 2010.]
14. Hegel, G. W. F. (1965), La Raison dans l’Histoire. Introduction
à la philosophie de l’histoire, Paris, Éditions 10/18, p. 193. [Ed.
port.: A Razão na História, Lisboa: Edições 70, 1991.]
15. Id., ibid., pp. 193-194.
16. Hegel, G .W. F. (1980), «Phänomenologie des Geistes»,
Gesammelte Werke, Bd. 9, Hamburgo: Felix Meiner Verlag,
p. 433 (trad. fr. Phénoménologie de l’Esprit, Hyppolite, Jean (ed.) (1941)
Paris: Aubier Montaigne, t. II, pp. 311-312) [Ed. Port.: Fenomeno-
logia do Espírito, Petrópolis: Vozes, 2008]. Ver a esse respeito os
comentários de d’Hondt, Jacques (1987), Hegel. Philosophe de l’his-
toire vivante, Paris: Presses Universitaires de France, pp. 349-450.
17. Hegel (1965), op. cit., p. 195.
18. Cf. Guha, Ranajit (2002), History at the Limit of
World-History, Nova Iorque: Columbia University Press, par-
ticularmente o capítulo III.
19. Benjamin, Walter, «Über den Begriff der Geschichte»,
Illuminationen, p. 254 (trad. fr. Œuvres III, op. cit., p. 432).
20. Furet, François (1963), «Pour une définition des classe
inférieures à l’époque moderne», Annales ESC, XVIII, n.º 3,
p. 459. Esta passagem é criticada por Ginzburg, Carlo (1980),
Le fromage et les Vers. L’univers d’un meunier du XVIe siècle, Paris:

172
Aubier, p. 15. [Ed. port.: O Queijo e os Vermes, São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2006.]
21. Thompson, E. P. (1988), La Formation de la classe
ouvrière anglaise, Paris: Seuil, EHESS [Ed. port.: Formação
da Classe Operária Inglesa, Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987]; Foucault, Michel (1964), Histoire de la folie à l’âge
classique, Paris: Gallimard [Ed. port.: História
da Loucura na Idade Clássica, São Paulo: Perspectiva, 1978];
Ginzburg (1980), op. cit.
22. Perrot, Michelle (2001), Les Femmes ou les silences de l’histoire,
Paris: Flammarion.
23. Guha, Ranajit (1983), «The Prose of Counter-
-Insurgency», Subaltern Studies, n.º 2, Nova Deli: Oxford
University Press, pp. 1-42, e também, do mesmo
autor, «The small Voice of History», ibid., n.º 9, 1996, pp. 1-12.
24. Halbwachs, Maurice (1997), La Mémoire collective, Paris:
Albin Michel, p. 130 [Ed. port.: A Memória Coletiva, São Pau-
lo: Centauro, 2005]. Sobre Halbwachs, cf. Hutton, Patrick
H. (1993), History as an Art of Memory, Hanover e Londres:
University Press of New England, cap. IV, pp. 73-90.
25. Halbwachs, Maurice (1994), Les Cadres sociaux de la mémoire
(1925), Paris: Albin Michel.
26. Halbwachs (1997), op. cit., p. 136.
27. Id., ibid., p. 157. Ver sobretudo Bergson, Henri (1959), La
Perception du changement, Paris: Presses Universitaires de France.
28. Halbwachs (1997), op. cit., p. 161.
29. Yerushalmi, Yosef H. (1982), Zachor. Jewish History and Jew-
ish Memory, Seattle: University of Washington Press (trad. fr.
Zachor. Histoire juive et mémoire juive, Paris, La Découverte, 1984,
pp. 101, 110-111, 118).
30. Nora, Pierre (1984), «Entre histoire et mémoire. La pro-
blématique des lieux», em Nora, Pierre (ed.) (1984), Les Lieux
de mémoire. I. La République, Paris: Gallimard, p. xix. Para uma
análise interessante dessa abordagem, colocada em paralelo

173
com a oposição de Lévi-Strauss entre sociedades «quentes»
e sociedades «frias», cf. LaCapra, Dominick (1998), «History
and Memory: in the Shadow of the Holocaust», History and
Memory After Auschwitz, op. cit., pp. 18-22.
31. Anderson, Perry (2005), La Pensée tiède, Paris: Seuil, p. 53.
32. Said, Edward (2003), Freud and the Non-European, Londres:
Verso [Ed. port.: Freud e os Não Europeus, São Paulo: Boitem-
po Editorial, 2004]. A definição de arqueologia como uma
«religião nacional» é desenvolvida por Silberman, Neil Asher
(2001), «Structurer le passé. Les Israéliens, les Palestiniens et
l’autorité symbolique des monuments archéologiques», em
Hartog, François e Revel, Jacques (eds.) (2001), Les Usages poli-
tiques du passé, Paris: Éditions de l’EHESS.
33. Levi, Primo (1986), I sommersi e i salvati, Turim: Einaudi
(trad. fr. Les Naufragés et les Rescapés, Paris: Gallimard, 1989).
34. Vidal-Naquet, Pierre (1995), Mémoires, I, La brisure et
l’attente 1930-1955, Paris: Seuil-La Découverte, p. 12.
35. Broszat, Martin e Friedländer, Saul (1988), «Um die
‘Historisierung des National-sozialismus’. EIn Briefwechsel»,
Vierteljahreshefte fur Zeitgeschichte, n.º 36, (trad. fr. «Sur l’histo-
risation du national-socialisme. Échange de lettres», Bulletin
trimestriel de la Fondation Auschwitz, 1990, n.º 24, pp. 43-86).
36. Id., ibid., p. 48.
37. Cf. Berg, Nicolas (2003), Der Holocaust und die westdeutschen
Historiker. Erforschung und Erinnerung, Göttingen: Wallstein,
pp. 420-424, 613-615.
38. Cf. Herbert, Ulrich (2003), «Deutsche und
jüdische Geschichtsschreibung über den Holocaust»,
em Brenner, Michael e Myers, David N. (hg.), Jüdische
Geschichtsschreibung heute. Themen, Positionen, Kontroversen, Muni-
que: C. H. Beck, pp. 247-258.
39. Sobre este assunto, cf. Sebald, W. G. (2001), Luftkrieg und
Literatur, Frankfurt/M: Fischer, p. 21 (trad. fr. De la destruction
comme élément de l´histoire naturelle, Arles: Actes Sud, 2004, p. 25).

