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Brasil
2018
Thiago Leucz Astrizi
Brasil
2018
Thiago Leucz Astrizi
Brasil
2018
Resumo
Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise sobre questões relacionadas à tecnologia
computacional e o desenvolvimento de software utilizando como base o materialismo
dialético e a obra de filósofos que se debruçam sob a questão tecnológica, principalmente
Álvaro Vieira Pinto, com algumas contribuições e complementos de Feenberg. O trabalho
começa analisando o uso do materialismo dialético, dando um enfoque nas áreas de ciências
naturais e observando como a ciência e tecnologia é tratada por diferentes concepções
filosóficas conforme são classificadas por Feenberg. Em seguida, estudam-se como tais
questões se aplicam no desenvolvimento de computadores e nas tecnologias relacionadas
como o desenvolvimento de software. Tenta-se observar diferentes contradições que se
desenvolvem no uso e desenvolvimento deste tipo de tecnologia. Concluímos o trabalho
afirmando que a concepção filosófica da associação sócio-técnica se encaixa e explica
melhor a presença de diferentes conflitos dentro do desenvolvimento e uso das tecnologias
computacionais.
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1 BASES FILOSÓFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.1 Materialismo Dialético e a Ciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.2 Desenvolvimento da Espécie Humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.3 Ciência e Tecnologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.4 Concepções sobre Tecnologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2 TECNOLOGIAS COMPUTACIONAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1 Histórico da Tecnologia de Computadores e Softwares . . . . . . . . 23
2.1.1 As Primeiras Máquinas de Calcular Mecânicas . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1.2 Os Primeiros Computadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.1.3 Redes de Computadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.1.4 A Transformação do Software em Mercadoria . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.1.5 Software Livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.1.6 Software e Soberania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.1.7 Espionagem e Tecnologias Computacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.2 Produção Capitalista do Software . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.3 Potenciais e Limites das Tecnologias Alternativas . . . . . . . . . . . 41
2.3.1 Computação de Economias Planejadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.3.2 Software Livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3.1 Questões Futuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
7
Introdução
Memorial
Sou formado em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Paraná e
estudante de Bacharelado em Física pela Universidade Federal de Santa Catarina. Trabalho
como programador e militei junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) no Paraná auxiliando na instalação de computadores em escolas do movimento,
na administração de redes de computadores e na criação de páginas de Internet para
eventos como a Jornada de Agroecologia e o sistema de votação da do Plebiscito Popular
pela Constituinte em 2014. Também milito junto ao Levante Popular da Juventude. Meu
principal interesse acadêmico na área da computação é o campo da criptografia, embora
tenha também interesse em acompanhar o desenvolvimento de software livre e tenha
participado de vários encontros e eventos tais como o Fórum Internacional de Software
Livre. Meu interesse pela temática deste trabalho está em buscar uma compreensão mais
crítica da tecnologia com a qual trabalho e compreender melhor seu desenvolvimento, suas
contradições e impactos, acreditando que isso ajuda na compreensão do papel que um
cientista ou tecnólogo deve ter quando escolhe atuar em prol da emancipação humana, e
não do capital.
A história de minha militância começou no movimento estudantil da UFPR onde
fiz parte de duas gestões do Diretório Central dos Estudantes além da participação em
Centro Acadêmico. Enquanto atuava em tal ambiente, passei um tempo me questionando
sobre qual seria a melhor forma de seguir com a militância política fora da universidade,
já que o movimento estudantil era algo temporário. Além disso, no curso de computação
eu tinha algumas dúvidas que não eram satisfeitas. Qual seria a melhor forma de usar o
conhecimento obtido ali para beneficiar mais as pessoas, e não apenas colocá-lo à serviço
do lucro de alguma empresa? Que caminho eu deveria seguir para contribuir mais neste
sentido? Tais questionamentos me levaram a participar de um Estágio Interdisciplinar
de Vivência (EIV) onde passei alguns dias por um processo de formação e em outros
tive a experiência de viver por um tempo dentro de um assentamento do MST. Tal
contato acabou me aproximando de tal movimento e algumas semanas depois, acabei me
voluntariando para participar por uns dias de uma ocupação recente de terras na cidade
de Ponta-Grossa (PR). Uma vez lá, fui convidado para participar de forma permanente da
secretaria estadual do MST do Paraná dando assistência técnica e auxílio tecnológico para
o movimento.
Atuando por anos como militante do MST acabei também me juntando ao Levante
Popular da Juventude, que surgiu dentro da Via Campesina como uma forma de aproximar
8 Introdução
a juventude do campo e da cidade para lutar em prol do projeto popular defendido por tal
campo político. Aproximar-me deste novo movimento que estava surgindo permitiu que eu
continuasse trabalhando e militando ao lado do MST, mas fazendo parte de grupos de
jovens urbanos que pensavam e realizavam ações políticas para além da luta camponesa.
Minha militância nestes dois grupos continuou mesmo após eu ter saído da Secretaria
Estadual do MST do Paraná para vir fazer uma segunda graduação em Santa Catarina e
segue até os dias de hoje.
Problemática
O que determina o desenvolvimento tecnológico computacional em nossa sociedade,
e o quanto os rumos deste desenvolvimento podem ser disputados por agentes que tenham
interesses distintos daqueles dos do capital?
Essa é uma questão importante, pois respondê-la nos leva a compreender melhor
os impactos de tais tecnologias, que mudanças trazem para a dinâmica do capital e o qual
o espaço que existe para tentar influenciar seus rumos e desenvolvimento considerando
que nossos interesses por tais tecnologias são conflitantes com aqueles que são usados para
conduzirem seu desenvolvimento. Por fim, tal compreensão também permite nos proteger
de argumentos ideológicos que por meio de mistificações e confusões podem usar mudanças
tecnológicas recentes para disfarçar a dinâmica do capitalismo e sua exploração.
