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Anais do II Congresso Internacional Línguas Culturas e Literaturas em Diálogo: identidades silenciadas

ISBN 978-85-64124-60-8

“FALO SOMENTE COM O QUE FALO”: VOZ E SILÊNCIO SERTANEJOS


NA POESIA DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Renan NUERNBERGER (doutorando – USP)


E-mail: renannuernberger@gmail.com

RESUMO

Desde a década de 1950, a partir de O cão sem plumas (1951), a poesia de João Cabral de Melo Neto se
impôs o desafio de representar a realidade social do Nordeste brasileiro de maneira consistente e, ao
mesmo tempo, manter o rigor de sua reflexão metalinguística, baseado na consciência construtiva
desenvolvida nos livros imediatamente anteriores, O engenheiro (1945) e Psicologia da composição
(1947). A tensão entre a referência à realidade objetiva – cuja ambição, no limite, era participar
ativamente de certo processo de transformação social – e a construção metalinguística – sinalizando uma
poesia autocentrada em seus próprios procedimentos estilísticos –, problema já bem localizado pela
crítica cabralina, é um ponto fundamental para a compreensão da obra madura de João Cabral, sendo o
cerne da poética de um livro como A educação pela pedra (1966). Nossa proposta é analisar essa tensão
a partir das estratégias de formalização da voz do sertanejo na poesia de Cabral, analisando os
movimentos de aproximação e afastamento entre o ponto de vista do poema e essa voz.

PALAVRAS-CHAVE: JOÃO CABRAL DE MELO NETO; POESIA MODERNA; METALINGUAGEM;


REFERENCIALIDADE

No final da década de 1940, em seus primeiros anos como embaixador brasileiro na


Europa, João Cabral de Melo Neto foi surpreendido por um artigo jornalístico que mencionava
os números alarmantes da baixa expectativa de vida no Recife. A terra natal que, até então,
nunca aparecera de maneira clara na já relativamente extensa obra do poeta, surgiria em seu
imaginário, à distância, por meio desse dado incômodo. Tanto assim que, nos anos seguintes,
entre os postos de Barcelona e de Londres283, o autor se dedicaria a um novo poema-livro, O
cão sem plumas, que inauguraria a presença ostensiva de Pernambuco como motivo de sua
obra.
É claro que já havia a defesa de um projeto político-social em O engenheiro, de 1945, no
qual os ideais poéticos de clareza e cálculo coadunavam-se ao anseio por um “mundo justo”.
Todavia, esse projeto – ainda que nutrido pelas realizações objetivas da arquitetura moderna
brasileira284 – não aterrissava no solo histórico, ignorando os dilemas reais que a construção
desse novo mundo enfrentaria. A promessa abstrata de justiça social ganharia concretude com
a lama da experiência local, descoberta de longe pelo poeta em O cão sem plumas.
A insistência em marcar essa distância entre a composição do poema e sua matéria
social não é leviana, uma vez que o próprio livro tematiza, em plano metalinguístico, a
dificuldade de aproximação entre o olhar do poema e seu objeto. O cão sem plumas estrutura-
se por uma complexa cadeia de imagens – “A cidade é passada pelo rio/ como uma rua/ é

283 ESSAS INFORMAÇÕES BIOGRÁFICAS FORAM RETIRADAS DE ENTREVISTAS DO POETA, REUNIDAS EM IDEIAS FIXAS DE JOÃO
CABRAL DE MELO NETO (CF. ATHAYDE, 1998, P. 104), E DE SUA CORRESPONDÊNCIA COM MANUEL BANDEIRA (CF.
SÜSSEKIND, 2001, P. 114).
284 UMA ANÁLISE CUIDADOSA SOBRE A RELAÇÃO DE JOÃO CABRAL COM A ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA NOS ANOS
1940 PODE SER ENCONTRADA NO ENSAIO DE VAGNER CAMILO, “DE POETAS, FUNCIONÁRIOS E ENGENHEIROS” (CF. 2006).

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passada por um cachorro (…)” (MELO NETO, 1956, p. 63) – que procura traduzir as contradições
encontradas em torno do rio Capibaribe. A relação, portanto, entre o olhar do leitor e a
contundência da matéria é mediada por essa cadeia de imagens – i. e., a linguagem poética –,
cujo intuito não é apenas descrever as condições precárias de vida dos ribeirinhos, mas dar uma
forma artística que alcance a dimensão de sua espessura285.
É assim que a realidade adentra a poesia de João Cabral de Melo Neto na década de
1950, marcando uma fase de profunda preocupação social do autor, sempre articulada à sua
reflexão consistente sobre o próprio fazer poético. É dessa época, por exemplo, suas
proposições em favor de uma poesia de maior alcance comunicativo, apresentadas na tese “Da
função moderna da poesia”, no Congresso de Poesia de São Paulo, em 1954. Para Cabral,
naquele momento, o abismo que separava poetas e leitores era resultado do desajuste entre a
criação poética e as novas condições de vida em sociedade:

