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I. Introdução.
Os acidentes provocados por animais peçonhentos são freqüentes, mesmo nas áreas
metropolitanas. Os números apresentados nas estatísticas oficiais não apresentam a
realidade, devido à subnotificação, principalmente nas localidades do interior, mais
distantes das grandes cidades, onde esses acidentes costumam ser tratados por métodos
caseiros ou “simpatias”.
Apenas no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte, Minas Gerais, foram atendidos,
em três anos (1995, 1996 e 1997): 515 casos de ofidismo (sendo 241 por serpentes
peçonhentas e 274 por não-peçonhentas); 2.370 casos de escorpionismo; 491 de araneísmo;
244 casos de acidentes por abelhas; 469 de erucismo (acidentes com lagartas), além de
numerosos casos de picadas por outros insetos. O maior número de casos situou-se entre os
meses de setembro e março.
Lembramos que animal venenoso e animal peçonhento podem ser considerados a
mesma coisa, porém achamos correto o conceito que considera peçonhento aquele animal
que possui aparelho inoculador da peçonha ou veneno, e venenoso o que não tem tal
aparelho, embora possua o veneno. Abordaremos neste capítulo os acidentes por animais
peçonhentos mais freqüentes e importantes em nosso meio, ou seja, aqueles causados por
serpentes, aranhas, escorpiões, vespas, abelhas e lagartas urticantes.
II. Ofidismo.
No Brasil são notificados, anualmente, cerca de 20.000 casos. Existem muitos mitos
a respeito das serpentes e seus acidentes. Isto, de certa maneira, prejudica a difusão do
modo correto de se atender um paciente picado por cobra. Os erros básicos são cometidos
desde os primeiros minutos do acidente (geralmente por leigos) até o atendimento
hospitalar.
Apesar da dificuldade de atendimento a esses pacientes, que com freqüência não
informam bem a respeito do animal agressor, seguindo um raciocínio objetivo e prestando
bastante atenção à anamnese, ao quadro clínico e aos exames laboratoriais, pode-se quase
sempre identificar o gênero da serpente. Neste momento poderá ser utilizado o soro
específico, ou até mesmo dispensado o seu uso ao se concluir tratar-se de mordida de
serpente não venenosa ou acidente sem inoculação de veneno (dry bite*).
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*Estão em implantação testes de ELISA capazes de detectar presença de venenos na
circulação, assim como quantificação e identificação do gênero do animal.
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Se não forem possíveis outras provas para o estudo da coagulação, poderá ser
realizado apenas o tempo de coagulação (TC), que permite uma avaliação razoável, apesar
de suas limitações.*
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*A permanência de provas de coagulação alteradas de seis a 12 horas após a soroterapia
conduz à aplicação de soro adicional.
2. Quadro clínico. Varia com a quantidade de veneno injetada. Sempre há dor no local, que
pode ser o único sintoma, geralmente acompanhada de equimose e edema. Segue-se o
surgimento de flictenas e necrose de partes moles. Se há grande inoculação de veneno
(como nos acidentes com jararacussu), o sangue pode tornar-se incoagulável e causar
epistaxe, gengivorragias, petéquias, sangramentos de lesões recentes e impetiginosas e,
mais raramente, sangramentos com repercussões clínicas importantes. Deve-se ter cuidado
especial com pacientes grávidas, pelo risco de sangramento e aborto. Alguns dias após pode
haver formação de abscessos ou necrose extensa dos tecidos moles da região, requerendo
tratamento cirúrgico mais agressivo. Muitas vezes, o paciente não consegue fornecer dados
conclusivos sobre a serpente; nestes casos, o médico deve orientar-se pelo quadro clínico e
pelas provas de coagulação. Nos acidentes crotálicos não há alterações locais, e o paciente
normalmente não se queixa de dor na área atingida, ao contrário do acidente botrópico, em
que há dor local e quase sempre o paciente já chega para o atendimento com edema na
região atingida.
3. Tratamento. No hospital, tão logo o paciente dê entrada no ambulatório, deve-se retirar
sangue para as provas e aplicar o soro imediatamente, se já existem evidências do acidente
pela serpente peçonhenta, avaliando-se dose complementar com a evolução clínica e o
resultado de exames. É conveniente que o paciente fique hospitalizado por três a cinco dias,
período em que normalmente pode ocorrer insuficiência renal. Muitas vezes, desenvolvem-
se edema acentuado na área atingida (que pode progredir, comprometendo o membro
inteiro), abscessos e necrose extensa.
Para regressão do edema deve-se colocar o paciente em repouso com o membro
atingido elevado — a maior parte dos acidentes ofídicos atinge o terço inferior dos
membros inferiores. Os abscessos deverão ser drenados tão logo se encontrem em
condições de flutuação.