Objetivos
O objetivo geral do trabalho é perceber as forças responsáveis pelo surgimento da
tecnologia computacional e a sua evolução, prestando particular atenção nos casos em
que houve uma disputa quanto à que rumos ela deveria tomar. Desta forma, podemos
compreender as contradições existentes dentro do próprio desenvolvimento tecnológico e
assim estaremos mais capacitados para responder à problemática.
Como objetivos específicos:
• Analisar os pontos centrais da obra de Álvaro Vieira Pinto quando se debruça sobre
o conceito de tecnologia e usá-lo como principal referência para compreender a
tecnologia.
• Listar casos nos quais uma contradição na sociedade levou ao surgimento de uma
vertente tecnológica orientada ao capital e outra que se opôs à ele. Observar em tais
casos os potenciais e limitações das correntes de desenvolvimento alternativo. Os casos
aos quais será dedicada maior atenção são nas alternativas de desenvolvimento de
tecnologias computacionais realizadas em países socialistas e surgimento do software
livre.
Procedimento Metodológico
O trabalho será desenvolvido usando como base de análise o materialismo histórico
e dialético como método de compreensão do mundo e da sociedade. Por isso o trabalho se
propõe a usar como ponto de partida uma análise da própria importância deste método
como um avanço qualitativo da compreensão humana do mundo e em seguida passa a usar
como referência principal para suas análises a obra de filósofos e historiadores marxistas.
O principal autor que auxiliará em nossa compreensão sobre a ciência e tecnologia
é Álvaro Vieira Pinto, filósofo brasileiro que se propôs a estudar o conceito de tecnologia
sob uma ótica marxista. Contudo, nos pontos em que a análise dele não tiver elementos
para descrever alguns fenômenos, recorreremos a alguns conceitos mais recentes de outros
filósofos como Feenberg, ainda que façamos isso sem abandonar as bases deixadas por
Vieira Pinto.
11
1 Bases Filosóficas
A teoria da evolução pela seleção natural ia bem mais longe dos limites da
biologia, e nisso reside sua importância. Ela ratificava o triunfo da história
sobre todas as ciências, embora “história” nesse sentido fosse normalmente
confundida pelos da época como “progresso”. (. . . ) Portanto,todo o cosmos,ou
pelo menos todo o sistema solar precisavam ser concebidos como um processo
de mudança histórica constante. (. . . ) A dificuldade para a ciência de meados
do século XIX não residia na admissão de tal historicização do universo—
nada era mais fácil de conceber em uma época de mudanças históricas tão
esmagadoramente óbvias e maciças—mas de combiná-las com as operações
uniformes, contínuas e não-revolucionárias das leis naturais permanentes. Um
descrédito em relação a revoluções sociais não estava ausente (. . . ).
12 Capítulo 1. Bases Filosóficas
Contudo, mais e mais descobertas iriam entrar em contradição com tais expec-
tativas. As camadas geológicas que seriam descobertas apontavam que a Terra passava
por ocasionais mudanças drásticas e repentinas. A evolução biológica, segundo os fósseis,
prossegue de maneira gradual durante a maior parte do tempo, mas ocasionalmente passa
por alguns saltos no qual ela ocorre em ritmo mais acelerado. O próprio Sistema Solar
estaria mudando e ainda passaria por mudanças futuras, nas quais o Sol viraria primeiro
uma gigante vermelha e depois uma anã branca. Além de adotar uma visão histórica,
muitas áreas do conhecimento precisavam também reconhecer que as mudanças podiam
ocorrer por meio de mudanças qualitativas, não só quantitativas.
A visão mais polêmica em muitas áreas do conhecimento era de que tais mudanças
além de ocorrerem no passado, continuariam a ocorrer no futuro. Era reconhecido que
1.1. Materialismo Dialético e a Ciência 13
sociedades humanas se transformavam, e isso já vinha sendo usado no século XIX como
justificativa imperialista para potências capitalistas conquistarem outros povos sob a
justificativa de fazer suas sociedades “evoluírem”. No entanto, isso também levaria à
conclusões de que o próprio capitalismo não era o fim da evolução e que ele poderia ser
superado por outro tipo de sociedade.
Esse pensamento leva à conclusões que são desconfortáveis para as classes dominan-
tes de uma sociedade. Justamente por isso este é um conflito ainda não superado, mesmo
muitos anos depois. A teoria da evolução de Darwin, apesar de ser praticamente consenso
no meio científico, enfrenta resistência em épocas e regiões mais conservadoras. À beira do
século XXI, o economista e filósofo conservador Francis Fukuyama adquire grande fama e
fortuna publicando o livro “O Fim da História e o Último Homem”, no qual defende que a
evolução das sociedades humanas teria chegado ao fim com a vitória triunfal do capitalismo,
sem que mudanças muito profundas pudessem voltar a acontecer. E nas mais diversas
áreas do conhecimento, tratam-se os critérios de escolha e objetivos que orientam a própria
evolução do conhecimento como sendo coisas absolutas, atemporais e independentes da
sociedade em que estão inseridos. Quando muito, reconhece-se a mudança, mas trata dela
como sendo algo do passado.
A resistência à tal conceito é compreensível, visto que ele traz um grande risco para
a ordem social. É o mesmo motivo pelo qual havia resistência quando tentou-se alienar a
igreja e concepções teológicas do controle do conhecimento humano. Rejeitar que a história
possa ter um fim fatalmente desagradará aqueles que estão confortáveis com o estado atual
e não desejam que ele mude drasticamente, o que torna improvável que tal posição atraia
grande fama e fortuna. Se uma ideia desagrada aqueles que estão no poder, que fazem
com que grande esforço e energia acabem sendo gerados para combatê-la, a única chance
que ela tem de persistir e triunfar em situação tão adversa, é ser verdadeira.
