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ENTREVISTA

PROFESSOR GUSTAVO BINENBOJM

o seu mestrado e doutorado em Direito


REVISTA DO TCEMG

Público — e Professor da Pós-Graduação


da Escola de Direito da Fundação Getúlio
Vargas (FGV). Além do magistério superior,
Binenbojm trabalha como Procurador
do Estado do Rio de Janeiro, advogado e
parecerista.
Nesta entrevista, o Professor
Gustavo Binenbojm critica as teorias
administrativistas tradicionais e
O entrevistado da terceira edição da Revista contribui com sua visão sobre temas
do TCE de 2012 é o Administrativista relevantes do Direito, como os limites
Gustavo Binenbojm. Master of Laws entre liberdade individual e regulação
(LL. M) pela Yale Law School (EUA), estatal, desenvolvimento do terceiro
atualmente é Professor Adjunto de Direito setor, discricionariedade administrativa,
Administrativo da Universidade do Estado princípio da reserva do possível, entre
do Rio de Janeiro (Uerj) — onde concluiu outros.

REVISTA DO TCE — Um de seus trabalhos mais conhecidos é o livro Uma Teoria do Direito
Administrativo, no qual V. Sa. questiona teorias administrativistas tradicionais, afirmando que
são inconsistentes, autoritárias e ineficientes. Como isso se explica?
GUSTAVO BINENBOJM: A ideia de uma origem liberal e garantística do Direito
Administrativo, forjada a partir de uma milagrosa submissão da burocracia estatal à lei e aos
direitos individuais, não passa de um mito. Com efeito, havendo sido produto da elaboração
pretoriana do Conselho de Estado francês, as categorias básicas do Direito Administrativo
não surgiram da sujeição da Administração à vontade heterônoma do legislador, mas antes
de uma autovinculação do Poder Executivo à sua própria vontade. De outra parte, a adoção
da jurisdição administrativa, infensa à jurisdição comum e subordinada, em sua gênese, ao
Poder Executivo deu ensejo a certo grau de imunização das relações jurídico-administrativas
da esfera de controle dos demais Poderes e dos cidadãos em geral.

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ENTREVISTA
PROFESSOR GUSTAVO BINENBOJM

Assim, a dogmática administrativista estruturou-se com base em


premissas teóricas comprometidas com a preservação do princípio da
autoridade, e não com a promoção das conquistas liberais e democráticas.
À abolição formal dos privilégios da nobreza seguiu-se a construção de um
regime de privilégios da Administração Pública. O Direito Administrativo
serviu como instrumento retórico de justificação dessa nova lógica política,
que repudiava as práticas do Antigo Regime, mas reinstituía as velhas
prerrogativas autoritárias em favor dos novos donos do poder.
As inconsistências teóricas do Direito Administrativo, embora presentes
desde a sua origem, como uma espécie de pecado original, tornaram-
se mais evidentes diante da afirmação histórica da democracia e do
constitucionalismo. A centralidade do sistema de direitos fundamentais,
por exemplo, é visceralmente incompatível com o chamado princípio da
supremacia do interesse público sobre os interesses particulares. Há
interesses individuais e particulares, protegidos constitucionalmente
sob a forma de direitos fundamentais, que prevalecem sobre interesses
“ [...] a dogmática
administrativista
estruturou-se
metaindividuais, coletivos ou difusos, da sociedade. O esforço de
com base em
flexibilização do conceito de interesse público, empreendido por alguns premissas teóricas
autores na tentativa de “salvar” o princípio, não passa no teste da consistência comprometidas
lógica. Isso porque tamanha fluidez semântica tornaria o dito princípio de com a preservação
tal forma dúctil que ele se prestaria a justificar qualquer espécie de decisão do princípio da
estatal — em favor do direito individual ou de interesses metaindividuais. autoridade, e não
com a promoção das
Ora, um princípio que se presta a justificar qualquer decisão não serve
conquistas liberais e
de fundamento legítimo para decisão alguma. O caráter autoritário de
tal formulação teórica reside justamente no fato de que qualquer decisão
da Administração Pública, no exercício de competência discricionária,
democráticas.

acabava sendo motivada pela invocação abstrata da supremacia do interesse
público.
REVISTA DO TCE — Considerando que os direitos fundamentais
ocupam posição central no sistema jurídico e que a adoção de um
modelo de ponderação — como critério de racionalidade de uma
teoria da decisão jurídica — inviabiliza a determinação a priori de
uma presunção absoluta de supremacia do interesse público sobre
o privado, V. Sa. propõe uma desconstrução desse princípio. Como
se daria essa desconstrução e qual a importância dessa mudança de
perspectiva?
GUSTAVO BINENBOJM: O conceito de interesse público só ganha
concretude na sistemática constitucional dos direitos fundamentais, que
os contempla e ao mesmo tempo pressupõe restrições ao seu exercício

