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anotada
do projeto
brasileiro de
“Reforma
Psiquiátrica ”
6 REVISTA USP,USP,
REVISTA São São
Paulo, n.43,n.43,
Paulo, p. 6-23, setembro/novembro
p. 6-23, 1999
setembro/novembro 1999
O
VALENTIM GENTIL
objetivo deste trabalho é contribuir para a compreensão e para Agradecimentos: À sra. Neuza
Maria de Oliveira, pela assesso-
o aprimoramento da legislação de assistência em Psiquiatria e ria competente na pesquisa docu-
mental; ao professor Michele
Saúde Mental no Brasil, através de uma revisão dos documentos e princípios Tansella, pelas informações sobre
o estado atual da reforma italia-
que embasaram os projetos de lei aprovados ou em fase final de tramitação no na; ao prof. Luiz Salvador de
Miranda Sá Jr. e aos drs. Ricardo
Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas estaduais. Isso se faz ne- Oliveira (Senado Federal) e Alfredo
Schechtman (Ministério da Saúde),
cessário pois, nos dez anos desde o início deste processo, acumularam-se por informações sobre projetos de
lei e assistência no país; ao pro-
desinformação, imprecisão factual, distorções e impropriedades técnicas de tal fessor Núbio Negrão e à dra.
Maria de Lourdes Felix Gentil, por
monta que, não sendo corrigidas, inviabilizarão uma reforma competente. comentários e sugestões.
“Dispõe sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros
recursos assistenciais e regulamenta a internação psiquiátrica compulsória.
• Art. 1o Fica proibida, em todo o território nacional, a construção de novos VALENTIM GENTIL
hospitais psiquiátricos públicos e a contratação ou financiamento, pelo é professor de Psiquiatria
da FMUSP e presidente
setor governamental, de novos leitos em hospital psiquiátrico. do Conselho Diretor
• Art. 2o As administrações regionais de saúde (secretarias estaduais, comis- do Instituto de Psiquiatria
do Hospital das Clínicas
sões regionais e locais, secretarias municipais) estabelecerão a planifica- da FMUSP.
levará em conta as condições de segu- cos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 6 V. Gentil Filho, “A Lei Delgado
e o Futuro da Assistência Psi-
rança do estabelecimento, quanto à sal- Dessa forma, não será permitido substituir quiátrica”, in Revista Brasileira
de Psiquiatria, 21, (1), 1999,
vaguarda do paciente, dos demais inter- um velho manicômio por um hospital mo- p. 5.
nados e funcionários. derno e, dependendo do lobby dos detento-
7 Idem, ibidem.
• Art. 12o Evasão, transferência, aciden- res de convênios, os leitos atualmente con-
8 Manicômio . [De mani- + -
te, intercorrência clínica grave e faleci- tratados permanecerão como uma “reserva cômio.] S.m. Hospital de doi-
dos. • Doido. Adj. 1. Louco,
mento serão comunicados pela direção de mercado”, impedindo o ingresso de alienado, demente. 2. Que
do estabelecimento de saúde mental aos novos grupos e dificultando o aprimora- age como doido; […] • Asilo.
[Do gr. ásylos, pelo lat. asylu.]
familiares, ou ao representante legal do mento do parque hospitalar (6). Em segun- S.m. 1. Casa de assistência
social onde são recolhidas,
paciente, bem como à autoridade sani- do lugar, ao acatar a proposta Portella de para sustento ou também para
tária responsável, no prazo máximo de definir instituição asilar como aquela des- educação, pessoas pobres e
desamparadas, como mendi-
24 horas da data da ocorrência. provida de “serviços médicos, de assistên- gos, crianças abandonadas,
• Art. 13o Pesquisas científicas para fins cia social, psicológicos, ocupacionais, de órfãos, velhos, etc. 2. Lugar
onde ficam isentos da execu-
diagnósticos ou terapêuticos não pode- lazer, e outros”, o Substitutivo do Senado ção das leis os que a ele se
recolhem: Os revoltosos venci-
rão ser realizadas sem o consentimento acabou proibindo o “asilo” ao invés de proi- dos escolheram para asilo a
expresso do paciente, ou de seu repre- bir o “hospital asilar” (7). embaixada do México. 3.
Guarida, abrigo, proteção. •
sentante legal, e sem a devida comunica- Vale lembrar que manicômio e asilo não Hospital. [Do lat. hospitale,
“hospedaria”.) S.m. 1. Estabe-
ção aos Conselhos profissionais compe- são sinônimos de hospital e que muitos dos lecimento onde se internam e
tentes e ao Conselho Nacional de Saúde. que hoje estão internados em hospitais psi- tratam doentes; nosocômio. •
Hospício. [Do lat. Hospitiu.]