174
40. Funkenstein, Amos (1989), «Collective Memory and
Historical Consciousness», History & Memory, I , n.º 1, p. 11.
Cf. também, do mesmo autor, Perceptions of Jewish History,
Berkeley: University of California Press, 1993, pp. 3, 6.
41. Friedländer, Saul (1992), «Trauma, Transference and
‘working through’ in Writing the History of the Shoah»,
History & Memory, n.º 1, pp. 39-59, e, também do mesmo
autor, «History, Memory, and the Historian. Dylemmas and
Responsabilities», New German Critique, 2000, n.º 80, pp. 3-15.
42. Dominick LaCapra analisou de forma muito minucio-
sa as vantagens potenciais deste «desassossego empático»
(empathic unsettlement) na investigação crítica de um aconteci-
mento traumático (Writing History, Writing Trauma, John Bal-
timore: Hopkins University Press, 2001, p. 41). Noutro en-
saio, LaCapra indica duas regras básicas a que devemos dar
atenção: «a "empatia" com os carrascos implica admitir
que, em certas circunstâncias, quem quer que seja pode le-
var a cabo actos extremos, enquanto a empatia com a vítima
implica um respeito e uma compaixão que não significam
nem identificação nem falar no lugar dos outros» («Tropis-
ms of Intellectual History», Rethinking History, 2004, vol. 8,
n.º 4, p. 525).
43. Friedländer, Saul (1997), L’Allemagne nazie et les Juifs. I. Les
années de persécution 1933-1939, Paris: Seuil.
44. Sobre os trabalhos da escola historiográfica dirigida por
Martin Broszat no Institut für Zeitgeschichte de Munique, cf.
Broszat, Martin (hg.) (1984), Alltagsgeschichte. Neue Perspektive
oder Trivialisierung?, Munique: Oldenbourg. Uma obra desta
escola que escapa a esta tendência, escrita por um historiador
pertencente a uma geração posterior, é a de Peukert, Detlev
(1987), Inside Nazi Germany. Conformity, Opposition and Racism in
Everyday Life, Londres: Penguin Books.
45. Hillgruber, Andreas (1986), Zweierlei Untergang. Die
Zerschlagung des Deutschen Reiches und das Ende des europäischen Ju-
dentums, Berlim: Siedler, pp. 24-25.

175
46. Benjamin, Walter, «Über den Begriff der Geschichte»,
Illuminationen, p. 254 (trad. fr. Œuvres III, op. cit, p. 432).
47. Kershaw, Ian (1998), Hitler. 1889-1936, Paris: Flamma-
rion, p. 9. [Ed. port.: Hitler, uma Biografia, Lisboa: Dom Qui-
xote, 2009.]
48. Id., ibid., p. 25. A referência implícita diz respeito a Fest,
Joachim (1973), Hitler, Paris: Gallimard, 2 vol. [Ed. port.:
Hitler V.2, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.]
49. LaCapra (2001), op. cit., p. 41.
50. Arendt, Hanna (1991), Eichmann à Jérusalem, Paris:
Gallimard [Ed. port.: Eichmann em Jerusalém. Um Ensaio sobre
a Banalidade do Mal, São Paulo: Companhia das Letras, 1999].
Para uma releitura e uma contextualização da sua obra, cf.
Aschheim, Steven E. (2001), Hanna Arendt in Jerusalem,
Berkeley: University of California Press.
51. Browing, Christopher (1994), Des hommes ordinaires. Le
101e Bataillon de réserve de la police allemande et la Solution finale en
Pologne, prefácio de P. Vidal-Naquet, Paris: Les Belles Lettres.
52. Cf. Général Aussaresses (2001), Services spéciaux. Algérie
1955-1957, Paris: Perrin.
53. Myers, David N. (2003), «Selbstreflexion im mo-
dernen Erinnerungsdiskurs», em Brenner e Myers (hg.),
op. cit., p. 66.
54. Mosse, George L. (1998), «Renzo De Felice e il revisionis-
mo storico», Nuova Antologia, n.º 2206, p. 181.
55. Mosse, George L. (2000), Confronting History. A Memoir,
Madison: The University of Wisconsin Press, p. 109.
56. De Felice, Renzo (1995), Rosso e Nero, Milão: Baldini e
Castoldi, p. 114.
57. Aron, Robert (1954), Histoire de Vichy, 1940-1944, Paris:
Fayard.
58. Citado em Del Boca, Angelo (1996), I gas di Mussolini. Il
fascismo e la guerra d’Etiopia, Roma: Editori Riuniti, p. 75. De

176
Felice não faz referência aos massacres do exército italiano
na Etiópia na sua biografia de Mussolini (Mussolini il Duce. Gli
anni del consenso 1929-1936, Turim: Einaudi, 1974, cap. VI, pp.
597-756). Sobre De Felice e a guerra da Etiópia, cf. Laban-
ca, Nicola (2000), «Il razzismo coloniale italiano», em Burgio,
Alberto (ed.), Nel nome della razza. Il razzismo nella storia
d’Italia 1870-1945, Bolonha: Il Mulino, particularmente
pp. 158-159.
59. Estas fotografias estão reproduzidas em Del Boca (1996),
op. cit, pp. 115-116.
60. Kracauer, Siegfried (1969), History. The Last Things Before
the Last, Nova Iorque: Oxford University Press, p. 157.
61. Id., Ibid., p. 83. Cf. Simmel, Georg (1983), «Exkur-
sus über den Fremden», Soziologie. Untersuchungen über die
Formen der Vergesellschaftung, Berlim: Dunker & Humblot, pp.
509-512 (trad. fr. Sociologie, Paris: Presses Univesitaires de
France).
62. Esta fórmula foi forjada por Habermas, Jürgen (1987),
«Vom öffentlichen Gebrauch der Historie», Historikerstreit,
Munique: Piper, pp. 243-255 (trad. fr. «De l’usage public
de l’histoire», Écrits politiques, Paris: Cerf, 1990, reedit. Paris:
Champs-Flammarion, pp. 247-260).
63. Catela, Ludmila da Silva (2001), No habrá flores en la tumba
del pasado. La experiencia de reconstrucción del mundo de familiares de
desaparecidos, La Plata: Al Margen.

Capítulo II
1. Benjamin, Walter, «Über den Begriff der Geschichte»,
Illuminationen, p. 259.
2. Löwy, Michael (2001), Walter Benjamin: Avertissement d’incen-
die. Une lecture des thèses «Sur le concept d’histoire», Paris: Presses
Universitaires de France, pp. 105-108. [Ed. port.: Walter Benja-
min: aviso de incêndio. Uma leitura das teses «sobre o conceito de histó-
ria, São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.]

