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A cirurgia bariátrica, o psicólogo

e a avaliação psicológica

Brasília-DF.
Elaboração

Cesar Augusto Leitão

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
A CIRURGIA BARIÁTRICA......................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
CIRURGIA BARIÁTRICA............................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
QUANDO A OBESIDADE É CASO CIRÚRGICO.......................................................................... 27

CAPÍTULO 3
CIRURGIA BARIÁTRICA: ACOMPANHAMENTO CLÍNICO............................................................. 37

UNIDADE II
O PAPEL DO PSICÓLOGO..................................................................................................................... 49

CAPÍTULO 1
O PSICÓLOGO....................................................................................................................... 49

CAPÍTULO 2
CONTRIBUIÇÕES DO PSICÓLOGO........................................................................................... 54

CAPÍTULO 3
A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA: INSTRUMENTOS UTILIZADOS PELO PSICÓLOGO........................... 60

PARA NÃO FINALIZAR........................................................................................................................ 76

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 77
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da
área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que
busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica
impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
A sociedade contemporânea criou hábitos que propiciaram e acarretaram um aumento
considerável no predomínio da obesidade em todo o globo. A variedade e a quantidade
de alimentos postos no mercado, aliadas aos fatores causadores de tensões de natureza
variada, contribuíram para a existência de uma forma desgovernada de se alimentar,
que veio a fomentar uma verdadeira epidemia de obesidade.

Estamos, no Brasil, convivendo com essa crescente ocorrência que, ao associar-se com
outras comorbidades, preocupa imensamente os responsáveis pela gestão pública de saúde.

A obesidade pode ser considerada uma doença crônica resultante da interação entre
genótipo e ambiente, acarretando excesso de gordura corporal. Os fatores que levam
ao desenvolvimento dessa condição não estão totalmente esclarecidos, mas envolvem
questões genéticas, fisiológicas, metabólicas, psicológicas, comportamentais, sociais
e culturais. É considerada a segunda causa de mortes previníveis e está associada
a inúmeras comorbidades que acometem os mais diversos sistemas orgânicos.
Trata-se de doença de tratamento desafiante pela inexistência de tratamento clínico
eficaz em médio e longo prazo. Tal situação proporcionou o surgimento da intervenção
via cirurgia bariátrica cuja proposta é a perda e manutenção de peso por longo prazo.

Após esta breve introdução, esperamos que o conhecimento embutido neste Caderno
de Estudos, seja útil para todas as outras disciplinas relacionadas a esta e esperamos
que você, venha a contribuir com sua participação, com opiniões, práticas e vivências
em diferentes âmbitos, pessoal e profissional, seja em qual área atue, e contribuir neste
processo de ensino-aprendizagem.

Objetivos
»» Apresentar os conceitos e classificação da cirurgia bariátrica.

»» Discutir a necessidade da cirurgia.

»» Descrever o pré e pós-operatório.

»» Demonstrar a importância da equipe multidisciplinar e o papel do


psicólogo e seus instrumentos.

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A CIRURGIA BARIÁTRICA UNIDADE I

CAPÍTULO 1
Cirurgia bariátrica

Conceitos e classificação
A palavra bariátrico é originária do grego “bari” cujo significado é peso e do latim
“iatria”, que refere-se ao tratamento médico. Uma vez que, durante um longo tempo,
a nomenclatura cirurgia bariátrica serviu para nomear as técnicas cirúrgicas utilizadas
para propiciar a redução do peso corporal. Todavia, a preferência pela nomenclatura
cirurgia bariátrica e metabólica se impôs, ao se constatar que algumas dessas técnicas não
tinham apenas, a finalidade de redução de peso, resultavam também, em modificações
metabólicas, entre as quais se podem citar a remissão da “diabetes mellitus tipo 2 e
a redução de níveis pressóricos, nome atribuído a fatores relacionados à taxas que
favorecem a análise de uma homeostasia do organismo, sendo o desajuste desses níveis,
um comprometimento da pressão arterial do indivíduo.

A finalidade das primeiras intervenções bariátricas destinava-se a promover o bloqueio


da entrada de calorias no organismo daqueles indivíduos contumazes na ingestão de
enormes quantidades de alimentos. Durante duas décadas, as derivações intestinais
foram realizadas para reduzir a superfície de absorção, o que veio a tornar-se proibitivo,
visto complicações tardias resultantes dessa técnica.

Segundo Diniz (2012, p. 13), os primeiros casos de derivações gástricas foram publicadas
por Mason, em 1967 e demonstravam que poderiam ser eficazes. A partir desta data, as
cirurgias restritivas foram ganhando importância e inúmeras variações foram surgindo,
combinando ressecções (retirada de um órgão ou parte dele) ou restrição gástrica com
derivações intestinais. Na década seguinte, ficaram popularizados os grampeadores
mecânicos, possibilitando uma evolução técnica com redução de complicações
cirúrgicas. Nesta mesma época, surgem os anéis restritivos (silastic, malhas, bandas).

9
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

A cirurgia laparoscópica foi outro avanço na técnica. De início, apenas procedimentos


de bandagem gástrica eram realizados por essa técnica, mas posteriormente, os demais
procedimentos restritivos e de derivações também utilizaram essa mesma via de
acesso. Na atualidade, qualquer das técnicas utilizadas podem ser realizadas por via
laparoscópica.

Diniz (2012) classifica as técnicas em malabsortivas, mistas, puramente restritivas e


experimentais.

Procedimentos malabsortivos
São técnicas que reduzem a área de contato do alimento com a mucosa do intestino
delgado e com as enzimas pancreáticas, propiciam a minimização da absorção de
nutrientes o que resultará em perda de peso. Esta perda cessa ao ocorrer um equilíbrio
entre calorias absorvidas e gastas. Equilíbrio este que se encontra dependente do
processo de adaptação intestinal e da redução das calorias gastas pela menor massa
corporal alcançada após a cirurgia.

Derivação jejunoileal

Segundo Diniz (2012, p. 14) em 1965, Sherman e colaboradores propuseram uma


derivação jejunoileal, realizando uma junção entre jejuno e íleo distal (extremo). Payne
e DeWind abandonaram a junção jejuno e cólon passando a utilizar procedimento
similar onde faziam a junção de 35 cm de jejuno proximal (central) com os 10 cm finais
do íleo distal de forma latero-terminal. Este procedimento se tornou o padrão na época.

No entanto, a perda ponderal satisfatória não era atingida por 10% dos pacientes, já que
havia o refluxo de nutrientes para o íleo. Foi proposta (Scott e Buchwald) o retorno à
ligação jejunoileal termino-terminal, com a alça jejunal drenando no cólon transverso.
Essa cirurgia preservava a válvula ileocecal, possibilitava a drenagem da alça excluída
no ceco ou no cólon transverso e, era seguida por uma apendicectomia.

O surgimento de procedimentos de melhores resultados, com menos efeitos adversos


colocou em desuso esta técnica. Os resultados apontam que cerca de um terço do peso
inicial foi perdido ou 60% do Excesso de Peso Corporal – EPC, em 80 % dos pacientes.
A reaquisição de peso ocorria em 20% dos pacientes em virtude da adaptação intestinal.
Apesar da boa performance em relação à perda de peso, a utilização dessa técnica está
associada a graves complicações como: fezes líquidas, cirrose, insuficiência hepática e
outras. Há um supercrescimento bacteriano na alça intestinal isolada e a produção de
toxinas pelas bactérias, que caem na circulação.

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A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Figura 1. Derivação jejunoileal.

Fonte: Diniz (2012 p. 15).

Derivação biliopancreática

Face às complicações vivenciadas com as técnicas que estavam disponíveis à época,


novos procedimentos foram utilizados segundo a orientação de não “privar nenhuma
alça do fluxo intestinal”.

Esta técnica realiza uma gastrectomia horizontal parcial, resultando em um reservatório


gástrico proximal com capacidade de cerca de 250 a 500 ml, seguida pelo fechamento
do coto duodenal e jejunotomia a 250 cm da válvula ileocecal. Resumidamente,
realiza-se um grampeamento e secção que reduz o tamanho do estômago a cerca de
10% do volume original. O pequeno novo estômago fica separado do estômago grande,
recebendo somente ele (o pequeno) a alimentação. Após, é realizado um desvio de
trânsito alimentar (bypass ou derivação em Y) diretamente a uma parte distal do
intestino delgado. É a cirurgia de obesidade mais realizada nos dias atuais.

A ação é mista, com restrição da quantidade de alimento ingerido e também disabsorção. O


paciente precisa compreender que a cirurgia é feita para dificultar a entrada do alimento no
estômago, e se adequar a isso através da forma de se alimentar: mastigar exaustivamente
pequenas quantidades de alimento de cada vez. Se não houver esta compreensão, os
episódios de regurgitação e vômitos poderão ser frequentes, levando a possível desnutrição
e baixa qualidade de vida. A estimativa de emagrecimento é de 35 a 45% do peso, ou 70 a
80% do excesso de peso, desde que seja mantido o seguimento multidisciplinar vitalício.

Apesar de prover menos complicações que a anterior, esta técnica está relacionada à diarreia,
flatulência, anemia e outros, sendo uma opção para apenas alguns pacientes superobesos.

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UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

Figura 2. Derivação biliopancreática (Scopinaro).

Fonte: Diniz (2012 p. 15).

Duodenal switch
Posteriormente, houve uma modificação na derivação biliopancreática que por preservar
o piloro, reduziu o desenvolvimento da síndrome de dumping e de úlceras marginais.
Este também foi modificado por Marceau ao qual se credita a criação do duodenal
switch. Trata-se de uma gastrectomia vertical (sleeve) criando um tubo gástrico vertical
na curvatura gástrica menor, preservação do piloro, duodenotomia próximo ao piloro
e anastomose duodenojejunal formando a alça alimentar, em “Y de Roux”. A alça
duodenopancreática é anastomosada à alça alimentar.

Figura 3. Duodenal switch.

Fonte: Diniz (2012 p.17).

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A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Procedimentos mistos
Surgiram na década de 1960 e combinam componentes restritivos e malabsortivos. A
restrição é obtida a partir de um pequeno reservatório gástrico e um pequeno orifício de
saída. O grau de malabsorção é determinado pela extensão da derivação gastrojejunal.

Derivação gástrica em alça

O procedimento consiste em uma gastrectomia horizontal formando uma pequena bolsa


proximal seguida de uma ligação gastrojejunal em alça. O procedimento combina a
restrição gástrica, o que leva à saciedade prematura acrescida da exclusão da passagem
alimentar na maior porção do estômago e do jejuno central. O resultado é a perda de
cerca de metade do excesso de peso corporal.

O procedimento foi abandonado pelo surgimento de novas técnicas por conta das
complicações inerentes como vômitos, úlceras marginais, refluxo biliar, síndrome de
dumping etc. bem como pela sua associação a uma alta incidência de reaquisição de peso.

Derivação gástrica em “Y de Roux” (bypass)

Em 1977, foi proposta uma derivação gástrica onde se dividia o estômago horizontalmente
a partir da confecção de um septo (parede de separação) utilizando-se um grampeador,
o que reduzia a ocorrência de reabertura espontânea (deiscência).

No mesmo ano, um novo procedimento foi introduzido: a derivação gástrica em “Y


de Roux”. Trata-se de uma gastroplastia horizontal seguida de uma anastomose
gastrojejunal em “Y de Roux”. Tinha como vantagem a redução da tensão que ocorria
com a ligação em alça (loop) e eliminava o fluxo biliar para o estômago. Segundo os
introdutores do procedimento, os pacientes teriam obtido perda de peso semelhante
aos obtidos na derivação jejunoileal.

Posteriormente, essa técnica foi modificada com a criação de uma bolsa vertical na
curvatura gástrica menor, região menos sujeita a dilatações. Havia uma drenagem mais
vertical, mas não reduzia a dilatação do estoma de saída (abertura cirúrgica feita no
abdômen para esvaziamento dos intestinos).

Uma nova modificação foi proposta onde se aumentava o comprimento da alça alimentar
para incrementar o componente malabsortivo. Apesar dos avanços obtidos, o problema
com a dilatação da anastomose gastrintestinal permanecia um desafio. Foi utilizado
um anel de silicone em torno da junção de forma a manter o diâmetro, depois fascia
muscular (tecido conjuntivo constituído por fibras de colágeno) como banda. Mais a

13
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

frente, divulgou-se o uso com bandagem, onde uma pequena bolsa gástrica vertical era
formada e um anel de silicone colocado como elemento restritivo. Posteriormente, o
mesmo Fobi, interpôs a alça jejunal, futura alça alimentar, entre o pequeno reservatório
gástrico e a porção excluída do estômago, na tentativa de reduzir a formação de fístula
entre as duas porções desse órgão.

A eficácia deste procedimento já está amplamente demonstrada, o sucesso dependerá não


somente da técnica operatória utilizada, da presença ou não de anel, mas, principalmente,
das mudanças comportamentais dos pacientes.

Derivação gástrica laparoscópica

Segundo Diniz (2012), esta teria sido a maior inovação na área da cirurgia bariátrica.
Em 1994, Wittgrove, Clark e Tremblay divulgaram seus resultados na realização da
Derivação gástrica em “Y de Roux” (DGYR) com bandagem, na qual realizavam a
anastomose gastrointestinal utilizando um grampeador utilizado por via endoscópica.
Em 1999, Torres e Scott introduziram o grampeador intra-abdominal, reduzindo a taxa
de complicações esofágicas. Também em 1999, Higa e colaboradores descreveram a
técnica de anastomose gastrojejunal manual em vez do uso do grampeador.

Ainda segundo Diniz (2012), atualmente, a DGYR por via laparoscópica é o procedimento
bariátrico mais realizado nos Estados Unidos. Esse procedimento, quando comparado
à técnica aberta, permite perda de peso comparável, com a vantagem de menor
incidência de hematomas, infecção, hérnia, formação de aderências, além de menor
tempo de hospitalização e recuperação mais precoce. Apesar do exposto, trata-se de um
procedimento complexo, o qual deve ser realizado por cirurgiões com ampla experiência
na área.

Procedimentos restritivos
São procedimentos com a finalidade de prover perda ponderal por meio da redução do
volume gástrico cuja resultante é o consumo menor nas refeições. As mais utilizadas
são a gastroplastia, a bandagem gástrica e a gastrectomia vertical.

Gastroplastia

Na gastroplastia horizontal, inicialmente, o estômago era dividido em bolsas: uma


pequena superior e uma inferior maior cuja intercomunicação era realizada através de
orifício próximo à curvatura gástrica maior. Todavia, em longo prazo, a perda ponderal
não atendia ao desejado. Entendendo ser a dilatação do orifício, a causa do insucesso,
14
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

uma alteração reforçava o orifício com a utilização de malha de Dracon, mas que
resultou em excessiva fibrose e obstrução gástrica. A malha foi depois, substituída por
uma sutura com polipropileno que, por sua vez, causava erosão gástrica.

Uma última variante foi introduzida por Mason, a gastroplastia vertical com bandagem
(GVB) cujo orifício de saída estava próximo à curvatura gástrica menor, reforçado
com malha anelar de Marlex, posicionada através de uma janela gástrica por meio de
grampeador circular. Por uma década, esse foi o padrão.

Figura 4. Cirurgia de Mason.

Fonte: Diniz (2012, p. 18).

Os resultados, por longo prazo, apontam para perdas em torno de 50% do EPC em
metade dos pacientes. As complicações relacionam-se a vômitos, obstrução por bezoar
(uma espécie de massa ou pedra encontrada no sistema gastrointestinal), quebra de
grampos na linha de sutura, erosão da banda e outras.

Bandagem gástrica

O menos invasivo dos procedimentos restritivos pelo fato de não seccionar o estômago,
grampear e não há anastomoses.

Aplica-se uma banda em volta da porção superior do estômago que fica dividido em
uma bolsa proximal pequena e uma outra distal e maior, separadas por um pequeno
óstio. Foram conduzidas outras intervenções com esse tipo de abordagem com as
seguintes variações: bandagem gástrica não ajustável por meio de cirurgia aberta,
bandagem gástrica ajustável, bandagem gástrica não ajustável por via laparoscópica,

15
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

bandagem gástrica ajustável por via laparoscópica e, em 1999, Cadiére introduziu o uso
da robótica na cirurgia bariátrica.

Figura 5. Banda gástrica ajustável.

Fonte: Diniz (2012, p. 19).

Gastrectomia vertical (Sleeve)

A grande diversidade de resultados e a ocorrência dos “efeitos colaterais” indesejáveis


depois de diferentes tipos de procedimentos bariátricos têm estimulado a pesquisa de
novas alternativas técnicas. Procura-se, também, identificar qual grupo de pacientes
pode ser beneficiado por cada uma delas.

A princípio era um procedimento provisório visando melhorar as condições clínicas


de pacientes de alto risco para complicações pós-operatórias (particularmente
superobesos), até que fosse possível a realização a uma cirurgia definitiva. Atualmente,
essa técnica vem sendo realizada como modalidade terapêutica exclusiva e definitiva
e, não mais como primeiro tempo cirúrgico em pacientes superobesos ou naqueles de
elevado risco operatório.

É um procedimento cirúrgico restritivo no qual grande parte da curvatura maior do


estômago é removida. Pode ser realizado por laparoscopia e se trata de uma gastrectomia
vertical onde ocorre a extração da região fúndica e em torno de 80% do corpo gástrico
onde se cria um reservatório com trânsito vertical e preservação do piloro.

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A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Figura 6. Gastrectomia vertical.

Fonte: Diniz (2012 p. 19).

Vantagens e desvantagens

Este procedimento despertou bastante interesse pelos cirurgiões, provavelmente


pela proposta de não se realizarem ligações nem derivação gastrojejunal. Realiza-se
o procedimento inteiramente na parte superior do abdômen, víscera com relações
anatômicas mais definidas. Existe pouco grau de dificuldade técnica.

As vantagens são:

»» manutenção da absorção intestinal de micronutrientes, o que evita


complicações nutricionais em longo prazo;

»» redução relevante da ocorrência de hérnias;

»» o piloro é reservado e reduz-se a incidência da síndrome de dumping;

»» a acessibilidade ao trato digestório superior e das vias biliares é mantida


para procedimentos endoscópicos;

»» incidência reduzida de complicações pós-operatórias graves;

»» não se utilizam próteses com finalidades restritivas ao redor do estômago.

A desvantagem é irreversibilidade do procedimento devido à retirada da curvatura


gástrica maior.

