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Índice
Introdução
Prefácio da segunda edição
Prefácio da primeira edição
O homem não vive a não ser de política (vide nota)
O jornal e o seu leitor
A atenção deve incidir sobre os detalhes
Para construir o modo de vida é preciso conhecê-lo
A Vodka, a igreja e o cinema
Da Antiga à Nova família
A família e os ritos
As atenções e a delicadeza como condições necessárias para relações harmoniosas
É preciso lutar por uma linguagem depurada
Anexo
Perguntas e respostas sobre o modo de vida operário (Não consta neste documento)
Nota: Na edição impressa existe uma divergência no nome desse capítulo: a) no índice: "O homem
não vive a não ser de política"; b) no capítulo: "O homem não vive só de política" - mantivemos no
sítio os dois títulos.
Introdução
É acerca dessas primeiras experiências de vida colectiva que Trotsky disse que
deviam constituir os ―germens da vida nova‖. (Rostki novi jyzni). É também a
partir dessas primeiras experiências que os arquitectos e os urbanistas imaginarão
mais tarde as ―casas comunais‖ e os esquemas descentralizados de um novo
habitat socialista. Trotsky demonstrou que e essa ―vida nova‖, que é objecto
fundamental do socialismo, só pode ser edificada tendo em conta a relação
dialéctica que existe entre o desenvolvimento das forças produtivas e aquilo que
chama a ―esfera da moral‖. (Capítulo: Hábitos e Costumes).
Toda uma geração poderá hoje pensar que é só a partir de Maio de 68 que
certas correntes do movimento operário reflectiram sobre os problemas da vida
quotidiana: relações ócio/trabalho, condição feminina, família, gestão pelas
massas dos equipamentos colectivos, habitações de novo tipo, urbanismo e
quadro de vida. Poderá crer que só no fim de toda uma série de etapas: eleições,
Programa comum, democracia ―avançada‖, conducentes a um socialismo
indefinido, é que essas questões, conquanto essenciais, poderão ser abordadas.
Em As questões do modo de vida, Trotsky mostra que, na Rússia, foi logo no dia
imediato ao ato da Revolução que foram encaradas, apesar da miséria material e
da impreparação cultura, sob a forma de autênticas ―experiências sociais‖. Os
textos que apresentamos a seguir, que são inéditos, foram escritos há cerca de 50
anos. Seria absurdo buscar neles receitas acabadas para o futuro. A situação da
França e hoje poucas relações tem com a da Rússia de antes de 1917, quer se
trate do modo de vida ou de outros aspectos. Sabe-se hoje que se a libertação das
mulheres passa pela sua libertação econômica, essa é decerto uma medida
necessária mas não suficiente. Também os problemas da família, da habitação,
etc., se apresentam hoje em termos diferentes daqueles em que Trotsky os
colocava em 1923. Contudo, as abordagens por ele desenvolvidas podem ainda
permitir evitar certo número de erros, alguns dos quais já foram cometidos e
outros podem sê-lo ainda. E é essencial lembrar hoje que após a revolução e a
tomada do poder pela classe operária, sem deixar de encarar as etapas ligadas às
possibilidades materiais e culturais, o poder soviético pôs na ordem do dia não
apenas a elevação decalcada do modelo burguês, não apenas a colectivização dos
meios de produção e de troca mas o que então se chamava ―reconstrução do
modo de vida‖ inclusivamente nos seu detalhes aparentemente mais
insignificantes e mais íntimos.
***
Estes textos foram traduzidos por Joelle Aubert-Yong com base na 2ª edição
das Questões do modo de vida, publicada em Moscovo em 1923 pelas edições do
Estado (Gosizdat). Em 15 de Janeiro de 1925 Trotsky demitia-se das suas funções
de comissário do povo para o exército e a marinha; em 23-26 de Outubro de 1928
seria excluído do bureau político; em 15 de Novembro de 1927 seria excluído do
partido; em 16 de Janeiro de 1928 seria deportado para Alma-Ata; seria expulso
da URSS em 10 de Fevereiro de 1929 e assassinado em Coyoacan (México) em 20
de Agosto de 1940.
