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Um projeto de chão
Regina Meyer, Jaime Cunha Jr. e Sabrina Fontenele
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/19.221/7146
O Centro Novo de São Paulo na passagem dos anos 1950
Foto divulgação [Oswaldo Arthur Bratke arquiteto. A arte de bem projetar e construir/
Proeditores]
"No urbanismo infra estrutural a forma conta, mas mais pelo que que pode
proporcionar do que pela sua aparência".
Stan Allen (1)
O Estudo para um Plano de Avenidas foi sem dúvida uma proposta ambiciosa. Ao
longo do texto o autor insiste se tratar apenas de um plano de viação pública.
Porém, seu escopo, o campo de interesses e proposições extrapolavam os limites de
um convencional plano viário. A análise do denominado Centro Velho, marco da
primeira organização urbana da cidade, onde dominavam as ruas estreitas, já
plenamente construídas, permanentemente congestionadas por bondes, veículos de
todo tipo e pedestres, não poderia mais abrigar, na sua avaliação, os programas
urbanos que a nova etapa do desenvolvimento capitalista demandava.
A concepção e realização do plano municipal deveria dotar a cidade colonial de
uma nova racionalidade urbana a partir de uma interpretação de seu futuro.
Prestes Maia reconhecia que aquele era o momento adequado para uma forte
intervenção na cidade. Sua visão sobre o futuro da cidade e da metrópole, muito
contestada por profissionais seus contemporâneos, era muito abrangente:
Comparativo dos traçados estudados por Prestes Maia para a solução da primeira
perimetral, a Avenida de Irradiação
Elaboração dos autores
"Não faça planos pequenos. Eles não possuem nenhuma mágica que faça agitar o
sangue dos homens e, provavelmente, não serão realizados. Faça grandes
planos. Almeje alto em esperança e trabalho, lembrando que um diagrama
lógico uma vez gravado nunca morrerá, muito tempo depois de nossa partida
ainda serão uma coisa viva, reafirmando-se com crescente persistência.
Lembre-se de que nossos filhos e netos vão fazer coisas que irão nos
desconcertar. Deixe que sua senha seja Ordem e seu farol Beleza" (6).
Embora expresso de forma categórica que não havia nenhum interesse específico em
indicar estilos arquitetônicos, observando as imagens que acompanham o Estudo é
fácil constatar que o estilo neoclássico se apresentava como uma opção natural.
Porém, a história da arquitetura moderna, produzida no Centro de São Paulo no
período de consolidação destas grandes obras, contrariou as preferências do
urbanista criando um episódio de grande sentido cultural num amplo sentido, desde
o domínio técnico e o alinhamento estético dos arquitetos modernistas que atuavam
naquela conjuntura histórica. É preciso ressaltar a qualidade da formação
profissional dos arquitetos que participaram deste episódio e, a sua total
sintonia com o pensamento arquitetônico internacional que levou por conduziu a
arquitetura a desafiar o plano.
A verticalização seria ainda estimulada em outras grandes vias. Nas ruas Barão de
Itapetininga, Xavier de Toledo, 7 de Abril, Conselheiro Crispiniano, 24 de Maio e
para as praças Ramos de Azevedo e República, o ato n. 1.366, de 19 de fevereiro
de 1938 modificou a altura mínima dos edifícios para 10 pavimentos, com a
possibilidade ainda de atingir alturas maiores.
Os edifícios Esther (1934) de Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho e o Itália (1953)
de Franz Heep, ambos implantados junto ao passeio público da avenida Ipiranga
Foto Jaime Cunha Jr (2018)
Um projeto de chão
Representação do Ato n.1366, de 19 de fevereiro de 1938
Imagem divulgação [Edifícios modernos e o traçado no centro de São Paulo/Annablume]
Esta citação enuncia uma tese já plenamente realizada no Centro Novo de São Paulo
no período, por nós convencionado, entre 1930 e 1960. E confirma, sob muitos
aspectos, o que buscamos discutir neste artigo.
Está bem claro que é hoje essencial para uma cidade e metrópole com as
características de São Paulo restaurar suas qualidades urbanas se debruçando
sobre a história urbana num sentido amplo, mas também recuperando episódios bem-
sucedidos do seu próprio desenvolvimento urbano. O desacerto evidente do
território urbano produzido pela hegemonia dos traçados viários, cujo clímax foi
a implantação das vias expressas em trechos de urbanização consolidada,
representou o cerne das soluções viárias que se converteram em desafiadores
problemas urbanos.
Comparativo dos traçados estudados por Prestes Maia para a solução da primeira
perimetral, a Avenida de Irradiação
Elaboração dos autores
O gradual afastamento espacial e funcional entre os traçados viários e as
edificações que lhe são lindeiras é hoje apontado como uma questão incontornável
a ser enfrentada pelo urbanismo e pelo planejamento urbano contemporâneo. Tal
relação, negligenciada nos planos muito abrangentes, é hoje retomada nos meios
acadêmicos de todo mundo. A retomada de inúmeras pesquisas e estudos acadêmicos
sobre a notável planta de Roma desenhada por Gianbatistta Nolli em meados do
século 18 testemunham o atual empenho em enfrentar as questões de projeto que
envolvem a dualidade entre espaço urbano e espaço construído.