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UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

Estimulação elétrica do estômago


Valério Cigaina, um cirurgião italiano propôs a utilização de um aparelho (Sistema
Implantável de Estimulação Gástrica) que funciona nos moldes do marca-passo usado
para regular os batimentos do coração. Implantada sob a pele, na região situada logo
abaixo da cintura. Um eletrodo é posicionado na curvatura gástrica menor, entre a
junção gastroesofágica e a “insura angularis” (ângulo formado entre a porção vertical e
a porção horizontal da pequena curvatura gástrica). O marca-passo emite pulsos para
o eletrodo que, provavelmente, alteram de tal modo os movimentos do estômago que o
cérebro é informado de que ele não está vazio. Não há conhecimento de estudos mais
recentes que promovam a utilização deste método.

Figura 7. Estimulação elétrica do estômago.

Fonte: <http://www.multivu.com/players/English/7269351-enteromedics-fda-approval-vbloc-maestro-system-weight-loss-device/
gallery/image/fbc6ddcc-407d-47b4-8ea2-1609ce0e7830.jpg>

Procedimentos intraluminais
A inserção endoscópica de um balão intragástrico para o tratamento da obesidade
mórbida foi proposta por Evan e Scott como um método para a preparação de uma
cirurgia definitiva. As vantagens deste método estavam na ausência de incisões e a
reversibilidade. Como complicações citam-se a ruptura do balão, dor abdominal,
vômitos, ulceração e obstrução gástrica. A técnica tem efeito transitório, apenas um
quarto dos pacientes mantêm perdas acima de 90% do EPC perdido por ano. No reverso
da moeda, parece reduzir as taxas de conversão para cirurgia aberta e de complicações
se utilizado no pré-operatório de superobesos.

18
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Figura 8. Balão intragástrico.

Fonte: Diniz (2012, p. 20).

Um estudo experimental onde uma órtese circular com um orifício central era colocada
no estômago por endoscopia criando um reservatório proximal de 30 a 50 ml. Os
resultados carecem de estudos.

Cirurgia revisional
A obesidade apresenta-se como condição frequente nos consultórios de cirurgiões, o
que corrobora o resultado de estudos apontando o tratamento cirúrgico como mais
eficaz que o clínico.

As técnicas operatórias empregadas são, relativamente, novas e aparentemente ainda em


evolução. Os antigos procedimentos, tidos como boas opções, como o bypass jejunoileal
e a gastroplastia vertical, não são mais admitidos à luz dos novos conhecimentos.
Em adição, mesmo aquelas hoje utilizadas (bypass gástrico em Y de Roux, banda
gástrica ajustável e a gastrectomia vertical – “sleeve”), eventualmente apresentam uma
evolução insatisfatória.

Um novo grupo de procedimentos cirúrgicos vem sendo utilizado. Trata-se de reintervenções


sobre paciente submetido, anteriormente, à cirurgia bariátrica. Esse grupo de procedimentos
pode ser dividido em outros três subgrupos.

Quadro 1. Classificação das reintervenções cirúrgicas em pacientes submetidos a procedimentos bariátricos


prévios.

Subgrupo Conceito
Mudança de uma técnica cirúrgica para outra.
Cirurgia de conversão
Exemplo: banda gástrica para bypass gástrico.

19
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

Subgrupo Conceito

Modificações na cirurgia realizada, mantendo a técnica original.


Cirurgia de revisão
Exemplos: correção de fístula gastrogástrica e reconfecção de anastomose gastrojejunal.

Restauração da anatomia, desfazer a cirurgia primária.


Cirurgia de reversão
Exemplo: restabelecer o trânsito normal após um bypass jejunoileal.

Fonte: Ramos (2012, p. 221).

Quadro 2. Possíveis razões para reintervenções cirúrgicas em pacientes submetidos a procedimentos


bariátricos prévios.

Indicações da
Possíveis causas
reabordagem

Perda insuficiente
Falha
Reganho de peso

Fístula gastrogástrica
Refluxo gastroesofágico severo
Úlcera marginal intratável
Complicações
Estenoses
Complicações do anel
Desnutrição

Fonte: Ramos (2012, p. 221).

Por vezes, torna-se complexa a avaliação de pacientes com falha no resultado da perda
de peso, seja por perda insuficiente ou por reganho de peso. É necessário considerar-se
diversos aspectos pela intervenção de uma equipe multidisciplinar. Para que o resultado
seja adequado, a indicação de nova cirurgia obriga-se muito precisa. Desta forma,
defende-se que, uma vez a existente a falha, o primeiro aspecto a ser investigado é a
existência de uma causa anatômica para o fato.

Quadro 3. Causas de falha na perda de peso nos diversos procedimentos bariátricos

Cirurgia Possíveis causas de falha

Bolsa dilatada
Anastomose gastrojejunal dilatada
Bypass gástrico Perda do anel restritivo
Alça alimentar curta
Fístula gástrica

Abertura da linha de grampo


Gastroplastia vertical
Perda do anel restritivo

Gastrectomia sleeve Tubo gástrico largo

Fonte: Ramos (2012, p. 222).

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A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Figura 9. Fístula gastrogástrica.

Fonte: Ramos (2012, p. 222).

Na existência de falha no resultado e de alguma das falhas anatômicas apresentadas,


é possível fazer a indicação de reintervenção cirúrgica, seja revisional ou mesmo uma
conversão para uma outra técnica.

Figura 10. Bolsa gástrica dilatada.

Fonte: Ramos (2012, p. 224).

A presença de bolsa gástrica ou anastomose gastrojejunal dilatada com consequente


perda da restrição alimentar é uma das causas mais comuns de falha. A literatura
apresenta algumas possibilidades para a abordagem dessa situação.

»» Procedimentos endoscópicos: dados de técnicas endoscópicas para


redução do calibre da anastomose gastrojejunal em pacientes de bypass
gástrico, foram publicados por alguns autores. A maioria desses dados
é conflitante, mostra resultados favoráveis em curto prazo, mas ainda
21
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

sem consistência em médio e longo prazos. Em um futuro próximo, é


provável que a tecnologia desenvolva novos dispositivos que possam
mudar este cenário.

»» Plicatura: Pode-se fazer a redução do volume da bolsa gástrica no


caso do bypass, do tubo gástrico e no caso do sleeve, por meio da
plicatura/invaginação do estômago. É uma técnica que possibilita a
redução volumétrica do estômago operado, sem com isso envolver
grampeamento sobre um tecido já manipulado, o que poderia predispor
à abertura natural de suturas.

Figura 11. Plicatura de um “sleeve”.

Fonte: Ramos (2012, p. 224).

»» Reconfecção da anastomose gastrojejunal: em caso em que esta esteja com


diâmetro muito aumentado, é descrita a possibilidade de reconfecção da
mesma com o diâmetro adequado. No entanto, essa abordagem envolve
um risco maior de complicações por combinar anastomose/grampeamento
em tecidos anteriormente manipulados.

»» Encurtamento do canal comum: alguns estudos levam em consideração


a dificuldade técnica de abordagem do andar superior do abdome, após
um primeiro procedimento e defendem a reabordagem desses pacientes
por meio do aumento da disabsorção. Isso pode ser alcançado partindo-se
da criação de um canal comum mais curto, por meio do alongamento das
alças alimentar ou bilipancreática do bypass gástrico.

Apesar de proporcionar perda de peso significativa, esses procedimentos, geralmente, são


acompanhados de maior incidência de carências nutricionais e só podem ser realizados
em pacientes que possam seguir orientações e acompanhamento dietético rigorosos.

»» Conversão para outra técnica: nos casos de falha do sleeve e da banda


gástrica ajustável, vários autores mostram a conversão para bypass
gástrico como uma boa opção de tratamento.

22
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Outra situação prevista para a realização de reintervenções cirúrgicas em pacientes


previamente operados é o tratamento das complicações.

A fístula gastrogástrica (comunicação anormal da bolsa gástrica com o estômago excluso)


apresenta-se como uma causa frequente de reabordagem cirúrgica em pós operatório
de bypass gástrico. Pode estar associada ao reganho de peso e ao surgimento de úlceras
marginais de difícil tratamento. Há trabalhos que procuram tratar essa condição com
a utilização de técnicas endoscópicas, mas apesar dos sucessos iniciais existe alta taxa
de recidiva. O tratamento mais efetivo ainda é o cirúrgico, normalmente partindo-se da
secção da comunicação anormal, associado ou não à gastrectomia do estômago excluso.

Figura 12. Secção de fístula gastrogástrica.

Fonte: Ramos (2012, p. 225).

O tratamento por via endoscópica, neste caso, poderia ser:

»» Estenostomia, septoplastia e/ou dilatação com balão, que são meios


minimamente invasivos e eficazes na resolução do estreitamento gástrico,
considerado a causa principal de perpetuação da fístula. Inicia-se com
balão de 20mm seguido de 30mm, podendo ser necessária a associação
com estenostomia (estreitamento) e/ou septoplastia para a secção de
áreas de fibrose. Quando há dificuldade de esvaziamento devido ao anel
na bolsa gástrica, pode-se indicar dilatação com balão de 30mm para se
promover a ruptura do fio e abertura do anel.

»» Prótese plástica autoexpansível, indicada quando o diâmetro da fístula é


maior que 1 cm.

A ocorrência de refluxo gastroesofágico grave é uma complicação que pode ser


encontrada em pacientes submetidos à gastrectomia sleeve. Em alguns casos, mesmo
o melhor tratamento clínico não atinge bons resultados e, a melhor opção parece ser a
conversão para bypass gástrico.
23
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

Apesar do sucesso do tratamento endoscópico para se tratar a estenose de anastomose


gastrojejunal e para as complicações do anel (estreitamento, deslizamento e erosão),
em alguns casos pode ser necessária a reintervenção cirúrgica. Nestas situações, o
procedimento cirúrgico é direcionado para a complicação associada, geralmente, a
retirada do anel ou reconfecção da anastomose gastrojejunal.

Um último grupo seria o daqueles pacientes que desenvolvem desnutrição decorrente


da cirurgia inicial. Comum em cirurgias disabsortivas, como o bypass jejunoileal,
atualmente em desuso e, as derivações bilipancreáticas. Para esses, é preconizada a
reversão da cirurgia com a reconstrução da continuidade intestinal o mais próximo
possível da anatomia normal.

Histórico no Brasil
Por anos seguidos, desnutrição e mortalidade infantil estiveram na pauta das autoridades
em detrimento do tratamento da obesidade e de suas consequências. Provavelmente
pela inexistência de dados estatísticos e estudos de implicações econômicas em saúde,
o país vê-se, repentinamente, com um avanço imenso no número de obesos e na
incidência de doenças a ela associadas.

A obesidade é um grave problema de saúde pública além de fator de risco para


inúmeras patologias. Sua causa é consequência de vários fatores, tendo na base os
fatores genéticos acrescentados ao consumo de alimentos altamente calóricos e mais
industrializados, ao ambiente atual de competitividade e sedentarismo e, aos fatores
ambientais e psicológicos.

A Sociedade Brasileira de Cirurgia e Bariátrica e Metabólica (SBCBM), utilizando


ações diretas e indiretas, já vinha alertando sobre esse crescimento e sobre as doenças
crônicas decorrentes desta. A sugestão para as autoridades consistia de prover verbas
para a prevenção, diagnóstico e tratamento dessa doença. Para que fosse definida uma
estratégia na elaboração de políticas de saúde que fizessem o controle da obesidade e,
em adição, obter resultados eficazes, sem que isso viesse a implicar em prejuízo aos
programas já vigentes sobre doenças clássicas. Julgava necessário que fosse realizado
um levantamento na população, para que se tivesse uma avaliação e quantificação da
ocorrência, dos hábitos e atitudes que implicassem em predisposição ao excesso de
peso e, mais relevante, os custos sociais dessa doença no país.

A Sociedade Brasileira de Cirurgia e Bariátrica e Metabólica dirigiu, com abrangência


nacional, um levantamento por amostragem, sobre a penetração, os hábitos alimentares,
qualidade de vida e o impacto socioeconômico da obesidade em nosso país.

24
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Considerando-se o crescimento acelerado da obesidade em países em desenvolvimento


e, o envelhecimento populacional consequência da baixa natalidade, baixa mortalidade
infantil e aumento da expectativa de vida, presume-se que por volta de 2020 as doenças
crônicas relacionadas à obesidade terão atingido um patamar que supera ao observado
nos mesmos países 50 anos atrás. Isto se verifica pelo crescimento dessas doenças onde
a doença cardiovascular já é a principal causa de mortalidade. O mesmo se verifica
com relação ao diabetes tipo 2, que já acomete mais de 20 milhões de brasileiros e
deve dobrar. Em 2020, estima-se a responsabilidade dessas doenças em dois terços
da mortalidade em todo o mundo e que 70% dessas mortes, motivadas por diabetes e
doença cardiovascular.

No Brasil, dados do IBGE (2010) apontam uma população de 190,7 milhões de


habitantes. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, utilizando
pesquisa de amostragem com 4,223 indivíduos (2007) nas cinco regiões brasileiras,
estima que 51% das mulheres e 50% dos homens apresentam sobrepeso, enquanto 14%
das mulheres e 11% dos homens são obesos. Obesos mórbidos representam 4% das
mulheres e 2% dos homens.

Em números absolutos, o país contava com aproximadamente 65 milhões de indivíduos


com sobrepeso, 14 milhões de obesos e 4 milhões de obesos mórbidos (Hoje, somos
mais de 200 milhões e mais da metade dos brasileiros está acima do peso e destes,
17,5% são obesos).

Outro dado alarmante é relacionado à faixa etária dos pacientes com sobrepeso.
Neste grupo, os adultos jovens (18 - 25 anos) são os que apresentam maior crescimento
nos últimos anos, representando 66% dos indivíduos com sobrepeso e 0,4% dos obesos
mórbidos. Considerando-se os últimos 30 anos, houve um crescimento de 13 vezes
da população obesa é assustador. Seguindo esses passos, seremos em breve, um país
de obesos.

Mas isso não é uma prerrogativa nossa. Em países em desenvolvimento, o crescimento


da prevalência da obesidade pode ser observado a partir dos dados publicados por Berti
(2012). Nesse estudo populacional realizado em diversos países, observou-se um aumento
médio da prevalência de obesos nos últimos dez anos de 2,3 para 19,6%. Nos Estados
Unidos, 34% da população é formada por obesos. Se forem considerados indivíduos com
sobrepeso e obesos, ambos respondem por 68% da população. Em números absolutos,
aproximadamente 134 milhões de norte-americanos apresentam sobrepeso, 64 milhões
são obesos e 15 milhões obesos mórbidos (dados de 2012).

Ao considerar o impacto socioeconômico, a redução da qualidade de vida, ausência


do trabalho, uso de serviços de saúde e de medicamentos são verificados, em maior

25
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

frequência, em indivíduos obesos. Existe uma relação inversamente proporcional entre


o IMC, atividade física e produtividade. Todos esses fatores contribuindo para um
aumento dos gastos pessoais e do sistema de saúde.

A história da cirurgia bariátrica no Brasil começa na década de 1970 com os trabalhos


iniciais do cirurgião da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) Salomão Chaib
utilizando técnicas de derivações jejunoileais do tipo Payne (1969). Apesar de no início
os resultados terem sido desanimadores, com problemas de segurança para pacientes
e resultados limitados, médicos e cirurgiões da FMUSP mantiveram pesquisas e
acompanharam as principais tendências internacionais da especialidade, trilhando um
caminho aberto na década de 1980 por Edward Mason, cirurgião americano considerado
um dos pais da cirurgia bariátrica e um dos fundadores da Sociedade Americana de
Cirurgia Bariátrica e Metabólica – ele foi o primeiro a introduzir o conceito de restrição
gástrica, que levou ao desenvolvimento de técnicas como o bypass gástrico, gastroplastia
horizontal e gastroplastia vertical com anel de polipropileno.

Na década de 1990, utilizando a técnica de Mason, o prof. Artur Belarmino inovou ao


usar o ligamento redondo do fígado no lugar da tela. Em decorrência dos resultados
promissores obtidos e, visualizando a necessidade da participação de outros centros
nessa área de atuação, ele convidou médicos do hoje Instituto Alfa de Gastroenterologia
do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, a formar um grupo
multidisciplinar que se dedicasse ao tratamento dessa grave condição. O grupo foi
criado com a participação de cirurgiões, endocrinologistas, psicólogos e nutrólogos.
Atualmente novas técnicas e abordagens surgem para o tratamento cirúrgico da
obesidade grave e de doenças metabólicas, mesmo quando não há acúmulo acentuado
de tecido gorduroso no organismo. O entendimento ampliado dos reflexos das
intervenções no tubo digestivo nos mecanismos neuro-humorais tem estimulado novas
ideias, ainda em comprovação científica.

A visão multidisciplinar também ganhou maior relevância: o entendimento que o tratamento


cirúrgico é muito mais do que operar permite a maior participação de nutricionistas,
nutrólogos, psicólogos, psiquiatras, educadores físicos e outros profissionais da saúde.
Essa atuação conjunta evita complicações cirúrgicas imediatas e tardias, obtém resultados
satisfatórios e abre caminho para o treinamento mais qualificado da equipe cirúrgica.

Na atualidade, ocupamos o segundo lugar, em termos mundiais, em procedimentos


laparoscópicos, endoluminares e metabólicos.

Avaliação psicológica para cirurgia bariátrica: práticas atuais. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202014000600059&lng
=pt&tlng=pt>. Acesso em: 19 out. 2016.

26
CAPÍTULO 2
Quando a obesidade é caso cirúrgico

Segundo Teixeira (2012), a Organização Mundial de Saúde (OMS) avalia que,


aproximadamente, 300 mil pessoas venham a óbito, por ano, como consequência de
complicações originadas pela obesidade. Esta enfermidade é crônica e se acompanha
por outras comorbidades, causadas pela sobrecarga excessiva de gordura em uma
quantidade tal que compromete a saúde.

Entre essas comorbidades mais encontradas, apontamos o diabetes mellitus, a


hipertensão arterial, ao aumento de lipídeos no sangue (dislipidemias), cardiopatias,
artropatias, apneia obstrutiva do sono e o acréscimo da incidência de alguns tipos
de carcinoma e dos índices de mortalidade. Em contrapartida, a obesidade mórbida
espalhou-se por todo o mundo e, a redução do estômago surgiu como uma forma eficaz
para lidar com o problema.

Obesos podem ampliar o tempo de vida reduzindo seu peso. No entanto, se por um lado
a cirurgia bariátrica possa resultar em uma redução de peso por um longo período de
tempo é, essencialmente, um procedimento cirúrgico que trás consigo, todos os riscos
destas, durante e depois, da intervenção.

Então, nem todo obeso é um candidato certo para uma cirurgia. O tratamento cirúrgico é
indicado para aqueles pacientes classificados com obesidade mórbida (IMC > 35 kg/m²)
que tenham comorbidades ou aqueles com IMC > 40 kg/m², independentemente da
existência ou não de comorbidades.