Como a necessidade de comunicação foi desprezada e não entra para nada em


consideração no momento em que o poeta registra sua expressão, é lógico que
as pesquisas formais do poeta contemporâneo não tenham podido chegar até
os problemas de ajustamento do poema à sua possível função. As
conveniências do leitor, as limitações que lhe foram impostas pela vida
moderna e as possibilidades de receber poesia, que esta lhe forneceu, embora
de maneira não convencional não foram jamais consideradas questões a
resolver. A poesia moderna – captação da realidade objetiva moderna e dos
estados de espírito do homem moderno – continuou a ser servida em
invólucros perfeitamente anacrônicos, e em geral imprestáveis, nas novas
condições que se impuseram (MELO NETO, 2006, p. 768-769).

Essa preocupação comunicativa trouxe consequências imediatas à obra de Cabral,


evidentes na chamada de trilogia do Capibaribe: O cão sem plumas, de 1951, O rio, de 1954, e
Morte e vida severina, de 1955. Como observa Thaís Toshimitsu, os três livros, embora abordem
a mesma matéria, se diferenciam pela progressiva “diminuição da distância entre a voz poética
que enuncia o poema e a matéria histórica de que ele se faz” (2009, p. 60): O cão sem plumas –
como apontamos acima – é escrito em terceira pessoa e apresenta a paisagem por meio de uma
intrincada cadeia de imagens, O rio cede a voz ao próprio Capibaribe, que descreve seu percurso
numa linguagem mais direta e, por fim, Morte e vida severina possui uma estrutura dramática
que dá voz a Severino, o retirante, cuja viagem é o fio condutor da peça.
O anseio por maior comunicabilidade, desse modo, converte-se num esquema de escrita
deliberadamente mais prosaico, adequado tanto à ampliação de público quanto ao tratamento
mais direto da temática social. Todavia, relendo a contrapelo, é preciso frisar que essa redução
progressiva entre voz e matéria encontra um êxito apenas relativo, mantendo no conjunto a
dificuldade do poeta em estabelecer uma forma na representação daquela realidade. Quer
dizer, cada um dos poemas enfrenta o mesmo percurso, a mesma ideia fixa, assinalando a
impossibilidade de captar a realidade objetiva numa única perspectiva. Considerar que o esforço
de aproximação entre o ponto de vista do poema e a matéria social resolve, em absoluto, a crise
sinalizada pelo próprio Cabral em “Da função moderna da poesia” seria justamente retirar a
complexidade desse processo, no qual cada uma das etapas condensa uma unidade
independente – o poema em si – e, ao mesmo tempo, participa da construção global da obra.

285 UMA PASSAGEM CÉLEBRE DA ÚLTIMA PARTE DO POEMA EXEMPLIFICA BEM ESSE PROCESSO: “ESPESSA/ COMO UMA MAÇÃ
É ESPESSA./ COMO UMA MAÇÃ/ É MUITO MAIS ESPESSA/ SE UM HOMEM A COME/ DO QUE SE UM HOMEM A VÊ./ COMO É
AINDA MAIS ESPESSA/ SE A FOME A COME./ COMO É AINDA MUITO MAIS ESPESSA/ SE NÃO A PODE COMER/ A FOME QUE A VÊ”
(MELO NETO, 1956, P. 77-78).

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Em outras palavras, a representação da pobreza às margens no rio Capibaribe se torna mais


