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Centro Novo de São Paulo

Um projeto de chão
Regina Meyer, Jaime Cunha Jr. e Sabrina Fontenele

Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/19.221/7146


O Centro Novo de São Paulo na passagem dos anos 1950
Foto divulgação [Oswaldo Arthur Bratke arquiteto. A arte de bem projetar e construir/
Proeditores]

"No urbanismo infra estrutural a forma conta, mas mais pelo que que pode
proporcionar do que pela sua aparência".
Stan Allen (1)

Encontro entre o urbanismo e a arquitetura moderna

A presença de uma arquitetura moderna comprometida com a criação de um ambiente


urbano na região central de São Paulo, produzida ao longo do período aproximado
de 40 anos, entre o final dos anos de 1920 e a década de 1970, é fruto de uma
convergência de fatores que concorreram para a transformação do padrão de
desenvolvimento urbano, abrangendo a cidade e a metrópole, a partir do seu
centro. A história urbana de São Paulo confirma que tal conjugação não foi uma
casualidade. Foi antes o resultado de uma conjuntura histórica na qual
importantes mudanças, vindas de diversas frentes, se associaram para gerar um
processo, tanto urbano como arquitetônico, essencialmente moderno.

Quando a cidade já se encontrava em processo de metropolização, pari e passu, com


o inicio do ciclo industrial manufatureiro, foram implementadas pela prefeitura
municipal um conjunto de obras públicas cujo objetivo era expansão da sua área
central, o denominado triângulo histórico, empregando princípios urbanísticos nos
quais a circulação motora teve um papel decisivo. A concomitância de
transformações vividas pela cidade em diversos setores pode nos conduzir a
interpretações deterministas e, muitas vezes, equivocadas. Os ciclos econômicos e
produtivos tendem a ser muito valorizados quando se busca explicar as grandes
transformações urbanas. Porém, sabemos muito bem que por si só eles não possuem a
força necessária para assegurar a criação de ambientes urbanos de qualidade, pois
se perdem frequentemente numa simples representação formal dos ciclos aos quais
estão associados. As transformações urbanas são, como afirma Manuel Castells,
"agentes ativos e não apenas reflexo da presença de arranjos econômico-produtivos
novos" (2).
Não vamos aqui abordar outros episódios ocorridos em São Paulo, décadas mais
tarde, cuja associação entre mudanças no interior do modelo produtivo e
transformações urbanas ocorreram, também de forma intensa, sem, no entanto,
produzir processos com as fecundas características daquele que estamos tratando
aqui. Esses episódios vividos pela metrópole de São Paulo de forma consecutiva
são assunto de grande interesse, mas não fazem parte do que estamos buscando
nesse artigo. Avaliar as relações entre urbanismo e arquitetura no bojo de outras
transições e à luz dos trechos de cidade que foram produzidos, sobretudo daqueles
que ocorreram nas décadas de 1980 e 1990, fornece ótimo material para a
compreensão das transformações urbanas paulistanas. E, para deixar mais claro o
argumento que estamos utilizando aqui, que aponta a realização do Centro Novo
como um episódio urbano-arquitetônico bem-sucedido.
No período aqui analisado, o final do ciclo econômico baseado na produção e
exportação cafeeira e início do ciclo industrial moderno, desempenhou um papel
importante na medida em que foi liberada uma parcela considerável do capital
antes comprometido com a produção agrícola. Sua entrada em circulação,
parcialmente transformado em capital imobiliário, teve um papel essencial na
reorganização do quadro urbano de São Paulo. A adaptação da cidade e o grande
impulso produzido no processo de metropolização, já iniciado, ocorreu, em grande
medida, com os ativos econômicos derivados da diminuição das atividades
relacionadas ao café. Estes, por sua vez, se tornaram fundamentais para a
realização dos programas funcionais que atendiam às demandas da nova fase do
capitalismo manufatureiro industrial.

A intensa atividade imobiliária do período se baseou em uma nova tipologia


introduzida pela verticalização construtiva: os grandes edifícios de escritórios.
Aptos a receber as sedes administrativas das novas empresas do setor industrial,
criaram uma marca de modernidade funcional, construtiva e estética no novo espaço
urbano. Embora a nova função escritório administrativo fosse predominante, estes
edifícios possuíam a moderna característica dos programas arquitetônicos baseados
na mistura de funções. Receberam nos seus múltiplos andares, apartamentos
residenciais, hotéis e, nos seus valorizados térreos, foram instalados
restaurantes, bares, comércio, livrarias e, em alguns casos até mesmo cinemas. Os
partidos arquitetônicos privilegiaram um diálogo intenso e ativo com o contexto
urbano através de marquises, recuos formando varandas, colunatas de pilotis e
ruas internas que se articulavam fortemente com as calçadas e todo espaço
adjacente.
Expansão do Centro e a arquitetura moderna

