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REFLEXÕES SOBRE A PESQUISA NAS CIÊNCIAS

HUMANAS

Marcello Baquero
Maria Augusta S. Goncalves
Rute V. A. Baquero

RESUMO

O artigo discute a questão da produção de conhecimento nas Ciências Humanas, apontando o


que se considera alguns dos principais problemas no desenvolvimento de pesquisa na área,
examinando a polêmica entre as abordagens quantitativa e qualitativa e apresentando, de forma
comparativa, as abordagens que convivem, com maior freqüência, no panorama epistemológico
da área.

ABSTRACT

This paper diseusses the question of the construction of knowledge in the Human Sciences,
pointing out what is considerei some of the main problems in research development in this area.
It examines, at the same time, the ongoing discussion among those who defend the qualitative
research and those who defend the quantitative approach. Finally, itpresents, in acomparative
perspective, the approaches that are most frequently used in the epistemological sense in the
area.

* Professor do Programa de Mestrado em Ciência Política da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul
Professoras do Programa de Mestrado em Educação da Unisinos

BarBarói. Santa Cruz do Sul, n.X p. 1 7-32, mar.95.


A produção do conhecimento na área das Ciências Humanas enfrenta, crítica em nosso meio,
expressão de urna crise que pode ser configurada sob diferentes perspectivas, e que tem diferentes
raízes e variadas conseqüências.

Legisladores não estão dispostos a apostar numa área cujos resultados não são tão visíveis. Afinal,
se trata de investigar questões de natureza política, educacional, psicológica, antropológica, filosófica.
Em decorrência, menos recursos são canalizados para a área, comparativamente aos recursos investidos
nas chamadas Ciências "hard", com um efeito perverso para o avanço das Ciências Humanas.

Também fica difícil, alegam os críticos, uma defesa do ponto de vista prático, considerando os
resultados da utilização do conhecimento científico produzido na área. A título de ilustração, basta
referir a baixa eficácia de dois sistemas alimentados por conhecimentos produzidos na área de Ciências
Humanas: o sistema educacional e o sistema político. O sistema educacional convive com baixos níveis
de produtividade, apresentando altas taxas de evasão e repetência, altos índices de analfabetismo, entre
outros. O sistema político, por sua vez, apresenta baixos índices de eficácia política por parte dos
cidadãos e a questão da representação política está constantemente em questão.

Algumas das motivações que orientam essas criticas têm a ver com uma visão de cunho
economicista, onde as Ciências Humanas são visualizadas como áreas não rentáveis e a aplicação de
recursos nesta área é considerada
custo e não investimento.

Neste sentido, e numa perspectiva de "globalização" da economia, sai mais em conta importar
tecnologia do que investir na produção científica que possibilite gerá-la. Se isso é verdadeiro para as
Ciências hard, não deixa de ser aplicado também às Ciências Humanas. No campo da educação, por
exemplo, marcou a era dos "pacotes instrucionais" para o ensino de Ciências, produzidas no exterior e
utilizados como modelos de ensino em nossas escolas.

No entanto, no que pese argumentações procedentes, contrárias à crítica - a tecnocracia dos anos
80 e atualmente as limitações do neoliberalismo, que exige produtividade e "qualidade total", sem
considerar as condições materiais da produção científica na área, em geral condições deficitárias no que
diz respeito à infra-estrutura (acervo de bibliotecas em periódicos e livros, redes de computação, espaço
físico para equipes de pesquisa, etc), para não referir os baixos salários dos pesquisadores na área e os
escassos recursos financeiros, corno apoio à participação em eventos científicos como meio de
divulgação e intercâmbio científico na área - o caso é que razões outras podem ser apontadas para esse
estado de coisas. Tais razões estão intimamente relacionadas com a forma como é@produzido o
conhecimento nessa área e os problemas disso decorrentes.

Trata-se, nessa perspectiva, de mergulhar na área de Ciências Humanas buscando uma compreensão
dos problemas a partir da produção gerada na própria área.

Que crise é essa? Como pode ser configurada? Quais são suas raízes? Que conseqüências tem
gerado?