consistente na conjugação dos três livros, num jogo de confluências e contrastes.
Nesse sentido, é bom lembrar que, paralelamente a Morte e vida severina, João Cabral
elaborou Uma faca só lâmina, poema que radicaliza a densa reflexão – presente em O cão sem
plumas – sobre os limites entre linguagem, imagem e realidade, como uma espécie de ressalva
diante da impossibilidade de uma articulação harmoniosa entre essas três instâncias. Afinal,
como lemos na última parte, após desdobrar a imagem da “faca” em outras duas, a do “relógio”
e a da “bala”, o poema volta “à lembrança/ que vestiu tais imagens/ e é muito mais intensa/ do
que pode a linguagem” e “por fim à realidade,/ prima e tão violenta/ que ao tentar apreendê-
la/ toda imagem rebenta” (MELO NETO, 1956, p. 24).
Em linhas gerais, Uma faca só lâmina encena a insuficiência da linguagem na construção
da imagem, “muito mais intensa” do que o instrumento do poeta é capaz de mostrar. Por outro
lado, o verbo “rebentar” no verso final possui um sentido ambíguo, que pode tanto indicar o
despedaçamento quanto o surgimento da imagem, em sua tentativa de apreender a realidade
“prima e tão violenta”. Há, assim, uma relação desigual entre essas três instâncias, que sinaliza
uma contradição que ganharia cada vez mais importância na poesia cabralina, sobretudo em A
educação pela pedra, de 1966: não é possível transfigurar com precisão a realidade concreta em
imagem por meio da linguagem poética, todavia é apenas por meio do trabalho rigoroso com
essa linguagem que tal impossibilidade se revela – e, mais do que isso, a explicitação desses
desníveis permite ao poeta elaborar uma outra forma, ainda que frágil, de apreensão da
realidade.
Voltando ao contraste entre Morte e vida severina e Uma faca só lâmina, livros do
mesmo ano, pode se dizer que a tensão entre ambos fundamenta a dualidade da poesia de João
Cabral nos anos 1950, sintetizada no volume Duas águas. Na reunião dos livros anteriores, a
reflexão teórica do autor no supracitado “Da função moderna da poesia” determina a
reorganização dos poemas, conforme assinala o texto da orelha:

Duas águas querem corresponder a duas intenções do autor e –


decorrentemente – a duas maneiras de apreensão do leitor ou ouvinte: de um
lado, poemas para serem lidos em silêncio, numa comunicação a dois, poemas
cujo aprofundamento temático quase sempre concentrado exige mais do que
leitura, releitura; de outro lado, poemas para auditório, numa comunicação
múltipla, poemas que, menos que lidos, podem ser ouvidos. Noutros termos, o
poeta alterna o esforço de uma melhor expressão com o de melhor
comunicação (MELO NETO, 1956, s/p).

A divisão entre “poemas para serem lidos em silêncio” e “poemas para auditório” repõe
a preocupação de João Cabral quanto ao problema da comunicação, marcando duas atitudes
diferentes: na primeira parte, as composições de “melhor expressão” – Uma faca só lâmina,
Paisagens com figuras, O cão sem plumas, Psicologia da composição, O engenheiro e Pedra do
sono –; na segunda, as de “comunicação múltipla” – Morte e vida severina, O rio e Os três mal-
amados. Num poeta obcecado pela ordenação geométrica, é evidente o desequilíbrio entre as
duas águas – seis livros na parte I e apenas três na parte II. Assim, há uma clara predileção de
Cabral pela construção de poemas que exigem “mais do que leitura, releitura”, apesar de suas
investidas no outro polo. Não custa frisar, aliás, que os poemas da segunda água são textos
dramáticos – se pensarmos em O rio como um monólogo –, cuja realização plena pressupõe, em
alguma medida, um trabalho cênico que saiba encontrar a dicção adequada para apresentá-los
ao público.

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Independentemente disso, a segunda seção de Duas águas revela uma das estratégias
do poeta para dissociar sua voz a de um eu-lírico “singular”. Quer dizer, ao enfatizar a vocação
dramática de sua poesia, João Cabral impede que a voz do poema se encerre num sujeito
específico, fazendo-a ecoar de uma maneira potencialmente coletiva. Há uma espécie de coro
silencioso que acompanha a voz enunciadora286, cuja presença relativiza a particularidade de
quem fala. Afinal, como afirma Severino no auto de natal pernambucano:

Somos muitos Severinos


iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.

(MELO NETO, 1956, p. 172)

Essa coletivização da voz do sertanejo define a condição do personagem como um


fenômeno social facilmente identificável no Brasil dos anos 1950, dentro do amplo fluxo de
migração para os grandes centros urbanos. Generalizando o drama de Severino antes de iniciar
sua jornada até o Recife, o poema impede uma leitura que particularize a trajetória do
personagem. É bom frisar, aliás, que é o próprio Severino que se apresenta ao público por meio
da equiparação entre seus iguais – “[nós] somos” –, de modo que sua voz individual mantenha
sempre o espectro desse coro silencioso. Somente no final de sua apresentação, já devidamente
coletivizado, Severino retoma a primeira pessoa do singular:

Somos muitos Severinos


(…)
Mas para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra

(Op. cit., p. 173, grifos meus).