Tomando-se esses índices e atenuando-se as condições adversas (risco anestésico


classificado como ASA IV e hipertensão portal com varizes esofagogástricas), a obesidade
estaria indicada para o tratamento via cirurgia. Apenas nesses casos é que se pode fazer
o cálculo preciso de que os benefícios suplantam os riscos.

Assim como do lado da avaliação clínica existem índices que corroboram para a
indicação bariátrica como tratamento que pode minimizar o risco de vida do obeso
mórbido, do lado da avaliação psicológica, também devem ser procurados parâmetros
subjetivos que contribuam para a indicação cirúrgica.

O comer para viver é capaz de se transformar em comer para morrer. Diversos estudos
são realizados nesta área e são diversas as posturas para a elucidação desse
comportamento. Realizam-se pesquisas preocupando-se com a casualidade deste e

27
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

os fatores que determinam a conduta alimentar. Busca-se como, ao longo da história


do indivíduo, se organiza à maneira de lidar com o alimento e que tipo de alteração
nesse processo, poderia induzir à falta de controle do comportamento alimentar.
É ampla a literatura psicológica nessa área, entendendo o comportamento alimentar
como produto do hábito, o que quer dizer, do aprendizado ou como uma maneira de
defesa psicológica.

A psicologia comportamental entende o procedimento alimentar como sendo produto


de um aprendizado: o comportamento se repete conquanto reforçado pelos resultados
que produz.

Matos (2006), por meio dessa postura teórica, faz uma análise funcional do
comportamento, estudando as condições antecedentes e consequentes que afetam
esse comportamento. O autor vê, no excesso alimentar, um problema de autocontrole,
mediado por estímulos negativos ou aversivos tardios, que nem sempre são
discriminados pelo indivíduo. Outros entendem que o que, o quanto e o modo como
o indivíduo come, dependem do que aprendeu na família e na sociedade e, outros
ainda, que o ato de comer vai além das necessidades biológicas de sobrevivência.
A comida e o afeto se combinam desde o primeiro momento em que a mãe alimenta
seu filho e com isso, sugerem que a origem do significado do comer encontra-se nas
experiências infantis.

A comida não se destina apenas, a suprir uma necessidade biológica, mas sim como
uma resposta às tensões emocionais. O alimento é considerado uma gratificação
substituta, um equivalente de afeto, compensação ou recompensa e, sua ausência pode
ser considerada uma punição, abandono ou rejeição.

O comer em excesso poderia representar um mecanismo de defesa, forma de


aplacar essa angústia ou para fazer frente a sentimentos de inadequação pessoal.
O comportamento alimentar inadequado apontaria para um sintoma manifesto de uma
psicopatologia latente.

O Manual Diagnóstico e Estatístico da American Psychiatric Association, define os


Transtornos Alimentares como severas perturbações no comportamento alimentar.
Os mais específicos são: Anorexia Nervosa (AN) e Bulimia Nervosa (BN). O Transtorno
da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) constitui atualmente, uma nova categoria
de transtornos alimentares. Aqueles transtornos que não atendem os critérios para um
transtorno alimentar específico são colocados na categoria de Transtorno Alimentar
Sem Outra Especificação.

28
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Figura 13. Pré-operatório.

Fonte: Da Costa (2012, p. 194).

Figura 14. Pós-operatório.

Fonte: Da Costa (2012, p. 194).

O diagnóstico de compulsão alimentar é feito quando o indivíduo informa ingestão em


curto intervalo de tempo (cerca de 2 horas ou menos) de uma quantidade de alimento
maior do que a maioria das pessoas consumiria neste mesmo intervalo de tempo.

29
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

Concomitantemente, surge um sentimento de perda sobre esse episódio; o indivíduo


não consegue parar de comer ou controlar o que ou quanto come. Essa é a síndrome
parcial da Compulsão Alimentar Periódica (CAP).

Já o diagnóstico do TCAP, quando a frequência desses episódios é de, pelo menos, dois
dias por semana durante seis meses, quando há intensa angústia relativa aos episódios
e três ou mais dos critérios que seguem:

»» comer muito mais rápido do que o usual;

»» comer até se sentir mal;

»» comer grandes quantidades de comida sem estar fisicamente com fome;

»» comer sozinho por conta da vergonha pela quantidade que ingere e sentir-se
aborrecido, culpado ou deprimido ao final.

Normalmente, O TCAP provoca oscilações repetidas de peso corporal, deixando os


indivíduos além do peso saudável. Acomete indivíduos de qualquer raça, distribuindo-se
entre os sexos na proporção de três mulheres para cada dois homens, aproximadamente.
Geralmente, inicia-se no final da adolescência.

Está diretamente relacionado a comer uma quantidade maior do que seria normal
ou em excesso e conduz, diretamente, ao aumento de peso. É o transtorno que mais
leva à condição de obesidade. Em adição, na esfera psíquica, apresentam-se várias
características da fobia social, do retraimento social, dos transtornos de ansiedade e
humor, com a depressão atípica e do transtorno dismórfico corporal. Este comportamento
alimentar, em casos radicais, pode levar a óbito.

O comportamento de “beliscar” o dia inteiro pequenas quantidades de alimentos é um


comportamento não saudável que provoca oscilações no peso corporal. Existem outros
comportamentos como desejo, fissura por algum alimento específico, lanchinhos entre
refeições, mas não se encaixam em um transtorno alimentar específico.

A Síndrome do Comer Noturno – SCN (foi descrita por Stunkard, em 1955). Anorexia pela
manhã, hiperfagia durante a noite e insônia formam o triângulo originalmente descrito.
Inclui também, na descrição, a presença de estresse como característica central e
associou o transtorno à dificuldade dos pacientes obesos em perder peso.

A relevância clínica da síndrome do comer noturno é mais um fator representativo no


fracasso no tratamento da obesidade. Ela é mais comum entre obesos e ocupa índices
ainda mais altos conforme a gravidade da obesidade.

30
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Com relação aos aspectos comportamentais e padrão alimentar, os comedores noturnos


parecem representar uma classe com características próprias. Matos (2012) redefiniu
os critérios de SCN e determinou que 50% ou mais do consumo calórico diário ocorrem
após as 9 horas. Posteriormente, referiu anorexia pela manhã e hiperfagia à noite como
principais sintomas; a insônia foi incluída como critério, porém ocupa lugar menos
relevante no diagnóstico.

O estresse deixou de ser objeto de estudo em publicações seguintes até que Rand e
colaboradores propuseram que, além da alimentação excessiva à noite e falta de apetite
pela manhã e insônia, fosse incluído sentimento de tensão ou tristeza à noite como
critério diagnóstico. A SCN parece representar um novo transtorno a ser inserido nos
transtornos alimentares não especificados, ainda com critérios não bem definidos.

O estudo realizado, em 1999, por Matos (2006) contribuiu para que o quadro
psicopatológico, presente na SCNH, fosse melhor sistematizado. Ele observou que o
início do comer noturno acontece após a última refeição do dia, o jantar e, sugeriu os
seguintes critérios diagnósticos para a SCN:

»» anorexia pela manhã, ainda que a pessoas se alimente no café da manhã;

»» hiperfagia à noite, pelo menos 50% do consumo calórico diário ocorrem


após a última refeição do dia;

»» pelo menos um despertar à noite;

»» esses critérios são preenchidos por pelo menos, três meses;

»» a pessoa não apresenta BN nem TCAP.

Os transtornos de alimentação vistos pela primeira vez durante a infância são: pica,
transtorno de ruminação e transtornos de alimentação da infância.

O Transtorno Emocional da Recusa Alimentar surge durante a infância. A recusa


alimentar e o baixo peso, sem que se apresentem o medo de engordar e as distorções
da imagem corporal são características do núcleo desse transtorno. Os sintomas
alimentares parecem ser o elemento central de um transtorno emocional primário, que
é acompanhado, frequentemente, de sintomas afetivos e ansiosos. Doenças físicas que
não têm relação com a alimentação também são comuns e, a recusa alimentar parece
representar a resposta emocional da criança à situação de doença.

A expressão que se aplica para caracterizar crianças que se limitam a comer somente
uma gama muito restrita de alimentos e resistem intensamente a qualquer tentativa de
ampliar seu cardápio é Seletividade Alimentar. É uma dieta que, normalmente, abusa

31
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

da porcentagem de carboidratos como pães, pizza e batatas fritas e, ainda, podem se


restringir a algumas marcas e a forma como os alimentos são preparados. É curioso,
no entanto, que tais crianças não costumam apresentar crescimento retardado ou
baixo peso. A busca pelo tratamento será desencadeada pela imposição das atividades
sociais que criam dificuldades como, por exemplo, dormir na casa de amigos que vêm
acompanhadas de comer outros alimentos etc.

Quando a recusa alimentar relaciona-se ao medo de engolir, engasgar e vomitar, sem


que com isso haja a preocupação com o peso, estamos diante da Disfagia Funcional.
Casos há, onde existem situações traumáticas que atuam como gatilhos, como experiências
dolorosas de exames de endoscopia ou engasgos prévios.

O transtorno de pica apresenta-se como à ingestão voluntária de substâncias sem teor


nutritivo como terra, tijolo, tinta, cabelo, fezes de outros animais, areia, insetos, folhas
ou pedras. No entanto, não há aversão à comida. Para se efetuar um diagnóstico, é
preciso se avaliar se se trata de comportamento inadequado para o desenvolvimento da
criança. Neste caso, a procura pelo tratamento ocorrerá, normalmente, impelida pela
na ocorrência de complicações clínicas resultantes do sintoma alimentar, por exemplo,
envenenamento, perfuração intestinal e verminoses. Não existem informações sobre o
predomínio de pica, no entanto, ela é mais frequente em crianças pré-escolares e pode
estar associada a um retardo mental.

Um quadro raro é o da ruminação, cuja característica marcante é a regurgitação repetida


do alimento e, frequentemente, sua reingestão. Não há uma causa orgânica subjacente
aos sintomas. É mais comum em bebês, mas pode ser observado em crianças mais
velhas, especialmente, aquelas com retardo mental. Em geral, os sintomas remitem
espontaneamente em bebês, mas em casos graves pode ocorrer desnutrição severa.

Existem instrumentos que são utilizados na avaliação dos transtornos alimentares.


Algumas entrevistas estruturadas são: a Clinical Eating Disorders Rating Instrument
(CEDRI), a Eating Disorder Examination (EDE), a Interview for Diagnosis of Eating
Disorders (IDED) e a Structured Interview for Anorexia and Bulimia Nervosa (SIAB).
As entrevistas semiestruturadas, os diários alimentares e os instrumentos atualizados
são os métodos mais comuns de avaliação. O Eating Disorder Examination (EDE)
constitui hoje, o padrão ouro entre as anamneses diagnósticas e apresenta-se sensível
às mudanças de tratamento e aos efeitos de tratamento psicológico.

Para o diagnóstico e, ao longo do tratamento na abordagem cognitivo-comportamental,


os instrumentos utilizados são os diários alimentares. Para a seleção da presença ou
da gravidade dos sintomas alimentares, aplicam-se os questionários de autoaplicação.
Atendem também, na identificação dos problemas que merecem maior ênfase durante

32
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

o tratamento e, podem ser aplicados várias vezes durante o tratamento permitindo a


medição do progresso dos pacientes.

Exemplos de questionários são: o Eating Attitudes Test (EAT) e o Eating Disorder


Inventory (EDI), o primeiro com versão em português de Nunes et al. (1994). Já os
específicos para a bulimia são: o Bulimia-test e o Bulimic Investigatory Test Edinburgh,
com versão em português de Cordás. O Body-Self Relations Questionnaire (BSRQ), o
Body Shape Questionnaire (BSQ) e o Body Image Avoidance Questionnaire (BIAQ),
medem a preocupação com a imagem corporal advinda dos transtornos alimentares.

Um dos instrumentos mais completos e utilizados nas pesquisas é o Questionnaire


on Eating and Weight Patterns – Revised (QEWP-R) de Spitzer e colaboradores.
Esse questionário diagnostica episódios de Compulsão Alimentar (CAP), o Transtorno
da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP e a Bulimia Nervosa, especificando se é
do tipo purgativa ou sem purgação). É um instrumento composto por vinte e oito
questões, cada uma contendo diversas alternativas que indicam diferentes níveis
de comportamentos relacionados à CAP. Essas questões se reportam a dados
demográficos, altura, peso, efeito sanfona, frequência e duração de episódios do
comer compulsivo, desconforto emocional relacionado aos episódios e mecanismos
de compensação para o ganho de peso.

A bulimia nervosa, inicialmente, se parece ao TCAP, ocorrem episódios frequentes


de compulsão periódica, vivenciados com o sentimento de falta de controle sobre os
mesmos. A diferença é que são seguidos por comportamento compensatório inadequado
e recorrente, objetivando prevenir o aumento de peso. A indução ao vômito e a utilização
indevida de laxantes, diuréticos, enemas ou outros medicamentos que caracterizam a
bulimia do tipo sem purgação. Esta compulsão periódica acontece em intervalos de,
pelo menos, duas vezes por semana, por um período de três meses.

A forma e peso do corpo influenciam, indevidamente, a autoavaliação. Indivíduos


com bulimia são mais preocupados com o peso e, normalmente, se mantêm dentro
dos limites da normalidade. Esta ocorre ao final da adolescência ou no início da idade
adulta, afetando mais a mulheres que homens.

A anorexia nervosa caracteriza-se pela recusa em manter o peso corporal compatível


ou acima do mínimo normal à idade e à altura. Ocorre um medo imenso de se ganhar
peso ou de se tornar gordo, ainda que se estando com peso abaixo do normal. Há uma
perturbação na maneira de vivenciar o peso ou a forma do corpo, influência devida do
peso ou da forma do corpo sobre a autoavaliação ou negação do baixo peso corporal
atual. A anorexia pode ser do tipo restritivo, caracterizada pelo não envolvimento regular
do indivíduo em comportamento de comer compulsivamente ou de purgação. A outra

33
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

forma, compulsão periódica/purgativo, quando o indivíduo se envolve, regularmente,


em um comportamento de comer compulsivamente ou de purgação, frequente em
mulheres e iniciando na adolescência, de 14 aos 18 anos.

A anorexia nervosa tem uma história antiga. As mulheres queimadas como bruxas, na
Idade Média, e as candidatas a santas do mesmo período, são algumas das primeiras
versões das anoréticas. Em comum, hereges e religiosas tinham o gosto pelo martírio
e pela autopunição para ganhar o reino dos céus ou obter alguma aprovação social.
A literatura médica registra a primeira descrição de anorexia nervosa como doença e,
desde o início, relacionada a conflitos emocionais e à dinâmica familiar.

O transtorno está, dessa forma, ligado ao comer uma quantidade mínima ou, em casos mais
sérios, a recusa total em comer. São diversas as condições médicas associadas à anorexia,
tais como: amenorreia, anemia, prejuízo da função renal, problemas cardiovasculares,
problemas dentários e osteoporose. Na área psíquica, existem várias características da
fobia social, do transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno dismórfico corporal.

Tabela 1. Classificação da obesidade em adultos de acordo com o IMC.

Classificação IMC (kg/m²) Risco de comorbidades


Baixo peso < 18,5 Baixo
Peso normal 18,5 - 24,9 Médio
Sobrepeso 25,0 - 29,9 Aumentado
Obesidade grau I 30,0 - 34,9 Moderado
Obesidade grau II 35,0 - 39,9 Grave
Obesidade grau III ≥ 40,0 Muito grave

Fonte: Diniz (2012, p. 57).

Esses parâmetros subjetivos são importantes porque, tanto fundamentam o conjunto


de condutas e cuidados psicológicos que devem ser incluídos no preparo pré-operatório,
quanto delimitam um tratamento possível de patologias psíquicas que possam
comprometer a segurança e os resultados das cirurgias bariátricas. O objetivo principal
da avaliação psicológica é, portanto, otimizar os efeitos da cirurgia bariátrica na vida de
um obeso mórbido.

Teixeira (2012) aponta ainda, que a obesidade mórbida é uma enfermidade crônica
e, ao mesmo tempo, uma enfermidade psíquica. Vários órgãos do corpo sofrem
conjuntamente ao excesso de peso. Mas o sujeito que tem obesidade mórbida também
sofre: sua autoestima pode estar comprometida, seu amor próprio pode estar anulado,
sua vida sexual pode estar limitada, sua capacidade laboral pode estar comprometida,
o que, na maioria das vezes, o exclui do mercado de trabalho. Invariavelmente, tomado
como objeto de gozação e de bullying, vive isolado e segregado do laço social. Por tudo

34
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

isso, ele pode experimentar a perda do sentido de viver e padecer de profunda tristeza
de matiz melancólico.

A cirurgia bariátrica é uma das modernas técnicas para o tratamento da obesidade com
fins de emagrecimento, em especial quando se trata da obesidade mórbida. Apesar dos
resultados obtidos com essas técnicas se mostrarem bastante eficazes na maioria dos
casos observados, em contrapartida, apresenta-se um novo tipo de problema para os
pacientes: o emagrecimento repentino trazendo consigo alterações psicológicas, após
a cirurgia. Quadros como depressão, ansiedade, alcoolismo entre outros, estão sendo
observados em muitos dos casos e, por representarem um agente novo, ainda não se
dispõem de instrumentos com os quais se possa mensurá-las.

Não é desconhecido que, por vezes, existe uma associação entre obesidade e alterações
psiquiátricas, chegando a representar 50% dos pacientes obesos mórbidos e estar
ligada a maior dificuldade nos relacionamentos interpessoais. Igualmente, já é de
conhecimento que entre as contraindicações à realização da cirurgia bariátrica estão a
psicose em atividade, o uso constante de álcool e drogas, uma rotina caótica e a falta de
habilidade em cooperar com o tratamento pós-cirúrgico.

Em contrapartida, estudos revelaram casos em que houve a minimização de traços


do caráter oral. Como dependência, submissão e ignorância concomitantes com um
aumento em traços e comportamentos obsessivos. Na verdade, os fatores estéticos são
os que predominam nas opções por esse tipo de intervenção, aliados a preconceitos de
serem os pacientes obesos, mais fragilizados e criticados socialmente.

Tabela 2. Classificação ASA – American Society of Anesthesiologist.

Classe Estado do paciente


ASA I Sem alterações fisiológicas ou orgânicas, processo patológico.

ASA II Alteração sistêmica leve ou moderada relacionada com patologia cirúrgica ou enfermidade geral.

ASA III Alteração sistêmica intensa relacionada com patologia cirúrgica ou enfermidade geral.

ASA IV Distúrbio sistêmico grave que coloca em risco a vida do paciente.

ASA V Paciente moribundo que não é esperado que sobreviva sem a operação.

ASA VI Paciente com morte cerebral declarada, cujos órgãos estão sendo removidos com propósitos de doação.