Anatole Kopp
L. Trotsky
4 de Julho de 1923
Esta idéia muito simples, é preciso que a compreendamos duma vez por todas
e que nunca a esqueçamos na nossa propaganda oral ou escrita. Cada época tem
a sua divisa. A história pré-revolucionária do nosso partido foi uma história de
política revolucionária. A literatura de partido, as organizações de partido tudo se
encontrava submetido à palavra de ordem de "política" no sentido mais estreito do
termo. A revolução e a guerra civil aumentaram ainda mais a acuidade e a
intensidade das tarefas dos interesses políticos. Durante esse período, o partido
reuniu nas suas fileiras os elementos politicamente mais ativos da classe operária.
No entanto, as conclusões políticas fundamentais desses anos são claras para a
classe operária no seu conjunto. A repetição mecânica dessas conclusões nada lhe
trará de novo; antes poderá desvanecer na sua consciência as lições do passado.
Após a tomada do poder e a sua consolidação em seguida à guerra civil, as nossas
tarefas fundamentais deslocaram-se para o domínio da construção econômica e
cultural, tornaram-se mais complexas, parcelaram-se, adquiriram um caráter mais
detalhado e, ao que parece, mais "prosaico". Mas, ao mesmo tempo, as nossas
lutas anteriores, com o seu cortejo de esforços e de sacrifícios, não encontrarão
justificação senão na medida em quê consigamos enunciar corretamente e
resolver as tarefas particulares, do dia a dia, aquelas que dependem do
"militantismo cultural".
Com efeito, o que é que a classe operária exatamente ganhou, o que é que
obteve no decurso das suas anteriores lutas?
Em que consiste hoje a nossa tarefa, que devemos nós aprender em primeiro
lugar, em que sentido devemos tender?
Quando o camarada Lênin afirma que as nossas tarefas de hoje não são tanto
políticas como culturais, é necessário entendermo-nos sobre a terminologia a fim
de não interpretar erradamente o seu pensamento. Num certo sentido, a política
domina tudo. O conselho do camarada Lênin de transferir a nossa atenção do
domínio político para o domínio cultural, é um conselho político. Quando um
partido operário, em tal ou tal país, decide que é necessário num dado momento
colocarem em primeiro plano as exigências econômicas e não as políticas, essa
decisão tem um caráter "político". É perfeitamente evidente que a palavra
"política", é utilizada aqui em dois sentidos diferentes: em primeiro lugar num
sentido largo, materialista-dialético, englobando o conjunto das idéias diretivas,
dos métodos e dos sistemas que orientam a atividade da coletividade em todos os
domínios da vida social; em segundo lugar, num sentido estreito, especializado,
caracterizando uma certa parte da atividade social, intimamente ligada à luta pelo
poder e oposta ao trabalho econômico, social, etc.. Quando o camarada Lênin
escreve que a política é economia concentrada, encara a política no sentido largo,
filosófico. Quando o camarada Lênin diz: "um pouco menos de política, um pouco
mais de economia", encara a política no sentido estreito e especializado do termo.
As duas acepções são igualmente válidas visto que legitimadas pelo uso. Importa
apenas compreender bem do que se fala em cada um dos casos.
***
Mas como chegar a isso? É difícil sustentar com este tipo de operários
questões de política pura. Já escutou todos os discursos. Não se sente atraído pelo
partido. O seu pensamento só desperta quando está junto da sua máquina e, de
momento, aquilo que não o satisfaz é a ordem que existe na oficina, na fábrica, no
trust. Esses operários procuram ir tão longe quanto possível na sua reflexão; são
freqüentemente reservados; vê-se sair das suas fileiras os inventores autodidatas.
Não é de política que se lhes deve falar, não é pelo menos isso que os apaixonará
ao primeiro contato, más, em compensação, pode e deve falar-se-lhe de produção
e de técnica.
Sem dúvida que não se pode ter por limite único uma série de manuais de
estudo. Se nos detivemos de forma tão detalhada sobre esse particular problema
foi porque ele nos oferece, ao que parece, um exemplo bastante evidente da nova
abordagem ditada pelos problemas do período atual. A luta pela conquista
ideológica dos proletários "apolíticos" pode e deve ser conduzida por meios
diversificados. É preciso editar semanários ou mensários científicos e técnicos
especializados por sector de produção; é preciso criar sociedades científicas e
técnicas destinadas a esses operários. É com vista a eles que, numa boa metade,
deve orientar-se a nossa imprensa profissional se de fato não quer ser uma
imprensa destinada unicamente ao pessoal dos sindicatos. Mas o argumento
político mais convincente para os operários desse tipo consistirá em cada um dos
nossos êxitos práticos no domínio industrial, em cada organização real do trabalho
na fábrica ou na oficina, em cada esforço ponderado do partido nessa direção.