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em prol de outros direitos, assim como de metas e aspirações coletivos
ou difusos. Ao Estado, em todas as suas faces, legislativa, administrativa
e jurisdicional, incumbe atuar como intérprete e aplicador de tal sistema.
Portanto, a Administração Pública não tem como móvel um conceito
abstrato de interesse público, senão que deve encontrar na sistemática
constitucional o fundamento jurídico do seu agir. Nessa toada, será legítima
a defesa de direitos individuais em face de interesses coletivos, quando em
jogo direitos das minorias protegidos constitucionalmente. Tais direitos são
qualificáveis como contramajoritários e também como contrautilitários.
Sua defesa e promoção pelo Estado decorre de uma concepção moral de
pessoa humana, tributária da sua especial dignidade, que prescinde da
chancela da maioria dos indivíduos e da demonstração da maximização

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do grau de satisfação dos membros da coletividade. A dignidade humana
tem um valor per se, declarado pela Constituição e vinculante, portanto,
também para a Administração Pública.
REVISTA DO TCE — Ainda sobre o princípio da supremacia do
“ [...] a
Administração
Pública não tem
interesse público sobre o privado, V. Sa. afirma que a dificuldade de sua como móvel um
aplicação é demonstrada quando os interesses em conflito (público e conceito abstrato
privado) são igualmente legítimos. Como deve o administrador decidir de interesse
público, senão que
em casos como esse?
deve encontrar
GUSTAVO BINENBOJM: Na medida do possível, as situações de con- na sistemática
flito devem ser reconduzidas à sistemática constitucional. Assim, quan- constitucional o
do houver regra constitucional expressa sobre o caso, o problema será fundamento jurídico
solucionado pela sua aplicação subsuntiva. Quando a matéria envolver
a aplicação de distintas normas constitucionais, o intérprete deverá dar

do seu agir.

preferência àquelas que contemplem direitos fundamentais, consoante


standards de ponderação construídos racional e democraticamente.
Não há equação matemática que gere sempre os melhores resultados.
O papel dos aplicadores do Direito é o de se entregarem a um esforço
racional de construção intersubjetiva de padrões de convivência entre
as dimensões individual e coletiva da vida em sociedade. Descendo na
escala hierárquica, tendo como pauta básica a Constituição, legislado-
res e administradores deverão formular juízos de ponderação em torno
dos interesses em confronto. Embora haja oscilações históricas entre
a espessura de tais dimensões, conforme cada tempo e lugar, uma coisa
é certa, no entanto: nas sociedades democráticas e constitucionalizadas,
não há espaço para uma regra de prevalência a priori do coletivo sobre o
individual ou do estatal sobre o privado.

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PROFESSOR GUSTAVO BINENBOJM

Um tema clássico sobre conflito de interesses (público e privado) e que


precisa ser repensado é a desapropriação, assim como todas as outras
restrições da propriedade privada. Observe-se que o Decreto-Lei n.
3.365/1941 [dispõe sobre desapropriações por utilidade pública] foi
editado em pleno Estado Novo — o que é muito “sintomático” — e sequer
passou pelo Congresso, pois estava fechado. Obteve-se, então, uma
legislação totalmente favorável ao Estado, desconsiderando que o direito
de propriedade é um direito fundamental previsto na Constituição.
Nas restrições da propriedade privada, a Administração Pública sempre


recorre a uma justificativa muito abstrata, um apelo direto à supremacia do Observe-se que
interesse público como um valor abstrato, quando, em verdade, é preciso o Decreto-Lei
concretizar esse interesse público contraposto à propriedade privada. n. 3.365/1941
[dispõe sobre
Outro exemplo interessante são as prerrogativas processuais — algumas
desapropriações por
materiais também — da Fazenda Pública, pois, em juízo, são sempre utilidade pública]
justificadas a partir da “supremacia do interesse público”. Em um caso foi editado em
curioso, o STF julgou inconstitucional uma medida provisória que pleno Estado Novo
ampliava de dois para cinco anos o prazo para a Fazenda Pública — e — o que é muito
só para a Fazenda Pública — propor ação rescisória. O STF afirmou “sintomático” — e
existir um interesse público na preservação da segurança jurídica dos sequer passou pelo
Congresso, pois
jurisdicionados: se o prazo era de dois anos para o jurisdicionado, nada
estava fechado.
justificaria a ampliação, uma vez que dois anos é um prazo razoável para Obteve-se, então,
que a Fazenda Pública desconstitua a coisa julgada material. uma legislação
Nessa decisão, o STF considerou não ser suficiente a mera remissão ao totalmente
favorável ao Estado,
interesse público abstrato para justificar uma prerrogativa processual da
desconsiderando
Fazenda Pública. Seria necessário que concretamente se demonstrasse que que o direito de
a Fazenda Pública não seria bem defendida ou que o patrimônio público propriedade é um
estaria em risco diante de uma norma igualitária, como é o caso. A norma direito fundamental
é igual para particular e para o Poder Público. previsto na