Fonte: <http://clinicamedicarquivo.blogspot.com.br/2004/07/classificao-asa-american-society-of.html>

Algumas comorbidades psicopatológicas acompanham, quase necessariamente, a


obesidade mórbida, a saber: transtornos do humor, estados depressivos, fobia social
e transtornos alimentares. Outras comorbidades podem acompanhar a obesidade
mórbida, mas não necessariamente, tais como alcoolismo, toxicomanias, esquizofrenia,
depressão e transtorno bipolar.

35
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

Assim como um sujeito neurótico pode, nos dias de hoje, servir-se da compulsão alimentar
que leva à obesidade mórbida para os propósitos de sua neurose, um indivíduo psicótico
também está sujeito a ter obesidade mórbida, dependendo de como a compulsão alimentar
e a deformação da imagem corporal se inscreveram no processo psicótico.

Estando o quadro psiquiátrico sob controle, ainda que esteja a psicose desencadeada,
esta não pode ser considerada uma contraindicação sumária ao tratamento da obesidade
pela cirurgia bariátrica. Assim, uma avaliação pormenorizada do quadro psíquico é
imprescindível para a decisão se o equilíbrio psíquico do sujeito será colocado em risco
pelos efeitos modificadores, na imagem corporal, causadas pela intervenção.

É possível se dizer que uma limitação intelectual significativa, em pacientes sem suporte
familiar adequado, quadros de toxicomania e psiquiátricos que tornem limitada a adesão
ao tratamento antiobesidade. Falou-se do ponto de vista psicológico e, como exemplo
pode-se apontar o caso em que a psicose iria contraindicar a cirurgia se a interferência
no real do corpo, necessariamente retirasse a defesa configurada pela obesidade.

Teixeira (2012) reforça que se a obesidade estiver funcionando como uma espécie de eu
ideal do sujeito psicótico, abortar a chance desse corpo seguir sendo obeso poderia, muito
provavelmente, causar perturbações ainda mais graves, como a perda da realidade, a
perda do sentimento de unidade corporal, a decomposição do eu e a desorganização
do pensamento. Nessas condições piores, o sujeito é invadido por um tormento que se
derrama por todo o corpo e desencadeia fenômenos de ideação delirante, delírios de
perseguição, vivências de estranhamento quanto ao próprio corpo que podem chegar
a automutilações e ao suicídio ou ainda, desencadear vivências de corpo fragmentado
típicas da esquizofrenia.

Quando as defesas de um sujeito contra o mal-estar na civilização estão assentadas


na obesidade mórbida, é importante delimitar questões preliminares ao tratamento
possível via cirurgia bariátrica. Para tanto, é necessário compreender o que é a obesidade
mórbida em termos psíquicos.

36
CAPÍTULO 3
Cirurgia bariátrica:
acompanhamento clínico

Avaliação clínica
Para se avaliar um paciente obeso, é necessário que se compreenda o meio em
que o paciente se insere e como o processo de ganhar peso teve início. Por que o
paciente vem procurar ajuda? Quais as suas expectativas sobre o tratamento e seu
compromisso em comparecer às consultas? As respostas serão consideradas ao se
indicar o tratamento cirúrgico, pois se houver sinal que o comparecimento não poderá
se fazer adequadamente, implicará em uma contraindicação à cirurgia bariátrica.

Quando o endocrinologista é procurado para uma avaliação pré-operatória, muitos


dos pacientes já tiveram sua avaliação realizada por outros profissionais e, é muito
provável que já tenham passado por diversas tentativas decepcionantes. Sendo assim,
o procedimento é acolher o indivíduo e oferecer ajuda, conquistar sua confiança e
resgatar sua autoestima.

O início da obesidade deve ser ouvido e abordado detalhadamente fazendo-se o registro


se ocorreu na infância, na adolescência, após a gestação ou após algum trauma bem
como, o tempo de duração da doença, que se for menor que dois anos, é outro fator
de contraindicação à cirurgia. Relatos sobre medicação utilizada, por quanto tempo,
devem ser solicitados.

O exame físico deve ser minucioso atentando-se para as comorbidades já relatadas na


anamnese e as possíveis associações com o grau de obesidade que ainda não foram
diagnosticadas.

O IMC apresenta algumas discordâncias quando usado isoladamente como


parâmetro para definir a obesidade. Sua limitação deve-se ao fato que ao quantificar
a massa corporal, não distingue a massa gordurosa daquela magra. O índice também,
não considera a distribuição corporal da gordura, que é relevante na avaliação
do sobrepeso, visto que a gordura visceral é fator de risco potencial para doença
cardiovascular.

A circunferência abdominal é usada em todo o mundo e a medição é feita com o paciente


de pé, ereto e desnudo, sem sapatos e se faz no ponto médio e a crista ilíaca. Os cortes
mais usados para a circunferência abdominal que apontam para um maior risco ao
37
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

desenvolvimento de alterações metabólicas são maior que 102 cm para homens e que
88 cm para mulheres. Para o quadril, toma-se o seu maior diâmetro na região glútea e
as medidas de corte são 0,9 para homens e 0,85 para mulheres.

A perda de peso, como pré-requisito à realização da cirurgia, deve corresponder a, pelo


menos, 10% do peso corporal. Estudos revelam que, quando atendido esse requisito,
houve a redução do risco operatório e a redução da frequência de complicações no
pós-operatório.

Avaliação dos fatores de risco


Segundo Ferraz e Filho (2012, p. 71), a escolha de um procedimento cirúrgico implica
uma avaliação pré-operatória completa realizada por uma equipe multiprofissional que
prepara o paciente analisando suas morbidades e riscos. O processo de avaliação deve
ser rigoroso, incluindo anamnese, exames laboratoriais, endoscópico e de imagem,
além de avaliação multidisciplinar.

O resultado deve identificar os fatores pré-operatórios que possam elevar a


morbimortalidade no pós-operatório. Observam-se, ao longo dos anos, algumas
condições que são desfavoráveis para uma boa evolução. A literatura traz também,
alguns estudos que identificam fatores de risco que contribuem para a elevação das
taxas de complicação e óbito cirúrgico.

O National Bariatric Surgery Registry, em 1990, identificou maior risco de complicação


nos pacientes mais velhos, com maior IMC e do sexo masculino, concluindo também,
que as cirurgias mais complexas apresentam maior risco de fístula e óbito.

O excesso de peso, o sexo masculino e a idade avançada são exemplos de fatores de risco
clássicos, embora outros venham sendo apontados. Evidências apontam que o sexo
masculino associa-se ao maior peso e altura, taxas mais elevadas de glicemia de jejum,
hemoglobina glicosilada e triglicerídeos e, já citados anteriormente, maior incidência
de hipertensão, diabetes mellitus e apneia do sono. Além disso, a frequência de doença
cardíaca é dez vezes maior em homens.

Por fim, os casos de fístula de anastomose ocorrem com maior frequência no sexo
masculino. Em relação à idade, sabe-se que pacientes obesos operados com 50 anos
ou mais, apresentam maiores taxas de complicações pós-operatórias e, os com idade
acima de 55 anos, maior mortalidade.

Estudando os fatores de risco associados à morbimortalidade em superobesos,


demonstra-se que os principais fatores associados à presença de complicações leves

38
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

foram IMC acima de 55 kg/m². Com o objetivo de reduzir esse risco, a perda de 10
a 15% do excesso de peso tem sido sugerida no pré-operatório de superobesos, com
internação ou utilização de balão gástrico.

Quadro 4. Fatores de risco pré-operatórios em cirurgia bariátrica.

Fator Comprovado Em estudo


IMC *
Sexo *
Idade *
Comorbidades *
Estado psicológico *
Níveis de proteína C-reativa *
Leucometria do sangue periférico *

Fonte: Ferraz (2012 p.71).

Acrescenta ainda que, além da cirurgia, uma gama de fatores não cirúrgicos e psicológicos
pode influenciar na habilidade de o paciente se ajustar ao pós-operatório. Os melhores
resultados parecem ocorrer em pacientes jovens, do sexo feminino, com bom estado
mental, elevada autoestima, casamento satisfatório, alto nível socioeconômico,
autocrítica e cooperativa. Mesmo que a avaliação psicológica não funcione como
preditor de resultados, é importante que seja feita, para identificar pacientes de risco e
promover intervenções no pré e pós-operatório.

A obesidade é, reconhecidamente, uma condição inflamatória crônica, estando associada


à elevação de indicadores inflamatórios, incluindo a proteína C-reativa e contagem de
leucócitos no sangue periférico. Estudos têm associado essa condição inflamatória ao
aumento do risco de eventos cardíacos e acidente vascular cerebral.

O risco anestésico está associado a comorbidades, alterações anatômicas e alterações


fisiopatológicas. As alterações anatômicas levam a dificuldades técnicas na punção
venosa periférica, no posicionamento do paciente na mesa cirúrgica, na execução
de peridural, na ventilação da máscara durante indução anestésica e, por fim, na
intubação traqueal. Aquelas fisiopatológicas incluem modificações na farmocinética
e farmodinâmica das drogas anestésicas, na mecânica ventilatória e no nível de
trocas gasosas.

A avaliação pré-anestésica deve ser a mais detalhada possível, com ênfase no exame
das vias aéreas superiores, visando ao reconhecimento de pacientes de via aérea difícil.
A medicação pré-anestésica de pacientes obesos mórbidos deve ser realizada com
extremo cuidado, desde que não haja apneia obstrutiva do sono.

39
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

Quadro 5. Pontuação dos fatores de risco. (Classificação da American Society of Anesthesiology).

Fatores de risco Pontuação


Idade ≥ 40 anos 1
Tempo de obesidade mórbida ≥ 5 anos 1
IMC ≥ 60 kg/m² 1
Apneia do sono 1
Diabetes mellitus 1
Dislipidemia 1
Doença coronariana 1
Doença pulmonar 1
Três comorbidades não incluídas 1
ASA III e IV 1

Fonte: Ferraz (2012, p.72)

Quadro 6. Classificação do risco de mortalidade.

Pontuação Mortalidade
0 < 1%
1-3 1 - 4%
4-5 5 - 9%
>6 10 - 15%

Fonte: Ferraz (2012 p.73).

Avaliação endoscópica
Segundo Mendes (2012), procedimentos endoscópicos, minimamente invasivos, estão
sendo pesquisados. Os dados sobre abordagens cirúrgicas endoscópicas em humanos são
limitados. As abordagens atuais variam do uso de balões intragástricos ou intervenções
restritivas com o uso de sutura ou grampeadores endoscópicos, visando modificar o
volume do estômago.

A endoscopia digestiva participa, desde o início, de inúmeros protocolos para avaliação


digestiva alta nos candidatos a essa intervenção. Tem como objetivo principal a exclusão
de patologias que podem interferir no resultado do tratamento cirúrgico e diversos
trabalhos têm sido realizados para avaliar seu real benefício.

A realização de uma esofagogastroduodenoscopia (EGD) é a detecção e/ou tratamento


de lesões que, potencialmente, poderiam afetar o tipo de cirurgia realizada, causar
complicações no período pós-operatório imediato ou resultar em sintomas após a
cirurgia. Preocupações quanto à dificuldade de avaliação posterior do remanescente
gástrico têm enfatizado o uso rotineiro de alta endoscopia no pré-operatório de pacientes
obesos, mesmo quando assintomáticos.

40
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Segundo estudos realizados, a endoscopia de rotina, antes da cirurgia pode identificar


uma variedade de patologias em pacientes assintomáticos que, na maioria das vezes, não
contraindicam o procedimento, mas podem levar à modificação da técnica operatória.
Verificou-se que uma ou mais lesões foram identificadas em 90% dos pacientes, com
61,5% delas tendo alguma importância clínica. Os autores classificaram em quatro
grupos as alterações observadas.

Tabela 3. Distribuição de frequência dos pacientes de acordo com as alterações endoscópicas.

Grupos %
0 - Exame normal 10,3
1 - Exames que não alteraram o procedimento cirúrgico ou o pós-operatório 28,2
2 - Exames que alteraram a abordagem cirúrgica ou adiaram a cirurgia 61,5
3 - Exames que contraindicaram a cirurgia 0

Fonte: Mendes (2012 p.76).

Tabela 4. Alterações endoscópicas observadas em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.

Diagnóstico endoscópico Sharaf et al. (2004)% Zeni et al. (2006)%


Hérnia hiatal 40,0 35,2
Gastrites 28,7 27
Esofagites 9,2 17
Úlcera gástrica 3,6 2
Esôfago de Barrett 3,1 1,3
Úlcera duodenal 1 0,7

Fonte: Mendes (2012 p.76).

Tabela 5. Distribuição de frequência dos pacientes de acordo com as alterações endoscópicas.

Grupos %
0 - Exame normal 70,7
1 - Exames que não alteraram o procedimento cirúrgico ou o pós-operatório 11,0
1a - Exames que alteraram a conduta clínica sem adiar ou alterar o procedimento cirúrgico 17,9
2 - Exames que alteraram a abordagem cirúrgica ou adiaram a cirurgia 3 - Exames que contraindicaram a cirurgia 0,4
3 - Exames que contraindicaram a cirurgia 0

Fonte: Mendes (2012 p.76).

Acompanhamento nutricional no pré-operatório


Segundo Pereira (2012), após a indicação da cirurgia bariátrica, a abordagem nutricional
envolve os períodos pré-operatório, pós-operatório imediato e pós-operatório tardio.
Dentre os requisitos necessários para indicação cirúrgica, a falha em conseguir perda de
peso com tratamentos conservadores, como dietas hipocalóricas, deve ser incontestável.
41
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

Durante a consulta nutricional de um paciente que apresente sobrepeso ou obesidade,


é fundamental avaliar se houve tentativa de tratamentos anteriores, as formas de
tratamento e as possíveis razões para o insucesso. É importante levar em consideração
a etiologia complexa e multifatorial da obesidade, resultado da interação de genes,
ambiente e fatores emocionais. Assim, todos esses fatores devem ser investigados.

O acompanhamento nutricional no pré-operatório tem como principais objetivos:

»» Confirmar a ineficiência do tratamento conservador em atingir a meta de


peso corporal.

»» Promover perda de peso inicial (idealmente 4 Kg por mês ou 10% do peso


atual em seis meses).

»» Iniciar o processo de reeducação alimentar por meio do conhecimento


das funções e grupos alimentares, nutrientes essenciais, bons hábitos de
alimentação.

»» Preparar o paciente para as modificações no padrão alimentar, para as


características da perda de peso e para reconhecimento de alterações
relacionadas ao hábito, à alimentação e nutrição após a intervenção
cirúrgica.

»» Verificar o potencial para o sucesso da cirurgia, no que diz respeito à


compreensão da mudança na capacidade e função gástrica e das restrições
dietéticas pós-operatórias.

Pacientes que comprovem sua capacidade em perder algum peso no pré-operatório são
mais prováveis de alcançar o sucesso após a cirurgia se comparados aos que não perdem.

Etapas do atendimento nutricional

O reconhecimento da composição corporal, estado nutricional e hábitos alimentares são


de fundamental importância e devem ser avaliados no primeiro contato com o paciente.
A avaliação dietética deve abordar a ingestão habitual de alimentos, verificando nível
calórico, qualidade e quantidade na distribuição de macro e micronutrientes, bem
como padrões de refeições e lanches. Pode ser avaliada com a utilização de inquéritos
alimentares qualitativos e quantitativos.

A avaliação nutricional compreende também, a investigação da história clínica pregressa


do indivíduo por meio de uma anamnese que abordará os possíveis fatores envolvidos
no ganho de peso, assim como os que desencadeiam situações desfavoráveis à perda
de peso.
42
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Outra importante etapa da avaliação nutricional consiste na avaliação dos parâmetros


bioquímicos quando se verifica a ocorrência de desequilíbrios metabólicos e deficiências
de vitaminas e minerais. Devem-se pesquisar, não somente alterações devido ao excesso
de nutriente, mas também decorrentes de deficiências, uma vez que a supernutrição de
alguns nutrientes pode estar associada à deficiência de algumas vitaminas e minerais.

Anamnese clínica

A anamnese com enfoque nutricional deve investigar os pontos que possam estar
associados ao ganho de peso, assim como detectar o grau de comprometimento do
organismo com as comorbidades.

Além disso, embora o tratamento ou avaliação detalhada dos comportamentos compulsivos


ou traumas não seja da competência do nutrólogo e nutricionista, a presença de tais
alterações deve ser investigada na anamnese. Nesse campo, é notória a importância do
trabalho conjunto com a equipe de suporte psicocognitivo, com profissionais treinados
na análise dos fatores psicocomportamentais.

Alguns transtornos alimentares são mais comuns nos pacientes obesos. A detecção
desses transtornos pode ajudar no controle do ganho de peso ou na perda de peso no
pré-operatório. Em adição, alguns transtornos podem ser minimizados pelo tratamento
medicamentoso, além do comportamental.

A anamnese alimentar é conduzida por meio de questionários feitos com o paciente


para obter informação sobre a qualidade e quantidade da alimentação e estabelecer
estratégias do tratamento dietoterápico.

A anamnese alimentar tem como função:

»» identificar os alimentos e bebidas ingeridos habitualmente;

»» analisar os locais e horários de refeições, assim como a motivação para a


ingestão alimentar;

»» descobrir as possíveis intolerâncias, aversões, preferências e tabus


alimentares;

»» conhecer as queixas em geral que possam ter relação com a alimentação;

»» conhecer o funcionamento intestinal.

Os métodos mais comuns para atingir tais objetivos são o recordatório de 24 horas, registro
alimentar de 72 horas e o questionário de frequência alimentar. Todos eles apresentam
limitações, sendo as principais a falta de conhecimento do tamanho das porções pelo
43
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

paciente, tendência a super ou subestimar a ingestão alimentar e a omissão frequente de


lanches e ingestões ocasionais que não configuram uma refeição pelo paciente.

O recordatório 24 horas é um método quantitativo utilizado para verificar a ingestão


alimentar, assim como monitorar a adesão à prescrição dietoterápica. Consiste na
descrição de todos os alimentos e bebidas consumidos no dia anterior à entrevista ou
nas 24 horas que a precedem. Neste momento, é importante anotar quantidades, o tipo,
a forma de preparo, bebidas ingeridas em todas as refeições ou fora delas, bem como
horários e locais em que estas foram realizadas. A principal limitação desse método é o
fato de um único dia não representar o consumo habitual do indivíduo.

O questionário de frequência alimentar é um método qualitativo que possibilita avaliar o


consumo habitual de macro e micronutrientes. O método consiste em uma lista predefinida
de grupos de alimentos com questões sobre a frequência em que o alimento é consumido.