Notas:
(1) É útil lembrar aqui a definição do "militantismo cultural" que dou nos meus "Pensamentos
sobre o Partido":
"Ao nível da sua realização política, a revolução parece ter-se "dispersado"#8221 em tarefas
particulares: é preciso reparar as pontes, ensinar a ler e a escrever, baixar o preço de custo da
fabricação das botas nas fábricas soviéticas, lutar contra a imundície, prender os escroques, levar a
eletricidade aos campos, etc. Alguns grosseiros intelectuais de espírito invertido (é decerto a razão
pela qual se consideram poetas e filósofos), falaram já da revolução com grandiosa
condescendência. Aprende-se, dizem eles, a vender (como é patusco) e a coser os botões (deixai-
nos rir). Mas deixemos esses tagarelas palrar no vazio. Realizar um trabalho puramente prático e
quotidiano no domínio da economia e da cultura soviéticas - mesmo no do comércio de retalho - de
modo nenhum significa ocupar-se de "coisas mínimas" e não implica necessariamente mentalidade
mesquinha. Coisas mínimas sem grandes coisas é o que mais abunda na vida humana. Mas em
história não se fazem nunca grandes coisas sem pequenas coisas. Mais exatamente: as pequenas
coisas, numa grande época, quando integradas numa grande obra, deixam de ser "pequenas
coisas".
Entre nós, trata-se da construção da classe operária, que, pela primeira vez, constrói para si e
segundo o seu próprio plano. Esse plano histórico, ainda extremamente imperfeito e confuso, deve
englobar no seu conjunto criativo único todos os elementos, mesmo os mais insignificantes, da
atividade humana.
Todas as tarefas menores e isoladas - até ao comércio soviético de retalho - são parte integrante
da classe operária dominante que procura ultrapassar a sua fraqueza econômica e cultural.
A construção socialista é uma construção planificada de grande envergadura. Através do fluxo e
refluxo, dos erros e das viragens, dos meandros da N.E.P., o partido persegue o seu plano, ensina
a cada um a ligar a sua atividade particular à obra geral, que exige hoje que se cosam os botões
com cuidado e que amanhã pedirá que se morra corajosamente sob a bandeira do comunismo.
Devemos exigir, e exigimos, da parte da nossa juventude, uma especialização superior e
aprofundada; deverá pois se libertar do principal defeito da nossa geração, que blasona de tudo
conhecer e de tudo saber fazer; mas tratar-se-á de uma especialização ao serviço do plano geral,
pensado e aceite por cada um em particular.
Este problema entre outros foi examinado pelos vinte e cinco agitadores e
propagandistas moscovitas reunidos em assembléia. Os seus pontos de vista, as
suas opiniões, as suas apreciações, foram estenografadas. Espero que poderei em
breve editar todo esse material. Os nossos camaradas jornalistas encontrarão aí
um grande número de amargas censuras, e devo confessar que, na minha opinião,
a maior parte delas são justificadas. A questão da organização da nossa agitação
escrita, e em primeiro lugar da nossa agitação jornalística, é demasiado
importante para que se deixe em silencio seja o que for. É preciso falar
francamente.
Há um provérbio que diz: ―É o uniforme que faz o general ...‖. É preciso pois
começar pela técnica jornalística. Esta é por certo melhor do que em 1919-1920,
mas mostra-se ainda extremamente defeituosa. Devido à falta de cuidado na
paginação e ao excesso de tinta, o leitor cultivado, e com mais razão aquele que o
não é, terá dificuldade em ler o jornal. Os jornais de grande tiragem destinados às
largas massas operárias, como o ―Moscovo trabalhador‖ ou ―Gazeta operária‖, são
extremamente mal impressos. A diferença de um exemplar para outro é muito
grande: umas vezes, quase todo o jornal é lisível, outras vezes não se
compreende quase metade. É por isso que a compra dum jornal se assemelha a
uma lotaria. Tomo ao acaso um dos últimos números da ―Gazeta operária‖.