177
3. Benjamin, Walter, «Über den Begriff der Geschichte»,
Illuminationen, p. 259.
4. Hobsbawm, Eric (1994), Age of Extremes. The Short XXth
Century, Nova Iorque: Pantheon Books [Ed. port.: A Era
dos Extremos, Lisboa: Presença, 1996]; Pudal, Bernard, Gro-
ppo, Bruno e Pennetier, Claude (eds) (2000), Le Siècle des
communismes, Paris: Éditions de l'Atelier [Ed. port.: O Século dos
Comunismos, Lisboa: Editorial Notícias, 2004].
5. Poliaknov, Léon (1951), Bréviaire de la haine, Paris: Calmann-
-Lévy.
6. Hilberg, Raul (1985), The Destruction of European Jews, 3 vols.,
Nova Iorque: Holmes & Meier.
7. Rousso, Henry (1990), Le Syndrome de Vichy de 1944 à nous
jours, Paris: Seuil; ver também, sobre as diferentes etapas,
Ricœur (2000), op. cit., p. 582.
8. Adorno, Theodor W. (1963), «Was bedeutet: Aufarbei-
tung der Vergangenheit?», Eingrief. Neeun kritische Modelle,
Frankfurt/M: Surkamp.
9. Améry, Jean (1977), Jenseits von Schuld und Sϋn, Estugarda:
Lett-Cotta, p. 120.
10. Cf. Berg, Nicolas (2003), Der Holocaust und die westdeutsh-
en historiker. Erforshung und Erinnerrung, Gotinga: Wallstein
Verlag, pp. 215-219.
11. Bloch, Ersnt (1935), Erbschaft dieser Zeit, Frankfurt/M:
Suhrkamp, pp. 104-125; cf. também os ensaios de Daniel
Bensaïd reunidos em La discordance des temps, Paris: Éditions
de la Passion, 1995.
12. Cf. Baschet, Jérôme (2001), «L’histoire face au présent
perpétuel. Quelques remarques sur la relation passé-futur»,
em Hartog e Revel (eds.) (2001), op. cit., p. 67.
13. Arendt (1991), op. cit.. Sobre esse processo, ver também o
filme de Ronny Brauman e Eyal Sivan, Un spécialiste.
14. Hilberg, Raul (1996), The Politics of Memory, Chicago: Ivan
R. Dee.

178
15. Cf. Diner, Dan (2000), «Hanna Arendt Reconsidered: über
das Banale und das Böse in ihrer Holocaust-Erzählung», em
Smith, Gary (ed.) (2000), Hannah Arendt Revisited. «Eichmann in
Jerusale» und die Folgen, Frankfurt/M: Suhrkamp, pp. 120-135.
16. Cf. Vidal-Naquet, Pierre (1991), «En part le pouvoir d’un
mot…», Les Juifs, la mémoire et le présent II, Paris, La Découverte,
pp. 267-275.
17. Cf. Ternon, Yves (1983), Les Arméniens: histoire d’un génocide,
Paris: Seuil, e Dadrian, Vahakan N. (1996), Histoire du génocide
arménien, Paris: Stock.
18. Cf. Ferreti, Maria (1993), La memoria mutilate. La Russia
ricorda, Milão: Corbacio.
19. della Loggia, Ernesto Galli (1999), La morte della patria,
Bari-Roma: Laterza, Bari-Roma.
20. Cf. o texto da alocução do presidente Ciampi em
Focardi, Filipo (ed.) (2005), La guerra della memoria. La
Resistenza nel dibatti politico italiano dal 1945 a oggi, Bari-Roma:
Laterza, pp. 333-335. A expressão «os rapazes de Saló» foi for-
jada pelo ex-presidente do Senado Luciano Violante, membro
da coligação de centro-esquerda Olivo, durante uma alocução
na Primavera de 1996 (incluída numa recolha dirigida por Fo-
cardi, pp. 285-286). Ver também a crítica feita por Antonio
Tabuchi ao presidente Ciampi (pp. 335-338, trad. fr., «Italie:
les fantômes du fascisme», Le Monde, 19 de Outubro de 2001).
21. Luzzato, Sergio (2004), La crisi dell’antifascismo, Turim:
Einaui, p. 31. Luzzato sublinha justamente que todas as
democracias modernas se fundam sobre uma «hierarquia
retrospectiva da memória», ou seja, sobre escolhas que re-
definem a sua identidade (p. 30). As memórias «simétricas e
compatíveis», hoje reivindicadas pelo chefe de Estado e por
uma larga parte da elite política, vêm precisamente colocar
em causa as escolhas feitas no momento do nascimento da
república.
22. Magris, Claudio, «La memoria è liberta dall’ossessione del
passato», Il corriere della Sera, 10 de Fevereiro de 2005.

179
23. Cf. Rodogno, D. (2003), Il nuovo ordine mediterrâneo. Le politi-
che d’occupazione dell’Italia fascistas in Europa (1940-1943), Turim:
Bollati Boringhieri, 2003, e Di Sante, C. (ed.) (2005), Italiani
senza onore. I crimini in Jugoslavia e i processi negati (1941-1951),
Verona: Ombre Corte.
24. Cf. Paloma Aguilar (1996), Memoria y olvido de la guerra civil
española, Madrid: Alianza Editorial. Sobre ese tema, cf. as con-
tribuições reunidas em Matérieux pour l’histoire de notre temps,
2003, n.º 70, consagrada a «Espagne: la memoire retrouvé
(1975-2002)».
25. Cf. especialmente Casanova, Julián (ed.) (2002), Morir, matar,
sobrevivir. La violencia en la dictadura de Franco, Barcelona: Crítica.
26. Muito significativo o impacto da exposição «Exilio», or-
ganizada em Madrid em Setembro/Outubro de 2002 pela
Fundação Pablo Iglesias, no Museu Nacional Centro de Arte
Reina Sofia.
27. Cf. especialmente Aguilar (2006), op. cit., e Campos, Ismael
Saz (2004), «El pasado que aún no puede pasar», Fascismo y
Franquismo, Valência: PUV, pp. 277-291.
28. Groppo, Bruno (2001), «Traumatismos de la memoria
e imposibilidad del olvido en los países del Cono Sur» em
Groppo, Bruno e Flier, Patricia (eds.) (2001), La imposibilidad
del olvido, La Plata: Ediciones Al Margen, pp. 19-42.
29. Diner, Dan (1993), «Gestaute Zeit. Massensenvernich-
tung und jϋdische Erzählung», Kreisläuf, Berlim: Berlin Verlag,
pp. 123-140.
30. Cf. especialmente Pappé, Ilan (2000), La Guerre de 1948 en
Palestine. Aux origins du conflit israelo-arabe, Paris: La Fabrique.
Cf. também as observações de Warschwski, Michel (2001),
Israel-Palestine. Le défi binational, Paris: Textuel, pp. 39-46. Sobre
o nascimento da historiografia palestina, cf. Khaliji, Rashid
(1997), Palestinian Identity, Nova Iorque: Columbia University
Press, e também Sanbar, Elias (2001), «Hors de lieu, hors du
temps. Pratiques palestiniennes de l’histoire», em Hartog e
Revel (eds.) (2001), op. cit., p. 123.