Tomando como referência alguns textos que focalizam a questão da geração do conhecimento na
área, seja avaliando a produção discente dos programas de pós-graduação em educação no Brasil
(WARDE, 1993), seja discutindo parâmetros avaliativos dessa produção (BAQUERO, 1986) ou ainda
interrogando sobre questões de teoria e método nas Ciências Sociais (REIS, 1993), é possível configurar
na área de Ciências Humanas o que se poderia denominar de: (1) uma crise de natureza epistemológica,
(2) uma crise de natureza metodológica, (3) uma crise de relevância e (4) uma crise de finalidade.

A crise de natureza epistemológica é gerada quando não há clareza quanto à teoria do conhecimento
que orienta o fazer científico em determinada área. Suas raízes estão no desconhecimento, por parte do
pesquisador, dos quadros de referência que norteiam a constituição de uma área de conhecimento.
Entenda-se quadro de referência, na acepção de BRUYNE et alli, como "(... ) uma espécie de matriz
disciplinar que reagrupa um conjunto de paradigmas, no sentido dado a esse termo por Thomas S. Kuhn:
um conjunto de conhecimentos científicos (... ) universalmente reconhecidos que, durante certo tempo,
fornecem a um grupo de pesquisadores problemas-tipos e soluções" (p.133).

A crise epistemológica se expressa também, quando, embora haja explicitação do quadro de


referência, o autor utiliza teorias contraditórias entre si e, portanto, não consistentes com o paradigma
referenciado.

Outra ilustração dessa crise é a "miscelânea conceitual", caracterizada pela justaposição de


fragmentos discursivos de várias fontes teóricas. Em geral, ecletismo e indefinição teórica acompanham
essa fragmentação discursiva.

A baixa densidade teórico-conceitual configura-se, portanto, como a principal conseqüência de uma


crise de natureza epistemológica.

A crise de natureza metodológica tem a ver com a questão de rigor e consistência na aplicação de um
conjunto de procedimentos que orientam a construção do conhecimento. Tem suas raízes na falta de
domínio, por parte do pesquisador, do instrumental técnico de pesquisa, segundo um determinado modelo
de se fazer ciência. Envolve questões relacionadas com a clarificação do problema, o delineamento do
estudo, a especificação das unidades de investigação, a definição das técnicas de análise e interpretação
dos resultados. Por desconhecimento das diferentes metodologias de investigação - suas possibilidades e
restrições - o pesquisador não tem as condições necessárias para julgar a adequação da utilização de uma
técnica em detrimento de outra. Como conseqüência disso, observa-se a escolha do procedimento
metodológico, obedecendo a "modismos" e não como resultado de uma opção metodológica deliberada e
lúcida. Dessa forma, a "rationale" de escolha do tipo de pesquisa se assenta na argumentação, por
exemplo, de que "pesquisa participante é melhor porque é mais crítica", ou, no outro extremo, "o 'survey
é mais adequado por ser um trabalho mais científico, porque usa dados estatísticos" desconsiderando o
eixo principal na definição metodológica - o problema da investigação, sob uma determinada perspectiva
epistemológica.

Nesta perspectiva também, a metodologia é concebida de forma deslocada da teoria. O pesquisador


desconhece o que REIS (1 990) denomina de " (... ) caráter eminentemente instrumental da teoria e seu
acoplamento necessário com problemas metodológicos" e toma decisões na área da metodologia sem
considerar a linha teórica que sustenta o trabalho, quebrando a unidade teórico-metodológica.

A baixa densidade teórico-conceitual e a falta de consistência nos resultados - conseqüências da crise


de natureza epistemológica e da crise de natureza metodológica -concorrem, por sua vez, para a instalação
de uma crise de relevância na área.

A crise de relevância é aqui entendida numa tríplice dimensão: em termos do aprofundamento


teórico do campo de conhecimento e das possibilidades para a mudança social e, em termos da aplicação
prática dos resultados da investigação.

Manejo inadequado de procedimentos metodológicos e falta de domínio teórico da área de


conhecimento têm levado à derivação de resultados científicos e sociais pouco relevantes, colocando em
questionamento a própria área de conhecimento e sua possível contribuição no encaminhamento de
problemas em nosso meio, instaurando o que se denomina de "crise de finalidade".