Por outro lado, a introdução do personagem revela certo distanciamento entre si


mesmo e os interlocutores a quem se dirige, chamados de “Vossas Senhorias”. Quer dizer, a
identificação entre os Severinos não se projeta no público, que se mantém apartado da situação
coletiva, observando à distância a viagem do retirante. Em outras palavras, a despeito das
intenções de Cabral, o poema incorpora formalmente a separação entre seu objeto – o sertanejo
de “pouca tinta” – e seu destinatário – o indivíduo cultivado, frequentador de teatros ou leitor
de poesia –, gerando à revelia um estranho movimento: o esforço do poema em incorporar a

286 NO POEMA DE ABERTURA DE A EDUCAÇÃO PELA PEDRA, “O MAR E O CANAVIAL”, DESTACA ESSE ESQUEMA: “A ELOCUÇÃO
HORIZONTAL DE SEU VERSO; / A GEÓRGICA DE CORDEL, ININTERRUPTA,/ NARRADA EM VOZ E SILÊNCIO PARALELOS.” (MELO
NETO, 1966, P. )

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voz do outro não consegue fazer com que a comunicação almejada se dê plenamente fora de
seus limites de classe.
Esse problema, obviamente, não passou despercebido por João Cabral. Depois do êxito
da montagem de Morte e vida severina, em 1966, com a celebrada montagem do TUCA,
vencedora do prêmio do 4º Festival Mundial de Teatro Universitário em Nancy, o poeta acusaria
seu auto de natal de não ter realizado ainda sua verdadeira função:

Eu tenho a impressão de que [Morte e vida severina] é um poema fracassado.


Escrevi para esse leitor ou auditor do romanceiro de cordel, para esse Brasil de
pouca cultura, e esse Brasil nunca manifestou nenhum interesse por ele. Quem
manifestou interesse por ele foi o Brasil das capitais, o Brasil que vai aos teatros.
Foi um grande mal-entendido. Quem gosta dele é a gente para quem eu não
escrevi. E a gente para quem eu escrevi nunca tomou conhecimento dele (apud
ATHAYDE, 1998, p. 110).

Essa percepção desencantada servirá de base para a construção de A educação pela


pedra, publicado no mesmo ano. Aqui o sertão torna-se o motivo que atravessa o livro,
concentrando-se na imagem contundente da pedra, como podemos ler no poema homônimo:

Uma educação pela pedra: por lições;


para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

*
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

(MELO NETO, 1966, p. 20-21 )

Na primeira estrofe, visualmente maior, o poema apresenta as lições de poesia


aprendidas da pedra. Essa “cartilha muda”, dividida em quatro disciplinas – “dicção”, “moral”,
“poética” e “economia” –, não se mostra de maneira dócil. Ao contrário, aquele que pretende
aprender essas lições precisa esforçar-se para captar esses ensinamentos. Não custa ressaltar,
aliás, que a escolha da preposição – “aprender de” no lugar de “aprender com” – também
enfatiza o esforço necessário nesse contato. Por isso mesmo, esse aprendizado ocorre “de fora
para dentro”: o poema adquirirá uma linguagem própria à medida que incorporar as
características da pedra.
Sabendo disso, é preciso destacar que “A educação pela pedra”, conquanto evite a
expressão subjetiva de um indivíduo, tampouco se pretende a exposição imediata da voz da