180
31. Novick, Peter (2000), The Holocaust in American Life, Nova
Iorque: Houghton Miffin.
32. Cf. Diner, Dan (2000), «Cumulative Contingency. Histo-
ricizing Legitimacy in Israel Discourse», Beyond the Conceivable.
Studies on Germany, Nazism and the Holocaust, Berkeley: Univer-
sity of California Press, p. 215.
33. Cf. Segev, Tom (1993), op. cit., pp. 578-580.
34. Loraux, Nicole (1997), La cite divisée. L’oublie dans la mémoire
d ‘Athènes, Paris: Payot.
35. Novick (2000), op. cit., p.15.
36. Cf. Todeschini, Maya Morioka (ed.) (1995), Hiroshima 50
ans, Paris: Autrement.
37. Sontag, Susan (2003), Devant la douleur des autres, Paris:
Bourgois. [Ed. port.: Diante da Dor dos Outros, São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2003.]
38. Novick (2000), op. cit., p. 279.
39. Mayer, Arno (1988), Why did the Heavens not Darken? The
final Solution in History, Nova Iorque: Pantheon Books.
40. Achcar, G. (2002), Le Choc des barbaries, Bruxelas: Complexe.
41. Já existe uma bibliografia abundante sobre esse mo-
numento. Cf. particularmente o catálogo publicado pela
fundação que o gere, Stifgung Denkmal fϋr die ermordeten
Juden Europas, Materialen zum Denkmal fϋr die ermordeten Juden
Europas. Berlim: Nicolai Verlag, 2005.
42. Robin, Régine (2001), Berlin chantiers, Paris: Stock, p. 394.
43. Sobre a Neue Wache, cf. Reichel, Peter (1998), L’Allemagne
et sa mémoire, Paris: Odile Jacob, pp. 212-225.
44. Koselleck, Reinhart (1998), «wes darf vergessen werden?
Das Holocaust Mahnmal hierarchisiert die Opfer», Die Zeit,
n.º 13.
45. Hbermas, Jürgen (1999), «Der Zeigefinger. DieDeutschen
und ihr Denkmal», Die Zeit, n.º 14.
46. Cf. Hilberg (1996), op. cit., pp. 61-62.

181
47. Cf. Fogel, Joshua (ed.) (2000), The Nanjing Massacre in His-
tory and Historiography, Berkeley: University of California Press.
48. Cf. Buruma, Ian (1994), The Wages of Guilt. Memories of War
in Germany and Japan, Londres: Phoenix.
49. Cf. Beaugé, Florence, «Paris reconnaît que le massacre
de Sétif en 1945 était "inexcusable"», Le Monde, 9 de Março
de 2005.
50. Cf. Stora, Benjamin (1991), La Gangrène et l’oubli. La mé-
moire de la guerre d’Algérie, Paris: La Découverte. Sobre o mas-
sacre de 17 de Outubro de 1961, cf. Einaudi, Jean-Luc (2001),
Octobre 1961, Paris: Fayard, e Grandmaison, Olivier Lecour
(ed.) (2001), Le 17 octobre 1961. Un crime d’État à Paris, Paris:
La Dispute.

Capítulo III
1. Para uma boa apresentação sintética do linguistic turn, cf.
Dosse, François (2003), La marche des idées. Histoire des intellectuels,
histoire intellectuelle, Paris: La Découverte, pp. 207-226. Sobre
o impacto na história social, cf. Eley, Geoff 1992, «De l'his-
toire social au «tournant linguistique» dans l'historiographie
anglo-américaine des ânées 1980», Genèses, n.º 7, pp. 163-193.
2. Chartier, Roger (1998), Au bord de la falaise. L'histoire entre
certitudes et inquiétude, Paris: Albin Michel, p. 11.
3. Ib., ibid., p.16.
4. LaCapra, Dominick (2004), «Tropisms of Intellectual His-
tory», Rethinking History, vol. 8, n.º 4, p.513.
5. Barther, Roland (1984), «Le discours de l'histoire», em Le
bruissement de la langue. Essais Critiques IV, Paris: Seuil, p. 175.
6. White, Hayden (1985), «The historical text as a literary ar-
tefact», Tropics of Discourse. Essais in Cultural Criticism, Balti-
more: John Hopkins University Press, p. 82. Essa tese tinha
já sido formulada em Metahistory. The Historical Imagination in
Nineteenth-Century Europe, Baltimore: John Hopkins University
Press, 1973, pp. Xi-xii, 5-7, 427. Para uma apresentação críti-

182
ca das teses de White, cf. Chartier (1998), op. cit., cap. IV, pp.
108-125, e Kantsteiner, Wulf (1993), «Hayden White's Critique
of the Writing of History», History and Theory, n.º 3, pp. 273-295.
7. Entre as numerosas análises críticas da concepção de his-
tória de White, cf. Momigliano, Arnaldo (1984), «La retorica
della storia della retorica: sui tropi di Hayden White», Sui fon-
damenti della storia antica», Turim: Einaudi, pp. 465-476; Char-
tier (1998), «Figures rhétoriques et représentation historique»,
op. cit., pp. 320-339; e sobretudo Evans, Richard (1999), In De-
fense of History, Nova Iorque: Norton, cap. III, pp. 65-88 [Ed.
port.: Em Defesa da História, Lisboa: Temas e Debates, 1999].
8. de Certeau, Michel (1975), L'Écriture de l'histoire, Paris:
Gallimard, p.12. [Ed. port.: A Escrita da História, Rio de Janei-
ro: Forense Universitária, 2011.]
9. Id, ibid., p.13.
10. Sobre a ligação dos arquivos à escrita da história, cf.
Combe, Sonia (2011), Archives interdites. L'histoire confisquée, Pa-
ris: La Découverte.
11. LaCapra (2011), op. cit., pp. 1-42. É a partir de considera-
ções análogas que Paul Ricoeur tende a qualificar de antino-
mia o par «relato histórico/relato ficcional» (Ricœur (2000),
op. cit., p. 339).
12. Koselleck (1997), «Histoire sociale et histoire des
concepts», op. cit., p. 110.
13. Robin (2003), op. cit., p. 299.
14. Cf. sobre esse debate as contribuições reunidas em Frie-
dländer, Saul (ed.) (1992), Probing the Limits of Representations.
Nazism and the «Final Solution», Cambridge: Harvard Univer-
isty Press (especialmente o debate entre H. White, «Historical
Emplotment and the Problem of Truth», pp. 37-52, e Carlo
Ginzburg, «Just One Witness», pp. 82-96). Ginzburg retira das
teses de White uma nova versão da filosofia idealista do jovem
Benedeto Croce, expressa numa obra de 1893 intitulada La
Storia ridotta sotto il concetto generale dell'arte (pp. 87-89).

