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Clínica psicanalítica contemporânea

Marília Brandão Lemos de Morais Kallas

O sujeito contemporâneo,
o mundo virtual e a psicanálise1
Marília Brandão Lemos de Morais Kallas

Resumo
Tomando o mundo virtual como uma janela ou vitrine para evidenciar as transformações no
modus vivendi do sujeito contemporâneo, a autora aborda, à luz da psicanálise, as novas formas
de mal-estar desse sujeito, tendo como pano de fundo as mudanças relativas à temporalidade,
à espacialidade, ao pensamento e à linguagem. Traz a necessidade de se fazer uma releitura da
clínica psicanalítica através dos conceitos da pulsão de morte, do trauma e da angústia.

Palavras-chave
Sujeito contemporâneo, Mundo virtual, Mal-estar, Novos sintomas, Temporalidade, Espaciali-
dade, Pensamento, Linguagem, Pulsão de morte, Trauma, Angústia.

Vivemos num mundo das transformações banais no Instagram, montamos um es-


socioculturais, políticas, econômicas, mo- petáculo de nós mesmos e buscamos o
rais e científicas ocorridas na sociedade e olhar do outro e sua aprovação por meio
estamos presenciando uma mutação his- de curtidas. A intimidade tem se deixado
tórica nos modos de ser e estar no mundo. infiltrar pelas redes.
Transformações que vêm se engendrando Uma vitrine ou janela para evidenciar
há algumas décadas e que, “não por acaso” as mudanças do modus vivendi contempo-
(Sibilia, 2014), culminaram no desen- râneo seria o mundo virtual, propiciado
volvimento das novas tecnologias que pelas novas tecnologias digitais e pela in-
refletem o modo de ser do indivíduo e ao ternet. Contemporaneidade aqui se refere
mesmo tempo, provocam mais mudanças. à pós-modernidade ou modernidade tar-
A subjetividade do homem contemporâ- dia, ou hipermodernidade, termo preferido
neo é influenciada por essa nova realidade. por Lash (1983) para se referir às últimas
O conceito de intimidade, de espaço décadas do século XX e ao século XXI.
público e privado mudou. Antes, protegi- Estamos diante de uma tela de com-
dos pelo entre paredes de nosso quarto, putador o tempo todo, em comunicação
líamos, escrevíamos nossos diários, nossos simultânea com outras pessoas através
poemas e os trancávamos no espaço mais dos smartphones, em redes digitais que se
protegido do olhar alheio, como uma infiltraram pelos muros e que mudaram as
preciosidade que só a nós pertencia. O referências espaciais para sempre. O espa-
espaço privado era bem diferenciado do ço se amplificou. Os celulares se incorpo-
espaço público. raram às nossas mãos e ao nosso cotidiano.
Hoje escrevemos os diários em blogs, Temos necessidade de nos mantermos
expomos nossa intimidade no Facebook, conectados e ligados. Cada vez mais é
exibimos imagens das situações mais preciso se tornar visível e estar on-line.

1. Texto apresentado na Plenária da XXXIII Jornada de Psicanálise do CPMG Psicanálise e contemporaneidade: o mundo
virtual em questão, em 03 out. 2015.

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O sujeito contemporâneo, o mundo virtual e a psicanálise

