(2003, p. 29). Esta expressão não 17). Ignoraba, sin embargo,
é comum em espanhol, sendo bas- que Pitoca ya estaba moviendo tante comum em português para los hilos (2003, p. 26). fazer referência a assunto, negó- cio, etc. Ou, quando mantém «tre- Lá onde o diabo perdeu as padas de galo do Príncipe» (1987, botas (1987, p. 8). Allá donde p. 57), na frase : «trepadas por el el diablo perdió el poncho (2003, p. 18). gallo del Príncipe» (2003, p. 64), sendo que a palavra trepada em es- Podemos concluir que a tra- panhol não tem a conotação sexu- dução, apesar de ter algumas op- al que possui em português. Ou ções questionáveis, mantém a por exemplo na expressão: «bater preocupação e respeito pelo ori- com a língua nos dentes» (1987, ginal, e converte-se num instru- p. 53) o tradutor escolhe colocar: mento de divulgação importante «darse la lengua contra los dientes» da rica e vasta obra de Cyro (2003, p. 60), o que em espanhol Martins, o que nos faz louvar os não é usado para fazer referência esforços das partes envolvidas a contar segredos. neste importante trabalho. Por outro lado, na maior parte * As citações do original corres- do texto, consegue adaptar expres- pondem a: O Príncipe da Vila. Cyro sões do português para o espanhol Martins. 3a edição, Porto Alegre: como por exemplo: Movimento, 1987. Mal sabia ela, no entanto, que Adriana Sappino a Pitoca já estava mexendo UFSC com os pauzinhos ( 1987, p.
A obra original de José Ortega y
O homem e a gente: intercomu- Gasset “El hombre y la gente’, nicação humana de Ortega y Gasset, está dividida em dois livros – parte traduzido por José Carlos Lisboa. I e II. No livro traduzido para o 2ª edição. Rio de Janeiro: Livro português, aparece a obra Ibero-Americano, 1973. 306 pp. completa. O objeto deste estudo serão os seis capítulos do 294 Resenhas de Traduções
pensamento do filósofo espanhol, baseada no temor de um ataque do
reunidos na obra ‘El hombre y la próximo. Então, explica o autor, gente II’, cuja primeira edição estender a mão demonstra uma es- (Revista de Occidente, Madrid) pécie de reverência ao semelhan- data de 1957. O livro analisado é te, ao mesmo tempo em que mos- a 7ª edição, de 1972. tra que está desarmado e livre de A obra faz uma análise sobre o ‘segundas intenções’. comportamento humano e as rela- Ortega também aborda o uso, ções entre as pessoas. Ortega, na que são formas de comportamento obra escrita em 1927, faz referên- humano que o indivíduo adota e cia à solidão humana, que busca cumpre porque não tem outra op- no amor uma forma de ‘permutar ção. Esse uso é imposto pelo en- duas solidões’. Na solidão, o ho- torno de convivência, pelos demais, mem é a sua verdade, mas na so- pela gente, pela sociedade. O filó- ciedade tende a ser a sua mera sofo afirma que o uso não é inicia- convencionalidade ou falsificação. tiva do homem e cita um exemplo: Os diversos graus de proximi- no cumprimento, o que se faz é dar dade ou afastamento entre os seres a mão, sem entender porque é isso humanos são analisados profunda- que tem que ser feito, e não outra mente. No capítulo “El peligro que coisa, quando encontramos um co- es el Otro y la sorpresa que es el nhecido. “Essas ações não têm, pois Yo’, o autor mostra a