183
15. Bédarida, François (2003), «Temps présent et présence de
l'histoire», Histoire, critique et responsabilité, Bruxelas: Complexe,
p. 51.
16. Vidal-Naquet, Pierre (1987), Les assassins de la mémoire,
Paris: La Découverte, pp. 148-149.
17. Lanzmann, Claude, «La question n'est pas celle du do-
cument mais celle de la vérité», Le Monde, 19 de Janeiro de
2001, p. 29. Trata-se de um comentário à exposição «Mémoire
des camps» (cf. Chéroux, Clément (ed.) (2001), Mémoire des
camps. Photographie des camps de concentration et d'extermination
nazis (1933-1999), Paris: Marval). A posição de Lanzmann
foi desenvolvida por Wajcman, George (2001), «La croyance
photographique», Les Temps Modernes, n.º 613, pp. 47-83, e por
Pagnoux, Elisabeth, «Reporter photographe à Auschwitz»,
ibid., pp. 84-108. Sobre este debate cf. a obra fundamental de
Didi-Huberman, Georges (2003), Images malgré tout, Paris: Édi-
tions Minuit, assim como o excelente ensaio de About, Ilsen
e Cheroux, Clément (2001), «L'histoire par la photographie»,
Études photographiques, n.º 10.
18. Lanzmann, Claude, «Parler pour les morts», Le Monde de
débat, Maio de 2000, p. 15.
19. Lanzmann, Claude, «Holocauste, la représentation impos-
sible», Le Monde, 3 de Março de 1994, p. VII.
20. Lanzmann, Claude (1990), «Hier ist kein Warum», Au sujet
de Shoah. Le film de Claude Lanzmann, Paris: Belin, p. 279.
21. Levi, Primo (1997), «Se questo è un uomo», Opere I, Tu-
rim: Einaudi, p. 23. [Ed. port.: Se Isto É um Homem, Alfragide:
Teorema, 2009.]
22. LaCapra (1998), «Lanzmann's Shoah: "Here There Is No
Why"», op. cit., p. 100.
23. Levi (1997), «La ricerca delle radici», op. cit., p. 1367.
24. Agamben, Giorgio (1998), Quel che resta di Auschwitz.
L'archivio e il testimone, Turim: Bollati-Boringhieri, p. 8. [Ed. Port.:
O que Resta de Auschwitz, São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.]

184
25. Levi (1997), «I sommersi e i salvati», op. cit., p. 1056.
26. Agamben (1998), op. cit., p. 153.
27. Id., ibid, p. 47.
28. Robin (2003), op. cit., p. 250.
29. Cf. LaCapra, Dominick (2004), «Approaching Limit
Event: Siting Agamben», History in Transit. Experience, Identity,
Critical Theory, Ithaca: Cornell University Press, p. 172.
30. Mesnard, Philippe e Kahn, Claudine (2001), Giorgio
Agamben à l'épreuve d'Auschwitz, Paris: Kimé, p. 125.
31. Cf. a introdução de Henry Rousso à sua recolha Vichy.
L'Événement, la mémoire, l'histoire, Paris: Gallimard, 2001, p. 43.
32. Cf. Hillberg, Raul (1993), Exécuteurs, victimes, témoins, Paris:
Gallimard. Esta tendência é sublinhada por Evans, Richard
L. (2002), «History, Memory and the Law. The Historien as
Expert Witness», History and Theory, vol. 41, n.º 3, p. 344.
33. Goldhagen, Daniel J. (1997), Les Bourreaux volontaires de
Hitler, Paris: Seuil. [Ed. port.: Os Carrascos Voluntários de Hitler,
Lisboa: Editorial Notícias, 1999.]
34. Courtois, Stéphane (ed.) (1997), Le Livre noir du commu-
nisme. Crimes, terreur, répression, Paris: Laffont. [Ed. port.: O
Livro Negro do Comunismo, Lisboa: Quetzal, 1998.]
35. Cf. Jeanneney, Jean-Noel (1998), Le Passé dans le prétoire.
L'historien, le juge et le journaliste, Paris: Seuil, p. 24, e Dumoulin
(2003), op. cit., pp. 163-176.
36. Cf. Baruch, Marc Olivier (1998), «Procès Papon: impres-
sions d'audience», Le Débat, n.º 102, pp. 11-16. Cf. sobre esse
tema, Dumoulin (2003), op. cit., e Frei, Norbert, Van Laak,
Dirk e Stolleis, Michael (hg.) (2000), Geschichte vor Gericht histo-
riker, Richter un die Suche nach Gerechtigkeit, Munique: C.H. Beck.
37. Rousso, Henry (1998), La Hantise du passé, Paris: Tex-
tuel, p. 97. Cf. também Conan, Éric e Rousso, Henry
(1996), Vichy, un passé qui ne passe pas, Paris: Gallimard,
pp. 235-255.

185
38. Schiller, Friedrich (1992), «Resignation», Werke und
Briefe, Berlim: Deutscher Klassiker Verlag, Bd. 1, p. 420. Cf.
Koselleck, Reinhart (1990), «Historia magistra vitae», Le Fu-
tur passé. Contribution a la sémantique des temps historiques, Paris:
EHESS, p. 50; e também, para uma actualização do problema,
Bensaïd, Daniel (1999), Qui est le juge? Pour em finir avec le tribu-
nal de l'Histoire, Paris: Fayard [Ed. port.: Quem É o Juiz? Direito
e Direitos do Homem, Lisboa: Instituto Piaget, 2001].
39. Bloch, Marc (1974), «L'analyse historique», Apologie pour
l'histoire, Paris: Armand Colin, p. 118. Carr, Edward H. (1961),
What is History?, Londres: Macmillan, cap. I.
40. Vidal-Naquet (1995), op. cit., pp. 113-114 (esta passagem
é retirada de Chateaubriand, Mémoire d'Outre-tombe, Paris: La
Pléiade-Gallimard, p. 630).
41. Ginzburg, Carlo (1991), Il giudice e lo storico, Turim: Einaudi,
Turim. [Ed. port.: ensaio incluído em A Micro-História e Outros
Ensaios, Lisboa: Difel, 1991.]
42. Id., ibid.
43. Aquilo que conduziu George Duby, talvez de uma for-
ma um pouco prematura, a escrever que «a noção de verda-
de histórica modificou-se (…) porque a história doravante
interessa-se menos nos factos do que nas relações» (L'Histoire
continue, Paris: Odile Jacob, 1991, p. 78). [Ed. port.: A História
Continua, Rio de Janeiro: Zahar, 1993.]
44. Ginzburg, Carlo (1986), «Spie, radici di un paradigma in-
diziario», Miti, emblemi, spie. Morfologia e storia, Turim: Einaudi,
pp. 158-209.
45. Améry (1977), op. cit.
46. Péguy, Charles (1987), «Le jugement historique», Oeuvres,
vol. I, «La Pléiade», Paris: Gallimard, p. 1228. Este texto está
incluído em Hartog e Revel (eds.) (2001), op. cit., p. 184.

