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Elena Vássina
Como
dizia
o
próprio
Ivan
Gontcharóv,
o
sucesso
do
romance
Oblómov,
publicado
em
1859,
superou
suas
expectativas:
o
escritor
foi
logo
reconhecido
como
clássico
nacional.
L.
Tolstói
escreveu
a
um
de
seus
correspondentes:
"Há
muito,
muito
tempo
não
temos
uma
obra
tão
fundamental
quanto
Oblómov.
Diga
a
Gontcharóv
que
fiquei
maravilhado
com
o
romance
e
estou
lendo-‐o
mais
uma
vez"
Turguêniev
declarou
que
Oblómov
(o
protagonista
que
deu
o
titulo
ao
livro)
“será
sempre
lembrado,
enquanto
houver
russos,
ainda
que
haja
apenas
um”.
E
podemos
acrescentar
que
Oblómov,
um
dos
mais
encantadores
personagens
de
toda
a
literatura
russa,
será
não
só
lembrado,
mas
também
admirado.
Como
diz
seu
amigo
Stolz
(é
ele
que
conta
a
história
da
vida
de
Oblómov
ao
autor
do
romance,
“seu
amigo,
um
literato
gordo
de
rosto
apático,
pensativo,
com
olhos
que
pareciam
sonolentos”),
“Depois
que
o
conhecemos,
é
impossível
deixar
de
amá-‐lo”.1
Oblómov
expressa
par
excellence
um
significativo
arquétipo
do
caráter
e
do
modo
de
vida
nacional
russo.
E
não
podemos
deixar
de
concordar
com
Vassíli
Rózanov,
escritor
e
filósofo
russo:
“É
impossível
falar
dos
russos
sem
mencionar
Oblómov...
Aquela
essência
que
chamam
de
‘alma
russa’,
de
‘natureza
russa’,
obteve,
sob
a
pena
de
1
Todas
as
citações
do
romance
são
da
trad.
de
R.
Figueiredo.
Gontcharóv,
um
de
seus
maiores
fundamentos,
as
descrições,
interpretações
e
ponderações
sobre
si
mesma...
‘Eis
a
nossa
mentalidade’,
‘eis
o
nosso
caráter’,
‘eis
o
resumo
da
história
russa’”.
O
protagonista
Iliá
Ilitch
Oblómov,
um
homem
de
trinta
e
dois
anos,
passa
a
maior
parte
de
sua
vida
deitado
na
cama,
sem
fazer
absolutamente
nada.
Gontcharóv
instiga-‐
nos
a
comparar
o
preguiçoso
e
passivo
Oblómov
a
seu
melhor
amigo,
Stolz,
enérgico
e
ativo.
Mas,
paradoxalmente,
ficamos
atraídos
por
Oblómov,
que
nos
cativa
com
a
autenticidade
de
seu
caráter,
a
profundidade
e
a
total
liberdade
interior.
Oblómov
é
tão
íntegro
e
perfeito,
como
a
letra
“o”
que
se
repete
três
vezes
em
seu
sobrenome
e,
notemos,
está
muito
bem
representada
pela
imagem
do
círculo
na
capa
da
edição
da
Cosac
Naify.
O
caráter
profundo
e
puro
de
Oblómov
e
a
luz
que
sua
alma
irradia
fazem
o
leitor
pensar
sobre
o
valor
da
não
ação
(e
pressupõe-‐se
também
a
não
participação
no
mal),
que
se
torna
a
base
filosófica
da
existência
de
Oblómov.
Stolz
diz,
sobre
Oblómov:
“Seu
coração
não
emite
nenhuma
nota
falsa...
Nenhuma
mentira
vistosa
vai
seduzir
seu
coração
e
nada
o
desviará
para
um
caminho
falso;
mesmo
que
à
sua
volta
se
agite
todo
um
oceano
de
sordidez,
de
maldade,
mesmo
que
o
mundo
inteiro
esteja
impregnado
de
veneno
e
vire
de
cabeça
para
baixo,
Oblómov
jamais
se
curvará
ao
ídolo
de
mentira,
seu
espírito
sempre
será
puro,
claro,
honesto...
É
uma
alma
cristalina,
transparente;
há
poucas
pessoas
assim;
são
raras...
nunca
vi
um
coração
mais
puro,
mais
luminoso
e
mais
simples...”
Ao
contrapor
a
não
ação
de
Oblómov,
que
constitui,
antes
de
qualquer
coisa,
a
razão
filosófica
de
sua
existência,
à
movimentação
frenética
de
Stolz,
o
escritor
suscita
um
sério
dilema
existencial:
será
que
a
correria
incessante
do
trabalho
de
Stolz
faz
sentido?
Oblómov
pergunta
a
Stolz
se,
um
dia,
quando
duplicar
o
capital,
ele
vai
parar
de
trabalhar
para...
começar
a
viver.
Mas
Stolz
nem
entende
o
que
significa
viver
sem
trabalhar,
parece-‐lhe
um
absurdo,
pois
“o
trabalho
é
a
forma
e
o
conteúdo,
o
princípio
e
o
fim
da
vida”.
O
turbilhão
do
mundo
pragmático
perde
seu
sentido,
mas
o
fracasso
de
Oblómov,
“poeta
na
vida”,
para
quem
“a
vida
é
poesia”
é
também
inevitável
–
este
é
um
motivo
que
transparece
de
modo
realmente
trágico
no
romance
e
que,
porém,
se
supera
pela
linguagem
divinamente
objetiva
do
escritor.
E
então
se
evidencia
um
traço
característico
do
método
de
Gontcharóv,
que
o
poeta
e
escritor
D.
Merejkóvski
observou
com
precisão:
“Pela
surpreendente
sensatez
da
concepção
de
mundo,
Gontcharóv
aproxima-‐se
de
Púchkin...
Em
seu
coração,
a
vida
desenha-‐se,
impassível
e
claramente,
como
as
minúsculas
ervinhas
e
as
longínquas
estrelas
refletem-‐se
num
profundo
manancial
de
florestas,
protegido
do
vento.
Há
uma
vivacidade
especial
na
sensatez,
na
simplicidade
e
na
boa
saúde
de
seu
vigoroso
talento”.
O
romance
de
Gontcharóv,
na
primeira
tradução
direta,
brilhante
e
impecável,
de
Rubens
Figueiredo,
abre
aos
leitores
brasileiros
uma
nova
porta
para
o
universo
da
literatura
clássica
russa,
que
desta
vez
se
ilumina
com
“o
mais
puro
e
o
mais
luminoso
coração”,
o
coração
de
Oblómov.