Aglutinados em sua grande maioria no trecho denominado Centro Novo, a forma e o


conteúdo destes novos edifícios criaram um locus que rapidamente se tornou um
espaço regido e identificado com atributos de uma moderna centralidade
urbana, com todos os seus elementos – funcionais, sociais, culturais e, também
simbólicos. Surgiu ali um espaço público no qual a arquitetura moderna contribuiu
de maneira admirável ao agregar aos partidos arquitetônicos um predicado
essencial do espaço público, isto é, ser propicio ao surgimento da urbanidade.
Vale lembrar que nesse mesmo período a arquitetura moderna já estava presente em
São Paulo, porém com características bem distintas. Os exemplares mais
importantes da nossa primeira modernidade arquitetônica eram ainda, na sua
maioria, objetos isolados, localizados em bairros em processo de instalação ou em
processo de substituição do estoque construído. Continham a força da linguagem
moderna, mas ainda não haviam estabelecido uma relação direta e inovadora com os
contextos urbanos onde eram edificados. Distintos destes também eram os primeiros
exemplares de edifícios modernos verticalizados construídos em bairros nos quais
a primeira ocupação, predominantemente de palacetes implantados em generosos
terrenos ajardinados, vinha sendo substituída, desde os anos de 1940, pelos
primeiros edifícios de habitação coletiva, também regidos pelos princípios do
modernismo arquitetônico. Esse é, claramente, o caso do bairro de Higienópolis e
do trecho mais central da avenida 9 de Julho, dentre outros. Nestes exemplos a
preocupação com o entorno urbano já se manifestava de maneira bastante inovadora.
Precisam ser lembrados também, os interessantes de conjuntos que coincidiam com
loteamento de grandes glebas nas quais a complementação do sistema um viário
local, possibilitavam experiências de maior escala. É este o caso do grande
conjunto residencial Lar Brasileiro, construído em grande parte entre 1953 e
1955, situado entre os bairros de Vila Mariana e Aclimação.

Apesar da importância destes exemplos, acreditamos existir uma distinção


considerável entre cada um deles e a experiência que ocorreu no Centro Novo de
São Paulo a partir dos anos 1930. Esta repousou, sobretudo, na forma como a
arquitetura moderna participou da consolidação dos planos do poder público
municipal que estava determinado a criar uma nova estrutura urbano-viária, na
qual os atributos da centralidade se destacariam.
Não diminui em nada o valor e o alcance da arquitetura moderna materializada no
Centro Novo de São Paulo, propor que ela participou, de forma imprescindível, de
um processo cujo ponto de partida foi de ordem urbanística. Impulsionada por
obras públicas e estimulada por ações e dispositivos legais com origem no próprio
poder público e, do ponto de vista imobiliário e financeiro, plenamente abraçada
pelo capital privado, a arquitetura moderna produzida neste período e neste
específico território urbano ganhou a marca de uma experiência exemplar.

Um plano urbanístico elaborado e conduzido pelo poder público municipal

O plano de expansão do Centro rumo ao setor oeste da cidade estava na agenda da


administração pública municipal desde o final dos anos 1920, como parte de um
projeto de perfil e denominação que se propunha ser setorial: Estudo para um
Plano de Avenidas (3). Elaborado pelo engenheiro Francisco Prestes Maia enquanto
Secretário de Vias Públicas da Prefeitura Municipal de São Paulo no final da
década de 1920, e realizado a partir dos anos 1930, quando já ocupava pela
primeira vez o posto de prefeito, entre os anos de 1938 e 1945. Como ele mesmo
testemunha na apresentação do Estudo, "comandou a partir de uma repartição
pública um projeto ambicioso", que transformaria a organização do Centro e
criaria uma nova estruturação viária que transcenderia o próprio Centro rumo à
metrópole.
O Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo (1930). Esquema teórico segundo Ulhôa
Cintra
Imagem divulgação [Estudo de um Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo/Cia
Melhoramentos de São Paulo]

O Estudo para um Plano de Avenidas foi sem dúvida uma proposta ambiciosa. Ao
longo do texto o autor insiste se tratar apenas de um plano de viação pública.
Porém, seu escopo, o campo de interesses e proposições extrapolavam os limites de
um convencional plano viário. A análise do denominado Centro Velho, marco da
primeira organização urbana da cidade, onde dominavam as ruas estreitas, já
plenamente construídas, permanentemente congestionadas por bondes, veículos de
todo tipo e pedestres, não poderia mais abrigar, na sua avaliação, os programas
urbanos que a nova etapa do desenvolvimento capitalista demandava.
A concepção e realização do plano municipal deveria dotar a cidade colonial de
uma nova racionalidade urbana a partir de uma interpretação de seu futuro.
Prestes Maia reconhecia que aquele era o momento adequado para uma forte
intervenção na cidade. Sua visão sobre o futuro da cidade e da metrópole, muito
contestada por profissionais seus contemporâneos, era muito abrangente:

"Estamos sob todos os pontos de vista, em um momento decisivo da nossa


existência urbana. No centro os arranha-céus se multiplicam; no taboleiro
além do Anhangabahú os primeiros grandes prédios começam a emergir no meio
do casario térreo; a Light prevê a renovação do contracto e intenta
importantes transformações; a São Paulo Railway vê igualmente o termo de sua
concessão. A várzea do Tietê, que por si só será uma cidade nova, acha-se em
vias de completa metamorphose. Outras grandes obras se executam: calçamento,
esgoto, abastecimento, grandes parques e edifícios públicos" (4).

Por razões não propriamente idênticas, mas bastante semelhantes, as


reestruturações e renovações das áreas centrais haviam dominado o urbanismo
europeu ao longo da segunda metade século 19. Na Europa, a reorganização urbana
buscou eliminar o último vestígio da cidade medieval abatendo as suas muralhas,
os imensos cinturões de segurança que dificultavam a expansão urbana a partir do
centro. Nas grandes metrópoles norte-americanas, que não possuíam este artefato
medieval, a motivação era bem mais próxima da paulistana: dirigir o crescimento
urbano e modernizar o sistema viário em função das exigências da mobilidade
motora.

