Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Introdução
Cada religião projeta sua imaginação da vida após a morte. A ima-
gem cristã de um céu maravilhoso em que os coros celestiais cantam eter-
namente o louvor de Deus faz parte da imaginação cultural.1 Todavia, o
* Padre da Arquidiocese de São Paulo que trabalhava em paróquias da periferia da Região Brasilân-
dia. Teólogo Diplomado pela Faculdade de Teologia da Universidade de Würzburg/Alemanha. Pertence
ao “Centro de Estudos e Desenvolvimento Psicanalítico de São Paulo” (CEDEP).
1. Interessante é a seguinte pesquisa sobre céu: McDANELl, B.L.C. Der Himmel. Eine Kulturges-
chichte des ewigen Lebens. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1990.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 803
que parece tão inocente pode conter uma enorme violência. E aqueles
que não sabem nem gostam de cantar? Para estes, o canto obrigatório, na
eternidade, pode ser um violento castigo em vez de prêmio, e isto, ainda,
por toda a eternidade! Mais evidente ainda se torna a violência religiosa
quando se fala do inferno. Até as falas de Jesus citam o “fogo eterno”
com tormentos sem fim. O livro mais violento da Bíblia é, sem dúvida,
o Apocalipse de João. Ao lado de cenas de grande violência se encontram
trechos que falam dos cantos que há no céu.2 Um dos terroristas do 11 de
setembro de 2001 sonhava com um paraíso em companhia de virgens,
após sua morte, que provocaria tantas mortes inocentes!
A violência da religião é um tema amplamente discutido e muito
controverso. Alguns dizem que é a religião, em si, que é violenta; outros
afirmam que a religião é usada por sistemas de poder que se impõem
com violência. De qualquer maneira, é preciso que se admita que reli-
gião e violência estão intimamente ligadas entre si, pois, onde se fala de
religião, automaticamente a violência está presente. Sob o impacto dos
ataques cruéis de terroristas do Estado Islâmico - IS, hoje intensamente
divulgados pela mídia, automaticamente somos tentados de atribuir a
violência à religião islâmica. Todavia, a história da própria Igreja Católi-
ca dá testemunho impressionante de inúmeros fatos de violência.
Diante de uma literatura imensa sobre a relação entre religião e
violência, tenho condições de aproveitar e citar apenas um número
muito restrito de testemunhas bibliográficas. Mesmo assim, são rela-
tivamente muitas as citações, que faço questão de trazer, para mostrar
a riqueza das contribuições a esse tema. A escolha, por si só reflete
a influência de critérios pessoais. O meu enfoque é o da teologia e
da psicanálise. Concordo com Robert Crawford, quando afirma que
nenhuma abordagem sozinha fornece uma visão completa da religião
e de suas características.3 Primeiro, tentarei distinguir o conceito de
violência daquele de agressão. Segue-se a apresentação da teoria psica-
nalítica de Sigmund Freud. Em seguida tentarei apontar a violência da
religião, tanto no AT quanto no NT. Enquanto Gn 2,4b–3,24 ilustra
o início da religião, Jesus Cristo testemunha sua superação, tanto em
suas palavras quanto em sua vida.
4. COSTA, M.R. da; PIMENTA, C.A.M. A violência: natural ou sociocultural? São Paulo: Paulus,
2016. p. 6.
5. SCHWIDDER, W. Schriften zur Psychoanalyse der Neurosen und Psychosomatischen Medizin.
Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1975. p. 30; SCHULTZ-HENCKE, H. Lehrbuch der analy-
tischen Psychotherapie. 3. Aufl. Stuttgart; New York: Georg Thieme, 1981. p. 33; PELLEGRINO, H.
O ego e o real: primeiras considerações. In: ID (Org.). Psicanálise em crise. Petrópolis: Vozes, 1974. p.
31-48, aqui, 48; REICH, W. A função do orgasmo. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1975. p. 139.
6. WEBER, W. Kraftquelle Aggression. Aggressionen – wie sie entstehen und wie wir sie positiv
nützen können. Wuppertal: Brockhaus, 2007. p. 13.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 805
7. LORENZ. K. A agressão. Uma história natural do mal. 2. ed. Lisboa: Moraes, 1979. p. 59; ID.
Civilização e pecado. Os oito erros capitais do homem. São Paulo: Círculo do livro, 1973. p. 173.