O registro alimentar 72 horas consiste no registro, por parte do paciente, de todos


os alimentos, quantidades, horário e local das refeições durante um período de três
dias não consecutivos, incluindo um dia de final de semana quando, geralmente, a
alimentação é atípica. A solicitação do registro é feita ao paciente na primeira consulta e
avaliada no retorno subsequente, para o nutricionista detectar e discutir com o paciente
os possíveis erros e adequações.

Quadro 7. Características de alguns transtornos compulsivos alimentares vistos em pacientes obesos graves.

TCAP (Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica)


»» Episódios recorrentes de compulsão alimentar periódica (excesso alimentar + perda de controle).
»» Frequência e duração da compulsão alimentar: média de dois dias por semana por, pelo menos, seis meses.
»» Pelo menos três dos seguintes comportamentos:
›› comer até sentir-se demasiadamente cheio;
›› ingerir quantidades anormalmente grandes de comida sem fome;
›› comer sozinho, por embaraço pela quantidade de comida;
›› sentir repulsa por si mesmo, depressão ou culpa após a compulsão.
»» Acentuada angústia pela compulsão alimentar.
»» Não se utiliza de métodos compensatórios inadequados.
SCN (síndrome do comer noturno)
»» Prevalência: 10% das pessoas que se tratam de obesidade e 27% daquelas submetidas à cirurgia bariátrica.
»» Entre as pessoas com TCAP, 15% apresentam a SCN.
»» Padrão:
›› anorexia matinal;
›› hiperfagia noturna, insônia, muitas vezes desencadeada pelo estresse;
›› consumo de 56% da ingestão calórica diária entre 22h e 6h (normal é de 15%);
›› não existe a compulsão, apenas o aumento da vontade de comer;
›› sintomas diminuem quando o estresse e aliviado;
›› traços de personalidade com depressão e baixa autoestima.

Fonte: Pereira (2012 p. 56).

44
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

Avaliação antropométrica

O peso e a altura são as medidas corporais primárias na fase de avaliação antropométrica.


Embora a maioria dos serviços de saúde conte com uma balança para a aferição do peso
e altura, a capacidade máxima de tais balanças (150 Kg) fica aquém do peso de muitos
obesos extremos. Além do mais, a base das balanças comuns não é suficientemente
plana para o equilíbrio de muitos deles, o que reduz a precisão da medida.

Após a obtenção dos dados de peso e altura, pode-se calcular o IMC (ou índice de
Quetelet), que é calculado pela razão entre o peso e o quadrado da altura, ou seja,
kg/m². O IMC apresenta a vantagem de ser um procedimento não invasivo, de fácil
obtenção e boa correspondência com a expansão do tecido adiposo. Sua importância
é tal que a própria classificação da obesidade é baseada nele. O conceito de sobrepeso
e de obesidade é baseado na correlação entre o aumento de IMC com maior risco de
mortalidade, independente do gênero e idade. Assim, para falar de obesos grau III é
necessário o conhecimento de seu IMC segundo a OMS.

Muitos estudos mostram que o IMC tem como limitação o fato de não diferenciar a
massa gordurosa da massa livre de gordura. Assim, um atleta pode ter IMC aumentado
em razão do aumento de massa magra. Além disso, o IMC não considera a distribuição
de gordura, hoje tido como fator importante na gênese das complicações da doença.
Porém, considerando a população-alvo da cirurgia bariátrica, obesos grau II e III,
dificilmente ocorrerá aumento de massa magra ou mesmo de edema, comum nesses
pacientes. As restrições feitas a atletas não são cabíveis para os pacientes em questão.
O IMC é uma ferramenta simples, básica e confiável na avaliação do obeso.

Avaliação laboratorial

A avaliação laboratorial é indispensável para o diagnóstico nutricional, levando-se em


consideração todas as desordens metabólicas associadas à obesidade e a possibilidade
de deficiências de micronutrientes em função de maus hábitos alimentares.

Exames complementares também são necessários para identificar condições que


possam piorar o risco cirúrgico do indivíduo, tais como causas secundárias de obesidade,
complicações metabólicas decorrentes do excesso de peso e possíveis deficiências
nutricionais existentes ainda no pré-operatório que tendem a se agravar após a cirurgia.

Entre os exames bioquímicos, devem constar:

»» hemograma, coagulograma, para a avaliação do estado de anemias relativas


às vitaminas do complexo B e ao ferro, alterações do hematócrito;

45
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

»» glicemia, lipidograma, análise da função hepática para observar


complicações metabólicas como DM2, dislipidemias e esteato-hepatite;

»» ferro sérico, transferrina e capacidade de ligação do ferro, uma vez que a


deficiência, mesmo não ligada à anemia, é comum nesses pacientes;

»» eletrocardiograma, radiografia de tórax, endoscopia digestiva alta,


espirometria e ecodoppler venoso de membros inferiores: para caracterizar
síndromes de hipoventilação, complicações venosas e possíveis alterações
gástricas que possam interferir na operação;

»» homeostase do cálcio (PTH, cálcio iônico, fosfatase alcalina);

»» 25-OH-vitamina D, folato, vitamina B12: pois as deficiências correspondentes


não são raras no obeso.

Outros métodos de imagem são também importantes na avaliação das comorbidade


relacionadas à obesidade e na correção precoce de alterações que podem causar
complicações pós-operatórias.

O pós-operatório

Dieta

Segundo Sanches (2012), o acompanhamento do serviço de nutrição é fundamental e


faz parte da abordagem multidisciplinar do paciente operado. No serviço de do hospital
das clínicas da universidade federal de Minas Gerais, a dieta é iniciada, na forma líquida
restrita, entre o segundo e terceiro dia pós-operatório (DPO), avaliando-se o exame
clínico do paciente: presença de ruídos hidroaéreos, eliminação de flatos, estabilidade
hemodinâmica e respiratória. Os medicamentos de uso rotineiro devem ser triturados
antes de serem ingeridos. Esta dieta é mantida até o 15º DPO.

Soroterapia

A reposição hidroeletrolítica segue o padrão habitual para o pós-operatório de cirurgias


abdominais de grande porte. Entretanto, as necessidades basais devem ser calculadas
pelo peso ideal dos pacientes.

Oxigenoterapia

Pacientes obesos apresentam vários episódios de dessaturação de oxigênio no


pós-operatório, principalmente à noite, durante o sono. Estes não estão relacionados
46
A CIRURGIA BARIÁTRICA │ UNIDADE I

com a presença de apneia obstrutiva do sono. A combinação de resíduos anestésicos


associados à analgesia pós-operatória e à ventilação ineficaz são responsáveis por
estes episódios. Recomenda-se a manutenção de oxigenoterapia suplementar a
3 L/min por período de 24 horas, podendo ser prolongada de acordo com o quadro
clínico do paciente.

Fisioterapia

A realização de fisioterapia motora e respiratória precoce, em pacientes submetidos à


cirurgia bariátrica é benéfica tanto na prevenção de eventos tromboembólicos como na
prevenção de atelectasias e infecções e infecções respiratórias. O paciente submetido à
operação no andar superior do abdome tende a manter respiração superficial limitada
pela dor, com redução da capacidade vital em até 44%, o que propicia o surgimento de
complicações pulmonares.

A importância da equipe multidisciplinar:


cirurgião, cardiologista, pneumologista,
nutricionista e psicólogo
Segundo Faria (2012), uma boa avaliação pré-operatória ajuda a identificar pacientes
que necessitam de um preparo médico e psicológico intensivo para a cirurgia e aqueles
que precisarão de ajuda pós-operatória para lidar com as consequências de uma
anatomia gastrintestinal alterada.

A falta de cuidado na seleção e preparo desses pacientes irá levar a pacientes mal
selecionados e mal preparados submetendo-se a uma cirurgia potencialmente perigosa
e com consequências permanentes. O tratamento do paciente bariátrico é, portanto,
complexo e presta-se para uma abordagem com equipe multidisciplinar.

O trabalho multidisciplinar visa oferecer um tratamento apropriado para os pacientes


que sofrem com a obesidade mórbida, prepará-los para adotar as mudanças no estilo
de vida necessárias para o sucesso da cirurgia, reduzir os riscos da cirurgia e prevenir
ou tratar as deficiências metabólicas e nutricionais futuras.

Os pacientes bariátricos representam um grupo único e complexo que requer uma


avaliação pré-operatória multidisciplinar cuidadosa e detalhada, incluindo educação e
um acompanhamento pós-operatório por toda a vida, para maximizar a probabilidade
de resultados seguros e efetivos. Uma abordagem com equipe multidisciplinar com
suficiente perícia para lidar com as intersecções desses assuntos comportamentais,
nutricionais, psicológicos, médicos e cirúrgicos deveria ser, portanto, imperativa.

47
UNIDADE I │ A CIRURGIA BARIÁTRICA

Em 1991, a Conferência de Consenso do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos


estabeleceu diretrizes no manejo dos pacientes com obesidade mórbida. Entre essas
recomendações a respeito dos pacientes a serem submetidos à CB havia o consenso firme
de que uma equipe multiprofissional seria uma parte integral do cuidado do paciente.

Em 2004, a então Sociedade Americana de Cirurgia Bariátrica, com o objetivo de


orientar o melhor cuidado com o paciente bariátrico, fez outra Conferência de Consenso,
estabelecendo diretrizes mais detalhadas sobre a atuação da equipe multiprofissional
nas diferentes fases do tratamento.

Em 2006, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica publicou seu


consenso. Neste, ressaltou-se a importância da participação multiprofissional no cuidado
do paciente bariátrico e estipularam os componentes obrigatórios e associados da equipe.

Componentes obrigatórios:

»» Cirurgião, clínico (geral, endocrinologista, intensivista ou cardiologista),


psiquiatra, psicólogo e nutricionista.

Componentes associados da equipe:

»» Anestesiologista, endoscopista, enfermeiro, fisioterapeuta, assistente social


e professor de educação física.

A equipe
O objetivo da abordagem com equipe multidisciplinar é que cada membro utilize sua
respectiva perícia e combine coletivamente seus esforços para selecionar, educar e
conduzir o paciente da melhor forma possível.

Composição da equipe e funções básicas:

»» 1 cirurgião-chefe e 3 cirurgiões assistentes;

»» 3 instrumentadores;

»» 6 secretárias administrativas;

»» 2 psicólogos;

»» 1 enfermeiro;

»» 1 fisioterapeuta;

»» 1 endocrinologista;

»» 6 nutricionistas.
48
O PAPEL DO PSICÓLOGO UNIDADE II

CAPÍTULO 1
O psicólogo

Pode-se considerar que a pedra fundamental do status de ciência e profissão da


psicologia, foram os trabalhos de Wundt quando, além de criar o primeiro laboratório de
psicologia na Universidade de Leipzig, publicou os Princípios de Psicologia Fisiológica,
onde afirmava textualmente que seu propósito com o livro, era demarcar um novo
domínio da ciência.

Os princípios dessa ciência e, consequentemente, da profissão, estão atrelados ao


que se pode denominar como “pensamento da época”, que foi um marco da evolução
do pensamento científico da última metade do século 19 até meados do século 20,
que sofreu marcante influência da visão cartesiano-positivista (só se pode dizer que
existe aquilo que possa ser provado e o conhecimento científico é a única forma de
conhecimento verdadeiro).

A cirurgia é uma especialidade da medicina voltada para a cura de doenças, com a


atuação do profissional diretamente no local atingido, unindo, cortando ou retirando
o que está prejudicado. Sabe-se que esta especialidade é utilizada desde o inicio da
civilização sendo aperfeiçoada através da tecnologia.

Segundo Sebastiani (2000) , Foucault em sua obra “O Nascimento da Clínica”


demonstra de forma clara, como as Ciências da Saúde, e em particular a psicologia, se
sentem influenciadas por esses modelos, e como a construção do modelo clinicalista, se
desenvolve à sombra dos pressupostos mecanicistas que determinaram a estruturação
e hegemonia do modelo biomédico [...]. Conforme salienta Barra (2000): “A concepção
dualista de que mente e corpo funcionam separadamente, de forma independente,
estaria representada em sua máxima expressão nas ideias do filósofo René Descartes,
o qual defende a ideia de que a alma ou a mente eram uma unidade distinta incapaz de
afetar de uma maneira direta a matéria física ou os processos somáticos. Esse Dualismo
Cartesiano mente e corpo proporcionou a base filosófica do novo campo independente
49
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

da medicina, alheando-a do enfoque holístico que enfatizava a interdependência


mente-corpo, e conduziu-a ao enfoque fisiopatológico mecanicista que tem caracterizado
essa disciplina até muito recentemente” [...].

Ficou evidenciada a grande diferença na forma de interpretar o processo cirúrgico e


a relação cirurgião-paciente, onde o conjunto de respostas dos pacientes apresentava
um eixo mais “emocional/afetivo” enquanto as dos cirurgiões mais “racional/técnica”.
Chama a atenção o fato de que ambos os atores, embora envolvidos em processo intenso
de relacionamento, não tenham sido capazes de efetivamente comunicarem-se uns com
os outros.

[...] A presença de outros profissionais na equipe, particularmente o


psicólogo, somam importante ajuda ao cirurgião, pois a identificação dos
medos, dúvidas, expectativas do paciente, assim como a facilitação de uma
interlocução mais eficiente entre equipe de saúde-paciente, fazem parte
do escopo e da formação técnica deste profissional, da mesma forma, a
psicologia da saúde vêm se dedicando a estudar e desenvolver estratégias
de cuidados com o cuidador, identificando situações profissionais
potencialmente patogênicas, criando programas e estratégias preventivas
e terapêuticas que auxiliem no resgate da qualidade de vida, procurando
assim contribuir na otimização dos recursos humanos em saúde, mas não
descuidando do “humano” destes recursos, partindo de um pré-suposto
simples, mas importante que defende a ideia de que “não pode dar-se
o que não se tem”[...]. A presença do Psicólogo na equipe que tratará
da reabilitação do paciente é de fundamental importância, pois todas
as elaborações, fantasias, medos, depressão (eventualmente) podem
ser detectadas e trabalhadas junto a este de forma a não se tornarem
empecilhos para sua reintegração à vida.

Como você pode ver, a participação do psicólogo na equipe disciplinar foi enfatizada
muito depois do nascimento da cirurgia bariátrica e, por certo, os resultados iniciais
foram comprometidos devido a esse fato. A presença obrigatória dos psicólogos em
equipes de cirurgia bariátrica foi, oficialmente, instituída por meio da Resolução do
Conselho Federal de Medicina sob o número 1.766/2005, publicada no Diário Oficial
da União de 11 de julho de 2005, Seção I, p.114. Em seu anexo, estabelece normas
seguras para o tratamento cirúrgico da obesidade mórbida, definindo indicações,
procedimentos aceitos e equipes. O inciso 3 define a constituição de equipe que precisa
ser capacitada para cuidar do paciente nos períodos pré e transoperatório.

A importância da psicologia no tratamento dos obesos mórbidos é inquestionável,


no entanto, carece ainda de um consenso. São muitas as linhas filosóficas dentro da
50
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

psicologia, com diferentes escolas de pensamento. O produto final é a saúde mental do


paciente operado.

Segundo Marchesini (2006),

A necessidade de linguagem única é premente para se estabelecerem


protocolos de atendimento, aferição de resultados e implementações
baseados em evidência. Nos dias atuais, com a participação da neurociência,
do conhecimento de neuro-hormônios e neurotransmissores, de novas
concepções sobre neuropsicopatologia, muitas reações psicológicas e
psiquiátricas passaram a ter uma explicação orgânica. Torna-se premente
repensar sobre antigas afirmativas e reescrevê-las à luz de novas
linguagens. Tornam-se, também, imprescindíveis reuniões de consenso
para que se possam interpretar os fenômenos da psique em termos de
um novo milênio.

O candidato à cirurgia bariátrica deve, antes de se submeter ao procedimento cirúrgico,


passar por uma avaliação e acompanhamento psicológicos, que consistem em entrevistas
clínicas e aplicação de instrumentos validados. As mudanças no comportamento
alimentar, na autoimagem, autoestima, nas relações sociais, dentre outras, justificam a
necessidade de um psicólogo na equipe multidisciplinar.

Na fase pré-cirúrgica, juntamente com a anamnese sobre o comportamento alimentar do


paciente, o psicólogo deve avaliar variáveis ambientais, comportamentais e cognitivas
que possam interferir no tratamento cirúrgico e, consequentemente, na adesão ao
tratamento desse paciente. Fatores como conhecimento e expectativa em relação à
cirurgia, estímulos desencadeadores da ingestão alimentar não planejada, variáveis
cognitivas e apoio social devem ser avaliados e estruturados nessa fase.

É necessário informar o paciente a respeito das mudanças significativas que ocorrerá


durante o processo. O acompanhamento psicológico oferece ao paciente, condições e
suporte para que a percepção a respeito das mudanças que ocorrerá, seja mais consciente,
auxiliando – o em suas decisões de acordo com seu caso particular. É contraindicada
em qualquer caso em que o paciente não esteja plenamente de acordo com a cirurgia ou
não seja capaz de apreciar as mudanças que ocorrerão após a operação.

De acordo com estudos, o portador de obesidade apresenta sofrimento psicológico em


decorrência do preconceito social com o excesso de peso e com as características do
seu comportamento alimentar. O obeso pode apresentar níveis elevados de depressão,
ansiedade, distúrbios alimentares e de transtornos de personalidade.  Contudo, não
podemos afirmar que a psicopatologia é um fator que predispõe a obesidade, já a

51
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

obesidade pode ser vista como um fator predisponente a presença da psicopatologia


na psique.

Após a cirurgia, novos desejos, sentimentos e objetivos surgem e, um novo processo


de conquistas e realizações inicia-se. Além de ter que se adaptar ao novo contexto
de alimentação, o paciente precisa, nessa fase, desenvolver novas estratégias de
enfrentamento às situações e problemas que continuarão existindo em seu dia a dia.

Conforme citado, anteriormente, muitos pacientes que sofrem com a obesidade se


escondem por não estarem “de acordo com os padrões sociais”, não frequentando
eventos, festas. Após a cirurgia, a vida social pode se tornar ameaçadora, pois ele não
sabe como lidar com essa nova realidade. O treino em habilidades sociais se torna uma
ferramenta importante do psicólogo para lidar com tais situações, tanto em terapias
individuais como em grupos de apoio.

O candidato à cirurgia bariátrica deve, antes de se submeter ao procedimento cirúrgico,


passar por uma avaliação e acompanhamento psicológicos, que consistem em entrevistas
clínicas e aplicação de instrumentos validados. As mudanças no comportamento
alimentar, na autoimagem, autoestima, nas relações sociais, dentre outras, justificam a
necessidade de um psicólogo na equipe multidisciplinar.