Em São Paulo, engenheiros, urbanistas e arquitetos atentos ao que se passava nas


grandes capitais do mundo, conheciam a necessidade de encarar o mesmo desafio da
estruturação urbana a partir das áreas centrais visando facilitar o fluxo de
veículos motores e do transporte público em geral. Disputas teóricas e escolha de
modelos, sempre importados, não faltaram. Porém, o engenheiro, secretário de
obras e mais tarde prefeito, havia feito sua escolha: era contrário às propostas
que implicavam rasgar os centros com grandes avenidas. Utiliza no texto a
palavra sventramento(5), já consagrada no urbanismo italiano, para se mostrar
mais sintonizado com uma outra vertente do urbanismo praticado em outras grandes
capitais europeias. Prestes Maia aponta textualmente, aliás, de forma bastante
crítica, a desastrosa abertura da avenida Rio Branco no Rio de Janeiro. E,
afiança na sequência que em São Paulo tal equívoco não seria cometido, pois o
partido estava definido desde o final dos anos 1920: a construção de um sistema
viário denominado Perímetro de Irradiação que evitaria a penetração na área
central, preferindo circundá-la com sucessivos anéis viários rádio-concêntricos.

Comparativo dos traçados estudados por Prestes Maia para a solução da primeira
perimetral, a Avenida de Irradiação
Elaboração dos autores

O Perímetro de Irradiação, alicerce estrutural do Plano de Avenidas, era,


essencialmente, um anel perimetral composto por grandes avenidas que circundavam
a área central, abarcando o Centro Velho e o Centro Novo. A este circuito se
associava um sistema de vias diametrais partindo em direção, quase geométrica,
aos quadrantes da cidade. De acordo com o diagrama proposto todas as avenidas
diametrais, ditas de expansão e penetração convergiam para o primeiro anel do
perímetro, mas não para os mesmos pontos. Todas elas se juntam ao circuito
fechado, isso é, coletor, que recebeu a descritiva denominação de Perímetro de
Irradiação. Tomando como um ponto de partida deste grande anel viário a avenida
Ipiranga, junto da praça da República, ruma-se pela avenida São Luiz e dali até a
praça João Mendes, cruzando dois viadutos, cuja função é manter a cota inicial, e
a seguir desce para o Parque D. Pedro II pela baixada do Glicério, contornando a
região do Mercado Municipal e, voltando pela avenida Senador Queiroz, alcança
novamente a avenida Ipiranga junto à praça da República. A articulação do sistema
perimetral/radial criou uma malha de vias estruturadoras: as avenidas São João, a
Consolação que é a extensão da avenida Ipiranga e, as avenidas Nove de Julho e
Tiradentes.

O conjunto formado pela praça da República e o seu entorno edificado


Foto Nelson Kon

Uma vez definido o conceito e o desenho do partido urbano-viário que presidiria a


proposta, o plano equaciona a correspondente repercussão da produção
arquitetônica que deveria acompanhar e se associar efetivamente ao plano. Os
belos desenhos desenvolvidos por Prestes Maia e sua equipe, apresentados na
proposta teórica de 1930, retratavam uma arquitetura clássica identificada com o
ecletismo e o neoclássico tão admirados por ele. No entanto, ainda nesta
proposta, estavam presentes referências explícitas ao zoneamento e ao código de
construção americano como bons exemplos a serem seguidas. Aliás, as influências
da cultura europeia e americana permeiam a publicação e são apresentadas como
modelos a serem seguidos. Em seu texto, ele afirma que a eficácia do Plano de
Avenidas dependeria da distribuição da edificação mais significativa ao longo dos
trajetos das grandes avenidas.

Ecoando princípios do planejamento urbano barroco, recomenda que deveriam ser


procurados os pontos focais arquitetônicos balizadores. Recomendações
explicitadas indicam seu desejo de realizar um urbanismo compositivo, no qual a
arquitetura desempenharia um papel demarcador e articulador das várias escalas
contidas no Perímetro de Irradiação. Tal objetivo conduziu o poder público
municipal à proposição de leis e normas voltadas a assegurar a plena realização
do plano e da edificação. Visando fornecer todo o amparo legal e sustentação para
que fosse alcançada a almejada visão compositiva, assim como à verticalização
construtiva e o adensamento populacional do Centro, o Estudo articula
alinhamentos legais e soluções de projeto, a um só tempo muito tradicionais na
forma e, ao mesmo tempo, modernas na sua funcionalidade.
Naquele momento a cidade utilizava o Código Arthur Saboya editado em 1929,
portanto ainda bem recente, composto por um rol de leis relacionadas diretamente
ao surgimento dos primeiros edifícios verticalizados. Os gabaritos eram
calculados em função da largura do viário no qual o novo edifício seria erguido.
O seu conteúdo, de uma forma bastante ampla, deixava explicita a intenção do
poder público de promover a atualização construtiva e formal no Centro, pois se
exigia que os edifícios fossem construídos no alinhamento dos lotes, impedindo
recuos laterais buscando gerar uma massa construída em continuidade. Esse
dispositivo acabou por forçar os profissionais, engenheiros e arquitetos, a
buscar a adequação dos partidos arquitetônicos a fim de trazer a luz e o sol para
dentro dos edifícios através de pátios internos.

Apesar de suas inegáveis qualidades, o código Saboya se mostrou, muito


rapidamente, aquém das necessidades e, sobretudo, das possibilidades abertas pelo
plano de Prestes Maia. As obras do novo sistema criavam e valorizaram novas áreas
urbanas ao permitir e estimular a expansão das atividades centrais para fora do
Centro Velho.