8. ID. A agressão. Op. cit., p. 63.
9. ADLER, A. Heilen und Binden. Frankfurt am Main: Fischer Taschenbuch, 1973. p. 85-93; ID.
Über den nervösen Charakter. Idem, 1972. p. 45.
10. STORR, A. A agressão humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 10.
11. FREUD, S. Além do princípio de prazer (1910). In: SALOMÃO, J. (Dir.). Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. J. Salomão. Rio de Janeiro: Imago,
1976, p. 11-85. v. 18.
12. Ver FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: Idem, 1972, p. 117-231. v. 7.
13. Ver FREUD, S. Atos obsessivos e práticas religiosas (1907). In: Idem, 1976, p. 117-131. v. 9;
ver também ID. A disposição à neurose obsessiva. Uma contribuição ao problema da escolha da neurose
(1913). In: Idem, 1969. p. 391-409. v. 12.
14. RYCROFT, C. Dicionário crítico de Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1975, p. 35.
15. LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. Vocabulário da Psicanálise. 4. ed. Lisboa: Moraes Edito-
res, 1977, p. 41.
806 K. Körner. A violência da religião
23. O primeiro a falar deste trauma foi RANK, O. Das Trauma der Geburt und seine Bedeutung für
die Psychoanalyse. Leipzig; Wien; Zürich: Internationaler Psychoanalytischer Verlag, 1924.
24. LEÃO, S.C. Infância, latência e adolescência. Temas de Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago,
1990. p. 47.
25. DOLTO, F.; NASIO, J.D. A criança do espelho. Porto Alegre, Artes Médicas, 1991. p. 10.
26. Ver aqui: FREUD, S. Projeto para uma Psicologia científica (1895). In: Idem, 1977. p. 379-
517. v. 1; ID. A interpretação de sonhos (1900). In: Idem, 1996, especialmente cap. IV, p. 143-172. v. 4;
ID. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental (1911) In: Idem, 1969. p. 271-286.
v. 12; ID. O inconsciente (1915) In: Idem, 1974, p. 183-245. v. 14; ID. O ego e o id (1923). In: Idem,
1996. p. 11-83. v. 19; ID. Esboço de psicanálise (1938-40). In: Idem, 1975. p. 163-237. v. 23; Ver tam-
bém: KÖRNER, K. Algumas considerações psicanalíticas sobre os distúrbios da comunicação. In: PAI-
VA, A.F. de et al. Distúrbios de comunicação. Estudos interdisciplinares. São Paulo: Cortez, 1981. p. 127s.
808 K. Körner. A violência da religião
termo latim invidia, que pode ser traduzido como “visão interna”. Na
inveja só se veem as próprias imagens mentais que são tratadas como
se fossem as próprias coisas e pessoas vistas no mundo exterior. Aqui,
o olhar se torna o meio pelo qual se toma posse de pessoas e coisas.
Entendida assim, a inveja é a característica essencial da mente infantil.
Para a criança, coisas e pessoas, quando avistadas, já são da posse dela.
Coisas e pessoas servem a ela somente como “objetos” que fazem parte
de sua imaginação. Esta prática infantil corresponde à inveja. A inveja
é a força que estrutura a imaginação e o inconsciente humano. Isto se
manifesta claramente nos sonhos. Com efeito, nestes, tudo aparece e é
visto em forma de imagens. Considerando o sonho um fenômeno nor-
mal, a inveja, que fornece a explicação de seu processo, também deve
ser vista como normal em todos os seres humanos. O sonho representa
então a regressão da mente à sua estrutura mais primitiva. Entretanto,
após a infância, a atuação de inveja manifesta a fixação ao estágio mais
primitivo do desenvolvimento psíquico.