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pedra. Se esse tipo de enunciação funciona num poema-livro como O rio, de 1954 – no qual o
próprio Capibaribe narra, em primeira pessoa, seu percurso da nascente à foz –, aqui, ao
contrário, não se ouve a voz da pedra, mas uma outra, que a toma como modelo: a voz do
poema.
Caberia, talvez, questionar se essa voz impessoal, aprendida por meio da pedra, pode
ser entendida como a de um “sujeito lírico fora de si”, nos termos em que Michel Collot
compreende a poesia de Francis Ponge. Em linhas gerais, Cabral e Ponge partem da mesma
percepção, de longo alcance na poesia moderna, sobre a crise da expressão lírica, resolvendo-a
numa desconfiança com relação às inquietudes subjetivas, em favor da apreensão da
concretude das coisas. Para Collot, todavia, esse processo na poesia de Ponge mantém-se como
uma “tomada de posição subjetiva”, uma vez que o “sujeito que não pode se expressar busca se
escrever através dos objetos que ele descreve” (2004, p. 171). Ocorre que, em “A educação pela
pedra”, o que se quer apreender é justamente a impessoalidade do objeto, o que nos faria girar
em falso na busca por uma subjetividade deslocada: a força da pedra como símile do poema
cabralino está, pois, em sua irredutibilidade à projeção de um sujeito que, em contato direto
com as coisas, revelaria a si mesmo.
Assim, não há aqui, como vê Collot em Ponge, um lirismo na “terceira pessoa do
singular”287, mas um antilirismo tout court, que suprime a expressão do eu mas, ao mesmo
tempo, não mostra uma suposta interioridade do objeto-pedra. Ainda que essa posição
radicalmente dessubjetivada seja relativizada em outros momentos de A educação pela pedra,
o poema que dá título ao livro constitui sua voz a partir desse duplo deslocamento, no qual o
enunciador não pode ser claramente identificado, sendo, na verdade, a exposição objetiva de
sua linguagem mineralizada.
O que lemos na primeira estrofe de “A educação pela pedra”, afinal, é um programa
poético, em quatro lições, por meio da descrição acurada das características do mineral, cujos
valores são replicados tanto na reflexão metalinguística quanto na própria composição do texto:
a abundância de consoantes oclusivas (/p/, /d/, /k/, /t/), em combinação com vibrantes (/r/),
engendra aquela sonoridade antimelódica, sempre ressaltada pela crítica cabralina (“aPRenDeR
Da PeDRA”, “CaRnaDuRA ConCReTa”, “aDensaR-se ComPaCTa”), enquanto o excesso de sinais
gráficos (dois pontos, ponto-e-vírgula e parênteses) e a falta de conectivos entre os sintagmas
reiteram as dificuldades anunciadas pelo poema, exigindo a atenção do leitor para frequentar
também essa “cartilha”.
Em suma, essa pedra, cuja voz não se revela, é a mesma que aparece em “Catar feijão”
(MELO NETO, 1966, p. 52-53) como um necessário obstáculo contra o discurso fluente. Nesse
sentido, o “grão imastigável”, núcleo duro da poética cabralina, é um princípio regulador que,
como observa Benedito Nunes (cf. 1971, p. 133), fere o ouvido com a inflexão sonora dessa
pedra “de quebrar dente”.
Sem descartar esse plano metalinguístico, entretanto, é preciso explorar a segunda
parte do poema, visualmente menor, em sua apresentação de uma “outra educação”, “de
dentro pra fora e pré-didática”. Se o primeiro bloco se restringe à frequentação da pedra por
lições metódicas, o segundo contextualiza geograficamente o elemento mineral, “no Sertão”.
Nesse ambiente específico, assim informa o poema, a “pedra não sabe lecionar,/ e se lecionasse
não ensinaria nada”. Há, portanto, uma evidente contradição entre a proposta de uma “outra

287 “A AFETIVIDADE DO SUJEITO É INSEPARÁVEL DOS OBJETOS QUE AFETAM SEU CORPO. ELA É O ‘RESULTADO DE UMA LENTA E
PROFUNDA IMPREGNAÇÃO (…) PELA QUAL O MUNDO EXTERIOR E O MUNDO INTERIOR SE TORNAM INDISTINTOS’. DE CADA
OBJETO NÓS POSSUÍMOS TODA ‘UMA IDEIA PROFUNDA’ FORMADA PELA ‘SEDIMENTAÇÃO INCESSANTE’ DE ‘IMPRESSÕES’ QUE
‘RECEBEMOS’ ‘DESDE A INFÂNCIA’. PARA PONGE, POESIA É ISSO: ‘EXTRAIR’ ESSA ‘IDEIA PROFUNDA’. (…) DESVIANDO-SE DE SI,
O SUJEITO SE DESCOBRE (…). PONGE EXPRESSA SUA SINGULARIDADE ATRAVÉS DOS OBJETOS MAIS SIMPLES; TRATA-SE DE UM
LIRISMO NA ‘TERCEIRA PESSOA DO SINGULAR’” (COLLOT, 2004, P. 173).