Assumir a existência de um desenvolvimento histórico contínuo onde ocorrem não
apenas mudanças quantitativas, mas também qualitativas é uma das premissas e requisitos
para a aplicação do materialismo dialético desenvolvida por Marx e Engels, o qual foi
concebido para ser uma filosofia da análise geral de fenômenos. Engels corrobora a existência
dessa premissa como fundamental ao criticar em “A Dialética da Natureza” a hipótese da
morte térmica do universo, na qual a história de todo universo terminaria quando não
houvesse mais energia livre para sustentar qualquer trabalho, no sentido físico do termo.
Engels considera inconcebível o fim da possibilidade de ocorrer transformações (ENGELS,
1954):
Afirmar que a matéria, durante toda a sua existência ilimitada no tempo, apenas
uma vez se encontra diante da possibilidade de diferenciar seu movimento
(. . . ) acontecendo isso em um espaço de tempo desprezível em relação à sua
14 Capítulo 1. Bases Filosóficas
eternidade; dizer que antes e depois ela fica reduzida apenas à mudança de
lugar, isso equivale a afirmar que a matéria é mortal e o movimento é coisa
transitória. A indestrutibilidade do movimento não pode ser concebido apenas
no sentido quantitativo, mas também no qualitativo.
novo argumento em 1931 quando Kurt Gödel demonstraria seu teorema de que sistemas
formais teriam limitações inerentes, e que seria impossível para eles, exceto pelos mais
triviais, que ao mesmo tempo fossem completos e livres de contradição. Isso colocaria um
fim à uma longa tentativa de encaixar o mundo e unificar toda a matemática em uma base
formal universal e livre de contradições.
Assim como o conceito da historicidade que lhe dá base, princípios da dialética são
usados e reconhecidos em várias áreas do conhecimento de maneira pontual. O materialismo
também é empregado pontualmente. Entre as ciências naturais, ele é quase um consenso
como base de conhecimento e metodologia. Mesmo assim, isso não impede que estudiosos
destas ciências tenham visões idealistas com relação à outras áreas do conhecimento, ou
com relação à própria epistemologia. A enorme especialização e compartimentalização
das diversas áreas do conhecimento impede que mutos conceitos sejam usados de maneira
ampla, propositalmente limitando sua atuação e os seus riscos para a ordem atual. Uma das
virtudes do materialismo dialético é fornecer uma base filosófica à partir da qual podemos
reconhecer elementos e regras comuns entre várias áreas do conhecimento diferentes e nos
permite também estabelecer uma ponte na compreensão entre elas.
coisas que irá consumir, sendo a ferramenta usada para isso a razão (PINTO, 2005):
de sua capacidade manual. O cérebro passaria a ser dotado de uma maior capacidade
justamente para poder lidar com uma maior capacidade de manipular o ambiente ao
redor com mãos que não eram mais usadas para se locomover, e com isso estavam livres
para serem usadas em diversos tipos de manuseio. Descobertas fósseis posteriores iriam
confirmar tal correspondência. Isso leva à conclusão de que a razão e a capacidade humana
não são coisas independentes, mas estão vinculadas à forma pela qual produzimos nossa
existência.
colocar à perder uma parte da produção leva à perda das vidas de muitas pessoas. Tais
sociedades passam também por um processo de refinamento e evolução do conhecimento,
mas isso ocorre em um ritmo menor que em nossa sociedade. Estímulos maiores para inovar
e questionar os conhecimentos tradicionais ocorrem em sociedades capazes de produzir
maiores excedentes, pois isso permite à elas realizar experimentos mais arriscados para
tentar refinar seu conhecimento.
Todas as sociedades tem a sua tecnologia, técnica e uma base de conhecimento que
tenta explicá-la. Ao contrário do que diz o senso comum, o que caracteriza nossa época
não é a grande presença tecnológica, pois esta existe em todas as sociedades. O fato da
nossa tecnologia ser mais sofisticada que no passado tampouco é um diferencial relevante,
pois o mesmo poderá ser dito da sociedade no futuro e o mesmo pode ser dito de várias
outras sociedades do passado.
Desenvolver técnica e tecnologia faz parte da nossa própria capacidade de produzir,
ou trabalhar. Pelo mesmo motivo, também não existe uma ciência ou uma tecnologia
universal, elas dependem fundamentalmente da sociedade em que estão e como se organiza
a produção em tal sociedade. Um computador, por exemplo, só vai ser algo desejável e sua
criação só será estimulada em uma sociedade que tenha desenvolvido uma complexidade
produtiva que exija uma necessidade de realizar cálculos cada vez mais rápidos.
A ciência e a tecnologia não é a obra de gênios individuais que as criam, elas são obras
da própria sociedade, cujos membros sentem seus estímulos para resolver as contradições
com as quais estão em contato. Pode-se explicar assim as várias polêmicas que geralmente
estão envolvidas quando tenta-se descobrir quem foi o primeiro inventor de uma tecnologia.
Raramente a pessoa apontada era a única que estava tentando desenvolver aquela tecnologia.
Muitas vezes há muitos outros inventores que também estavam seguindo passos semelhantes
e estavam prestes à inventar a mesma tecnologia. Newton e Leibniz desenvolveram o
Cálculo Diferencial e Integral de maneira independente e quase simultaneamente. Muitas
tecnologias como rádio ou avião tem suas polêmicas quanto à qual dentre vários inventores
foi o primeiro a desenvolvê-la.