As mais conhecidas concepções de narcisismo são as de S. Freud e
Heinz Kohut. Para Freud, o narcisismo é a mais primitiva etapa do de-
senvolvimento psíquico. O narcisismo absoluto, segundo ele, substitui
a união uterina, ou constrói, por meio de imagens mentais, um útero
ideal. No narcisismo primário, segundo Freud, não há diferenciação
entre o ego e os objetos, havendo, sim, fusão entre eles. No narcisismo
secundário, por sua vez, há distinção entre o ego e os objetos, sendo
estes últimos controlados pela imagem onipotente do ego.27 Em Freud,
o narcisismo define-se a partir da não relação com objetos, com outras
pessoas, com o mundo externo.
Diferente de Freud, H. Kohut entende o narcisismo a partir do “in-
vestimento libidinal do Self ”, sendo esse considerado “uma estrutura
dentro da mente”, ou “um conteúdo do aparelho mental”.28 Tanto o
Self quanto seus objetos são idealizados, ou seja, o Self se idealiza como
imagem perfeita e onipotente, fusionando-se com seus objetos igual-
mente vistos como imagens perfeitas e onipotentes. A grandiosidade
do Self é exibida para este ser admirado por seus objetos idealizados. O
“discurso totalizante” do narcisismo, pois, visa “a incondicionalidade da
27. FREUD, S. Sobre o narcisismo: uma introdução (1914). In: Idem, 1974. p. 83-119. v. 14.
28. KOHUT, H. Self e narcisismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. p. 7; ver também KOHUT, H.
Análise do Self. Rio de Janeiro: Imago, 1988. p. 36.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 809
36. BLEICHMAR, H. Depressão. Um estudo psicanalítico. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
1987. p. 66.
37. MARUCCO, N.C. Narcisismo, escisión del Yo y Edipo. Una introducción a manera de epílo-
go. Revista de Psicoanálisis, Buenos Aires, v. 35, n. 2, p. 221-250, aqui, 249, 1978.
38. FISCHEDICK, H. A culpa como oportunidade para uma nova vida. Começar de novo. Petró-
polis: Vozes, 1991. p. 42.
39. LACAN, J. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 33 e 43.
40. BLEICHMAR, H. O narcisismo. Op. cit., p. 61 e 70.
41. Lacan, J. O mito individual do neurótico. 2. ed. Lisboa: Assírio e Alves, 1987. p. 63.
42. GREEN A., Narcisismo de vida e narcisismo de morte. São Paulo: Escuta, 1988. p. 201; ID.
Sobre a loucura pessoal. Rio de Janeiro: Imago, 1988. p. 124s.
43. ID. Sobre a loucura pessoal. Op. cit., p. 137.
44. PICHON-RIVIÉRE, E. Teoria do vínculo, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 59; ver
também POMMIER, G. Freud apolítico? Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. p. 119.
45. DANTAS JR., A.A. A psicanálise e as novas formas de experiência humana determinadas pela
globalização. Revista Brasileira Psicanálise, São Paulo, v 36, n. 1, 2002, p. 67-79, aqui, 77.
46. LASCH, C. A cultura do narcisismo. A vida americana numa era de esperança em declínio. Rio
de Janeiro: Imago, 1983; GREEN, A. Narcisismo de vida e narcisismo de morte. Op. cit., p. 147.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 811
lização das imagens dos pais a custo de assumir a culpa pelo que estes
fizeram. Pais violentos que maltratam as crianças e o abandono ou a perda
dos pais sempre são associados à culpa das crianças. A sociedade e tam-
bém sua religião negam a violência que elas mesmas produzem, projetan-
do-a em cidadãos e fiéis, ou em determinados grupos e povos. A culpa dá
razão às imagens idealizadas de pais, sociedade e religião, e isto no intuito
irracional de obter atenção e amor.47
Instituições sociais, políticas e religiosas podem ser extremamente
violentas no empenho de imporem ideais de comportamento a seus
membros. O objetivo sempre é o de manter a dependência total de
pessoas. Na infância, a agressividade é punida com a ameaça da perda
do amor dos pais. Deste modo, confunde-se amor com dependência.
Ir contra o ideal imposto desperta culpa e angústia. A intensidade da
violência também depende do ambiente social e cultural.48 É relativo o
que se considera violência, pois o que numa sociedade pode ser permi-
tido, em outra, pode ser visto como crime. Um grupo pode achar que
uma “pessoa boa” seja aquela que reprime e nega sua agressividade, ao
passo que outro grupo considera bom aquele que usa sua agressividade
para alcançar um objetivo. Para grupos fanáticos pode ser normal matar
outras pessoas que rejeitam seu ideal de ação, o que, do contrário, para
outros é crime condenável.