Do diagrama lógico do Plano de Avenidas à arquitetura moderna


Prestes Maia reproduz no início do Estudo, utilizando o texto original em inglês,
as conhecidas palavras do arquiteto americano Daniel Burnham, coautor da
Exposição Universal de 1983 e, do celebradíssimo Plano de Chicago de 1909:

"Não faça planos pequenos. Eles não possuem nenhuma mágica que faça agitar o
sangue dos homens e, provavelmente, não serão realizados. Faça grandes
planos. Almeje alto em esperança e trabalho, lembrando que um diagrama
lógico uma vez gravado nunca morrerá, muito tempo depois de nossa partida
ainda serão uma coisa viva, reafirmando-se com crescente persistência.
Lembre-se de que nossos filhos e netos vão fazer coisas que irão nos
desconcertar. Deixe que sua senha seja Ordem e seu farol Beleza" (6).

A escolha desta afirmação de D. Burnham, logo nas primeiras páginas do Estudo,


expõe claramente a meta de Prestes Maia de criar uma estrutura viária capaz de
reconfigurar não apenas todo o Centro, mas também de orientar o crescimento
urbano da cidade e da metrópole, como já foi dito, dentro de um padrão
arquitetônico subordinado à sua intenção de ressaltar a “ordem e
a racionalidade” como, principais elementos do Plano de Avenidas. A relação entre
o planejamento viário e a arquitetura que viria complementar o partido é bem
explicitada no Estudo:
"Nos desenhos não nos preocupamos com stylos architectonicos, pois em
urbanismo só interessam os effeitos de massa e as disposições geraes. Elles
revelam, não obstante, infinitas possibilidades estheticas, que os
engenheiros habitualmente esquecem e as cidades desperdiçam" (7).

O autor estava seguro que bastaria associar a arquitetura à nova estruturação


urbana, baseada em princípios racionais de circulação viária, embora concebidos
no século 19, para que os seus objetivos de obter os "efeitos de massa" e as
"disposições gerais" ficassem assegurados.
A primazia do urbanismo sobre a arquitetura de acordo com antigas teses que
sustentavam que "o sucesso do projeto urbanístico nasce da unidade obtida pelo
conjunto [arquitetônico]"; e, dito de outra forma: “o todo é mais importante do
que a soma de suas partes”, eram os motes do plano municipal. Não havia dúvida de
que o urbanismo comandaria a criação de um novo ambiente urbano condizente com a
emergente metrópole industrial. A sua realização, sobretudo nos seus trechos
centrais, deveria abrir novas possibilidades para um encontro entre o urbanismo e
a arquitetura, sobretudo, se esta aceitasse a situação complementar e subsidiária
ditada pelo Estudo.

Relação entre conjunto arquitetônico e vias no Plano de Avenidas


Imagem divulgação [Estudo de um Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo/Cia
Melhoramentos de São Paulo]

Embora expresso de forma categórica que não havia nenhum interesse específico em
indicar estilos arquitetônicos, observando as imagens que acompanham o Estudo é
fácil constatar que o estilo neoclássico se apresentava como uma opção natural.
Porém, a história da arquitetura moderna, produzida no Centro de São Paulo no
período de consolidação destas grandes obras, contrariou as preferências do
urbanista criando um episódio de grande sentido cultural num amplo sentido, desde
o domínio técnico e o alinhamento estético dos arquitetos modernistas que atuavam
naquela conjuntura histórica. É preciso ressaltar a qualidade da formação
profissional dos arquitetos que participaram deste episódio e, a sua total
sintonia com o pensamento arquitetônico internacional que levou por conduziu a
arquitetura a desafiar o plano.

O domínio de uma vasta literatura teórica e documental, tanto de planejamento


urbano quanto de projetos urbanísticos e de viação urbana, forneceu ao autor e
sua equipe técnica, um patamar de informação e conhecimento indiscutíveis. Porém,
por outro lado, eram referências que permaneciam, na sua maioria, associadas a
projetos realizados a partir da metade do século 19 e às duas primeiras décadas
do século 20. Observado desta perspectiva o encontro entre a arquitetura moderna
e o Plano de Avenidas, tornou-se um evento complexo e de grande interesse
histórico. Analisa-los isoladamente empobrece um evento fundamental de nossa
História urbana.

A criação de um processo de planejamento para realizar um plano urbanístico

O objetivo de dotar São Paulo de uma estrutura lógica através de um plano de


viação muito amplo e, em grande medida, capaz de corrigir a cidade colonial,
objetivo do Estudo, impôs muitas iniciativas. Sendo esta a meta incontestável do
prefeito e dos técnicos “da repartição”, como ele mesmo dizia, o poder público
viu-se diante da necessidade de percorrer outras questões fundamentais.
Preservando a concepção original do plano, era preciso acrescentar e conjugar
ações de diversos tipos para conduzir o centro da metrópole a se distinguir de
qualquer outro espaço urbano, pois ali se consagraria o movimento, a unidade
volumétrica das edificações e a resultante monumentalidade do conjunto. Em outras
palavras, era necessário criar um caminho para levar o plano urbanístico a se
tornar um processo de planejamento urbano. E como se sabe, um processo não pode
ser desenhado, mas certamente pode ser organizado (8). E foi exatamente esse o
caminho assumido pelo poder público municipal: organizou um processo bem
equacionado, em todas as frentes, baseado em um expressivo conjunto de medidas de
ordem normativa e regulatória.
Para realização das obras, a prefeitura contou com a reforma financeira e
administrativa iniciada na gestão do prefeito Fabio Prado que contava com um
aumento da arrecadação, congelamento com as despensas do funcionalismo e dotações
orçamentárias do Departamento de Obras. Neste contexto, as obras para criação do
Perímetro de Irradiação tomaram conta da cidade logo após a posse do prefeito em
1938.

