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A CURA PELA PALAVRA 

Paulo Sergio Rosa Guedes 1

A cura pela palavra – a psico-análise2 - é a arte de dar (restituir)


a uma pessoa a alma que ela tem. (Ou possibilitar-lhe não mais
sentir vergonha de si mesma).

1. Breve histórico do termo “talking cure” e do nascimento da psico-análise

A cura pela palavra, isto é, a possibilidade de tratar de doenças através da


conversa – “talking cure”3 – estabeleceu-se no mundo médico a partir das
investigações de Sigmund Freud no final do século XIX. Mais precisamente, em
1896, num trabalho escrito em francês (2), o grande médico vienense usou pela
primeira vez o termo psico-análise, vislumbrando como, através de conversas “com
alma” – psiche – poderia encaminhar a cura das perturbações mentais. É assim que
Elisabeth Roudinesco conceitua textualmente o verbete psicanálise, em seu precioso
dicionário (5): “Termo criado por Sigmund Freud, em 1896, para nomear um
método particular de psicoterapia (ou tratamento pela fala) ...”

Todos sabemos, e há muito, a importância em nossas vidas de podermos ter


uma boa conversa – com alma, eu diria – e o quanto isto muitas vezes nos ajuda, nos
conforta, e até nos soluciona problemas. As pessoas que têm dificuldade em falar,
em se “abrir”, muitas vezes não conseguem sair do emaranhado que criam – pelo
silêncio – no tecido de seus pensamentos. Acabam dando um “nó” em suas vidas, e
sentem-se mesmo “sem saída”, como dizem, sem perceber que necessitam é abrir
uma “entrada” para a sua alma através da conversa.

Foi com base neste fato de nossas vidas – a importância da conversa – que
acabou se desenvolvendo a “talking cure”, a cura pela palavra. É óbvio que não foi
Sigmund Freud quem inventou a conversa; mas foi ele, indiscutivelmente, quem
soube sistematizar o uso da conversa – e, especialmente, da conversa com alma –
com o objetivo de minorar os sofrimentos de seus primeiros pacientes. E assim
descobriu uma nova forma, hoje já perfeitamente estabelecida, de enfrentar os
problemas causados pelas perturbações mentais. Dito em outras palavras, a
possibilidade de encontrar “entrada” para os emaranhados da mente, de poder
“oxigenar” a vida mental de forma a que ela possa novamente “respirar” e assim
restabelecer suas funções criativas, imprescindíveis ao bem estar físico e mental. Por
este caminho, então, a saúde se restitui, e a pessoa já pode não mais se envergonhar
de si mesma.


Capítulo do livro Psiquiatria para Leigo.Carlos A.S.M.de Barros (org.).Editora Conceito,P.Alegre,2002.
1
Psiquiatra. Sócio Efetivo da SPRS. Psicanalista pela SPPA. CREMERS 03924.
2
Prefiro esta grafia do termo por ser a mais próxima da original. (Ver referências bibliográficas, item nº 1).
3
Expressão criada pela primeira paciente de S. Freud e J. Breuer (escrita em inglês no original alemão).
2

2. Indicações da cura pela palavra. Significado geral do sofrimento psíquico: a


busca de soluções mágicas para os problemas da alma.

A cura pela palavra está indicada em todos os casos de sofrimento


psíquico. Desde os mais tênues – tais como reações emocionais a
acontecimentos externos de maior ou menor importância – aos mais intensos,
aqueles que já fazem parte de doenças pré-estabelecidas. E mesmo nos casos de
doenças quaisquer, em que surja sofrimento psíquico considerável, a cura pela
palavra é um caminho a ser seguido.

E por quê? Qual a fundamentação para essa afirmativa? Baseados em que


afirmamos que a cura pela palavra traz benefícios para as pessoas? Aqui surge
novamente nossa dívida para com Sigmund Freud. Sua extrema capacidade
investigativa e criadora levou-o a demonstrar que o sofrimento psíquico é, de
certa forma, criado pela pessoa, não só isso, mantido por ela, cultivado como se
fosse necessário. E nessa magistral descoberta se apóia a cura pela palavra.
Torna-se essencial, então, o ato de conversar. E aguda a necessidade de ir
demonstrando ao doente que a criação de seu sofrimento é mesmo obra sua.
Sem perceber, óbvio, ele foi construindo esta condição, e se fechando em torno
de si mesmo, de certa forma numa tentativa ilusória de cura.

