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ANNIE BESANT

LEITURAS POPULARES
DE TEOSOFIA
Simples esboço das ideias fundamentais da Teosofia

Editorial Teosófica
Rio de Janeiro
1945

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ÍNDICE
Prefácio 03
CAPÍTULO I O que é Teosofia? 04
CAPÍTULO II A Escola da Vida 12
CAPÍTULO III A Reencarnação e sua Necessidade 22
CAPÍTULO IV A Reencarnação e os problemas da Vida 33
CAPÍTULO V Lei de Reação, Karma 45
CAPÍTULO VI A Vida do Homem em três Mundos 57

PREFÁCIO

Estas leituras são seis conferências feitas no Quartel General de Adyar, com o
propósito de esboçar com simplicidade as ideias fundamentais da SABEDORIA para
um público culto e instruído, porém não familiarizado com estes conceitos. São
publicadas na esperança de que cheguem ao conhecimento das pessoas cultas e
instruídas do mundo inteiro, a fim de contribuírem para o estímulo da mentalidade
pública com as verdades necessárias para o seu melhor aproveitamento. Somente
a Teosofia pode evitar a catástrofe para a qual a civilização se precipita.
Já se notam sinais de que a Teosofia está realizando com êxito a sua benéfica
missão, ao conduzir as novas civilizações arianas para que bebam nas fontes da
antiga civilização ariana. Este livro têm o fim exclusivo de indicar o caminho por
onde é possível alcançar a Sabedoria. Cada qual tem que palmilhar por si mesmo
este caminho.

Adyar - Maio de 1910


ANNIE BESANT

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CAPÍTULO I
O QUE É A TEOSOFIA?

Tantas perguntas se tem feito nestes últimos meses sobre a Teosofia, que
julguei conveniente permanecer aqui durante algum tempo, para uma série de
conferências que tratassem dos principais pontos e ensinamentos da tão traída e
mal interpretada Teosofia; e também para que os leigos em Teosofia se possam
tornar cientes do alcance geral de suas ideias e do plano de conjunto do assunto
que vamos explicar nas seis seguintes conferências. Procurarei exprimir-me com a
máxima clareza possível evitando, sempre que puder, o tecnicismo, para que as
pessoas que possuem certo grau de cultura e educação não encontrem
dificuldades em compreender as preliminares deste assunto. Não pretendo que
as pessoas incultas e falhas de bom senso compreendam a Teosofia em todos os
seus aspectos; mas as pessoas medianamente cultas e instruídas, acostumadas a
discorrer sobre os assuntos ordinários da vida, não necessitarão de excepcional
talento para entender os principais ensinamentos da Teosofia e coordená-los
sinteticamente,
Alguns destes ensinamentos são tão singelos que até mesmo o vulgo é capaz
de compreendê-los e assimilá-los para guia de sua própria conduta; porém o
enlace entre uns e outros e o modo como todos constituem uma grandiosa
síntese da Vida, é uma coisa exequível somente por parte das pessoas que
possuam certo grau de cultura.
A Teosofia em sua atual modalidade apareceu no mundo no ano de 1875;
porém a Teosofia em si mesma é tão antiga corno a civilizada e pensadora
humanidade. Sempre foi conhecida no mundo por diversos nomes em todos os
idiomas; mas, embora os nomes e idiomas difiram uns dos outros, sempre tiveram
o mesmo significado. O principal motivo de sua proclamação em nossos dias, foi os
rápidos e perniciosos progressos do materialismo nas nações propulsoras da
civilização mundial. A medida que a ciência se adiantava, mais, se extraviava por
caminhos materialistas. O qualificativo de "agnósticos" chegara a ser o
característico epíteto dos cientistas; e, naquela época crítica, sob as especiais
condições do pensamento europeu, espalhou-se a ideia de que, embora o homem
pudesse conhecer tudo quanto caísse no campo da observação dos seus sentidos e
tudo que sua razão fosse capaz de inferir destas observações, não possuía, além dos
sentidos e da inteligência, meio algum de adquirir conhecimentos e de raciocinar
sobre o mundo exterior, pelo que era impossível que o homem pudesse decifrar os
profundos e perenes enigmas da vida e algo saber ele sua origem, de seu fim, e de
quanto se refere a Deus, Imortalidade e Espírito.
Esta modalidade de pensamento influiu também no Oriente e nas colônias
onde predominavam as ideias europeias, com, ameaça de invadir o mundo inteiro.
Então os Guardiães da humanidade consideraram oportuno proclamar as antigas

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verdades, sob uma nova forma adaptada a atitude e desenvolvimento mental dos
homens da época; e, assim como foram antes reveladas, umas após outras, as
religiões, de conformidade com o estado evolutivo de um ou de outro
desenvolvimento nacional, assim voltaram em nossos dias a proclamar as bases
fundamentais de todas as religiões, de sorte que, sem privar a nenhum país das
vantagens especiais, que sua fé peculiar lhe proporciona, veremos que todas as
religiões têm o mesmo significado e que são ramos de uma mesma árvore: Esta
maneira de expor ao mundo moderno o conceito religioso, era sumamente
necessária e importante, porque a ciência expunha o mesmo ensinamento de
diferente maneira e com diferente fim, classificando as diversas manifestações
religiosas sob o título de "Mitologia Comparada". O cuidadoso exame elas relíquias
do passado, as investigações dos arqueólogos e paleontólogos, o estudo das
literaturas das antigas civilizações, os resultados obtidos das escavações e a
científica interpretação das inscrições antigas, demonstraram com irrefutável
evidência a identidade substancial de todas as doutrinas religiosas, que seus
códigos morais eram os mesmos em diversas etapas da civilização e que as vidas e
feitos ele seus fundadores se pareciam estreitamente entre si. Ainda as cerimônias
externas, as fórmulas, ritos e sacramentos das diversas religiões, só diferem nos
pormenores de sua roupagem externa e contêm uma fundamental semelhança de
ideias. Porém esta identidade servia de argumento aos incrédulos para combater e
desacreditar todas as religiões, dizendo que todas eram fruto da ignorância do
homem, ainda que ulteriormente se houvessem refinado, e que de acordo com o
aumento do conhecimento do homem, se descobriria a nulidade do seu conteúdo.
Tal era a situação do mundo ocidental quando foi de novo proclamado o antigo
conhecimento .
Como a obra de Teosofia se iniciou nos Estados Unidos e na Europa, foi preciso
procurar no idioma grego um nome que expressasse a antiga ideia. Pouco tempo
depois da primeira vinda do Cristo, os neo-platônicos empregaram o nome de
Teosofia, que significa SABEDORIA DIVINA; e desde então o usaram as sucessivas
escolas de filosofia e todos os místicos europeus, de modo que continha um
significado suficientemente explícito para permitir entenderem-no todos quantos
estivessem versados em questões religiosas ou filosóficas. Palpitava no nome de
Teosofia a sua velha acepção e as mentes cultas o aceitavam na totalidade de seu
significado.
Se nos reportarmos além da era cristã, encontraremos o mesmo conceito,
embora não com o nome de Teosofia, mas com o nome sânscrito de Brahmavidya,
porque Brahma é Deus e vidya é sabedoria. Também se lhe deu o nome de Paravidya
que significa sabedoria suprema. A um grande Mestre perguntou um dos seus
discípulos o que era o conhecimento e o Mestre respondeu-lhe que havia duas
classes de conhecimento, o inferior e o superior. Tudo que o homem pode ensinar
ao homem, todas as ciências e artes, todo livro, "mesmo as Escrituras e até os Vêdas,
se classificam na ordem inferior do conhecimento; e que o conhecimento do Ser
encerra toda outra classe de conhecimento, isto é, o conhecimento superior. Este
conhecimento é a Teosofia. "E esta é a vida eterna, que te "conheçam" a ti só por
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único Deus verdadeiro" (João 17-3-).
Contrária à científica afirmação de que todas as religiões têm a sua raiz na
ignorância humana, opõe-se agora a vitoriosa proclamação de que elas não derivam
da humana ignorância, mas do divino conhecimento. Constituem as religiões os
diversos caminhos pelos quais o homem procura a Deus. Que é religião? É o
perpétuo anelo do espírito humano pelo Divino, do homem por Deus. Procura onde
quiseres a história, examina qualquer civilização ou qualquer país, vai aos extremos
do Oriente e do Ocidente, detêm-te em qualquer lugar e tempo, e por toda a parte
encontrarás a inextinguível sede do homem por Deus. Este é o grito que
instintivamente brota dos lábios da humanidade. Com acerto exclamou o poeta
hebreu: "Como o cervo anseia pela corrente das águas límpidas, assim clama por ti a
minha alma oh! Deus”! Psalmo 42:1-
Giordano Bruno empregou um apropriado símile ao comparar o anelo do
homem por Deus, com o esforço da água para encontrar o nível de onde caira. Assim
o espírito humano anela constantemente alçar-se para a Divindade de onde
procede. Porém, se ao invés de vos limitardes a esperar, anelar e crer, "souberdes"
com tão segura convicção que nada vos possa abalar, não procurareis então o
Espírito fora de vós mesmos, porém sim dentro de vós próprios. Não vos dirijais ao
cientista porque só vos poderá falar das inalteráveis leis da natureza; nem tão pouco
ao teólogo, porque unicamente vos dará argúcias quando necessitais de
conhecimento nem ao artista, porque se bem vos falará da beleza Divina, esta não é
mais do que um Só atributo de Deus e não o Deus integral; também não vos dirijais
ao filósofo porque se resumirá a dar-vos abstrações. Deveis dirigir-vos para dentro e
não para fora. Submergi sem temor nas profundezas de vosso próprio ser: buscai
entre os refolhos de vosso próprio coração o mistério oculto que bem vale a pena
esquadrinhar; e, só aí, encontrareis a Deus. Porém, quando aí O encontrardes,
começareis a ver que o universo inteiro canta o Seu nome e a Sua glória, Encontrai
primeiro a Deus em vosso Eu e depois o encontrareis por toda a parte.
Esta é a verdade fundamental, a Verdade das verdades. Esta é a divina sabedoria
a que chamamos Teosofia. Esta é a proclamação no mundo moderno da mais antiga
e vital REALIDADE.
Por outro lado a Teosofia nos ensina duas doutrinas capitais: primeiro a
imanência de Deus que está em todas as coisas e em toda a parte. Em qualquer
escritura antiga podemos encontrar esta verdade, apesar de hoje em dia se ter
apagado da memória do mundo ocidental e pareça a muitos um novo ensinamento,
estranho e raro, quando tornam a ouvi-lo mesmo que seja dos púlpitos cristãos. No
Bhagavad Gita, que nos é tão familiar e querido, lemos: "Porque nem no movimento
nem na inércia, nada pode existir sem Mim". (Est.-X-39). "Depois de formar o
universo inteiro com uma partícula de meu ser continuo existindo". (Est.-X-42).
Se das antigas escrituras passamos aos escritores modernos, encontraremos
expressas as mesmas afirmações. Ainda Tennyson, quando engenhosamente põe o
seu Espírito em comunicação com o Espírito de Deus posto, que “o Espírito pode
encontrar o Espírito", diz que “o divino Espírito esta mais perto de mim do que as
mãos dos pés, mais perto do que o meu alento".
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Nada senão Deus está em toda a parte. Nada há senão Deus na multiplicidade
das formas. Ele é toda consciência, todo pensamento, porque é o único e solitário, a
Vida Eterna. Está em nós e isso constitui o prêmio de tudo quanto podemos ser, a
prenda de nossa vida imortal. Porque, "o que é a imortalidade? É a ininterrupta, ou
interminável sucessão do tempo, idade após idade". O homem é algo mais do que
imortal ou imperecível, pois o que no tempo começa, no tempo terá que terminar. O
homem é eterno. Aqui está a prova, a segurança do interminável progresso. O homem
é eterno como eterno é Deus. "O Espírito não pode matar nem morrer; porque nunca
teve princípio nem fim; porque não havendo sido, jamais deixará de ser, e não morre
quando morre o corpo". (Bag. Gita n. 19-20).
A morte só significa o despir de uma vestimenta e o vestir de outra. Enquanto
Deus existir o homem não pode morrer.
A segunda doutrina capital está invariavelmente ligada à primeira e é a da
solidariedade de tudo quanto vive e existe. Se só há uma vida e uma consciência, se
Deus está imanente em toda a fôrma, daí se deduz que todas as formas estão
reciprocamente entrelaçadas. Tal é o inevitável corolário da imanência de Deus: a
solidariedade ou fraternidade universal. Se Deus está em tudo, estará também em
toda a parte e o dano que se infringir a um ser, inflige-se a todos os seres. Em
qualquer parte onde haja uma Vida, onde quer que haja uma forma, aí está Deus.
Nada pode ficar fora da vasta solidariedade de tudo quanto existe, e esta
solidariedade esta vida comum é o fundamento da moral. Todas as cousas têm que
ter vida num universo onde a vida é imanente, onipotente e onipresente. Assim
como a imanência de Deus é o fundamento da religião e justifica que o homem
procure a Deus, o corolário da solidariedade universal, a unidade da vida e da
consciência é o fundamento de toda moral. Não podeis prejudicar ao próximo sem
prejuízo para vós próprios, como não podeis pôr um veneno na boca sem que ele se
difunda no sangue e nos tecidos, envenenando todo o organismo. Assim, qualquer
pensamento maligno ou ação delituosa envenena a toda a humanidade, sem que
ninguém seja capaz de prever qual a sua extensão. Sobre estas duas verdades capitais
descansam a religião e a moral, sendo que a Teosofia volta a proclamá-las.
Dissemos antes que as diversas religiões são os processos que cada qual emprega
para procurar a Deus, e nisto estriba a necessidade de sua variedade, porque cada um
segue o seu caminho; pois temos diversos temperamentos e tipos de mentalidade,
portanto diferentes necessidades. Também estamos em distintas etapas de evolução;
uns adultos, outros crianças: ninguém é igual. A verdade é sempre a mesma, porém há
centenas de maneiras para exprimi-la e, entretanto, ninguém a expressa com exata
perfeição. Todos estes modos de expressão merecem o respeito daqueles que
compreendem as duas verdades capitais e cada um deve seguir sem vacilações o
processo que melhor lhe convenha. Além disso não podemos consentir que se extinga
nenhuma das religiões do mundo, antiga ou moderna, porque cada uma tem sua
peculiar característica de perfeição e o homem perfeito deve reunir em si todas as
perfeições. Não devemos lamentar a variedade das religiões, antes devemos nos
alegrar ao ver que a verdade é bastante grande e copiosa para oferecer dezenas de
diferentes aspectos, e todos eles formosos. Cada religião tem sua mensagem peculiar,
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algo próprio para dar a humanidade.
Portanto a Teosofia entra no mundo com sentido pacificador, dizendo: Para que
questionar? Deus é o centro do círculo e de qualquer ponto da circunferência podereis
chegar a Ele. Entretanto, durante o percurso cada um tomará diferente direção para o
centro, segundo o ponto de onde parte. Assim ocorre com as diversas religiões. Todas
são caminhos para chegar a Deus. As pessoas que quiserem ir para Madrás, podem
partir de qualquer dos quatro pontos cardiais; entretanto, todas se encontrarão no
ponto de destino, ainda que sigam direções diferentes.
Uma antiga religião disse: "Por muitos caminhos os homens vêm à Mim, e por
qualquer caminho que ele venha, nesse caminho Eu o recebo. porque todos os
caminhos são meus.” E a religião mais moderna de todas diz: "Nós não diferimos dos
profetas. Os caminhos de Deus são tantos como os alentos dos filhos dos homens."
Nem todos os homens são iguais. O que a um serve de alimento, a outro nem serve de
estímulo. Deixai que cada um tome o Pão da Vida sob o nome e a forma que melhor se
adapte ao seu temperamento. Por várias que sejam as formas das vasilhas, todas se
enchem da mesma água e na mesma fonte. Deixai que cada pessoa beba a água
espiritual na vasilha do credo que prefira. Um pode bebê-la na preciosa ânfora grega;
outro no severo odre egípcio: tal pode servir-se do copo de ouro de um imperador e
tal outro servir-se-á da cuia de um mendigo Que importa a vasilha, contanto que a
água da rumorosa corrente lhes refrigere a seca garganta? Para que discutir sobre a
forma e feitio da vasilha. quando a Água da Vida é a mesma para todos? Tal é a
situação da Teosofia no mundo religioso. Afirma que todas as religiões são boas, e
também que todos temos de aprender para aproveitarmos as suas diferenças na
amplificação de nossos conceitos. ao invés de vermos nelas inimigos a combater.
Portanto, a Teosofia apresenta-se como uma base de religião e moral, mas
também como base da filosofia da vida, porque possui os conhecimentos relativos às
matérias de que trataremos em sucessivas conferências, quando for a ocasião de falar
das grandes hierarquias que enchem o espaço; dos agentes visíveis e invisíveis; da
evolução ou reencarnação como a chamamos, por cuja virtude o mundo progride; da
lei da causalidade, de ação e reação, ou mais exatamente de ação, chamada Karma,
que enlaça o conjunto das verdades e por último dos mundos em que o homem vive,
semeia e colhe. Estes são os ensinamentos da Teosofia, como filosofia da vida. Além
disso, em seu conceito do mundo, considera ela a vida em primeiro plano e as formas
em lugar secundário, porque só vê nas formas o resultado das diversas experiências e
manifestações da vida. Alguns cientistas admitem o pensamento, a vida e as
sensações como resultado das agregações da matéria; para nós, porém são ao
contrário, as causas das agregações. A sabedoria divina parte do polo oposto ao em
que Haeckel inicia sua teoria cientifica da evolução.
O eminente médico William Crooks, quando presidia a Sociedade Britânica Para o
Progresso das Ciências, rebateu a teoria do professor Tyndall, que ocupando o mesmo
cargo, vinte sete anos antes disse que devíamos ver na matéria a promessa e a
potência de toda a forma de vida; enquanto que William Crooks declarava que
devemos ver na vida o moldador de toda a matéria. Esta é a opinião da Teosofia, pois
só pelo exercício de suas potencialidades vitais, pelo pensamento, pode o homem
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dominar o seu destino e ao invés de ser, na corrente do tempo, uma aresta sacudida
daqui para acolá, pelos mais leves sopros, pode ser o seu próprio senhor, e, com as.
armas da obediência e do conhecimento, vencer e subjugar a natureza que antes o
escravizava.
Portanto, a partir do ponto de vista filosófico, a Teosofia é idealista, porque vê na
matéria o instrumento da vida e no pensamento a forca criadora e plasmadora das
formas. Depois temos de considerar a ciência positiva que infere ou deduz, da
observação e da comparação dos fatos, a lei que os rege. Do caos dos fenômenos a
ciência constrói o Cosmos da ordenada razão. A principal discrepância entre a ciência
teosófica e a ciência de cátedra, é que esta última só estuda fragmentos do conjunto,
ou seja os fenômenos físicos e alguns outros perceptíveis ao cérebro e aos sentidos
corporais, e, por isso, frequentemente são errôneas as suas conclusões. A ciência
observa com os sentidos ampliados por aparelhos muito delicados; porém, ainda que
suas observações incluam fenômenos psíquicos, como os sonhos e o êxtase, não se
atreve a ir além do que se manifesta por meio do cérebro. Alguns cientistas e entre
eles William Crooks, creem em uma consciência superior à cerebral.
E Oliver Lodge chegou ao extremo de comparar a consciência do homem a um
navio, cuja parte submersa na água seria a consciência cerebral e o rasto do casco a
consciência superior.
Porém a ciência ortodoxa ou ele cátedra, não admite estas ideias, e é preciso que
se adotem novos métodos para se ela adiantar. Ainda que a ciência faça bem em
observar muitos dos fenômenos cuja investigação começa em nossos dias, estes são
demasiado sutis para serem observados com os sentidos, ou mesmo com os mais
delicados aparelhos.
A ciência oficial é contrária à ampliação das perspectivas, e apesar de não ter
expulso William Crooks de suas fileiras por suas heterodoxas opiniões, vê com receio
toda investigação que se afaste da rotina ordinária. Porém, neste caso, a ciência se
desvia, como o botânico que, ao examinar uma planta de lótus, no tanque, se satisfaz
classificando as pontas das folhas que assomam à superfície da água, sem cogitar das
raízes e do caule, ocultos à vista exterior.
A ciência teosófica considera o mundo em seu conjunto, como uma
manifestação do pensamento em todos os estados da matéria. A ciência oculta sabe
que há espécies de matéria cada vez mais elevadas e muito mais sutis do que o éter
da ciência ortodoxa, que se interpenetram mutuamente e constituem o vasto
universo que sob este aspecto é material, e se pode observar, examinar e
compreender. O homem não está de nenhuma forma limitado ao mundo físico. A
Teosofia afirma que a espécie humana chegou a um ponto de evolução tal que alguns
de seus indivíduos mais desenvolvidos podem utilizar-se de novos sentidos para
observar os fenômenos da matéria sutil e, assim, descobrir as leis ocultas que os
regem. As faculdades mentais e de percepção não terão por instrumento somente os
cinco sentidos ordinários, mas também outros mais afinados, mais sutis e sensitivos.
Com estes novos sentidos, a ciência será capaz de ampliar as suas investigações,
servindo-se de seus peculiares processos de observação e raciocínio, num campo
mais dilatado para deduzir as suas conclusões com maior cópia de dados.
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As observações efetuarias com estes sentidos mais sutis por aqueles que já os
desenvolveram, não devem ser aceitas como certas antes de serem comprovadas,
porém podem ser aceitas como hipóteses para ulterior investigação.
Cada ciência tem seus professores e discípulos em estudo. Se um indivíduo se
apresenta a um astrônomo para que lhe ensine a astronomia, este lhe perguntará:
"Sabeis matemática?" E, se a não souber, o astrônomo o aconselhará a que a aprenda
como preparação para o estudo da astronomia.
Um marinheiro pode navegar servindo-se de uma cada de navegação e das
taboas de logaritmos, embora seja incapaz de construir uma ele mesmo; deste modo,
porém, não poderá saber, mas apenas admitir a provável verdade das afirmações
experimentais.
Assim ocorre com os resultados da Teosofia. Somente os que seguiram o curso
preparatório podem comprovar seus resultados: podem porém ser utilizados como
estimulo para a investigação. Em todas as ciências é necessário que o estudante tenha
preparo para compreender o estudo. Além disso deve ter o tempo e a aptidão
necessários se quiser conhecer a ciência de primeira mão, pois do contrário terá que
se contentar com o aprendê-la com quem a conheça por a ter estudado.
Todas as ciências dizem: "Podeis conhecer-me se vos aplicais com tempo e
paciência ao meu estudo e se tendes capacidade congênita. As condições diferem
segundo a ciência. O botânico deve ter dotes de observador; o músico precisa de
delicadeza de tato e ouvido e assim as demais ciências. O mesmo acontece com a
ciência oculta. Se quiserdes estudá-la proveitosamente nos mundos sutis tendes de
purificar os vossos corpos, físico, astral e mental, porque deveis possuir instrumentos
puros para a superior investigação. Uma lente suja no telescópio ou no microscópio
embaça a imagem, e os pensamentos bem como os desejos impuros anuviam a visão
do investigador. Uma consciência impura não pode ingressar, descobrir, nem
examinar os mundos superiores.
Em resumo, ligeiramente esboçada, a Teosofia é a Sabedoria Divina das religiões,
das filosofias e das ciências. Em cada um destes ramos, a Teosofia tem muito que
ensinar e algumas ideias novas, vívidas e inteligíveis a oferecer a todos que a
quiserem compreender. A religião e à moral religiosa fornece ela as suas bases. Na
filosofia resolve os enigmas da vida que perturbam o cérebro dos pensadores e
abalam os seus corações. Na ciência abre novos caminhos ao conhecimento. A
Teosofia explica a vida, justifica as diferenças sociais entre os homens e indica os
meios de tirar novos fatos do inesgotável repositório da natureza. Também fornece
normas fundamentais de conduta aplicáveis à vida humana. Faz surgir grandes ideais,
que soerguem o pensamento e o sentimento e também redimem, pouco a pouco, a
humanidade, da miséria da aflição e do pecado, que são frutos da sua ignorância, e
causa ele todo o mal humano. Acima de um mundo aflito e sobre as lutas dos
partidos, das contendas entre as nações, do conflito social, da miséria do pobre, do
desespero dos sem trabalho, dos gemidos da inconsolada viúva, das seduzidas e
abandonadas Jovens e do choro da infância desvalida, paira a nossa "radiante estrela"
como se lhe tem chamado. Apesar de todos estes infortúnios, a Teosofia proclama
que o natural e inevitável destino do homem não é a miséria, porém a felicidade. A
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miséria e a pobreza, provêm da ignorância, ambas condições externas e transitórias
que se desvanecem quando aumenta o nosso conhecimento. O espírito interior do
homem é eterno e essencialmente feliz, porque Deus é felicidade e todos participam
da natureza divina. Cada qual estabelece as suas condições externas, segundo a sua
conduta e a miséria desaparecerá de nossa viela, quando soubermos transmutar a
ignorância em conhecimento. Nós damos causa a nossa própria desgraça e
destruímos o que criamos. Vós sois rebentos de Deus e podeis dominar o mundo
interior, porque o espírito termina sempre dominando a matéria. A felicidade e o
gozo são a nossa Vida natural. Tendo nascido no seio da felicidade mergulhamos
temporariamente na miséria, tão só para aprendermos o que o gozo não pode
ensinar, sendo-nos restituída a felicidade que é nosso inalienável patrimônio. Eis o
que alegremente proclamam os mensageiros da Sabedoria Divina. Vossas tribulações
Filhas da ignorância desaparecerão uma vez adquirida a sabedoria, porque a alegria é
peculiar à vossa natureza interior, dela provimos e a ela teremos de voltar.