Na fase pré-cirúrgica, juntamente com a anamnese sobre o comportamento alimentar do


paciente, o psicólogo deve avaliar variáveis ambientais, comportamentais e cognitivas
que possam interferir no tratamento cirúrgico e, consequentemente, na adesão ao
tratamento desse paciente. Fatores como conhecimento e expectativa em relação à
cirurgia, estímulos desencadeadores da ingestão alimentar não planejada, variáveis
cognitivas e apoio social devem ser avaliados e estruturados nessa fase.

É necessário informar o paciente a respeito das mudanças significativas que ocorrerão


durante o processo. O acompanhamento psicológico oferece ao paciente, condições e
suporte para que a percepção a respeito das mudanças que ocorrerá, seja mais consciente,
auxiliando – o em suas decisões de acordo com seu caso particular. É contraindicada
em qualquer caso em que o paciente não esteja plenamente de acordo com a cirurgia ou
não seja capaz de apreciar as mudanças que ocorrerão após a operação.

De acordo com estudos o portador de obesidade apresenta sofrimento psicológico em


decorrência do preconceito social com o excesso de peso e com as características do seu
comportamento alimentar. O obeso pode apresentar níveis elevados de depressão,
ansiedade, distúrbios alimentares e de transtornos de personalidade. Contudo, não
podemos afirmar que a psicopatologia é um fator que predispõe a obesidade, já a obesidade
pode ser visto como um fator predisponente a presença da psicopatologia na psique.

52
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

Após a cirurgia, novos desejos, sentimentos e objetivos surgem e, um novo processo


de conquistas e realizações inicia-se. Além de ter que se adaptar ao novo contexto
de alimentação, o paciente precisa, nessa fase, desenvolver novas estratégias de
enfrentamento às situações e problemas que continuarão existindo em seu dia a dia.

Conforme citado, anteriormente, muitos pacientes que sofrem com a obesidade se


escondem por não estarem “de acordo com os padrões sociais”, não frequentando
eventos, festas. Após a cirurgia, a vida social pode se tornar ameaçadora, pois ele não
sabe como lidar com essa nova realidade. O treino em habilidades sociais se torna uma
ferramenta importante do psicólogo para lidar com tais situações, tanto em terapias
individuais como em grupos de apoio.

O acompanhamento psicológico ambulatorial pós-operatório corre o risco da


descontinuidade e do fazer o que é possível e não aquilo que se deveria fazer. É possível
que o paciente em “lua-de-mel” com a cirurgia, tema que o psicoterapeuta “lhe
arranje” uma angústia que deve ser elaborada. Empolgado com o sucesso da operação,
por haver recuperado o controle sobre alimentar-se não queira trazer à luz, alguma
angústia encoberta com alguns aspectos desagradáveis de sua percepção e queira não
confrontar-se consigo, não comparecendo as sessões, pois tem conhecimento que o
psicoterapeuta não será conivente com uma postura de “Poliana”, vendo o cinza como
cor-de-rosa.

No entanto, relata-se que essa atuação pós-operatória rende frutos. Existem exemplos
de pessoas que reorganizaram suas vidas, retomaram uma atuação profissional e
passaram a viver relacionamentos amorosos, antes impensáveis para elas. É possível
que os psicólogos que atuam nesse tratamento cirúrgico para obesos, por vezes se
sintam frustrados e outras devido às ausências e evitamentos, momentos de intensa
busca nas ocasiões de sofrimento, retornos, sintam-se gratificados, emocionados e
estimulados enquanto aguardam que o paciente afine, não apenas o corpo, mas também,
seu funcionamento psíquico e isso colabore para seu viver.

53
CAPÍTULO 2
Contribuições do psicólogo

O psicodiagnóstico
O psicodiagnóstico, no Brasil, é uma das únicas funções que a lei garante como função
exclusiva do psicólogo.

Ocampo (1981) cita que durante muito tempo o psicólogo desenvolveu seu trabalho
baseado em um modelo similar ao dos médicos. A vida emocional, nesse modelo de
psicodiagnóstico, é tratada como um objeto doente que precisa ser examinado. Neste caso,
a conduta do psicólogo é a de se despersonalizar, como ocorre com os médicos, em
função dos problemas do atendimento público ou mesmo, da formação ou como defesa
de forma a se manter afastado do possível envolvimento com a “dor” do paciente.

Por vezes, esse afastamento é benéfico para poder atuar e ajudar (ex.: em grandes
cirurgias), no entanto, não pode ser aplicada a outras situações no serviço à saúde e não
tem relacionamento com a identidade profissional do psicólogo clínico: clínica tem a
ver com leito, o que significa que o clínico é aquele que se aproxima da pessoa que sofre.

Essa postura de distanciar-se do paciente fazendo dele um objeto de investigação


refletiria o fato de o psicólogo não dispor de uma identidade profissional embasada que
lhe assegurasse seu real trabalho em relação à saúde mental. Surge aí uma forma de
pseudoidentidade (a do modelo médico citado). É possível que essa forma de trabalhar
seja fruto da necessidade de minimizar a angústia que a relação psicólogo-paciente
possa despertar. Neste modelo, o trabalho do psicólogo restringia-se à aplicação de
testes, o que ainda pode acontecer.

Assim, a função do psicólogo era a de atender a uma solicitação, seguindo passo a


passo e fazendo uso dos instrumentos indicados por outros (psiquiatra, pediatra,
neurologista). O que se resumia a saber aplicar um teste da melhor maneira possível.
E, abre-se aqui espaço para se inserir outro modelo de psicodiagnóstico, o psicométrico,
já que o psicólogo é um mero aplicador e avaliador de testes psicológicos, com um
instrumental oriundo de duas ciências exatas: matemática e estatística. Acrescente-se aí,
a importância da psicometria, contribuindo com a criação, construção e cuidados no
uso de instrumentos psicológicos (psicólogo clínico).

Nestas formas de aplicação do psicodiagnóstico, o modo de atuação era o mesmo: após


a aplicação do último teste, o paciente era “liberado” e era enviado ao remetente um informe

54
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

elaborado detalhadamente, teste por teste, por vezes incluindo o protocolo de testes e,
muitas das vezes, quem o recebia não tinha formação para entendê-lo. Atualmente, com
os conhecimentos adquiridos, nota-se esses informes como uma enumeração de dados,
traços, fórmulas em que falta uma “gestalt” (para se compreender as partes, é preciso,
antes, compreender o todo), que apreenda o essencial da personalidade do paciente e
sua família, no caso de crianças.

Os testes eram utilizados como se fossem o próprio objetivo do processo e serviam


de escudo entre o profissional e o paciente. Recorde-se aqui dos já citados possíveis
sentimentos resultantes do vínculo psicólogo-paciente. No entanto, outros profissionais,
no desejo de exercerem essa aproximação do paciente, abandonaram o modelo médico
e, com a difusão da psicanálise, adotaram-na como marco de referência e mesmo como
modelo de trabalho. Se por um lado isso permitiu um enriquecimento da compreensão
dinâmica do caso, por outro desvalorizou os instrumentos que não eram utilizados
pelo psicanalista. O modelo psicanalítico promoveu a compreensão teórica do que se
passava com o paciente, mas foram desprezados completamente os testes.

A influência da psicanálise na prática do psicodiagnóstica revelou-se inestimável,


em especial, o estudo da personalidade por meio de observações e técnicas
projetivas. Atribuiu-se valor e importância à relação psicólogo-paciente, bem como à
instrumentalização dos aspectos transferenciais e contratransferenciais.

Em contrapartida, não é adequado que se realize um diagnóstico psicológico como se


fosse um tratamento psicanalítico se o que se pretende é um psicodiagnóstico; processo
que se realiza com tempo limitado e que apresenta problemas particulares os quais
exigem metodologia própria para que haja solução destes.

O que todas as correntes de psicologia concordam, embora partam de pressupostos e


métodos distintos, é que é necessário organizar conhecimentos que falem a respeito da
vida biológica, intrapsíquica e social, não sendo possível excluir nenhum desses aspectos.
Pode-se assim, interpretar o sintoma (o sinal de que algo não vai bem) que muitas
vezes é trazido em seus aspectos: fenomenológico e dinâmico. Por vezes o sintoma traz
benefícios secundários que também carecem de compreensão e, comumente, expressa
algo a nível familiar. Sendo assim, ele significa a ruptura do equilíbrio das pessoas e/ou
de seu grupo. O exposto torna-se, fundamentalmente, relevante quando o sintoma é a
obesidade, ou melhor, quando se trata desta que pode ser considerada uma síndrome
multifatorial que é a obesidade mórbida. É neste contexto que o psicólogo clínico atua
para trazer sua contribuição e seu olhar.

Faz-se necessário acrescentar a importância dos fatores orgânicos que, muitas vezes,
justificam as dificuldades vivenciadas pelos pacientes. É obrigatório que se considere

55
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

que os fatores orgânicos estão em interação mútua e constante com os emocionais


e, só considerar estes ignorando aqueles, faz com que o psicólogo incorra no erro da
“psicologização” de tudo, perdendo a visão globalizada do paciente.

Então, o trabalho do psicólogo tem como foco os processos intrapsíquicos, especialmente


da estrutura dinâmica da personalidade. Nesse sentido, tratando o psicodiagnóstico
de forma geral, o principal objetivo seria esse conhecimento, abrangendo a ambos
diagnósticos (aspectos passados e presentes) e prognósticos (futuros). Uma vez que o
indivíduo faz parte de um grupo familiar, a tarefa psicodiagnóstica inclui também, o
conhecimento das relações familiares e outras sociais.

A principal tarefa do psicólogo consiste em integrar todos esses dados que só parecem
divididos por uma questão da forma como se trabalha. Deve-se explicar a dinâmica,
buscando relações e a compreensão dos aspectos adaptativos e patológicos da pessoa
vista como um indivíduo, inserida num grupo. Baseado nessas conclusões pode-se
propor indicações que pareçam ser mais adequadas com a psicoterapia e a necessidade
de algum tratamento paralelo.

O processo psicodiagnóstico refere-se a esse momento específico da vida dessa pessoa:


nesse caso, a espera de uma cirurgia. Assim, as conclusões são mais hipóteses, uma vez
que nossa ciência, como toda que lida com o homem, não é algo pronto e acabado.

No contexto desse capítulo, temos o psicólogo trabalhando em um hospital ou


ambulatório, em uma equipe ou recebendo o encaminhamento do paciente pelo médico
responsável que indica a cirurgia. Desta forma, trata-se de um campo específico, no
qual se faz necessário considerar a situação e a instituição em que o psicólogo está
atuando e mesmo mantendo sua identidade profissional. Trata-se de poder lançar
mão de conhecimentos e técnicas de que dispõe, sabendo adequá-las a esse contexto.
É preciso ressaltar que é fundamental no trabalho do psicólogo, na avaliação para a
cirurgia bariátrica, a importância do trabalho em equipe, em que a prioridade é sempre
o cliente.

Na concepção de Tardivo (2006), a psicologia e a psicanálise devem se dedicar ao drama


humano. Nesse sentido, os instrumentos projetivos são empregados em sua vertente de
avaliação e mais ainda, como medidores nesse contato. Assim o mais importante é a
comunicação da dor e do sofrimento dessas pessoas, configurando-se também, como
ferramenta útil para a compreensão do que se passa.

Convido você, caro aluno, a pensar no psicodiagnóstico, na atuação do psicólogo clínico


com relação a esse contexto: obesos com indicação de cirurgia bariátrica. Como já
vimos, para os profissionais de saúde a obesidade é consequência de um desequilíbrio

56
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

entre calorias consumidas e gastas pelo indivíduo para o funcionamento do organismo.


Vimos também, que um dos tratamentos para o caso de obesidade mórbida é a cirurgia
bariátrica que reduz o reservatório gástrico e/ou a absorção intestinal. Ainda existe
muita desinformação a respeito da obesidade, sendo associada à falta de caráter, auto
de indulgência ou distúrbios psíquicos. Nos dias de hoje, sabemos que a obesidade é
muito mais que isso, ela representa múltiplos fatores genéticos, hormonais e ambientais,
psicológicos etc.

É da experiência de muitos psicólogos que dizem que muitos dos pacientes obesos
não se enxergam como excessivamente gordos e só “caem na real” por meio de fotos e
olhares alheios. Outros, apesar de terem essa percepção, não conseguem abrir mão de
sua forma e a proteção que esse escudo de gordura fornece enquanto defesa.

É viável que se pense nelas como se escondendo através de si mesmas, de um corpo


deformado e inconcebível. Talvez, por não conseguirem se descobrir, procuram
no alimento uma forma de prover satisfação, que está muito além de uma ou várias
refeições. São apenas hipóteses para que se possa começar a pensar e, cada indivíduo
tem uma singularidade que lhe é própria na qual o psicólogo é convidado a entrar em
contato com esta.

Voltando ao psicodiagnóstico, verifica-se a relevância do encontro que se dá e a importância


da dor e do drama que se descortina nesse encontro. Entre os instrumentos que podem
e devem ser utilizados pelo psicólogo em seu trabalho, se destacam as técnicas projetivas
e as entrevistas, porém inventários e escalas também podem ser empregados, sem se
desconsiderar a relação.

A interdependência mente-corpo
Texto de autoria do Dr. Leandro Motta extraído no site do Instituto de Hipnose e Psicanálise
<http://hipnose-psicanalise.com.br/>.

A obesidade, atualmente, é uma condição frequente e problemática em diversos


países, incluindo o Brasil. Aqui, quase metade dos brasileiros adultos sofrem com
peso em excesso, com maior prevalência no sexo feminino. Além dos problemas
individuais, a obesidade, hoje, é um grave problema de saúde pública, uma
vez que a doença pode ter como consequência o surgimento de patologias
cardiovasculares (GIGANTE, 2006).

Durante muito tempo se pensou que a gênese da obesidade estaria somente na


genética, nos hábitos alimentares, exclusivamente, e no corpo, na biologia. Isso
ocorreu porque a física clássica newtoniana, que esteve ao lado do fundamento
científico, considera o materialismo na forma de observar o homem, bem como

57
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

a visão filosófica de Descartes contribuiu para a crença separatista: a mente


seria de outra natureza do corpo, não havendo qualquer tipo de relação entre
essas duas entidades. No entanto, o surgimento da medicina psicossomática,
em paralelo com a psicanálise, altera este quadro, quando Groddeck escreve
“O livro disso”, afirmando que todas as doenças possuem um significado simbólico.
Todas as doenças, de acordo com tal psicanalista, seriam psicossomáticas (1984).
Mal sabia Groddeck que a neurociência confirmaria os postulados inferidos
sobre psicossomática, há anos atrás.

Fatores psicológicos

A realidade da psicossomática em obesidade ganha maior destaque no fim do


século XX, onde diversos autores indicam que a doença poderia estar relacionada
como um indicativo de transtorno de imagem do corpo. A imagem corporal
(IC) refere-se como cada sujeito vê o próprio corpo; no caso do sobrepeso, há
uma dificuldade em reconhecer o real peso. Isso é constatado na maioria dos
obesos. Assim como comportamento de passividade e submissão, bem como
o uso da alimentação como castigo, ou seja, no caso dos obesos, o excesso da
comida pode ser caracterizado como autopunição e, também, como defesa. Em
psicossomática, frequentemente, tem-se relacionado a gordura com proteção –
ela traz uma sensação de proteção física e até mesmo de proteção psicológica
(BARROS, 1990).

Refúgio e solidão

Ainda, há de ser ressaltado, que mediante o desenvolvimento da obesidade, há


a constatação de um refúgio na comida, desenvolvendo um processo de solidão,
uma vez que o excesso de gordura poderia representar uma dessexualização
(IGOIN, 1987).

Fatores familiares

Diversos autores da psicanálise correlacionaram a obesidade com uma


complicada relação materna, uma vez que a alimentação do bebê decorre de
um processo que envolve uma relação de afeto entre o seio e a construção
psíquica-emocional, que se dá paralelamente, à alimentação, através dos
mecanismos de introjeção, onde há uma incorporação dos valores dos pais e da
sociedade, que são internalizados. Nesse momento, de construção de imagem
corporal, a mãe do obeso, por não compreender seu apelo, responde com a
alimentação, diante de qualquer demanda. Dessa forma, o excesso de gordura
poderia representar o excesso da mãe (KELNER, 2004).

58
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

Realidade virtual

Os estudos modernos da neurociência demonstram que o cérebro possui pouco


ou nenhum discernimento entre realidade objetiva e imaginação (STEPHAN,
1995). Tal fato possibilita um tratamento virtual, através de uma realidade
construída virtualmente que, com o auxílio tecnológico, podem promover a
neuroplasticidade, e assim a mudança comportamental desejada no paciente
com transtorno alimentar. Esse tipo de terapia é denominado de Realidade
Virtual, sendo um tratamento promissor com resultados de sucesso para fobias
e outros tipos de transtornos. Geralmente, ele vem acompanhado de terapia
cognitivo-comportamental. No caso da obesidade, o tratamento consiste em
utilizar um capacete de realidade virtual (head-motend VR). Em cerca de 10
sessões, o paciente é confrontado com imagens que podem ocasionar ansiedade,
como por exemplo, uma foto do seu próprio corpo. Então, o terapeuta realiza
perguntas no momento exato, e, com o auxílio da terapia comportamental, o
indivíduo pode mudar a forma como observa seu corpo, alterando usa imagem
corporal que, até então, poderia estar distorcida, ocasionando uma mudança
comportamental e, consequentemente, uma mudança dos hábitos alimentares,
para que o emagrecimento aconteça (RIVA, 2005).

Tratamento multidisciplinar

Não é nenhuma novidade que o padrão de beleza, presente em nossa sociedade,


pode contribuir para uma busca desenfreada pela magreza. Qualquer indivíduo
que conviva socialmente, será atravessado por determinados ideais – sejam eles
corporais, sociais, ou psicológicos. A busca do peso perfeito gera um grande
estresse coletivo e certa desconfiança no próprio corpo, o que pode contribuir
para uma desarmonia do indivíduo como um todo, que constantemente se
vê como algo imperfeito. Dessa forma, gerando a construção de uma baixa
autoestima, que contribui para que o obeso tenha maior dificuldade em manter
novos hábitos alimentares. A mudança da situação do obeso exige uma mudança
comportamental, caso contrário, estará fadado a buscar inúmeras dietas
sem sucesso. Logo, o tratamento da obesidade exige a multidisciplinaridade,
com médicos, psicólogos, nutricionistas e fisioterapeutas, uma vez que a
sua causa é multifatorial. A origem envolve a genética, fatores ambientais e
comportamentais, questões psicológicas, como, por exemplo, a perda de um
ente querido, ansiedade e separação conjugal (MACHADO, 2002). O que não se
pode é achar que a obesidade é um mal meramente corporal, referente apenas
a hábitos alimentares equivocados. Fazer isso é negar a realidade humana, e isso
é tudo que os obesos não precisam.