Isso ocorre porque o gênio individual não vive isolado. Ele está imerso em uma
sociedade e vivencia seus problemas e contradições que precisam ser resolvidos. Além
disso, ele é a pessoa que, geralmente pela sua classe, tem a oportunidade de ter acesso ao
conjunto de conhecimento acumulado da sociedade, o recebendo em escolas, universidades
e livros. E por fim, ele é sensível aos estímulos dados pela própria sociedade em que está,
que direciona quais áreas do conhecimento e quais problemas são mais prioritários para
serem resolvidos.
O avanço da ciência está profundamente ligado à tecnologia. Uma vez que o telefone
seja inventado, por exemplo, a sociedade passa a ter a necessidade de comportar esta
nova tecnologia. Pode-se argumentar que o telefone diminui o trabalho que as pessoas
1.4. Concepções sobre Tecnologia 19
precisam fazer, pois menos pessoas precisarão trabalhar no serviço de transportar cartas e
levar mensagens. Por outro lado, a sociedade passará então a necessitar de infra-estrutura
para fabricar os telefones e técnicos para compreendê-los e saber consertá-los. Além disso,
será necessário passar a manter um corpo de pessoas que detenha o conhecimento mais
avançado sobre eletricidade e acústica dos quais o telefone depende. A presença dessas
pessoas e de suas pesquisas na área garante a manutenção, adaptação e aperfeiçoamento da
tecnologia diante das mudanças que virão a ocorrer na sociedade. Por isso, é ingênuo pensar
que em algum futuro a tecnologia irá dispensar o trabalho humano. Tal possibilidade não
faz sentido, pois o trabalho é necessário para produzir, algo que caracteriza a própria
essência da humanidade. O que ocorre é que a natureza do trabalho vai se modificando
com o desenvolver da tecnologia.
estas mesmas forças produtivas estariam à serviço não do capital, mas do bem-estar da
população e isso acabaria com muitos problemas atuais relacionados à tecnologia.
Pode-se interpretar várias passagens de “O Conceito de Tecnologia” de Álvaro
Vieira Pinto como embasadoras de uma visão assim:
Se levarmos em conta somente este trecho, e ignorarmos que existem outros fatores
que nos permitem julgar o impacto de uma tecnologia, podemos acabar concluindo que
todas as obras científicas e tecnológicas são equivalentes e igualmente caminham na mesma
direção de desenvolver o capitalismo e assim levá-lo à sua superação. Não haveria diferença
outra além de questões de eficiência quando temos que escolher entre duas tecnologias
diferentes que competem entre si. Sendo este o único fator, não há realmente uma escolha.
É importante notar que Álvaro Vieira Pinto reconhece e reitera diversas vezes que a
ciência e tecnologia mudam de acordo com a sociedade e o meio de produção em que estão.
Reconhece que existem tecnologias existentes hoje que deveriam ser descartadas em uma
futura sociedade socialista onde o conflito com o capitalismo já houvesse sido superado (ele
cita as armas, tecnologias bélicas e o desenvolvimento de produtos de luxo que só poderiam
ser fabricados para pouquíssimas pessoas). Admite que diferentes classes sociais podem
se utilizar de diferentes saberes e técnicas (embora se limite a apontar uma diferença
de status social entre técnicas e saberes populares que tendem a ser mais práticos e o
saber erudito reservado para a burguesia). E sugere também que países subdesenvolvidos
não necessariamente devem seguir os mesmos passos de países centrais do capitalismo
para avançar sua tecnologia (ele julga necessário que os passos não sejam os mesmos, mas
enxerga eles alcançando resultados finais equivalentes).
Mais pessimistas seriam os filósofos substantivistas. Estes não enxergam a tecno-
logia como neutra, mas como portadora de valores vindos da sociedade que a criou. Nossa
relação com a tecnologia seria uma força que moldaria a nossa própria forma de pensar e
de realizar as coisas. A tecnologia que temos hoje seria essencialmente algo prejudicial e
estaria controlando as pessoas, sem que possa ser controlada pelas pessoas. Entre filósofos
1.4. Concepções sobre Tecnologia 21
que seguem esta linha estaria Martin Heidegger, criticado por Álvaro Vieira Pinto em seu
livro.
Também passaram a seguir esta linha filósofos marxistas da Escola de Frankfurt
que adotariam a visão pessimista por atribuírem à ciência e tecnologia uma forte carga
ideológica capitalista. Mas ao invés de adotar um irracionalismo como Heidegger, estes
propõe a criação de uma nova ciência e tecnologia que seria necessária para a construção
de uma sociedade melhor.
Por fim, a quarta visão seria a associada à associação sócio-técnica, que não
acha a ciência e tecnologia neutras, mas acha que existe um grau de controle que se
pode ter sobre elas. Esta visão assume então a tarefa de tentar identificar até que ponto
a tecnologia convencional gerada dentro dos valores do capital pode ser redesenhada e
adaptada para que se adeque à diferentes valores, e identificar até que ponto vai o controle
que pode ser feito sobre a tecnologia. A disputa entre diferentes tecnologias pode então
ser uma disputa política sobre que tipo de sociedade desejamos construir. Este trabalho
defende que esta visão é a mais adequada e procurará apresentar elementos que justifiquem
isso em seu decorrer.
Um dos méritos desta quarta visão é reconhecer diversas disputas sobre diferentes
modelos de tecnologia existentes (agroecologia e agricultura convencional, software livre e
proprietário, diferentes concepções urbanísticas) como uma disputa de diferentes modelos
de sociedade. E também desmistifica o discurso baseado na eficiência usado para justificar
escolhas tecnológicas. Pois eficiência não é algo absoluto, mas algo relativo a um critério
de medida específico. Quando muda-se o critério de medida de acordo com outra visão
política, pode-se chegar à conclusões diferentes sobre ela. Sendo assim, não existiriam
decisões puramente técnicas sem influência de decisão política. Se uma decisão técnica se
refere a encontrar a melhor forma de ir de um ponto para outro, a decisão política deverá
antes especificar em qual ponto queremos chegar de acordo com nossos valores.