incapacida- sua origem em nós: somos meros de do homem de conhecer pro- executores delas (...). Quem é, fundamente o semelhante. Mesmo porém, o sujeito originário e res- quando tem intimidade com al- ponsável por aquilo que se faz? A guém, este pode surpreender com gente, os demais, ‘todos’, a coleti- atitudes que jamais se poderiam vidade – isto é: ‘ninguém determi- imaginar. nado’” (p. 47). Ortega estuda entre outras coi- O autor conclui que as coisas sas as origens do cumprimento, se são para o ser humano ‘instrumen- remontando aos primórdios da tos para’ ou ‘estorvos para’ sua humanidade, quando o homem vida. Não existe meio termo: ou encarava seu semelhante como um as coisas ajudam ou atrapalham. inimigo em potencial, sentimento O filósofo espanhol também que resiste ao passar dos séculos. faz uma crítica contundente ao A cerimônia do cumprimento está Estado que, onipotente e impes- Resenhas de Traduções 295
soal, determina e controla o com- tra-acadêmicas, como proferir con-
portamento da sociedade. A cha- ferências pelo mundo. mada sociedade nunca é o que o Suas obras se revestem de um nome promete. Para Ortega é caráter extremamente crítico. En- uma dissociedade, repulsão en- tre as mais polêmicas figuram, tre indivíduos. além de “El hombre y la gente”, Para conseguir um mínimo de “Meditaciones del Quijote”, “Que sociabilidade e perdure a socieda- és filosofia?”, “En torno a de como tal, é necessário a inter- Galileo”, “Historia como sistema” venção do ‘poder público’ que, às e “Rebelión de las masas”. vezes de forma violenta, faz fun- A tradução para o português do cionar esse poder de forma livro “El hombre y la gente”, de incontrastável. É o que se chama José Ortega y Gasset, foi feita por Estado. José Carlos Lisboa, em 1960. Na Jornalista e filósofo espanhol, época, professor de Literatura Es- José Ortega y Gasset (1883-1955) panhola na Universidade Federal pertencia a uma família proprietá- de Minas Gerais, ele se definia ria do jornal madrilenho “El Im- como “orteguiano” e especialista parcial”. Essa relação com o jor- em matéria hispânica. nalismo foi essencial para o desen- Lisboa também traduziu para volvimento de sua formação inte- o português, em 1957, uma im- lectual e seu estilo de expressão portante obra de Miguel de literária. Grande parte de seus es- Cervantes: A Destruição de critos filosóficos foram produzi- Numância. dos a partir do contato com a im- J. Carlos Lisboa, como gosta- prensa. Ortega, além de conside- va de assinar as suas obras, mor- rado um dos maiores filósofos da reu em 1994, aos 92 anos. língua espanhola também é lem- A principal técnica usada por brado como uma das maiores fi- J. Carlos Lisboa em O Homem e a guras do jornalismo espanhol do Gente (Rio de Janeiro. Revista de século XX. Occidente, 1973) é a tradução li- Após se doutorar em Filosofia teral, palavra por palavra, man- na Alemanha, em 1910, Ortega tendo rigorosamente a ordem sin- iniciou uma vida pública reparti- tática dos elementos do espanhol. da entre a docência universitária e Ele preserva exatamente os mes- atividades políticas e culturais ex- mos períodos e parágrafos do ori- 296 Resenhas de Traduções
ginal, aproveitando a linguagem ver correspondência na forma.