59
CAPÍTULO 3
A avaliação psicológica: instrumentos
utilizados pelo psicólogo

Entrevistas
A respeito dessa técnica, há diferentes enfoques teóricos e finalidades.
No psicodiagnóstico é utilizada como técnica de investigação. Faz-se necessário citar
aqui a importância dos conceitos, mencionados anteriormente, de transferência e
contratransferência, articulando a entrevista psicológica e, que devem ser entendidos,
até mesmo como indicadores. Em se tratando de adolescentes, essa técnica requer
considerações especiais.

Em relação a testes psicológicos, não se sugere uma bateria padrão, de forma que a
escolha dos instrumentos obedeça a alguns aspectos como quem formula o pedido, a
idade cronológica, o nível sociocultural e o grupo étnico do paciente, casos com déficit
sensorial ou comunicacional; o momento vital, o contexto espaço-temporal em que se
realiza (TARDIVO, 2006).

O paciente obeso, em preparação para a cirurgia, é encaminhado ao psicólogo geralmente


pelo cirurgião, que aguarda uma avaliação psicológica e a devida preparação emocional
do indivíduo. A procura por outro profissional além do cirurgião, é mais um entrave ou,
ao menos, mais um fator de delonga para aquele paciente que já decidiu submeter-se à
cirurgia bariátrica, concretizar seus planos.

Encontra-se aí, a resistência de muitos em fazê-lo, a tentativa de escapar, uma vez que
se já se manifestaram a favor da cirurgia, significa que não precisam do psicólogo, como
se a inserção deste no processo, tivesse o cunho de convencer o paciente a submeter-se
ao processo cirúrgico. Neste ponto, o médico pode auxiliar explicando ao paciente, a
função do psicólogo e qual a necessidade da intervenção deste.

Relevante, também, é o estado emocional em que se encontra o paciente em sua primeira


consulta psicológica. Lembre-se que ele não está ali porque procurou um psicólogo para
tratamento e sim porque a consulta já é parte do preparo à cirurgia a que pretende se
submeter. Presume-se então, que haverá um nível de resistência mais elevado do que
seria se essa procura fosse espontânea e estabelecer a conciliação terapêutica será mais
difícil. O psicólogo terá que trabalhar essa resistência ao mesmo tempo em que conduz
a entrevista.

60
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

É comum que no primeiro contato com um psicólogo, o paciente chegue com uma
bagagem de expectativas e ideias fantasiosas oriundas de distorção e desinformação.
Nosso papel é envolver esse paciente com informações sobre o que é e como será
feita a avaliação e o preparo psicológico. Vamos conhecê-lo, trabalhar com ele e suas
dificuldades e orientá-lo para que siga para o procedimento com segurança, mais cônscio
e melhor preparado para lidar com todas as alterações decorrentes deste, tanto físicas
quanto emocionais que acompanharão o emagrecimento. É opinião de alguns autores
que, mais do que as técnicas ou métodos científicos, a empatia, autenticidade, calor
humano e cordialidade, respeito e consideração positiva, são de maior importância
nesta hora. Obviamente que, uma vez que existam esses atributos não implicam em um
bom desempenho profissional. No entanto, se aplicados de forma correta, facilitarão
muito a relação psicólogo-paciente.

Se há, efetivamente, um trabalho de equipe e, os integrantes desta, têm conhecimento,


têm a necessidade, valorizam e respeitam o trabalho uns dos outros, é grande a
probabilidade de que o paciente circule facilmente por esses profissionais. A realização
do psicodiagnóstico demanda conhecimentos teóricos e domínio de procedimentos e
técnicas psicológicas e, como são diversas as teorias existentes e nem sempre convergirem
entre si, a atuação do psicólogo varia consideravelmente. Apenas um consenso existe
nas abordagens teóricas que, partindo de pressupostos diversos apontam para a
necessidade de organizar conhecimentos a respeito da vida biológica, intrapsíquica e
social para se compreender o homem, sem excluir nenhuma delas.

O trabalho do psicólogo, no pré-operatório, tem início com a primeira consulta, com a


entrevista psicológica e sobre ela Franques 1987, p. 12 diz que:

A entrevista psicológica é uma relação com características particulares,


que se estabelece entre duas ou mais pessoas. O específico ou particular
desta relação reside em que um dos integrantes é um técnico da
psicologia que deve atuar nesse papel e, o outro ou outros, necessitam
de sua intervenção técnica. Porém, isto é um ponto fundamental, o
técnico não só utiliza em entrevista seus conhecimentos psicológicos
para aplicá-los ao entrevistado, como também, esta aplicação se produz,
precisamente, através de seu próprio comportamento no decorrer da
entrevista. Para sublinhar o aspecto fundamental da entrevista poder-
se-ia dizer, de outra maneira, que ela consiste em uma relação humana
na qual um dos integrantes deve procurar saber o que está acontecendo
e deve atuar segundo esse conhecimento. A realização dos objetivos
possíveis da entrevista (investigação, diagnóstico, orientação, etc.)
depende desse saber e da atuação de acordo com esse saber.

61
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

A entrevista realizada por um profissional habilitado tem também, um papel terapêutico


significativo, apesar dos dados importantes fornecidos pelos instrumentos utilizados.
Há diversos tipos de entrevistas, modos de condução e interpretação de seus dados,
conforme os diversos enfoques teóricos da psicologia.

Uma vez ser o tempo disponível um limitador para o atendimento deste paciente
candidato, é necessário colher dados e informações sobre ele, visando o psicodiagnóstico
e o seu preparo e orientação, deve-se utilizar a entrevista semidirigida, na qual o
paciente tem espaço para colocar-se, falar sobre o que escolher, embora havendo a
intervenção do profissional em busca de maiores esclarecimentos, elucidar pontos
“cinzentos” ou confusos. Parte desse tempo deve ser dedicada à entrevista e outra na
complementação dos dados necessários à anamnese, preocupando-se em que esta não
vire um interrogatório.

Na elaboração das perguntas ao paciente, procura-se não só a informação de que se


necessita mas, também, fazê-lo compreender melhor suas dificuldades. As informações
obtidas na anamnese apresentam um histórico da vida regressa e presente dele e,
entender a situação atual, ajuda a compreender como a sua dinâmica básica e seus
problemas emocionais atuais interagem com o meio. A avaliação do estado mental
deste paciente tem a mesma orientação utilizada com qualquer outro, uma vez que a
obesidade, por si só, não implica espelhar psicopatologia, no entanto, existem espaços
críticos que precisam ser explorados com eles.

Anamnese: sugestão de formato

Dados de identificação: nome, idade, estado civil, número de filhos, profissão, religião.

»» História da obesidade:

›› idade do início da obesidade;

›› história cronológica do peso (peso máximo, mínimo, atual, IMC);

›› primeira dieta e tentativas de perda de peso;

›› história da obesidade familiar;

›› atitude dos pais e familiares em relação à obesidade e à comida;

›› identificação de possíveis causas da obesidade.

»» Hábitos alimentares:

›› padrões alimentares (hábitos diários, extensão do abuso de comida,


preferência por doce ou salgado etc.);
62
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

›› identificação dos momentos do dia de maior ingestão, “beliscos”,


voracidade alimentar;

›› investigação da síndrome da fome noturna;

›› presença de vômitos, laxantes, diuréticos, anorexígenos etc.

»» Doenças associadas:

›› hipertensão, diabetes, dislipidemias, apneia do sono etc.

»» História psiquiátrica pessoal e familiar:

›› depressão e outras patologias;

›› tratamento, medicação, psicoterapia;

›› grau de propensão à adição e de impulsividade (cigarros, uso de álcool,


drogas, ideação ou tentativa de suicídio, exagero no gasto de dinheiro
com compras, no jogo etc.

»» Desenvolvimento (relacionamentos):

›› infância, adolescência, adulto;

›› sexualidade;

›› filhos;

›› trabalho/ocupação;

›› social.

»» Análise do modo de vida:

›› sedentária, hobbies, lazer.

»» Avaliação da motivação para a cirurgia e para a mudança:

›› verificar se há algum fator na vida do paciente que poderá vir a frustrar


ou sabotar o projeto de perder peso e permanecer magro.

»» Busca do significado da obesidade na vida do paciente e no seu grupo


social.

»» Verificação do quanto o ambiente pode lhe proporcionar apoio (família,


amigos, trabalho etc.). O apoio social é de grande importância para a
manutenção da perda de peso e mudanças no estilo de vida.

63
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

Vemos então, a importância do contato inicial do paciente com o psicólogo, da procura


por um bom atendimento, da forma como é recebido, da facilitação de criação de um
vínculo e da coleta de informações necessárias para o desenvolvimento do trabalho.

Segundo Franques (1982, p. 95):

É importante observar que a entrevista habilidosa não apenas extrai


informações essenciais sobre o diagnóstico do paciente, sua história
passada, situação atual de vida, problemas psicológicos, atitudes a
respeito do tratamento e motivação para o tratamento, mas também,
serve para dar ao paciente alguma objetividade a respeito do seu
distúrbio específico. Com frequência, essa objetividade é, em si mesma,
bastante reconfortante.

Torna-se importante se considerar que esse trabalho só fará sentido se o objetivo final
do psicólogo for o de organizar os elementos de que dispõe no estudo psicológico para
obter um maior entendimento do paciente, de forma a ajudá-lo.

É muito comum que se encontre em pacientes obesos e, particularmente, naqueles


mórbidos, uma inabilidade na percepção do tamanho de seu corpo, representando um
distúrbio da imagem corporal.

Esse distúrbio apresenta-se como defesa contra seu sofrimento em perceber,


exatamente, como o seu corpo é ou como ele se transformou. Eles falam sobre a sua
dificuldade ou negação em olharem-se adequadamente. Atitudes comuns como tirar
fotos, olhar-se no espelho de corpo inteiro, são coisas penosas para alguém que, mesmo
inconscientemente, tenha desenvolvido artifícios com o objetivo de negar a dor que a
imagem real causa.

Na avaliação de um paciente, obeso severo, para a gastroplastia, deve-se ter em mente


que este passará por uma mudança muito significativa e rápida, sobretudo, no que diz
respeito à imagem corporal. É importante que se identifique, no tratamento de pacientes
psicossomáticos, o transtorno da imagem corporal como um fator determinante à
capacidade de mudanças.

O indivíduo que não consegue se reconhecer como é ou está agora, consequência de anos
de uma doença crônica e sem cura, muito provavelmente não conseguirá incorporar,
de forma adequada, sua imagem magra e bonita. Esta passagem de um corpo obeso
e sem forma para uma aparência agradável e normal deve, antes de tudo, passar pelo
emocional e pelo consciente. A mente procura pelo equilíbrio, um psiquismo obeso
não pode habitar em um corpo magro. Essa combinação é o passaporte para o risco de
caídas e insucesso.

64
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

Ainda que não conscientemente, o indivíduo estimula o corpo a alinhar-se com a mente
engordando. É necessário que, na avaliação psicológica, o profissional trabalhe de
forma a capacitar o paciente a se olhar, interna e externamente, e enxergar o que os
demais enxergam, sem distorções.

Como imagem corporal, Gleiser (2006) referem-se à imagem do corpo como se


tratando de uma imagem tridimensional que todos têm de si mesmos. A construção
e a evolução dessa imagem ocorrem na relação objetal. As origens possuem, portanto,
bases fisiológicas e libidinosas. O autor falava de uma figuração de nosso corpo formada
em nossa mente.

Gleiser (2006) conceitua a imagem corporal como sendo o resultado da interação


psíquica e orgânica no indivíduo. Diz que a imagem corporal é construída pela
interação id e ego, concluindo que não há imagem corporal sem personalidade, uma
vez que a imagem corporal e a personalidade do indivíduo estão interligadas. O mesmo
autor coloca que, para aqueles que trabalham pacientes indicados à gastroplastia, é
importante considerar que “a imagem corporal não se modifica apenas por maturação,
doença ou mutilação, mas também por toda a insatisfação que está ligada ao próprio
distúrbio libidinal”.

Desenvolvimento e construção da imagem corporal na atualidade: um olhar


cognitivo- comportamental.

Disponível em: <http://rbtc.org.br/detalhe_artigo.asp?id=113>

Segundo Gleiser (2006), partindo dessa premissa, esse fato deveria ser a base de
todo o trabalho pré e pós-operatório de pacientes obesos mórbidos, uma vez que são
indivíduos que sofrerão modificações reais em seus corpos e, o sucesso da cirurgia estará
intimamente ligado à capacidade de que estes percebam a sua imagem verdadeira como
também, aquela de buscar outros pontos de prazer libidinais.

A conduta básica de alguém com um transtorno de imagem corporal é uma excessiva


preocupação com o peso. Este passa a ser o critério para avaliar sua felicidade, ânimo,
sucesso etc.

Técnicas projetivas gráficas


Têm o objetivo de avaliar a área afetivo-emocional. São acessíveis a indivíduos de
baixa escolaridade e que não conseguem se expressar verbalmente e muito úteis com
crianças pequenas que ainda não falam com clareza, mas que possuam um ótimo grau
de simbolização em atividades gráficas e lúdicas são simples e econômicos. Torna-se

65
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

importante considerar que gráficos se complementam com associações verbais que


garantem uma correta interpretação deles. Igualmente, releva-se também o nível
socioeconômico e cultural do indivíduo, idade cronológica e seu nível de maturidade
evolutiva.

A linguagem gráfica (assim como a lúdica) é a que mais se aproxima do inconsciente e do


ego corporal, oferecendo possibilidades maiores de acesso do que a verbal. Esses testes
apresentam o mais regressivo e patológico, sendo imperiosa sua comparação com
o material resultante de outros testes projetivos e objetivos de personalidade para
preencher o quadro. Os principais indicadores psicopatológicos nos testes gráficos são
o desenho livre, o desenho da figura humana e o desenho da casa-árvore-pessoa. Em
adição, estão o procedimento de desenhos-estórias de Trinca.

De posse da visão teórica, as técnicas projetivas dão ao psicólogo clínico uma amplitude
de visão dos motivos que conduziram o indivíduo a determinada situação e ao
atendimento. É um trabalho carregado de importância e que implica nas indicações da
terapêutica a ser conduzida e na indispensável orientação a ser passada ao paciente.

Neste ponto, torno a convidar você, desta vez para acompanharmos um relato de caso
clínico abordado por Tardivo (2006).

Ana(?) é uma jovem de 18 anos que vem para avaliação por estar sendo
indicada à cirurgia bariátrica (IMC 41).

Ela fala bastante na entrevista, trazendo toda a dificuldade (muito


consciente) que tem no trato com rapazes por ser gorda. Já namorou,
mas muitos amigos do jovem que é seu namorado não a aceitavam.
Tem problemas de obesidade desde a infância e já tentou diversos
tratamentos.

Ela mesma pediu atendimento psicológico com 14 anos. Tem muito


ciúme da irmã, que não é obesa, que nas brigas a ofende chamando-a
por apelidos. Fala de sua imensa dificuldade em reagir às situações, não
conseguindo responder e “engolindo” tudo o que falam sua irmã e suas
amigas. Quer ser diferente, quer mudar. Gostaria de saber reagir (fala
bastante das amigas).

Ela traz, como muito importante em sua vida, a morte do pai que
ocorreu em sua infância. Lembra-se dele e anda sente muita falta. Ela
ainda não era obesa na época. Fala também, que se dá bem com a mãe,
dando muita importância a ela em sua vida. Tem mais problemas com
um ex-marido da mãe.

66
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

Instrumentos projetivos

»» Desenha uma figura humana, do sexo masculino e faz a seguinte associação:

›› Bruno, 19 anos, ele não está fazendo nada; só está sorrindo, parece
feliz. Deve estudar e talvez trabalhar. Sabe o que quer, se vai dar certo,
eu não sei. Se tiver determinação, vai dar certo.

»» Desenha uma figura humana, de sexo diferente (feminino).

›› Associação: “Manuela, 19 anos, ela ainda não sabe o que quer, mas é
muito segura de si. Talvez se olhando no espelho, achando que é bonita.
Ela é bonita. Acho que pode acontecer com ela o que quiser, tem garra,
tem força, só não sabe o que quer ainda.”

Comentários interpretativos da autora:

»» Chama atenção a autoimagem distorcida, no sentido de desenhar e


expressar o que deseja.

»» Desenha figuras, em especial a feminina, magras e pequenas.

»» Mostra claramente, pela associação, o quanto deseja ser bonita e atrair.

»» Evidencia claramente a busca da identidade.

»» Em contrapartida, os aspectos gráficos denotam mais insegurança e


dificuldades (figuras pequenas, embaixo da folha).

As figuras são harmoniosas, bem desenhadas e integradas, o que reflete o predomínio


de tendências integradoras na personalidade. É possível que Ana vivencie uma situação
depressiva e, ao mesmo tempo, um conflito em relação a como se vê e como se relaciona.
Fica ainda muito clara a busca de transformação e superação. Esses aspectos foram
trabalhados pela psicóloga com a jovem que se mostrou muito disponível ao atendimento.

Procedimento de desenhos-estórias:
primeira unidade de produção

No desenho, identifica-se um prédio de quatro andares. Vê-se a porta e duas janelas em


cada um dos três andares. No alto do prédio lê-se Hospital.

História: “O meu maior sonho é ser médica, eu gosto da movimentação, de ver as


pessoas. Esperança, dar esperança para as pessoas que eu não tive. Eu me sinto bem se
ajudar as pessoas.” Título: “Sonho”.

67
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

Procedimento de desenhos-estórias:
segunda unidade de produção

No desenho, identifica-se uma casa com porta e janela e beiral. Fora estão duas figuras,
masculina e feminina.

História: “Eu detesto verde, mas tudo tem que ser verde. Acho mais natural. Não é a
relação distante que passa na cidade. Eu quero um dia voltar a ser feliz, como quando
meu pai era vivo. Ter meu marido, ter filhos, num lugar mais tranquilo. Eu, marido
e filhos. Depois de oito anos da morte do meu pai, eu entrei novamente na casa que
morava. Lá era tudo meu pai... à noite eu ia e dormia no meio.”

Título: “Felicidade”.

Procedimento de desenhos-estórias:
terceira unidade de produção
No desenho, um avião em voo.

História: “Minha vontade de viajar, vontade de me transformar em outra pessoa. De


repente, como uma viagem. Deixar de ser besta, as pessoas pisam porque sabem que
eu não vou fazer nada. Minha irmã me chama de gorda, e eu nunca falei: cabeçuda,
orelhuda.” Título: “Fuga de realidade”.

Procedimento de desenhos-estórias:
quarta unidade de produção
No desenho, um rosto com detalhe para os olhos, nariz e um largo sorriso mostrando
todos os dentes.

