Вы находитесь на странице: 1из 7

Cinco cogitações irresponsáveis

sobre o futuro da advocacia


Faculdades e escritórios precisam ser
repensados, negociação deve ganhar espaço e
advogados precisam elevar seus níveis de
especialização
[10/07/2017]

Talvez a grande vantagem em se fazer previsões resida na mais


absoluta irresponsabilidade do profeta. Prever significa antecipar o
que ainda não aconteceu. Traz consigo o exercício da adivinhação;
a arte de predizer o futuro, naturalmente incerto. Logo, ninguém
pode ser culpado por erros decorrentes de algo que não se tem
como saber (a não ser que prometa estar certo – o que não é o caso
deste escriba).

Nunca foi tão importante estar bem informado. Sua assinatura


financia o bom jornalismo.

assine a gazeta

Depois de transpor 30 anos no mundo do direito, escrever sobre o


futuro da advocacia é algo bastante lúdico: um brinquedo que só a
experiência permite ser divertido. Igualmente, é passatempo
necessário, pois autoriza que imaginemos o que será da nossa
profissão nos próximos 10, 20 ou 30 anos. Cogitar é importante, ao
menos para refletir sobre a advocacia das próximas décadas, que
será bastante diferente da que hoje estudamos e praticamos.

Leia também: “Crime de hermenêutica”: quando é proibido


interpretar

Afinal, quando comecei a advogar, existia pouco (ou quase nada)


daquilo que hoje é o cotidiano banal da profissão dos juristas. Não
havia internet ou processos eletrônicos. Nada de arbitragem nem
de mediação. Não se cogitava sobre o direito do consumidor ou da
concorrência. O direito ambiental era coisa de excêntricos e, as
agências reguladoras, de estrangeiros. Os processos coletivos eram
compreendidos como se bipolares fossem. Praticamente não existia
o processo administrativo. Ausentes estavam as leis de licitações e
de concessões; bem como os estatutos do Idoso, da Igualdade
Racial, da Criança e do Adolescente, etc. etc. A Constituição era
uma Emenda (a EC 1/69); o Código Civil, de 1916, e o de Processo
Civil, de 1973. O passar do tempo era muito lento e a legislação,
arrogante: pretendia-se universal, eterna e imutável. Muita coisa
mudou desde então, para o bem e para o mal.

Ocorre que tais modificações experimentaram impressionante


aceleração de seu ritmo nos últimos cinco anos. A máquina do
tempo teve seu funcionamento apurado, instalando
inadvertidamente muitas surpresas para os advogados (e demais
profissões jurídicas). As engrenagens foram aceleradas por fatos
vindos de dentro e de fora do direito. Mas o que se sabe é que
surgirão mais e mais desafios, em progressão geométrica. A festa
está só começando.

Assim, como cartomante amador, vou tentar descrever cinco


pontos de inflexão, alguns bastante disruptivos, para o futuro da
profissão do advogado – e respectivas cogitações irresponsáveis.

O primeiro trata das formas de composição de conflitos de


interesse. A racionalidade antiga vinculava-se à heterocomposição
monocêntrica: só o Poder Judiciário poderia resolver os conflitos,
desde que provocado por alguém com capacidade postulatória (só
o advogado!). Contudo, hoje não é mais assim: seja por meio dos
juizados especiais (que abrem mão de advogados), seja através de
câmaras arbitrais e de mediação (que abdicam do Judiciário), seja
através de plataformas como a semprocesso (que dispensam o
Poder Judiciário e demais terceiros imparciais, ao fazer com que
advogados conversem entre si em acordos não-presenciais, numa
grande mesa de negociações virtuais). Pense-se também nas
colaborações premiadas do processo penal e no dever de
cooperação das partes no processo civil, com a conciliação a
anteceder a contestação.

Logo, num futuro próximo os advogados não mais precisarão


recorrer ao Judiciário – e nem mesmo sair de casa – para tentar
resolver os problemas apresentados por seus clientes. Só os
excêntricos farão essa futura coisa extravagante de ajuizar ações
judiciais. Se o fizerem, precisarão saber fazer composições – e não
colisões – de interesses. Incrementa-se a capacidade de
negociação, atenua-se a litigiosidade. Advogado bom não será o
brigão, mas o negociador. Porém, é igualmente provável que os
clientes descubram que podem resolver sozinhos os seus
problemas (presencialmente ou por meios virtuais), a derrocar o
império da capacidade postulatória.

A segunda cogitação resulta do primeiro ponto de inflexão e tenta


adivinhar o que será dos cursos de direito. Outrora estruturados
tendo como espinha dorsal a disponibilidade (o direito privado, que
ocupa os cinco anos do curso) e a inevitável solução de conflitos via
Poder Judiciário (com a reserva de mercado aos advogados), eles
precisam se repensar – e urgente! Afinal, o declínio da litigiosidade
somente será fato se e quando os cursos de direito
conscientizarem-se de que precisam abandonar a lógica
oitocentista e devem se preocupar com outras coisas: negociação;
mundo digital (moedas, inclusive); desfazimento de contratos;
mediadores e conciliadores; colaborações premiadas, etc. etc.