A renovação dos instrumentos legais veio facilitar as desapropriações de pontos


específicos dos novos circuitos viários possibilitando o surgimento de lotes
estratégicos de grandes dimensões. Uma pesquisa nos Anais da Câmara Municipal de
São Paulo aponta para diversos dispositivos legais relativos à abertura e ao
alargamento de vias e espaços públicos e à desapropriação de imóveis para
execução destas obras. É preciso enfatizar que existe uma concomitância entre as
leis que autorizavam a execução de obras de melhorias e as que davam instruções
sobre as construções ao longo das novas vias; tratava-se de uma tentativa de
organizar o espaço urbano por meio de uma legislação que impunha regras e
estímulos à iniciativa privada.

Assim, vários dispositivos legais impunham a desapropriação de terrenos e


construções na região central. Para a execução da avenida 9 de julho, o ato n.
792, de 08 de fevereiro de 1935, que declarou de utilidade pública, para serem
desapropriados, diversos prédios e respectivos terrenos altos na quadra
compreendida entre a praça da Bandeira, avenida Anhangabaú e ruas Santo Antônio e
João Adolfo. O Decreto-Lei n. 46, de 25 de novembro de 1940, determinava que a
praça João Mendes deveria ser ampliada enquanto o Decreto n. 252, de 14 de
outubro de 1941 determinava a desapropriação dos imóveis situados às ruas Irmãs
Simpliciana, Onze de Agosto e Conde de Pinhal. Além disto, a Lei n. 3633, de
setembro de 1937, previa a construção do Paço Municipal na área do Carmo, a
partir da desapropriação dos imóveis da região (Decreto n. 313, de 11 de abril de
1942) (9).
O Edifício Montreal de Oscar Niemeyer, de 1951
Foto Jaime Cunha Jr (2018)

No entanto, a avenida Ipiranga destaca-se pelo cuidado e atenção recebida pelo


poder municipal neste período. A versão inicial do Perímetro de Irradiação,
presente na publicação de 1930, apresentava a rua Tymbiras como artéria de
ligação entre o quadrante leste do anel envoltório e a praça da República. Em se
tratando de uma das principais vias do circuito, o prefeito Prestes Maia publicou
algumas leis que se relacionavam diretamente a sua construção como paisagem
urbana e estimulou a transformação da antiga rua em um dos principais cartões-
postais dos melhoramentos urbanos daquela gestão.

O Ato n. 1.470, de 14 de setembro de 1938, em seu artigo primeiro aprova o


alargamento das ruas Ipiranga – juntamente com a São Luiz e Vieira de Carvalho –
e o prolongamento da rua Epitácio Pessoa. Assim, a nova proposta do circuito foi
colocada em execução, com detalhes técnicos como acabamento do piso, pontos de
iluminação e de arborização apresentados no Decreto-Lei n. 163 de 1940. Mas
certamente o dispositivo legal mais impactante para a construção da nova paisagem
urbana na área central seria Decreto-lei n. 41, de 3 de agosto de 1940, que
estabelecia que a altura mínima de 39 metros para as novas construções, sugerindo
o aumento de impostos para aqueles que não cumprissem a lei.

A verticalização seria ainda estimulada em outras grandes vias. Nas ruas Barão de
Itapetininga, Xavier de Toledo, 7 de Abril, Conselheiro Crispiniano, 24 de Maio e
para as praças Ramos de Azevedo e República, o ato n. 1.366, de 19 de fevereiro
de 1938 modificou a altura mínima dos edifícios para 10 pavimentos, com a
possibilidade ainda de atingir alturas maiores.

Os edifícios Esther (1934) de Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho e o Itália (1953)
de Franz Heep, ambos implantados junto ao passeio público da avenida Ipiranga
Foto Jaime Cunha Jr (2018)

São exemplo desse processo de desapropriação e surgimento dos lotes contendo


novas configurações relacionados ao sistema viário proposto no Estudo, os
edifícios Itália, que como todos sabem utilizou como equação para calcular seu
gabarito a medida da largura diagonal ao lote rumo à praça da República. Outros
edifícios beneficiados pelas novas disposições legais foram o Copan, a sede do
jornal O Estado de S.Paulo, o edifício Viadutos, dentre outros projetos que pouco
a pouco foram sendo agregados.
O Edifício Viadutos (1950) de Artacho Jurado
Foto Jaime Cunha Jr (2018)

A denominada arquitetura urbana, assumida nesta perspectiva compositiva,acabou


por ganhar uma presença clara no centro da metrópole. Como sabemos a arquitetura
moderna enfatiza a importância do edifício solto do lote e ignora a ideia do
cuidado especial com uma das fachadas, aquela considerada a principal, como
ocorria com a arquitetura clássica, pôde participar de um episódio onde tais
características se apresentaram de forma mais restritiva. É interessante notar
que a arquitetura moderna acabou por atender – sem abrir mão de nenhum de seus
requisitos essenciais – o desejo compositivo de Prestes Maia fincado no século
19.
Outros cuidados de ordem estética se juntaram às desapropriações em uma lei de
1941 que mudou o regulamento das edificações e estabeleceu o crescimento vertical
com recuos para toda a zona central. Acreditava-se que o uso dos recuos deixava o
volume em evidência, incentivando o desejável tratamento das diversas superfícies
e não apenas da fachada principal, evitando inclusive os anúncios publicitários
que eram instalados nas empenas laterais. O cuidado com os aspectos estético dos
edifícios era constante no poder público municipal. O próprio Código de Obras
Arthur Saboya de 1929 já apresentava uma comissão avaliadora da qualidade
estética dos edifícios a serem construídos.