As pessoas postam em redes sociais nar, ou melhor, vivenciar uma outra per-
o que consideram o melhor de si, assim sona diferente do seu Eu, sentir uma linha
como são capazes de expressar, em perfis tênue que separa uma realidade virtual de
falsos ou não, o lado mais preconceituoso uma real.
e agressivo de seu ser. E hoje também é A internet cria um espaço interme-
cada vez mais comum a exposição pública diário entre a realidade (do outro lado do
da morte nas redes sociais. computador existe uma pessoa real) e a
Aos poucos, o véu que escondia a imaginação (pessoa que eu crio e idealizo
dor da perda e o luto passou a ser falado, conforme meus desejos).
compartilhado e exposto em fotografias e Na internet acontece uma ausência de
memoriais on-line. O sofrimento também adiamento de gratificações, o que a torna
é curtido através da internet. uma experiência quase mágica de ter um
O ciberespaço propicia que pessoas pensamento, um desejo, uma curiosidade
anônimas postem e compartilhem seus e simplesmente dar um clique e ver aquilo
pensamentos, suas ideias, músicas, dotes transformado em realidade.
artísticos, vídeos que se tornam virais, A possibilidade de instantaneamente
que autores publiquem seus livros, o que acessar qualquer coisa e obter gratificações
seria impossível ou muito difícil há alguns para impulsos sexuais, jogos, curiosidades
anos atrás e que desconhecidos tenham intelectuais, de comunicação ou de con-
visibilidade e se tornem celebridades em sumo torna a internet irresistível.
um curto espaço de tempo, revelando O limiar a ser atravessado entre o im-
talentos. pulso e o desejo até a ação (o que é visto,
Os laços sociais foram marcados e baixado, jogado ou comprado on-line) é
revolucionados pelas novas tecnologias. muito reduzido, o tempo entre escolher
Sem querer emitir juízos de valor, mas e clicar é muito curto e a gratificação é
apenas constatando, através da leitura imediata.
de trabalhos a respeito (Young, 2011), A necessidade de esperar e/ou mo-
podemos dizer que a internet é um meio dular nosso desejo está ausente quando
estimulante, psicoativo, que opera com um usamos a net. Aí reside um de seus maiores
alto grau de imprevisibilidade e novidade. perigos, o que pode transformar o seu uso
Protegidos pelo anonimato ou pela em abusivo ou viciante. Hoje já se fala
percepção de ser anônimo, os usuários se em dependência de internet como uma
arriscam mais e ousam procurar e viven- entidade clínica a ser abordada de modo
ciar fantasias on-line, a que não se permi- semelhante a outros tipos de dependência
tiriam presencialmente, fantasias que são (Greenfield, 2011).
bem aceitas no ciberespaço. O ciberespaço se presta também como
As pessoas se sentem mais desinibidas enfrentamento de situações de medo e ini-
e são capazes de experimentar situações bições para pessoas tímidas e adolescentes
em que não se arriscariam na vida real. Há se arriscarem através dela. Afinal aqui se
também menor percepção de responsabili- pode errar e ter outra chance. E caso haja
dade devido a essa sensação de anonimato algum aborrecimento inesperado, é só de-
e privacidade. letar o outro ou desligar o computador. Ela
Existe também um estado de imersão nos dá uma sensação (imaginária) de estar
e dissociação de consciência, que envolve no controle da situação. Serve também
sensações variadas como a perda da noção como evasão, escape das vidas rotineiras e
de tempo, esquecimento de frações de fuga de sentimentos de angústia e tristeza.
tempo, estar num estado de consciência Novos relacionamentos se formam
alterado semelhante a um transe, encar- no mundo virtual e estão intimamente
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imbricados com a vida real. As pessoas vendem bens virtuais. As possibilidades