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educação”, no primeiro verso, e sua impossibilidade de realização nos versos seguintes: como
não pode captar nada dessa outra pedra, o poema apenas constata sua existência contundente,
entranhada na alma do sertanejo desde o nascimento.
Essa segunda pedra aparece também no poema “O sertanejo falando” (MELO NETO,
1966, p. 10-11), no qual a dificuldade de expressão é figurada num processo “doloroso”, já que
as “palavras de pedra ulceram a boca” e, para serem emitidas, exigem o árduo trabalho de
“confeitá-las na língua”. Disso surge uma distinção entre a aparência da fala do sertanejo, que
possui uma “entonação lisa, de adocicada”, e o “caroço”, que o torna “incapaz de não se
expressar em pedra”. Aqui, portanto, não há a conquista de uma linguagem adequada à poesia,
como na primeira estrofe de “A educação pela pedra”, mas uma reflexão, conscientemente
limitada, sobre as dificuldades da vida sertaneja, metonimizadas na dicção dos habitantes do
Sertão.
A limitação consciente diante da matéria social, da qual o poema não retira nenhuma
lição para si, produz uma forma de pedagogia negativa: “outra educação”, na verdade, ainda se
dirige ao próprio poema e, de certo modo, a nós, leitores: a operação atenciosa da primeira
estrofe, imprescindível para a aquisição do idioma-pedra no universo da poesia, torna-se
desnecessária no contexto sertanejo, no qual essa forma de expressão não é uma conquista
racional, mas um dado objetivo, resultado das carências que assolam a região.
É preciso observar, com isso, que o aspecto mineral realçado na primeira estrofe de “A
educação pela pedra” é, basicamente, o mesmo encontrado em “O sertanejo falando” com sinal
invertido: a “cartilha muda”, apresentada no primeiro como um método privilegiado de
construção poética, torna-se uma experiência danosa no segundo, relacionada às condições
materiais da vida no Sertão. Para dizer de um modo mais claro: o que tem um valor positivo no
plano metalinguístico, como configuração de uma linguagem especializada, é revestido pela
violência simbólica na situação concreta da fala sertaneja. Entre uma e outra pedra, portanto,
há a distância entre a poética de João Cabral e a “morte e vida severina”, que o autor incorpora
como tema e como princípio (o “falar pouco”, o “idioma pedra”, o “pegar as palavras com
cuidado”). Mas é a partir dessa distância, explicitada na “outra educação”, que o poeta
desenvolve uma forma mais complexa e, por assim dizer, realista de organizar a matéria social
na elaboração de seus poemas.
Temos, assim, a arquitetura completa que organiza A educação pela pedra: de um lado,
a realidade concreta, em seu atordoante dinamismo, é irredutível ao espaço exíguo do poema
(“lá não se aprende a pedra”); de outro, o próprio poema repele a referência direta à realidade,
garantindo sua autonomia por meio de uma linguagem árida (“sua resistência fria/ ao que flui a
fluir”), que desconfia dos vínculos imediatos entre a palavra e a coisa designada. Todavia, é
patente no livro o ímpeto de representação dessa realidade, ao mesmo tempo que o poeta não
se entrega a um trabalho meramente discursivo, cuja facilidade de comunicação não
ultrapassaria a superfície aparente de seu suposto conteúdo, produzindo sua obra sob uma
fratura irreconciliável.
Mas é justamente nessa fratura, seu ponto cego, que a “imitação da forma” de Cabral
alcança seu maior rendimento: na impossibilidade de incorporar a matéria social como lição de
linguagem, o poeta reduz deliberadamente a complexidade dessa matéria a um dado específico
(a fala do sertanejo, por exemplo), a partir do qual poderá melhor traduzi-la dentro de seu
universo poético (a dureza do idioma-pedra). Mais que isso, no próprio processo de tradução, o
poeta sinaliza as semelhanças e as diferenças entre a matéria reduzida e sua reconfiguração
como elemento estético (no caso, a pedra em dois contextos diversos), desenvolvendo uma
forma que, embora estruturalmente fechada, repõe a fratura em novos termos (a distinção
entre as duas educações).

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Assim, a imobilidade da pedra – símile de uma atitude poética firme diante de um todo
marcado pela maleabilidade – é o método que permitirá ao poeta, via linguagem, dar a ver todo
o dinamismo da vida social em suas contradições, fazendo de seus próprios limites estéticos os
meios adequados de representação dessa realidade. Essa tensão produtiva é patente em
diversos poemas do livro, como em “Rios sem discurso”:

Quando um rio corta, corta-se de vez


o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.

*
O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloquência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem,
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase e frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.

(MELO NETO, 1966, p. 64-65)

A paridade entre água e palavra é, na primeira estrofe, definida a partir da fluência do


discurso-rio: o fluxo do “fio de água” é entendido como uma “sintaxe”, assim como a paralisação
em “poços” equivale a “uma palavra em situação dicionária”. Há, aqui, uma reflexão sobre a
capacidade de comunicação da linguagem, engendrada na imagem do rio, cuja situação de
retesamento levaria à mudez – e, por desdobramento, à seca. A própria construção dos versos
na primeira estrofe aponta para um processo gradual de rompimento do fluxo, pontuando as
frases com uma série de apostos que especificam o destino da “água paralítica”. Nesse sentido,
o isolamento dos adjetivos entre vírgulas – “isolada”, “estancada”, “muda” – parece aproximar
esses termos da condição “dicionária”, que nada comunica, em contraposição ao esforço do
discurso em manter-se contínuo através do excesso de conjunções – “e porque assim”, “e mais:
porque assim” –, que adiam o corte do ponto final até o último verso.
A designação pejorativa da palavra estanque – a “água paralítica” – converte-se, por
oposição, num elogio à fluência do rio, cujo discurso, assim informa a segunda estrofe,
combateria a seca. O poema, contudo, focaliza a morte desse rio, no momento derradeiro em
que a “água se quebra em pedaços” – e é interessante notar que a expressão “quebrar em
pedaços” gera certo estranhamento na medida em que aplica uma propriedade de materiais
sólidos a um líquido. Por sua vez, essa descaracterização da água, de fluxo líquido para sólido