Uma questão de cerne que gira em torno das diferentes crises mencionadas é a relativa à discussão
que se trava entre abordagens quantitativa e qualitativa da pesquisa. Por um lado estão os que defendem a
abordagem qualitativa, baseados no argumento de que através desta metodologia é possível resgatar
informações ignoradas por outras abordagens. No outro lado estão os chamados quantitativistas, que
defendem a realização de pesquisas que visam a generalizar e criar conceitos homogêneos, capazes de
explicar os fenômenos estudados. Esta discussão que pode ser considerada antiga, tem levado à
realização de pesquisas que acabam nem generalizando, nem aprofundando as temáticas estudadas. Isto
se deve, em parte, ao fato de que a dicotomia qualitativo-quantitativo tem sido aplicada com rigidez e
misturada com ideologia. Nesse sentido, toma-se oportuno desmistificar alguns mitos que se têm criado
em tomo da dicotomia acima aludida. O primeiro ponto a ser enfatizado é a necessidade de se ter clareza
quando se discute essa divergência: se está abordando a questão a partir de um ponto de vista puramente
técnico ou de um ponto de vista filosófico.

Do ponto de vista filosófico, a ênfase se encontra no aspecto epistemológico, ou seja, nos


princípios que orientam a construção do conhecimento. No lado técnico, o debate está centrado na
maneira mais adequada de coletar dados e informações. A tendência tem sido em associar a base
epistemológica a uma determinada técnica de coleta de dados (positivista-quantitativo; marxista-
qualitativo). Parece persistir ainda, posturas rígidas e dicotômicas entre os qualitativistas e
quantitativistas. A própria bibliografia produzida sobre esse tema tem contribuído para manter um
distanciamento e, conseqüentemente, falta de comunicação entre essas duas formas de construir
conhecimento.

A abordagem quantitativa aplica a Ciência Natural Positivista ao estudo dos fenômenos sociais.
Subjacente a esta abordagem está a idéia de causalidade entre variáveis e a ênfase em conceitos tais
como: objetividade, validade, operacionalização de variáveis, etc. Nesse tipo de pesquisa a técnica mais
utilizada é o levantamento de dados "survey", na medida em que possibilita a transformação das
informações coletadas em códigos que podem, posteriormente, ser analisados via técnicas estatísticas.
Estudos que recorrem a essas técnicas são descritos como sendo positivistas e empiristas. Este tipo de
afirmação denota defesa de uma maneira de construir conhecimento, caracterizando-se como uma
postura epistemológica que enfatiza o distanciamento do pesquisador do objeto de estudo, a neutralidade
e a objetividade.

A abordagem qualitativa, por sua vez, defende o envolvimento pessoal do pesquisador com o
objeto de estudo. O mundo social, nesta perspectiva, é visto através do pesquisador que busca
compreender os sistemas de significados utilizados por um grupo ou uma sociedade. Os defensores
desta abordagem argumentam que este tipo de pesquisa é mais flexível e mais realista, na medida em
que os planos de coleta de dados podem ser alterados em virtude de ocorrências durante a pesquisa. A
orientação filosófica da metodologia qualitativa é a fenomenologia, a qual toma como ponto de partida a
perspectiva do pesquisado. Neste sentido, difere da metodologia quantitativa que, se presume, impõe
uma realidade à população investigada.

Os qualitativistas argumentam que suas técnicas são mais sensíveis à complexidade dos fenômenos
sociais e produzem, portanto, dados mais ricos do que aqueles gerados pela abordagem quantitativa, que
são produzidos por relações causais entre variáveis consideradas de forma arbitrária e distanciadas do
mundo real.

Esses debates, na verdade, ocorrem num nível epistemológico, e tentativas são feitas para conectá-
los com a prática de pesquisa social.

Há a necessidade, portanto, do pesquisador clarificar as bases epistemológicas sobre as quais seu


estudo será desenvolvido. Assim, a questão preliminar não é saber que técnica é a mais apropriada para a
coleta de dados, mas, face ao uso de determinado paradigma, qual o instrumento de pesquisa que
adequadamente responde às suas exigências. As considerações preliminares para responder a esta questão
devem partir do conhecimento do pesquisador dos paradigmas prevalecentes nas Ciências Humanas.
A Figura 1 apresenta um esquema do processo de construção de conhecimento em duas orientações:
na perspectiva marxista e na perspectiva positivista.