REVISTA DO TCE — Como compatibilizar a superação de uma


legalidade estrita, baseada na ideia de juridicidade, com o controle da

Constituição.

chamada discricionariedade administrativa?


GUSTAVO BINENBOJM: Entendo que a velha dicotomia entre atos
vinculados e atos discricionários esgotou-se do ponto de vista teóri-
co. A constitucionalização do Direito Administrativo impõe falarmos
agora em distintos graus de vinculação à juridicidade, conforme a den-
sidade da norma de direito aplicável. De modo geral, as regras deter-
minam a conduta a ser seguida pela Administração, correspondendo
a um alto grau de vinculação à juridicidade. Os conceitos jurídicos

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indeterminados definem espaços de certeza positiva e certeza negati-
va acerca da sua própria incidência sobre a realidade, deixando certa
margem de apreciação técnica ou valorativa para a Administração. Daí
falar-se em um grau intermediário de vinculação. Por fim, os princípios
dirigem a Administração à consecução de determinados fins, sem defi-
nição de condutas específicas a serem adotadas. Assim, representam o
mais baixo grau de vinculação à juridicidade.
Do ponto de vista do administrador, seu grau de liberdade decisória varia
na razão inversa do grau de sua vinculação à juridicidade. Do ponto de


vista do controle, quanto maior a objetividade da norma aplicável, mais Na aplicação dos
específico e direto o controle a ser realizado. Assim, na aplicação das regras, conceitos jurídicos
o controle é mais severo, pois consiste na verificação da correta subsunção indeterminados,

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dos fatos à norma. Na aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados, o papel do órgão
o papel do órgão de controle é o de aferir se as zonas de certeza positiva de controle é o de
aferir se as zonas de
e negativa do conceito foram respeitadas pelo Administrador, bem como
certeza positiva e
se as suas razões são sustentáveis, quando se encontre na chamada zona
negativa do conceito
de incerteza. Por fim, na aplicação de princípios, caberá ao controlador foram respeitadas
verificar se a Administração não adotou conduta inadequada, desnecessária pelo Administrador,
ou desproporcional em relação aos fins pretendidos pela norma bem como se as
principiológica. suas razões são
sustentáveis, quando
Essa concepção de graus de vinculação à juridicidade permite explicar se encontre na
que não há vinculação plena ou total, mesmo na aplicação de regras, nem chamada zona de
tampouco ausência total de vinculação, na aplicação de princípios. De
outro lado, torna-se possível preservar os espaços apreciação e as margens ”
incerteza.

decisórias necessárias para a Administração, quando em pauta questões


que envolvam matérias para as quais deva prevalecer, a priori, a capacidade
institucional específica do aparato administrativo.
REVISTA DO TCE — Ao se manifestar sobre temas como as restrições
impostas aos programas de humor durante o período pré-eleitoral e a
classificação indicativa para restringir o acesso a programas considera-
dos impróprios para determinadas faixas etárias, V. Sa. criticou a cultu-
ra brasileira de não acreditar no bom senso dos indivíduos em decidir
o que é melhor para eles. Como V. Sa. enxerga a dicotomia entre liber-
dade e regulação?
GUSTAVO BINENBOJM: É próprio das democracias que os limites
entre libertas (liberdade individual) e potestas (poder regulatório do
Estado) estejam sempre sujeitos ao debate público, aberto e informado dos
cidadãos. No que se refere, especificamente, à liberdade de expressão e de