Pode-se então pensar como seria uma tecnologia de acordo com valores socialistas
e desenvolvê-las desde já, adaptando o conhecimento já existente de acordo com objetivos
diferentes. Para Victor Wallis, uma tecnologia socialista seria toda tecnologia que seja
compatível com o socialismo, ou que o ajude a promovê-lo. Segundo ele, as duas caracte-
rísticas que uma tecnologia assim precisaria ter é o compromisso com a igualdade social
e com a saúde ecológica. Wallis aponta algumas tecnologias já existentes neste sentido
como aquelas que ajudam na oferta de meios de transporte alternativos aos carros nas
grandes cidades e aquelas que buscam aumentar a participação democrática das pessoas
na sociedade.
Não existe uma resposta clara para o quanto realmente pode-se desenvolver uma
tecnologia que não é guiada pelos objetivos hegemônicos da sociedade em que está inserida.
A mera existência delas não deixa de ser um reflexo da contradição interna da sociedade,
22 Capítulo 1. Bases Filosóficas
onde muitos desejam que hajam outros fatores acima do lucro e do mercado para definir
as tecnologias que devem ser adotadas. E mesmo que elas tenham limites para avançar,
tais tecnologias e o conhecimento derivado delas certamente será relevante no advento de
uma sociedade socialista.
23
2 Tecnologias Computacionais
internos. Tal tecnologia foi a precursora dos softwares que posteriormente computadores
poderiam usar.
A necessidade que a nova sociedade capitalista tinha de realizar cálculos levou
ao aumento de pessoas que trabalhavam como computadores humanos. Até meados do
século XX, o termo “computador” se referia à profissão daqueles cujo trabalho era sentar
em uma mesa e realizar uma imensa quantidade de contas. Desde o século XIX, pessoas
vinham sendo empregadas como computadoras para realizar cálculos astronômicos, área do
conhecimento que tornava-se muito importante em uma sociedade que precisava realizar
comércio, guerras e invasões globalmente. No século XIX o estabelecimento da estatística
também gerou uma grande demanda por pessoas que pudessem realizar contas. O avanço
científico realizado criava mais e mais necessidade deste tipo de trabalho. Em 1922, o
meteorologista Lewis Fry Richardson propôs novos modelos numéricos para prever o clima e
estima no capítulo final de seu texto que seria necessário manter 64.000 pessoas empregadas
para realizar todos os cálculos de seu modelo para que assim fôsse possível realizar uma
previsão do tempo global. Richardson defendia que apesar da grande quantidade de
trabalho necessário para realizar periodicamente os cálculos de seu modelo, haveriam
benefícios claros para várias áreas da economia, focando sua argumentação nos benefícios
para a produção agrícola (HUNT, 1998).
A demanda pelo trabalho de calcular faz com que passe a existir o interesse de
automatizá-lo por meio de máquinas, industrializando-o da mesma forma como ocorreu
com outros tipos de produção. O inventor e cientista Charles Babbage, que havia já
publicado estudos sobre vantagens econômicas do emprego de máquinas em indústrias,
foi uma das primeiras pessoas a realizar a tentativa de criar um computador mecânico.
Após várias tentativas e protótipos, ele chega ao projeto da máquina que ele chama de
“Máquina Analítica”, que une princípios de calculadoras mecânicas que ele havia projetado
com o uso de cartões perfurados como dos teares de Jacquard. A máquina nunca chega a
ser construída pelo financiamento de seu projeto ter sido interrompido. Somente em 1991,
o Museu de Ciência de Londres construiu com sucesso a máquina de Babbage usando
somente tecnologias existentes na época, conseguindo demonstrar que o projeto estava
correto e que seria teoricamente possível construir um computador no século XIX (SWADE,
2016).
Entretanto, a falha de se finalizar o projeto de Babbage não deve ser vista somente
como o resultado de azar. O surgimento de uma tecnologia tem sempre um custo para
a sociedade na qual ela é gerada. Para que a tecnologia surja é preciso que as forças
produtivas de uma sociedade estejam suficientemente avançadas e que o interesse da classe
dominante por tal tecnologia faça com que uma fração suficiente da produção seja investida
na sua pesquisa e desenvolvimento. Isso fez com que os computadores não estivessem ao
alcance do século XIX, e só viessem a surgir no século XX. Ainda que Babbage conseguisse
2.1. Histórico da Tecnologia de Computadores e Softwares 25
e papel. Mas enquanto uma máquina de cálculo universal não era construída, a profissão
de computadores humanos continuaria existindo e empregaria pessoas para realizar contas
de maneira manual onde fosse inviável construir ou adquirir máquinas para automatizar
seu trabalho. Agências como a NASA ainda empregavam pessoas como computadores até
os anos 60, mesmo depois de já ter máquinas calculadoras automáticas. Na época, muitos
achavam mais seguro que pessoas conferissem manualmente os resultados obtidos com o
uso das máquinas para garantir sua confiabilidade.
A demanda por aumentar a produtividade do trabalho intelectual de fazer contas
levou ao surgimento de um novo ramo da matemática, área do conhecimento que muitas
vezes é erroneamente tida como sendo independente das questões políticas e econômicas
de seu tempo. Matemáticos como Alan Turing e Alonzo Church passaram a se debruçar
sobre o problema de compreender matematicamente o próprio ato de calcular e quais
as operações mais simples que seriam necessárias para que todos os diferentes tipos de
cálculos matemáticos pudessem ser feitos. Ambos chegaram a resultados diferentes que
depois se mostraram equivalentes e forneceram a base necessária para a construção das
primeiras máquinas de calcular universais.