Examino o ―canto das crianças‖: ―O conto do gato inteligente ...‖. Impossível lê-lo,
de tal modo a impressão é defeituosa; e isso destina-se a crianças! É preciso dizer
francamente: a nossa técnica em matéria de jornais é a nossa vergonha. Apesar
de nossa pobreza, apesar de nossa imensa necessidade de instrução, pagamos
com freqüência o luxo de sujar a quarta parte quando não mesmo a metade duma
folha de jornal. Um tal ―farrapo‖ não pode deixar de irritar o leitor; um leitor
pouco informado cansa-se disso, um leitor cultivado e exigente range os dentes e
despreza abertamente aqueles que assim troçam dele. Porque existe exactamente
alguém que escreve esses artigos, alguém que os pagina, alguém que os imprime,
e no fim de contas o leitor, não obstante todos os seus esforços não consegue
decifrar metade. Que vergonha e que infâmia! Quando do último congresso do
partido, dedicou-se atenção particular ao problema da tipografia. E põe-se a
questão: até quando vamos nós suportar tudo isto?
―É o uniforme que faz o general ...‖. Vimos já que uma impressão defeituosa
impede por vezes que se penetre no espírito de um artigo. Mas falta ainda saber
proceder a disposição do material, à paginação, às correcções, que são entre nós
particularmente mal feitas. Não é raro encontrar erros de impressão e enormes
gralhas, não só nos jornais mas também nas revistas científicas, em especial na
revista ―Sob a bandeira do marxismo‖. Leão Tolstoi disse um dia que os livros
eram um instrumento para difundir a ignorância. Esta afirmação de grande senhor
desdenhoso é, sem dúvida, totalmente enganosa. Mas, infelizmente, justifica-se
em parte... se se considera as correcções de que carece a nossa imprensa. E isso
também não se pode continuar a suportar! Se a imprensa não dispõe dos quadros
necessários, de correctores-revisores cultivados que conheçam o seu trabalho,
será então necessário aperfeiçoar no conjunto os quadros existentes. É preciso
dar-lhes cursos de apoio bem como cursos de instrução política. Um corrector
deve compreender o texto que corrige, caso contrário não será um corrector mas
um involuntário propagador da ignorância; a imprensa, diga o que disser Tolstoi,
é, e deve ser, um instrumento de educação.
Uma vez por semana, com preferência evidente pelo domingo, ou seja, o dia
em que o operário está livre, dever-se-ia fazer um balanço dos factos mais
significativos. Diga-se, a propósito, que um tal trabalho seria um maravilhoso
meio de educar os responsáveis das diversas rubricas. Aprenderiam assim a
investigar mais cuidadosamente o que liga entre si os diversos acontecimentos,
com reflexos benéficos sobre a redacção quotidiana de cada rubrica.
Um jornal não tem direito de não se interessar pelo que interesse às massas,
à multidão operária. Certamente que todo o jornal pode e deve dar a sua
interpretação dos factos visto que é chamado a educar, desenvolver e elevar o
nível cultural. Mas não atingirá esse objectivo, salvo se se apoiar nos factos e nos
pensamentos que interessem à massa dos leitores.
É indubitável que, por exemplo, os processos e o que se chama os ―faits
divers‖: desgraças, suicídios, crimes, dramas passionais, etc., sensibilizam
grandemente largas camadas da população. E isso por uma razão muito simples:
são exemplos expressivos da vida que se faz. Contudo, regra geral, a nossa
imprensa apenas concede muito pouca atenção a esses factos, limitando-se no
melhor dos casos a algumas linhas em pequenos caracteres. Resultado: as massas
colhem as suas informações, com freqüência mal interpretadas, de fontes menos
qualificadas. Um drama de família, um suicídio, um crime, uma sentença severa,
impressionam e impressionarão a imaginação. O ―processo de Komarov‖ eclipsou
mesmo durante um certo tempo o ―caso Curzon‖ (4) – escrevem os camaradas
Lagutine e Kasanski, da manufactura de tabaco ―Estrela Vermelha‖. A nossa
imprensa deve manifestar o maior interesse pelos ―faits divers‖: deve comentá-los
e esclarecê-los, deve fornecer deles uma explicação que, ao mesmo tempo, tenha
em conta a psicologia, a situação social e o modo de vida. Dezenas ou centenas de
artigos repetindo lugares comuns sobre o emburguesamento da burguesia e sobre
a estupidez dos pequenos burgueses não terão maior influência sobre o leitor do
que um importuno chuvisco de outono. Mas o processo dum drama familiar bem
descrito e ordenado no decurso duma série de artigos pode interessar milhares de
leitores, despertar-lhes pensamentos e sentimentos novos, descobrir-lhes um
horizonte mais vasto. Após o que alguns leitores solicitarão talvez um artigo geral
sobre o tema da família. A imprensa burguesa de sensação tira enorme partido
dos crimes e dos envenenamentos, jogando cm a curiosidade doentia e com o
mais vis dos instintos do homem em geral. Isso seria da mais pura hipocrisia.