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CAPÍTULO II
A ESCALA DA VIDA

Vou tratar do primeiro dos pontos especiais em que dividi o amplo estudo da
Teosofia, que tem por título A Escala da Vida. Proponho-me a discorrer sobre o que
a ciência chamaria o plano da evolução; porém este plano é muito mais vasto sob o
ponto de vista da Teosofia do que sob o da ciência ordinária do Ocidente que,
apoiada só na observação dos fenômenos, parte do ponto médio da evolução e,
portanto, necessita de uma força motora que torne possível essa evolução, um
raciocínio que explique o seu método e significado. A ciência oculta, muito mais
ampla, abrange o conjunto da vasta série de mudanças que começam no descenso
do Espírito para se corporificar na matéria e traçam a evolução das formas ao longo
de etapas de sempre crescente beleza, complexidade e amplitude, de modo que em
todas se descobre a evolução da vida nelas involuida. A estas etapas ou graus eu
chamo “A Escala da Vida".
As formas vivas ocupam sucessivos degraus desta escala, a partir do mineral
ate ao trono do próprio Logos. É uma verdadeira Escada de Jacob, com o pé assente
no lodo da terra e os seus mais altos degraus imersos na glória divina. A hierarquia
de todos os seres Viventes constitui os degraus da escada desta o grão de poeira
até ao altíssimo arcanjo. Uma destas hierarquias e a humana, situada em degrau um
tanto elevado da escada. Mais adiante estudaremos o método de ascender por ela.
É evidente que nesta, como em todas as outras ciências, deve haver certos
conceitos capitais, ideias importantes de vital eficácia, que podem destacar-se do
copioso caudal de pormenores que invade as ideias dominantes, a fim de expô-las
com toda a clareza para a mente de quem deseje exercitar a paciência e manter
firme seu pensamento. Por outro lado, há a abundância de pormenores que
envolvem os conceitos capitais; e para se dominar esses pormenores é necessário
dedicar uma vida inteira a uma pequena porção deles.
Exatamente o mesmo acontece com os ensinos teosóficos. Há certos conceitos
capitais relativos à evolução os quais me proponho a expor com a esperança de que
este esboço desperte em vós o desejo de maior conhecimento, que só pode obter-
se pelo estudo individual.
Traçarei o esboço e vós acrescentareis, pelo estudo; os pormenores que tornem
inteligível cada uma de suas partes, pois no curto âmbito de uma conferência não
seria possível expor pormenores em numero indefinido e de quase infinita
complexidade. No máximo poderei traçar as linhas gerais para vossa orientação
visto como em uma conferencia popular, só é possível esboçar ideias capitais e expor
um após outro certos conceitos caros e definidos.
Nenhuma conferência pode substituir o estudo. Aqueles que só aprendem o
que ouvem nas conferências, nunca possuirão mais do que um, conhecimento
superficial do assunto. O estudante só dominará as dificuldades de um tema pelo
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esforço vigoroso e individual. Aqui fica cumprida a minha tarefa e começa a nossa
ainda por fazer. Se os assuntos vos parecem fascinadores, como a muitos de nós
pareceram, deveis estuda-los para os tornar reais.
Assim, pois, trataremos de encarar em conjunto uma grande teoria sobre a
Matéria do Universo a teoria do sistema solar, que é o conhecimento básico do
aspecto material do mundo. Tracemos pelo pensamento um círculo em cujo interior
esteja o universo de discursivo, como dizem os dialéticos. O meu universo discursivo
é o nosso sistema solar, do qual não podemos sair. Tanto a Natureza como a nossa
própria vida permanecerão sempre incompreensíveis, a menos que tenhamos em
conta outros mundos diferentes do físico; assim, os conhecimentos teosóficos seriam
também incompreensíveis se os resumíssemos ao mundo físico em que vivemos,
porque este mundo está interpenetrado e entretecido por outros mundos em cuja
trama todos nós vivemos continuamente.
O homem não é habitante de um só mundo, porém, nas primeiras etapas da sua
evolução ele o é, ativamente, de três e, passivamente, de outros mais.
Imaginemos o sistema solar como sendo uma esfera ou um ovoide, como uma
vasta, porém circunscrita porção do espaço; cheia a princípio (antes que os planetas
existissem) de uma tênue matéria homogênea, isto é, a materia do espaço inter-
estelar. Dentro deste grande círculo do sistema solar, o criador, preservador e
regenerador poder de Deus guia as sua criaturas desde o pó até ao ápice da
divindade. Aí está a nossa Escala de Vidas, pela qual, de certo modo e em
pensamento, vamos ascender.
A matéria de nosso sistema, com suas diversas densidades, é o efeito do primeiro
ato criador operando na homogênea matéria do espaço, e este ato criador prepara o
Campo da Evolução, como às vezes se o tem chamado. Pois bem, como sabeis por
experiência, a matéria existe no mundo físico sob várias formas e estados.
Suponhamos que eu tenho uma laranja na mão. A matéria sólida é a casca e o bagaço
dos gomos; a matéria líquida é o sumo; e ainda que não possais ver o ar, que é
matéria gasosa, sabeis que ele está ali interpenetrando a sólida e a líquida; também
sabeis que as três são inter-penetradas pelo éter. Analogamente, se eu pudesse
sustentar o sistema solar na mão, como uma bola, veríamos nele estes estados de
matéria interpenetrando-se mutuamente. Toda a matéria física é interpenetrada por
outra mais sutil que está em relação a ela como a líquida em relação à sólida; e a
matéria mais sutil que a física está por sua vez interpenetrada por outra ainda mais
sutil do que ela, como a matéria física gasosa em relação à líquida, e o éter em
relação à gasosa.
Aqui nós damos um passo avante, passo que a ciência ainda se está preparando
para dar. A ciência admite a existência do éter como hipótese necessária para explicar
a transmissão da luz, calor, etc.; porem não o subdivide em diversos graus de
densidade. A ciência estuda as modalidades do movimento etéreo e lhe dá diferentes
nomes, como forca ou energia natural. Reconhece que há diferentes modalidades de
movimento, porém - não reconhece que se efetuem em diferentes densidades de
matéria etérica.
O éter tem densidades tão diferentes como a do sólido para o líquido, que
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produz o que chamamos eletricidade, luz, calor, som, etc. Não esqueço que a ciência
chama som às vibrações do ar, mas estas são apenas secundárias.
Há uma densidade do éter cujo movimento é a espécie de eletricidade que aciona
os carros elétricos e cujas vibrações matam o homem. Nesta mesma classe de éter há
vibrações sonoras que abalam o ar e dão lugar às ondas acústicas. Outra espécie de
éter se manifesta nas vibrações luminosas que nos permitem ver os objetos. Há ainda
outras sob a forma de vibrações rápidas que produzem as onda curtas e suaves que são
as das mais sutis e superiores formas de eletricidade; e há também uma espécie de éter
mais fino que é o meio transmissor do pensamento de um cérebro a outro. A matéria
cujos estados respectivos são para o universo o que são os estados que nós
conhecemos para o mundo sensorial enchia todo nosso sistema solar em potentes
esferas, interpenetrado-se antes que existissem os planetas. Todas estas esferas são
materiais e perceptíveis por órgãos sensoriais compostos dos mesmos elementos que
essas esferas. Portanto, se considerarmos este sistema solar como formado de matéria
em diversos graus de densidade, todas as investigações sobre a natureza da matéria,
sobre a natureza do átomo, não só no mundo físico como nas demais esferas, terão
que se efetuar por meio de órgãos e instrumentos adequados. Aqui nos deparamos
com a interminável complexidade de pormenores cujo detalhado estudo necessitaria
muitas vidas. Porém, como veio à existência esta matéria de diversas densidades?
Segundo a opinião teosófica de que a primária e a matéria secundária, a vida divina
constitui a energia motora de cada átomo da matéria do sistema solar. A primeira
grande Emanação de Vida difundida no oceano de matéria interestelar proveio de
Decus diria o Cristão; do terceiro Logos dirá o teósofo; de Brahma, diz o hinduísta; do
“Espírito de Deus que se movia sobre as águas" afirmam os hebreus; do Criador,
asseguram os muçulmanos.
Podemos imaginar esta Emanação de Vida como descendo ao longo de um imenso
Circulo que, girando, desceu do Zenith para o Nadir e ascendera do Nadir para o Zenith.
Esta grande Emanação de Vida nasceu do próprio Logos, e propagando-se por todo o
sistema solar se subdivide em uma infinidade de fragmentos tal como uma caudal de
água que ao cair em cascata se subdivide em miríades de gotas que se convertem nos
átomos vivos da matéria. Não ha um átomo, uma partícula de matéria que não
contenha a vida de Deus que é a sua própria vida. Nada está morto. A grande
Emanação que flui no oceano de matéria homogênea a cristaliza, por assim dizer em
átomos, é o Espírito de toda partícula de matéria. É com esta matéria viva que se
edifica um universo. Eis porque ao que a ciência chama matéria frequentemente
chamamos espírito-matéria; o que por outras palavras significa manifestação do
espírito. Não há nada que seja unicamente matéria; nem pode o Espírito se manifestar
sem ter a matéria como veículo. A matéria é o veículo necessário para a manifestação
do Espírito, de modo que Espírito e matéria. são o primeiro par ou dualidade, e não
pode existir um sem o outro, porque a Vida Divina só se torna Espírito quando unida à
matéria.
Este é o primeiro ato criador, a primeira Emanação de Vida. Logo depois de
formados os átomos, estes se reúnem e constroem os numerosos agregados dos
diversos tipos de átomos a que em nosso mundo físico chamamos elementos e são os
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materiais básicos para a construção e todas as formas.
Convém advertir que os mais eminentes cientistas já começam a reconhecer a
vida em toda matéria e nos falam das "enfermidades" e da "fadiga" dos metais, assim
como de sua sensibilidade aos venenos. Tem sido demonstrado que nos metais e nas
plantas a vida responde à estímulos exteriores tal como nos animais e no homem.
Presenciei em Londres as experiências com que o insigne químico hindu Dr. Jagadish
Chandra Bosee demonstrou a resposta dos metais e das plantas ao excitamentos do
exterior e, na conferência que fez em Londres, diante de um auditório de cientistas,
terminou dizendo que se limitara a comprovar experimentalmente a grande verdade
proclamada há milhares de anos por seus ancestrais ao cantarem nos Vedas: "Há Só
uma Vida embora os homens lhes deem nomes diferentes”. Esta vida única difunde-se no
universo e anima a matéria de que são constituídas todas as formas. Tal é o primeiro
conceito fundamental que se há de compreender e recordar, por nos apresentar o
Logos como o construtor, o Grande Arquiteto do Universo.
Do mesmo Logos em seu aspecto de construtor e preservador das formas, ou
seja do segundo Logos, como dizemos nos teosofistas, de Vishnu como dizem os
hinduístas, dimana a Segunda Grande Emanação de Vida que também gira do Zenith
para o Nadir e dota a matéria de características ou qualidades que a capacitam para
responder de diversos modos aos diferentes estímulos externos, de sorte que uma
espécie de átomo e seus agregados responde especialmente às variações do
pensamento; outra espécie responde às variações da emoção, do desejo, etc. Em seu
descenso para o Nadir a Emanação de Vida infunde diversas peculiaridades em cada
átomo e seus agregados, ate que chega ao Nadir, ou seja, ao ponto inferior de seu
enorme círculo, para depois ascender do Nadir até o Zenith. Durante este ascenso, a
Emanação de Vida constrói as formas com a matéria já dotada das qualidades que lhe
comunicou durante o descenso, ou seja, as qualidades de se reordenar interiormente
ao contado dos estímulos externos. Essas formas são as minerais, vegetais e animais,
e por último semi-animais, semi-humanas. No descenso do Zenith para o Nadir, a
Segunda Vaga de Vida, a Segunda Emanação, comunica qualidades à matéria e
durante seu ascenso do Nadir para o Zenith constrói as formas. Tal é o segundo
conceito fundamental que nos apresenta o Logos como Supremo Artífice; e, se
considerarmos que sempre opera usando o número e a medida, revelar-se-nos-á
como o Grande Geômetra do Universo.
Chegamos agora à terceira e última Vaga de Vida. O Campo da Evolução esta
constituído de cinco esferas ou planos e, para além deles, na matéria mais sutil que
possamos imaginar com indizível esplendor de radiante Vida, na suprema esfera,
reside na perfeição de sua peculiar natureza o Senhor do sistema a quem os
hinduístas chamam Ishvara, o Senhor indivisível não manifestado. Na segunda esfera
refulgem seus aspectos seus poderes manifestos aos quais chamamos Logoi, de quem
procedem as Emanações da Vida. A primeira vivifica a matéria, a segunda constrói as
formas e a terceira procede do aspecto ou energia Regeneradora. Nesta elevada
esfera, nada que não seja Deus pode viver e n'Ele estão as sementes da Divindade,
partículas d'Ele mesmo ou emanações que serão espíritos humanos nas esferas
rúpicas do campo de evolução, irradiando do seio do Pai, pois os mundos se
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constroem com o objetivo de que esses germens da Divindade vão se desenvolvendo
sucessivamente nas múltiplas formas dos diversos reinos: até que aparecem como
triunfantes filhos de Deus e refletem o esplendor do qual procedem,
- Foi dito no Oriente: "Tú és Brahma". Também se disse no Ocidente: "Sede
perfeitos como vosso Pai celestial", O esplendor do objetivo ela evolução humana, é
tão grande que o homem é como ,uma semente divina lançada a terra para crescer a
te tornar-se semelhante a Deus.
A terceira grande Vaga de Vida é constituída pelos espíritos humanos que
irradiam do seio do Primeiro Logos, do Pai, afim de animarem e servirem-se dos
corpos para eles preparados durante a prolongada evolução da forma no transcurso
dos séculos, em seu lento ascenso do mineral ao vegetal, do vegetal ao animal e do
animal ao homem-bruto, Por último alvorecer do novo, dia em que as almas humanas
após, larguíssimo e esperado advento, flutuam sobre as formas para elas preparadas,
ainda que as não possam de pronto influenciar, guiar, ou dominar, Estas almas
humano-divinas, constituem a terceira grande Vaga de Vida derramada pelos
mundos. Tal é o terceiro conceito capital. Do Altíssimo desce a vaga de vida para as
formas dispostas a recebê-las.
Assim, pois a primeira Vaga de Vida constitui a matéria: a Segunda dá à matéria
propriedades e constrói as formas; as terceira Vaga leva em seu cimo as partículas da
Divindade que vão animar as formas e convertê-las em tabernáculos dignos de Deus.
Imaginemos uma alegoria destes conceitos: O Espírito Santo, a Terceira Pessoa
da Trindade cristã, o Brahma dos hinduístas, ou o terceiro aspecto do Logos segundo
os teósofos, pode-se comparar a um rio cuja caudal se divide em gotas pelo próprio
ímpeto de sua queda. Assim a Vida de Deus se derrama ,e difunde em átomos por Ele
próprio animados. A Vida de Vishnú, a Segunda Pessoa da Trindade cristã ou seja, a
Sabedoria, constrói as formas e “Ordena poderosa e suavemente todas as coisas”. A
primeira pessoa da Trindade cristã, o Pai, Shiva ou Mahadeva dos hinduístas, o
Libertador, emana os Espíritos humanos.
Prescindiremos d'ora avante da primeira efusão de Vida procedente do aspecto
criador, do Logos, porque o estudo de seus pormenores exigiria muitas Vidas, como
afirmei no princípio, Porém, em seu lugar, consideraremos a segunda efusão, em cujo
trajeto ascendente se fôrma a Escada da Vida, pela qual todos nós temos que subir,
tendo já ascendido alguns degraus e esperando vencê-los todos.
Já vimos que a segunda Vaga de Vida dota a matéria de propriedades
características e comunica a seus compostos e agregados a capacidade de responder
a diversas modalidades de consciência. Nas três esferas inferiores, temos em
primeiro lugar o que, Cliford, adiantando-se à sua época, chamou de “matéria mental”,
ou seja matéria com capacidade de vibrar em correspondência com as variações do
pensamento; e depois há também a matéria cujas vibrações correspondem às
modalidades emotivas ou de sensação, sentimento, paixão e desejo. A ciência
moderna não reconhece estes tipos de matéria. Mais abaixo, indo da esfera dos
desejos à esfera física, temos nosso mundo físico, onde a matéria já está evoluída
até ao ponto de responder por meio de uma ação externa às incitações do
pensamento e do desejo. A cada alteração da consciência, seja ela mental ou
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emotiva, correspondem outras alterações de vibração no veículo físico, porque a
mudança da consciência e a vibração da matéria estão inseparavelmente
relacionadas.
A grandiosa obra da construção e corpos começa nas pedras, metais e outras
matérias geralmente chamadas inorgânicas, que constituem o reino mineral. A
crosta terrestre abunda em jazidas minerais onde se iniciam os esforços de
construção.
Depois vemos os cristais que denotam maior pujança da vida organizadora, e
por sucessivas etapas chegamos aos cristaloides encontrados em algumas plantas,
mais plásticos do que os cristais e de índole intermédia entre o mineral e o vegetal. A
seguir vemos o reino monista, que não sendo vegetal nem animal é subjacente à raiz
de ambos e do qual surgem as grandes evoluções - dos reinos vegetal e animal.
Alguns indivíduos do remo vegetal como as árvores florestais, estão mais próximas do
animal.
No reino mineral é necessário excitar violentamente a matéria grosseira das
formas, para a vida interior a elas responder. Os terremotos levantam a crosta
terrestre, os vulcões vomitam lavas e o mar açoita os penhascos e quebra as rochas
até pulverizá-las em finíssima areia.
Este violento abalo tem por objetivo provocar uma resposta da vida adormecida
nas densas formas do reino mineral.
Na Idade Média disse um sábio instrutor Sufi: "Deus dorme no mineral". E de
fato, a vida nele não está tão disposta a voltar-se para o exterior, nem a ver através
de seu invólucro, pelo que é necessário sofrer violentos impactos para nela
despertar o Espírito Adormecido.
O reino mineral nos oferece muitos graus de crescimento e progresso. Quando
o ímã atrai o ferro doce ou repele outros metais, nas débeis vibrações da sua
primeira atração e repulsão temos o indício do que futuramente se manifestara
como amor e ódio. O interior respondeu à excitação do exterior.
Isto mesmo vemos por toda parte, e quanto mais determinadamente
estudamos, mais claro nos aparece o resultado.
Após inumeráveis idades de analogias e repetidas impressões, as partículas de
matéria viva dão irrefutáveis provas de responder internamente aos estímulos do
exterior.
Durante longo tempo os cientistas acreditaram que a vida e a consciência
provinham da matéria; porém ultimamente mudaram de parecer ao convencerem-
se ele que a função cria o órgão e não o órgão a função. Se examinarmos um
fragmento de matéria Viva, de protoplasma, tal como a ameba, nela não
encontraremos boca para comer, olhos para ver, pulmões para respirar coração para
impelir o sangue para o corpo, mãos para pegar, nem pés para andar. Só há a ânsia,
o desejo e esse desejo vai organizando a forma, a medida que, às apalpadelas, ela
busca sua própria satisfação. Dizem as Escrituras antigas: “O Atma desejou olhos para ver,
ouvidos para ouvir e mente para pensar”. A boca foi formada pelo desejo que a vida tinha
de alimento. O desejo existia e o corpo começou por aderir-se ao objeto do desejo e a
assimilá-la por contato. A contínua repetição deste ato formou por fim uma abertura, uma
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cavidade bucal com um conduto através do corpo, e assim se foi organizando,
gradualmente, o aparelho digestivo, com toda a sua complexidade derivada do simples
desejo de vida. Da mesma forma a matéria viva desejou mover-se e pôs uma pequena parte
de seu corpo na desejada direção, esforçando-se para movê-la até que, repetido este ato
inúmeras vezes em miríades de indivíduos, deu ele origem às pernas e aos pés para
locomoção.
A medida que a matéria se foi tornando dúctil, modelaram-se os necessários órgãos
com maior aptidão para responder as implícitas exigências da vida. A "Vontade de viver" de
que fala Schopenhauer é o móvel da evolução e significa a vontade do Espírito de construir
um veículo e modelar órgãos convenientes à sua expressão, a medida que a vida cresce.
Assim, por exemplo, uma corrente de vida evolui nas ervas, nos arbustos e nas
árvores, Nestas últimas vemos aparecer os primeiros lampejos da consciência mental. A
constante repetição da estações fornece um prolongado estímulo, ano após ano, que ao fim
de certo tempo produz uma lembrança de passadas experiências análogas, das quais nasce
uma esperança das próximas experiências frequentemente repetidas em série. Começa a
aparecer a memória, e quando um ser vivo recorda algo do passado, inevitavelmente
começa também a esperar pelo futuro. As experiências das árvores repetem-se, ano após
anos, estação após estação, num ciclo que abrange a ascensão da seiva, a brotação das
folhas, o calor solar, o banho das chuvas as alternativas de luz e obscuridade, de calor e frio,
a resistência dos ramos e raízes ao vento e as tormentas, a descida da seiva e o período de
inatividade no rigor do inverno. Tudo isto, repetido durante séculos, desperta na árvore
sinais incipientes de memória e esperança, que acarretam, o despertar da consciência
mental.
Assim os botânicos nos falam da vista das plantas que as capacita para escolher
determinados lugares de absorção e crescimento. Entretanto o tipo ou modalidade de
consciência no reino vegetal é distinto e muito inferior ao do reino animal. As duras ordens
de consciência, tanto a do vegetal como a do animal, existem paralelamente, podendo
acontecer que a consciência no reino vegetal chegue a um nível bastante elevado, para que
possa, ao passar para o reino animal, entrar em formas um tanto superiores da escala
Zoológica e não nas suas formas mais inferiores. Suponhamos que o ascenso na escala do
reino animal seja gradual o que se não dá como bem o demonstra a Genealogia do homem,
de Haekel. Esta suposição em nada contraria o nosso argumento. Quando um ser vivo goza
da faculdade transportar-se de um ponto para outro, aumenta consideravelmente suas
oportunidades de adquirir experiência, pois, neste caso, põem-se em contato com os
objetos exteriores sem se limitar a responder aos impulsos que eventualmente lhe
sobrevenham, pelo que sua perceptibilidade se desenvolve ,mais rapidamente e em maior
grau. A lula pela existência e a tremenda porfia que existe pelo alimento na natureza,
desenvolvem no animal as qualidades que se aplicam a criação e proteção dos filhos.
Através de suas múltiplas vicissitudes ele caçar e de ser caçado, desenvolve ele a
sagacidade, a astúcia, a previdência, a valentia, a defesa própria e ainda, às vezes,
qualidades superiores que o preparam para ingressar no remo humano.
Ao chegar o animal aos limites extremos do reino a que pertence, falta-lhe
alguma coisa mais necessária para transpor o limiar e tornar-se homem.
A Terceira Vaga de Vida, é justamente a que acarreta o descenso das almas que
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esperam tomar habitação nas formas para eles preparadas, e constitui e tornar-se
então o animal-homem. Estas formas são naturalmente rudes e grosseiras nesta
etapa porém estão a propósito para os primeiros esforços do Ego que do estado de
selvagem vai evoluir desde esse estado selvagem até ao divino. Esta agora no
primeiro degrau humano da Escala de Vida, a hierarquia humana e passará
gradualmente do estado de selvagem a outro de incipiente civilização para ir
ascendendo lentamente, etapa por etapa, aos estados superiores.
Aqui nos encontramos com o seguinte problema:
Qual é o método deste progresso? Não há razão aparente para que o selvagem
tenha ele passar do seu estado ao de homem civilizado, nem tão pouco para que uma
civilização chegue a um alto grau para depois decair e voltar à selvageria. Entretanto
assim e, e alguma causa deve haver para isso, conforme veremos em outra
conferência.
Consideremos agora as primeiras etapas do desenvolvimento da consciência que
assinalam os degraus da Escala da Vida ocupados pela hierarquia humana. Dá-los-
emos tão só como um amplo esboço, pois cada etapa abarca infinidade de detalhes.
As etapas são quatro, segundo as descreve Patanjali e o leitor, poderá achar cada um
desses tipos entre pessoas de sua convivência:
1º - A mente está suficientemente desperta e maleável para perceber, porém,
muda continuamente o objeto da atenção. Primeiro uma causa a atrai, depois a
cansa, - uma coisa a atrai mas logo a seguir a fatiga e assim vai mudando
continuamente de alvo.
É o estado infantil da mente em seu longo processo de desenvolvimento, e que
se apega ansiosa a cada novo brinquedo. Patanjali chama-lhe "mente-mariposa",
porque esvoaça de objeto em objeto, como a mariposa de flor em Flor: permanecendo
no ar sem que nenhum propósito definido guie o seu voo. Tal é a mente infantil de
muitos adultos, desperta para o mundo circundante, porém não sujeita à obediência
do Ego, seu verdadeiro senhor.
2º - A mente infantil converte-se depois em mente juvenil cheia de briosas
emoções. Já a atraem os ideais, embora haja ainda pouca fixidez e não mui clara
compreensão. Movem-na impulsos precipitados, aspirações irrefletidas, confusos e
vagos pensamentos. É o estado de confusão, de ilusão, de sonho. É a mente confusa,
de Patanjali.
3º - Segue-se depois a etapa viril, em que a mente está dominada por uma ideia
fixa que pode ser de ambição, filantropia ou amor à verdade que, porém, seja como
for, domina o homem. Todos os seus propósitos, pensamentos e ações estão
subordinados a essa ideia fixa: Se o domina a ambição, escolherá amigos que lhe.
sirvam para alcançar seu objetivo e seus planos, projetos e trabalho que terão por
único escopo a aquisição do poderio. Se o avassala o patriotismo, será um herói; se for
o amor à verdade, será um mártir em tempos de agitação. Nem razões nem
persuasões, nem lógica alguma o dissuadirão de seu propósito. Nos Estados Unidos
encontrei um destes homens dominado pela ideia das formas geométricas e de sua
utilidade. Não podia pensar nem falar de outra cousa. Disse Patanjali que um homem
assim torna-se, com o tempo, apto para o Yoga.
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4a - Nesta quarta etapa já a ideia não obseda o homem, porém é o homem o
senhor dela e a converte em sua escrava. Com toda a concentração da vontade e
propósito, adquiridos na terceira etapa, é capaz de escolher seu objetivo e aplicar suas
energias a realizá-lo. Unicamente nesta etapa pode o homem progredir, realmente, na
vida superior pela qual chegará à humana perfeição. O herói ou o mártir pode ser
então o santo, o vidente, porque se acha ante o portal da iniciação. Atravessa esse
portal e ascende com rapidez sempre crescente pelos restantes degraus humanos da
Escala até alcançar o pináculo do progresso super-humano, junto aos elevados seres,
a quem chamamos Mestres. Chega a ser Homem Perfeito. Então abre-se diante de
seus passos uma outra evolução ainda mais esplêndida. Muito cima dele estão as
hostes da hierarquia super-humana refulgentes de gloria e, quase perdidos no
esplendor e na luz, os Cristos, os Buddhas e. os Manus das idades pretéritas. Alcançará
ele os cimos onde se acham esses Seres? Poderá deixar definitivamente este mundo e
permanecer com gloriosa fortaleza e dignidade entre as hierarquias dos Seres que
governam e guiam os mundos e moram nos vastos campos do espaço? Em verdade
Eles são grandes e potentes, e admirável e necessária é a sua obra; mas se ele quer
chegar ao supremo degrau de nossa humanidade, não deve abandonar o mundo cujos
angustiosos clamores o aguilhoarão no caminho ascendente. A voz do silêncio
murmura internamente: "Esqueces a divina compaixão?" E então ele volve a cruzar o
umbral e de novo toma o vestuário carnal; retoma a carga da matéria grosseira e
oferece-se para ser um salvador dos homens. um guardião da humanidade. Sobe pelos
degraus da Escada, até à altura do Boddhisattva, do Cristo, do Buddha, mas logo se
desvanece na Glória para voltar, talvez num mundo futuro, como Avatar em divina
encarnação.
Tal é a Escala das Vidas conforme a vemos da terra e dos mundos com ela
entrelaçados. Todos nos achamos em um determinado degrau desta Escala. Já
deixamos muitos degraus abaixo de nós e também muitos teremos que subir.
Poderemos ascender devagar ou depressa; porém há tempo de sobra até para o mais
preguiçoso, e todos terão forca bastante, porque em cada coração está Deus. Nada é
capaz de alterar o nosso destino último e nada há que possa frustrar a vontade do
Deus interno. Ainda que nos detenhamos a jogar, a brincar como crianças nas estradas
da vida e nos demoremos longamente, por muito tempo, nos verdejantes caminhos
do prazer, não poderemos seguir finalmente ao interno Deus que tem infinita
paciência porque é todo poderoso e eterno. Sua vontade, é certa e imutável e Ele é o
nosso Ser íntimo. Daí decorre a segurança, a certeza, de que o destino final do homem
é a pureza e a bem aventurança.
Pessoas há que sofrem o terrível pesadelo de um inferno de eterna maldade e
inacabáveis tormentos; porém como Deus está em toda parte e sua essência é gozo,
luz e amor, Ele é incompatível com o mal infinito e a eterna aflição.
Porém todos devemos ascender na Escala da Vida por nosso próprio esforço e se
divergissem os refletidamente do ascenso ou não quiséssemos ascender,
retardaríamos a nossa evolução até o extremo de não sermos capazes de seguir no
mesmo nível da raça a que pertencemos e então sobreviria a dor e a angústia; os
nossos indolentes veículos se chocariam com os mais evoluídos de nossa vizinhança e o
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Deus interno se manifestaria como pena e sofrimento e não como gozo... Além disso, o
atraso poderia ser tal que nos incapacitasse para alcançar a meta assinalada para a
nossa raça, caindo nós portanto, fora da presente evolução, ficando inconscientes
durante longuíssimas idades. Mas finalmente a natureza inferior aprenderá a sua lição
e se harmonizará com a superior.
Em verdade ainda temos muitos degraus a subir, pois a Vida é infinita é e real que
nos achamos em níveis diferentes; entretanto a Vida é UNA e eis porque todos somos
irmãos.