A camada mais profunda do inconsciente da sociedade é o narci-
sismo e a inveja que o estrutura. Isto significa que também o estado
de culpa faz parte do inconsciente da sociedade. No inconsciente, a
idealização das imagens projetadas em cima da sociedade representa a
mãe uterina; a culpa, por sua vez, se identifica com a imagem do pai. S.
Freud só enfatizou a importância do pai e da culpa que está associada
a ele, negligenciando, por isso, a “função materna” da sociedade. Deste
modo, conserva-se a dependência irracional da sociedade, não tendo
esta, p. ex., condições de enxergar a injustiça social. Ciro Marcondes
Filho descreve o inconsciente da sociedade dentro da idealização e da
culpa do narcisismo. O narcisismo dos dominantes produz a culpa nos
dominados, aumentando deste modo a dependência destes e, eventual-
mente, a pobreza. Sendo a revolta dos dominados associada à sua culpa,
47. Ver aqui também GOLDKORN, R.B.O. O poder da vingança. Como usar a energia da vin-
gança a favor e não contra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
48. NOLTING, H.-P. Psychologie der Aggression. Warum Ursachen und Auswege so vielfältig sind.
Hamburg: Rowolt, 2015. p. 186.
812 K. Körner. A violência da religião
49. MARCONDES FILHO, C. A produção social da loucura. São Paulo: Paulus, 2003.
50. Ver as diversas contribuições em AMORETTI, R. (Org.). Psicanálise e violência. Metapsicolo-
gia – clínica – cultura. Petrópolis: Vozes, 1992.
51. DURKHEIM, É. As formas elementares de vida religiosa. O sistema totêmico na Austrália. São
Paulo: Paulinas, 1989. p. 31.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 813
61. PEREIRA, W.C.C. A formação religiosa em questão. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 132-133.
62. MARX, K. Teses sobre Feuerbach. In: ID; ENGELS, F. Sobre a Religião. 2. ed. Lisboa: Edições
70. p. 77-81.
63.HINKELAMMERT, F.J. A maldição que pesa sobre a lei. As raízes do pensamento crítico em
Paulo de Tarso. São Paulo: Paulus, 2012. p. 145.
64. Ibid., p. 146.
65. DUSSEL, E.D. Para uma ética da libertação latino-americana. V: Uma filosofia da religião
antifetichista. São Paulo; Piracicaba: Loyola; Unimep, 1980. p. 47.
66. Ibid., p. 48.
67. Ibid., p. 53.
68. ASSMANN, H. Desafios e falácias. São Paulo: Paulinas, 1991. p. 24-25.
69. ID. Teología desde la praxis de la Liberación. Salamanca: Sígueme, 1973. p. 192.
70. ID. Tecnología y poder en la perspectiva de la Teología de la Liberación. San José: Ed. Universitaria
Centro Americana, 1979. p. 40 (Col. DEI – Tecnologia y necesidades básicas).
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 815
71. HINKELAMMERT, F.J. As armas ideológicas da morte. São Paulo: Paulinas, 1983.
72. KAKAR, S. Die Gewalt der Frommen. Zur Psychologie religiöser und ethnischer Konflikte.
München: Beck, 1997. p. 258-259.
73. Ibid., p. 293 e 296.
74. Ibid., p. 296; ver também CONZEN, P. Fanatismus. Psychoanalyse eines unheimlichen Phä-
nomens. Stuttgart: Kohlhammer, 2005.
75. BINGEMER, M.C.L. Crer depois do 11 de setembro 2001. Atualidade da violência nas três
religiões monoteístas. In: PEREIRA, M.S.; SANTOS, L. de A. (Org.). Religião e violência em tempos de
globalização. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 99-135, aqui, 103-104; ver também BINGEMER, M.C.L.
(Org.). Violência e religião. Cristianismo – Islamismo – Judaísmo. Três religiões em confronto e diálogo.