clara e simples de Ortega. “Desafortunadamente, la gran O maior perigo da tradução desventaja (...) radica en que son literal é que o sentido da palavra muy pocos los casos que se prestan ou da frase pode não ser o mes- a su aplicación”, lembra Vasquez- mo do original, apesar de apa- Aroya (pág. 259). rentemente expressar a mesma Marcella Mortara (1996, coisa. A tradução feita dessa p.112), alerta para a “armadilha da maneira corre o perigo de ficar facilidade”. Ela garante que a maior estranha para o leitor da língua dificuldade é a facilidade e o maior portuguesa, pois dificulta a lei- perigo é a semelhança entre as pa- tura e a compreensão. lavras. Mortara se refere à freqüen- Esse tipo de tradução é um pro- te analogia da estrutura da base, que cedimento legítimo quando existe pode levar o tradutor a deslizar no no texto fonte uma correspondên- decalque: “Ainda que gramatical- cia precisa de estrutura e de signi- mente correto, pode não ser a me- ficação e a equivalência se produz lhor versão; em certos casos, cons- palavra por palavra. Neste caso, tatamos simplesmente a utilização pode-se aplicar sem risco. Gerardo de expressões não consagradas pelo Vazques-Aroya, em Introducción uso, em outros, chegamos a deci- a la Traductologia (1977, p. 257) frar, por baixo da construção habi- garante que não há riscos de co- tual do português, a estrutura da meter equívocos na tradução de frase original”. duas frases, se “existe entre ellas A seguir, serão analisados 15 una correspondencia precisa de exemplos de frases da obra nas ‘estructura’ y de ‘significación’, quais foram identificados alguns y la equivalencia se cumple problemas de tradução: monema por monema”. A grande desvantagem deste Problemas semânticos: método, entretanto, é transformá- A – Falsos amigos: lo numa tradução mecânica e ser- – “Cuando, escrupuloso, anota los vil, conhecida também como vocablos ‘estúpido’ o ‘literalidade’, que pode provocar ‘mamarracho’ ...” (p. 129) inúmeros erros. Mesmo no caso – “Quando, escrupuloso, anota os em que parece existir conteúdo si- vocábulos ‘estúpido’ ou milar numa palavra, pode não ha- ‘mamarracho’ ...” (p. 267) Resenhas de Traduções 297
Em espanhol, o adjetivo ‘estú- – “... como un latigazo de luz.”
pido’ representa somente aquele (p. 62) indivíduo que tem dificuldade para – “...como uma chicotada de luz.” entender as coisas, ao qual lhe falta (p. 214) inteligência. Já em português, é O sentido original se perde li- muito mais usado para representar geiramente, ficando estranho aos alguém grosseiro, bruto. Por esse ouvidos da língua meta. O que se motivo, na tradução não poderia ter pode interpretar como um ‘flash sido utilizado o mesmo vocábulo. de luz’ no original, adquire um – “... por voluntad, descuido o significado de castigo físico em azar...” (p. 172) português. – “... por vontade, descuido ou – “... nos insufla de paso las ideas azar...” (p. 299) que...” (p. 164) Em português, a principal – “... nos insufla de passagem as conotação da palavra azar é má- idéias que...” (p. 293) sorte, enquanto que no espanhol o O original tem o sentido de ‘ao sentido é de casualidade, acaso. mesmo tempo’, ou seja, uma ação simultânea. No português, adqui- B – Palavras de conotação re um significado de ‘transitório’, diferente: que não corresponde ao sentido da – “La vida es cambio” (p. 33) língua fonte. – “A vida é troca” (p. 192) O ideal seria ‘A vida é mudan- C – Expressões idiomáticas: ça’. O sentido original se refere - “Estaba ahi, en nuestro contor- muito mais a mudança (pode ser no, y no nos habíamos fijado en de hábito) do que à troca de algu- ella...” (p. 23) ma coisa. No texto, cambio tem - “Estava ai, em nosso contorno, uma conotação de dinamismo, di- e não nos tínhamos fixado nela...” ferente da tradução. (p. 183) Na seqüência, Lisboa conserta O uso do fixar, dá uma o equívoco traduzindo cambio conotação mais incisiva do que o (‘Solo la muerte, al impedir um corriqueiro ‘fijar’ espanhol, que nuevo cambio, cambia al hombre representa apenas um olhar ...’) por mudança (‘Só a morte ao descomprometido. Aqui, poderia impedir uma nova mudança, muda ser usado ‘não a tínhamos notado’ o homem ...’). ou ‘não a tínhamos visto’, que são 298 Resenhas de Traduções