Expectativas e possibilidades para o futuro das transformações urbanas
O Centro Novo tem um lugar garantido na história urbana de São Paulo. Alcançou-se
ali uma conjugação pioneira de elementos que produziram um trecho de cidade de
inegável qualidade. Os elementos que se conjugaram possibilitaram que o projeto
urbano, a arquitetura moderna com seus novos programas funcionais, somados aos
instrumentos legais criados pela prefeitura para atender as necessidades de
projetos de edificação, assim como a entrada em cena de uma nova composição do
capital imobiliário, produzissem um caso exemplar de transformação urbana de
grande envergadura.
Entretanto, não podemos deixar de constatar e, lamentar, que tal conjugação não
se repetiu de forma equivalente ao longo das décadas seguintes nos processos de
transformação urbana em São Paulo. Outros episódios urbano-arquitetônicos foram
vivenciados pela cidade e pela metrópole em função de mudanças na localização das
funções urbanas, acompanhadas por uma alteração na escala das edificações, de
modificação profunda na composição do capital imobiliário, de demandas
programáticas novas, de inovações técnico-construtivas, enfim de um amplo
conjunto de alterações em todas as frentes, sem chegar a produzir um outro
episódio de mesma relevância. A transformação da própria avenida Paulista que
iniciou seu percurso concomitantemente à realização do Centro Novo, a abertura
das avenidas Faria Lima e Luiz Carlos Berrini criadas nas décadas seguintes e
acompanhadas de inúmeros desdobramentos, não chegaram a organizar espaços
urbanos com os mesmos predicados do Centro Novo.
A avenida Rebouças
Foto Jaime Cunha Jr (2018)
Buscamos apontar nesse artigo que arquitetura moderna do Centro Novo de São Paulo
é um patrimônio indiscutível e deve ser apreciado como uma afirmação da
necessidade de estabelecer articulações efetivas de diálogo entre as escalas do
planejamento urbano, do projeto urbano e da edificação e de seus usos. Da mesma
forma, é também a afirmação da necessidade de serem arbitradas de forma clara as
regras para atuação do setor privado da economia passíveis de socializar os
ganhos oriundos da realização de transformações urbanas propostas e executadas
pelo setor público.
Levanta uma boa perspectiva para a cidade ver que o PDE-2014 apresenta a proposta
de articular o sistema de transporte público de média e alta capacidade por meio
da criação das Zonas Eixos de Estruturação da Transformação Urbana – as ZEUs –
demarcadas ao longo de segmentos dos corredores de ônibus e das estações de
metrô, configurando “áreas de influência potencialmente aptas ao adensamento
construtivo e populacional”. Dentre os parâmetros propostos estão o uso misto, a
fruição pública, a fachada ativa e as calçadas largas. Tal conjunto de
referências apresentado com o objetivo de qualificar o ambiente urbano nos remete
diretamente ao tema deste artigo: a qualidade urbana do Centro Novo de São Paulo.
Renova-se na cidade, imensamente mais complexa, o desafio de promover em trechos
específicos uma articulação ampliada entre o sistema viário, o transporte público
coletivo e as regras de edificação. E ainda, enxergando na relação entre o
edifício e a cidade, a potencialidade de funcionar como efetivo agente do
planejamento e da organização da cidade e da metrópole contemporânea de São Paulo
(11).
notas
1
Do original: “In infrastructural urbanism, form matters, but more for what it can do
than for what it looks like”. ALLEN, Stan. Points +Lines. Diagrams and projects for
the city. Nova York, Princeton Architectural Press, 1999, p. 57.
2
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999, p. 403.
3
MAIA, Francisco Prestes. Estudo de um Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo.
São Paulo, Melhoramentos, 1930.
4
Idem, ibidem, p. 7.
5
A palavra sventramento está no original, em italiano, no estudo. No urbanismo italiano
das primeiras décadas do século 20, esse conceito designava a demolição de edificações
visando a eliminação de setores antigos e insalubres.
6
MAIA, Francisco Prestes. Op. cit., p. IX.
7
Idem, ibidem.
8
LEHTOVUORI, Pan. Abstractions and urban complexity. In Making Urban Change – Art and
Design Helsinki. Helsinki, The University of Art and Design Helsinki, 1996.
9
Ver COSTA, Sabrina Studart Fontenele. Edifícios modernos e o traçado urbano no Centro
de São Paulo (1938-1960). São Paulo, Annablume, 2015.
10
SOLÀ-MORALES, Manuel. De cosas urbanas. Barcelona, Gustavo Gilli, 2008, p. 146.
11
Ver CUNHA JR; Jaime. O edifício multifuncional em São Paulo. Desafios e
potencialidades para sua inserção no quadro urbano contemporâneo. Tese de doutorado.
São Paulo, FAU USP, 2018, p. 240.
sobre os autores
Regina Maria Prosperi Meyer é professora titular da FAU USP. Arquiteta pela
Universidade de Brasília – UnB em 1975. Mestre pela Barttett School of Architecture da
University College London em 1979. Doutora pela FAU USP em 1991. Criou o Laboratório
de Urbanismo da Metrópole – LUME – na FAU USP em 2000. Principais publicações: São
Paulo Metrópole (Edusp/Imprensa Oficial. 2004), e A Leste do Centro – territórios do
urbanismo (Imprensa Oficial, 2010).
Jaime Cunha Junior é mestre e doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo; arquiteto e urbanista pela Universidade Paulista –Unip .
Foi pesquisador do Laboratório de Urbanismo da Metrópole – LUME/FAU USP, e coordenador
de projetos na Bernardes + Jacobsen Arquitetura e Jacobsen Arquitetura. Atualmente
dedica-se à docência na Unip e projetos de arquitetura.