Somos o partido das massas. Somos um Estado revolucionário e não uma
confraria espiritual ou um convento. Os nossos jornais devem satisfazer não só a
curiosidade mais nobre mas também a curiosidade natural; precisa-se apenas que
elevem e melhorem o nível dessa curiosidade, apresentando e esclarecendo os
factos de forma adequada. Os artigos e as pequenas notícias desse gênero têm
sempre e em toda a parte um grande sucesso. Ora, não se vêem quase nunca na
imprensa soviética. Dir-se-à que faltam para esse tema os necessários
especialistas literários. Isso porém só em parte é verdade.
***
Nem todos os jovens escritores propagandistas sabem escrever de modo a ser
compreendidos. Talvez porque não tiveram que rasgar caminho através da dura
carapaça do obscurantismo e da ignorância. Dedicaram-se à literatura de agitação
numa época em que, nas largas camadas da população, um conjunto de idéias, de
palavras e de tendências tinham já largo curso. Um perigo ameaça o partido: ver-
se cortado das massas sem partido, o que se deve ao hermetismo do conteúdo e
da forma da propaganda, à criação duma gíria política inacessível não só a nove
décimos dos camponeses mas também aos operários. A vida, porém, não pára um
único instante e as gerações sucedem-se.
Notas:
(4) O caso Curzon: trata-se dos manejos anti-soviéticos do diplomara inglês G. N. Kurzon (1859-
1925) que foi um dos organizadores da intervenção contra a URSS; em 1919 enviou uma nota ao
governo soviético emprazando-o a cessar o avanço das tropas do Exército Vermelho segundo uma
linha chamada ―linha Curzon‖. Em 1923 enviou um ultimatum provocador ao governo soviético,
ameaçando-o com uma nova intervenção.
Pedir que não se cuspa para o chão ou que não se lancem pontas de cigarros
nas escadas ou corredores, é um ―pequeno nada‖, uma exigência mínima, mas
que no entanto tem um significado educativo e econômico enormes. Aquele que,
sem se constranger, cospe numa escada ou num assoalho, é um inútil e um
irresponsável. Não é com ele que se pode contar para repor a economia de pé.
Não cuidará de seu calçado, partirá as vidraças, por descuido, será portador de
parasitas...
Hoje devemos conduzir uma luta por igual importante: temos de combater
todas as formas de indolência, de indiferença, de falta de asseio. De falta de
pontualidade, de moleza e de desperdício. Trata-se de graus e matizes diversos de
uma mesma doença: por um lado, uma atenção insuficiente; por outro uma
petulância de mau quilate. É preciso conduzir neste domínio uma acção de
envergadura, um combate quotidiano, persistente e sem quebra, no qual se faça
intervir, tal como quando nos foi necessário destruir a mentalidade ―partisane‖,
todos os meios disponíveis — a agitação, o exemplo, a exortação e o castigo.
O plano mais grandioso que não leve em conta os detalhes, não passa de pura
frivolidade. Para que servirá, por exemplo, o melhor decreto, se, por negligência,
não chega a tempo ao seu destino, se é recopiado com erros ou se é lido sem
atenção? O que é justo a nível inferior, sê-lo-à também a nível superior.
Notas:
(1) Este capítulo foi escrito há dois anos (Pravda: 1 de Outubro de 1921). Actualmente no exército
dispensa-se uma atenção infinitamente maior do que então à manutenção das baionetas e do
calçado. Mas, no conjunto, a palavra de ordem: ―a atenção deve incidir sobre os detalhes‖,
conserva ainda hoje todo o seu valor.
(2) Em russo: ―partizanssina‖: termo pejorativo designando os quadros do partido que querem ser
―mais partisans que o próprio partido‖, levando finalmente à anarquia e a ausência de disciplina.