FIGURA I

Processo de Construção de Conhecimento nas Perspectivas


Marxista e Positivista
Abordagem Marxista Abordagem Positivista

abstrato abstrato

concreto concreto concreto generalização

Na abordagem marxista busca-se transformar a realidade pesquisada,


enquanto que o pressuposto do positivismo é a explicação-descrição e generalização da realidade
investigada. As duas primeiras etapas nas duas abordagens são idênticas, ou seja, parte-se do concreto e
passa-se para a teorização ou abstração do fenômeno investigado. No entanto, há uma diferença no que
diz respeito à abordagem marxista na terceira etapa. Enquanto que a abordagem marxista volta ao
concreto para transformar a realidade estudada, o positivismo, na medida em que aceita como dado a
harmoniadosistemainvestigado,buscasimplesmenteexplicaregeneralizar.

A escolha da técnica de investigação envolve um processo de reflexão e compromisso do


pesquisador com um conjunto de princípios filosóficos. Embora o pressuposto da transformação sugira
que técnicas de intervenção sociológica (pesquisa participante, pesquisa-ação, etc.) sejam as mais
indicadas, enquanto que o pressuposto de que um sistema ou sociedade é estável e harmônico exige que
meramente se descreva ou explique com vistas a generalizar, sugerindo, portanto, que técnicas
quantitativas seriam as mais indicadas, é possível que o quantitativista incorpore nas suas considerações
dados gerados por técnicas qualitativas, enquanto que os qualitativistas não negligenciem dados coletados
por técnicas quantitativas.

A seguir, são apresentadas algumas reflexões relativas as três abordagens de pesquisa que, com
maior freqüência, convivem no panorama epistemológico das Ciências Humanas: a abordagem do método
científico, a abordagem fenomenológico-hermenêutica e a abordagem dialética. Uma síntese dessas
abordagens está apresentada no Quadro 1.

(TABELA)
26

O método científico, aplicado inicialmente às Ciências da Natureza teve as suas raízes em teorias
do conhecimento antagônicas e irreconciliáveis em seus extremos: o racionalismo e o empirismo. As
figuras mais marcam nestas duas correntes foram DESCARTES (1 596-1650) e BACON (1 5 1626). Em
conformidade com o espírito do Renascimento, que encerra u afirmação do homem em todos os âmbitos
da vida humana, Descarte Bacon buscaram a criação de um método leigo que permitisse ao homem
conhecer e dominar a natureza, tornando o pensamento independente autoridade religiosa. Descartes, pai
da corrente racionalista, vê a razão co a única fonte do conhecimento e a matemática como o instrumento
fundamental do conhecimento científico, como o "elo entre o homem e universo" (CASSIRER, s.a, p.37).
Bacon, precursor da corrente empirista defendeu o valor da experiência sensível no conhecimento,
atribuindo verificação de fatos metodicamente observados a validade do conhecimento. Essas duas
correntes atravessam os séculos até a nossa época, abrigando diferentes posicionamentos.

A tradição racionalista perpassa o pensamento de filósofos com LEIBNITZ (1 646-1716) e


SPINOZA (1 632-1677), que acentuaram o valor da dedução lógica na aquisição do conhecimento. A
corrente empirista te os seus representantes mais insignes em LOCKE (1632-1704), HUM (1 711-1776)
e Stuart MILL (1 806-1873), que valorizam, sobretudo, a indução como instrumento do conhecimento.
Em nosso século encontramos tendência consideradas de tradição empirista, defendidas por pensadores
com WITTGENSTEIN (1 889-195 1), Hans Reichenbach, CARNAP (1 891-1970) POPPER (1 902-
1994) entre outros, que, não obstante diferenças marcante de pensamento, acentuam, sobretudo, a base
observacional de todo conhecimento científico, a verificabilidade dos fatos como critério de verdade, a
separação entre juízos factuais e juízos de valor e a assepsia da linguagem científica, a neutralidade do
pesquisador e a objetividade dos fatos sociais, bem como a unidade metodológica das Ciências Naturais
e Humanas.