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estilhaçado, replica o isolamento da palavra fora da sintaxe, amarrando as pontas do símile


entre discurso e rio.
Por seu turno, a segunda estrofe reflete sobre a recuperação da fluência de um rio
morto, empoçado. A dificuldade de se reatar o “discurso-rio” é sugerida pela rima toante entre
o segundo e o quarto versos (“vez”, “fez”), na passagem da consoante sonora /v/ para a surda
/f/, como se a voz do poema soasse menos ao tratar da raridade do fenômeno. Por outro lado,
o uso de uma escrita mais corrente, em comparação à primeira estrofe, quase sem vírgulas ou
inversões sintáticas que interromperiam o fluxo, parece emular a eloquência que se deseja ao
rio. De todo modo, o poema enfatiza que mesmo essa “grandiloquência de uma cheia” só
conseguiria criar uma linguagem interina, temporária, e que a articulação dos poços em “frases
curtas” até a “sentença-rio de discurso único” exige “muita água”.
Há algum eco do famoso poema “Tecendo a manhã”, no qual a associação entre os gritos
dos galos, que vão tecendo os fios de sol, serve de imagem para a necessária solidariedade na
construção de um novo horizonte social. Todavia, o que se enfatiza em “Rios sem discurso”,
desde o título, é a dificuldade de recuperação dos fios soltos – ou seja, antes de ser metáfora
para a solidariedade, o poema é uma ressalva sobre a dificuldade de construção do “discurso
único”, a partir do qual “se tem voz”.
Devido ao pronome “se”, o último verso não esclarece precisamente quem tem essa voz
– o próprio rio ou um sujeito indeterminado. E essa duplicidade reverbera nos dois planos do
poema, o metalinguístico e o referencial, reforçando a associação entre discurso e rio. Assim, é
lícito dizer que a seca combatida pela fluência do discurso-rio seria também a falta de
comunicação, o que remete às questões levantadas pelo próprio poeta na década de 1950.
Todavia, embora o poema aproxime fluxo discursivo e combate à seca, João Cabral
parece aqui desconfiar da facilidade de elaboração dessa fluência, marcando formalmente a
cisão entre a linguagem mineral de sua poesia e a voz coletiva do rio reatado. Mais que isso, na
contramão do processo desencadeado no tríptico do Capibaribe, o ponto de vista do poema
distancia-se do objeto imitado, voltando a observá-lo de fora como em O cão sem plumas. Não
custa destacar, aliás, que os rios de A educação pela pedra, como explicitam os poemas “Na
morte dos rios” (MELO NETO, 1966, p. 14-15) e “Os rios de um dia” (p. 68-69), são os rios
interinos do alto sertão. Nesse recorte geográfico, é possível vislumbrar uma diferença
substancial com os poemas do tríptico do Capibaribe: se as obras da década de 1950
acompanhavam, com pontos de vista distintos, o fluxo perene do principal rio de Pernambuco,
os poemas de 1966 apresentam a vida e a morte dos pequenos rios que desaparecem em
períodos de seca extrema, remetendo à precariedade das condições de vida do sertanejo.
Desse modo, a distância entre a voz do poema e o discurso-rio reencena o mesmo
problema de representação do real, incluindo a questão do alcance comunicativo dessa poesia.
Se, num poema do início da década de 1960, como “Graciliano Ramos:”, o poeta ainda imaginava
falar por e para o sertanejo – “Falo somente por quem falo:/ por quem existe nesses climas/
condicionados pelo sol,/ pelo gavião e outras rapinas (…)// Falo somente para quem falo:/ quem
padece sono de morto/” (MELO NETO, 1961, p. 53-54, grifos meus) –, em A educação pela pedra
o que se estabelece é a distância entre a voz do poema e esse outro, apesar da similitude da
condição mineral, como apontamos no poema-título.
Em suma, sem o paternalismo dos artistas engajados que pretendiam incutir consciência
de classe às massas, a poesia de João Cabral escancara a cisão entre seu trabalho e as camadas
populares que – de um modo ou de outro – os intelectuais naquele momento sondavam288. Tal

288 NUMA ENTREVISTA CONCEDIDA EM SETEMBRO DE 1973, CABRAL VOLTARIA AO MESMO PROBLEMA: “COMO ATINGIR O
POVO? O QUE É O POVO? SE FAZEMOS UMA POESIA PURAMENTE POPULAR PERDEMOS AS CAMADAS MAIS SOFISTICADAS E,
DEPOIS, QUEM PODE ESCREVER PARA O POVO É O PRÓPRIO POVO. É A LITERATURA DE CORDEL. (…) O AUTO MORTE E VIDA

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ISBN 978-85-64124-60-8

cisão, todavia, produz uma tensão produtiva entre seu imaginário poético e a referência à
realidade que o alimenta, formalizando uma visão estruturada das contradições enfrentadas
pelo pensamento crítico no Brasil, cuja agudeza se tornaria cada vez mais perceptível, após 1964,
durante o novo surto de modernização conservadora instaurado pela ditadura 289. O que se
educa, assim, é o olhar do leitor, que ao adentrar profundamente na lógica de A educação pela
pedra também poderá ser capaz de encarar essas contradições.