se conectam sexual e afetivamente no são incontáveis e disponíveis numa tela
ciberespaço e a vida on-line e off-line se de computador.
misturam definitivamente. O antropólogo Tom Boellstorff (2008)
No mundo virtual há quebras de hie- no seu livro Coming of Age in Second Life,
rarquias, que definem os limites claros e onde traz a antropologia para os universos
os papéis nos relacionamentos no mundo paralelos, diz:
real. Lá, na virtualidade, todos partem
em condições de igualdade. É um espaço A cultura em Second Life é profunda-
democrático. mente humana. Não é apenas que os
Como pode ser acessada 24 horas por mundos virtuais emprestam suposições da
dia de qualquer lugar em que se esteja – vida real; mundos virtuais nos mostram
do trabalho, da escola, de casa, da rua – como, debaixo de nossos próprios narizes,
associada a aparelhos móveis e conexões nossa vida “real” tem sido virtual desde o
de alta velocidade, o baixo custo e o fácil começo (Boellstorff, 2008 apud Otero;
acesso tornam os indivíduos uma parte Fuks, 2012).
da internet em si. Nós de uma vasta rede
impessoal. Isso evidencia alguns aspectos em que
Não há fronteiras nos conteúdos da os seres humanos sempre foram virtuais e
internet. Nas outras formas de mídia como que mundos virtuais em sua rica comple-
jornais, TV ou livros e revistas há sempre xidade se constroem sob a aptidão humana
marcadores do tempo com início e fim para a cultura.
claros. Na internet jamais terminamos Então nos perguntamos como é a
alguma coisa, sempre existe outro link, subjetividade deste novo sujeito que está
outro site, outra imagem a ser vista, outra se formando com as recentes tecnologias
música a ser baixada. digitais e com as transformações socio-
A internet hoje é o maior repositório culturais, políticas, econômicas, morais,
de informações jamais visto na civilização científicas deste novo mundo e de como
humana. Essa possibilidade interminável a psicanálise, criada por Freud na moder-
de conteúdo, informações incompletas, nidade, se depara com estas transforma-
essa atenção flutuante, essa alteração de ções e com as novas formas de mal estar
consciência tudo isso é altamente esti- e sofrimento deste sujeito do século XXI.
mulante. Se uma das características do incons-
Hoje a internet e as novas tecnologias ciente, segundo Freud, é ser estruturado
digitais tornaram possível o ingresso em segundo as leis do processo primário, onde
um universo paralelo onde, além das redes passado, presente e futuro encontram-se
sociais, comunidades, salas de bate-papo, enlaçados pelo fio condutor do desejo e
jogos on-line, existem os MUDs (Multi se para Lacan o sujeito do inconsciente
users domains), que são mundos virtuais si- é “aquilo que representa um significante
tiados, por exemplo, o Second Life, mundo para outro significante”, como fica a ques-
virtual paralelo, que introduz o indivíduo tão da temporalidade na psicanálise quan-
num espaço em que, através de um avatar, do vamos falar da contemporaneidade?
ele pode viver aspectos múltiplos de sua Em Psicologia de grupo e a análise do
identidade ou representar papéis distantes ego Freud ([1921] 1996) afirma que, a
da sua noção de Eu. experiência subjetiva, objeto privilegiado
Nesses mundos, os residentes fazem da experiência psicanalítica, implica a re-
amizades, se apaixonam, criam comunida- ferência do sujeito ao outro e à linguagem,
des, vão à igreja, a concertos, compram e à sua determinação simbólica. Na esfera
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O sujeito contemporâneo, o mundo virtual e a psicanálise

coletiva, a vida social apresenta unidades Vamos, pois, falar de contempora-


cada vez mais amplas, submissas às mes- neidade. O mundo perdeu a referência
mas leis que marcam o indivíduo. simbólica do pai. Vivemos numa socieda-
Não existe separação entre psicologia de de risco, onde as figuras paterna e do
individual e coletiva e para a psicanálise soberano já não protegem mais. Ninguém
indivíduo e sociedade estão intimamente conta mais com proteção do Estado, e o
imbricados. O inconsciente não está no homem tem que aprender a viver de forma
registro do indivíduo, mas para além do desamparada e a correr riscos.
mesmo, incluindo o campo histórico e Saímos de uma relação de verticali-
social (Birman, 04 jun. 2014). dade para uma horizontalidade em rede.
Antes disso, no Projeto para uma psico- A sociedade pós-moderna é caracteri-
logia científica, Freud ([1950/1895] 1985) zada por fragmentação, falta de uni-
descreve a experiência de satisfação e a ficação e simbolização, que deixaram
experiência de dor, em que o bebê huma- as pessoas entregues às suas próprias
no desamparado necessita do outro, o ser intensidades, sem controle, entregues
humano experimentado para sobreviver, a excessos de excitações corpóreas
e que desde o princípio a criança está sem encontrar mediadores simbólicos
nas mãos do outro, o outro estrangeiro que delas deem conta, excitações que
(Nebenmensch) que ouve o seu grito e a as ultrapassam e são descarregadas no
atende. corpo ou na ação.
Freud identificou esse outro como Na modernidade, acreditávamos no
uma dobradiça entre o sujeito individual futuro: era só agir no presente e esperar
e o sujeito coletivo. E Lacan, ao retomar que no futuro os nossos sonhos fossem
esses conceitos, introduziu os termos “su- alcançados.
jeito” e “Outro”. No mundo de hoje nos deparamos
Em Função e campo da fala e da lin- com os inúmeros caminhos, com a deso-
guagem, Lacan ([1953] 1998) diz que o rientação, com as incertezas. As referên-
inconsciente é transindividual e designou cias se esvaem num eterno presente. Já
a transindividualidade como uma proprie- não existe mais o ‘a longo prazo’.
dade primordial do inconsciente. No contexto atual o sujeito se rela-
Freud reservou aos psicanalistas o ciona com o tempo através da chamada
dever de agregar à prática clínica do um a presentificação, ou seja, ele se encontra
um a função de críticos da cultura que tes- em suspensão temporal. Essa tempora-
temunham. Tão importante é essa função lidade pode ser compreendida através
que Lacan, nesse mesmo ensaio, adverte: do discurso literal, que se trata de uma
narrativa descritiva em que uma cena
Que antes renuncie a isso [à clínica psi- não considera uma anterior nem remete
canalítica], portanto, quem não conseguir a uma posterior. Não acontece uma con-
alcançar em seu horizonte a subjetividade tinuidade temporal. As palavras têm um
de sua época. Pois, como poderia fazer de único sentido, e essa fala não é carregada
seu ser o eixo de tantas vidas, quem nada de ambiguidade nem de enigmas (Birman,
soubesse da dialética que o compromete 2014,You Tube).
com essas vidas num movimento sim- Segundo Birman (2001), a subje-
bólico. Que ele conheça bem a espiral a tividade no início da modernidade era
que o arrasta sua época na obra contínua pautada pela noção de interioridade. Hoje
de Babel, e que conheça sua função de in- essa noção cedeu lugar à exterioridade e
térprete na discórdia das línguas (Lacan, ao autocentramento, quando o olhar do
[1953] 1998, p. 322). outro é tomado ‘ao pé da letra’.
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O mal-estar é constitutivo da psicaná- que são as compulsões. Em relação aos