186
Capítulo IV
1. Entrevista a Marek Edelman por Pol Mathil, Le Soir de
Abril de 2003.
2. Adorno, Theodor W. (1969), «Erziehung nach Auschwitz»,
Stichworte. Kiritsche Modelle 2. Frankfurt/M: Suhrkamp.
3. Habermas (1987), «Conscience historique et identité
post-traditionelle», op. cit. (trad. fr.), p.294.
4. Bauman, Zygmunt (1989), Moderity and the Holocaust, Cam-
bridge: Polity Press, p. 114. [Ed. Port.: Modernidade e Holocausto,
Rio de Janeiro: Zahar, 1998.]
5. Agamben, Giorgio (2002), «Qu’est-ce qu’un camp?», Moyens
sans fins, Paris: Rivages, p. 49.
6. Sossi, Frederica (2003), «Témoigner de l’invisible», em
Coquio, Catherine (ed.) (2003), L’Histoire trouée. Négations et
Témoignage, Nantes: L’Atlante, p. 398.
7. Arendt, Hannah (2002), Les Origines du totalitarisme, Paris:
Quarto-Gallimard, p. 598. [Ed. port.: As Origens do Totalitaris-
mo, Lisboa: Dom Quixote, 2006.]
8. Vidal-Naquet, Pierre (1998), Mémoire II. Le Trouble et la
lumière, Paris: La Découverte-Seuil, p. 107.
9. Cf. Diner, Dan (1993), Verkehrte Welteen, Frankfurt/M:
Eichborn.
10. Perec, Georges (1975), W ou le Souvenir d’enfance, Paris:
Gallimard, p. 220.
11. Chrétien, Jean-Pierre, «Un nazisme tropical», Libération de
26 de Abril de 1994.
12. Oehler, Dolf (1996), Le Spleen contre l’oubli. Juin 1848.
Baudelaire, Flaubert, Heine, Herzen, Paris: Payot.
13. Cf. Wahnich, Sophie (2003), La Liberté ou la mort. Essai sur
la Terreur et le terrorisme, Paris: La Fabrique.
14. Cf. Lavabre, Marie-Claire (1994), Le fil rouge. Sociologie de la
Mémoire communiste, Paris: Presses de la Fondation Nationale
de Sciences Politiques. O conceito de «contra-sociedade» foi

187
forjado por Kriegel, Annie (1974), Communismes au miroir fran-
çais, Paris: Gallimard, p. 183.
15. A fórmula pertence a Hildebrand, Klaus (1987), «Das
Zeitalter der Tyranen», Historikerstreit. Die dokumentation
der Kontroverse um die Einzigartigkeit der Nationalsozialistischen
Judenvernichtung, Munique: Piper, pp. 84-92.
16. Para uma história desse conceito, cf. Traverso, Enzo (ed.)
(2001), Le Totalitarisme. Le XXe siècle en débat, Paris: Seuil.
17. Fukuyama, Francis (1993), La Fin de l’histoire et le dernier
homme, Paris: Flammarion. [Ed. port.: O Fim da História e o
Último Homem, Lisboa: Gradiva, 1999.]
18. Furet, François (1995), Le Passé d’une illusion. Essai sur l’idée
de communisme au XXe siécle, Paris: Laffont-Calmann-Lévy, p. 18.
[Ed. port.: O Passado de uma Ilusão, Lisboa: Presença, 1996.]
19. Bensaïd, Daniel (1997), Le Pari mélancolique. Métamorphoses
de la politique, politique de las metamorphoses, Paris: Fayard.
20. Benjamin, Walter (1977), «Einbahnnstrasse», Gesammele
Schrften, Frankfurt/M: Suhrkamp, Bd. I, 3, p. 1232.
21. Cf. Koselleck (1990), «"Champ d’experience" et "horizon
d’attente"; deux categories historiques», op. cit., pp. 307-329.
Sobre o advento da ideia de comunismo, cf. sobretudo as re-
flexões de Anderson, Perry (1992), «The Ends of History», A
zone of engagement, Londres: Verso [Ed. port.: Zona de Compro-
misso, São Paulo: UNESP, 1996].

Capítulo V
1. Schieder, Wolfgang (1983), Faschismus als Soziale Bewegung,
Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht.
2. Mason, Tim (1995), «Whatever happened to "Fascism"?»,
Nazism, Fascism and the Working Class, Essays by Tim Mason,
Cambridge: Cambridge University Press, pp. 323-331.
3. Nolte, Ernst (1987), «Vergangenheit, die nicht vergehen
will», e Habermas, Jϋrgen (1987), «Ein Art Schadensabwick-
lung», Historikerstreit, Munique: Piper, pp. 39-47 e 62-76.