Um projeto de chão
Representação do Ato n.1366, de 19 de fevereiro de 1938
Imagem divulgação [Edifícios modernos e o traçado no centro de São Paulo/Annablume]

Se focarmos apenas a verticalização, não encontraremos respostas para o


chamado ambiente urbano que foi realizado de forma tão inovadora em São Paulo,
principalmente nas décadas entre 1930 e 1970. Ali na região do Centro Novo, os
espaços projetados nos térreos de alguns edifícios modernos funcionaram como
áreas de circulação e de permanência do público que se deslocava apressado e
encontravam nas confeitarias, cafés, bares, restaurantes ou mesmo livrarias, um
local para uma pausa, descanso ou bate papo, configurando-se como espaços de
forte experiência de urbanidade. Esses percursos pelos interiores dos edifícios
do Centro Novo foram incentivados pelo poder público a partir de um decreto-lei
de 1940 que atuava diretamente sobre a avenida Ipiranga. O dispositivo legal
relacionava diretamente a criação de espaços de fluidez e passagem nos térreos
dos edifícios à possibilidade de se construir cada vez mais com alturas maiores
do que o previsto por lei.
Um exemplar das galerias comerciais existentes no Centro Novo, A Galeria Nova Barão
(1962) de Maria Bardelli e Ermano Siffredi
Foto Jaime Cunha Jr (2007)

Assim, pilotis, corredores-ruas, acessos por diferentes níveis, liberação do


térreo e construção de galerias enfatizavam a íntima relação entre os espaços
internos e externos, buscando solucionar a escassez de lotes voltados para o
comércio na região central. Desta forma foram criados espaços privados com
características de espaços públicos: as galerias comerciais localizadas nos
térreos dos edifícios de uso misto. Impossível deixar de lembrar as
precursoras passagens do urbanismo parisiense. Mas, no caso paulistano, o que se
entende por galeria comercial apresenta um desenho que se diferencia da proposta
original europeia, em especial da francesa. Configuram-se como corredores de
ligação entre ruas (na maioria das vezes, duas) com frentes de lojas voltadas
para o seu interior. Ligam vias com um fluxo alto de passagens de pessoas, no
entanto, diferente de sua referência europeia, não apresentavam iluminação
zenital, nem se destacavam pelo corredor central com pé-direito duplo ou triplo,
por se localizarem no pavimento térreo de edifícios de vários andares.
Um exemplar das galerias comerciais existentes no Centro Novo, A Galeria Nova Barão
(1962) de Maria Bardelli e Ermano Siffredi
Foto Jaime Cunha Jr (2007)

Atualmente é possível reconhecer vinte conjuntos modernos com galerias em seus


térreos, configurando circuitos alternativos que ligam os espaços públicos
efetivos da região do Centro Novo. Desta forma pode-se estabelecer uma conexão
entre a praça Ramos de Azevedo e Vale do Anhangabaú com a praça Dom José Gaspar a
partir das galerias Rua Nova Barão, das Artes, 7 de Abril e Ipê. Este mesmo
conjunto quando conectado às galerias Itá-R. Monteiro ou Guatapará e Grandes
Galerias realizam um percurso alternativo entre a praça Dom José Gaspar e o Largo
Paissandu. Da mesma maneira, a ligação entre as galerias Olido e o Conjunto Apolo
apresentam um caminho alternativo para conexão entre o Largo Paissandu e a praça
da República que não seja pelas avenidas São João e Ipiranga.
A proteção do passeio público proporcionada pela projeção das varandas existentes no
embasamento comercial do Edifício Metrópole (1959) de Salvador Candia e Gian Carlo
Gasperini e passagem existente no térreo do Edifício Conde Silvio Penteado (1951) de
Ri
Foto Jaime Cunha Jr (2018)

Outros episódios de transformação urbana foram realizados na cidade e pela


metrópole de São Paulo em função do deslocamento das funções centrais. Foram
processos acompanhados por mudanças em diversas frentes – grande alteração na
escala das edificações, modificação profunda da composição do capital imobiliário
com forte viés especulativo, novas demandas programáticas, inovações técnico-
construtivas, introdução de novas regras, normas e instrumentos de planejamento
pelo poder público. Este conjunto de fatores variou em cada um dos casos, mas
foram responsáveis pelo surgimento de novas centralidades urbanas em São Paulo. É
necessário sublinhar que tal surgimento é inerente ao desenvolvimento
metropolitano. Porém, nenhum deles criou um episódio urbano com as
características e mesma relevância daquele vivido pelo Centro Novo entre os anos
de 1930 e 1960.
A proteção do passeio público proporcionada pela projeção das varandas existentes no
embasamento comercial do Edifício Metrópole (1959) de Salvador Candia e Gian Carlo
Gasperini e passagem existente no térreo do Edifício Conde Silvio Penteado (1951) de
Ri
Foto Jaime Cunha Jr (2018)

A transformação da avenida Paulista, cujo início ocorreu ao mesmo tempo em que o


Centro Novo se concretizava, é a primeira delas. Seguiram-se a aberturada nova
avenida Faria Lima e, na sequência e em continuidade espacial, a avenida Luiz
Carlos Berrini e os seus desdobramentos. São todos movimentos que testemunham
conjunturas que estimularam a criação de novos cenários urbanos nos quais a
relação entre o urbanismo e a arquitetura não chegou a se articular de forma
inovadora criando trechos de cidade identificados com os valores da urbanidade.
Esse movimento das funções centrais no interior do município, criando novas
centralidades tem sido objeto de muitos estudos acadêmicos. O ponto em comum
entre todos eles tem origem na tese da movimentação das classes sociais, rumo ao
sudoeste do município e da metrópole. Trata-se de uma análise interessante e
convincente, porém a caminhada das funções centrais correspondeu à presença
outros fatores conjunturais, próprios a cada uma das etapas.