História: “Quero ser feliz, ser Ana. Eu tô gostando de mim, tô feliz, tô me aceitando.
Não vai importar o que os outros vão fazer, pois não quero mais elogio, ou consolo.”

Título: “Eu”.

Procedimento de desenhos-estórias: quinta


unidade de produção
No desenho, veem-se dois casais, não muito detalhado, apenas contornos, cabelos, olhos,
nariz e boca visíveis. Nos homens o corpo é um retângulo e nas mulheres, triângulos,
formando em um só o corpo e a saia.

História: “Acho que é o que vai acontecer. Esse eu quero que minha mãe seja feliz,
alguém goste dela. Que nós sejamos felizes por nós mesmos e não se lamentando porque
estamos em casa.” Título: “Realidade”.
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O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

Comentários da autora:

Ana fala o tempo todo de si. Usa a primeira pessoa, aproveitando o D-E para expressar seus
desejos, seus sonhos, suas angústias e suas dificuldades. Não se pode dizer que houve uma
identificação projetiva, no sentido patológico, seguindo uma interpretação tradicional das
técnicas projetivas, na verdade, houve um encontro verdadeiro entre psicóloga e ela.

Ana traz seu desejo de ser médica, de poder ajudar as pessoas, da mesma forma como
pede ajuda nesse momento de sua vida. Embora diga que não foi ajudada, está lá
diante de uma psicóloga que a escuta e tende, pedindo e sendo ajudada. Pode-se pensar
em tendências reparadoras e de integração que ela pode usar em relação a si mesma
(amparada por um processo psicoterápico) e em relação aos outros.

Aprofundando um pouco mais, vê-se na segunda unidade, um conflito: detesta o verde,


mas o usa em seu desenho e diz que tudo tem de ser verde. Expressa a sua tristeza no
momento e a falta que sente de uma família (embora fale da relação forte que tem com a
mãe). Pode-se ver a expressão da perda e da falta do pai. Ao mesmo tempo, também traz
esperança, falando de impulsos reparadores e no desejo de sumir e ser outra pessoa,
expressando as tendências depressivas que já haviam surgido na forma mais discreta
no desenho da figura humana.

O D-E como instrumento favorece esse aprofundar-se na vida mental de forma que
as tendências vão emergindo, quando há um espaço de escuta e continência (como foi
o caso). No entanto, há ainda um desejo de mudar, não se constituindo um quadro
depressivo muito intenso e que a paralise. Ao contrário, Ana parece muito motivada a
sair da situação depressiva mobilizando impulsos reparadores. Estes se mostram nas
últimas unidades.

Na quarta unidade desenha a si mesma (não faz o corpo, mas um grande rosto que
ocupa toda a folha), refletindo a busca de sua identidade, de fato (esse momento parece
decisivo em sua vida). Nesse caso, a autoimagem é mais compatível com ela. Na última,
sai do sonho da segunda unidade, trazendo uma realidade que é possível. Ser feliz em
sua própria casa, ou seja, em seu próprio corpo e sua própria mente. Evidencia aí a forte
relação de afeto que tem com a mãe e a busca de realização para ambas.

Questionário desiderativo

Positivas

1. “Cachorro, porque eu gosto, por causa da relação com as pessoas. Ele tem
uma relação mais próxima, mais carinhosa, tem o sentido de guardar.”

69
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

2. “Livro, porque é algo que distrai.”

3. “Lua, porque é o maior consolo que a gente tem. Ela é sempre bonita,
sempre brilhando.”

Negativas

1. “Rato, porque é um animal nojento, ninguém gosta dele, as pessoas têm


nojo.”

2. “Inveja, porque é pior que o ódio.”

(A psicóloga repete a instrução e a pergunta: Se você não fosse nem uma


pessoa, nem um animal, o que menos gostaria de ser? Por quê?)

3. “Livro de História do Brasil, porque tem muita mentira, é muito hipócrita.”

4. “Chuva, porque ninguém consegue entender o quanto é importante; nas


férias ninguém gosta dela.”

Comentários:

Ana apresenta um QD completo, com “falha” na segunda dissociação instrumental


(na segunda escolha) quando dá a mesma resposta na positiva e na negativa (livro).
Evidencia-se um conflito ao qual já foi aqui referido anteriormente e a busca de sua
identidade. É uma escolha inadequada de um sentimento (inveja) também na segunda
negativa. A expressão desse sentimento, porém, denota sua dificuldade em lidar com
esses impulsos e confirmam a presença de indicadores de depressão.

Seu QD tem outros indicadores de depressão (respostas lua e chuva), com ênfase
nas relações com os outros, na busca de afeto e valorização. Evidencia-se a falta de
valorização que sente; porém, pela primeira escolha positiva, o mais importante está na
relação afetiva e nos impulsos reparadores.

Conclusão da autora:

De uma forma sucinta, Ana permitiu que a conhecêssemos e buscássemos compreendê-la.


A jovem sofre e busca ajuda. Parece ter uma estrutura “evoluída”, em se tratando
de psicopatologia psicanalítica. Tem um ego bem-estruturado com predomínio de
tendências reparadoras e aspectos depressivos. Apresenta, a meu ver, as condições para
enfrentar um procedimento cirúrgico e a necessidade de um apoio psicoterápico a fim
de empreender a principal tarefa da vida de uma pessoa: ser ela mesma.

70
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

A escala de Avaliação de Sintomas – 40 (EAS-40) –


adaptada e validada por Laloni (2001)
A EAS-40, uma escala de 40 itens, de tipo autorrelato, visa avaliar sintomas
psicopatológicos e foi adaptada do Symptom Checklist-90-R (SCL-90-R) para pacientes
ambulatoriais brasileiros de hospitais gerais. 

Na ótica da psicologia, não há trabalhos que tenham relação com obesidade, em número
significativo e, os resultados apresentados nem sempre encontram partidários, embora
se concorde com a existência de fatores diversos que possam estar ligados a ela.

Particularmente referente à obesidade de grau III, há sugestões sobre haver


comprometimento psicológico significativo entre indicados ao procedimento cirúrgico
bariátrico metabólico, como também que se aproximariam da população em geral, uma
vez que não existiriam níveis significantes de alguma sintomatologia psicopatológica.

Não há consenso, mas estudos relatam a existência de sucesso com relação ao quadro
emocional, evidenciada nos meses iniciais após a cirurgia que se estendem por até
dois anos.

Escala de alexitimia de Toronto


Alexitimia corresponde a um construto multidimensional relativo a uma deficiência
no processamento das emoções e inclui, dificuldade de identificação e descrição dos
próprios sentimentos e emoções; confusão das emoções com sensações corporais;
rebaixamento na capacidade de fantasiar; e um estilo cognitivo orientado para o exterior
(TAYLOR, 2000; TAYLOR; BAGBY, 2004). Dentre os instrumentos de avaliação existentes
optou-se pela Toronto Alexithymia Scale (TAS) (TAYLOR; RYAN; BAGBY, 1985), cuja
versão em português demonstrou estrutura fatorial compatível à da original em inglês e
à da versão em espanhol, em amostra com universitários brasileiros (YOSHIDA, 2000).
Outras pesquisas, com a mesma versão da TAS, já indicaram a associação de alexitimia
com medida de depressão (MACIEL; YOSHIDA, 2006), neuroticismo (MACIEL;
YOSHIDA, 2006; YOSHIDA, no prelo), qualidade de vida (PICCOLI, 2005) e sintomas
psicopatológicos (PREGNOLATTO, 2005; YOSHIDA, no prelo).

Inventário de Depressão de Beck – BDI


As Escalas Beck são compostas pelo Inventário de Depressão (BDI), Inventário de
Ansiedade (BAI), Escala de Desesperança (BHS) e Escala de Ideação Suicida (BSI). O
BDI mede a intensidade da depressão, e o BAI, a intensidade da ansiedade. A BHS é

71
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

uma medida de pessimismo e oferece indícios sugestivos de risco de suicídio em sujeitos


deprimidos ou que tenham história de tentativa de suicídio. A BSI detecta a presença de
ideação suicida, mede a extensão da motivação e planejamento de um comportamento
suicida. Usadas em sujeitos não psiquiátricos, mas as normas foram desenvolvidas para
uso com pacientes psiquiátricos. Faixa etária: 17 a 80 anos de idade. (CUNHA, 2001)

Inventário de Depressão de Beck – BAI


Esse inventário foi proposto por Beck para medir os sintomas comuns de ansiedade.
O BAI consta de uma lista de 21 sintomas com quatro alternativas cada um, em
ordem crescente do nível de ansiedade. O paciente opta por aquela que lhe parecer
mais apropriada. O inventário é autoaplicável. A soma dos escores identifica o nível de
ansiedade. Esse instrumento foi validado no Brasil, com a seguinte classificação: zero
a 10 – Mínimo; 11 a 19 – Leve; 20 a 30 – Moderado e 31 a 63 – Grave (CUNHA, 2001).

Defensive Style Questionaire (DSQ-40)


Bond et al. desenvolveram o DSQ como um questionário autorrespondido com 67 itens
para avaliar os derivativos conscientes dos mecanismos de defesa. O objetivo desse
instrumento é o de identificar o estilo característico de como as pessoas – consciente ou
inconscientemente – lidam com o conflito baseadas na ideia de que elas podem fazer
comentários precisos sobre seu comportamento.

Andrews et al. reorganizaram o instrumento em 40 perguntas relacionadas às defesas


descritas no DSM-III-R.4 Quatro delas estão relacionadas ao fator maduro (sublimação,
humor, antecipação e supressão); quatro estão relacionados ao fator neurótico
(anulação, pseudoaltruísmo, idealização e formação reativa) e 12 ao fator imaturo
(projeção, agressão passiva, atuação, isolamento, desvalorização, “fantasia autista”,
negação, deslocamento, dissociação, clivagem, racionalização e somatização).

O relatório psicológico: preparação e


fechamento
Este relatório, na cirurgia bariátrica, é assunto vasto, de várias especificidades e de
conteúdo, geralmente, não é muito esmiuçado na formação do profissional em
psicologia. Serão abordadas distintas posições: por um lado o profissional que participa
da fase pré-operatória e responde pelo relatório e por outro, o profissional com domínio
em avaliação psicológica e na legislação aplicada à profissão do psicólogo.

72
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

Como já foi visto, o psicólogo atende, normalmente, o paciente encaminhado por um


médico cirurgião. Vimos também, não haver uma solicitação direta do paciente ao
psicólogo e cabe a este “julgar” se ele será ou não indicado para a cirurgia. Como se pode
inferir, nessa condição, o trabalho a ser desenvolvido pode configurar-se com bastante
dificuldade, e o princípio será amealhar dados. O psicólogo não deve atribuir a si o direito
de decidir pelo paciente (no desfecho do relatório) a opção que este fez pela cirurgia.

O trabalho estará vinculado à participação colaborativa por parte do paciente, onde


este deve ser sincero e honesto, de forma que o psicodiagnóstico possa ser elaborado
de forma a produzir ou não sustentação à decisão do paciente. Com ele, é possível
reconstruir o rumo de sua história e os prováveis significados que engordar e emagrecer
conferem a ele.

Na prática clínica, o psicólogo deve se questionar quanto à possibilidade da obesidade


grau III ser originado sobretudo, de indivíduos que apreciam o que comem. Na prática,
o que se constata é que pacientes com esse comportamento podem desenvolver um
sobrepeso ou, no máximo, obesidade moderada.

Acontece se dado ao paciente a acomodação suficiente para que relate seus sentimentos
com relação ao comer, embora estes resistam bastante, podem surgir declarações de
que o ato de comer ultrapassa em muito a esfera do prazer: “é escravo do comer... sente-se
coagido a comer, apesar de já satisfeito”.

Pacientes obesos tendem a negar ou minimizar o consumo de alimentos pastosos e líquidos


hipercalóricos, o que faz com que suas entrevistas devem ser manejadas de forma atenta.
É imprescindível que o psicólogo se concentre nas contradições e questione o paciente,
por diversas vezes e em contextos diferentes sobre esses mesmo dados.

Deve-se diagnosticar, com muito cuidado, todos os tipos de transtornos alimentares,


visto que estes poderão tornar mais vulneráveis os pacientes no pós-operatório, o que está
sendo corroborados pela literatura. Desta forma, sua existência deve ser do conhecimento
do médico-cirurgião e do próprio paciente e, quando necessário, o encaminhamento
para o psiquiatra ou endocrinologista para o tratamento medicamentoso. Outro item
que deve ser inserido no relatório psicológico é um trabalho direcionado à prevenção
dos episódios de vômitos no pós-operatório.

Não só a contribuição como o aprendizado da psicologia na área de cirurgia bariátrica, por


vezes, está calcada no sofrimento dos pacientes. Baseado nos relatos dos casos clínicos
iniciais da cirurgia bariátrica relacionados ao aparecimento dos episódios de vômitos
nas fases do pós-operatório foi possível que se estabelecesse um plano diagnóstico e de
intervenção clínica com a finalidade de diminuir e eliminar esses episódios.

73
UNIDADE II │ O PAPEL DO PSICÓLOGO

De maneira geral, esses pacientes não fazem uma mastigação correta, deixam de
fazer uma das refeições principais, normalmente, no momento da alimentação estão
entretidos com estímulos vindo de uma televisão, um jornal ou outros. Isto demanda
a solicitação de um diário alimentar, utilizando no trabalho com eles, técnicas da
psicologia comportamental. Isto deve ser feito em período anterior à cirurgia, uma
vez que a mudança de hábitos não ocorre durante as tentativas iniciais. Os caminhos
de construção e de solidificação para a obesidade fornecem conteúdo produtivo para
serem abordados para a conclusão do relatório psicológico.

Este relatório apresenta uma sinopse de todo o trabalho realizado no período de


atendimento pré-operatório e será entregue ao paciente em seu último encontro antes
da cirurgia.

Seu conteúdo é lido e discutido, ratificando o compromisso assumido pelo paciente e


alguns pontos de alerta, para que ele tenha sucesso com a cirurgia, pois embora operado,
tem papel preponderante no seu processo de emagrecimento.

Concluindo as dúvidas do paciente em sua derradeira consulta, é interessante a


participação de um familiar, a escolha do paciente, na discussão do trabalho realizado
até o momento. Esta pessoa, provável acompanhante na internação, será instruída
sobre como proporcionar bem-estar ao paciente no pós-operatório.

O relatório pode, também, servir de mídia para a desmistificação da ideia fantasiosa do


paciente em relação à cirurgia. Propõe-se que o conteúdo do relatório tenha a assinatura
do terapeuta, paciente e familiar.

Uma palavra do endocrinologista aos


psicólogos
Venho aqui transcorrer-lhes sobre nossa relação no tratamento da obesidade,
mais especificamente, na cirurgia bariátrica, além de pretender apontar algumas
sugestões e levantar algumas problemáticas nessa área.

É difícil para o obeso mórbido, muitas vezes, em virtude do seu preparo


pré-operatório, passar pela avaliação da psicologia. Eu diria que essa dificuldade
é muito maior para ele do que submeter-se a mais radical das cirurgias.
Por isso, acredito que não vai depender somente da psicologia a arte do
importar-se com o verdadeiro eu do indivíduo obeso. Cabe também a nós,
profissionais médicos, cirurgiões, endocrinologistas e outros especialistas que
atuam nessa área, enxergar o porquê dessa importância. Muito temos a aprender
com vocês e, vocês muito terão a nos ensinar, inserindo-se ou mostrando-se
mais no nosso contexto profissional, especialmente nessa vasta e “obesa área”.

74
O PAPEL DO PSICÓLOGO │ UNIDADE II

Tratar o obeso mórbido, o obeso não mórbido (obesidade grau I e grau II)
ou qualquer grau de obesidade é dar conta de um continente que não se
contém, tanto isso é verdadeiro, que se deixarmos, progride à sua morbidade
até o fim mais catastrófico. E, como alguém pode “se explodir” numa doença
de complicações tão variadas que caberiam muitas e longas observações por
vocês psicólogos?

José O. Cervantes-Loli

75
Para não finalizar

Caro aluno,

Este material foi elaborado para que você, interessado no assunto, compreendesse
os principais conceitos relacionados às diversas técnicas de cirurgia bariátrica e as
contribuições do psicólogo no processo de preparação do paciente para a operação e o
acompanhamento durante e posterior à cirurgia.

Estão aqui abordados, entre outros, a avaliação psicológica e os instrumentos que o


profissional utiliza, os transtornos que acometem os pacientes obesos, quando operar
e, a participação necessária da equipe disciplinar no processo.

Que este material possa fornecer subsídios importantes para sua formação e
aperfeiçoamento. O conteúdo não foi esgotado, o objetivo foi aguçar sua curiosidade
instigando-o a prosseguir no domínio de uma área tão rica e de tão pouca bibliografia.

Bons Estudos!

76
Referências

BARRA, E.A. Psicología de la salud: Concepción. Chile: Universidad de Concepción,


Proyecto de Desarrollo de la Docencia; 2000. p.7.  

BERTI, Luiz Vicente. Cirurgia bariátrica e metabólica: abordagem multidisciplinar.


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Pearson, 2001.

DA COSTA, Paulo Roberto. Cirurgia bariátrica e metabólica: abordagem


multidisciplinar. São Paulo: Atheneu, 2012.

DINIZ, M. T. C. Cirurgia bariátrica e metabólica: abordagem multidisciplinar.


São Paulo: Atheneu, 2012.

FARIA, Marcos Daniel. Cirurgia bariátrica e metabólica: abordagem


multidisciplinar. São Paulo: Atheneu, 2012.

FERRAZ, Edmundo Machado. Cirurgia bariátrica e metabólica: abordagem


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FILHO, Euclides Dias Martins. Cirurgia bariátrica e metabólica: abordagem


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FRANQUES, A.R.M. Contribuições da psicologia na cirurgia da obesidade.


São Paulo: Vetor, 2006.

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br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-82712007000100004>. Acesso em: 10
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MATOS, Mariana. Cirurgia bariátrica e metabólica: abordagem multidisciplinar.


São Paulo: Atheneu, 2012.

MENDES, Cláudia Maria de Castro. Cirurgia bariátrica e metabólica: abordagem


multidisciplinar. São Paulo: Atheneu, 2012.

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REFERÊNCIAS

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SEBASTIANI, R.W. Histórico e Evolução da Psicologia da Saúde numa Perspectiva


Latino-americana. In: Camon VAA editor. Psicologia da saúde: um novo significado
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VERSÃO EM PORTUGUÊS DO DEFENSE STYLE QUESTIONAIRE (DSQ-


40) para avaliação dos mecanismos de defesa: um estudo preliminar. Revista
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TARDIVO, L. C. O atendimento em psicodiagnóstico interventivo na clínica-escola: o


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