Lamentavelmente e ao que tudo indica, muitos dos cursos vão


continuar, por muito tempo, ensinando um direito que não mais
existe, configurado de acordo com premissas antigas, que não
valem mais. A preguiça vai persistir forte, a construir seguras zonas
de conforto. Serão aulas de um ultrapassado law in the books,
lançando os profissionais num mundo em que a law in action
distancia-se do ensinado. Logo, os cursos precisam se reinventar,
tão cedo quanto possível, sob pena de formar profissionais inaptos
para as demandas dos respectivos mercados.

Já o terceiro ponto de inflexão diz respeito aos escritórios de


advocacia e seu funcionamento. Outrora estabelecidos em grandes
imóveis, com placas de bronze na porta e presença física de todos
os advogados, eles precisarão valorizar a produção feita em outros
lugares (casa, sítios distantes, aviões, etc.). O que incrementará a
responsabilidade de todos e de cada um dos advogados, sobretudo
com metas a serem atingidas (do cliente e do escritório). A
atividade exigirá comprometimento com resultados e a
disponibilidade para desenvolver soluções taylor made.

Por outro lado, essa mudança do regime de tarefas automáticas


para o de construção de soluções é fundamental para que se possa
alterar a configuração física dos escritórios. O que demandará o
aumento – qualitativo e quantitativo – da especialização dos
profissionais do direito (em especial dos advogados).

Isto é, na medida em que já se consolidou a ideia da relevância dos


fatos na apreciação das causas pelo julgador (seja ele o juiz, seja o
árbitro, seja mesmo o negociador), os advogados necessitam, cada
vez mais, conhecê-los a fundo. Precisamos saber dos negócios do
cliente e ser especialistas em energia elétrica, seguros, transportes,
medicamentos ou Project finance para conseguirmos entender qual
é a demanda. Para isso, é indispensável o conhecimento
consistente em Teoria do Direito (que permite navegar em mares
desconhecidos), mas também e especialmente, em temas alheios
ao direito em si mesmo: economia, engenharia, finanças, meio
ambiente, medicamentos, medicina, energia, portos, ferrovias, etc.
etc. Foi-se o tempo do normativismo puro.

O que importa a quarta cogitação, pertinente ao tamanho dos


escritórios. É provável que sempre haja escritórios gigantes, full
service, mas talvez eles venham a sentir algum abalo em sua
configuração. Isso em decorrência do fluxo das demandas de
massa para ambientes virtuais. Ou seja, a combinação de
ambientes virtuais de negociação com a necessidade de elevada
expertise implicará a queda do volume de ações judiciais. A não ser
que os escritórios cresçam desmedidamente – e criem setores
especializados em litígios que versem sobre as maçanetas que
ficam do lado esquerdo da porta, por exemplo. Esse crescimento
desproporcional pode gerar custos inadministráveis – e é preciso
ficar alerta.

Assim e ao que tudo indica, o tempo de escritórios com centenas de


advogados a atender repetitivas demandas de massa pode estar
com os dias contados. Mesmo porque tais litígios tendem a ser
objeto de negociações e soluções coletivas – seja por meio de
ações civis públicas, seja por meio de súmulas vinculantes,
repercussões gerais e do sistema de precedentes. A unificação das
decisões de massa, com caráter vinculante, gerará impacto
significativo nos ambientes jurídico-corporativos.

A quinta - e última, por ora – cogitação irresponsável resulta da


fusão das quatro anteriores: império da negociação; alteração dos
cursos de direito; elevada especialização técnica e configuração
artesanal dos escritórios. E talvez ela seja a mais importante de
todas: o significativo incremento da responsabilidade do advogado
em bem entender e envidar os melhores esforços na demandas dos
clientes, inclusive para dizer não. Explico-me: está em vias de ter
fim o malfadado tempo em que havia advogados que não
contratavam trabalho e conhecimento, mas suposto prestígio e
conversa fiada. Sempre diziam sim e prometiam a solução de todos
os problemas (às custas dos clientes). Vendiam imaginária
influência pessoal e não a imprescindível especialização
meritocrática. Isso deve ter um fim – e os ventos sopram nessa
direção.

Atualmente, inclusive em decorrência da previsão no Novo Código


de Processo Civil (NCPC) quanto a elevados honorários e demais
custas de sucumbência (agravadas em sede recursal), os
advogados precisam aprender a dizer não aos seus clientes, sob
pena de piorarem sensivelmente a situação deles. Afinal, o foco da
advocacia é o cliente – e não o próprio advogado. O mandato é um
privilégio concedido normativamente aos que possuem inscrição na
Ordem dos Advogados. Por isso, deve ser exercido em regime de
função: atende-se com excelência técnica ao interesse do cliente –
e só isso. Assim e ao contrário de estimular o litígio (como ensinam
algumas faculdades e cursinhos de direito), os advogados precisam
aprender a resolver os problemas do cliente, sempre de modo
transparente e republicano, orientados pelas noções fundamentais
de compliance. Se for o caso, devem advertir o cliente e negar o
atendimento da causa. O que certamente implicará a valorização
dos profissionais jurídicos.

Como o leitor constatou desde a abertura deste texto, as


cogitações acima pretendem ser inconsequentes. Contudo, não são
levianas: partem do pressuposto de que o direito e o exercício da
advocacia experimentarão mudanças cada vez mais céleres e
radicais. Não tenho conhecimento de quais efetivamente surgirão,
mas uma coisa é certa: sei que nada será como antes amanhã.

Вам также может понравиться