Neste domínio, a nossa literatura artística não nos traz nenhuma ajuda. Pela
sua própria natureza, a arte é conservadora, está em atraso sobre a vida, é pouco
apta a apreender os fenômenos em vias de formação. ―A semana‖, de Libedinski (3)
suscitou da parte de alguns camaradas um entusiasmo que, confesso, me parece
imoderado e perigoso para o jovem autor. Dum ponto de vista formal e não
obstante alguns traços de talento, ―A semana‖ tem um caráter didático, e só um
trabalho intenso, obstinado e minucioso permitirá a Libendisnki tornar-se um
verdadeiro artista. Quero esperar que assim acontecerá. Mas não é este aspecto
do problema que nos interessa no presente. O êxito de ―A semana‖ deve-se não
às qualidades artísticas da obra, mas a forma ―comunista‖ de encarar a vida que
nela descreve. No entanto, sobre esse ponto preciso, a descrição carece de
profundidade. O ―comitê de província‖ é-nos apresentado de forma demasiado
científica, não raízes profundas, não se integra na região. É por isso que ―A
Semana‖, no seu conjunto, se assemelha a um romance em episódios, como essas
novelas que descrevem a vida da emigração revolucionária. Decerto que é
interessante e instrutivo descrever o ―modo de vida‖ de um comitê da província,
mas as dificuldades e o interesse surgem quando a vida de uma organização
comunista entra em contato — tão estreitamente como ossos do crânio se
interligam — com a vida quotidiana do povo. Deve-se atacar os problemas de
forma radical. É por isso que o ponto de junção do partido comunista com as
massas populares é o lugar fundamental de todo o acto histórico de colaboração
ou oposição.
Entre nós, na nossa Rússia atrasada, o movimento das luzes não assumiu a
sua importância antes da segunda metade do século XIX. Tchernychevski,
Pissarev, Dobroliubov, saídos da escola de Belinski, orientaram a sua crítica não
tanto quanto às relações econômicas como sobre a incoerência, o seu carácter
reacionário e asiático do modo de vida, opondo ao tipo de homem tradicional um
homem novo, um ―realista‖, um ―utilitarista‖, que desejava construir a sua vida
segundo as leis da razão e que depressa se transformou numa ―personalidade
crítica‖. Esse movimento, que se confundiu com o populismo, representa a forma
russa e tardia do Século das Luzes. Mas se os espíritos esclarecidos do século
XVIII francês apenas puderam numa muito escassa medida transformar um modo
de vida e uns costumes elaborados não pela filosofia mas pelo mercado, se o
evidente papel histórico das Luzes na Alemanha foi ainda mais limitado, a
influência directa da inteligentsia russa esclarecida sobre o modo de vida e os
costumes do povo foi praticamente nula. No fim das contas, o papel histórico do
movimento das Luzes na Rússia, incluindo nele o populismo, reduzia-se a preparar
as condições do surto dum partido revolucionário proletário.
Mas tal implica que os nossos êxitos no domínio do modo de vida dependam
estreitamente dos nossos êxitos do domínio econômico. Sem dúvida que, mesmo
considerando a nossa situação econômica actual, poderíamos aumentar a crítica, a
iniciativa e a racionalidade no que respeita ao nosso modo de vida. É nisso que
conciste uma das tarefas fundamentais da nossa época. Mas é evidente que uma
reconstrução radical do modo de vida (libertar a mulher de sua situação de
escrava doméstica, educar as crianças num espírito coletivista, libertar o
casamento das imposições econômicas, etc.), não é possível senão na medida e
que as formas socialistas da economia substituam as formas capitalistas. A análise
crítica do modo de vida é hoje a condição necessária para que esse modo de vida,
conservador devido as suas tradições milenárias, não se mantenha em atraso em
relação as possibilidades de progresso presente e futuro que nos abrem os nossos
recursos econômicos atuais. Por outro lado, os êxitos mesmo os mais ínfimos, no
domínio do modo de vida, que permitam elevar o nível cultural do operário e da
operária, alargam imediatamente as possibilidades de uma racionalização da
economia e, por conseqüência, de uma acumulação socialista mais rápida; este
último ponto oferece por sua vez possibilidades de novas conquistas no domínio
da coletivização do modo de vida. A dependência aqui é dialectica: o factor
histórico principal é a economia, mas nós, partido comunista, Estado operário, não
podemos agir sobre ela a não ser por intermédio da classe operária, elevando
continuamente a qualificação técnica e cultural dos seus elementos constitutivos.
O militantismo cultural, num Estado operário, serve o socialismo, e o socialismo
significa a expansão da cultura sem classes, duma cultura humana e humanitária.