188
4. Broszat, Martin e Fiedländer, Saul (1988), «Um die "his-
torisierung des National-sozialismus". Ein Briefwechsel»,
Vierteljahreshefte fϋr Zeitgeschichte, n.º 36.
5. Mannheim, Karl (1969), Ideologie und Utopie, Frankfurt/M:
Verlag Schulte & Bulmke, pp. 130-131.
6. Cf. Herbert, Ulrich (2003), «Deutsche un jϋdische
Geschichsschreibung ϋber den Holocaust», em Brenner e
Meyers (hg.) (2003), op. cit., pp. 247-258. Este postulado está
no centro da reconstrução da trajectória da historiografia
alemã por Berg (2003), op. cit.
7. Goldhagen (1997), op. cit. Cf. a esse respeito Traverso,
Enzo (1997), «La Shoah, les historiens et l’usage public de
l’histoire», L’Homme et la société, n.º 125, pp. 17-26.
8. Cf. Schulze, Winfried e Oexle, Otto G. (hg.) (1999), Deutsche
Historiker I, Nationalsozialismus, Frankfurt/M: Fischer. Para
uma visão de conjunto, cf. Cattaruzza, Marina (1999), «Or-
dinary Men? Gli storici tedesci durante il nazionalsocialismo»,
Contemporanea, II, n.º 2, pp. 331-339.
9. Husson, Edouard (2000), Comprendre Hitler et la Shoah, Paris:
Presses Universitaires de France, pp. 271-272.
10. Cf. Bartov, Omer (2002), «The German Exhibition
Controversy. The politics of evidence», em Bartov, O.,
Grossman, A. e Nolan, M. (eds.) (2002), Crimes of War. Guilt
and Denial in Twentieth Century, Nova Iorque: The New Press,
pp. 43.60. [Ed. Port.: Crimes de Guerra, Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2005.]
11. Institut fϋr Sozialforschung (hg.) (2002), Verbrechen der
Wehrmacht. Dimensionen des Vernichtungkrieges 1941-1944,
Hamburgo: Hamburger Edition.
12. Traverso, Enzo (1999), «La singularité d’Auschwitz.
Próblemes et dérives de la recherche historique», em Cathe-
rine Coquio (ed.) (1999), op. cit., pp. 128-140.
13. Bracher, Karl-Dietrich (1976), Zeitgeschichtlich Kontroversen.
Um Faschismus, Totalitarismus, Demokratie, Munique: Piper.

189
14. Knutter, Han-Helmut (1993), Die Faschismus-Keule. Das letze
Aufgenbot der deutschen Linken, Frankfurt/M: Ullstein, p. 14.
15. Kraushar, Wolfgang (2001), «Die auf dem linken Auge
binde Linke. Antifaschismus und Totalitarismus», Linke
Geisterfahrer. Denkanstösse fϋr eine antitotalitäre Linke,
Frankfurt/M: Verlag Neue Kiritik, pp. 147-155.
16. Diner, Dan (1999), Das Jahrhundert verstehen. Ein universalhis-
torische Deutung, Munique: Luchterhand.
17. Kuhnl, R. (1998), Der Faschismus, Berlim: Distel.
18. Wipperman, W. (1995), Faschismustheorien. Die Entwicklung
der Diskussion von den Anfang bis heute, Darmstadt: Primus Verlag.
19. Borejsza, Jerzy W. (1999), Schulen des Hasses. Faschistische
Système in Europa, Frankfurt/M: Fischer.
20. Nolte, Ernst (1970), Le Fascisme dans son époque, Paris:
Julliard. A sua interpretação «histórico-genética» do totalita-
rismo é apresentada na sua correspondência com François
Furet, Fascisme et communisme, Paris: Plon, 1998 [Ed. port.: Fas-
cismo e Comunismo, Lisboa: Gradiva, 1999].
21. Para um balanço geral da historiografia da RDA sobre o
nazismo, cf. Roth, Karl Heinz (2001), «Glanz un Elend der
DDR – Geschichtswissenschaft ueber Faschimus un zweiten
Weltkrieg», Bulletin fϋr Faschismus und Weltkriegsforschung, n.º 17,
pp. 66-72. Sobre a questão do genocídio judaico, cf. Kwiet,
Konrad (1976), «Historians of the German Democratic
Republic, Atisemitism and Persecution», Leo Baeck Institute
Yearbook, vol. 21, pp. 173-198.
22. Cf. Beetham, David (ed.) (1983), Marxists in face of Fas-
cism. Writings by Marxists on Fascism from the Inter-War Period,
Manchester: Manchester University Press.
23. Traverso (2001), «Le totalitarisme. Jalons pour la histoire
d’un débat», op. cit., p. 27.
24. O historiador da Alemanha Federal Herman Weber estima
em 150 mil o número de comunistas aprisionados pelo regime
nazi e em 20 mil os que foram executados (Kommunistischer

190
Widerstand gegen die Hitler-Diktatur, 1933-1939, Berlim:
Gedenkstatte deutscher Widerstand, 1990, p. 3).
25. Friedländer (2002), «The Wehrmacht and Mass Exter-
mination of the Jews», em Bartov, Grossman e Nolan (eds.)
(2002), op. cit.
26. Broszat, Martin (1986), «Resistenz un Widerstand», Nach
Hitleri, Munique: C.H. Beck, pp. 68-91. Para uma apresentação
desse debate, cf. Kershaw, Ian (1997), Qu’est-ce que le nazisme?
Preblèmes et perspectives d’interpretation, Paris: Folio-Gallimard,
cap. 8. Para uma crítica do conceito de resistenz, cf. Friedlän-
der, Saul (1993), Memory, History, Extermination of the Jews of
Europe, Bloomington: Indiana University Press, pp. 92-95.
27. Adorno, Theodor W. (1984), «Que signifie  : repenser le
passé?», Módelles critiques, Paris: Payot, pp. 97-98.
28. Diner, Dan (1995), «Antifaschistische Weltanschauung. Ein
Nachruf», Kreisläufe, Berlim: Berlin Verlag p. 91. Para seguir a
emergência do Holocausto no centro do debate historiográfi-
co na Alemanha Federal, cf. Berg (2003), op. cit., pp. 379-383.
29. François, Étienne (1999), «Révolution archivistique et
réécriture de l’histoire  : l’Allemagne de l’Est», em Rousso,
Henry (ed.) (1999), Nazisme et stalinisme. Histoire et mémoire com-
parées. Paris: Complexe, p. 346.
30. Habermas (1987), «Conscience historique et identité
post-traditionalle», op. cit. (trad. fr.), pp. 315-316.
31. Cf. entrevista a Renzo De Felice em Jacobelli, Jader (ed.)
(1998), Il fascismo e gli storici oggi, Bari-Roma: Laterza, p. 6. Para
um paralelismo entre a abordagem de Nolte e a de De Fe-
lice, cf. Schiedler, Wolfgang (1991), «Zeitgeschichtliche Ver-
shränkungen ϋber Ernst Nolte und Renzo De Felice», Annali
dell’Instituto ítalo-germanicode Trento, XVII, pp. 359-376.
32. Steinmetz, George (1997), «German exceptionalism and the
origins of Nazism: the career of a concept», em Kershaw, Ian e
Lewin, Moshe (eds.) (1997), Stalinism and Nazism. The Dictatorships
in Comparison, Cambridge: Cambridge University Press, p. 257.