lise. E de acordo com Birman (2014), na sentimentos, as distimias e depressões se
contemporaneidade ele se inscreve positi- impõem.
vamente em três registros psíquicos: o do Os registros do pensamento e da
corpo, o da ação e o das intensidades. Esses linguagem estão empobrecidos na expe-
três registros podem aparecer combinados riência contemporânea. Se o mal-estar
ou não, em um mesmo indivíduo. contemporâneo se produz nos registros
Por outro lado, outros registros an- do corpo, da ação e das intensidades,
tropológicos tendem a ser negativados na isso revela uma suspensão da ordem do
descrição desse mal-estar contemporâneo, pensamento.
que são as categorias do pensamento e da A incidência dos excessos sobre tais
linguagem que se tornaram empobrecidas, registros do psiquismo produz um curto-
enquanto assumiam anteriormente, há circuito do pensamento, que não pode fun-
poucas décadas, uma posição privilegiada. cionar fluentemente, que se paralisa pela
O corpo é o grande cenário onde o própria impotência e pelo vazio que passa
mal-estar se expressa. A saúde se transfor- a ocupar o psiquismo (Birman, 2014).
mou no nosso bem maior e é em função No mal-estar atual, o modelo con-
do corpo que se vive. O estresse é a pala- flitual de subjetividade, que aparece no
vra-chave do nosso tempo. Assim como o texto freudiano como conflito, desejo
pânico e as manifestações psicossomáticas. e interdito, tende ao desaparecimento.
Em relação à ação, formas ostensivas Isso porque é através do pensamento que
de agressividade, violência e criminalidade se superaria o mal-estar produzido pelo
se impõem, assim como as ações fracas- conflito psíquico.
sadas, que são as chamadas compulsões, As pessoas hoje se queixam de algo
por drogas, comida, consumo, sexo, jogos, que as incomoda no corpo e não fazem
internet. A compulsão é uma modalidade disso uma questão. As intensidades as
do agir, que se caracteriza pela repetição, esvaziam de palavras. Na ausência de
pois, sendo uma ação fracassada, o alvo implicação subjetiva, de indagação, de
nunca é alcançado. questionamento, o registro do pensamento
O terceiro registro do mal-estar na se mostra pela sua ausência e suspensão
contemporaneidade se daria no campo (Birman, 2014).
das intensidades. As individualidades do Disso decorre um empobrecimento da
mundo atual estariam marcadas pelo ex- linguagem, que perde o seu poder metafó-
cesso que as impulsiona à ação. Caso não rico, sendo entremeada cada vez mais por
se descarreguem pela ação, serão invadidas imagens. O discurso assume uma direção
pelo excesso que as inundará de angústia. horizontal, sem os cortes que poderiam
O excesso se extravasa no psiquismo lançá-lo na verticalidade. A linguagem
como humor e pathos, antes de se deslo- e o discurso assumem uma aparência
car para o campo das ações. O excesso é metonímica e não mais metafórica, se
sempre a irrupção de algo que escapa ao sustentando apenas em um dos eixos da
controle e à regulação da vontade. Per- linguagem.
cebemos, então, a presença da angústia A presença da metonímia na ordem
do real e da sua consequência, o efeito discursiva mostra a presença de um dis-
traumático. curso sem rumo, sem ser capaz de cortes
A subjetividade fica ante algo que a significativos que o lancem na ordem da
ultrapassa e do qual não pode dar conta. metáfora. Assim, o desejo tende a uma
Deslocamo-nos do registro das intensi- descarga de ação imediata não se cons-
dades para a ação e as ações coarctadas, tituindo como lugar de tensão e polo de
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conflitos, como acontecia na modernida- conflito psíquico, mas combina com o


