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REVISTA DO TCE — Um de seus trabalhos mais conhecidos é o livro Uma Teoria do Direito
Administrativo, no qual V. Sa. questiona teorias administrativistas tradicionais, afirmando que
são inconsistentes, autoritárias e ineficientes. Como isso se explica?
GUSTAVO BINENBOJM: A ideia de uma origem liberal e garantística do Direito
Administrativo, forjada a partir de uma milagrosa submissão da burocracia estatal à lei e aos
direitos individuais, não passa de um mito. Com efeito, havendo sido produto da elaboração
pretoriana do Conselho de Estado francês, as categorias básicas do Direito Administrativo
não surgiram da sujeição da Administração à vontade heterônoma do legislador, mas antes
de uma autovinculação do Poder Executivo à sua própria vontade. De outra parte, a adoção
da jurisdição administrativa, infensa à jurisdição comum e subordinada, em sua gênese, ao
Poder Executivo deu ensejo a certo grau de imunização das relações jurídico-administrativas
da esfera de controle dos demais Poderes e dos cidadãos em geral.
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em prol de outros direitos, assim como de metas e aspirações coletivos
ou difusos. Ao Estado, em todas as suas faces, legislativa, administrativa
e jurisdicional, incumbe atuar como intérprete e aplicador de tal sistema.
Portanto, a Administração Pública não tem como móvel um conceito
abstrato de interesse público, senão que deve encontrar na sistemática
constitucional o fundamento jurídico do seu agir. Nessa toada, será legítima
a defesa de direitos individuais em face de interesses coletivos, quando em
jogo direitos das minorias protegidos constitucionalmente. Tais direitos são
qualificáveis como contramajoritários e também como contrautilitários.
Sua defesa e promoção pelo Estado decorre de uma concepção moral de
pessoa humana, tributária da sua especial dignidade, que prescinde da
chancela da maioria dos indivíduos e da demonstração da maximização
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“
recorre a uma justificativa muito abstrata, um apelo direto à supremacia do Observe-se que
interesse público como um valor abstrato, quando, em verdade, é preciso o Decreto-Lei
concretizar esse interesse público contraposto à propriedade privada. n. 3.365/1941
[dispõe sobre
Outro exemplo interessante são as prerrogativas processuais — algumas
desapropriações por
materiais também — da Fazenda Pública, pois, em juízo, são sempre utilidade pública]
justificadas a partir da “supremacia do interesse público”. Em um caso foi editado em
curioso, o STF julgou inconstitucional uma medida provisória que pleno Estado Novo
ampliava de dois para cinco anos o prazo para a Fazenda Pública — e — o que é muito
só para a Fazenda Pública — propor ação rescisória. O STF afirmou “sintomático” — e
existir um interesse público na preservação da segurança jurídica dos sequer passou pelo
Congresso, pois
jurisdicionados: se o prazo era de dois anos para o jurisdicionado, nada
estava fechado.
justificaria a ampliação, uma vez que dois anos é um prazo razoável para Obteve-se, então,
que a Fazenda Pública desconstitua a coisa julgada material. uma legislação
Nessa decisão, o STF considerou não ser suficiente a mera remissão ao totalmente
favorável ao Estado,
interesse público abstrato para justificar uma prerrogativa processual da
desconsiderando
Fazenda Pública. Seria necessário que concretamente se demonstrasse que que o direito de
a Fazenda Pública não seria bem defendida ou que o patrimônio público propriedade é um
estaria em risco diante de uma norma igualitária, como é o caso. A norma direito fundamental
é igual para particular e para o Poder Público. previsto na
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indeterminados definem espaços de certeza positiva e certeza negati-
va acerca da sua própria incidência sobre a realidade, deixando certa
margem de apreciação técnica ou valorativa para a Administração. Daí
falar-se em um grau intermediário de vinculação. Por fim, os princípios
dirigem a Administração à consecução de determinados fins, sem defi-
nição de condutas específicas a serem adotadas. Assim, representam o
mais baixo grau de vinculação à juridicidade.
Do ponto de vista do administrador, seu grau de liberdade decisória varia
na razão inversa do grau de sua vinculação à juridicidade. Do ponto de
“
vista do controle, quanto maior a objetividade da norma aplicável, mais Na aplicação dos
específico e direto o controle a ser realizado. Assim, na aplicação das regras, conceitos jurídicos
o controle é mais severo, pois consiste na verificação da correta subsunção indeterminados,
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comunidades, grupos e indivíduos, o Estado estaria se arrogando a
função de estabelecer, por meio do ordenamento jurídico, as metas
existenciais dos seus cidadãos. Esse é um típico tema que limita a
soberania popular, uma vez que integra o núcleo de assuntos próprios
da autonomia – pública e privada – da pessoa humana. As escolhas
individuais que não causem danos a terceiros, quando formuladas
por pessoas maiores e capazes, devem ser respeitadas. O Estado não
deve pretender substituir-se ao indivíduo em questões existenciais
elementares, que envolvam o sentido da vida de cada um e seus múltiplos
e plurais projetos de felicidade.
O papel do Estado deve ser o de contribuir para a emancipação dos
cidadãos, empoderados — passe o anglicismo — pelo desfrute pleno
”
proferido pelo Ministro Luiz Fux no julgamento da ADI n. 1.923 sobre a felicidade.
legitimidade jurídico-constitucional do modelo de Organizações Sociais,
tal qual disciplinado na Lei Federal n. 9.637/1998. De outro lado, tenho
dúvidas sobre a eficiência gerencial e sobre a qualidade dos resultados
das experiências empreendidas até então. Torço para que haja empenho
dos administradores públicos e compromisso com a probidade e a busca
de excelência dos serviços, pois o que se pretende com o modelo é a
minimização de custos e a maximização dos ganhos sociais. No campo da
saúde, essa meta de eficiência assume feição ainda mais prioritária.
REVISTA DO TCE — Para V. Sa., o Poder Público pode utilizar o
princípio da reserva do possível para justificar o descumprimento de
um dever constitucional?
GUSTAVO BINENBOJM: Isso é mais complexo do que um “tudo ou
nada”. Os deveres constitucionais do Estado, como aqueles relativos a
proteção e promoção de direitos sociais, envolvem a aplicação de recursos
orçamentários, necessariamente limitados. Não creio que a “reserva do
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normativos por agências sobre determinadas matérias, consideradas
sob reserva legal. A regulação de atividades de comunicação social e o
banimento de produtos são exemplos de matérias que não poderiam ser
tratadas sem um prévio pronunciamento do Poder Legislativo.
Outra preocupação tem que ver com a legitimidade democrática das
agências reguladoras. Entendo que os mecanismos de participação social
são condição de validade jurídica da produção normativa das agências,
independentemente da existência de previsão legal expressa. Acho que,
por força de princípios constitucionais como o da motivação adequada
e o próprio princípio democrático, deve haver uma deliberação pública,
transparente e efetiva, antes da edição de qualquer ato normativo.
Ademais, não basta realizar consultas ou audiências públicas meramente
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