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CAPÍTULO III
A REENCARNAÇÃO E A SUA NECESSIDADE

Esboçado o plano da evolução, vimos em linhas gerais, de que modo a Vida divina
se difunde na matéria, cujas partículas anima; constrói com ela todas as classes de
formas e as vai fazendo cada vez mais complexas e sensitivas. Também assinalei o
desenvolvimento da consciência, degrau por degrau da escala de Vidas, ou seja ao
longo das diversas etapas mencionadas por Patanjali, nas quais vai atualizando suas
potências, até chegar ao portal da iniciação e dai à evolução super-humana, que se
segue a obtenção do Mestrado. para continuar avançando desde o estado de homem
perfeito até ao de super-homem, perdido na luz que vela os Bodhisativas, os Cristos e
os Buddhas da humanidade. Ouvindo esta descrição, alguém perguntará: "Qual o
método de ascensão? Como e possível subir continuamente, cada vez mais, desde o
lodo da terra até identificar-se com a Divindade? Qual o processo da evolução?"
Vamos responder a estas perguntas tão naturais e necessárias e, com efeito,
trataremos primeiro da necessidade da encarnação, procurando demonstrar que ela é
uma verdade comprovada na natureza e tão racional quanto inevitável. Em outra
conferência veremos que a reencarnação resolve os problemas da vida, explica as suas
diferenças, resolve os enigmas do amor e do ódio, da amizade e da inimizade e dos
motivos porque nos ligam tão fortes laços a alguns seres ao passo que ficamos
separados de outros.
A obra que se deve levar a cabo é tão formidável e o terreno a preencher tão
sumamente vasto, que é preciso adotar um método lógico, racional e inteligente para
compreender como pode o homem realizar semelhante progresso, pois vemo-lo passar
nesta vida apenas o curto espaço de tempo que transcorre entre o primeiro vagido do
recém nascido e o último suspiro do moribundo. Tão breve tempo não corresponde à
magnitude da tarefa, cuja realização exige um método extensivo e racional, já que tudo
no mundo deve ser racional, pois está ordenado pela suprema Sabedoria e mantido
pelo infinito amor.
Agora bem; qual o significado da reencarnação? Não a aplicaremos aos reinos
mineral, vegetal e animal: cujos métodos de evolução, ainda que interessantíssimos,
são tão complicados, que nos faltaria tempo para tratar deles. Unicamente direi em
resumo, que os Espíritos que poderíamos chamar embrionários e um dia serão
humanos, estão suspensos sobre os reinos inferiores à espera de que as formas lhes
convenham para definitiva morada. De etapa em etapa, de grau em grau, poderíamos.
com tempo e trabalho observar os métodos de evolução nos mundos inferiores; porem
a reencarnação, em seu sentido histórico, tal como foi entendida pelas antigas religiões e
pela moderna Teosofia, tem o claro e definido significado de que o homem é um ser
espiritual revestido de corpos materiais, uma inteligência espiritual cujos corpos são
como roupagens. Assim como as prendas do trajo não são a pessoa, a inteligência
espiritual veste-se de corpo materiais que também não são ela mesma, Esta inteligência
espiritual deve atualizar todas as suas potências e adquirir experiências com o objetivo
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de desenvolver suas divinas aptidões. Sua peculiar morada é a altíssima região
espiritual, pois ainda que os corpos nasçam na terra, nosso verdadeiro ser nasceu nos
mundos superiores. A expressão cristã de que "a pátria do homem é o céu" é uma
verdade literal, pois a pátria de um homem é seu país nativo, e como o espírito
humano nasce no céu, o verdadeiro homem é cidadão do céu e não da terra. O céu é
seu berço, sua natural residência e morada. O Espírito humano é como uma ave que,
remontando aos ares, pode planar sobre um lago e afundar o bico na água para colher
sua presa, voltando em seguida a retomar seu peculiar ambiente. A morada do Espírito
humano é o mundo celeste; mas abisma-se na terra para colher experiências, o
alimento espiritual que leva à sua morada com o objetivo de assimilá-lo em aptidões e
faculdades. Logo após ter assimilado a experiência de uma vida, volta à terra para
adquirir maior experiência em outra vida.
A reencarnação funda-se no conceito do homem como ser espiritual pertencente
aos mundos superiores. Vem a terra e toma o corpo que se lhe preparou. Entretanto
não é manifestamente divino. Após longas experiências e múltiplas lições há de
aprender a dominar a matéria. Encarna em um corpo selvagem, onde suas experiências
são verdadeiramente duras e rigorosas, que lhe dão as primeiras lições da vida,
bastante difíceis ele serem aprendidas. Passa depois à existência de ultratumba e a dor
mostra-lhe os erros cometidos, assim como o gozo lhe faz conhecer os pensamentos e
emoções certas, assimilando durante o último período desta vida de ultratumba o que
se colheu na terra.
Uma vez transmutadas as experiências em faculdades, em aptidões mentais e
morais, volta a encarnar-se em um corpo melhor adaptado as suas novas consciências
terrenas que transmuta em aptidões nos outros mundos, de sorte que a vida de
ultratumba vai se tornando maior a medida que progride em sua evolução, e assim
gradualmente até se elevar do estado selvagem ao estado da perfeição humana de um
Mestre.
É uma longa vida cujos dias são as existências terrenas, e do mesmo modo que um
homem não deixa de o ser, ainda que viva muitos dias na terra, também não deixa de
ser homem durante a dilatada peregrinação em que as vidas são dias. O homem que
semeia é o mesmo que colhe; em como aquele que contrai dívidas, tem de as pagar. Os
mundos estão regidos pela imutável justiça, que exige o pagamento de uma dívida
contraída e da recompensa pela virtude alcançada. Assim transcorrem vidas e vidas em
que o passado se manifesta como caráter e consciência até que afinal chega a tornar-se
um homem perfeito e, então cessam as reencarnações.
Já não necessita renascer no mundo, porque aprendeu as suas lições; acontece-lhe
o mesmo que ao educando que após ter cursado os primeiros ensinamentos na escola
ingressa na segunda classe para receber lições superiores. No mundo físico e nos
outros dois com ele relacionados, o homem está, por assim dizer, na escola e uma vez
tenha aprendido tudo quanto esta escola pode ensinar-lhe, passa a ser o que
chamamos ashaiksha, aseka ou adepto, isto é, o homem que já não é educando, porque
nada mais tem que aprender. Só então fica livre da roda dos nascimentos e das mortes,
transferindo-se para uma magnífica evolução super-humana, na qual a consciência já
desenvolvida, escala inconcebíveis alturas até unir-se com a própria Divindade.
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Tal é o significado da reencarnação. Vejamos agora porque ela é necessária ao
homem.
A sua necessidade pode ser considerada sob três aspectos:
1º - Segundo o ponto de vista da lógica, a reencarnação é necessária para satisfazer
a razão, pois sem ela a vida seria um enigma desesperador um problema a desafiar
toda solução.
Não há sofrimento mais agudo e acerbo para a inteligência, do que a irremediável
incompreensão de tudo que a rodeia. Podemos suportar uma coisa quando a
compreendemos. As penas e tristezas não são a verdadeira miséria da vida humana,
pois a verdadeira miséria provém de que a inteligência anda tateando na obscuridade,
entre objetos que não compreende, tropeçando em problemas que não pode resolver,
apesar das torturas impostas ao cérebro e ao coração. A mente desfalece diante destes
arcanos e afunda-se no desespero por não achar fundamentos razoáveis para as
dificuldades do mundo, pois onde não há razão nem ordem não pode haver esperança.
A reencarnação entretanto, torna inelegível toda a existência e lança torrentes de luz
sobre a vida humana, de modo que com ela podemos ver sua gênese, evolução e
termo final.
2º - A reencarnação é necessariamente científica. "A ciência atual já não pode
responder às perguntas que se lhe dirigem. Há vinte ou trinta anos acreditou que
poderia responder a elas. Darwin supôs tê-las respondido. Porém, nenhum cientista
moderno admite que a teoria darwiniana resolva os importantes problemas da
evolução humana. A ciência do dia emudece diante deles. Perdeu uma solução e não
acha outra.
3º - A reencarnação é moralmente necessária e para alguns este aspecto afeta os
mais importantes problemas. Há quem se satisfaça de viver em uma névoa,
intelectual, sem que lhe pareça ser molesto o respira-la; porem, nem mesmo o
coração bondoso pode afrontar sem angústia os problemas morais da vida, a menos
que conheça a doutrina da reencarnação e se convença de que tudo é "boníssimo".
Temos afirmado que segundo o ponto de vista da razão, da ciência e da moral é
necessária e inevitável a reencarnação. Tratemos agora de demonstrá-la.
Dizem as Escrituras hebraicas apócrifas que a Sabedoria “ordena suave e
potentemente todas as coisas”. Esta Sabedoria está personificada pelos cristãos na
Segunda Pessoa da Trindade, a que os hindus chamam “Vishnú”. É a Razão Perfeita e o
Universo por Ela construído deve estar, portanto, perfeitamente de acordo com a
razão.
Examinemos um selvagem primitivo, de tipo ínfimo como os aborígines da
Austrália, os vellas de Ceilão, ou os cabeludos de Bornéu, que apenas são homens
para não deixarem de o ser. Sua linguagem é feita mais de sinais, e sons expressivos
de emoções, do que de palavras, de modo que pouco se avantajam à linguagem dos
monos que alguém conseguiu reproduzir.
Um selvagem assim carece, se bem o examinarmos, de mentalidade e de
moralidade, pois possui tão somente os seus germes. Relatos de viajantes informam-
nos de que estes selvagens contam até três, e ao passar desta cifra indicam o número
dizendo mais. A gata não faz outra coisa com suas crias e a galinha com seus ovos.
24
Dizem que o governo Australiano desejando resguardar os aborígines contra o
intempérie do inverno, deu-lhes mantas para se abrigarem durante a noite; no dia
seguinte, porém, durante as horas de sol, quiseram trocar as mantas por outros
artigos, pois não tinham ideia de que a noite voltaria outra vez.
Quanto à moralidade, não lhes trazia remorso algum - o fato de matarem aquele
que mais gordo lhes parecesse, para o comerem num banquete. Darwin refere-se ao
caso de um selvagem que matou a esposa como poderia ter morto uma ovelha para
comer, e quando um missionário lhe mostrou a maldade da ação cometida, o
selvagem respondeu cheio de satisfação: "Pois asseguro-lhe que estava muito boa.
Então tentou o missionário fazê-lo entender que não eram uma e mesma coisa as
boas comidas e as boas ações, pois nele não estava ainda desperto o senso moral. Os
selvagens antropófagos comem seus país porque eles já não servem para mais nada e
os filhos porque ainda não podem servir para algo. Matam, roubam e embriagam-se.
Entretanto, todas as religiões nos ensinam que o selvagem é uma criatura de Deus. O
que faremos com ele no outro mundo? O que poderemos fazer com ele no céu? Por
outro lado, não seria muito justo enviá-lo para o inferno. Será apenas sua vida
estreita e brutal tudo quanto pode dar-lhe um mundo que para tantos de nós parece
tão admiravelmente formoso? Será sua pobre mente embrionária a única herança
deste filho do homem, deste rebento de uma humanidade que produz santos, heróis
e gênios? E isto é tudo quanto um selvagem conhece deste maravilhoso mundo, de
toda a formosura e grandeza das possibilidades da vida? Se inquerirdes o que deve ser
feito do selvagem, seguramente refletireis sobre a reencarnação a cuja luz vamos
examiná-lo.
O selvagem matou sua mulher e talvez vários de seus companheiros. Matou e
roubou amparado pela sua força bruta; porém não se lhe pode chamar criminoso, e sim
amoral. Suponhamos que depois morre às mãos de outro selvagem mais forte do que
ele. Na realidade não morreu, pois só fica destruído o corpo físico e o selvagem passa
ao mundo intermédio entre a terra e o céu, onde encontra vivos todos quantos matou
na terra. Eles são muitos e ele é um só. Nem ele nem os outros esqueceram o sucedido.
e assim, não o recebem mui carinhosamente no outro mundo. Então, ainda que
poucas, aprende algumas lições, e entre elas a de que se hoje mata alguém voltará a
encontrar esse alguém amanhã e se comer a sua mulher, ela não quererá mais ser sua
companheira, quando de novo o encontrar. Também vivem naquele mundo os pais que
matou por velhos, com a vantagem de que eles estão ali há mais tempo e ele é um
recém chegado, errante e temeroso. Começa então a aprender algumas lições, não
todas, e para continuar a aprendê-las em outras experiências, volta repetidamente à
viria terrestre até que as primeiras lições fiquem gravadas na Alma e aprenda assim
que não é bom o ato de matar e roubar; e, vagamente, chega a reconhecer que há uma
lei que retribui a cada um segundo as suas obras.
Entretanto, não são estas as suas últimas experiências de ultratumba. Talvez
houvesse sentido algum carinho por sua mulher antes que a fome o movesse a matá-la
e comê-la. Este gérmen de carinho não pode morrer, porque nada morre no Universo
moral. Aquela sementinha de bondade vai crescendo e o faz feliz; mais tarde, quando
sua bondade aumentar, será levada ao mundo celeste para que se transmute em uma
25
qualidade moral com a qual voltara a terra. Cada vez que renasce, traz consigo uma
crescente tendência a hesitar ante o ato de matar, a reconhecer que matar é injusto,
quando lhe demonstrem a maldade da ação. Assim é que no transcurso de grande
número de vidas, vai-se civilizando e pode a seguir viver numa tribo cuja lei respeite a
justiça como limite e restrição de seus atos; colheu o fruto da experiência e o assimilou,
incorporando em sua conduta os matérias que acumulou. Vida após vida continua
progredindo até chegar ao grau de evolução em que nascem hoje muitos de nossos
filhos. A grande diferença entre nossos filhos e os do selvagem está em que os nossos
compreendem os ensinamentos morais que lhes damos e os do selvagem não os
compreendem. Presenciei o caso de uma criança selvagem a quem uma missionária
salvou da matança dos habitantes de sua tribo, levando-a à Inglaterra, onde foi incapaz
de aprender as mais elementares ideias de moral apesar dos ensinamentos que lhe
foram dados e do ambiente moral que a rodeava. Nada havia nela que pudesse
responder aos esforços e evocações de sua instrutora.
É certo que alguns selvagens são degradadas relíquias de uma civilização passada
muito superior ao seu estado atual de evolução, almas algo mais velhas e, portanto,
capazes de responder, ainda que limitadamente, a uma qualquer insinuação moral. Ao
contrário se a vossos os filhos ensinais que é mal feito o apoderar-se pela força do
brinquedo do seu irmãozinho, pequeno e débil, compreenderão isso imediatamente.
Dizeis então que tem consciência; não por dom de Deus, mas como resultante da
experiência, pois trouxeram consigo a colheita de seu passado, o sentimento do justo
e do injusto, a tendência para aprovar ou condenar; e vós vos aproveitais desta
tendência, pois não se trata de almas. Recém nascidas, porém de almas que já
passaram por muitas existências. O filho do homem culto traz consigo ao mundo um
caráter determinado conforme poderá observar quem trata com crianças. O caráter é
como o saldo com que cada um começa sua presente vida e o homem civilizado
compreende a razão por que não lhe é lícito matar nem roubar ao próximo. Assim,
gradualmente, em cada vida adquire maior conhecimento e mais prolongada é a sua
vida ultraterrena. Quando o homem ordinário morre que colheita leva para utilizar no
Outro mundo? Os erros que aja cometido causar-lhe-ão sofrimento, e tal é a base de
tudo quanto se diz do terrível inferno. Uma vez depurado dos seus erros, passará para
o mundo celeste, acompanhado de suas boas ações, como joias engastadas em sua
coroa. Levam-se para o mundo celeste todas as generosas aspirações e esperanças
tudo que é nobre, bom e elevado, quais sementes de qualidade que se devem nutrir e
desenvolver, do mesmo modo que a beleza da estátua lavrada pelo escultor do bloco
de mármore, depende conjuntamente das propriedades do mármore e da habilidade
do escultor. O mármore é a experiência que o homem leva consigo ao mundo celeste.
O Espírito interno é o escultor que lavra o caráter no mármore. Eis a importância da
vida terrena que proporciona o material, pois que, conforme a pureza do mármore
tanto maior será o valor da estátua, ou empregando um símile, da qualidade da
sementeira dependerá a colheita.
Vemos, assim, como a lei da reencarnação traz ao homem a oportunidade de se
formar a si mesmo; como vida após vida acumula experiências que se transmutam em
faculdades como em cada nova etapa de sua peregrinação acrescenta, reúne e cristaliza
26
em faculdades estas experiências.
O homem esculpe as suas virtudes durante a bem-aventurança da vida celeste e
cada vício indica nele uma virtude por adquirir. Há tempo bastante, mesmo para
quem caminha com o mais lento passo, e por conseguinte nosso triunfo é seguro e o
resultado final é certo. O homem é dono do seu futuro caráter e por consequência do
seu destino. Tal é um dos argumentos dados pela Teosofia em apoio da reencarnação:
a necessidade de converter o selvagem em sábio, o homem embrionário no triunfante
Filho de Deus.
Porém não se resume nisto a necessidade da reencarnação. Consideremos o caso
de uma criatura morta logo após ter nascido, Se não fosse verdade a reencarnação,
para que serviria aquela fugaz vida de uma hora? Segundo a teoria cristã* como
explicar o mistério da morte do recém nascido? É ou não é de valor permanente a
experiência adquirida durante a vida terrena? Se o é, aquela desafortunada criatura fica
privada para sempre de adquirir tais experiências e nunca poderá recuperar esta perda. Se
admitirmos que não renasça na terra usurpamos-lhe a inestimável herança da vida humana
e não poderá entrar no céu porque carece de experiências terrenas ficando eternamente
estéril. Ao contrário, se admitirmos que a criatura morta após ter nascido nada perde, e se
nosso eterno destino depende do resultado desta vida, a criatura livre das tribulações.
misérias, pecados e desgostos a que está sujeito quem vive longos anos com o risco de ir
para o inferno, enquanto que a criatura infante, contando que seja batizada, vai para o céu
ou para o limbo onde não tem penas nem glórias? Verdadeiramente esta doutrina é
incompreensível, mesmo que se a qualifique de misteriosa, dizendo que não é permitido
perscrutar os desígnios de Deus. Respostas deste gênero fomentam o ceticismo porque é
inútil dizer que não se investigue, nem se esquadrinhe quando se nos deu inteligência para
investigar. O homem tem o direito de estudar tudo, e enquanto não tiver estudado uma
questão, não poderá assegurar se é ou não capaz de compreendê-la. Todas as questões
são objeto de estudo para o investigador da verdade.
* Aludo à teoria cristão porque esta olvidou a doutrina da reencarnação; que em tempos
admitia e que agora está recobrando.
Tratemos agora de resolver outro ponto. Para que servem as qualidades que com
esforço e sofrimento vamos adquirindo, se forem adquiridas só para uma vida? Ao ancião
experimentado pelos anos pedimos conselho e, vemos que no-lo dá muito mais prudente
do que o Jovem ou inexperto; porém acontece que, se o ancião morre quando de mais
valor é a sua presença neste mundo, porque a vida o proveu de uma áurea sabedoria e ao
morrer vai para o céu ou para o inferno, segundo a doutrina ortodoxa, em nenhum dos
casos, lhe vale sua sabedoria. Os sábios, prudentes e espertos são úteis na terra; teria sido
um absurdo a vida humana, e toda a experiência iria parar no montão dos desperdícios da
natureza, se a morte os levasse a mundos onde, por falta de aplicação, lhes fosse inútil a
sabedoria adquirida, porque inevitavelmente o homem ficaria salvo ou condenado. Quanto
mais se discute em termos lógicos e racionais, mais imperiosa se torna a necessidade de
reencarnação.
4º - A reencarnação é necessária segundo o ponto de vista científico. Quando Darwin
expôs sua teoria da evolução, tudo se fundamentou na lei da herança, segundo a qual os
pais transferem suas qualidades aos filhos e na luta pela vida que assegurava a
27
supervivência do mais apto para perpetuar a espécie: porém se a lei da herança não é exata
e os pais nem sempre transmitem suas qualidades aos filhos, cai a base a teoria de Darwin,
no que concerne à fórmula do progresso, pois o naturalista, inglês considera a luta pela
existência como a única esperança do progresso humano, já que só pela luta podia
sucumbir o fraco e prevalecer o forte para engendrar nova descendência.
Quando eu estudava o modo de atuar da lei de população, ou povoamento, escrevi a
Darwin sobre o particular e ele me respondeu dizendo que não devíamos suavizar a luta
pela Vida, porque nesse caso, cessaria a transferência de qualidades adquiridas pela luta
individual, e esse era o único modo de progredir.
Entretanto, os cientistas de hoje opinam que os pais não transmitem aos filhos suas
qualidades morais e mentais; ao contrário, quanto mais elevadas o pai as possui, mais débil
é a potência reprodutora, até o extremo de se afirmar que o gênio é estéril. Quanto ao gênio
musical, a ciência moderna expõe que vem preparado como se disséssemos por várias
gerações. Em determinada família vão se sucedendo indivíduos de certa habilidade musical
até formar pela reprodução um corpo cuja excepcional delicadeza de ouvido, tato e nervos
são as características físicas de um gênio musical que, encarnado no dito corpo, manifesta
sua artística pujança, enche de admiração o mundo e morre; porém, em vez de transmitir
seu gênio e realizar assim a raça, seus filhos, se os teve, são mediocridades e a família não
tarda em extinguir-se. Onde estão as famílias de Beethoven, Mozart e outros gênios
musicais do passado?
Em todos os sentidos a ciência repete a mesma verdade. Não há herança intelectual
nem moral. O gênio não se vincula. Ora, isto seria o toque fúnebre do progresso humano,
a menos que admitamos como verdadeira a reencarnação.
Enquanto acreditamos possível transmitir nossas virtudes aos nossos descendentes,
foi poderosamente lógico o argumento de Guilherme Kingdon Cliford quando na Ética das
crenças recordava aos pais que tinham em suas mãos o porvir da raça e os exortava a viver
digna e nobremente com o fim de legar sua enriquecida herança a quem os sucedesse
neste mundo. Cliford não acreditava na imortalidade individual e por isso o seu
argumento era de maior mérito.
Porém, hoje em dia, já não tem cabimento, logicamente, o argumento e portanto a
ciência fica muda a respeito de como se efetua o progresso. A herança física é notória; não
o é, porém, a herança moral e mental. Como tudo, do progresso moral e intelectual
depende o porvir do homem. Acaso não é a continuidade de consciência o necessário
complemento da continuidade do protoplasma?
Ainda há outro problema de ordem científica. Como se foram desenvolvendo as
qualidades sociais? Mediante a luta pela existência? Neste caso sairiam vencedores os de
menos virtudes sociais porque segundo vemos, na porfiada luta da vida humana não triunfa
o mais honrado, porém o que melhor se amolda à ética dos negócios, sem reparar
grandemente na pureza dela. Na concorrência comercial não alcança o pináculo o melhor,
mas o pior, pois que é sagaz, também é vulgarmente inescrupuloso. Nos Estados Unidos
sobe mais alto o homem mais astuto e de mais embotada consciência. O que prepara a sua
fortuna sobre os escombros de milhares de famílias entra na categoria dos
multimilionários, a quem se cita como exemplos. O ouro apaga os crimes que o código não
sanciona, e o que o código não sanciona a sociedade não condena.
28
O falecido Dr. Huxley, na sua última conferência feita em Oxford, expôs em termos
comoventes a dificuldade que estamos examinando. Disse que o homem, um mero átomo,
se coloca à frente do universo na evolução de suas virtudes cívicas, as quais lhe dão o
caráter de homem e o elevam acima do nível do bruto. Demonstrou que o homem não
devia evoluir atropelando ao débil, mas auxiliando-o e protegendo-o, pois as qualidades
genuinamente humanas são as da compaixão e da ternura que colocam a força ao serviço
do mais fraco e desvalido. Resumiu a conferencia na seguinte frase, tomada de um Mestre
teósofo, e que encerra profunda verdade: "A supervivência do mais forte é a lei da evolução
para o bruto; o sacrifício próprio é a lei da evolução para o homem".
Mas para isto é indispensável transmutar os resultados do sacrifício em um poder
maior para auxílio, porque do contrário, como o homem que se sacrifica, morre, suas
qualidades ficariam perdidas para a humanidade e se de nada serve já o seu sacrifício, os
outros se desalentariam para seguir o seu exemplo. A ave que se expõe ao tiro do caçador
cruel, para afastá-lo do ninho onde repousam seus implumes pintinhos e às vezes morre
deixando-os em miserável orfandade, como poderá transmitir à sua prole o valioso instinto
da maternidade? O mesmo sucede com todos os mártires e heróis que se sacrificam pela
espécie humana. Se a reencarnação é certa então o homem que morre volta com mais
copiosa e plena consciência do que antes, porque as qualidades de amor e sacrifício se
assimilarão em sua natureza durante a vida celeste e voltará com maior potência e
abundância para prestar mais valioso auxílio.
Convém examinar de passagem outro ponto, ainda que se relacione com os de que
devemos prescindir. Em regra geral, os filhos nascem durante a juventude dos pais e não
quando estes chegam a velhice, tendo assimilado os frutos da experiência para
transmutá-los em sabedoria. Os pais progridem alentados pela vida conjugal e pelo
sentimento patri-materno. A debilidade dos filhos, necessitados de auxílio, vigoriza a
abnegação dos pais, de modo que os mais adiantados mostram suas altas virtudes na
madureza da vida, depois que, os filhos já sairam da infância. Segundo a suposta lei da
herança, o filho só poderia herdar as virtudes que os pais possuíssem no tempo da geração.
Disto se infere que o relevo das gerações está principalmente nas mãos dos matrimônios
jovens e portanto inexpertos, pois a madureza mental coincide com a cessação da
fecundidade fisiológica. Portanto, chocamo-nos aqui com outro problema que só a
reencarnação pode resolver, pois com ela nada se perde. O quotidiano sacrifício dos pais
cristaliza-se no céu, na virtude da abnegação para quantos necessitam de auxílio; cristaliza-
se na virtude do Santo, do herói e do mártir. Nada se perde nem consome. Quão
admiravelmente concorda esta transmutação e conservação da energia, no mundo
espiritual, com o já reconhecido principio da transmutação e conservação da energia no
mundo físico!
A evolução da consciência, cujo desenvolvimento exige sempre melhores corpos
para se manifestar na matéria, proporciona à ciência a chave do progresso e mostra o
desenvolvimento paralelo dos aspectos moral, mental e físico da natureza humana em sua
prolongada ascensão.
5º - A meu ver, a necessidade moral da reencarnação é o mais poderoso argumento
em seu favor, pois se assim não fosse seriam expulsos do universo a justiça e o amor.
Entretanto há duas outras opiniões que vale a pena examinar. Uma é a de que Deus
29
cria especialmente cada alma. Outra é a herança. Os cristãos sustentam em sua maioria, a
primeira opinião; porém tanto uma como outra deixam o homem paralítico e inválido nas
garras de um destino em que não pode influir. Ao nascer, o homem não vem ao mundo
com uma mente semelhante a um papel em branco onde se pode escrever o que se queira.
Ninguém que conheça as crianças negará que cada uma nasce com distinto caráter,
temperamento, qualidades, aptidões e defeitos, de modo que é preciso tratá-las
conforme são. Dizem os muçulmanos que o homem nasce amarrado ao seu destino.
Isto é verdade em grande prarte, porque o homem vem ao mundo com determinada
índole e caráter, suscetível de se reformar e de se aperfeiçoar até certo limite. Como
disse Luiz Buchner: "Um nasce idiota, outro, gênio; um franzino, outro vigoroso; um
avaro, outro liberal." Estas diferenças "parecem mesmo nos braços da aia, antes que a
criança saiba andar. Quem estabelece estas diferenças? Deus? Então teríamos a
injustiça entronizada no universo e isso significaria o abandono, e portanto, a
desesperação do homem. A gente não se apercebe do que implica a criação especial de
uma alma humana saída das mãos de Deus para animar um corpo. Eu conheço muito
bem a cidade de Londres e ainda mais o seu aspecto tenebroso, porque pertenci a
Junta Escolar de um mísero distrito , o East End, onde tinha a meu cargo 96.000
crianças de ambos os sexos. Além disso, trabalhei muito entre os pobres daqueles
bairros e, quem conheça o East End, não será alheio a miséria da vida humana. Em
minhas funções de auxiliar da Junta Escolar observei que havia alguns tão degenerados
de tendência tão inatamente pecaminosa, tão enfermos de corpo e mente, que foi
preciso separá-los para escolas fundadas para os filhos de pais honrados embora
pobres. De onde vinham esses delinquentes congênitos? Porque haviam nascido entre
nós? Acompanhai-me aos bairros, onde as casas estão corroídas pelo tempo, cobertas
de musgo, sem ventilação nem luz. Sigamos por uma ruazinha suja estreita, cheia de
hortaliças podres e entremos num pequeno pátio. Baixemos por uma desmantelada
escada: há uma adega subterrânea que Jamais viu a luz do sol. O ar se mastiga antes do
que se respira. Num canto jaz uma mulher sobre um montão de asquerosos farrapos.
Acaba de dar à luz a nona criança de um homem-criança, de fronte estreita, de crânio
alongado, em declive desde as sobrancelhas ao occipital, que termina em ângulo quase
agudo. Aquela criança é um criminoso congênito. Terá. vigorosas paixões e fraca
mentalidade. Esta sentenciado ao crime e à miséria, durante toda sua infeliz vida na
terra. É um malvado mortal com Espírito humano. E dirão que acaba de sair das mãos
de Deus. A mãe é um andrajo das ruas. O pai... quem sabe? ... talvez um bêbado do,
cais. Desde seus mais tenros anos, aquela criança só ouve obscenidades, blasfêmias e
maldições. Seus lábios infantis aprendem a proferir termos horríveis de se lhes
conhecer o significado. Criam-no a sopapos e pontapés, e todos os dias o mandam
esmolar pelas ruas, deixando-o sem cela, se por acaso não trouxe da esmola o bastante
para pagá-la. Assim vai ele passando os anos sem amor, sem carinho, sem solicitude
nem ternura, ate que, ainda criança, cai nas mãos da polícia. Comparece perante o
Tribunal para a infância de primeira delinquência , e mandam-no para o cárcere em
promiscuidade com inveterados criminosos, de cuja companhia sai muito pior do que
ao entrar. A lei é para ele um inimigo, nunca um auxiliar ou mestre. Ninguém o ensina.
Todas as mãos se levantam contra ele. Já traz consigo o estigma do cárcere, embora isto
30
lhe importe pouco e, cometendo crime após crime, sofre pena após pena, errante,
confuso e selvagem; todos os tribunais do pais acabam conhecendo aquele miserável
produto da civilização moderna que ante eles comparece. Finalmente, num momento
de paixão ou mesmo de embriaguez, dá um golpe demasiado forte e mata a um
companheiro. A lei prende-o pela última vez. No banco dos réus ouve as provas
atestadas contra ele. É sentenciado à morte e passa a noite na cela dos condenados, de
onde numa fria manhã de inverno o levam à forca e depois de executado, arrojam o
seu cadáver ao fosso caliginoso do pátio do presídio. Porém,e depois? O que faremos
dele? Evidentemente é demasiado velhaco para ir para o céu, onde seguramente não
seria feliz; nem tão pouco seria justo enviar ao inferno eterno um homem que nunca
teve ocasião de se corrigir. Esta é a história não de um, porém de muitíssimos, em
todos os países civilizados. Não é esta, precisamente, a obra mais habilidosa saída das
mãos do Criador. Poderia ter sido melhor.
Na mesma Londres, nasceu em outro lar, outra criança rodeada de toda a espécie
de comodidades, solicitamente atendida por ternos e amorosos pais. Traz em sua
fronte o sinal do gênio. O crânio airosamente modelado, as linhas fisionômicas finas e
corretas denotam suaves emoções e elevados ideais. É encaminhado à virtude e à
dignidade, do mesmo modo que ao outro se atirou para o crime. Não ouve velhacarias
nem obscenidades. Seus pais guiam-lhe os passos e lhe proporcionam a mais excelente
educação que um país culto pode proporcionar. Da escola passa ao ginásio, depois à
universidade. Recebe elogios e o cumulam de prêmios por suas aptidões naturais. Vai
de gozo em gozo e de triunfo em triunfo, É tão favorecido por Deus, quanto foi
desgraçado o outro, e morre no fim de uma vida gloriosa, chorado por toda a nação
entre cujas celebridades fica inscrito o seu nome.
O que fizeram um e o outro? Nasceram, nada mais. Não é possível crer que Deus
forme uma alma para cada corpo, quando nos deparamos com tais contrastes e
dificuldades. Crê-lo seria blasfemar contra essa justiça em que a humanidade funda ,as.
suas esperanças, Nada digo do amor, só aludo a justiça e, em suas frias e áridas mãos
coloco a questão.
O criminoso congênito, ao se trasladar da forca de onde pendia o seu cadáver, à
chamada presença de Deus, ao comparecer ante o tribunal da Justiça divina, teria
direito de dizer a Deus: "Porque me fizeste assim?”
Não vale a pena a resposta interrogativa que São Paulo deu a estas perguntas,
dizendo: "Ele não tem o poder, o oleiro, de fazer da mesma, argila um vaso para a
honra e outro para a vergonha?*. De nenhum modo, se a argila é sensível, se tem o
instinto de vida capaz de sofrer e gozar; ninguém tem o direito de fazer uma criatura
para atormentá-la ou destruí-Ia, para condená-la neste mundo ao crime e no outro ao
inferno.
Tal a necessidade da reencarnação segundo o ponto de vista moral, sendo que
aparece ainda mais imperioso e irretorquível sob o ponto de vista científico. Talvez
alguém diga que exagero ao apresentar tipos extremos, porém estes tipos existem e
limitei-me a pô-los em contraste, de modo que movam à reflexão, e para que quem
refletir pergunte e responda se Deus pode haver criado de propósito o criminoso e
o gênio. Se não criou os dois, também não criaria um só deles. De todos os modos,
31
convém que as pessoas estudem por si mesmas estes problemas e não se satisfaçam
com as rotineiras opiniões de outros indivíduos que não têm para isso mais
capacidade do que para se vestir de roupa feita. É preciso pensar por conta própria
ou permanecer toda a vida na ignorância e na insensatez. Eu só indico as
dificuldades que demandam solução e que a têm, se as examinarmos com
amplitude e critério.
* Vejam-se a este propósito os versículos 20 e 21 do Capítulo 9 das Epístolas de
Paulo aos romanos.
0 mais abjeto criminoso é um irmão menor que algum dia estará onde hoje
estamos. O mais excelso Mestre e um irmão maior que agora está onde estaremos
em futuros milênios.
A reencarnação é a mensagem do evangelho da Esperança, da segurança, do
êxito final. A reencarnação é o método para ascender pela etapa humana da Escala
da Vida. Todos podemos cooperar com a lei uma vez conhecida; também ninguém
se subtrai a ela. Os desejos humanos não influem na lei natural. Pode o
conhecimento nos capacitar para cooperar com a lei, apressando assim a nossa
evolução, e ajudar nossos irmãos para que apressem também a sua a fim de
escalarmos com eles sempre maiores alturas pela Escala da Vida.