expressões mais comuns no portu- – “Por isso passo anos em silên-
guês e refletiriam mais o sentido cio” (p. 250) original. Mais adiante (p. 295), A pesar de muito parecida, a Lisboa se redime e substitui fijar tradução dá a entender que a atitu- (“... si nos fijamos en la diferente de é realizada periodicamente, fisionomia ...” (p. 166)) por aten- enquanto que o original se refere a tar (“... se se atentar na fisionomia um fato determinado, no presente. diferente ...”). Mudança no sentido: Problemas sintáticos – “Es contemplar el lenguaje des- de el que habla y no desde el que A – Legibilidade oye ...” (p. 152) – “A él le pasa lo mismo – “É contemplar a linguagem a conmigo...” (p. 28) partir do que fala e não do que – “A ele acontece o mesmo em re- ouve ...” (p. 285) lação a mim...” (p. 187) No original, Ortega se refere a A construção sintática desta fra- um indivíduo (‘el que habla (...), se é estranha. Na tentativa de fazer el que oye’), ou seja, aquele que uma tradução literal, Lisboa seguiu fala, aquele que ouve. No entan- a ordem em espanhol, prejudican- to, Lisboa confunde seu leitor ao do o entendimento da frase. Uma não deixar claro que se trata de alternativa seria ‘O mesmo aconte- alguém. A tradução pode levar ao ce com ele em relação a mim’. equívoco de que se está fazendo – “ ... si se hubiera hecho la histó- alusão ao resultado, ao objeto da ria de la gesticulación ...” (p. 155) fala, e não à pessoa que fala. O – “... se se houvesse feito a histó- correto seria ‘contemplar a lingua- ria da gesticulação ...” (p. 287) gem a partir daquele que fala, não Ao manter idêntica a estrutura a partir daquele que ouve’. sintática, o tradutor deixou a frase confusa, usando uma forma de es- Problemas lexicais e de revisão: crita pouco usual no português. O – “... desde dos centúrias se hacian ideal seria “se tivesse sido feita a ‘desertores’ – eremitas - ...” (p. história da gesticulação ...” 122) – “... havia duas centúrias, se fa- B – Distribuição de ênfase: ziam ‘deserteiros’ – eremitas - ...” – “Por eso yo llevo años en silen- (p. 260) cio” (p. 107) Resenhas de Traduções 299
A palavra deserteiro não apa- pressar com lo que decimos ...”
rece nos principais dicionários de (p. 117) língua portuguesa, levando a crer – “... as idéias que queremos ex- que Lisboa a utilizou equivocada- pressar com o que fizemos ...” mente na sua tradução. (p.257) – “Tú mismo, antes de serme el – “Es esta una idea confusa que preciso Tú que ahora me eres, no no tengo ahora tiempo de me eras extraño: creia que eras desmenuzar” (p. 121) como yo – alter -, otro pero yo, – “Esta é uma idéia confusa que ego – alter ego. Mas ahora, fren- não tenho que esmiuçar” (p. 260) te a ti y los otros tús, veo que en el O tradutor, através da tradução mundo hay más que aquel vago, literal, em vários momentos, cai indeterminado yo: hay anti-yos”. na armadilha dos falsos amigos, (p. 39) se baseando na semelhança gráfi- – “Tu mesmo, antes de seres para ca e sônica de determinada pala- mim o preciso Tu que agora me és vra nos dois idiomas. Assim, a não me eras que no mundo há mais adapta morfologicamente ao por- do que aquele vago, indeterminado tuguês, mantendo a acepção ori- eu: ego – alter ego. Mas agora, ginal do espanhol e conferindo-lhe diante de ti e dos outros tus, vejo um significado inexistente em nos- que no mundo há mais do que so idioma. Por esse motivo, a lei- aquele vago, indeterminado eu: há tura da tradução em alguns mo- anti-eus.” (p. 197) mentos perde a fluência, dificul- Na tradução faltou uma frase tando a leitura e o entendimento inteira e ao mesmo tempo foi da obra do filósofo espanhol. acrescentado uma oração comple- Os pequenos problemas apon- tamente equivocada, comprome- tados, porém, não chegam a tendo o sentido da colocação. comprometer o sentido geral da – “... ni reflejos o tropismos zoo- obra de Ortega y Gasset. Mérito lógicos” (p. 52) para o grande tradutor que foi – “... nem reflexos ou tropismos Lisboa, por ter conseguido apre- geológicos” (p. 206) sentar o importante legado do – “... as ideas que queremos ex- filósofo espanhol. José Guillermo Culleton UFSC