Com a construção dos primeiros computadores universais reconhecidos como tais,
eles passaram a ser usados inicialmente em ambiciosos projetos de pesquisa. O seu custo
de produção era tão alto que somente departamentos de pesquisa ligados à países centrais
do capitalismo passaram a empregá-los. Projetos bastante ambiciosos como o de realizar
previsões meteorológicas globais de Lewis Fry Richardson agora tornariam-se possíveis
sem que fosse necessário contratar dezenas de milhares de pessoas para fazer contas. Mas
ao invés de fazer a previsão do tempo, o emprego dos primeiros computadores mostrava
que a prioridade maior estava em realizar cálculos balísticos e os cálculos que ajudariam
a desenvolver a bomba de hidrogênio. Fora da área militar, os primeiros computadores
dos anos 50 foram também usados para auxiliar em cálculos do Departamento do Censo
dos Estados Unidos e algumas dezenas de empresas privadas adquiriram tais máquinas e
dentre elas haviam empresas ligadas à construção de aeronaves e companhias de seguro.
tornasse viável, bastou que os computadores se tornassem menores e mais baratos de modo
a não serem construídos em números tão reduzidos e para tão poucos casos.
A primeira rede de comunicação que se utilizou desta forma dos computadores
foi uma rede de detecção de mísseis aéreos nos Estados Unidos. Poucos anos depois uma
segunda rede de computadores seria criada para armazenar informações e gerenciar reservas
aéreas e informações sobre o vôo de várias companhias de aviação. O sistema mostrou-se
tão útil que continua existindo até os dias de hoje, após passar por várias atualizações
tecnológicas. Anos depois, uma outra rede de computadores criada para trocar informações
entre departamentos de pesquisa norte-americanos seria a precursora da Internet.
A capacidade de rápida troca de informações e gerenciamento da nova tecnologia
de redes de computadores iria chamar a atenção também de países socialistas. Países
como a União Soviética já vinham usando computadores exatamente como em países
capitalistas: primariamente no auxílio de pesquisas bélicas e aeroespaciais. Em 1959,
Anatolii Ivanovich Kitov, um famoso e reconhecido militar e cientista soviético propôs um
projeto de construção de uma rede de computadores que seria usada tanto para acompanhar
e fiscalizar ameaças militares como para auxiliar na gestão econômica do país (NITUSOV,
2010). Tal projeto se destaca por ser o primeiro de uma tecnologia que claramente se
distanciava de uma tecnologia capitalista. Somente um país socialista onde a economia era
planificada e não conduzida pelo mercado poderia desenvolver uma rede de computadores
focada na gestão da economia de um país. Infelizmente, conflitos de interesses políticos
fizeram com que a proposta não fosse aceita e tal rede nunca foi construída na União
Soviética. Novas propostas e tentativas de implementar algo assim seriam feitas, como
o projeto OGAS, ou Sistema de Automação de Todo o Estado (Общегосударственная
автоматизированная система учёта и обработки информации). Um projeto dos anos
60, o qual avançou mais, mas acabou tendo o seu financiamento negado.
Uma proposta de criação de uma rede de computadores para auxiliar na gestão
de uma economia socialista reapareceria novamente e começaria a ser implementada no
começo dos anos 70, durante o governo de Salvador Allende no Chile. O projeto, nomeado
de Synco (de “Sistema de Automação e Controle”, também conhecido pelo nome em
inglês de Cybersyn), consistia em um simulador econômico com técnicas de inteligência
artificial da época, softwares que monitorariam a produtividade de fábricas, uma sala de
operações e uma rede de terminais telex que serviriam para alimentar a rede com dados.
O projeto se desenvolveu bastante rápido, estando funcional em apenas dois anos. Em
1972 ele já estava funcionando na forma de um protótipo avançado e foi efetivamente
usado como uma ferramenta para contra-atacar a sabotagem econômica causada por uma
greve de caminhoneiros que bloquearam o fornecimento de comida para a capital. Em
maio de 1973, 26,7% das fábricas nacionalizadas do Chile já haviam sido incorporadas de
alguma forma ao projeto. A tecnologia desenvolvida no Chile foi assim o primeiro caso de
28 Capítulo 2. Tecnologias Computacionais
desenvolvimento de uma tecnologia computacional socialista. Ela era algo que só podia vir
a surgir em uma sociedade socialista, pois lidava com um problema que só se abria para
este tipo de sociedade. Após o golpe de Pinochet os militares fizeram algumas tentativas
de compreender os aspectos teóricos e tecnológicos do sistema para tentar aproveitá-lo de
alguma forma. Após falharem, o projeto foi inteiramente destruído (MEDINA, 2006).
coisas em mercadoria e assim abrir novos mercados. Uma ofensiva passou a ser realizada
para impedir o compartilhamento de informações em formato digital, em uma aliança entre
as recentes empresas de programas de computador com empresas que vendiam músicas
e filmes. A disputa é ilustrada por uma carta escrita por Bill Gates para os entusiastas
iniciais dos comutadores pessoais, conhecida como “Carta Aberta aos Hobbystas” (GATES,
1976):
precisaria ser redistribuído sem ter restrições artificiais, e qualquer versão modificada dele
deveria ser redistribuída. Isso contrastava com o caráter secreto e com restrições legais
características dos softwares proprietários que começaram a ser desenvolvidos.