32
CAPÍTULO IV
A REENCARNAÇÃO E OS PROBLEMAS DA VIDA

Além dos pontos que me propus tratar nesta conferência, estudaremos outros
sobre os quais fui consultada.
Antes de mais nada vejamos se há número fixo de espíritos humanos, de sorte
que se vão reencarnando sucessivamente sempre os mesmos, ou se de contínuo
surgem novos espíritos à existência.
Prescindiremos do progresso da mentalidade e da consciência através do reino
animal, e principiaremos na etapa humana. Entretanto, ao chegar a evolução a
certo ponto, parte do reino animal ingressa no reino humano, se bem que este
ponto já há muito que passou em nosso atual ciclo de evolução. Incluindo, porém,
os que ainda estão nos reinos inferiores e não entraram no reino humano durante o
atual ciclo, há um número fixo de espíritos que no transcurso dos séculos vão
passando pela escola da reencarnação.
Porém se assim está fixado o número de egos, a que se deve o aumento da
população? A resposta é bem sucinta. Os encarnados em determinado tempo
formam uma exígua minoria dos egos ligados à roda de nascimentos e mortes e
assim como para escutar uma conferência pode concorrer auditório mais ou menos
numeroso, sem alterar o censo da população, assim sucede também com a
população do globo, que pode aumentar em certas épocas até certo número de
egos reencarnando, sem variar o número total de espíritos.
Os desencarnados permanecem afastados da terra tanto mais tempo quanto
maior for a sua evolução e segundo vai progredindo a humanidade, porque os homens
de tipo superior não reencarnam com tanta frequência como os de tipo inferior, porém
basta uma ligeira progressão nas reencarnações ou um leve encurtamento do período
celeste para aumentar em grandes proporções a população, do globo, posto que só
um numero de egos, relativamente pequeno estão encarnados em determinado
período de tempo.
Entretanto, não há uma prova textual de que aumente a população do globo. Se
considerarmos, por exemplo, a invasão da Grécia por Xerxes e advertirmos quão
numerosos eram seus exércitos, concluiremos que o mundo estava densamente
povoado naquela época, ainda que, naquele tempo, não se conheciam as operações do
censo. Em algum países se calcula hoje a população com muita exatidão, porém, na
maior parte deles, como na China, computa-se por conjeturas o número de habitantes.
Em consequência, disso não há dificuldade a respeito do aumento do número de Egos
encarnados, pois a população do globo poderia se duplicar em alguns anos sem alterar
o equilíbrio da natureza.
Antes de tratar dos pontos que requerem solução, digamos algo acerca da
Causalidade, sem a qual não seria possível resolve-los. Há na natureza uma lei que
enlaça as causas com os efeitos. Em linhas gerais, pode-se resumir no conhecido