São Paulo; Rio de Janeiro: Loyola; Editora PUC Rio, 2001.
76. REGIDOR, J.R. Vinte e cinco anos de Teologia da Liberação. In: BOFF, L.; REGIDOR, J.R.;
BOFF, C. A teologia da Libertação. Balanço e Perspectivas, São Paulo: Ática, 1996. p. 79.
77. CRAWFORD, R. O que é religião? Petrópolis: Vozes, 2005. p. 130.
78. Ibid., p. 138.
79. Religião – fonte de violência? Concilium, Petrópolis, v. 272, n. 4, 1997.
816 K. Körner. A violência da religião
que ela é usada para fins violentos.80 Segundo essa autora, “a violência
e a coerção... estão no cerne da existência social, e, na maior parte das
culturas antigas, essa verdade era expressa por rituais sangrentos de sa-
crifícios de animais.81 Em seu livro, “Interrupção da violência”, também
Hans-Martin Gutmann afirma que a religião não produz violência,
mas, pelo contrário, a supera.82
95. QUEIRUGA, A.T. O diálogo das religiões. São Paulo: Paulus, 1997. p. 71.
96. Ibid., p. 75.
97. COMBLIN, J. Jesus libertador numa visão da teologia pluralista. In: TOMITA, L.E.; VIGIL,
J.M.; BARROS, M. (Org.). Teologia latino-americana pluralista da libertação. São Paulo: Paulinas, 2006.
p. 142 e 147.
98. Ibid., p. 133.
99. Ibid., p. 136.
100. GIRARD, R. A violência e o sagrado. São Paulo: Paz e Terra; Editora Universidade Estadual
Paulista, 1990; ID. Das Ende der Gewalt. Analyse de Menschheitsverhängnisses. Freiburg im Breisgau:
Herder, 1983.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 819
2. O conceito de religião
Quase todos entendem a religião como criação humana, embora
falem de seres superiores, de deuses e Deus. Ouve-se muitas vezes que,
falando de deus ou daquele que cada religião entende como tal, todas
as religiões sejam iguais e boas. Entretanto, há uma enorme diferença
entre as imagens de deus ou do ser superior de cada religião. Sendo as-
sim, a explicação do termo religião a partir da etimologia das palavras
latinas “religare” ou “religere” precisa ser tratada com cautela. “Religare”
significa ligar-se novamente a deus ou a alguma instância superior, ao
passo que “religere” aponta mais o sentido de se juntar, recolher.107 A
respectiva imagem de deus nas diversas religiões depende em muito de
circunstâncias e “possibilidades culturais”.108
Há inúmeras definições de religião! Algumas enfatizam mais o saber
da religião, que, de um lado, dá respostas às perguntas sobre a origem, o
destino da humanidade, do mundo, do outro e determina o comporta-
mento humano.109 Alguns autores entendem a religião a partir da busca
de um sentido ou como satisfação do desejo humano. Assim Rubem
Alves entende a religião como “teia de desejos”, sendo o desejo “sintoma
de privação, de ausência”.110 Na religião, os desejos se satisfazem por
meio da fantasia e da imaginação.111
Na opinião de Ludwig Feuerbach, “a religião é o sonho do espírito
humano”, não é loucura porque o homem não é loucura! Para uma
sociedade que prefere “a imagem à coisa, a cópia ao original, a fantasia
à realidade, a aparência à essência..., sagrada é somente a ilusão, mas
profana a verdade”.112 Na religião, Deus é homem, motivo pelo qual, na
verdade, esta nega Deus, colocando o homem no lugar dele.113 “A cons-
ciência de Deus é a consciência que o homem tem de si mesmo. “Pelo
107. JASPARD, J.-M. A natureza simbólica das representações religiosas. In: PAIVA, G.J. de; Zan-
gari, W. (Org.). A representação na religião: perspectivas psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004. p. 51-72,
aqui, 51; ver também HOUTART, F. Mercado e Religião. São Paulo: Cortez, 2003. p. 20.
108. QUEIRUGA, A.T. Do terror de Isaac ao Abbá de Jesus. Por uma nova imagem de Deus. São
Paulo: Paulinas, 2001. p. 35; ver também GOMES, P.R. O Deus im-potente. O sofrimento e o mal em
confronto com a cruz. São Paulo: Loyola, 2007. p. 63.