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PROFESSOR GUSTAVO BINENBOJM

informação, entendo que tais direitos fundamentais desfrutam de uma


posição preferencial em relação a outros direitos e projetos coletivos,
dada sua função estruturante do próprio regime democrático e do
Estado de direito. Assim, considero que a sistemática constitucional
confere a tais direitos uma primazia inclusive sobre outros direitos
fundamentais, salvo casos excepcionais e justificados por um maior
ônus argumentativo.
Ocorre que, no Brasil, as liberdades de expressão e informação são
tradicionalmente relativizadas em prol de qualquer interesse que o Estado
qualifique como público. Costumo lembrar de uma famosa conferência
proferida pelo Professor Hely Lopes Meirelles, em 1972, na Escola Superior
de Guerra, intitulada “Poder de Polícia e Segurança Nacional”, na qual
nosso grande publicista defende a censura aos meios de comunicação a
partir da invocação da doutrina de segurança nacional, que era o “interesse
público” a ser promovido naquele momento.
A necessidade de um Estado que muito intervenha na liberdade de seu
“ [...] as normas
de polícia, em
geral, tendem a ser
povo tem relação com a cultura do país em questão. Por exemplo, na elaboradas na base
Alemanha não há limite de velocidade em autopistas, porque a sociedade do “tudo ou nada”
já prescinde do poder de polícia do Estado. No entanto, as normas de devido ao temor de o
polícia, em geral, tendem a ser elaboradas na base do “tudo ou nada” Legislativo depositar
devido ao temor de o Legislativo depositar uma grande margem de uma grande margem
discricionariedade nas mãos do próprio administrador público. Ninguém de discricionariedade
nas mãos do próprio
quer que o guarda de trânsito ou o policial fique ponderando algo.
administrador
Querem que ele cumpra uma regra clara e objetiva, porque esse é um
âmbito tão delicado da vida social, a proteção da liberdade das pessoas
e da repressão dos ilícitos. Há, portanto, uma justificativa suficiente para

público.

exigir do legislador a elaboração de normas mais densas na base do “tudo


ou nada”, o que seria uma regra.
REVISTA DO TCE — Em palestra do ciclo Liberdades, promovida
pelo Instituto Millenium em parceria com a Casa do Saber Rio, V.
Sa. afirmou que “projetos coletivos de felicidade representam um
retrocesso e um comprometimento da democracia”. Como V. Sa. trata
do tema das liberdades individuais frente ao exercício da soberania
popular por meio do legislador?
GUSTAVO BINENBOJM: Tomemos como exemplo a chamada “PEC
da Felicidade”, que tinha por objetivo fazer incluir no texto do art. 6º
da Constituição da República o “direito à felicidade”. Como os projetos
de felicidade são múltiplos, variáveis e por vezes contraditórios entre

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comunidades, grupos e indivíduos, o Estado estaria se arrogando a
função de estabelecer, por meio do ordenamento jurídico, as metas
existenciais dos seus cidadãos. Esse é um típico tema que limita a
soberania popular, uma vez que integra o núcleo de assuntos próprios
da autonomia – pública e privada – da pessoa humana. As escolhas
individuais que não causem danos a terceiros, quando formuladas
por pessoas maiores e capazes, devem ser respeitadas. O Estado não
deve pretender substituir-se ao indivíduo em questões existenciais
elementares, que envolvam o sentido da vida de cada um e seus múltiplos
e plurais projetos de felicidade.
O papel do Estado deve ser o de contribuir para a emancipação dos
cidadãos, empoderados­ — passe o anglicismo — pelo desfrute pleno

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de seus direitos fundamentais. Por isso a Declaração de Independência
dos Estados Unidos da América não fala no direito à felicidade, mas no
direito à busca da felicidade.
REVISTA DO TCE — Como V. Sa. encara o crescimento do Terceiro
“ O Estado não
deve pretender
substituir-se ao
Setor e como percebe a participação das Organizações Sociais (OS) em
indivíduo em
atividades estatais, por exemplo, na gestão de um hospital público como questões existenciais
ocorre em São Paulo? elementares, que
GUSTAVO BINENBOJM: Tenho sentimentos ambíguos em relação às envolvam o sentido
da vida de cada um
experiências com Organizações Sociais no setor de saúde. De um lado,
e seus múltiplos e
considero o modelo hígido do ponto de vista jurídico. Aplaudi o voto plurais projetos de


proferido pelo Ministro Luiz Fux no julgamento da ADI n. 1.923 sobre a felicidade.
legitimidade jurídico-constitucional do modelo de Organizações Sociais,
tal qual disciplinado na Lei Federal n. 9.637/1998. De outro lado, tenho
dúvidas sobre a eficiência gerencial e sobre a qualidade dos resultados
das experiências empreendidas até então. Torço para que haja empenho
dos administradores públicos e compromisso com a probidade e a busca
de excelência dos serviços, pois o que se pretende com o modelo é a
minimização de custos e a maximização dos ganhos sociais. No campo da
saúde, essa meta de eficiência assume feição ainda mais prioritária.
REVISTA DO TCE — Para V. Sa., o Poder Público pode utilizar o
princípio da reserva do possível para justificar o descumprimento de
um dever constitucional?
GUSTAVO BINENBOJM: Isso é mais complexo do que um “tudo ou
nada”. Os deveres constitucionais do Estado, como aqueles relativos a
proteção e promoção de direitos sociais, envolvem a aplicação de recursos
orçamentários, necessariamente limitados. Não creio que a “reserva do