Considerando, no caso da avenida Paulista a presença seminal do Conjunto Nacional


(1956-60) não pôde ser absorvida nos empreendimentos que se seguiram, face a
carência de instrumentos urbanísticos à altura das novas possibilidades abertas
pelo partido do projeto. Assim, frustrou-se a possibilidade de criar em São Paulo
uma avenida cuja verticalidade seria condizente com o seu generoso espaço viário.
Vale lembrar que o próprio Conjunto Nacional, já em obras, precisou alterar seu
programa e poderia nem mesmo ter sido erguido, tendo em vista a nova legislação
municipal que restringia o gabarito da avenida.
Dentro de um grande arco temporal no qual se desenvolveram as atividades de
planejamento urbano e urbanismo em São Paulo, assumindo aqui como ponto de
partida o Plano Urbanístico Básico, o PUB de 1968, até o atual Plano Diretor
Estratégico de 2014, existem temas e posturas que podem ser qualificados como
permanentes, cujo cerne é criar trechos qualificados de cidade, nos quais a
recuperação dos atributos da urbanidade sejam fortalecidos. Ao lado de uma
gradual renúncia de planos abstratos, excessivamente normativos e totalizantes,
que passaram a ser vistos como formas inexequíveis de conduzir o desenvolvimento
urbano, tornaram-se frequentes planos baseados em estratégias de ordenação do
território de caráter mais objetivo e material. Tal postura coincide com o
entendimento do urbanista Manuel de Solà Morales quando fala da urbanidade das
coisas urbanas. Além de distinguir os sentidos da polissêmica palavra urbanidade,
ele enfatiza a necessidade de planejar e projetar os novos trechos urbanos com o
objetivo de ressaltar os atributos essenciais da cidade: a simultaneidade e a
diversidade, que se encontram nas relações entre os domínios públicos e privados.
E mais ainda, buscar no projeto formas de articular os elementos urbanos
concretos (cosas urbanas) que são a matéria prima da urbanidade contemporânea.
Nas suas próprias palavras:
"Cuidar das edificações como matéria do espaço urbano é reconhecer o
protagonismo inquestionável das plantas baixas. Pois é ali que ocorre a
dissolução do limite público-privado, a diversidade espacial das
circulações, as maneiras como se interpenetram interior e exterior, em
pórticos, estacionamentos, terraços, comércio, etc." (10).

Esta citação enuncia uma tese já plenamente realizada no Centro Novo de São Paulo
no período, por nós convencionado, entre 1930 e 1960. E confirma, sob muitos
aspectos, o que buscamos discutir neste artigo.

Está bem claro que é hoje essencial para uma cidade e metrópole com as
características de São Paulo restaurar suas qualidades urbanas se debruçando
sobre a história urbana num sentido amplo, mas também recuperando episódios bem-
sucedidos do seu próprio desenvolvimento urbano. O desacerto evidente do
território urbano produzido pela hegemonia dos traçados viários, cujo clímax foi
a implantação das vias expressas em trechos de urbanização consolidada,
representou o cerne das soluções viárias que se converteram em desafiadores
problemas urbanos.

Comparativo dos traçados estudados por Prestes Maia para a solução da primeira
perimetral, a Avenida de Irradiação
Elaboração dos autores
O gradual afastamento espacial e funcional entre os traçados viários e as
edificações que lhe são lindeiras é hoje apontado como uma questão incontornável
a ser enfrentada pelo urbanismo e pelo planejamento urbano contemporâneo. Tal
relação, negligenciada nos planos muito abrangentes, é hoje retomada nos meios
acadêmicos de todo mundo. A retomada de inúmeras pesquisas e estudos acadêmicos
sobre a notável planta de Roma desenhada por Gianbatistta Nolli em meados do
século 18 testemunham o atual empenho em enfrentar as questões de projeto que
envolvem a dualidade entre espaço urbano e espaço construído.
Expectativas e possibilidades para o futuro das transformações urbanas

O Centro Novo tem um lugar garantido na história urbana de São Paulo. Alcançou-se
ali uma conjugação pioneira de elementos que produziram um trecho de cidade de
inegável qualidade. Os elementos que se conjugaram possibilitaram que o projeto
urbano, a arquitetura moderna com seus novos programas funcionais, somados aos
instrumentos legais criados pela prefeitura para atender as necessidades de
projetos de edificação, assim como a entrada em cena de uma nova composição do
capital imobiliário, produzissem um caso exemplar de transformação urbana de
grande envergadura.

A avenida Rebouças como Zona de Estruturação da Transformação Urbana


Foto Jaime Cunha Jr (2018)

Entretanto, não podemos deixar de constatar e, lamentar, que tal conjugação não
se repetiu de forma equivalente ao longo das décadas seguintes nos processos de
transformação urbana em São Paulo. Outros episódios urbano-arquitetônicos foram
vivenciados pela cidade e pela metrópole em função de mudanças na localização das
funções urbanas, acompanhadas por uma alteração na escala das edificações, de
modificação profunda na composição do capital imobiliário, de demandas
programáticas novas, de inovações técnico-construtivas, enfim de um amplo
conjunto de alterações em todas as frentes, sem chegar a produzir um outro
episódio de mesma relevância. A transformação da própria avenida Paulista que
iniciou seu percurso concomitantemente à realização do Centro Novo, a abertura
das avenidas Faria Lima e Luiz Carlos Berrini criadas nas décadas seguintes e
acompanhadas de inúmeros desdobramentos, não chegaram a organizar espaços
urbanos com os mesmos predicados do Centro Novo.
A avenida Rebouças
Foto Jaime Cunha Jr (2018)

Buscamos apontar nesse artigo que arquitetura moderna do Centro Novo de São Paulo
é um patrimônio indiscutível e deve ser apreciado como uma afirmação da
necessidade de estabelecer articulações efetivas de diálogo entre as escalas do
planejamento urbano, do projeto urbano e da edificação e de seus usos. Da mesma
forma, é também a afirmação da necessidade de serem arbitradas de forma clara as
regras para atuação do setor privado da economia passíveis de socializar os
ganhos oriundos da realização de transformações urbanas propostas e executadas
pelo setor público.