33
axioma de que a ação e a reação são iguais e contrárias. Os hinduístas e budistas a
chamam KARMA, palavra que significa ação, porque a reação está invariavelmente
unida a ela. Esta lei significa que quando se perturba o equilíbrio da natureza, ele tende
a restabelecer-se e por toda parte vemos que assim sucede. Se lançamos uma pelota
contra a parede, ela voltará com força exatamente igual a do choque. Esta lei atua
incessantemente e esta muito em relação com os pontos de que vou tratar, pelo que
devemos tê-la em conta ao expor as soluções.
Nosso mundo não e um joguete das casualidades nem do azar, nem o governam o
favoritismo ou a parcialidade mas antes uma lei imutável atua em todos os aspectos da
natureza, tanto no mundo físico como no mundo moral. A lei da natureza é a expressão
da divina vontade, na qual, segundo diz uma escritura cristâ: "Não há mudança nem
sombra de varrição” (Santiago 1º - 17). Isto é literalmente verdadeiro. A amplíssima lei
de ação e reação intervém em todas as questões relativas à reencarnação e é
necessário compreendê-las para termos uma ideia clara das soluções que vou expor.
O primeiro ponto refere-se às diferenças de aptidões, como as que se observam
entre o selvagem e o gênio. Segundo o ponto de vista cientifico, a dificuldade é
insolúvel, porém facilmente solúvel segundo a teoria da reencarnação. Cada um de nós
é uma inteligência em evolução, que germina de vida em Vida, como germina uma
semente de árvore de estação em estação. O selvagem é uma inteligência jovem que
se encarnou muito, muito tempo depois de outra inteligência já situada nos cimos da
civilização; porém ambas são de natureza divina. Entre elas há uma diferença análoga à
existente entre um carvalho novo e outro velho. O primeiro acaba de brotar de uma
semente plantada há um ano, e o segundo brotou há séculos de outra semente e
converteu-se em gigantesca árvore. O crescimento e a evolução não se limitam aos
corpos, porém manifesta-se também nos aspectos mental e moral do homem. A
diferença de evolução no selvagem e no gênio, no criminoso e no santo é apenas
diferença de grau. O Deus interno desenvolveu-se muito mais em um do que no
outro, embora estando presente em ambos. É questão de tempo e não de injustiça.
O aperfeiçoamento de um será posterior ao do outro, porém ambos tem a perfeição
como destino, e para alcançá-la dispõe do tempo infinito que ante eles se desdobra.
O selvagem de hoje repousava ainda no seio de Deus, quando o que hoje é um
gênio já se debatia nas lutas da evolução. Agora o gênio aproxima-se do descanso,
enquanto soa para o selvagem a hora da luta. Se reconhecemos a evolução do corpo,
por que não reconhecê-la na mente e na consciência?
Comparemos o nosso corpo com o de um selvagem da Nova Zelândia, do qual
só resta o crânio. Tem a fronte estreita e as mandíbulas prognáticas. Talvez digais que
a diferença notada, ao comparar este crânio com o nosso, provém das influências do
tempo, do progresso da evolução; que um é o crânio de um selvagem, o outro. de
uma pessoa civilizada. De acordo. Porém, aplicai o mesmo raciocínio à mente e à
consciência e notareis também o porque da distinção. Em tudo há crescimento e em
nada há injustiça.
Nós que aqui estamos, não somos favoritos de um Deus que nos enviou pela
primeira vez ao mundo, sem merecermos a posição em que nos achamos; nem tão
pouco é o selvagem um pária divino, somente apto para a situação em que foi
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colocado. Iguais começamos e iguais seremos no final. Todos começamos na
inciência, sem conhecimento algum. Todos culminaremos na oniciência, conhecendo
tudo.
As diferenças entre nós são transitórias, de idade e desenvolvimento. Porém,
também se pergunta: Ainda supondo que disto resultem diferenças na evolução
humana, nascerá sempre uma criança, do mesmo tipo moral que os seus pais?
Responderei que não. Há casos em que de pais relativamente selvagens nasce um
ego mais ou menos desenvolvido. Em geral, as crianças selvagens são do mesmo tipo
que os seus pais, porém há exceções. Recordemos o negro Booker Washington, um
ego de notabilíssimo nível intelectual e moral, que com sua eloquente palavra e seus
denodados esforços procurou realçar sua raça na escala social.
Ele foi assinalado como prova exemplar de que o negro é suscetível de elevada
educação intelectual e moral. Entretanto, não é um ego adequado a um corpo de
raça negra, senão que movido pela compaixão e dotado de altas faculdades,
deliberadamente quis encarnar em um corpo de tipo inferior com o fim de auxiliar a
uma raça repudiada e menosprezada. De quando em quando, uma grande alma
consumará o sacrifício de nascer numa posição degradada com o propósito de
realçar aos degradados alentando-os com seu exemplo e estimulando-os a se
elevarem de nível.
Alguns dos mais insignes santos da Índia meridional·nasceram entre os párias, e,
não obstante, todo o mundo reverência ali a sua memória como homens tão
santamente espirituais, que mesmo aos mais altivos bramanes não repugnou
reconhecê-los como santos e devotos, ainda que nascidos na ínfima classe social da
Índia. Estas almas nasceram na degradada casta dos párias com objetivos de realçá-la
e proporcionar-lhe ocasiões de evolução, demonstrando que nem o mais ínfimo tipo
de corpo pode de modo algum enfeiar a grandeza do Deus interno. Entretanto, tais
casos são excepcionais. Assim também se encontram nos bairros inferiores de
Londres, entre gente de tipo abjeto, homens honradíssimos, santas e puras mulheres
e cândidas crianças que brotam como imaculadas flores do lodaçal dos casebres.
Como contraste, no seio de uma honrada e digna família nasce, às vezes, um
indivíduo atrasado e os pais não tem outro recurso senão enviá-lo para servir de
boiadeiro ou de pastor em longínqua comarca.
Estes casos excepcionais são explicados pela lei de Karma que no passado ligou
os egos com os laços que os unem no presente. O indivíduo atrasado de hoje pode
haver prestado em outra vida algum notável serviço que o ligou a um ego nobre e
volta para que lhe paguem a dívida com a influência de um favorável ambiente. Mas
para compreender em detalhe estes casos é preciso considerar as causas, como
veremos mais adiante. Agora surge outra pergunta: O que há sobre os que morrem
logo depois de nascer? Como explica a lei da reencarnação este inútil nascimento?
Segundo o ponto de vista da reencarnação, explica-se dizendo que no passado
(falo de fatos vistos e observados) o ego do recém-nascido estava em dívida com a lei,
por haver causado a morte de alguém ainda que sem maldade) de modo não
propositado mas por inadvertência ou descuido. Suponhamos um caso particular. Um
homem atira um fósforo, após haver acendido o cigarro e sem cuidar de verificar se
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está apagado, cai sobre um montão de palha que incendeia uma cabana, onde morre
queimada uma pessoa. Não podemos chamá-lo de assassino, pois foi um ato de
negligência e não de crime, salvo o que a própria negligência tem de criminoso. A
dívida contraída com a lei é leve, ele a satisfaz pelo curto intervalo em que tomou um
novo corpo ao reencarnar. O ego perde este corpo, porém em seguida procura
nascimento que ocorre em geral ao cabo de poucos meses. Entretanto, em tais casos
o Karma é em sua maior parte dos pais que são a causa principal do nascimento e se
lhes escolhe para filho um ego que tenha a dívida mencionada, afim de esgotar o
pesado Karma deles. A criatura nada perde em realidade, pois renasce em poucos
meses e só sofre uma breve demora: porém os pais sofrem pela perda do tão
esperado Filho. Seu karma os põe em contato com o do ego que deve uma vida, e
ambos os karmas se esgotam com a morte da criatura.
Deixando de parte outros casos, apresentaremos, por exemplo, o de alguns pais
que em Vida anterior tiveram falhas para com uma criança que tinha algum direito
sobre eles, ainda que não nascida de seu sangue; ou ainda, o caso de um tutor cruel
para com seu pupilo. Esta falta de carinho ou excesso de crueldade é uma dívida
registrada no livro contas correntes da natureza, que será saldada com a morte do
filho de seu coração, para que aprenda a ser mais terno e carinhoso com outras
crianças. Ouvi a uma mãe, que perdeu o filho, confessar que era sua a culpa e dizer;
"Serei uma mãe para todas as crianças que cruzem o meu caminho, e as amarei como
teria amado ao meu filho". Neste caso a lição produziu o seu efeito e ficou
inteiramente paga a dívida kármica. Aquela mulher, conhecedora da lei, a aceitou
sem queixa nem amargura, convertendo sua tristeza em bênçãos para muitas
crianças desvalidas que receberam centuplicado o seu amor. Assim, por meio da
natureza, ensina Deus a seus filhos a ternura e o amor.
Consideremos agora a ponte referente, não já ao progresso do indivíduo,
porém ao das nações, com suas prosperidades e decadências. Como explicar isto à
luz da teoria da reencarnação.
A prosperidade de uma nação é obra dos egos cada vez mais adiantados que
nascem em seu seio e a elevam grau por grau a um nível superior, porque eles
mesmos constituem essa nação.
Em um pais relativamente inculto nascerão as almas mais jovens da raça e
quando voltarem melhoradas estarão aptas para nascer em outro país mais
civilizado. A prosperidade de uma nação depende do influxo de almas adianta as
que, nascidas em corpos adequados por afortuna a herança física, contribuem para
elevar seu nível de civilização. - Isto dá importante ensinamento a quem tenha de
tratar com as condições sociais de um povo, pois tais sejam essas condições,
atrairão almas adiantadas ou atrasadas. Se são más, como ocorre na Índia, onde a
sexta parte da população é pária e está exilada, inevitavelmente atrairão grande
número de almas jovens e infantis para que aprendam as primeiras lições da
evolução. Se educamos a estas almas inferiores de modo que vivam honradamente,
se as ensinamos a criar no país onde nasceram, melhores condições sociais para as
classes baixas e para as almas jovens terão que buscar então outros países menos
cultos, enquanto que no país melhorado pela obra da educação nascerão almas
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adiantadas, atraídas pelas vantagens das novas condições para sua ulterior
evolução.
Na Inglaterra sucede o mesmo que na Índia, pois embora as condições sejam ali
favoráveis para alguns, temos a praga dos bairros baixos com seus pardieiros, os
quais oferecem oportunidade para a reencarnação de almas selvagens, pois parte
das classes ínfimas da sociedade inglesa, a plebe, os criminosos congênitos, são
almas selvagens, anacronismos incorporados a uma raça civilizada. Se a Inglaterra se
livrasse dessa lepra dos pardieiros eliminaria as condições propícias à reencarnação
em seu país dessas almas inferiores.
O que se diz da Índia e da Inglaterra pode aplicar-se também a outros países. As
sinistras condições sociais atrairão para uma nação almas pouco evoluídas. As
condições vantajosas atrairão muitas mais adiantadas. Nas mãos e cada nação esta
o seu destino. O descaso de melhorar a situação dos necessitados acarreta a
inevitável reação da decadência nacional. Assim sucedeu no passado e assim no
presente. Quando uma nação chega ao seu ponto culminante, de modo que o tipo
físico alcança o seu limite e para progredir tem que transmutá-lo, então começa a
decair. A história esta cheia de exemplos tais como os da Caldéia, Egito e Roma.
Porém os tipos físicos da nação decadente são entretanto úteis para almas
atrasadas, que neles se encarnam. Depois vai se deturpando o tipo a cada influxo de
almas inferiores, até que a degradada nação desaparece da história.
Dizem os antropólogos que os povos selvagens acabam sendo estéreis, e isto
acontece porque seu tipo é demasiado inferior para a reencarnação dos egos e por
haver outros melhores, pelo desenvolvimento da raça humana. Quando já não
existem almas tão inferiores que possam habitar estes degradados corpos, as
mulheres cessam de conceber e o tipo se extingue. Eis o motivo da detenção do
influxo procedente do reino animal, porque chega a um ponto em que se abre um
abismo entre a etapa inferior do reino humano e a superior do reino animal.
Pereceram os seres com que a natureza transpunha a princípio o abismo, e assim os
egos individualizados no reino animal não encontram corpos suficientemente
inferiores para seu uso. É necessário esperar que haja em outro mundo tipos
suficientemente simples e inferiores para neles morarem.
Assim podemos assinalar as causas da prosperidade e da decadência das
civilizações. Dependem da encarnação dos egos, e este é um dos motivos de nossa
luta contra a vivisecção e outras formas de crueldade científica, pois a persistência
na crueldade degrada o tipo físico do homem, porque o físico é o resultado do moral,
tanto em sentido ascendente como descendente. Os tipos assim degradados
arruinarão a nação.
A vivisecção pertence moralmente ao passado, não ao futuro, e a menos que a
consciência coletiva desperte e acabe com estes crimes de lesa-humanidade, será um
dos toques fúnebres da nossa civilização.
Outro, problema é o referente à evolução dos instintos sociais. Darwin tratou
deste assunto e não pôde explicá-lo ao dizer que sobreviviam, entre os animais, os
filhos de pais amantes e abnegados. Mas seguramente não sucede assim. Darwin se
esqueceu de que, em geral, perecem os pais bons e abnegados, e os filhos órfãos
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tem menos probabilidade de sobreviver. Huxley reconheceu que este era um
problema insolúvel sob o ponto de vista da luta pela existência, pois observava que
para ela eram desvantajosas as qualidades humanas e vantajosas as brutais.
Tomemos, por exemplo, o caso da mãe que se sacrifica pelo bem de seus filhos;
do médico que perde a vida ao se esforçar desesperadamente em deter a invasão de
uma terrível epidemia e do mártir que morre em defesa da verdade. Além da
inspiração de seus exemplos, que benefício derramaram sobre a sociedade estas
almas? No outro mundo verificam que o sacrifício realizado na terra lhes serve de
material para a formação das qualidades do caráter. O pensamente e o ato de
sacrifício se transmutam em virtude permanente.
Um autor hindu, Bhagavan-Das, define Isto com muito acerto dizendo que “a
virtude é a modalidade permanente de uma emoção sã". Assim, a emoção de amor
se converte em virtude quando é universal e se exerce para com todos, tanto
conhecidos como desconhecidos, O amor da mãe pelo filho, a emoção maternal, se
transmuta em virtude de amor quando a recebem igualmente todas as crianças.
Portanto, a emoção manifestada num ato heroico cristaliza-se em virtude no
céu e o homem renasce com ela como parte de seu caráter. Nada se perde. Quanto
mais porém os que se sacrificam, pondo em risco a sua vida, maior benefício recebe
a humanidade proveniente desse sacrifício, porque os sacrificados voltam mais
nobres e magnânimos. Diz-se que o “sangue dos mártires é a semente da igreja", não
tão só pelo alento de seu exemplo, como porque os mártires voltarão a servir a
religião após acrescentada a nobreza de sua alma no mundo celeste, onde se fixa
permanentemente a emoção em um princípio fluídico e imutável.
Os instintos sociais despontam com maior relevo no homem que reencarna
após ter realizado um sacrifício, porque durante sua longa estadia no mundo
celeste os exalçou a um grau muito elevado e ao renascer os traz consigo para o
serviço da humanidade.
Tal é a resposta adequada à pergunta de Huxley, que já tateava quando em sua
última conferência disse: "Por acaso o homem é parte da consciência que fez o
universo?" O homem é parte desta consciência e portanto é eterno. Uma vez
desenvolvidas as qualidades divinas, volta à terra para ajudar a humanidade. Os
santos e os heróis trazem consigo a colheita do que semearam na terra e
recolheram no céu, como pão para alimento do homem. Assim se explica o
desenvolvimento do instinto de sociabilidade que constitui a consciência social.
Como vimos, a reencarnação explica a existência de criminosos congênitos.
São egos novos em estado selvagem, por quem não devemos nos afligir, porém, ao
contrário, devemos ajudá-los. Também aqui cabe aplicar a reencarnação aos
problemas da vida. Se creis nela, não enviareis o criminoso ao presídio e o soltareis
após algum tempo para torná-lo a encarcerar quando cometa outro crime, pois que
seria não ilógico como se um médico removesse um varioloso para hospital por
uma semana, e logo a seguir lhe desse alta, para voltar a hospitalizá-lo por mais
quinze dias e na terceira vez, por três semanas. Nada disto. O médico manda o
enfermo para o hospital, a fim de que ali permaneça até que fique são - O mesmo
processo que se segue com as enfermidades físicas, dever-se-ia seguir com as
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enfermidades morais. Ensinai e educai ao criminoso. Não o castigueis com
severidade, porque o castigo como vingança prejudica ainda mais ao ego caído em
vossas mãos. Se bem que não o deixeis em liberdade, como tão pouco soltaríeis um
animal daninho que pudesse avançar contra as pessoas, porque é perigoso em seu
estado selvagem de criminoso, também não amargureis a sua vida. Ensinai-o,
educai-o e não lhe devolvais a liberdade enquanto não tenha aprendido a lição de
viver honradamente. Muito se fala de liberdade, porém convém advertir que a
liberdade é inútil e até perigosa, a menos que a acompanhe o sentimento da
responsabilidade e o domínio próprio prevaleça contra os impulsos do exterior. Os
criminosos necessitam de ensinamentos e disciplina, e o que tem direito de
reclamar de nós não é liberdade, porém educação; não a licença para cometer
crime após crime, que vão expiando com os encarceramentos continuados, porém
a disciplina que os ensina a ser trabalhadores, honrados e dignos.
Só quando a criminologia se apoiar na reencarnação, desaparecerão os
delinquentes habituais. Os cárceres e presídios serão escolas de educação, ensino e
refinamento, porque os egos maiores compreenderão quais são os seus deveres
para com os menores, e, ao invés de lhes conceder direitos eletivos, os ajudarão na
aquisição de virtudes. Este seria o procedimento para tratar os criminosos, melhor
do que os empregados nas intituladas nações cultas de hoje em dia. Pois bem,
porque alguns nascem estropiados, anões ou aleijados? É o resultado de
crueldades infringidas a outros e que ao renascer pagam-se em espécie de
deformidades. Por exemplo, os inquisidores nasceram estropiados. Os vivisectores
de hoje nascerão estropiados no porvir. Todos os cruéis obterão análogos resultados.
O mestre de escola cruel (o professor) que aterroriza as crianças que deviam
aprender a amá-lo; que as domina pelo medo, e não pelo amor; que abusa de seu
poder e não sente a responsabilidade de sua altíssima função, nem conhece a divina
lei que pôs em suas mãos o desvalido para que fosse protegido e não para ser
oprimido, terá na reencarnação uma amenizadora mensagem, ainda que também seja
no fim uma esperança, porque o sofrimento acabará melhorando-o. Em geral não se
dá à crueldade a importância que ela merece. É um dos piores crimes, porque fere a
lei de amor, e é ainda pior quando a vítima é indefesa e desvalida nas mãos do
verdugo.
Pode, as vezes alegar-se a boa intenção como escusa da crueldade. O inquisidor
desejava salvar almas; porém, devera ter usado outro meio melhor para salvá-las , do
que o potro e a fogueira. O mesmo sucede com o vivisector. Deseja salvar os corpos
humanos, porém deve valer-se de um meio melhor, do que a tortura dos animais. O
mesmo pode-se dizer dos professores. Melhor fariam extirpando as faltas pelo amor
e bons exemplos, do que trazê-las à superfície a palmadas. Cada crueldade por parte
do mais forte não só é nociva pelo sofrimento que infringe, como também pelos
resultados morais, pela cobardia, servilismo e medo que infunde, assim como pela
perpetuação da crueldade, pois o débil cruelmente tratado será cruel por sua vez,
quando se converter em forte.
A crença na reencarnação contribui para o fomento da moralidade, porque quem
nela crê não age como o ignorante, que deve aprender pelo sofrimento; o que, se
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quisesse, poderia ser aprendido pela razão. Seja pela razão ou pelo sofrimento, todos
devemos conhecer a lei.
Porque amamos e odiamos? É em consequência de nossas relações passadas
com tais pessoas. Algumas pessoas supõem que a reencarnação os separa dos seres
que amam. Não, não há tal. Além de tudo, nas prolongadas vidas celestes, que às
vezes duram milhares de anos, a maior parte do tempo passamos em companhia das
pessoas a quem amamos na terra, e ao renascer os egos tendem a se agrupar com os
que amamos no passado. Nada mais surpreendente, ao examinar uma série de vidas,
do que ver como se reencarnam juntos os esposos, parentes e amigos, Se por
qualquer razão nasceram em diferentes lugares do mundo, a lei os ajunta em
amorosa amizade, se amaram no passado. Nada há no céu nem na terra capaz de
matar o amor nem romper os seus laços. Onde há amor se estabelece entre os egos
um laço que não pode ser desatado pela fria mão da morte, nem tão pouco pelo
renascimento. Voltamos com os nossos antigos amigos e também com os nossos
antigos inimigos. Ao ver pela primeira vez a uma pessoa, não haveis sentido nunca a
impressão de que já a conhecíeis? Ao fim de duas ou três horas de conversação com
esta pessoa ficais relacionados com ela mais intimamente do que se fora da mesma
família. Ao contrário, sentireis instintiva repulsa para com outra pessoa desconhecida
e haveis de obedecer a este sentimento porque é o aviso do ego contra um antigo
inimigo. Convém guardar-se contra quem provoque semelhantes emoções, e depois
enviar-lhe pensamentos de amor e de benevolência, pagando-lhe em bênçãos e
bons desejos o antigo agravo. No fim de anos, podeis encontrar de novo a mesma
pessoa, que já não será inimiga, porém neutra ou amiga. E quando ao encontrar
pela primeira vez a uma pessoa, de vosso coração brote afeto para ela, prova será
de que então o Espírito atrai o Espírito através do véu da carne.
Os corpos podem diferir bastante, porque a reencarnação nos leva de um país
para outro, porém como os egos se conhecem mutuamente, se comoverão ao
encontro dos corpos e apertarão as mãos com instintivo afeto. Assim se explicam os
estranhos impulsos de súbita simpatia, como os velhos agravos explicam as
repentinas repulsões. Aos sentirdes simpatia tereis o Fundamento da mais firme
amizade que na terra se possa conhecer. Aquela profunda e instintiva evocação do
invisível é mais segura do que todo raciocínio, argumentação ou conhecimento, e
quando, além de profunda, é firme, merece a mais absoluta confiança.
Porém tenhamos a convicção de que provém de dentro e não de fora, como
sucede às vezes nos amores fulminantes, porque se bem que pode ser o
chamamento de um ego a outro, também é possível que sela a atração sensível de
dois corpos de diferentes sexos, e então se contrairá o amor físico que se extingue
pela posse. Poucas probabilidades de permanente felicidade tem o matrimônio
baseado neste amor. Porém o profundo reconhecimento que exclama: "Este é o
meu esposo" (Savitri exclamou. ao ver pela primeira vez a Satyavan, o homem com
quem determinou casar-se, preferindo-o resolutamente a outros, apesar do
vaticinio que só lhe concedia um ano de vida) é uma definida vontade brotada do
interior, que merece toda a confiança e forma a mais sólida base de união conjugal,
ou de amizade que imaginar-se possa na terra.
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A reencarnação dando ao amor uma permanência que nenhuma outra coisa
lhe pode dar, gera então a convicção de que nunca perderemos o ser amado.
Também serve de poderoso auxílio a crença na reencarnação quando alguém ama
sem ser correspondido, ou quando a correspondência não basta para a felicidade do
que mais ama. Quem conhece a verdade da reencarnação exclama: "O meu
profundo amor tem as suas raízes no passado. Se não me vejo correspondido, será
por algum agravo que em outra vida infringi a quem amo. Pagarei esta dívida
acrescentando o meu amor, e então nos uniremos."
A reencarnação nos fortalece e nos capacita para o sofrimento. Não há
infortúnio na vida, por amargo que seja, que não possamos sobrelevar quando
conhecemos suas origens e prevemos o seu fim. O que são a dor e a tristeza para
aqueles que tem de viver eternamente?
Resta uma pergunta: "Porque não recordamos as vidas passadas?" É a
pergunta sempre repetida e a mais natural. "Se eu estive na terra centenas de vezes
antes, porque não me recordo?"
Procuremos responder a esta pergunta, ainda que não seja mais do que para
estimular o estudo da questão.
Na generalidade as pessoas se esquecem nesta vida muito mais do que
recordam. O que recordais de vossa meninice? Pouca coisa. O primeiro livro que vos
deram na escola, como prêmio, a primeira vez que passeastes em bote ou que
viajastes de trem, porém a maior parte dos dias que formam a vossa infância não
estão em vossa memória. Pois bem, se vos hipnotizassem recordaríeis os sucessos
da infância, e isto prova que não os haveis esquecido realmente. Ficaram em
segundo lugar muitas coisas passadas, encobertas por mais vividas memórias ou
posteriores sucessos, porém em estado hipnótico reaparece o conjunto. Nada se
perde. O hipnotizado falará na mesma linguagem de quando era criança e que
olvidou desde então, ainda que o hipnotizador não o conheça. A transmissão do
pensamento, em que até bem pouco não se cria, é hoje empregada, sem que
ninguém a negue, para explicar os fenômenos anormais. O hipnotizador pergunta
ao paciente onde nasceu e o paciente descreve sua vida infantil, falando tal como
falou em sua infância, ainda que depois se esqueça ao despertar. Se o interroga a
respeito de algum pormenor, como por exemplo, sobre um brinquedo perdido, o
paciente se recordará e dirá até onde o pôs. Estas experiências tem sido repetidas
muitas vezes, especialmente em Paris, onde em certa ocasião o hipnotizado
descreveu com todos os seus pormenores o menu de um banquete celebrado três
semanas antes, e não se recordava ao despertar.
O mesmo pode acontecer na febre. Uma vez um homem que perdera uma joia
de valor, recordou em seu delicio, onde ela estava. Tudo isto é muito interessante
ao tratar do problema da memória. Porque nos recordamos quando o cérebro está
transtornado, como ocorre nos casos de delírio e transe? Porque o cérebro
desequilibrado recorda o que em função normal olvida? Porque a memória de um
acontecimento passado ficou recalcada para um segundo plano, por outro mais
recente e se afunda sob a pressão da consciência. Diminuiu a força vibratória das
células nervosas do cérebro, que é a expressão física do que chamamos memória, e
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esquecemos quando não estão em atividade. As células funcionam em grupos
entrelaçados, e às vezes uma nova sensação, a de um odor por exemplo, desperta a
memória adormecida e reproduz um sucesso em que esse odor interveio
predominantemente. Uma das células cerebrais recebeu um estimulo, e o grupo
celular a que pertence responde em conjunto ao estímulo.
Nestes fatos se funda a minha resposta à pergunta: "Porque não recordo
minhas vidas passadas?" Quando o hipnotizador reconduz o paciente à época de
sua infância, a prova de que aprendeu a linguagem que fala está no mero fato de a
falar, como quando alguém lê é prova de que aprendeu a ler. Ainda que tenhais
esquecido de que aprendestes a ler, não será prova de que não aprendestes, se
sabeis ler. Por exemplo, eu não me recordo que me ensinaram a ler, nem tão pouco
recordo o tempo em que não sabia ler, porém, suponho que sei ler, e prova é de
que me ensinaram. Assim o fato de terdes um caráter e uma consciência demonstra
que também tendes um passado em que o caráter e a consciência se formaram e
desenvolveram.
Entretanto, convém ir mais adiante. Agora não viveis com o cérebro, nem o
temperamento emocional, nem com a mente que tivestes no passado. Vosso ego é
o mesmo, porém suas vestes são outras, e o corpo que tendes só se recorda de suas
próprias experiências, ou seja os sucessos físicos, emocionais e mentais com as
manifestações da vida presente. O cérebro é novo, Como poderia o cérebro recordar
os sucessos de uma vida que não conheceu? O corpo de desejos é novo, Como
poderia recordar os desejos sentidos e satisfeitos por seu predecessor? A mente é
nova. Como recordará passados pensamentos? Unicamente o verdadeiro homem, o
Ego imortal, é capaz de recordar, porque passou por todas as experiências e nada
esqueceu. Porém não grava sua peculiar e eterna memória nos novos corpos de que
se reveste para adquirir novas experiências.
Com tudo, podereis ter memória das vidas passadas se empregardes os métodos
a propósito, que são bastante delicados. Vossa energia se dirige sempre para o
mundo exterior, onde estão os vossos interesses, pensamentos e prazeres, de sorte
que toda a inata energia do permanente e perdurável ego, do verdadeiro Eu flui
sempre para fora por conduto dá mente, da natureza emocional e do corpo físico.
Continuamente busca o exterior. Pois bem, haveis de inverter sua direção. Deveis
voltá-la para dentro se quereis recordar. Volvê-la para o espírito manifesto no ego,
em quem unicamente, reside a memória do passado. Só podereis recordar quando
reconhecerdes em vós o ego e alcançardes sua memória. Unicamente o ego foi ator e
testemunha dos acontecimentos de vidas passadas, e quando acaba uma vida e no
mundo celeste se transmutam as experiências em faculdades, a memória destas
experiências se armazena na área espiritual do ego, e só se transferem aos novos
corpos as faculdades adquiridas como resultado das experiências. Pode-se comparar
ao comerciante que, nas novas contas do cliente só anota os saldos anteriores sem
reproduzir os assentos precedentes. Isto é o que faz o ego no mundo celeste.
Computa o balanço de suas contas e lixa as do passado sem anulá-las, porque as
guarda em sua memória. Transfere o saldo para a conta nova da mente e da
consciência. Assim, por exemplo, a propensão de pensar no assassinato formará
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parte do saldo na conta nova, porque provém só da propensão de pensar o que se
transfere à nova mente e ao novo cérebro. Estas propensões ou tendências a
pensar de certo modo correspondem à educação e a tornam possível, sendo a
razão fundamental de que a consciência cerebral não recorde.
E não é beneficioso que assim aconteça? Disse que poderíeis recordar a
memória pela interna meditação; por viver no superior e não no inferior, no
Espírito e não na mente nem ·na natureza do desejo, nem no corpo físico. Vivei a
vida espiritual, vivei no Espírito que conhece a Unidade e a Divindade, que se
conhece a si mesma e então se desdobrará o passado ante vós e o alcançareis em
conjunto à vontade.
Alguns de nós sabemos que isto é verdade, porque o praticamos e a sua
prática é a melhor prova, para quem o praticou. Porém não o é para os outros. Eu
vos digo o que sei com certeza e também conheço a um bom número de pessoas
que podem recordar, comparar observações, comprovar fatos e se reconhecer
mutuamente através de passados milênios. Entretanto eu pergunto: "Não é
conveniente que não recordeis?" Tende presente as últimas palavras de Goethe
na sua última hora. Cria na reencarnação como creem todos os filósofos e
exclamou: "Que consolo é pensar que voltarei banhado de novo." Porém quando,
entretanto, não se compreende a verdade da reencarnação, a ignorância do
destino é um benefício da lei. Suponhamos que um jovem marido recém-casado
soubesse que um dos dois havia de morrer antes de um ano. Desde então, durante
todo este tempo estariam ambos atormentados pela proximidade da morte. Outro
exemplo. Se alguém cometeu em sua juventude uma ação má não teria doloroso
remorso ao recordá-lo? Em casos mais graves, um criminoso se emendaria com maior
facilidade se pudesse apagar a memória de seu crime que o aguilhoa impedindo-o de
se reabilitar e progredir.
Muito mais ditosas seriam as pessoas se lhes fosse possível olvidar os passados
erros da vida presente. Algumas coisas vale mais olvidarem-se, por exemplo, os
agravos e injúrias recebidos, De Shri Ramachandra se diz que à noite havia já
esquecido os agravos recebidos durante o dia, enquanto que jamais olvidava um só
benefício. O homem perfeito recorda com viva gratidão os benefícios que recebe e
apaga em sua memória as injúrias. Enquanto o homem não for capaz de manter a
memória de sua vida presente sem pesares, remorsos nem ansiedades, e sobretudo
sem rancor nem agravo, não convém adicionar à carga de uma só vida a lembrança
de um milênio passado. Quando o homem for bastante forte para considerar a vida
presente como uma lição a aprender e a veja sem queixas, sem resentimentos,
desgosto ou cólera, então terá a força necessária para rememorar o passado; mas
enquanto não for capaz de resistir serenamente às vicissitudes de uma vida, não deve
pretender o conhecimento de uma outra passada. É uma sábia e misericordiosa
ordem o ego só transferir aos novos corpos, mental, emocional e físico o
precisamente útil para a nova vida. Quando o homem alcançar a memória do ego e se
identificar consigo mesmo, será suficientemente forte para suportar a carga
suplementar e recordará com seu novo cérebro.
Esta é, por hoje, a última resposta aos problemas da vida. Todas as que vos acabo
43
de dar não as devereis aceitar sem que as analiseis e o estudo as justifique perante o
vosso critério, pois que o repetir um conceito sem pensar nele não favorece o
positivo avanço. Pensai compreendei, e assim progredireis. Não recolhais um novo
conjunto de opiniões que sejam apenas o reflexo do pensamento alheio. A imitação
não é de nenhum modo neste caso, a mais sincera lisonja. O anelante pensamento
individual é a melhor maneira de agradecer as exortações à vossa razão. Abandonai as
preocupações e prejuízos que vos inclinem a repugnar uma ideia por ser nova ou
aceitá-la por ser velha. O meu propósito é livrar-vos da aversão ao estudo e
persuadir-vos a pensar por vós mesmos. Vale mais pensar imperfeitamente por si do
que limitar-se a repetir um exato pensamento alheio. Para alcançar sabedoria é
preciso pensar vigorosa, paciente e perseverantemente. Se apenas repetirdes o que
ouvis adquirireis a faculdade do papagaio, porém não a do homem.