de. Embora isso ocorra com pessoas esco- contexto da atualidade (Montes, 2012).
larizadas, que mantém um bom domínio Em Freud podemos dizer que o texto
da língua, a linguagem perde seu valor Além do princípio do prazer, de 1920 inau-
simbólico. gura um tempo imóvel, presentificado
Essa ausência de cortes metafóricos através da compulsão à repetição e do
no discurso metonímico demonstra a espa- choque traumático. A dualidade pulsio-
cialidade da experiência, que não alcança nal – com a pulsão de vida, agregadora,
uma sequência temporal, na medida em e a pulsão de morte, desagregadora – traz
que o desejo a vau, se esvazia no aqui e a novidade que o fator traumático rompe
agora, na pontualidade da descarga, impe- com a percepção temporal e instaura um
dindo uma temporalização da experiência tempo único que somente se repete.
(Birman, 2014). O sujeito é invadido por uma quanti-
A linguagem, ainda segundo Birman dade insuportável de energia que rompe
(2014), se transforma perdendo cada as barreiras de proteção psíquicas, intensi-
vez mais suas marcas simbólicas e se dade que não será transcrita para a ordem
esvaziando na sua dimensão de poiesis, psíquica da representação.
de criação, cedendo lugar às imagens. A A dificuldade dos pacientes atuais de
linguagem instrumental passa a dominar associar livremente leva alguns analistas
progressivamente o psiquismo e apresenta a dizer que os pacientes têm dificuldades
dificuldades de regular as intensidades e os de representar. O texto do paciente não
excessos. E as imagens capturam o desejo flui, não entra em um fluxo temporal; é
subtraindo-lhe o sentido. parado, restringe-se ao presente.
Nessa situação, as pessoas apresentam Os chamados “novos sintomas”, dife-
um discurso por imagens, uma narrativa rentes dos sintomas freudianos clássicos, se
que nos remete ao tempo presentificado, mostrariam mais avessos a interpretações
aquela cena falada se apresenta no instan- e menos susceptíveis de se dialetizar. O
te em que é descrita, não tem um enredo, sintoma clássico é uma expressão disfar-
um passado, não se associa a nenhum çada do desejo.
pensamento ou ideia. A linguagem literal Os novos sintomas seriam uma ex-
domina a cena psíquica e não pode mais pressão mais direta das pulsões. Os sin-
regular as intensidades e os excessos. tomas ditos contemporâneos estariam
Quando nos referimos à organização relacionados a esse empobrecimento da
psíquica, existem diferentes modalidades capacidade de simbolização e de asso-
de temporalidade: a noção de posteridade, ciação por parte do sujeito, remetido ao
presente na primeira tópica freudiana e a tempo presentificado da compulsão e à
presentificação, apresentada a partir do narrativa literal do esvaziamento subje-
trauma e da pulsão de morte, de (Freud, tivo, justificados pelo contexto social em
[1920] 1996). que vivemos (Montes, 2012).
Nesse contexto, percebemos que a Torna-se necessário escutar a literali-
preponderância da literalidade da clínica dade da palavra e do corpo dos sujeitos que
atual não torna a psicanálise ultrapassada, nos procuram. Sabemos que o psiquismo
mas traz a necessidade de se fazer uma está além do campo representacional. Ele
releitura da clínica a partir do trauma, inclui os signos de percepção, as impres-
do choque traumático, da angústia e da sões sensíveis, como nos diz Freud na carta
pulsão de morte. A prevalência da nar- 52 a Fliess, e a memória corporal.
rativa literal na clínica não coaduna com Nesse sentido, a transferência envolve
o modelo de subjetividade embasado no a repetição de impressões traumáticas. Se
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a escuta do analista estiver apenas a privi- inacabada da Sagrada Família, de Gaudí,