Notas:
(1) Gleb Uspenski (1843-1902): escritor realista ligado à ―escola natural‖, cujas obras oferecem
um panorama completo da vida do povo miúdo (pequenos funcionários, camponeses, operários).
―Os costumes da rua Rasteriaev‖, são a sua obra mais importante.
(3) Libedinski luri Nikolaevitch (1898-1959), um dos primeiros representantes da jovem prosa
soviética. Participa da guerra civil, da qual dá uma descrição romântica na sua primeira novela- ―A
semana‖.
O fato de até o presente, isto é, desde há quase em breve seis anos, não
temos dominado o cinema, mostra até que ponto somos toscos e ignaros, para
não dizer simplesmente tacanhos. É um instrumento que se nos oferece o melhor
instrumento de propaganda qualquer que esta seja — técnica, cultural, anti-
alcoólica, sanitária e política; permite uma propaganda atraente e acessível a
todos, que fala a imaginação e que além disso, constitui uma fonte possível de
rendimento.
Notas:
(1) Estas linhas estavam já escritas quando encontrei no último artigo do ―Pravda‖ (datado de 30
de junho) o seguinte extrato de um artigo que o camarada Gordeev tinha enviado a redação: ―a
indústria cinematográfica é um empreendimento extremamente lucrativo, que oferece imensos
benefícios. A utilização judiciosa, racional e sensata do monopólio do cinema poderia representar
para as nossas finanças uma melhoria semelhante à que trazia o monopólio da venda da vodka às
finanças tzaristas‖. Mais adiante, o camarada Gordeev expõe considerações práticas sobre a forma
de transpor para o cinema o modo de vida soviético. Eis aqui um problema que requer uma análise
seria e concreta!
(2) Kulitch e Paskha: bolos pascais. Kulitch: espécie de bolo cilíndrico; paskha: bolo de queijo
branco, de forma piramidal.
Tomar o poder foi o mais simples. Mas isso ocupou todas as nossas forças
durante o período da revolução e exigiu inumeráveis sacrifícios. A guerra civil teve
necessidade de medidas extremamente austeras. Os espíritos triviais e pequeno-
burgueses denunciavam a selvajaria dos costumes, a sangrenta corrupção do
proletariado, etc. Mas, de facto, através das medidas de constrangimento
impostas pela revolução, o proletariado lutava por uma nova cultura, por um
verdadeiro humanismo. No domínio econômico, durante os quatro a cinco
primeiros anos do regime, conhecemos um período de destruição, de completa
degradação da produtividade. Os inimigos viam nisso, ou queriam ver, o
apodrecimento do regime soviético. Mas, de facto, tratava-se unicamente duma
inevitável etapa de destruição das antigas formas da economia e das primeiras e
frágeis tentativas para criar outras novas.
No domínio da família e do modo de vida houve também um período inevitável de
deslocação de todas as formas antigas e tradicionais, herdadas do passado. Mas
esse período de crise e de destruição é mais tardio, tem mais longa duração, é
mais penoso e mais doloroso, ainda que as suas formas, em extremo parcelizadas,
não sejam sempre visíveis quando de um exame superficial. É necessário termos
clara consciência dessas fracturas nos domínios político, económico e do modo de
vida, para não nos assustarmos com os fenómenos que observamos e, em vez
disso, os avaliar com exactidão, isto é, para compreender por que se manifestam
na classe operária e para agir sobre eles de forma consciente no sentido de uma
socialização das formas do modo de vida.
Não nos desorientemos, repito, visto que já se fizeram ouvir vozes temerosas.
Durante a reunião dos agitadores moscovitas, certos camaradas sublinharam, com
justificada inquietação, a facilidade com que se rompem os antigos laços familiares
e se atam novos laços, por igual pouco sólidos. A mãe e os filhos são aqueles que
com isso mais sofrem. Por outro lado, quem dentre nós não terá escutado essas
ladaínhas sobre a ―decadência‖ dos costumes da juventude soviética,
particularmente dos komsomols (Komsomol ou Comsomol (em russo, Комсомол) — a
organização juvenil do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) ) . Essas lamentações não
são por certo todas exageradas e possuem um fundo de verdade. Se encararmos
as coisas de forma relativa, há que lutar para elevar a cultura e a personalidade
do individuo. Mas se se coloca correctamente o problema, sem nos deixarmos
arrastar por um moralismo reaccionário ou por uma melancolia sentimental,
apercebemo-nos de que é preciso, antes de mais, conhecer o que existe e
compreender o que se passa.