• Art. 14o O Conselho Nacional de Saú- quiátricos no mundo inteiro não são S.m. 1. Casa onde se hospe-
de, no âmbito de sua atenção, criará Co- psicóticos nem podem ser chamados de dam e/ou tratam pessoas po-
bres ou doentes, sem retribui-
missão Nacional para acompanhar a doidos (8) . Além disso, muitos dos que po- ção; asilo. 2. Asilo de loucos,
com retribuição ou sem ela; ma-
implementação desta lei. deriam se beneficiar de um bom asilo não nicômio. 3. Lugar onde se re-
• Art. 15o Esta lei entrará em vigor na data necessitam de hospital mas, sim, das demais colhem e tratam animais aban-
donados (Aurélio Buarque de
de sua publicação”. funções tradicionais do asilo: refúgio e rea- Holanda Ferreira, Novo Dicio-
nário Aurélio).
bilitação. Isso foi discutido pelo líder da psi-
Um avanço em relação ao Projeto Del- quiatria social britânica, John Wing, em seu 9 J. K. Wing, “The Functions of
Asylum”, in Brit. J. Psychiatry,
gado, por ser mais flexível e mais abran- magistral artigo “As Funções do Asilo” (9). 157, 1990, pp. 822-7.
aglutinando todos aqueles que defendem res, como Franco Rotelli, cuja produção 15 F. N. B. Pereira Filho, “Movi-
mento Nacional da Luta
uma radical transformação na assistência à científica se resume a três artigos indexados, Antimanicomial/A Conquista
da Cidadania para os Porta-
Saúde Mental” (15). um dos quais sobre o tema (19). dores de Sofrimento Mental”,
Não há como negar que, em parte, a Vale lembrar que esses profissionais in Revista Psiconews, 1987,
p.11.
questão ideológica se superpõe a uma luta jamais tiveram qualquer expressão acadê-
16 L. S. M. Sá Jr., Comunicação
corporativista pelo poder no âmbito da mica ou científica, inclusive na Itália. Se- Pessoal, 8/1999.
Saúde Mental. Conta-nos um dos princi- gundo Kathleen Jones, professora emérita 17 E. F. Torrey, “Jails and Prisons
pais líderes da psiquiatria brasileira que, de Política Social na Inglaterra “A contri- – America’s New Mental
Hospitals”, in American Journal
em fins dos anos 80, a área de Saúde Men- buição de Basaglia foi basicamente ideoló- of Public Health, 85, 1995,
pp. 1.611-3.
tal do Ministério da Saúde e a Associação gica, derivada do pensamento de Laing,
Brasileira de Psiquiatria (ABP) estavam sin- Cooper, Marcuse, Sartre, Heidegger e ou- 18 P. Amarante, “Desinstitucio-
nalização”, in Revista Saúde
tetizando as conclusões de numerosos tros […] Ela foi também fortemente políti- em Debate, no 29, 1990, pp.
77-80.
fóruns de discussão, com a participação de ca – uma abordagem euromarxista baseada
19 Rotelli foi convidado especial
juristas, religiosos e profissionais de saúde na crença de que os pacientes em um hos- do simpósio “A Transformação
mental e ultimavam uma proposta para mu- pital psiquiátrico eram sujeitos à opressão da Psiquiatria Italiana”, reali-
zado na USP, em 3/1990.
dança da legislação que atualizaria os pro- capitalista, e que qualquer forma de traba- Seu trabalho indexado é: O.
cedimentos assistenciais e criaria condições lho em que participassem era uma explora- De Leonardis, D. Mauri, F.
Rotelli, “Deinstitutionalisation,
para avanços futuros. Foi quando “surgiu ção” (20). Another Way: the Italian Men-
tal Health Reform”, in Health
inopinadamente o projeto Paulo Delgado, Basaglia e seus seguidores propunham Promot, 1, 1986, pp. 151-65.
trazido pelos antimanicomiais”. O fato es- a negação da instituição psiquiátrica. Se- 20 Jones vai além: “[…] Basaglia’s
tando consumado, a Assembléia de Dele- gundo Amarante (1990), frequently repeated belief that
‘dangerousness’ was merely a
gados e a Diretoria da ABP optaram por product of a system of
incarceration turned out to be
apoiá-lo (16). “desde o lançamento do Manifesto do Mo- sadly wide of the mark” (K.
Por “uma radical transformação na as- vimento da Psiquiatria Democrática, na Jones; G. Wilkinson & T. K. J.
Craig, “The 1978 Italian Men-
sistência à Saúde Mental” entenda-se “de- Bolonha, em 8 de outubro de 1973, pôde- tal Health Law – A Personal
sinstitucionalização”, na acepção de Fran- se detectar o objetivo fundamental deste Evaluation: A Review”, in Br. J.
Psychiatry, 159, 1991, pp.
co Basaglia, psiquiatra italiano cujas expe- movimento que era a desconstrução do 556-61).