A tendência empirista penetrou nas Ciências Sociais através de Augusto COMTE (1798-1857) e
DURKHEIM (1858-1917), os quais proclamavam que os fatos sociais devem ser observados desde "de
fora", em sua objetividade, como os fatos da natureza física.

O método científico em suas modalidades, hipotético-dedutivo e empírico-analítico, procurando


conciliaras tendências racionalista e empirista, acentuando ora a dedução ora a indução, conforme a
linha do pesquisador, gerou uma forma de pesquisa em Ciências Sociais com características específicas.
De maneira geral, essas características consistem, sobretudo, na suposta atitude de neutralidade do
pesquisador frente ao objeto de investigação, na relação dicotômica entre teoria e fato, na forma
operacional de definir conceitos, nas técnicas utilizadas - onde prevalece a busca de quantificação do
fenômeno -, na análise estatística dos dados - visando a generalização -, e na forma de elaborar o
relatório final, que apresenta uma estrutura rígida, e é expressa em uma linguagem asséptica e
impessoal. De maneira geral, o pesquisador, com base em uma teoria ou a partir da observação do real,
formula um problema, deduz hipóteses que orientam e apontam os indicadores que serão observados e,
através de um processo de indução, permitirão a rejeição, a confirmação ou a reformulação das
hipóteses enunciadas, conforme a sua capacidade explicativa, incorporando-as ou não à teoria ou dando
origem a novas teorias.

A utilização de uma abordagem de cunho fenomenológico-hermenêutico vem crescendo no âmbito


da pesquisa nas Ciências Sociais. Partindo de pressupostos epistemológicos que rejeitam a aplicação do
método das Ciências Naturais nas Ciências Humanas, a abordagem fenomenológicohermenêutica se
constitui em um novo paradigma metodológico, que pretende dar conta da especificidade dos problemas
humanos.

Os debates acerca da utilização de métodos das Ciências Naturais nas Ciências Humanas tiveram as
suas origens no século XVII. Mais tarde, Wilheim DILTHEY (1 833-191 1) proclama, contra a
introdução dametodologia positivista nas Ciências Sociais, a utilização de procedimentos interpretativos
para o conhecimento dos fenômenos humanos, que exigiriam, pela sua natureza, a compreensão das
experiências vividas pelos homens, apreendidas através do seu significado interior.

Edmundo HUSSERL (1859-1938), considerado o fundador da fenomenologia, rejeita também toda a


redução de fenômenos humanos a fenômenos naturais, distinguindo o fato positivo, governado por leis de
causaefeito e exterior à consciência, do fenômeno, que consiste na manifestação interna das coisas à
consciência. Tendo como objetivo resolver a questão fundamental da teoria do conhecimento - "como
pode o homem conhecer com certeza uma realidade que lhe é exterior?" -, Husseri parte da concepção de
que o conhecimento se dá não na observação do fato, mas na compreensão do fenômeno. Fenômeno,
nesta perspectiva, consiste no modo de aparição das coisas à consciência - fluxo temporal de vivências -
que, enquanto intencionalidade, tem a capacidade de atribuir significado às coisas exteriores. A
intencionalidade da consciência, dotando o objeto de significado, faz com que ele transcenda a sua
própria existência real, sendo este, por isso, somente passível de conhecimento em sua relação com a
consciência.

Filósofos existencialistas como SARTRE (1905-1980), MERLEAUPONTY (1908-1961) e


HEIDEGGER (1889-1976) seguem a tradição fenomenológica, partilhando da concepção de que todo o
"universo da ciência é construido sobre o mundo vivido, e se quisermos pensar na própria ciência com
rigor, apreciar exatamente o seu sentido, seu alcance, convém despertarmos primeiramente para esta
experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda" (MERLEAU-PONTY, 1971, p. 6).

A fenomenologia, contra uma concepção metodológica de cunho cientificista, afirma que não
apreendemos "( ) os objetos do mundo exterior tais como são, mas enquanto são portadores de
significações, inseridos em determinados horizontes de compreensão, que se radicam no mundo da vida,
subjacente a toda a atividade de conhecimento" (GONÇALVES, 1994, p.183). As essências dos objetos
são captadas na existência, isto é, enquanto imersas em um contexto situacional, que lhes dá sentido,
sendo expressas, na pesquisa fenomenológica, como redes de relações concretas.