REFERÊNCIAS

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Fronteira / Fundação Biblioteca Nacional, 1998.
CAMILO, Vagner. “De poetas, funcionários e engenheiros”. In: Remate de Males, v. 26,
nº 2, Campinas, 2006, p. 307-320.
COLLOT, Michel. “O sujeito lírico fora de si” (trad. de Alberto Pucheu). In: Terceira
Margem: revista do Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da UFRJ, nº 11, Rio de
Janeiro, 2004, p. 165-177.
ESCOREL, Lauro. A pedra e o rio: uma interpretação da poesia de João Cabral de Melo
Neto. São Paulo: Duas Cidades, 1973.
MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Editora do Autor,
1966.
____. “Da função moderna da poesia”. In: Obra completa (org. de Marly de Oliveira).
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 765-770.
_____. Duas águas (poemas reunidos). Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.
_____. Terceira feira. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1961.
MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974): pontos de
partida para uma revisão histórica. 4ª ed. São Paulo: Editora 34, 2014.
NUNES, Benedito. João Cabral de Melo Neto. Col. Poetas Modernos do Brasil. Rio de
Janeiro: Vozes, 1971.
SÜSSEKIND, Flora (org.). Correspondência de Cabral com Bandeira e Drummond. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira / Casa de Rui Barbosa, 2001.

SEVERINA FOI UMA TENTATIVA DE ATINGIR UM PÚBLICO MAIOR (…) MAS ASSIM QUE ELE FOI PUBLICADO EU RECEBI UM ELOGIO
DE VINÍCIUS DE MORAES E DESCOBRI ENTÃO QUE MINHAS ESPERANÇAS DE QUE O POVO PUDESSE ASSIMILAR A OBRA NÃO
TINHAM FUNDAMENTO” (APUD ATHAYDE, 1998, P. 81-82). EMBORA NÃO CONCORDEMOS QUE UMA POESIA POPULAR SEJA
NECESSARIAMENTE MENOS “SOFISTICADA”, O RACIOCÍNIO DO POETA É BASTANTE REVELADOR.
289 COMO OBSERVA CARLOS GUILHERME MOTA, ANALISANDO A REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, POUCOS ANOS APÓS O
GOLPE, SURGIRÁ EM MUITOS INTELECTUAIS UM “NOVO IMPULSO, UM TANTO REBELDE, CONTRA ESQUEMAS E MODELOS PRÉ-
FABRICADOS DE ANÁLISE, NOS QUAIS SE PROCURAVA ENQUADRAR A REALIDADE. ESSE ESQUEMATISMO, DE GRANDE CONSUMO
E FÁCIL ABSORÇÃO, UM DOS FATORES DA DERROCADA DAS ESQUERDAS EM 1964, PODE SER CAPTADO NOS EDITORIAIS DA
PRIMEIRA FASE DA RCB (…)”, QUANDO “OS AUTORES AINDA NÃO HAVIAM SE LIVRADO DO CLIMA EMOCIONAL PÓS-64, NÃO
TENDO CONDIÇÕES E NEM INSTRUMENTAL TEÓRICO PARA DIAGNOSTICAR AS MUDANÇAS ESTRUTURAIS QUE ESTAVAM SENDO
PROMOVIDAS PELOS MILITARES E TECNOCRATAS” (2014, P. 247). ACREDITAMOS QUE A EDUCAÇÃO PELA PEDRA FAÇA APONTE,
EM TERMOS POÉTICOS, O ESGOTAMENTO DE UM ESQUEMA ANTERIOR – PERCEPTÍVEL EM DUAS ÁGUAS –, CUJAS LIMITAÇÕES
IMPEDIAM A FORMALIZAÇÃO DAS CONTRADIÇÕES DA MATÉRIA SOCIAL DO POETA.

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Anais do II Congresso Internacional Línguas Culturas e Literaturas em Diálogo: identidades silenciadas
ISBN 978-85-64124-60-8

TOSHIMITSU, Thaís Mitiko Taussig. O rio, a cidade e o poeta: impasses e contradições


na poesia de João Cabral de Melo Neto. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literatura
Comparada) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

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