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CAPÍTULO V
LEI DE AÇÃO E REAÇÃO
KARMA

Antes de resolver satisfatoriamente o problema da reencarnação é


indispensável tratar da lei de causalidade; e embora este termo seja familiar a
quem esteja um tanto versado na literatura e ciência do Ocidente não é o mais
adequado ao fato natural que se deseja expressar. Emerson o definiu melhor ao
dizer que, com toda ação estão unidos seus resultados e segundo ele não há
diferença nem linha divisória entre o aspecto superior da atividade, ou seja a ação
e o aspecto superior, ou seja a reação a que chamamos consequência daquela.
Ambos os aspectos, o visível o invisível são realmente partes de uma mesma coisa,
e o Senhor Buda o exprimiu graficamente dizendo que tão impossível ação de seus
resultados, como o som de um tambor desse próprio tambor. Quando se golpeia o
tambor produz som, e quando se executa uma ação, algo invisível a precede, a que
chamamos causa ou motivo, e também algo a segue que chamamos consequência
ou resultado. Porém, consideradas filosoficamente, são partes de uma só atividade e
por isto os filósofos hindus empregaram sempre a única palavra Karma, que
significa ação, para exprimir o positivo enlace, ou antes, identidade entre os
aspectos visível e invisível de toda atividade.
Quanto à certeza do Karma ela é indubitável no mundo físico. Ninguém que
tenha estudado alguma ciência, negará as leis da natureza. Estas leis não são
mandamentos, pois não nos ordenam que façamos isto ou aquilo; mas são
perfeitas afirmações de certos fenômenos enlaçados em séries de modo que
quando um deles aparece se segue invariavelmente tal ou qual outro. Esta segura
consequência é uma lei natural cujo conhecimento científico está baseado em
inumeráveis observações e experiências. Portanto, uma lei natural não é mais que
uma sucessão de fenômenos. É preciso compreender claramente este conceito
para a completa compreensão do Karma.
Segundo disse, nenhuma lei natural deve ser tomada no sentido de um
mandamento. As leis decretadas pelos Parlamentos e sancionadas pelos monarcas
são mandamentos para praticar ou omitir determinada ação e a penalidade por
sua inobservância é arbitrária, pois não há relação entre o delito proibido pelo
código e a pena imposta ao delinquente. O legislador a assinala segundo seu
critério sem enlace com a culpa.
Porém não sucede o mesmo com uma lei da natureza. Não há mandamentos,
mas somente positiva consequência, e a·penalidade subsequente ao menosprezo
da lei é inevitável e natural. Uma lei da natureza não pode ser infringida; só pode
ser menosprezada e os resultados deste menosprezo são inevitáveis. Uma lei
natural só significa que quando se estabelecem determinadas condições, onde
quer que seja, decorrem delas outras condições também determinadas. Se
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semeamos arroz, colheremos arroz e não cevada; porém a natureza não nos
manda semear precisamente arroz ou cevada. Deixa-nos em completa liberdade de
semear o que quisermos, e a lei da natureza se afirma na positiva relação entre a
semeadura e a colheita. A quem necessitar arroz será inútil semear cevada ou
cardo.
Tal é a Lei de Karma.
Também a afirmam inconfundivelmente as Escrituras cristãs ,ao dizer: "Não
vos enganeis. Ninguém pode fugir as leis de Deus. O que o homem semeia, isso
colherá." Isto é Karma nem mais nem menos. E ao pensar nas leis da natureza no
plano físico se apreciamos seus significados e compreendemos o seu conteúdo, não
teremos dificuldade alguma em ampliar a ideia dos planos mental e espiritual. Para
dar a entender a continuidade da ação nos planos mental e espiritual se emprega a
palavra Karma nas obras hinduístas, budistas e teosóficas. Todos os mundos estão
relacionados entre si, e a todos rege a lei do Karma. É uma consequência invariável
que nada tem de comum com o mandamento. Deixa cada qual em completa
liberdade de escolha; porém declara que isto ou aquilo sobrevirá inevitavelmente
em consequência da escolha, de sorte que, seja o que for o escolhido terá que se
aceitar a inevitável consequência. Esta afirmação exposta no mundo físico por um
cientista induzirá um ignorante a crer que não é ente livre e nada pode lazer. Se
enunciarmos sinteticamente uma lei natural, o ignorante poderá pensar: "A
natureza estabeleceu tal ou qual condição; e portanto eu não posso agir
contrariamente.
Tomemos por exemplo a lei de gravitação (uma modalidade particular da lei
geral de atração) segundo a qual todos os corpos tendem a mover-se em direção
ao centro da terra. O ignorante podia crer que todas as coisas devem mover-se
neste sentido, e posto ao pé de uma escada poderia dizer: "A lei de gravitação me
proíbe mover em sentido contrário ao centro da terra, portanto não posso subir
pela Escada." Mas, como é possível subir? Opondo à força natural que nos atrai
para o centro da terra, outra força, a muscular, que nos permite ascender em
sentido contrário. Esta é outra fundamental ideia que devemos assimilar. Em
virtude da tendência de ir para o centro da terra, não podemos nos elevar da
superfície, senão por meio de outra força igualmente natural. Não infringimos a lei
da gravitação, mas notamos a sua atuação no esforço que fazemos para contrariá-
la. Este esforço concorda com a afirmação científica de que não podemos
contrariar uma lei da natureza. Para descer pela escada não necessitamos fazer
esforço, porque a lei de gravitação nos ajuda. Assim veremos, conforme nos
adiantarmos no estudo, a verdade de uma afirmação que, a princípio, parecia
paradóxica; ou seja que, por serem as leis invioláveis, o homem pode atuar
livremente entre elas, com a única condição de conhecê-las e compreendê-las,
pois, do contrário, se tornaria seu escravo. Na exata proporção de nosso
conhecimento podemos ser livres entre as forças da natureza. Podemos confiar em
sua atuação e calcular o seu resultado, porque agem invariavelmente; portanto,
podemos contar com elas, neutralizá-las quando nos estorvam e utilizar as que nos
auxiliam. Precisamente por causa de estar a natureza cheia de forças que atuam
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em todas as direções possíveis, compete ao homem dominar a natureza por meio
do conhecimento. Este é outro ponto de realização evidente no plano físico.
Um insigne cientista disse com profunda verdade: "Podemos vencer a natureza
por meio da obediência". Ninguém pode lutar vitoriosamente contra a natureza, pois é
demasiado poderosa para anular as débeis forças do homem; entretanto é possível
alcançar tudo que queiramos se compreendermos as leis e sua atuação. Quem as
compreender será seu dono, ou senhor; e por estar o mundo regido por leis, foram
possíveis os admiráveis triunfos da ciência durante o século passado, pois do contrário
as forças da natureza escapariam a todos os cálculos e não poderíamos proceder em
nada com segurança, porque continuamente ocorreriam acidentes imprevistos, sem
nunca se saber o que poderíamos esperar.
Porém, como as leis são imutáveis, são também calculáveis e compreensíveis, e
por consequência, num mundo regido por leis imutáveis, o homem é, segundo sua
razão, um agente livre, capaz de submeter as leis a seu serviço e obrigá-las a fazer o
que ele não poderia fazer por si só. Aqui está o segredo da famosa frase de Emerson:
“Liga o teu carro a uma estrela". A força simbolizada pela estrela moverá nosso carro,
qualquer que seja o seu peso. O homem não é servo nem escravo da natureza, mas
está rodeado de forças cognoscíveis e determináveis que podem ser governadas e
utilizadas pelo conhecimento. Em meio desta rede de imutabilidades, o homem é
capaz de alcançar seu propósito, certo de que a natureza não falhará nem se desviará
de seu invariável caminho. Se o homem fracassa é porque não observou devidamente
a natureza porque seu conhecimento é imperfeito e esta imperfeição o perdeu. Será
possível transferir para os domínios da inteligência e da moral esta imutável e
infrangível segurança e certeza da lei? As religiões antigas o afirmam, bem como
algumas das modernas, embora não tão clara e redondamente. Se, com efeito, assim
acontece, o homem então é dono de seu destino, porque pode atuar nos mundos
onde se modela o futuro e se converte no que queira ser. Mas para isso é necessário
um tão detido estudo como na ciência do mundo físico, para conhecer os métodos de
aplicação das leis, de sorte que produzam os resultados procurados.
A lei geral de ação compreende três leis subalternas: 1º O pensamento é a força
construtora do caráter. Cada um é o que pensa. 2º A força chamada desejo ou
vontade (duas modalidades da mesma força) liga a pessoa com a coisa desejada e a
leva ao lugar onde pode encontrá-la para satisfazer o seu desejo ou vontade. 3a A
felicidade ou o infortúnio de que sejamos causadores para o próximo, nos voltará
respectivamente como felicidade ou infortúnio.
Já dissemos em outra conferência que a ação e a reação são iguais e opostas. Se o
homem conhece as três leis anteriores e sabe aplicá-las, será dono de seu porvir e
lavrará o seu próprio destino. Ao invés de ficar desamparado, como o estaria segundo
a hipótese de uma criação especial para cada alma, ou segundo a da herança moral e
mental de seus antepassados, e capaz de determinar seu porvir na proporção exata de
seu conhecimento e de sua vontade. Não direi como atum estas leis, porque sem
conhecê-las nem saber aplicá-las de nada serviria a explicação por muito racional que
fosse.
1º O pensamento forma o caráter.
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Pode-se comprovar esta afirmação, pela autoridade do passado,
reiteradamente exposta por todas as escrituras do mundo, ou por experiência
própria, sendo este último o melhor processo porque ninguém pode descrer ou
ignorar o conhecimento resultante da experiência pessoal. Diz o
"Chhândogyopanishad: "O homem é criado pelo pensamento; o homem se converte
no que pensa." O mesmo disse Salomão: "Como um homem pensa, em seu coração,
assim ele é". Análoga ideia se acha no Bhagavd-Gita: "O homem consiste na sua fé;
ele é tal como a sua fé."
Cinco mil anos mais tarde, o professor Bain também assinalou a conduta como
testemunho da crença. Poderia citar muitas outras máximas para demonstrar que
todas as escrituras do mundo são acordes neste ponto. Em toda parte encontramos
exposto o mesmo princípio. Mas se realmente é uma lei da natureza, é passível de
comprovação porque toda afirmação verídica de uma lei da natureza, pode ser
comprovada pela experiência individual; e assim acontece com a que acabamos de
expor. Quem quiser saber com absoluta certeza se o pensamento forma o caráter,
que faça a prova. O meio de prová-lo é muito simples e demonstra em pouco tempo
a verdade da lei. Digo isto porque a gente de hoje anda sempre adiantada; porém
recordemos que não é possível adquirir, sem paciência e esforço, conhecimentos de
primeira mão.
Suponhamos que desejais saber se vos é possível reformar o caráter por meio
do pensamento e eliminar o egoísmo ou qualquer outra fraqueza; por exemplo, a
irascibilidade, que não é propriamente um crime, mas apenas uma fraqueza muito
comum em toda gente. Se reconheceis que vos irritais facilmente, não volteis a
pensar mais no assunto, porque, como o pensamento forma o caráter, ao pensar
numa fraqueza a avivareis e a acrescentareis, porque, pensando em vossa
irascibilidade, vos tornaríeis mais irascíveis, fortalecendo assim esta indesejável
característica. Ao invés de pensar na ira, pensai na paciência, que é a sua oposta
virtude, "Pensai na paciência uns cinco minutos, cada manhã, mas sem faltar nem
um só dia. Não penseis uma vez, para logo deixar de pensar durante três ou quatro
dias e voltar a pensar depois, porque a irregularidade invalidará vossa obra e fareis
como o soldado que marca passo sem sair do lugar. É preciso persistir no exercício,
porque é uma experiência cientifica. Por tanto, pensai, cada manhã, cinco minutos
na paciência. Usai para isso o processo que quiserdes e variai-o, se isso vos apraz,
pois não importa a maneira de pensar, com tanto que penseis sempre na paciência.
Um excelente processo é imaginar-vos perfeitos modelos de paciência ou da virtude
que tratais de cultivar; pensai depois nas pessoas de mais agressivo caráter com
quem só e sempre encontrar-vos e imaginai-as como provocando-vos, tal como o
fazem sempre que vos encontram. Pensai que vos agravam com maus modos e
imaginai que vos mantendes absolutamente pacientes e incomovíveis, diante de
todas as suas provocações. É necessário que não haja, em vosso pensamento nem o
menor sinal de brecha por onde possa penetrar a irascibilidade. Seja qual for a
provocação que imaginardes por parte do agressor, deveis manter-vos pacientes em
vossa representação mental. Repeti este exercício com quantas variações quiserdes,
durante sete semanas, e começareis a ver que o pensamento de paciência acode a
48
vossa mente, durante o dia, sem necessidade de evocá-lo. Este será o primeiro sinal
de que o vosso pensamento matutino está produzindo seu efeito. Se houverdes
acostumado a mente a pensar na paciência, a princípio, quando um ligeiro acesso de
irascibilidade vos acometa, o pensamento matutino se afirmará sem demora e então
exclamareis: "Oh! eu devia ter sido paciente." Persisti no empenho até que o
pensamento na paciência coincida com a provocação e sejais pacientes em virtude do
esforço para sê-lo. Perseverai, porém, cada vez mais, até que o pensamento de
paciência vos acuda antes da provocação, para que esta se desvaneça ante o hábito
mental da paciência. Persegui assim até que ao cabo de alguns meses (o tempo
dependerá da força do vosso pensamento) tenhais assimilado a paciência em vosso
caráter e já não tenhais a menor irascibilidade por provocação alguma. Sei que isto é
verdade porque eu mesma o experimentei. Antes era naturalmente irascível e
entretanto agora sou muito paciente. Experimentem todos fazer assim e vos
convencereis de que o pensamento forma o caráter. Deste modo poderemos ir
eliminando fraqueza após fraqueza até que as substituamos pela fortaleza. Podereis
construir o vosso caráter com tanta precisão como o pedreiro levanta uma parede
tijolo após tijolo, demonstrando a exatidão da lei que opera, igualmente, nos plano
físico e mental, de que o homem é o que pensa. Se fizerdes este simples exercício,
tendo em conta a importância da .questão, se sacrificardes cinco minutos diários
durante alguns meses, adquirireis este poder. Então, quanto ao caráter, sabereis
como construí-lo e o êxito será apenas uma questão de tempo e decidido esforço. Não
vale isto muitíssimo mais do que ir suspirando toda a vossa vida: "Oh!, eu quisera ser
bom" e entretanto cair cada dia nas mesmas faltas? Não há outro meio seguro. O
poder do pensamento é o poder da criação. Deus criou os homens por seu divino
pensamento. Nós criamos os nossos diminutos mundos por nossos humanos
pensamentos. Não há no universo outro poder criador, e se os homens conhecessem
e aproveitassem este poder, sua evolução seria muito mais rápida do que é.
2º Vem a seguir o desejo. O desejo reúne o desejador ao desejado. Esta afirmação
não parecerá prontamente tão clara como a anterior; entretanto, o desejo, forma
invertida da vontade, é a única força motora que existe no universo. Em tudo a vemos
em seu aspecto de atração. Observamo-la nas afinidades e repulsões químicas; no ímã
que atrai o ferro doce; na força de coesão, desagregação, atração e repulsão. É a força
dupla da natureza, a única força motora. Quando os objetos exteriores a exercem em
nós, podemos chamá-la desejo. O desejo de possuir isto ou aquilo. Enquanto
estiverdes atraídos ou repelidos pelos objetos exteriores, estareis no volúvel estado
de consciência de que vos falamos antes, correndo empós tal objeto, variando de um
para outro em vagabunda inconstância. Porém, quando ao invés de serdes joguete do
desejo e dos objetos exteriores, dirigirdes a mesma força do interior, não aos objetos
exteriores mas às copiosas experiências discernidas pela razão, então a chamareis
vontade.
A diferença entre um caráter débil e outro enérgico é que o primeiro cede sem
resistência à atração dos objetos exteriores, e não é possível confiar nele; enquanto
que o outro é movido por experiências internas que decidem sua conduta entre os
objetos atrativos e repulsivos, e pode-se confiar nele. Há em nós a força do desejo,
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idêntica à magnética, que nos move para os objetos atraentes, como o pedaço de
ferro doce para o ímã. Esta atração tem por motivo a unidade da vida em todas as
coisas, pois as vidas separadas em diversas formas intentam continuamente reunir-
se. Todos os seres propendem a atração ou repulsão, tanto os animados como os
inanimados, se tivermos de empregar termos comuns. Tudo o que desejais possuir,
fica atraído para vós por esse desejo, e, às vezes, assim sucede, mesmo nos termos
de uma curta vida, Quando o homem põe o seu desejo num objeto, este propende a
cair em suas mãos. Se alguém tem vivíssimo desejo de visitar um país,
provavelmente se lhe oferecerá oportunidade de visitá-lo antes de morrer. Ao
considerar o mais amplo campo de muitas vidas, então se verifica o tremendo
poder do desejo, que arrasta o homem ao lugar onde possa saciá-lo, que o coloca no
ponto onde chegue a seu alcance o objeto por tanto tempo desejado. Assim o
desejo estabelece as nossas oportunidades. O desejo atrai para nos os objetos e nos
leva aos lugares onde podemos alcançá-los. Tal é a segunda lei subalterna. Tudo isto
contém uma advertência: estai alerta com o que desejais. Sirva de exemplo o mais
vulgar dos desejos, o do dinheiro. Vede o homem que ajunta uma grande fortuna.
Depois de alcançá-la não sabe o que há de fazer dela e se lhe converte em motivo
de pesar. Assim sucede com a mais comum frequência. Passou a maior parte de sua
vida na amontoar riqueza e finalmente se vê desanimado e abatido. Enquanto
persiste em sua mente o contraste entre a passada pobreza e a presente riqueza,
causa-lhe intenso gozo sua boa fortuna, porém gradualmente se habitua a seu
imenso poder de aquisição até que o perturba o adquirido. Nesta luta e em seu
consequente fastio está todo o segredo da evolução. O homem se esforça para
conseguir o seu desejo, e logo após o ter alcançado, se desvanece a ilusão e já não o
satisfaz. Por meio destes joguetes, que de tal sorte nos atraem, induz Deus a seus
filhos a fazerem os esforços necessários para estimular suas potências divinas que
se acham latentes. Os triunfos da vida não aproveitam pelo gozo que contêm uma
vez obtidos, mas pelo esforço que se despendem para obtê-los. Assim é que nada
há pior para o progresso de um homem, do que perder todo o desejo, quando ainda
sua vontade de conformar-se com a vontade de Deus não sucedeu ao desejo de
posse pessoal. Sem desejo ele esmorece, se inutiliza e não exercita a sua vontade.
Em tudo há inevitável desengano, exceto na realização do Eu; e assim disse
enérgica e formosamente Jorge Herbert: "Quando Deus fez o homem tinha junto de
si uma redoma cheia de dons e exclamou: "Derramarei sobre ele, tudo quanto
possa e que as riquezas do mundo fiquem concentradas num instante". Deu-lhe
primeiro a fortaleza e depois seguiram-se a beleza, a sabedoria, o poderio e o
prazer. Quando já lhe havia outorgado muitos dons, se deteve Deus ao notar que de
todos os Seus tesouros só ficara o sossego no fundo da redoma, e exclamou: "Se
também lhe concedo esta joia a minha criatura adorará meus dons ao invés de me
adorar a Mim. Por tanto, não lhe darei sossego, mas pelo contrário dar-lhe-ei
incessante inquietação. Que seja rico e se enfastie, para que se a bondade não o
mover, ao menos o cansaço o traga finalmente a meu peito."
Tudo fracassa, menos o divino, e quando prova tudo e nada o satisfaz
completamente, se convence o homem de sua divindade, e então e só então, acha
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descanso e paz.
3a Segundo deres felicidade ou miséria aos outros, assim terás para ti felicidade ou
miséria. De conformidade com o efeito de nossa ação sobre os outros, sobrevém uma
ação análoga sobre nós. Esta lei esclarece alguns problemas da vida. Ás vezes vemos
um homem rodeado de luxos e entretanto é de mau caráter. Porque, a fortuna o
favorece, se ele é egoísta e inteiramente repulsivo? A virtude não traz, por si só,
riquezas, pois sua recompensa, como disse Tennyson, é "progredir e nunca morrer".
Suponhamos que um homem se desprende de uma considerável quantidade de
dinheiro, destinando-o a parques ou hospitais de uma população, não por amor aos
pobres, mas porque assim espera merecer um título de nobreza. Qual é a sua
verdadeira ação e que resultados produzirá? O parque proporciona distração a
milhares de pessoas, e o hospital devolve a saúde a milhares de enfermos. O resultado
desta ação será de sua própria índole, isto é, prazeres, comodidades e bem estar físico
de toda a espécie. Colhe o que semeou; e assim como quem semeia trigo colhe trigo,
quem semeia prazer colherá prazeres. Porém, ele o fez com motivo egoísta, não com o
propósito de proporcionar prazer, mas com o fim de receber como prêmio um título
de nobreza. O que fez realmente este homem e qual foi o resultado? Proporcionou
recreação aos pobres no parque e alívio no hospital. A colheita desta sementeira será
comodidades, prazeres e bem estar físico. Colhe o que semeou. Da mesma maneira
que colhe arroz quem arroz semeia, assim quem semeia comodidades, também as
colherá. Mas se custeou o parque e o hospital com um propósito egoísta de lucrar
com ambos, que resultado terá esta obra? Que na próxima vida nascerá com um
caráter egoísta e portanto sujeito ao infortúnio, por muitas que sejam as comodidades
de que esteja rodeado. Parece algo paradoxal que externamente haja comodidade e
luxo, e internamente um caráter antipático e, entretanto, a lei agiu com absoluta
justiça. A natureza lhe pagou o prazer físico com prazer físico e o motivo egoísta com
um caráter egoísta que implica o infortúnio pessoal no meio de sua opulência. Toda lei
age segundo sua índole e inevitáveis são as consequências. Nada se olvida, nem se
omite, nem se perdoa. A atuação do Karma explica os paradoxos da vida humana.
Quem conheça bem estas três leis poderá elaborar seu porvir, só aplicando-as com
exatidão. É possível formar o caráter com o pensamento, obter as cousas pelo desejo
e conseguir a felicidade física, mental e moral proporcionando-as aos outros.
Conhecidas que sejam estas leis e o modo de aplicá-las, procuremos resolver as
dificuldades que se opõem a sua completa compreensão. Com efeito, tantos e tão
entrelaçados pensamentos, desejos e ações, devem formar uma complicadíssima tela
de vida. Como age o passado no presente e como estes princípios nos capacitaram
para guiar com maior prudência a nossa conduta? O conhecimento incompleto da lei
do Karma pode ser perigoso, porque quem não a conhece bem arrisca-se a se resignar
com tudo que lhe suceda, exclamando: É karma! tal como um ignorante sentado ao
pé de uma escada poderia dizer: "Não posso subir porque a gravidade me atrai para
o centro da terra."
O incompleto conhecimento do karma produziu um efeito paralisador em
muitos indivíduos do Indostão, que por ignorarem que, como todas as leis da
natureza, a lei do karma não coage, mas capacita, deixaram-se cair na indiferença
51
dizendo que nada podiam "contra o karma". Entretanto, a culpa desta ignorância
acerca do karma não está nos autores antigos. No Mahabarata lemos que
Yudhisthira pergunta a Bhisma o Sr. do Darma, o que seria melhor, o esforço
presente ou os resultados do passado. Bhisma explica detidamente que o karma é
consequência dos pensamentos, desejos e ações passadas e conclui dizendo que o
esforço prevalece contra o destino. Entretanto, como assim é se temos tantas vidas
atrás de nós? Como pode prevalecer o esforço contra o destino quando tenhamos de
nos haver no presente com tão enorme acúmulo de consequências do passado?
Vejamos. Consideremos antes de tudo os resultados de um só dia de atividade. A
noite examinamos quais foram os nossos pensamentos. Houve-os bons, maus e
indiferentes, e do balanço resulta um pequeno saldo de bem ou de mal. O mesmo
podemos dizer dos desejos; havê-los-á nobres, bons, maus e ruins, portanto, a
resultante das forças do desejo terá sua magnitude, intensidade e direção. O mesmo
sucede com as ações. Algumas terão beneficiado, outras prejudicado alguém de
nosso convívio. A resultante será a diferença entre ambas as classes de ação. Se
aplicamos este cômputo a todos os dias de nossas vidas passadas, veremos que não
recai sobre nós, nesta vida. um corrente caudal de determinada índole; mas uma
multidão de canalículos ,que fluem em contrárias direções e se neutralizam uns aos
outros de modo que a força resultante é relativamente escassa.
Cabe a possibilidade de um homem insistir tão firme e deliberadamente em tal
ou qual pensamento, que o incorpore ao seu caráter; porém, se com a mesma
insistência e deliberação pensa o contrário, desfará o fato anterior. Entretanto na
maioria dos casos convergem sobre indivíduo multidões de correntes em diferentes
direções com as quais se entremesclam durante esta vida outros pensamentos,
desejos e ações. Eis porque, à miúdo, o pensamento ou desejo do momento basta
para contrabalançar os opostos e inclinar o fiel da balança para um ou outro lado. Na
balança do Karma não estão todos os pesos, num mesmo prato, mas só haver tão
pouca diferença entre ambos, que o peso de um dedo é suficiente para fazer pender
o fiel. Por isso Bhisma procurou estimular nos seus ouvintes o esforço, dizendo-lhes
que este prevalecia contra o destino. Nossos pensamentos, desejos e ações
passadas, no conjunto resultante atual, estão uns a favor e outros contra nós, e
então podemos juntar o peso bastante para inclinar para um ou outro lado o prato
da balança até que toque o solo. Verdadeiramente há casos em que o mau karma é
tão unilateral e pesado, que o presente esforço não pode neutralizá-lo. Então, quem
conheça a lei do karma deve lutar contra o seu com todas as forças, pois assim
minorará o peso do passado, que age em sinistra direção e não terá de lutar tão
acerbamente no futuro.
Suponhamos que um homem tenha, no passado, cobiçado sempre os bens
alheios e tem nesta vida uma violenta inclinação para o roubo. Quando o assalta a
ideia de roubar, terá de considerá-la invencível? Ao contrário, é necessário resistir-
lhe com todas as suas forças e ainda que tenha de cair, algumas vezes, na tentação,
deve repetir sempre o esforço, até que a ideia sinistra irá se debilitando e
desvanecendo-se a sua energia. Poderá ser hoje o vencido mas amanhã será o
vencedor. A lição que o conhecimento do karma nos dá é a de que, qualquer que
52
seja a tentação, devemos resistir até o último grau de nossa energia e ainda que os
homens julguem acremente cada fracasso, por ignorarem as lutas sustentadas, a lei
do karma creditará os vossos esforços.
Suponhamos agora um caso em que erram, tanto no Oriente como no
Ocidente, muitos que entretanto não compreendem a atuação do karma. Quando
alguém se debate contra alguma dificuldade ou tem algum sofrimento, dizem os
que o veem: "É seu karma. O que poderei eu fazer por ele?" É verdade que os males
e sofrimentos que vemos em nosso redor são resultados do karma, porém isso não
é razão para que nos neguemos a trabalhar para seu alívio. O karma dimana dos
maus pensamentos, desejos e ações, mas isto não justifica a retenção dos
pensamentos, desejos e ações que transmutariam a desdita em felicidade. Assim
como o passado criou o presente, assim o presente poderá criar o futuro. Ainda que
por egoísmo, convém remediar os sofrimentos kármicos do próximo, porque, se não
fizermos tudo quando nos seja possível para remediá-los, criaremos um karma que
significará falta de auxílio quando estivermos dele necessitando.
Aos clamores dos angustiados não devemos responder: "Merecido o tens, por
louco ou malvado", pois o nosso dever é ajudar. É certo que a justiça Divina rege o
mundo e ninguém pode sofrer algo que não mereça; mas por isso mesmo devemos
deixar a vara da justiça nas mãos divinas que guiam o mundo, e não nos erigirmos
cegamente em intérpretes da lei kármica, quanto ao infringir sofrimentos; mas
devemos instituir-nos em mensageiros do amor e misericórdia de Deus, para os que
sofrem, pois, ainda que a lei exija um sofrimento, muito podemos fazer para evitá-lo
nos outros, se pudermos ser escolhidos para proporcionar consolo kármico a quem
já tem pago sua dívida.
Recusaremos ser agentes da lei que nos põe diante do aflito, a fim de que o
consolemos? Se por incompreensão da lei permanecemos em nossa dureza,
egoísmo e indiferença, juntaremos o escárnio da justiça às culpas que já temos
acumulado e na hora do nosso sofrimento mão nenhuma se estenderá em nosso
auxílio.
Este erro provém da falta de boa compreensão da atuação da lei do karma. Não
é possível evitar o que pelo karma deve suceder a um indivíduo. Temos que deixar a
lei agir, pois a Natureza não necessita que defendamos as suas leis. Nosso dever é a
ação. Trabalhar para redimir tudo quanto seja possível, mas sempre a favor e em
virtude da lei; e se o karma neutraliza os nossos esforços, não temos outro recurso
se não submeter-nos.
O ignorante da lei kármica se conduz às vezes com maior acerto do que quem
dela só conhece uma parte. Um europeu desconhecedor do Karma se esforçará
para remover os obstáculos que o entravam no caminho; enquanto que um indiano
meio entendido da atuação da lei se resignará com sua sorte dizendo que nada pode
contra o obstáculo. Nem a ignorância absoluta nem a incompleta compreensão
convém ao homem. Não é bom desconhecer a lei, tão pouco é bom conhecê-la pela
metade, de sorte que paralisemos a sua ação. "Convém conhecer a lei kármica e
aplicá-la utilmente. Toda a lei está contida nos Shastras que caíram no olvido e em
consequência disso os homens se transviam em seus caminhos.
53
Apliquemos a lei do karma ao exemplo do casal cujo único filho de dezoito anos
morreu repentinamente. Os "Pais disseram-me: "Que explicação tem este karma que
deixa com vida a tantos desgraçados, filhos de pais miseráveis, impotentes para criá-
los e entretanto nos arrebata o único filho, a quem podíamos dar cômoda posição
social?" Para responder, esquadrinhei o passado e vi que em outra vida haviam sido
também casados e tiveram quatro filhos. Morreu um irmão do marido, deixando um
órfão, inteiramente desamparado, e o casal o amparou para não vê-lo perdido pelas
ruas; mas tratavam-no àsperamente, privando-o de comida e repreendendo-o de
contínuo, com o que o jovem, que era de temperamento delicado e necessitava
carinhos, morreu de pesar aos dezoito anos, ao ver que em vez de amor só recebia
aspereza. Mas na próxima encarnação, o matrimônio do casal se realizou e teve um
único filho que era o mesmo sobrinho a quem com tão maus tratos ampararam.
Como é natural, os pais tinham por aquele filho todas as esperanças e
complacências, amando-o fervorosamente; mas o karma descarregou sua pesada
mão sobre o casal, arrebatando-lhes o filho único aos dezoito anos, na mesma idade
em que morreu o sobrinho que antes haviam adotado. Assim atua o karma. Não há
escapatória. A natureza não perdoa nem esquece. É preciso vencer por meio do
conhecimento para que saibamos equilibrar as forças e neutralizar o mal, antes
praticado, com o bem no presente.
Estudando assim a atuação da lei adquirimos um conceito científico da vida.
Ninguém se queixará ao saber que ele mesmo foi a causa de seus sofrimentos e de
suas alegrias. O cientista não culpa a natureza, mas a sua imperícia quando fracassa
nalguma experiência. Se tivesse disposto os seus aparatos e ingredientes de acordo
com as leis da natureza, seguramente teria tido êxito, porque a natureza nunca nos
engana. Se a experiência não dá resultado, compreende o cientista que o erro é seu e
não da natureza e indaga qual foi o seu erro para emendá-lo. Do mesmo modo o
conhecimento do karma influi em nossa conduta. Nem sempre podemos conhecer a
causa das tribulações que nos sobrevém, mas sabemos que tem sua causa, e assim
procuramos afrontar do melhor modo possível as consequências do passado, a fim de
que as contrariedades do presente nos sirvam de alicerce para um destino ditoso no
porvir. O conhecimento do karma é um poderoso auxílio em todas as vicissitudes da
vida. Não há injustiça nem parcialidade. Cada qual colhe o que semeou. Com quanto
alguém diga que o karma é muito difícil pela sua profunda filosofia e não tenhamos a
possibilidade de esperar que as massas populares o compreendam, isto não é
impossível na Índia, onde até os camponeses nos ensinam em rústica linguagem o
que é o karma. Sabem que com sua conduta passada determinaram a vida presente e
que agora estão determinado o seu futuro.
Conversavam um hindu e um inglês acerca do karma.
O inglês dizia:
- O povo não pode compreendê-lo; não está ao alcance do vulgo.
Passaram então por uma casa em construção, onde trabalhavam vários
serventes e pedreiros, e o hindu respondeu:
Pergunta a qualquer destes homens porque és o que és e porque eles são o que
são.
54
Não o entenderão.
Não importa. Pergunta-lhes.
O inglês se aproximou de um servente e lhe disse:
Porque sou eu rico e tu estás trabalhando aqui sob o ardente sol?
Porque no passado ganhaste o que agora és e eu ganhei o que agora sou. E se
me porto bem, eu serei rico e ditoso em minha próxima vida, e se tu te portas mal
serás desafortunado.
O karma influi na vida e na obra do homem. O servente não podia ter se
expressado melhor do que eu me expresso, e embora não respondesse em termos
filosóficos, compreendia o ponto capital da atuação kármica e a ele ajustava sua
conduta. Não afirmava cientificamente o postulado da lei natural, entretanto se
submetia a seus efeitos na vida e na conduta em sucessivos nascimentos.
Nada há que tão praticamente governe a conduta dos homens como a lei do
karma. Já disse que o conhecimento incompleto desta lei pode paralisar sua atuação;
porém o remédio para este inconveniente não é apagar o escasso conhecimento que
a gente tenha da lei, mas acrescentá-lo para estimular a ação e fortalecer a vontade.
Sobre o desejo, há uma objeção que talvez embarace a alguém. Parece que o
desejo não está completamente sob o nosso domínio. Como seria possível ponderar
os nossos desejos para escolher, dentre eles, os que nos ponham de posse dos
objetos mais a propósito para a nossa verdadeira dita? O desejo nasce da
necessidade. Como repugnar o que nos agrada e desejar o que nos desagrada?
Diretamente não é possível intercambiar os desejos nem substituir uns por outros.
Entretanto, não é de todo ponto impossível, porque a atividade tem três fases: o
pensamento, o desejo e a ação. O pensamento acode de novo em nosso auxílio.
Se a desmedida apetência de comer, beber e gozar de qualquer maneira
produzem enganosos resultados, não é possível refreá-los diretamente, mas sim por
meio do pensamento. Examinai a vossa conduta e vede quais de vossos desejos são
"a matriz da dor". Suponhamos que é a gula, que apeteceis comer muito e
sofregamente. Então, quando estiverdes em sossegada atitude mental, não no
momento do gozo, refleti dizendo: “Que consequências terá a minha gula?"
Indigestão, torpor, fastio ou alguma enfermidade. Refrearei este desejo que no fim
me infligirá sofrimento. Assim se começa a dominar o desejo por meio da mente,
que traça o quadro dos desastrosos efeitos do vício e engendra repugnância por
ele. De propósito nos colocamos na disposição mental de não ceder a um deleite
passageiro que acarreta grandes sofrimentos. Com as armas mentais combatemos
os desejos, e assim podemos utilizar o pensamento para subjugar o desejo e
transmutá-lo. Se considerarmos vividamente os penosos resultados do vício e
virmos que nos fará mergulhar na maldade e no sofrimento, nós nos colocaremos
em hostil atitude mental para com ele.
Convém escolhermos científica e acertadamente nossos desejos pensando
nas suas consequências. Podemos escolher entre gastar um dinheiro em um livro
ou num almoço. O melhor será inverter vinte centavos no almoço e oitenta no livro,
porque o livro perdura e o prazer do paladar é transitório. A deliberada escolha
por meio do pensamento é, em todo ser racional a arma mais eficaz contra os
55
desejos de dolorosas consequências. Seguramente isto faz supor que a conduta
deva ser prudente e refletida, e com efeito, ninguém que se sinta humano pode
viver como os brutos movidos pela paixão e pelo desejo sem pensar no futuro. O
homem é pensador por natureza, segundo indica a raiz etimológica da palavra
homem, derivada do sânscrito "man" que significa pensar. O homem é pensador
nãosó pelo nome como pelo lugar que ocupa na evolução, pelo degrau em que
está na escala das vidas. E para quem raciocina, pensa e discerne o conhecimento
é absolutamente necessário, porque a razão de nada serve se não tem objetos a
observar, comparar e julgar. Portanto é indispensável estudar a lei para conhecê-
la, e uma vez conhecida; agir de acordo com ela.
Tal foi o tema deste discurso. Expuz a lei do karma em suas três fases relativas
ao desejo, pensamento e ação. Em vez de vos desgostardes do que sois, colocai-
vos em atitude mental própria para serdes o que desejais ser. O pensamento claro
e vigoroso é próprio do homem racional; e assim como no mundo físico, quando
não encontramos as coisas, tais como as queremos, indagamos a causa para
mudá-la, de modo que produza os efeitos desejados, assim também o poder
criador do pensamento poderá transmutar nossos desejos, de sorte que invertam
de más em boas as nossas ações, pois nossa felicidade ou infortúnio depende de
nossa conduta para com os demais.
Ao conhecer a lei por meio do estudo, conduzi-vos como seres racionais.
Preparai-vos para um destino melhor e um mais nobre porvir. Recordai que assim
como o pensamento é o poder criador que constrói o caráter, assim é o caráter o
principal fator de vossa felicidade.
O caráter nobre, firme e íntegro significa um grandioso destino para o porvir.
Em vossas mãos o tendes, se aproveitardes o poder de formar o vosso caráter.