Com base em seus pressupostos epistemológicos, o primeiro movimento do método fenomenológico


é operar uma ruptura com as "certezas" do senso comum, colocando "entre parênteses" tudo o que
conhecemos sobre o objeto a ser investigado, e "voltar às coisas mesmas". Essa ruptura consiste no que
Husserl denominou "redução fenomenológica" - movimento de suspender os nossos juízos, preconceitos e
conhecimentos do saber constituído a respeito do objeto - para deixar aparecer os "fios intencionais" que
nos ligam ao mundo, permitindo, assim, a apreensão dos objetos em sua essência ou estrutura invariante.
O método fenomenológico parte, assim, da "( ) : descrição concreta dos conteúdos da consciência 'em
situação'( ... ) ", substituindo "( ) as construções explicativas pela descrição do 'que se passa'
efetivamente do ponto de vista daquele que vive tal ou qual situação concreta" (De BRUYNE et alii, s.a,
p. 76). A partir da descrição e reflexão sobre os atos da consciência intencional, ao atribuir significado
aos objetos do mundo, o método fenomenológico visa a apreensão do objeto em sua essência,
distinguindo, no fenômeno, o que permanece invariante na multiplicidade das representações subjetivas.
Este processo de objetivação exige do pesquisador um esforço permanente de compreensão do real.
Como expressa De BRUYNE et alii, a radicalidade do método fenomenológico "se manifesta na vontade
de explicitar constantemente as camadas de sentido mais originárias, as essências mais escondidas; a
fenomenologia torna-se, assim, hermenêutica, ciência da interpretação " (s.a, p. 77).

De maneira geral, podemos caracterizar a pesquisa de cunho fenomenológico-hermenêutico nas


Ciências Humanas, como o processo de investigação que busca conhecer a realidade a partir da apreensão
do significado de um fenômeno para as pessoas que o vivenciam em uma situação concreta, num
determinado contexto cultural. O pesquisador, libertando-se da ilusão objetivista'do método científico e
da atitude natural, não se coloca como um observador neutro frente a fatos que lhe são exteriores, mas
reconhece e analisa o seu próprio envolvimento em um movimento de aproximação do fenômeno e, ao
mesmo tempo, de distanciamento.

A questão da dialética foi pensada, ao longo do pensamento filosófico, sob diferentes concepções,
tendo um papel preponderante no pensamento de Wilheim HEGEL (1 770-183 1) e de Karl MARX (1
818-1883). Não pretendemos aqui entrar na polêmica da dialética hegeliana ou marxista, mas sim,
refletir sobre alguns aspectos dessa abordagem que podem contribuir para uma melhor compreensão
dessa temática.

A dialética é a lei do movimento - tanto do pensamento como de toda a realidade humana em seu
desenrolar histórico -, desdobrando-se em três momentos: tese (afirmação), antítese (negação) e síntese
(negação da negação), ou seja, posição, contraposição e superação, que concilia os dois momentos
anteriores em um nível superior de integração. Em Hegel, o motor da história é o pensamento, a busca
da Idéia Absoluta que avança, gradativamente, através das contradições, a uma esfera superior de
compreensão. Para Marx o motor da história é a realidade concreta nos seus diferentes modos de
produção de meios de subsistência, que, ao gerarem a sua própria negação, criam elementos para o
surgimento de um novo regime econômico, em torno do qual gira a vida de uma sociedade.

A abordagem dialética penetrou no âmbito da pesquisa nas Ciências Humanas, principalmente


embasada nas concepções do materialismo histórico de Marx e nas diferentes interpretações de seus
seguidores.