Antes de fechar, é importante lembrar que embora estivesse presente no Plano de


Avenidas uma recomendação expressa para que fosse ampliada a oferta de transporte
público no interior do novo traçado, alcançando de forma prioritária os espaços
criados pelo novo viário, tal indicação não se cumpriu. Mesmo que tenham sido
criadas algumas novas praças, ajardinadas outras antigas, remodelados os largos
coloniais, construído um viaduto moderno, o transporte público não se fez
presente de forma efetiva no Plano de Avenidas. A implantação do trólebus na
década de 1950, não teve o alcance necessário para oferecer uma alternativa
efetiva para o transporte público sobre trilhos que prosseguiu rumo à sua total
eliminação. Enquanto que o sistema de bondes, já em processo de substituição pelo
ônibus desde os anos 20, chegou à década de 1960, na sua última fase de
funcionamento, sem penetrar o Centro Novo.
As áreas de ZEU demarcadas ao longo da avenida Rebouças e da linha 4 do metrô
Foto Jaime Cunha Jr (2018)

Levanta uma boa perspectiva para a cidade ver que o PDE-2014 apresenta a proposta
de articular o sistema de transporte público de média e alta capacidade por meio
da criação das Zonas Eixos de Estruturação da Transformação Urbana – as ZEUs –
demarcadas ao longo de segmentos dos corredores de ônibus e das estações de
metrô, configurando “áreas de influência potencialmente aptas ao adensamento
construtivo e populacional”. Dentre os parâmetros propostos estão o uso misto, a
fruição pública, a fachada ativa e as calçadas largas. Tal conjunto de
referências apresentado com o objetivo de qualificar o ambiente urbano nos remete
diretamente ao tema deste artigo: a qualidade urbana do Centro Novo de São Paulo.
Renova-se na cidade, imensamente mais complexa, o desafio de promover em trechos
específicos uma articulação ampliada entre o sistema viário, o transporte público
coletivo e as regras de edificação. E ainda, enxergando na relação entre o
edifício e a cidade, a potencialidade de funcionar como efetivo agente do
planejamento e da organização da cidade e da metrópole contemporânea de São Paulo
(11).

notas

1
Do original: “In infrastructural urbanism, form matters, but more for what it can do
than for what it looks like”. ALLEN, Stan. Points +Lines. Diagrams and projects for
the city. Nova York, Princeton Architectural Press, 1999, p. 57.
2
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999, p. 403.
3
MAIA, Francisco Prestes. Estudo de um Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo.
São Paulo, Melhoramentos, 1930.
4
Idem, ibidem, p. 7.

5
A palavra sventramento está no original, em italiano, no estudo. No urbanismo italiano
das primeiras décadas do século 20, esse conceito designava a demolição de edificações
visando a eliminação de setores antigos e insalubres.
6
MAIA, Francisco Prestes. Op. cit., p. IX.

7
Idem, ibidem.

8
LEHTOVUORI, Pan. Abstractions and urban complexity. In Making Urban Change – Art and
Design Helsinki. Helsinki, The University of Art and Design Helsinki, 1996.
9
Ver COSTA, Sabrina Studart Fontenele. Edifícios modernos e o traçado urbano no Centro
de São Paulo (1938-1960). São Paulo, Annablume, 2015.
10
SOLÀ-MORALES, Manuel. De cosas urbanas. Barcelona, Gustavo Gilli, 2008, p. 146.
11
Ver CUNHA JR; Jaime. O edifício multifuncional em São Paulo. Desafios e
potencialidades para sua inserção no quadro urbano contemporâneo. Tese de doutorado.
São Paulo, FAU USP, 2018, p. 240.

sobre os autores

Regina Maria Prosperi Meyer é professora titular da FAU USP. Arquiteta pela
Universidade de Brasília – UnB em 1975. Mestre pela Barttett School of Architecture da
University College London em 1979. Doutora pela FAU USP em 1991. Criou o Laboratório
de Urbanismo da Metrópole – LUME – na FAU USP em 2000. Principais publicações: São
Paulo Metrópole (Edusp/Imprensa Oficial. 2004), e A Leste do Centro – territórios do
urbanismo (Imprensa Oficial, 2010).
Jaime Cunha Junior é mestre e doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo; arquiteto e urbanista pela Universidade Paulista –Unip .
Foi pesquisador do Laboratório de Urbanismo da Metrópole – LUME/FAU USP, e coordenador
de projetos na Bernardes + Jacobsen Arquitetura e Jacobsen Arquitetura. Atualmente
dedica-se à docência na Unip e projetos de arquitetura.

Sabrina Studart Fontenele Costa é mestre e doutora pela Faculdade de Arquitetura e


Urbanismo da Universidade de São Paulo; arquiteta e urbanista pela Universidade
Federal do Ceará. Pesquisadora de pós-doutorado do IFCH Unicamp com apoio da Fapesp.
Autora do livro Edifícios modernos e o traçado urbano no Centro de São Paulo
(1938/1960), editora Annablume, 2015.

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