56
CAPÍTULO VI
A VIDA DO HOMEM EM TRÊS MUNDOS

Em determinados épocas da história, não todas, predomina, entre a gente de


alguns povos, a ideia de que tudo que há no homem é o que dele vemos nesta vida
e neste mundo, limitado ao período entre o nascimento e a morte, sem relação
nem consciência em outros mundos. É de notar que esta fase, repetida uma e
outra vez na história do mundo, aparece sempre em análogos períodos, porém
nunca nos vigorosos, começos de uma nova civilização e sim quando já caduca e
sobrecarregada de excessos, predominam nela os gozos sensuais contra a vida
intelectual, e os refinamentos materiais substituem a soberania da mente. Sempre
o luxo e a malícia coincidem com o fim de uma civilização. Num de seus famosos
ensaios Lord Bacon declarou que as épocas de ateísmo eram sempre de índole laica
e céptica*. O certo é que sempre aparece o materialismo quando uma civilização
transpôs o pináculo que precede a sua decadência. É como se o homem nas
condições normais de saúde física e mental, jamais imaginasse ser um simples
prisioneiro na mera vida terrena. Entretanto, quando o corpo prevalece contra a
mente, e os sentidos dominam a inteligência, quando se rebaixa a vida para
satisfação do corpo dando largas à concupiscência, aparece a ideia de que o
homem não é imortal.
*”Ignoro se Lord Bacon disse o mesmo da Revolução francesa; mas importa
recordar que o reinado do Terror coincidiu com a proclamação da crença do Ser
supremo, de modo que o derramamento de sangue não pode se atribuir ao
pensamento filosófico por mais cético que ele seja.
Também observamos que, no seio de uma civilização decadente e materialista,
pulsa o embrião ou gérmen de uma nova civilização que deve suceder à moribunda.
A Roma imperial era já notoriamente materialista antes que se iniciasse a sua
decadência; mas do seio daquele império vacilante brotava a nova fé que deveria
edificar o cristianismo. Porque sempre na história, ao mesmo tempo que a
generalidade das pessoas vai perdendo a fé nas cousas espirituais, desce dos
mundos superiores uma nova influência, de sorte que se pode ver o gérmen de
uma nova civilização no seio do corpo caduco da antiga. Seguramente algo
parecido se evidencia em nossos dias. Se recorrermos os últimos trinta anos do
passado século, observaremos o enorme incremento da incredulidade, o
cepticismo da ciência, cujas descobertas a afundavam, cada vez mais nas ideias
materialistas. Junto com a decadência da religião e os perigos que por toda a parte
a ameaçavam, havia análoga tendência na literatura e na arte, porque ambas eram
mais de imitação do que originais. Este fenômeno notava-se com maior intensidade
na França, onde o materialismo fizera mais prosélitos do que em outra parte e a
literatura e a arte francesas sofreram mais esta influência do que outras nações. A
literatura degenerou em obscenidade; a arte caiu na indecência e reproduziu cenas