Subjacente a uma epistemologia de cunho dialético, seguindo a linha de pensadores marxistas


como LUKÁCS (1885-1971), GRAMSCI (18911937), Agnes Heller e Karel Kosik, entre outros, que se
afastam de uma concepção materialista mecanicista, está a idéia de uma unidade interacional dinâmica
entre sujeito e objeto. Nessa perspectiva, o homem é visto como produto e, ao mesmo tempo, como
produtor da realidade social. Na dimensão da práxis - processo de criação da realidade social - o
homem é ativo, imprimindo nela a sua subjetividade; ao mesmo tempo, essa realidade, que passa a
existir independente dele, atua sobre ele, transformando-o. Superando tanto o subjetivismo como o
objetivismo mecanicista, uma visão dialética, como diz Paulo Freire, "nos indica a necessidade de
recusar como falsa ( ) a compreensão da consciência como puro reflexo da objetividade material, mas,
ao mesmo tempo, a necessidade de rejeitar também o entendimento da consciência que lhe confere um
poder determinante sobre a realidade concreta" (FREIRE, 1993, p. 101).

A forma de pensar dialeticamente o real traz implícita uma lógica, da qual emergem categorias que
podem orientar o processo de investigação. A categoria da totalidade concreta leva-nos a compreender a
realidade humanosocial, conforme Lukács, como um "todo coerente, em que cada elemento esteja de
uma maneira ou de outra, em relação com cada elemento e, de outro lado, que essas relações formam, na
própria realidade objetiva, correlações concretas, conjuntos, unidades ligadas entre si de maneiras
completamente diversas, mas sempre determinadas" (LUKÁCS, 1979, p.240). Partindo da concepção do
real "como um todo estruturado que se desenvolve e se cria" (KOSIK, 1976, p. 43), a pesquisa nas
Ciências Humanas, sob o enfoque dialético, não visualiza o fenômeno investigado separado do todo
social onde se insere, mas busca compreendê-lo em suas relações com os determinantes históricos que o
geraram.

A categoria da contradição nos aponta para a necessidade de análise minuciosa do desdobramento


histórico de um fenômeno, em sua gênese e desenvolvimento,para a compreensão do seu significado e
conteúdo objetivo. Como diz KOSIK: "O conhecimento da realidade histórica é um processo de
apropriação teórica - isto é, de crítica, interpretação e avaliação dos fatos - processo em que a atividade
do homem, do cientista é condição necessária ao conhecimento objetivo dos fatos" (1 976, p. 46).

No momento da análise os fatos sociais são isolados, decompostos e ordenados em conceitos, a fim
de que o cientista social possa conhecê-los em sua especificidade histórica, desvelando contradições
concretas, descobrindo a sua conexão interna, isto é, a sua capacidade de refletir a totalidade concreta
onde se inserem. A análise oscila assim, entre os dois pólos: os fatos e o contexto. O fato concreto "( ) se
torna compreensível através da mediação do abstrato, e o todo através da mediação da parte ( )", em um
movimento "( ) da parte para o todo e do todo para a parte; da essência para o fenômeno e do fènômeno
para a essência; da totalidade para a contradição e da contradição para a totalidade; do objeto para o
sujeito e do sujeito para o objeto" (KOSIK, 1976, p.30).

Outra característica importante da abordagem dialética na pesquisa das Ciências Humanas é o seu
caráter político, o seu comprometimento com uma práxis transformadora. Como expressa Vieira PINTO
"a criação de uma sociedade justa e humana é o objetivo imediato, final, incondicionado, para o qual o
pesquisador tem de contribuir com o seu estudo e descoberta da natureza, que se torna, então, o objetivo
mediato para alcançar este resultado inexcedível, absoluto e permanente" (1979, p. 535).

As três abordagens de pesquisa nas Ciências Humanas, que sumariamente tratamos neste item,
apóiam-se em pressupostos filosóficos e epistemológicos diferentes, que, implícitos ou claramente
explícitos, perpassam toda a atividade científica, determinando as suas finalidades e gerando diferentes
formas de estabelecer problemas, de definir conceitos, de relacionar a teoria com os fatos, de utilizar
técnicas de análise e de posicionar-se frente ao objeto de investigação.
No quadro apresentado, conscientes do risco de incorrer em algumas simplificações reducionistas,
esquematizamos alguns aspectos dessas três abordagens com o objetivo de contribuir, de alguma forma,
para uma maior compreensão de questões metodológicas da pesquisa nas Ciências Humanas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Doutorado - UFRGS: A produção científica do Programa"(dissertações) e os parâmetros avaliativos
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GELLNER, Ernest. Antropologia filosófica. São Paulo: Mestre Jou, s.a.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de


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