Quando a lesão é grave, com grande proteólise e infecção secundária, faz-se
necessário um tratamento mais agressivo. Adotamos a seguinte conduta: (a) limpeza
exaustiva com soro fisiológico e solução à base de PVPI (p. ex., Povidine®; (b)
desbridamento amplo da área necrosada e eliminação de todo o material purulento; (c)
retirada do excesso da solução PVPI com soro fisiológico; (d) aplicação de uma fina
camada de sulfadiazina de prata, nitrato de prata ou qualquer pomada à base de PVPI; e (e)
o enfaixamento do local sem compressão.*
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*O uso de substâncias à base de mercúrio ou timerozal (Merthiolate®) foi abolido no
tratamento das feridas. Também as pomadas comerciais contendo antibióticos tipo
aminoglicosídeos e/ou cloranfenicol devem ser evitadas, pois selecionam germes resistentes
que podem complicar o tratamento ou causar efeitos colaterais imprevisíveis. Este curativo
deverá ser feito duas ou três vezes ao dia, quando a lesão for muito extensa, com infecção
secundária e grandes repercussões no estado geral do paciente. Nestes casos, é necessário
que se faça tratamento sistêmico paralelo, através de antibioticoterapia, usando-se, por
exemplo, cefalosporina de primeira geração ou cloranfenicol. Não devemos esquecer de
solicitar a bacterioscopia pelo Gram e cultura com antibiograma de secreção, para nos
orientarmos quanto à antibioticoterapia mais adequada; infusão de líquidos, e eletrólitos e
sangue, quando o paciente está muito espoliado. Estas lesões podem evoluir com grandes
perdas de substâncias, sendo necessários posteriormente, se não tratadas com afinco,
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enxerto e até mesmo amputação do membro atingido. A internação se justifica também pelo
risco da necrose cortical que pode ocorrer nos acidentes botrópicos, com conseqüente
insuficiência renal aguda, tornando-se, portanto, imprescindível o acompanhamento do
paciente com provas laboratoriais, visando à função renal, além da avaliação clínica.
Os filhotes de cobras do gênero Bothrops, às vezes também conhecidas como
jararacas-dorabo- branco, por possuírem cauda desta cor, têm veneno mais coagulante do
que proteolítico. Por isso, se o paciente chega ao hospital dizendo que foi picado por cobra
pequena, e não apresenta sintomatologia alguma, antes de interpretar o acidente como por
serpente não-peçonhenta, devem-se fazer provas de coagulação. Pode-se estar diante de
caso de gravidade moderada, sem que o paciente apresente qualquer sintomatologia.
4. Prognóstico. Quando o paciente faz uso de soroterapia específica corretamente,
diminuem bastante as complicações relacionadas ao efeito proteolítico e,
conseqüentemente, o tempo de hospitalização. A mortalidade nos casos não tratados é de
cerca de 8%.
D. Acidente laquético. Causado por serpentes encontradas geralmente na Amazônia e na
Mata Atlântica, Lachesis muta muta (surucucu) e Lachesis muta rhombeata (surucucutinga).
Seu veneno é proteolítico, coagulante e possivelmente neurotóxico. Os acidentes não são
muito freqüentes, principalmente porque estas grandes serpentes (podem atingir até dois
metros de comprimento) habitam geralmente áreas de grandes florestas, com poucos
habitantes.
1. Tratamento. Soro antilaquético (produzido no Instituto Butantã) deve ser aplicado nas
doses de 75 U, 150 U, ou 300 U, de acordo com o quadro: leve, moderado ou grave,
respectivamente. O tratamento cirúrgico, se necessário, deve ser feito como já descrito no
ofidismo botrópico. De modo geral, a abordagem seguirá os procedimentos realizados nos
acidentes botrópico e crotálico, já que seu veneno possui as duas características.
E. Acidente crotálico. No Brasil, as serpentes do gênero Crotalus são representadas pela
cascavel, cujo veneno é neurotóxico.
1. Fisiopatologia e quadro clínico. A peçonha das serpentes do gênero Crotalus em nosso
meio, Crotalus durissus terrificus, possui ação miotóxica, ocasionando rabdomiólise
sistêmica, liberando mioglobina (mioglobinúria), e ação nefrotóxica direta, ocasionando
lesão tubular e insuficiência renal.
Causa lesões reversíveis, como ptose palpebral, perturbação visual (visão turva e
diplopia), dor cervical, obnubilação, torpor, odinofagia e dores musculares. Pode haver
parada respiratória.
O paciente picado por cascavel não apresenta alterações locais e normalmente não
se queixa de dor importante na área picada, relatando apenas parestesia. Temos observado
que o ofidismo crotálico constantemente leva a alterações na coagulação, com fibrinopenia.
Poucas horas após, o paciente pode apresentar fácies neurotóxicas, mas as alterações
urinárias não surgem normalmente antes da 12ª hora.
2. Tratamento. Atualmente consideramos os acidentes crotálicos como leves, moderados
ou graves. É imprescindível que a soroterapia seja feita rapidamente. Devem-se realizar os
testes conforme citados no acidente botrópico e, se possível, CPK, LDH e TGO cujas
alterações auxiliam na avaliação clínica, como também em alguns diagnósticos diferenciais
de quadros clínicos incaracterísticos.*
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*O paciente, dependendo do tempo após a picada, pode chegar ao hospital assintomático.