109. FREI BETTO. Mística e espiritualidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 85.
110. ALVES, R. O que é religião. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 19 e 22.
111. Ibid., p. 30.
112. FEUERBACH, L. A essência do cristianismo. Campinas: Papirus, 1988. p. 31.
113. Ibid., p. 29.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 821
137. GUTIÉRREZ, G. A força histórica dos pobres. Petrópolis: Vozes, 1981, p. 138; assim também
RICHARD, P. A força espiritual da Igreja dos pobres. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 73; ver também ID;
IRARRÁZAVAL, D. Religião e política a América Central. São Paulo: Paulinas, 1983. p. 11.
138. SEGUNDO, J.L. O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré. I: Fé e Ideologia. São Paulo:
Paulinas, 1985. p. 65, nota 22.
139. Ver aqui, SUESS P. (Org.). A conquista espiritual da América Espanhola. 200 documentos –
Século XVI. Petrópolis: Vozes, 1992.
140. BALASURYA, T. Revelação e revelações. In: TOMITA, L.E.; VIGIL, J.M.; BARROS, M.
(Org.). Teologia latino-americana pluralista da libertação. Op. cit., p. 30.
141. BINGEMER, M.C.L. (Org.). Violência e religião. Cristianismo, Islamismo, Judaísmo, Rio de
Janeiro; São Paulo: Editora PUC-Rio; Loyola, 2001.
824 K. Körner. A violência da religião
b) A violência da religião do AT
A partir de Gn 4, a religião exige que ofereçam sacrifícios, no intuito
de aplacar a ira divina, pagando a culpa. Gn 4 ilustra bem, no exemplo
de Caim, como a culpa impõe a violência. O sacrifício não agrada a
143. Epopeia de Guilgamech, Trad. Norberto de Paula Lima. São Paulo: Hemus, s/d. p. 142;
GRESSMANN, H. (Ed.). Altorientalische Texte zum Alten Testament. 2. Auf. Berlin; Leipzig: Walter de
Gruyter & Co, 1970. p. 179
826 K. Körner. A violência da religião
deus, o que aumenta a culpa de Caim, a ponto de ter que matar o irmão.
Segundo o texto de Gn 4, Caim é rejeitado por Deus, aparentemente
só porque é agricultor. O estado de culpa não apenas destrói a vítima,
mas também impõe a paranoia a quem comete o ato proibido.144 Ao
mesmo tempo, porém, Deus protege Caim de seus inimigos. Gn 6–9
potencializa a violência religiosa em forma do dilúvio. A partir de Gn
12, começa a história da escolha de Israel como “povo eleito”. Somente
a esse povo eleito Deus ajuda de forma eficiente e poderosa, castigando
e destruindo outros povos. A história do Êxodo e da conquista da “terra
prometida” são exemplos evidentes disso. Ao mesmo tempo, o próprio
povo de Israel é violentamente castigado, quando não segue as leis de
seu Deus.
Em seu livro “Os conteúdos escuros de Deus”, os autores145 apon-
tam as diversas imagens da fúria do narcisismo divino. Eles citam o que
Raymund Schwager resume: ”Nos livros do AT se encontram ... cerca
de mil passagens em que se destaca a ira de Deus. Ele pune com morte
e extermínio e julga como um fogo devorador, é vingativo e ameaça
destruição; nenhum outra recorrência surge mais vezes do que a fala da
atuação sangrenta de Deus”.146 Deus é mesmo guerreiro violento (Ex
15,3; Sl 2,8s; 1 Sm 15,3; Is 34,2)!
Com certeza, a violência do Deus de Israel também se entende
a partir da realidade desse povo. Em comparação com outros povos,
Israel é pequeno e politicamente insignificante. Muitas vezes, em sua
história, foi invadido, subjugado e escravizado. Sua real impotência o
levou a cultivar um enorme narcisismo que foi projetado em Deus.