Tratar programas de computador como propriedade privada era algo que trazia
problemas. Assim como um conhecimento científico ou matemático podia ser usado para
deduzir ou servir de base para outros, os cálculos e manipulações simbólicas codificadas
em um programa de computador também podiam servir de base para diferentes tipos
de programas derivados após serem copiados e adaptados. Isso levou ao surgimento de
monopólios a uma velocidade muito grande no mercado de softwares. Cada vez que uma
empresa acumulava em seu software mais funções e mais conhecimento na forma de
instruções para o computador, mais e mais difícil ficava para cada pretenso competidor
começar do zero e desenvolver um produto concorrente. A tendência do mercado gerar
monopólios expressava-se de maneira ainda mais rápida entre empresas de software que
em outros mercados, graças à sua velocidade de desenvolvimento.
O maior sucesso da Fundação do Software Livre foi reconhecer esta característica
do software e explorar a contradição decorrente dessa comoditização. Sua obra mais
importante não foi um programa de computador, mas sim uma licença legal que aproveitava
tal contradição. A sua licença, ao ser usada por alguém que escreveu um novo programa de
computador, dava permissão explícita para qualquer pessoa fazer cópias do programa, além
de exigir que o código que gerou o programa de computador sempre fosse mantido público
para que pessoas pudessem estudar como ele funcionava e pudessem modificá-lo. Mais
importante ainda, a licença usava a autoridade garantida pelas novas leis para exigir que
qualquer um que usasse o código do programa para modificá-lo ou desenvolver algo novo a
partir dele, precisava obrigatoriamente distribuir qualquer obra derivada exatamente nos
mesmos termos legais. Desta forma, seria possível competir com o acúmulo de técnicas que
eram embutidas em softwares proprietários formando um acúmulo de técnicas na forma
de código que não apenas era público, mas também só poderia ser usado para gerar novas
técnicas igualmente públicas. Era o conceito que seria batizado de “copyleft” em reação ao
“copyright” que as novas empresas desenvolvedoras de software geravam (LIVRE, 2007).
Usando doações, trabalho voluntário de entusiastas iniciais, as novas facilidades de
trocar informações pela Internet e a sua licença de “copyleft”, a Fundação do Software
Livre levou adiante o trabalho de coordenar a construção de um sistema operacional
completo para computadores que funcionasse inteiramente com Software Livre. O trabalho
levaria oito anos e sua primeira versão ficaria pronta em 1991. O Sistema Operacional foi
nomeado de GNU/Linux devido a ser formado pela junção do Projeto GNU da Fundação
do Software Livre e um núcleo chamado Linux criado por um estudante finlandês. O
desenvolvimento colaborativo deste sistema se manteve desde então. O seu modo de
desenvolvimento alternativo gerou uma variedade muito grande de programas.
32 Capítulo 2. Tecnologias Computacionais
ocidente.
Por outro lado, apenas replicar a tecnologia já existente poderia impedir uma
análise crítica de como desenvolvê-la de modo a atender demandas específicas do país.
Além disso, poderia ocultar quando uma tecnologia era hostil ao país, não apenas de
maneira indireta, mas mesmo quando era criada deliberadamente como uma arma da
guerra fria. O uso de softwares estrangeiros importados e copiados para serem usados
em muitas máquinas era algo comum em 1982 quando um destes softwares usado para
controlar válvulas de um gasoduto começou a se comportar de maneira anômala causando
uma explosão em um gasoduto trans-siberiano. O caráter não acidental desta explosão só
seria documentado em 2004 com um livro auto-biográfico de um militar norte-americano
que alegou que a explosão foi obra de sabotagem da CIA.(REED, 2004) Apesar disso,
existem dúvidas quanto à veracidade das informações presentes no livro, já que técnicos e
ex-oficiais da KGB contestam informações presentes no relato, confirmando a existência de
explosão na época, mas em um local diferente do indicado e em tubulações que não usavam
sistemas de controle digitais (Zakhmatov VD, Glushkova VV, Kryazhich OA, 2011).
Independente deste caso específico ter acontecido ou não, sabotagens documentadas
usando vírus de computador e softwares defeituosos passariam a ser efetivamente usadas
contra países no ano de 2010. O Irã seria vítima de um vírus que visava especificamente
atacar o seu programa nuclear e que conseguiu causar prejuízos à ele. O mesmo vírus
seria usado simultaneamente contra instalações na Coréia do Norte, embora, desta vez,
sem obter sucesso. Tal ataque tornou-se público pelo fato do vírus ter se espalhado para
além dos laboratórios iranianos e assim ter sido encontrado em outros computadores, onde
ele não fazia nada. Em 2012, os Estados Unidos assumiriam publicamente a autoria dos
ataques (NAKASHIMA, 2012). O ataque foi possível em grande parte devido a falhas,
sejam elas intencionais ou não, presentes na versão do Windows que era utilizada pelos
computadores iranianos.
Preocupações com a soberania e com a possibilidade de ataques vindos de softwares
de funcionamento desconhecido levou países não-alinhados aos Estados Unidos a investir
no desenvolvimento próprio de software ou adotar o software livre como alternativa. Cuba
já vinha desenvolvendo seus sistemas próprios de software desde os anos 90, quando o
embargo e isolamento comercial forçaram o país a desenvolver seu próprio software por
meio da Universidade de Ciências Informáticas. Posteriormente, a exportação de softwares
daria um auxílio econômico para o país e ele desenvolveria em 2009 uma versão própria de
um sistema Linux chamado de “Nova” como forma de evitar a dependência de softwares
proprietários (Abel Fírvida Donéstevez, 2011). Em diferentes intensidades, na mesma
época diferentes governos da América Latina adotaram políticas de incentivo ao Software
Livre, como o Brasil, Uruguai, Venezuela e Bolívia.
2.1. Histórico da Tecnologia de Computadores e Softwares 35
identificar a pessoa que os está observando, em qual página de Internet ela está e que
outras páginas ela já acessou. Tipicamente compradores de tais informações são empresas
de marketing, investidores e agentes políticos, embora restrições legais de proteção à
privacidade teoricamente limitem a forma como tal venda de dados pode ocorrer.