57
horrivelmente repulsivas. Porém agora nota-se, por toda parte, uma poderosa
reação religiosa e com ela a tendência a novas modalidades artísticas na pintura, na
escultura e especialmente na música, pois sempre que há um novo impulso de vida
espiritual há também o de uma arte original sem arremedos. Está se preparando,
uma vez mais, uma nova civilização, e embora a antiga decaia, a humanidade
seguirá adiante no seu caminho com nova força e vigor, disposta a se revestir de
nova roupagem cheia de glória e formosura.
Muitos indícios há atualmente, não só de uma restauração religiosa, mas
também do reconhecimento (à parte do que concretamente se chama religião) de
uma consciência mais ampla do homem relacionada com mais de um mundo,
porque ao mesmo tempo que vive na terra está em contato com mundos
diferentes do físico não perceptíveis pelos sentidos corporais.
Não me refiro especialmente à Sociedade Teosófica, porém mais ao amplo
movimento que se nota em todo o mundo e a que chamamos "movimento
teosófico". Sobretudo entre os psicólogos observamos a tendência a reconhecer e
estudar a atuação da consciência humana fora do cérebro; ao reconhecimento de
mundos que vagamente conjeturamos mesmo não os percebendo, que ainda não
compreendemos, mas cuja existência pressentimos. Cientistas como o Sr. Oliver
Lodge e muito mais concretamente Frederico Myers, nos falam de uma consciência
planetária e cósmica, própria de nosso mundo terrestre que atua por meio do
cérebro; consciência cósmica que se estende aos reinos supra-terrenos,
relacionando-se com vida mais ampla abrangendo mais dilatados horizontes. Em
sua obra: "A personalidade humana" Myers expôs que em nossa época há muitos
indícios de que o homem começa a desenvolver, no círculo de sua consciência
planetária, o reconhecimento do cosmos e não o de um só planeta, e que esta
consciência ampla manifesta-se na religião, na arte, na poesia e na beleza da vida,
coisa inútil, segundo o ponto de vista do vulgar materialismo. Citava a afirmação de
um materialista francês em que este dizia que o objeto da evolução humana era a
conquista e o domino do mundo físico. De sorte que tudo quanto não contribuísse
para este único fim, seria secundário, tal como a indústria, onde há produtos
secundários decorrentes daquele que em primeiro termo se trata de obter. O ideal
da evolução, segundo Myers é a conquista do planeta, por meios materiais, e tudo
que disto se afaste fica relegado para segundo plano, como por exemplo, a religião
e a arte. Tal o juízo do autor materialista, no enunciado que fez das coisas que
podiam elevar o homem acima da mera chefia do reino animal.
Suponhamos que se nosso esquisito sistema nervoso só nos pusesse em
contato com o mundo físico, se não possuíssemos outro instrumento mais delicado
que analogamente nos pusesse em contato com outros mundos e se nossa
consciência nascesse na terra e na terra perecesse, seria impossível refutar os
argumentos materialistas, porque então tudo que não é do plano físico, tudo que
não é tangível seria quimérico, fantástico e ilusório, produto ou destroços sem
utilidade alguma para a evolução; de modo que o homem, apesar de sua
sensibilidade, deveria esforçar-se unicamente pela conquista deste mundo, o único
possível para ele. Se assim fosse, tornar-se-ia misérima a vida humana, pois a única
58
coisa que dá realidade à vida e a torna suportável, é precisamente o que os
materialistas chamam elementos secundários, que elevam o homem acima da
tirania das circunstâncias. Podemos perder bens, saúde e tudo que pertence ao
corpo físico, desde que conservamos a lucidez mental: se nos deixarem a religião, a
literatura e a arte, a vida ainda terá atrativos para nós, pois a felicidade não
depende da riqueza nem de nosso ambiente de relações sociais, nem ainda de
circunstâncias eventuais, mas do interno tesouro que ninguém nos pode arrebatar,
pois pertence a um mundo indestrutível. Desse tesouro depende a felicidade do
homem, alcançando mundos imortais onde a morte não tem ingresso.
Consideremos primeiro a vida no mundo físico para ver o que na realidade ela
é. O Eu consciente, vívido que pensa, quer e age, é o homem em essência. Porém
como é que este Eu se relaciona com o mundo físico? Não o faz direta, porém
indiretamente, por meio de um órgão constituído de matéria do mundo físico, e
modelado de modo a servir para expressão da consciência. Se observarmos, por
exemplo, o caso daquela infeliz menina norte-americana Elena Keller, muda, cega e
surda, sem outros sentidos que não os do tato, gosto e olfato para se relacionar
com a vida, verificaremos que a consciência do Eu nela estava aprisionada, excluída
do mundo em que vivemos. O uso do corpo, sua perfeição, depende de sua
facilidade de relacionar-se com o mundo para o qual foi criado, colocando assim o
homem real em contato com o mundo que o rodeia. Cada passo à frente na
evolução física, faz do corpo um instrumento mais apropriado para as relações com
o mundo exterior. O valor do corpo consiste em ser este o instrumento por cujo
intermédio a consciência se relaciona com o mundo exterior; e é preciso
compreender claramente esta ideia, afim de perceber a relação existente entre o
Ego e os corpos de que está revestido.
O corpo físico é dotado de cinco sentidos. Entretanto, a Teosofia, - de acordo
com o provérbio, - afirma que o homem terá futuramente sete sentidos, pois dois
estão em via de desenvolvimento, e quando no transcurso da evolução física,
estiverem desenvolvidos, porão a consciência em contato mais íntimo com o
mundo externo. A Teosofia ensina que estes outros dois sentidos funcionarão por
meio de dois pequenos órgãos situados no cérebro, embora a ciência anatômica,
atualmente os considere como vestígios de órgãos que em tempo estavam em
atividade, que se atrofiaram e já não servem senão como relíquias. Esses dois
órgãos são o corpo pituitário e a glândula pineal.
Nós, os teósofos, afirmamos, não por simples teoria, mas por observação e
experiência, que tais órgãos são rudimentares, isto é, aguardam condições favorá-
veis para seu desenvolvimento, e não são, como diz a ciência, vestígios de órgãos
que perderam sua atividade, Entretanto, não negamos que a glândula pineal já foi
"o terceiro olho" ou seja um olho intermédio mas acrescentamos que a glândula
pineal desempenhará no porvir a mesma função que já desempenha em alguns
indivíduos cuja evolução se apressou artificialmente. O desenvolvimento desta
glândula será peculiar a toda a raça humana no futuro de sua evolução.
Com efeito, a glândula pineal é o órgão da transmissão do pensamento de um
a outro cérebro, e quando estiver plenamente ativa porá o homem em contato
59
com as correntes mentais que incessante fluem pelo mundo ambiente de modo a
ser ele capaz de recebê-las e aproveitá-las. Assim como o olho recebe hoje as ondas
etéreas a que chamamos luz, cujos raios lhe facilitam a visão, também a glândula
pineal receberá, futuramente, as vibrações produzidas na matéria física pelo
pensamento, e as utilizará para a comunicação mental.
O corpo pituitário tem função distinta. É o órgão que nos põe em relação com o
mundo astral, e quando a meditação o traz à atividade, constitui uma ponte entre
as duas consciências, física e astral.
Neste caso, os dois mundos físico e astral, serão perceptíveis no estado de
vigília, e durante o sono o homem deixará o mundo físico e viverá no astral, com a
particularidade de que, ao despertar, se recordará de tudo quanto fez no mundo
astral, da mesma maneira que se lembra hoje de tudo quanto fez ontem no plano
físico. O corpo pituitário está agora evoluindo no aparelho cerebral e já se acha tão
perto do ponto de funcionamento, que um ligeiro estimulo poderá pô-lo em
atividade. O corpo pituitário será o órgão do sexto sentido corporal, por cujo meio
poderá o homem perceber exata e claramente o que agora só percebe de maneira
vaga, e veja o mundo astral com tanta clareza como agora vê o mundo físico,
unificando as consciências física e astral, de sorte que ambas atuem conjuntamente
em seus respectivos corpos e sejam uma só em ambos os mundos.
Desviei-me do ponto que procurava considerar. O corpo físico é um
instrumento que nos põe em contato com o mundo físico e cada órgão nele
evoluído está em relação com determinadas vibrações físicas. Na Fortnightly Review
(Revista quinzenal) do ano de 1891 se não me engano, o professor Crookes expunha
que o conhecimento do mundo exterior depende de nossos sentidos, e que se
alguém altera e a constituição do olho, mudaria completamente a visão do mundo
externo. Pois bem, o éter vibra no olho pelo choque das vibrações a que chamamos
luz, e Crookes diz que se o olho pudesse vibrar com o choque das ondas elétricas,
responderia às vibrações da eletricidade em vez de responder às da luz. Dêste modo
Crookes descreve o mundo exterior tal como ele pareceria ao homem se o visse por
meio das ondas elétricas em vez de vê-lo pelas luminosas e demonstra quão
diferente ele serra.
Isto não é mais do que um exemplo da alteração que produziria em nossa
consciência, uma leve mudança de estrutura de nossos órgãos sensoriais atuais, e se
recordardes que estamos sempre evoluindo, que ainda não terminamos a nossa
evolução, começaremos facilmente a perceber a possibilidade de sobrevirem
prontamente, algumas das transformações que indiquei, segundo já advertimos, em
número cada vez mais crescente de indivíduos cultos e educados da quinta raça raiz
ou Raça Ariana.
Pelo que respeita ao corpo físico nós nos deparamos, ante a ciência ordinária,
com a possibilidade de uma previsão do porvir. Digamos adiante e consideremos o
mundo astral isto é o do sonho. Por enquanto não devemos sair do terreno
científico, porque a ciência realizou nos últimos trinta anos, muitas investigações
sobre o sonho. Primeiramente estudou o efeito de sugerir um sonho a um indivíduo
por meio de um toque em seu corpo físico. Grande número destas experiências
60
foram descritas na obra: “Filosofia do misticismo de Du Prel, que bem merece a
vossa atenção. As experiências demonstram que por meio do contato pode-se
provocar o sonho em muitos indivíduos. Em um certo caso o contato se efetuou no
pescoço, e ao despertar o indivíduo disse que havia sonhado ter perpetrado um
assassinato e que fora processado, ouvindo no júri a acusação do juiz e o veredito
dos jurados com a consequente sentença de morte, sendo levado depois à guilhotina
ao contato de cuja lamina despertou.
Foram registradas várias experiências desta natureza e alguns de nós
comprovaram outras análogas. A vividez e a plenitude do sonho depende da
potência imaginativa do indivíduo e do poder ou energia do seu pensamento. A um
colono australiano borrifaram água sobre a cabeça, enquanto dormia, saindo ele
espavorido de sua tenda supondo que se desencadeara terrível tempestade apesar
do céu estar sereno. A mesma experiência foi feita com um homem culto que
sonhou diversas cenas de uma tempestade. Embora sugerido, o sonho teve a
máxima imaginação e a maior vividez. Em todo caso o indivíduo relatou o sonho ao
despertar.
Entretanto era este um processo grosseiro de experimentação e por isso mais
tarde, mudou-se a experiência adormecendo-se o indivíduo pelo sono hipnótico e
perguntando-lhe o que via e o que fazia durante o sono. Deste modo estabeleceu-se
a teoria do hipnotismo; depois procurou-se averiguar a natureza do sonho nas
condições normais sem que interviesse sugestão externa. Nestes outros casos
manifestaram-se diferentes fenômenos. Myers refere-se a um indivíduo que sonhou
com algo que desejava saber e que não lhe era possível em estado de vigília. Um
caso notável é o de um arqueólogo que inutilmente se esforçava para decifrar um
complicado trecho de hieróglifo, quando uma noite lhe apareceu em sonho um
antigo sacerdote que lhe resolveu a dificuldade. Muitas vezes, o conhecimento de
uma coisa não está ao alcance do indivíduo em sua consciência cerebral, e entretanto
chega a conhecê-la quando atua fora do cérebro físico nas horas do sono.
As investigações foram, entretanto, levadas mais além. Houve indivíduos
capazes de ver um acontecimento antes de ele ocorrer, ficando assim prevenido
quanto ao futuro acontecimento. Exemplo semelhante nos dá o caso do vapor
Waratah que se julgou perdido depois de zarpar da Austrália. No camarote de um
passageiro apareceu por três vezes, numa mesmo noite, o espectro de um homem
que sem dizer palavra tinha numa das mãos um pano manchado de sangue e na
outra uma espada que colocou entre o pano e o passageiro. O sonho não parecia
de particular significado, mas produziu seu efeito, pois, aquele passageiro ficando de
sobreaviso desembarcou em Durban e quatro noites depois sonhava que o navio se
debatia num mar tempestuoso, até que uma enorme onda o submergiu, sem
esperança de salvação. Com efeito, considerou-se perdido o navio e a companhia de
seguro pagou a indenização. O interessante neste caso é o aviso do naufrágio, o
desembarque do passageiro e o sonho do afundamento. Exemplos como este há
muitos que qualquer pessoa pode investigar. O que indicam estes avisos? Para quem
tenha desenvolvido a consciência até o ponto de atuar tanto no cérebro físico como
fora dele, indicam a existência de um outro mundo que interpenetra o físico; mundo
61
também material, porém de matéria mais sutil do que a do físico. Tais fenômenos
denotam ainda que o homem possui um corpo desta matéria sutil, que interpenetra
seu corpo físico e o põe em contato com o mundo constituído da mesma espécie de
matéria. Este outro corpo é, por assim dizer, um segundo envoltório da matéria,
pertencente ao mundo astral e é um instrumento tal, como o físico no sentido de pôr
a consciência em contato com um mundo externo. O segundo corpo, a medida que se
desenvolve, põe a consciência em contato com o segundo mundo. Este segundo corpo
esta agora evoluindo e denota maior desenvolvimento as raças superiores e nos
indivíduos cultos. É o corpo que agora se deve desenvolver, por sua vez, no transcurso
da evolução e já adquiriu algum desenvolvimento nos países mais adiantados do
mundo. A medida que se desenvolva irá pondo a consciência em contato com o
mundo astral, capacitando o homem para percebê-lo.
Os sonhos em que se recebem explicações e avisos são o resultado da atuaçao da
consciência humana num corpo de matéria mais sutil porém não suficientemene
evoluído para que nele atue tão desembaraçadamente, como no corpo físico cuja
evolução se tem efetuado no transcurso de milhões de anos.
A evolução do corpo astral pode ser apressada por meio de vigorosa meditação,
cuja consequência é desenvolverem-se os órgãos do corpo astral, tão simples e
naturalmente como, em relação às mesmas leis se desenvolveram sucessivamente
órgãos do corpo físico. Nada há de sobrenatural em tudo isto. Todos vós estais
próximos de atingir condição semelhante e as vagas impressões que de quando em
quando recebeis provem de que o corpo astral está já suficientemente evoluído para
responder às vibrações de matéria mais sutil.,mas não o bastante para ficar governado
e atuar deliberadamente nele. Enquanto dormis durante a noite, estais no corpo astral
e vos desprendeis do corpo físico. O corpo astral funciona sempre dia e noite; à noite é
o veículo da consciência no mundo astral; de dia é o veículo dos desejos, que
estimulam o corpo físico à ação. Este corpo astral é o instrumento de vossos desejos e
sentimentos pelo que se lhe tem chamado o "corpo de desejos". É o corpo que se
desprende sob a ação do clorofórmio e de outros anestésicos, deixando insensível o
corpo físico, porque a verdadeira sensação, não está no corpo físico, que nada sente
quando os anestésicos expulsam a matéria sutil que o interpenetra. Dormir é
simplesmente sair do corpo denso e ficar no sutil, do mesmo modo que ao chegar a
casa tirais o capote e o trajo de rua, ficando em trajo caseiro. Convém advertir-vos que
não só usareis este corpo sutil depois da morte, como já o estais usando agora. Ao
morrer não sereis espíritos nus, porém encontrar-vos-eis vestidos familiarmente e esta
familiaridade aumentará à medida que vos tornardes mais conscientes durante o
sono. Conforme fordes desenvolvendo o corpo sutil e usando-o mais plenamente.
vossa vida durante o sono será tão vívida como a de vigília, e podemos ainda afirmar
que é mais real do que a vida física. Assim como os gazes são mais sutis do que os
líquidos e do que os sólidos. o mundo astral é mais sutil do que o físico. Do mesmo
modo que a luz dá visibilidade às cores que se não distinguem na matéria grosseira e
desprovida de luz, assim todas as diferentes cores e delicados matizes se mostrarão
aos vossos olhos, mais visíveis, quando este corpo sutil estiver organizado, e vos
encontrardes em outro mundo mais real do que o físico, porque a vossa consciência
62
estará separada do mundo exterior por uma envoltura de matéria mais sutil.
Tratemos agora do terceiro mundo: o mental. Normalmente vivemos nos três
mundos enquanto estamos em vigília. Sempre que pensardes em algo, empregais,
com efeito, uma espécie de matéria mais sutil do que a astral, a que o professor
Kingdon Clifford chama substância mental e responde por meio de vibrações às
cambiantes modalidades da consciência, tão exatamente como as vibrações do éter
determinam a consciência da Luz. Também viveis no mundo mental, porém
instrumento de consciência para vos relacionardes com ele, está, entretanto, muito
menos desenvolvido do que o corpo astral na generalidade das pessoas. Porém, à
medida que vai avançando na evolução, irá se desenvolvendo cada vez mais, de
modo a ser possível prescindir dos corpos físico e astral, e atuar com plena
consciência do mundo mental. Este é o mundo chamado celeste. O Svarga dos
hinduístas.
Ainda que considereis o exposto como nova teoria, refleti sobre isto, advertindo
que sempre estais vivendo nos mundos físico, astral e mental; que usais três corpos
relacionados respectivamente com o mundo constituído de matéria análoga à sua, e
que serve de instrumento para atuar conscientemente em cada mundo. A evolução
vai aperfeiçoando os três corpos, um após outro, de sorte que enquanto se efetua o
aperfeiçoamento do corpo físico, organiza-se o astral e desenvolve-se o mental,
pondo-se cada um dos três em contato com o respectivo mundo.
Acabareis vendo que estes fatos explicam um enorme número de fenômenos
que ocorrem ao vosso redor, especialmente aqueles em que se funda a nova
psicologia como os sonhos, a vista dupla, a profecia, a clarividência, o vaticínio do
porvir, e todos os fenômenos de caráter religioso. Tudo isto entra na esfera da
superconsciência, e se a genuína psicologia se fundar no - testemunho da consciência,
resultará, como disse o professor James, que os cientistas não poderão de modo
algum recusar o testemunho da consciência, por muito tempo desconhecido pela
ciência. Se desconhecerdes ou menosprezardes o testemunho dos místicos, dos
profetas e dos santos cuja fé decorria de suas próprias experiências; e se, ao lado
destas entidades altamente desenvolvidas, desconhecerdes ou desprezardes as
experiências simples das gentes vulgares que de quando em quando se põem em
contato com o mundo superior, quer pela oração, quer pela meditação, então tereis
que prescindir inteiramente do testemunho da consciência, porque não é lógico
aceitar uns testemunhos e recusar outros.
Pois bem, se recusardes o testemunho consciente das próprias experiências
individuais, não disporeis de fundamento algum, porque todos os conhecimentos
psicológicos terão que ser baseados nas experiências da consciência. A existência da
matéria é tão só uma indução para cada indivíduo, porque ao se sentir afetado pela
matéria, ele deduz que ela existe. O mesmo se pode dizer da existência dos outros
indivíduos em relação a cada um deles, pois cada qual induz que os outros existem por
se sentirem afetados por eles. Por outro lado, é um fato certo e indubitável para cada
indivíduo a sua própria existência. Disto se infere que o testemunho da consciência
está em primeiro lugar e qualquer outro será secundário. Ainda que trateis de
prescindir de todo testemunho, exceto o dos olhos corporais, tereis que confiar
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necessariamente no testemunho de nossa consciência afetada pelos olhos.
Como é que isto influi na mente e na vossa atitude? Exponhamo-lo em termos
religiosos. O cristão chama aos três mundos a terra, o purgatório e o céu. O
hinduísta chama-lhes bhurloka, bhurarlóka e svarga. São exatamente os mesmos três
mundos, porque todas as religiões ensinam as mesmas verdades. Os três mundos
não estão separados, porém interpenetram-se, de modo que, se tiverdes os três
corpos em condições de atuar, podereis ver os três mundos ao mesmo tempo e
vivereis constantemente nos três, vendo e comunicando-vos com seus habitantes,
tão completamente como o fazeis no mundo físico. Entretanto, para ter os três
corpos em circunstâncias de atuar é necessário penoso esforço e prolongada
prática Todos os homens estarão sucessivamente nos mundos astral e mental após
a morte; porém imaginam ilusoriamente que só então estarão em os ditos mundos
e que durante a vida física estão fora deles. As religiões modernas abriram um
abismo entre os três mundos, mas tal abismo não existe porque constantemente
eles se interpenetram.
Alguns creem que a morte lhes arrebatará os seus parentes e amigos; porém
não é assim, pois estão convosco e conscientes de vossa presença, ainda que vós
não sejais conscientes da deles. Verdade é que uns e outros possuem corpo astral;
porém eles são conscientes nesse corpo e vós não o sois. Eles perderam o corpo
físico por cujo meio, antes, se comunicavam convosco e, portanto não podem
afetar-vos. Vós dizeis que os haveis perdido, porem eles não vos perderam.
Eles estão conscientes do outro mundo no corpo astral e ambos viveis no
mesmo mundo astral, embora não possais transmitir esse conhecimento ao vosso
cérebro físico. Durante o sono estais com eles, porque então também vós tereis
deixado temporariamente o denso véu de carne e atuais como eles no plano astral.
Enquanto estais despertos não prestais muita atenção ao mundo astral porque
vossas energias fluem para o exterior, mas, mesmo assim, eles estão junto de vós,
os mortos queridos e de vós são conscientes, razão pela qual, se retrairdes vossa
consciência do mundo físico, vos poreis em contato com eles mesmo em estado de
vigília.
Esta relação, porém, é muito difícil quando eles passam ao mundo celeste, por
causa da sutileza das vibrações dessa tão tênue matéria: entretanto, ainda assim, se
praticardes o que a religião de cada um de nós aconselha que façamos,
empregando mais tempo na oração e na meditação,* também vos poreis em
contato com o mundo celeste. Então a morte perderá para vós toda a ideia de
temor e de dor, porque a vida será contínua, sem interrupção nos três mundos,
sem que a morte os separe.
*Ambas produzem o mesmo resultado, embora a meditação seja mais puramente
mental do que a oração.
Depois da morte o homem continua sendo o mesmo que era antes, com os
mesmos pensamentos, emoções, desejos, esperanças e temores. Não há outra
diferença entre o homem antes e depois da morte, senão a do mesmo homem
antes e depois de haver mudado de trajo. Este homem a que chamamos morto,
tirou o trajo externo, e é por isso que não pode afetar o mundo exterior. Ás vezes a
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identificação com sua consciência é tal, que não crê ter morrido e só se convence
disso quando, pouco a pouco começa a ver que não lhe é mais possível afetar os
objetos físicos nem as pessoas carnais, que não lhe respondem quando lhes fala
nem sentem quando as toca. Pode ver a matéria astral de um objeto, porém o
objeto não se moverá se o empurrar como se moveria antes. Repetidas vezes nos
temos encontrado com indivíduos que não se acreditavam mortos e se admiravam
de seus parentes e amigos não lhes darem a menor atenção.
Tempo virá em que todos vós deixareis o corpo físico e vos encontrareis no
mundo astral com inteira consciência, saudados por vossos amigos. Qual será
então a vossa condição? Depende inteiramente da vossa conduta atual. Por meio
dos sentimentos, desejos e emoções de vossa vida quotidiana vitalizais o corpo
astral. Se vos entregardes aos prazeres sexuais ficará vitalizada a matéria mais
grosseira do corpo astral; porem, se preferirdes as emoções nobres, o amor da
família, o afeto dos amigos, o cultivo das faculdades artísticas e o interesse pelas
coisas espirituais, ficará vitalizada a porção mais sutil do corpo astral. Assim, tudo
depende das condições que durante a vida terrestre estabelecerdes. Se todos os
vossos prazeres se concretizarem na comida, na bebida e nas concupiscências
carnais, então a morte será um violento e doloroso choque, pois o desejo por todos
estes prazeres continuará no mundo astral sem a possibilidade de satisfazê-los, pois
que vos faltará o meio de relação com o mundo físico. Nestes fatos se fundam
todas as ideias de infernos expostos (ou descritos) pelas religiões, porque as ânsias
impossíveis de serem satisfeitas constituem positivos e terríveis tormentos para o
homem e fazem do mundo astral, para ele, um verdadeiro inferno. As religiões tem
razão ao dizer que se atenderdes unicamente às causas deste mundo inferior
sofrereis muito depois da morte. Assim acontecerá, sem que vos sirva de desculpa
a ignorância do fato, nem de alívio a "misericórdia de Deus", pois a misericórdia de
Deus não vos salvará de vos queimardes se puserdes as mãos no fogo. Ninguém
vos livrará dos sofrimentos de após morte se estabelecerdes durante a vida terrena
condições de sofrimento. Deus construiu os mundos de acordo com certas leis e no
cumprimento destas leis está o princípio e o fim da misericórdia. Mas o sofrimento
não será eterno, como algumas religiões erradamente afirmam, por haverem
perdido o conhecimento da reencarnação. As penas só duram enquanto, por falta
de nutrição, se desintegra a matéria grosseira do corpo astral. Então o homem terá
assimilado a sua lição e ficará livre. Terá compreendido, por experiência, a verdade
ensinada no Bhagavad Gita de que os contatos dos sentidos são matrizes de dor.
Esta grande e salutar lição fica impressa no Ego, que volta à terra com maior
conhecimento e experiência do que quando dela partiu. Suponhamos agora que
durante a vida terrena haveis vencido a concupiscência e que os prazeres sexuais já
não são capazes de vos empolgar e atrair. Suponhamos que vos comprazeis na
música, na escultura e na poesia, em tudo quanto desperta nobres emoções. Em tal
caso, após a morte, continuareis inclinados a estes delicados prazeres, por terdes
vitalizado a porção mais sutil do corpo astral, que vos capacita para desfrutar essa
felicidade das nobres emoções durante vossa permanência no mundo astral e
passareis sem demora ao mundo celeste.
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O mesmo acontece em relação com as investigações científicas. Quem vitaliza a
parte do corpo astral que serve de ponte entre o corpo mental e o corpo físico e se
afeiçoa as experiências científicas que não prejudiquem a ninguém, dedicando-se aos
processos puramente físicos de observação e experiência, levará consigo valioso
material para o outro mundo. Clifford, Huxley e vários outros cientistas do mesmo
temperamento prosseguem esforçando-se para auxiliar os cientistas do mundo físico
sugerindo-lhes invenções e frutíferos processos de investigação, por meio da força
mental que comunicam aos corpos mentais dos cientistas que vivem na terra. Este é
o caso especial do homem que em sua vida física preferiu a atividade mental, não
acreditando na vida de ultratumba. Permanece então em contato com o mundo
físico ou melhor dito, com seus aspectos astral e mental ajudando os homens no
cumprimento de seus proveitosos trabalhos. Também fazem o mesmo os políticos,
não se entendendo como tais os que só buscam o benefício pessoal, e sim os que
desinteressadamente amam o seu país. Estes homens só em permanecer muito
tempo no mundo astral, auxiliando os que simpatizam com esse trabalho. Por
exemplo, o meu falecido amigo Carlos Bradlaugh trabalha grandemente neste
sentido, e entretanto ele não acreditava em outra vida, pois, como acérrimo
materialista que era, imaginara que ao morrer tudo se acabaria para ele, sem outro
sentimento senão o de não poder terminar o seu trabalho neste mundo. Porém,
Bradlaugh era homem de nobre caráter, de elevados ideais, de profunda abnegação
e recebeu sua recompensa no mundo astral sem perder nada de seu interesse pelas
coisas úteis, de sorte que continua auxiliando as pessoas que amou na terra, e
inspira aos estadistas e oradores altos ideais e proveitosas modalidades de trabalho.
Assim, prossegue no mundo astral o labor prematuramente interrompido no
mundo físico.
O homem passa ao mundo mental ou celeste quando já consumiu todos os
laços que o prendiam aos processos de atuar no mundo físico. Os homens a que me
referi passaram rapidamente ao mundo mental, por não estarem tão ligados aos
processos de ação física. O mundo mental é a terra natal, o lugar de nascimento, a
pátria do Ego.
Conforme vos recordareis, pois que o expuz em outra conferência, o homem
nasce no mundo celeste e abisma-se na vida terrena como se mergulhasse no
marulhar das águas. Nessa verdadeira pátria é o mundo celeste, a morada natural
do Ego, e a este mundo voltaremos todos, procedentes do físico e do astral, com o
objetivo de transmutar em faculdades intelectuais e morais as experiências da
mesma índole nele realizadas. Assim, o gozo do mundo celeste é o gozo do amor
altruísta, à família, aos amigos e à pátria, derramado sobre todos aqueles a quem
desejamos servir. É o gozo das obras intelectuais, da intuição profunda e da elevada
emoção estética. Todos estes afetos da alma frutificam no mundo celeste em
faculdades com as quais o homem voltará à terra. A vida celeste é de crescimento e
ali se colhe quanto de bom se semeou na terra. Entretanto nada nos será possível
concluir no mundo celeste se que o tenhamos começado no plano terrestre. Nisto
consiste a limitação. Não podeis iniciar novas modalidades de atividade no mundo
celeste, porque tereis ali o mesmo corpo mental que aqui tendes, embora só vos seja
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possível utilizar ali a matéria mental que tenhais vitalizado durante vossa vida
terrena. Lei é lei. Podereis progredir, espraiar-vos e vos desenvolver no mundo
mental, porém tendes que começar no plano físico. Assim como não pode haver
colheita em um campo que não foi semeado, tão pouco pode florescer em gozo,
frutificar em faculdades, um corpo mental em que não se tenham espalhado as
sementes do esforço mental e moral. Porém agora podeis semear para a futura
colheita e assim o fareis elevar-se.
Por exemplo, se vos acostumais a ler e a refletir sobre a leitura, embora uma
página diariamente, de um bom livro que vos mova a pensar, aumentando assim a
vossa capacidade mental, aumentareis com isso um tesouro no céu onde vos
aguardará sem que ladrão algum possa roubá-lo, ferrugem desgastá-lo, nem traça
consumi-lo. Tal a colheita de vossos pensamentos tal será a de vosso amor. Quanto
mais amardes na terra, mais vigorizareis no céu as vossas faculdades de amar e mais
ricos em amor sereis ao voltar à terra. Tende porém, em conta que a virtude não
recebe como recompensa riquezas nem ditas mundanas. Todas as pessoas só em
olvidar que a virtude tem por prêmio o incremento da virtude. A sementeira do amor
na terra significa a colheita no céu em forma de maior faculdade de amar, que será
congênita no homem quando ele voltar à terra. O falecido lord Shaftesbury, procurava
continuamente auxiliar os inválidos, pensando sempre na miséria do pobre e tratava
de remediar os desafortunados. Na Câmara dos Comuns advogou em favor das
mulheres e crianças que trabalhavam nas minas e nas fábricas, para que se
promulgassem leis protetoras desses escravos da indústria. Quem move este homem
a agir com tal filantropia? Por que, - se gozava de tão alta e cômoda posição social, -
se preocupou com o melhoramento das camadas sociais miseráveis? Porque, durante
sua longa vida, quis sempre auxiliar os operários? O amor que trouxe ao nascer era o
resultado obtido, na vida celeste, da vigorização do amor engendrado em outro
tempo por modestos serviços. Assim como o arquiteto traça seu plano, também o
Ego traça no céu os planos de sua futura obra. O mundo físico é lugar da ação, onde
se levanta o edifício; e o mundo celeste, o mundo do pensamento, é o lugar onde se
traçam os projetos. Os materiais nós os levamos da última vida terrena e voltamos à
terra para realizar o que foi projetado no céu.
Assim, viveis sempre em três mundos, embora sejais agora inconscientes dos
mundos astral e mental em que atuareis conscientemente depois da morte e nos
quais, se quiserdes, podereis ser conscientes antes de morrer. Contudo, não digo que
seja tarefa fácil este desenvolvimento da consciência. Eu vos enganaria se vos
dissesse que podeis desenvolvê-la sem trabalho, sem vigorosos e persistentes
esforços. Porém, o mesmo acontece em todas as ciências para aquisição do
conhecimento. Se alguém me perguntasse se poderia chegara ser insigne
matemático, eu lhe responderia que, antes de tudo, deveria ter certa aptidão
congênita para a matemática e depois dedicar-se assiduamente ao estudo para
chegar a ser, com o tempo, um bom matemático, o êxito, na vida terrena, requer
que o indivíduo nasça com alguma faculdade congênita; a qual, dia após dia, à
custa de tempo e de trabalho, vai cultivando e aumentando. Para o êxito é
necessária uma vontade inquebrantável e firme perseverança. Portanto, se possuis
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determinada faculdade e a vigorizais, com tempo e perseverança, podereis fazer o
que outros fizeram e viver conscientemente nos três mundos em que estais. Refleti
que isto significa a vitoria sobre a morte, que já não separa corações nem vidas.
Significa o perpétuo enlace e comunhão com as pessoas amadas. Significa também
que vos não deveis afligir nem entristecer pelos cuidados terrenos, pois viveis em
três mundos e a terra é apenas um deles.
Se fracassardes no labor terreno, tendes o trabalho nos outros dois mundos.
onde os impedimentos do mundo físico não vos estorvarão.
Tudo isto denota abundância e plenitude de vida, pois que vos dá como reino
três mundos em vez de um. Assim, pôde-se aplicar a cada um de nós o que o Cristo
disse das crianças na última vez em que esteve na terra. Não menoscabeis
nenhuma destas crianças, porque em verdade vos digo que no céu os seus anjos
veem sempre a face de meu Pai (Mateo 18° 10). Pois, quem é o anjo da criança e o
anjo do homem? O Eu Superior, a consciência espiritual que constantemente habita
nos céus, embora o som de sua voz, muita vez, se perca no tumulto do mundo. Não
poderíeis ouvir os doces sons da citara por entre o ruído de um mercado. Não
poderíeis escutar as suaves vibrações do violino entre os ruídos dos bondes e
carros de praça. O mesmo se dá com a delicada voz da consciência interna, o
sublime som do Espírito, simbolizado pelos hinduístas na flauta de Shri Krishna, que
atraia a quantos a escutavam. Toca-a nos campos, junto às águas correntes, nas
colinas, nos montes, nas frondosas florestas onde brincavam veadinhos e passeiam
vacas. Pois o fato é que o homem não pode ouvir a voz do Eu Interno no meio do
torvelinho mundano e por entre o vozerio das cidades. Tem que procurá-la no
silêncio onde os ásperos rumores da terra não abafam o seu som.
Mas é verdade também que, uma vez que tenhais aprendido a escutá-la,
nunca mais ensurdecerão para ela, os vossos ouvidos e podereis ouvi-la mesmo no
meio dos estrépitos da vida moderna. É necessário esforço para abrir os ouvidos e
os olhos internos; porém, logo que estiverem abertos nunca mais se tornarão a
fechar.
Terminaremos nossa tarefa com a grande lição de que a nossa vida está cheia
de esplêndidas possibilidades, que todos somos Espíritos em desenvolvimento em
corpos que também evoluem; que à medida que o Espírito vai manifestando suas
potencialidades, amolda os corpos em que atua; que o pensamento, a energia
criadora, é o cinzel com que o Espírito esculpe os seus corpos.
Oh! se alcançásseis ver com os olhos internos e não somente com os
corporais! Oh! se pudésseis realizar na vida espiritual o que o insigne artista realiza
na vida artística, quando o grande impulso criador desce das celestes esferas até ao
seu cérebro. Se perguntardes ao músico, ele vos dirá que ouviu suas mais belas
melodias em outros mundos e que se limita a entoar aqui na terra em pobres notas
sucessivas a música que além ouviu em magnífico conjunto multiacorde e não em
lenta sucessão. Assim falava Mozart ao narrar suas maravilhosas experiências.
Perguntai ao escultor o que faz quando trabalha no tosco bloco de mármore com o
criador impulso que imprime ao seu cinzel e ele vos responderá que já vê dentro do
mármore a futura estátua, e que o seu trabalho se reduz somente a eliminar o
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mármore de sobra que encobre a Beleza oculta à vista ordinária do homem.
Oh! amigos meus! Tal é também a obra do vosso Deus interno, do Artista
Imortal da própria Beleza que dentro da forma do corpo jaz oculta à vista dos olhos
carnais e só é perceptível aos olhos do vidente.
O Espírito que reside em vosso interior é o escultor que elimina o mármore em
excesso na polida estátua que é ele mesmo, o Deus interior. É o músico, que escuta a
música celeste, e deve entoá-la de modo que todos possam ouvir sua harmonia O
que vos compete é arrancar o mármore do eu inferior e com o cinzel da vontade e o
martelo do pensamento eliminar toda a matéria supérflua que encobre a Beleza de
vosso interior. Deveis manifestar em toda a sua glória e esplendor o Deus interno
que ilumina o mundo em que viveis. Sois filhos do céu que habitais na terra. Sois
Deuses em formação e entretanto viveis às vezes como brutos animais. Sois divinos,
e não somente humanos; porque não vos alçais à altura de vossas esplendidas
possibilidades? Sois de régia estirpe, filhos de um Rei, porque não vos convenceis de
vossa realeza e não reclamais a vossa primogenitura? Sois filhos do Rei imortal, e não
obstante, muitos de vós arrastais pelo solo andrajos de varredores da terra. Sobre
vossas cabeças brilha uma coroa: porque não a cingis? Vago está o vosso trono:
porque a ele não subis e não governais o reino que vos pertence? Porque não
assumis vossa primogenitura como Filhos de Deus e levantando os olhos não
reclamais a vossa herança?

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