legiar o conflito psíquico e o recalque, não segue inexorável, a erguer pelos ares, pedra
será possível perceber aquilo que se repete. sobre pedra, o estilo inconfundível de seu
Temos que estar abertos também a criador.
outro tipo de escuta que inclui o corpo, Tudo que foi dito aqui contou com a
o gesto, o tom de voz, o olhar, além das nossa intenção maior de formular pergun-
palavras. A narrativa literal envolve esses tas, e não apenas de procurar respostas. E
registros e já pressupõe um primeiro mo- aponta para a incompletude da construção
mento de simbolização (Montes, 2012). de nosso saber, no seu encontro sempre
A palavra hoje se presta menos ao faltoso com o Real. ϕ
deciframento de enigmas- e – muito mais
– ao ciframento do gozo (Forbes, 2013) a
marcar o indizível com a letra, a palavra The contemporary
-ato, à semelhança da palavra poética que subject, the virtual
toca o indizível e produz efeitos simbólicos. world and psychoanalysis
“Dai palavras à dor: a tristeza quando
não fala, murmura no coração que não Abstract
suporta mais até que o quebra”, diz Shea- In considering the virtual world as a window
kspeare em Macbeth. or show case in which transformations of
E além de possibilitar o encontro de the contemporary subject’s “modus Vivendi”
uma nova palavra para o mal-estar do can be witnessed, author approaches the
sujeito, a clínica psicanalítica busca mais. subject’s new forms of discontent from a
Busca a consequência da palavra: que o psychoanalytic point of view, having, as a
analisando se responsabilize pelo seu dito. back drop, changes relative to temporality,
Pensar e discutir as novas formas de spatiality, thinking and language. The author
mal-estar do sujeito na contemporanei- emphasizes the importance of rereading
dade contribui para referendar o lugar da psychoanalytic clinical work through the
psicanálise no mundo de hoje. Precisamos lenses of the concepts of the death drive,
dirigir nosso olhar para a cultura e para trauma and anxiety.
o que ela produz, compreendendo cada
sujeito como único e a clínica psicanalítica Keywords
enlaçada nessa cultura. Contemporary subject, Virtual world,
Nesse contexto podemos dizer que Discontent, New symptoms, temporality,
o sujeito freudiano está, com sua marca Spatiality, Thinking, Language, Death drive,
singular, sempre referido a seu tempo e Trauma, Anxiety.
que continua contemporâneo. Afinal a
psicanálise se ocupa de um sujeito consti-
tuído a partir de uma relação com o outro,
imerso na cultura.
Nós, a nossa geração de sujeitos forja-
dos pela modernidade e com o privilégio
de viver no século XXI, este período de
metamorfoses socioculturais, políticas,
econômicas, morais, científicas, temos o
dever de continuar a construção da obra
inacabada da psicanálise na torre de Babel
das diversas línguas: os saberes contempo-
râneos. Tal qual em Barcelona a catedral
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O sujeito contemporâneo, o mundo virtual e a psicanálise

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Recebido em: 01/12/2015


Aprovado em: 11/03/2016

Endereço para correspondência

E-mail: <mariliabrandao@uol.com.br>

Sobre a autora

Marília Brandão Lemos de Morais Kallas


Psiquiatra. Psicanalista.
Sócia do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.
Autora do livro Psicanálise e contemporaneidade
(São Paulo: Editora 24 horas, 2010),
publicado também em espanhol
pelo Editorial Croquis, Buenos Aires, 2011.

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O sujeito contemporâneo, o mundo virtual e a psicanálise

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