191
Capítulo VI
1. Entre as últimas obras importantes consagradas a este
tema, cf. Ignouet, Valérie (2000), Histoire du révisionisme en
France, Paris: Seuil; Brayard, Florent (1996), Comment l’idée
vint à M. Rassinier, Paris: Fayard; e Fresco, Nadine (1999),
Fabrication d’un antisémite, Paris: Seuil.
2. Vidal-Naquet (1987), op. cit.
3. François, Bédarida (1993), Comment est-il possible que le «Révi-
sionnisme» existe?, Reims: Presses de la Comédie de Reims, p. 4.
4. Vidal-Naquet (1987), «Thèses sur le révisionnisme», op. cit.,
p. 108.
5. Bernstein, Edouard (1974), Les Présupposés du socialisme,
Paris: Seuil. [Ed. port. Os Pressupostos do Socialismo e as
Tarefas das Social-Democracia, Lisboa: Dom Quixote, 1976.]
6. Sobre a projecção europeia deste debate, cf. Bongiovanni,
Bruno (1997), «Revisionismo e totalitarismo. Storie e signifi-
cati», Teoria politica, XIII, n.º 1, pp. 23-54. Parte das peças deste
debate foram reunidas por Weber, Henri (ed.) (1983) Kautsky,
Luxemburg, Pannekoek, Socialisme, la voie occidentale, Paris: Presses
Universitaires de France.
7. Laquer, Walter (1973), «Par le fer et par le feu: Jabotinsky
et le révisionnisme», Histoire du sionism, Paris: Calmann-Levy,
pp. 371-420.
8. A esse propósito, cf. sobretudo Husson (2000), op. cit., cap.
III, pp. 69-84.
9. Kolko, Gabriel (1968), The Politics of War, Nova Iorque:
Random House.
10. Alperovitz, Gar, Atomic Diplomacy. Hiroshima and Potsdam,
Nova Iorque: Penguin Books, 1985, e The Decision to Use the
Atomic Bomb, Nova Iorque: Vintage Books, 1996.
11. Para uma apresentação do conjunto de trabalhos dessa
escola, cf. Werth, Werth (1996), «Totalitarisme ou révision-
nisme? L’histoire soviétique, une histoire en chantier», Com-

192
munisme, n.º 47-48, pp. 57-70. Entre os trabalhos de síntese
dessa corrente historiográfica, cf. Fitzpatrick, Sheila (1994),
The Russian Revolution, Nova Iorque: Oxford University Press.
12. Cf. Pavone, Claudio (2000), «Negazionismi, rimozioni, re-
visionismi: storia o politica?», em Colloti, Enzo (ed.) (2000),
Fascismo e antifascismo. Rimozioni, revisioni, negazioni, Bari-Roma:
Laterza, pp. 34-35.
13. Cf. sobretudo Furet, François (1978), Penser la Révolution
française, Paris: Gallimard [Ed. port.: Pensar a Revolução France-
sa, Lisboa: Edições 70, 1988]. Para uma reconstrução desse
debate, cf. Kaplan, Steven L. (1993), Adieu 89, Paris: Fayard.
Entre os críticos do revisionismo de Furet, cf. Vovelle, Michel
(2001), «Réflexions sur l’interprétation révisionniste de la Ré-
volution française», Combates pour la Révolution française, Paris:
La Découverte. Sobre a projecção internacional desse debate,
cf. Bongiovanni, Bruno (1989), «Rivoluzione borghese o rivo-
luzione del politico? Note sul revisionismo storiografico», em
Bongiovanni, Bruno (1989), Le repliche della storia. Karl Marx
tra la rivoluzione francese e la critica dela pollitica, Turim: Bollati
Boringhieri, pp. 33-61, e Comninel, G. C. (1987), Rethinking
the French Revolution. Marxism and the Revisionist Challange, Lon-
dres: Verso.
14. Para uma reconstrução do conjunto do debate, cf.
Greilsammer, Ilan (1993), La Nouvelle Histoire d’Israel, Paris:
Gallimard, e Pappé (2000), op. cit.
15. Werth, Nicolas (1993), «Goulag: les vrais chiffres»,
L’Histoire, n.º 169, p. 42.
16. Habermas (1987), «Eine Art Schadensabwicklung. Die
apologetischen Tendenzen in der deutschen Zeitgestchichtss-
chreibung», op. cit., pp. 62-76.
17. Furet e Nolte (1998), op. cit, pp. 88-89.
18. Nolte (1987), «Vergangenheit, die nicht vergehen will», op.
cit., pp. 39-47, e La Guerre civile européene 1917-1945, Paris: Edi-
tions des Syrtes, 2000.

193
19. Wehler, Hans-Ulrich (1988), Entsorgung der deutschen Ver-
gangenheit? Ein polemischer Essay zum «Historikerstreit», Munique:
Beck.
20. Friedländer (1993), «A Conflict of Memories ? The New
German Debate about the "Final Solution"», op. cit., pp. 33-34.
21. Para uma visão de conjunto da obra de Renzo De Fe-
lice na historiografia italiana do fascismo, cf. Santomassino,
Gianpasquale, «Il ruolo di Renzo De Felice», em Colloti (ed.)
(2000), op.cit., pp. 415-429.
22. De Felice (1995), op. cit.
23. Cf. sobretudo Paxton, Robert J. (1997), La France de Vichy,
Paris: Seuil.
24. Habermas (1987), «De l’usage public de l’histoire», Écrits
politique, op. cit. (trad. r.), pp. 247-260.
25. Furet (1995), op. cit. Retomo a crítica de Bensaïd (1999), op. cit.
26. Pavone, Claudio (1990), Una guerra civile. Saggio sulla morali-
tà della Resistenza, Turim: Bollati Boringhieri.
27. A respeito de Irving, cf. Evans, Richard J. (2002), Telling
lies about Hitler. The Holocaust, History and the David Irving Trial,
Londres: Verso; a respeito de Bernard J. Lewis, que considera
o genocídio dos arménios «uma visão arménia da história»,
cf. Ternon, Yves (1994), «Lettre ouverte à Bernard Lewis et
à quelques autres», em Davis, Leslie A. (1994), La Province de
la mort. Archives américaines concernant le genocide des Arméniens,
Bruxelas: Complexe, pp. 9-26.
28. Pomian, Krzysztof (2002), «Storia ufficiale, storia revisio-
nista, storia critica», Mappe del Novecento, Milão: Bruno Monda-
dori, pp. 143-150.

194
Outros títulos das edições unipop:
O direito de fuga
Sandro Mezzadra
(Abril de 2012)

Quem canta o Estado-nação?


Judith Butler e Gayatri Spivak
(Outubro de 2012)

Вам также может понравиться