“Virgínia Woolf? Esnobe! Richard Wright? Sexista! Dostoievsky?
Anti- semita!”
(por Brian Morton, diretor do programa de
escrita no Sarah Lawrence College, romancista, ensaio - New York Times (08 de janeiro de 2009), trad. descompromissada de Guto Leite)
Há não muito tempo, numa viagem de trem, eu conheci um universitário
que me disse que era escritor. Eu perguntei a ele sobre o que estava lendo e escrevendo, e ele me disse que estava escrevendo um romance sobre viagem no tempo, e estava lendo – bem, ele tinha tentado ler The House of Mirth, de Edith Wharton1, mas depois de umas cinquenta páginas, disse, tinha jogado o livro no lixo. The House of Mirth, publicado em 1905, descreve os esforços de uma jovem, Lily Bart, para encontrar um marido aceitável. O estudante disse que seguiu a leitura até que se deparou com a descrição de um dos pretendentes de Lily, Simon Rosadale: “um homem gordo, rosado, típico loiro judeu, com... olhos apertados que davam a ele um ar estimado como se fosse um antiquário”. Neste ponto, disse o estudante, ele perdeu a simpatia não só por Lily, mas também pelo romance. Não teria sido um bom caminho para mim palestrar sobre a diferença entre os pontos de vista da personagem e do autor. Quando Rosedale aparece no romance, Wharton descreve sua repulsividade com tanto gosto, que fica claro que ela não está descrevendo somente os sentimentos de Lily, mas também os seus próprios. O anti-semitismo de Wharton, disse o estudante, o encheu de raiva. “Eu não quero ninguém assim na minha casa”, ele disse. Qualquer um que tenha ensinado literatura na escola ou na universidade nos últimos anos, provavelmente teve uma conversa sobre isso. A paixão por justiça social que muitos estudantes sentem – uma bonita paixão por justiça social – os levam a ser profundamente conscientes das desagradáveis opiniões mantidas por muitos escritores de gerações precedentes. Quando descobrem o
1 romancista nova-iorquina, foi a primeira mulher a vencer o Pulitzer, em 1921. O romance
citado não tem tradução para o português. anti-Semitismo de Wharton ou Dostoiévski, o racismo de Whalt Whitman ou Joseph Conrad, o sexismo de Ernest Hemingway ou Richard Wright, o esnobismo de E. M. Forster ou Virgínia Woolf, nem todos expressam sua ojeriza tão dramaticamente como o estudante com quem conversei, mas muitos performam uma recusa equivalente, lançando os livros hostis na lata de lixo de suas imaginações. Depois que paramos de falar de Edith Wharton, tivemos uma agradável conversa sobre os ideferentes tipos de máquina do tempo na ficção e na cultura popular, da vagamente descrita engenhoca em A máquina do tempo, de H. G. Wells, até o tesserato em Uma dobra no tempo, de Madeleine L’Engle, e o TARDIS em Doctor Who. Foi somente quando o estudante saltou do trem que eu tive a ideia bastante óbvia de que um velho livro é uma espécie de máquina do tempo. E me dei conta de que a forma como o aluno reagiu a The House of Myth recaía num equúvoco de que tipo de máquina do tempo um livro é. Eu acho que é um equívoco generalizado, não somente dele. É como se nós imaginássemos que um livro fosse uma máquina do tempo que traz o escritor pra nós. Compramos o livro e o levamos pra casa, e o escritor aparece diante de nós, pedindo pra ser admitido em nossa companhia. Se nós consideramos sua visão etnocêntrica, ou sexista, ou racista, nós rejeitamos o pedido e barramos a entrada do escritor ou da escritora no presente. Como o estudante colocou: “Eu não quero ninguém assim na minha casa”. Eu penso que nós seríamos melhores leitores se percebêssemos que não é o escritor que viaja no tempo, mas o leitor. Quando escolhemos um romance, nós não estamos trazendo o romancista para o presente e decidindo se ele ou ela é iluminado o bastante para pertencer a este mundo; nós é que viajamos para o mundo do romancista e damos uma olhada. A diferença de perspectiva, o esclarecimento de quem exatamente está fazendo a viagem, pode nos levar um diferente tipo de experiência de leitura. Se nós nos inscrevemos para uma viagem à Nova Iorque de 1905 – a Nova Iorque de Wharton –, nós entendemos, mesmo antes de comprar nossas passagens, que estamos visitando um lugar em que as atitudes das pessoas eram muito diferentes das nossa. Nós saberíamos que quase todo mundo que encontrássemos, mesmo as melhores mentes, as mais generosas – ricas ou pobres, homens ou mulheres, brancas ou negras –, teriam opiniões que seriam inaceitáveis hoje. Nós seríamos informados disso no contrato a ser assinado para viajar, enquanto tomamos as vacinas necessárias e escolhemos as roupas da estação – nossas saias rodadas, coletes e cartolas.