Mesmo assim, se há certeza de picada por cascavel, e o tempo entre a picada e a chegada ao
hospital for pequeno (cerca de uma hora), deve ser considerada de gravidade leve a
moderada, aplicando-se o soro com presteza, sem esperar que apareça a sintomatologia para
medicar posteriormente. Todo paciente vítima de acidente crotálico deve ser internado em
sala de observação ou Unidade de Tratamento Intermediário (UTI). Mesmo assintomático,
ele não pode receber alta logo após a soroterapia. Em casos de insuficiência renal aguda,
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sendo causa de profundo mal-estar. À exceção da região ventral, podem estar distribuídas
em tufos de seis a oito para cada somito ou de forma homogênea por todo o corpo.
Pertencem principalmente a três famílias: Megalopygidae (g. Podalia sp.), Saturniidae (g.
Lonomia sp.) e Arctiidae (Premolis semirufa).
A maioria dos acidentes com lagartas urticantes ocorre no verão e no início do
outono, quando as larvas eclodem de seus ovos. Elas podem ser encontradas em goiabeiras,
abacateiros, nogais, cajueiros, roseiras, cafeeiros, eucaliptos, figueiras, bananeiros,
mamoeiros, mandioqueiras, seringueiras, etc.*
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*A abordagem dos acidentes com as lagartas do gênero Lonomia sp. será feita
separadamente, devido às diferentes características do veneno e sua importância
toxicológica.
A. Aspectos toxicológicos do veneno. Princípios ativos do veneno das espículas e da
hemolinfa: histamina, acetilcolina e plasmocinina; provavelmente também uma
toxialbumina e uma enzima proteolítica não bem diferenciadas laboratorialmente.
B. Quadro clínico. As vítimas de erucismo (do grupo ERUGA: lagarta) são crianças
desavisadas que tocam as lagartas com as mãos e outros indivíduos que, acidentalmente, se
encostam ou comprimem sua pele contra as lagartas em pomares e jardins ou plantações. Os
sintomas clínicos variam acentuadamente e dependem de uma gama de fatores: das espécies
e dos diferentes tipos de pêlos que as cobrem, da qualidade do veneno, da duração do
contato, da pressão exercida pela lagarta sobre a vítima, ou de todos juntos. A despeito da
diversidade de manifestações, um quadro clínico geral é observado.
1. Sintomas subjetivos. Estes incluem uma sensação de queimação de intensidade
moderada, com ou sem prurido importante, até uma dor em queimação ou perfurante
significativa, que pode permanecer por horas e ser acompanhada ou seguida por prurido de
maior ou menor relevância. Certos pacientes apresentam dor insuportável com irradiação
pelo trajeto dos nervos.
2. Sinais objetivos. Uma série de mudanças pode ser observada sucessivamente nos
elementos dermatológicos, a saber: eritema de maior ou menor intensidade, pequenas
pápulas sobre a área edemaciada, placa urticariforme, vesículas, bolhas, petéquias e pápulas
avermelhadas estéreis, sendo estas seguidas por erosão secundária, escoriação, descamação
e pigmentação. Este quadro clínico pode ser complicado pela infecção secundária. Entre
estes fenômenos não é incomum observarem-se mal-estar geral, insônia, febre, náuseas,
vômitos e espasmos musculares. Podem ocorrer neurites local e regional, tais como
parestesia, anestesia, paresia e, às vezes, paralisias, todas de caráter temporário.
C. Tratamento. Não há antídoto específico. O tratamento é essencialmente sintomático.
Impõe-se a remoção da lagarta com certo cuidado, lembrando que sua face ventral não
oferece riscos. A limpeza da área exposta deverá ser cuidadosa. É importante citar que a dor
local não só é determinada pela irritação das terminações nervosas sensitivas, estimuladas
pela ação direta do veneno, mas também pela trepidação das cerdas no local sensibilizado,
provocadas pelo ar circulante, o que indica a raspagem do local com lâmina de barbear ou
bisturi, de forma rápida e precisa, para evitar a dor intensa que a manipulação desnecessária
determina. Na impossibilidade de raspagem do local (sobrancelhas, áreas de difícil
manipulação ou previamente acometidas por outras doenças), pode ser aplicada uma
pomada de vaselina.
As dermatites não-complicadas podem ser tratadas com loções fracamente ácidas
e/ou com características sedativas, as quais são geralmente satisfatórias. Temos utilizado
uma locação de hipossulfito de sódio a 50%, como indicado no tratamento dos casos de
lepidopterismo, com um bom índice de melhora.
A aplicação desta loção na primeira meia hora após o acidente leva à abolição do
prurido e ao rápido desaparecimento das lesões cutâneas elementares. A aplicação local de
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