O marido, comunista, faz uma vida social activa, progride e encontra nela o
sentido da sua vida pessoal; Mas a mulher, também comunista, deseja tomar
parte no trabalho da colectividade, participar nas reuniões, trabalhar no Soviete
ou no sindicato. A família desagrega-se pouco a pouco ou a intimidade familiar
desaparece, os conflitos multiplicam-se, o que suscita uma irritação mútua que
conduz ao divorcio.
Assim, uma nova vida conduz a família de tipo novo: a) a educação da classe
e do individuo na classe, e b) enriquecimento material da classe que forma o
Estado. Estes mecanismos estão estreitamente ligados entre si.
Entenda-se bem que o que se acaba de dizer de modo nenhum significa que
exista um momento exacto de desenvolvimento material favorável à aparição
imediata desta nova família. Não, a formação da nova família é possível a partir do
presente. É verdade que o Estado não pode ainda encarregar-se da educação
colectiva das crianças, da criação de lavandarias colectivas nas quais as roupas
não sejam rasgadas ou roubadas. Mas isso em nada impede as famílias mais
progressistas de tomar a iniciativa de se reagruparem desde já numa base
colectivista. Semelhantes experiências devem, por certo, ser conduzidas com a
maior prudência a fim de que os meios técnicos de ordenação colectiva
correspondam aos interesses e as exigências do próprio grupo e proporcionem a
todos os membros vantagens evidentes, mesmo que ainda mínimas, nos primeiros
tempos.
Notas:
(1) Semachko Nicolas Alexandrovitch (1874-1949): foi o primeiro comissário do povo para a saúde
publica. Desenvolveu a profilaxia, a política de defesa da mãe e da criança, etc.
Notas:
Existe porém ainda entre nós — e é aí que mais dói — um outro tipo de
grosseria, uma grosseria ancestral, a do rico, do ―barine‖, que vem da época da
servidão, penetrada de uma odiosa baixeza. Ainda não desapareceu e não é fácil
livrarmo-nos dela. Nos organismos de Moscovo, especialmente nos mais
importantes, essa superioridade de grande senhor não se manifesta na sua forma
mais combativa — não se grita nem gesticula perante os solicitantes — mas
apresenta-se com mais frequência sob o aspecto de um formalismo
desumanizado. Não é por certo esta a única fonte do ―burocratisrno e da lentidão
administrativa‖, mas é um dos seus factores essenciais: uma total indiferença
perante os indivíduos e o seu trabalho. Se fosse possível registrar numa fita
particularmente sensível as consultas, as respostas, as explicações, as ordens e as
prescrições que se verificam em todos os departamentos de um organismo
burocrático de Moscovo no decurso de um só dia. obter-se-ia um conjunto
particularmente demonstrativo. E é ainda pior na província, especialmente onde a
cidade entra em contacto com o campo.
É claro que esse trabalho de denúncia e de educação deve ser isento de toda a
maledicência, de toda a intriga, de toda a acusação gratuita, de toda a manigância
e de toda a demagogia. Mas tal trabalho, conduzido correctamente, é necessário e
vital, parecendo-me que os responsáveis dos jornais devem encarar os meios de o
realizar.
Notas:
A luta contra a grosseria faz parte da luta pela pureza, a clareza e a beleza da
linguagem.
Notas:
(1) O caso Curzon: trata-se dos manejos anti-soviéticos do diplomara inglês G. N. Kurzon (1859-
1925) que foi um dos organizadores da intervenção contra a URSS; em 1919 enviou uma nota ao
governo soviético emprazando-o a cessar o avanço das tropas do Exército Vermelho segundo uma
linha chamada ―linha Curzon‖. Em 1923 enviou um ultimatum provocador ao governo soviético,
ameaçando-o com uma nova intervenção.
(2) Kit kitych: nome colectivo aparecido no início do século XIX e que designa um tipo de
comerciante, déspota familiar, cujos traços característicos eram a grosseria e a astúcia.
(3) Em russo: ―bab‘jo‖, termo pejorativo, denominação colectiva que rebaixa a mulher à categoria
de animal de carga.
(6) ―Domostroj‖: recolhida escrita no século XVI, em que são reunidas as regras fundamentais da
vida quotidiana, fundada principalmente numa submissão total ao chefe de família.