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possível” possa ser invocada de forma abstrata para justificar a ausência


de políticas públicas em áreas nas quais o Estado tenha obrigação
constitucional de atuar. Nada obstante, onde houver políticas públicas
em andamento, organizadas e executadas de forma razoavelmente
eficiente, entendo que o Poder Judiciário deva adotar posição de
autocontenção e ser deferente às alocações orçamentárias feitas pelos
demais Poderes.
Em uma palavra: a postura ativista parece-me justificável diante
da omissão total ou significativa de serviços, como uma estratégia
institucional de atuação do Judiciário (e demais órgãos de controle)
voltada a provocar a resposta desejada por parte dos demais Poderes.
O objetivo deve ser, a meu ver, criar as condições para romper a inércia
e obrigar a elaboração e execução de políticas públicas pelos órgãos
competentes.
Não creio, contudo, que a judicialização seja um caminho institucional
“ [...] a postura
ativista parece-me
justificável diante
proveitoso para a sociedade brasileira em médio e longo prazos. Isso da omissão total
por conta de problemas colaterais — externalidades negativas — ou significativa
gerados pela forma de atuação do Judiciário, que não tem capacidade de serviços, como
institucional para lidar com planejamentos globais, matérias complexas uma estratégia
institucional de
do ponto de vista técnico e efeitos sistêmicos indesejáveis de decisões em
atuação do Judiciário
processos individuais. Também não podemos esquecer das assimetrias
(e demais órgãos de
no acesso ao Judiciário, o que pode acarretar distorções em políticas controle) voltada a
distributivas. provocar a resposta
REVISTA DO TCE — Como V. Sa. avalia a atribuição de poder desejada por
parte dos demais
normativo às agências reguladoras?
GUSTAVO BINENBOJM: Vejo com preocupação o cenário atual. ”
Poderes.

Do ponto de vista jurídico-constitucional, entendo que as agências


reguladoras exercem uma espécie do gênero poder regulamentar, em nível
hierárquico inferior à lei. Onde houver reserva legal absoluta, as agências
não têm qualquer poder normativo. Onde houver reserva legal relativa, ao
legislador caberá tomar as decisões fundamentais, adotando parâmetros
e estabelecendo os fins a serem perseguidos pelas agências. Em qualquer
caso, a Constituição servirá de fundamento e limite para a produção
normativa das agências reguladoras.
Minha preocupação decorre do abuso por parte de algumas agências,
que têm editado resoluções em matérias sobre as quais já há ou deveria
haver uma deliberação legislativa. A própria Advocacia-Geral da União
tem proferido pareceres restringindo a possibilidade de edição de atos

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normativos por agências sobre determinadas matérias, consideradas
sob reserva legal. A regulação de atividades de comunicação social e o
banimento de produtos são exemplos de matérias que não poderiam ser
tratadas sem um prévio pronunciamento do Poder Legislativo.
Outra preocupação tem que ver com a legitimidade democrática das
agências reguladoras. Entendo que os mecanismos de participação social
são condição de validade jurídica da produção normativa das agências,
independentemente da existência de previsão legal expressa. Acho que,
por força de princípios constitucionais como o da motivação adequada
e o próprio princípio democrático, deve haver uma deliberação pública,
transparente e efetiva, antes da edição de qualquer ato normativo.
Ademais, não basta realizar consultas ou audiências públicas meramente

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formais, impondo-se o oferecimento de respostas fundamentadas às
críticas, comentários e sugestões emanados dos interessados e dos
cidadãos em geral. Tal procedimento deve ser encarado como um
“ [...] não basta
realizar consultas
ou audiências
incremento democrático e de racionalidade na atividade regulatória no
públicas meramente
Brasil.
formais [...].

Por: Cláudia Costa


Araújo, Leonardo de
Araújo Ferraz e Silvia
Costa Pinto Ribeiro
de Araújo.

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