Ora, sendo assim, é evidente que somente com a participação efetiva e


eficiente do autor da perturbação psíquica, somente com a sua própria
criatividade – posta em funcionamento pela conversa – somente com a sua
determinação em abrir mão da tentativa de solução mágica para seu sofrimento,
encontrará ele novamente a si próprio, e, conseqüentemente, sua saúde,
individual e específica. E então, ao “voltar a si”, e com o devido respeito à sua
pessoa, “desiste” dos impasses internos causadores do sofrimento.

É que o sofrimento psíquico e os sintomas de sua presença na pessoa têm


um significado genérico que é preciso sublinhar. E esse significado é a busca
incessante da solução mágica, da solução aparentemente fácil, da solução em
bloco que resolva de uma vez por todas todos os problemas. (Todos nós, quando
estivemos nessa situação doentia, soubemos que foi assim que desejamos e foi
assim que esperamos uma solução). Em outras palavras, uma solução de força,
prepotente, que não dependa de nenhuma outra consideração que não seja a
presença do desconforto. E então, na crença de que é a falta de poder que
ocasiona o sofrimento, busca a pessoa, incessante e persistentemente, alcançar
um estado verdadeiramente onipotente que possa – fantasticamente – livrá-la da
situação de sofrimento. Por este caminho – é fácil concluir – afunda-se cada vez
mais na angústia, perpetua cada vez mais intensamente sua confusão mental,
envergonha-se cada vez mais de si mesma.

Aqui uma breve digressão: o que é mesmo conversar? Ainda que a


maioria das conversas seja orientada para conservar, o encontro entre duas
pessoas que estamos descrevendo tem a finalidade de criar mais versões e nunca
de conservar. Conversar, não conservar, é o objetivo da cura pela palavra. Trocar
versões, ampliar o campo das idéias, “oxigenar” a mente, “respirar”, como eu
dizia acima.
3

3. Condições fundamentais para o sucesso da cura pela palavra.

Como em qualquer conversa íntima, e especialmente nas conversas com


alma, há um pressuposto essencial, sem o qual torna-se impossível a eficiência
necessária: a presença de uma sólida relação afetiva, de confiança intensa e
mútua, e de absoluto respeito entre os dois envolvidos. Só com esta base
concreta é que se pode pensar em tentar substituir a busca da solução mágica por
uma outra individual e específica para cada pessoa.

Mas como se estabelece essa relação? De onde se origina? Como é sua


intimidade? Não sei, suponho até que ninguém saiba com clareza. Para
descrevê-la é preciso a linguagem poética, a única possível para este fim. É algo
parecido com o namoro, com o envolvimento afetivo, com uma espécie de pré-
simpatia que surge entre duas pessoas. Mas é sabido, e importante, que
chegamos a essa relação com nossa bagagem de vida, com nosso modo de
gostar, com nossas implicâncias, nossos hábitos, enfim, com nosso jeito de ser. E
esse nosso jeito, mesclado com o perfil do outro, com a forma dos afetos do
outro, com as implicâncias do outro, pode estabelecer um clima agradável,
criativo, que entusiasme. Ou não. E se não for assim é melhor não continuar.

Porque só apoiados neste laço afetivo de confiança é que poderemos


tentar ampliar a versão única e insubstituível apresentada por aquele que está
sofrendo – a versão prepotente - para outras variadas versões possíveis e
também verdadeiras que surgem como prováveis causas de seu sofrimento.

Sobre este ponto – a causalidade – é importante destacar que há uma


espécie de “moda” em colocar a causa dos sofrimentos mentais como estando
situada no passado. Naquilo que passou, na vida infantil ou na vida com os pais.
Há pessoas que dizem estar sofrendo porque foram educadas de tal ou qual
maneira, ou porque sua infância transcorreu assim ou assado. Nada mais
enganoso e mais prejudicial ao bom entendimento das perturbações de nossa
vida mental. O sofrimento psíquico tem origem no presente e não no passado.
Sempre. É o passado que ainda não passou, que ainda não se tornou passado –
obra da prepotência de que falei acima – é o passado que é presente, e que só
como tal pode realmente originar sofrimento mental.