A meu ver, o AT pode ser entendido, de um lado, como ilustração
do inconsciente narcisista de pequenos e insignificantes e, do outro,
como manifestação de uma realidade infantil, escondida na religião,
que precisa ser tornada consciente. É esse inconsciente que sufoca a
força da vida e do amor com a qual, segundo Gn 1, o homem foi
criado e que Jesus enfrenta na religião. A religião de Israel serve como
modelo de todas as religiões!
144. ESTRADA, J.A. Da salvação a um projeto de sentido. Como entender a vida de Jesus. Petró-
polis: Vozes, 2016. p. 100.
145. DIETRICH, W.; LINK, C. Die dunklen Seiten Gottes. Willkür und Gewalt. Neukirchen-
Vlyn: Neukirchener, 1995.
146. Ibid., p. 77.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 827
147. Aqui cito somente alguns dos muitos livros que tratam da relação de Jesus com a religião:
VERMES, G. A religião de Jesus, o judeu. Rio de Janeiro: Imago, 1995; ID. Jesus e o mundo do judaís-
mo. São Paulo, Loyola, 1996; VOLKMANN, M. Jesus e o Templo. São Leopoldo; São Paulo: Sinodal;
Paulinas, 1992; CROSSAN. J.D. Jesus, uma biografia revolucionária. Rio de Janeiro: Imago, 1995;
HORSLEY, R.A. Jesus e a espiral da violência. Resistência judaica popular na Palestina Romana, São
Paulo: Paulus, 2010.
148. ESTRADA, J.A. Da salvação a um projeto de sentido. Op. cit., p. 95.
149. Ibid., p. 241.
828 K. Körner. A violência da religião
150. Cito aqui somente os seguintes livros: ANDRADE, A.L.P. de. Eis que faço novas todas as coi-
sas. Teologia apocalíptica, São Paulo: Paulinas, 2012; BROOK, W.H.; GWYTHER, A. Desmascarando
o imperialismo. Interpretação do Apocalipse ontem e hoje. São Paulo: Paulus, 2003; MESTERS, C.;
OROFINO, F. Apocalipse de João. A teimosia da fé dos pequenos. Petrópolis: Vozes, 2002; RICHARD,
P. Apocalipse. Reconstrução da esperança. Petrópolis: Vozes, 1996; VÖGTLE, A. Das Buch mit den sie-
ben Siegeln. Die Offenbarung des Johannes in Auswahl gedeutet. Freiburg; Basel; Wien: Herder, 1985.
151. JUNG, C.G. Antwort auf Hiob. 2. Aufl. Olten: Walter, 1973. p. 470 (GW, 11).
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 831
165. HERRMANN, H. Sex und Folter in der Kirche. 2000 Jahre Folter im Namen Gottes. 3. Aufl.
München: Bassermann, 2013, especialmente, p. 297s.
166. SCHERER, D.O. Sabatina Folha – Teologia da Libertação já passou. Entrevista concedida a
Suzana Singer et al. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 abr. 2007, p. A 10; ID. É difícil separar religião e
política. Entrevista concedida a Paulo Bonelli. O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 abr. 2012.
167. SOBRINO, J. A fé em Jesus Cristo. Ensaio a partir das vítimas. Petrópolis: Vozes, 2000 (Col.
Teologia e Libertação. Série II: O Deus que liberta o seu povo).
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 802-836, Out./Dez. 2017 835
168. DREWERMANN, E. Der Krieg und das Christentum. Op. cit., p. 284; HÄRING, B.; SA-
VOLDI, V. O Evangelho que nos cura: diálogo sobre a não-violência. São Paulo: Paulinas, 1992. p. 304;
Ver também TERRIN, A. (Org.). Liturgia e terapia. A sacramentalidade a serviço do homem na sua
totalidade. São Paulo: Paulinas, 1998.
836 K. Körner. A violência da religião
169. Ver KLEIN, M. Contribuições à psicanálise. São Paulo: Mestre Jou, 1970; ID. Psicanálise da
criança. São Paulo: Mestre Jou, 1975; ID. Inveja e gratidão. Rio de Janeiro: Imago, 1974;
170. DREWERMANN, E. Der Krieg und das Christentum. Op. cit., p. 307-309.
171. LÜTZ, M. Der blockierte Riese. Psycho-Analyse der kaholischen Kirche. München: Pattloch,
2014.