Aí então o problema não está mais exatamente no passado, e sim na


mágica criada para tornar possível o passado não passar e seguir sendo presente.
Essa solução mágica, aliás como sempre, é que provoca o sofrimento. Por ser
enganosa, por ser metida a poderosa, por tentar resolver os problemas em bloco
e de uma vez por todas, ela cria e mantém o sofrer. E até o perpetua, pois
transformando o que já passou – passado – num falso presente, torna permanente
um sofrimento que já poderia ter sido superado.

De outro lado, e muito importante, é a aceitação do fato iniludível de que


além de já ter passado, o que passou só é resgatável no futuro. Em outras
palavras, que não é verdade que não há solução, como dizem freqüentemente as
pessoas em sofrimento mental. Há sim, sempre há. É preciso criatividade para
buscá-la, isto sim, mas há como. E esta é uma das bases da cura pela palavra:
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abrir caminhos, criar espaços, buscar no futuro bem-estares que já existiram no


passado. Não idênticos, é óbvio, mas afetivamente muito semelhantes.

Ensinou o mestre português Fernando Pessoa (4), num belo poema, que:

A criança que fui chora na estrada.


Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou


A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar


Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,


E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Não há solução? Há. Positivamente há. Quando? Amanhã, jamais ontem. Este o
objetivo maior da cura pela palavra: o amanhã.

4. Breves comentários sobre os resultados da cura pela palavra.

Não saberia aqui fazer uma apreciação exata do que seriam os resultados
da cura pela palavra. Mas não resta dúvida que se trata de uma possibilidade
terapêutica de inestimável importância para o problema do sofrimento psíquico.
Claro, há pressupostos que não podem ser desprezados, muitos deles já
explanados neste artigo, tais como o significado geral dos transtornos
psicológicos, a busca ilusória de poder – como tentativa de solução mágica para
um impasse interno, a questão da autoria do referido impasse, a extraordinária
necessidade de um bom vínculo afetivo entre os participantes do processo,
pressupostos estes cujo conhecimento e aceitação constituem condição sine qua
non ao êxito do procedimento.

Respeitados esses pressupostos, aí não tenho já a menor dúvida em


afirmar que a cura pela palavra tem obtido resultados excelentes nestes seus cem
anos de existência. A epígrafe deste trabalho refere-se a “restituir a uma pessoa a
alma que ela tem” ou “possibilitar a uma pessoa não mais sentir vergonha de si
mesma”. Os dois parâmetros assim referidos indicam sinteticamente progressos
enormes que muitas pessoas obtiveram através da “talking cure”. Não precisar
mais se envergonhar de si próprio – reflitam bem o que significa isto – ou
“recuperar” a essência da própria vida, não são pouca coisa. E restabelecem o
equilíbrio psíquico e as possibilidades criativas de cada um. Aliás, é interessante
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perceber o que significa equilíbrio psíquico. Ao ouvir ou ler esta expressão


pensamos em estabilidade permanente e não nos damos conta de que o que é
estável não necessita estar equilibrado. O equilíbrio implica em algum grau de
instabilidade que, nos variados momentos, se equilibra, se torna estável. E a
saúde psíquica, indiscutivelmente, precisa de um grau de instabilidade, como o
edifício alto que balança com o vento forte, se não balançasse cairia.

Num poema que pensei há tempos, intitulado Caixinha de Música (3),


escrevi:
Quem não curte a si
acaba vivendo em dó

(e pode até, sentir-se ré ...)


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bettelheim, Bruno Freud e a Alma Humana. São Paulo, Editora Cultrix,


1984, págs. 24 e 25.

2. Freud, S. Hereditariedade e a etiologia das neuroses. Edição Standard


Bras. das O.P.C.S.F.,Rio de Janeiro, Imago Editora, 1976, vol.
III, pág. 163.

3. Guedes, Paulo Sergio R. Palavras Guardadas – O livro do PG. Editora Universitária/UFPEL


Porto Alegre, 1998, pág. 53.

4. Pessoa, Fernando Obra Poética. Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar


S.A., 1986, pág. 700.

5. Roudinesco, E. e P.,M. Dicionário de Psicanálise. JZE, Rio de Janeiro, 1998, pág. 603.

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