Este tipo de uso de tecnologia também vem causando desconfortos e contradições
que levam as pessoas a buscar desenvolver alternativas ou reações à ela. Entretanto, as
tentativas de se defender de espionagens de dados acabam esbarrando em um obstáculo
considerável. Por mais que a natureza elétrica e moldável da representação de softwares
faça com que isso seja esquecido, ainda estamos falando de uma tecnologia completamente
ancorada no mundo material e sujeita às suas imposições. Por mais que seja fácil esquecer
disso, a comunicação rápida e prática por meio de softwares e aparelhos de comunicação
precisa de fios, equipamento e de cabeamento, muitos dos quais estão sob controle do
capitalismo e do imperialismo. A América Latina é extremamente vulnerável à interceptação
de comunicações, pois toda vez que dois computadores que estão em dois de seus países se
comunicam, precisam usar cabos que na maioria das vezes, passam nos Estados Unidos antes
de chegar ao seu destino (ASSANGE, 2013). Além disso, grande parte das comunicações que
ocorrem na Internet passa por meio dos computadores de grandes empresas que fornecem
tais serviços pela Internet. Assim, os dados necessariamente precisam ser transmitidos
geograficamente até elas.
O controle que o capital e o imperialismo tem da infraestrutura da Internet faz
com que seja difícil escapar de suas consequências e, como o acesso a tais serviços vai
se tornando cada vez mais necessário na sociedade, tentativas de boicote acabam sendo
ingênuas. O modo mais efetivo de proteção são as tecnologia de criptografia, que mesmo
de acordo com os documentos vazados aparenta ser segura e à prova de quebras quando
corretamente usada. O próprio capital depende dessa tecnologia para poder realizar
comércio e transações financeiras por meio das redes de computadores. Em tais casos a
tecnologia foi perfeitamente integrada e está facilmente disponível para muitas pessoas que
fazem compras pela Internet e nem percebem que dependem dela. Entretanto, atualmente
é contra o interesse do capital que as pessoas e seus dados pessoais sejam protegidos com
o mesmo nível de rigor. Embora ao usar serviços do Facebook e Google os dados sejam
protegidos e criptografados até chegar na empresa, à partir do momento em que estão lá,
eles podem ser analisados. Para se proteger disso, somente usando programas e tecnologias
externos, mas a falta de integração faz com que usar isso não seja automático e requer um
conhecimento e disciplina que dificulta a sua popularização.
Tentativas menores também já foram feitas para tentar contaminar os dados
coletados por empresas com informações falsas. Em 1999, grupos de usuários de Internet
tentaram popularizar sem sucesso a prática de colocar na assinatura de emails palavras
tidas como polêmicas ou subversivas, o que tentaria causar uma sobrecarga nos sistemas
2.2. Produção Capitalista do Software 37
seja observado. Como ele também não é consumido após ser usado, ele também não é
como um insumo tal como a eletricidade. Um software se comporta, e de fato é uma
forma de representar conhecimento exatamente como um livro. Um novo conhecimento
pode demorar para ser obtido inicialmente, mas uma vez que o obtenhamos, ele pode ser
compartilhado com toda a sociedade. Desenvolver um novo software que pode ser usado
para realizar um trabalho produtivo de maneira mais eficiente é então criar um avanço
das forças produtivas.
A cópia de um software é feito em um tempo muito curto. Portanto, o valor de
troca de um software é muito baixo, chegando a ser quase nulo em muitos casos. O valor
de troca deles é menor que o de um livro que precisou ser impresso. Se não fossem por
restrições legais artificiais, um software não poderia ter se transformado em mercadoria.
A restrição do acesso ao conhecimento contido dentro do software é uma restrição
ao acesso do conhecimento técnico e científico que ele contém. Embora Álvaro Vieira Pinto
tenha escrito seu manuscrito sobre a tecnologia antes do software ter se popularizado
e se convertido em mercadoria desta forma, a dominação que essa restrição provoca é
definida perfeitamente quando este descreve como países ricos não permitem que os pobres
desenvolvam sua tecnologia, mas ao invés disso apenas os estimulam a comprar tecnologia
estrangeira convencendo-os de que fazendo isso eles estão tendo acesso ao “progresso”.
Mas, na verdade, eles acabam apenas tornando-se dependentes de tal fornecimento, sem
desenvolver o conhecimento próprio e sem nunca poder receber uma tecnologia que
realmente os permita emancipar. Empresas como a Microsoft ganham lucros fornecendo
seus softwares como mercadoria e estimula que países pobres os consumam. Mas ela nunca
revelaria o código que contém o conhecimento de como seus softwares funcionam e irá
tentar proteger seu monopólio fazendo lobby para que os governos desistam da ideia de
investir nos seus próprios softwares ou usem software livre.
O mercado de softwares comerciais se tornou tão grande que a pessoa considerada
mais rica do mundo fez fortuna ajudando a criar e explorando tal mercado. E fez isso
vendendo cópias de programas de computador, os quais tem um valor de troca praticamente
nulo. Os lucros de seu negócio não estão relacionados à produção de valor. À partir do
momento em que a legislação permite tratar o conhecimento contido no software como
propriedade privada, ele mantém tal conhecimento para si e vende para as pessoas o direito
de usar tal conhecimento embutido na forma de uma cópia de software. As restrições legais
artificiais impedem as pessoas que pagam pelo software de copiá-lo ou estudá-lo e assim se
apropriar também do conhecimento e da técnica embutida nele, um conhecimento e uma
técnica que tal como todas as outras são geradas socialmente, pois sempre dependem da
existência de conhecimentos prévios presentes nesta sociedade.
Isso não é tão diferente de alguém que usa a propriedade da terra, a qual pertence
à natureza e nunca foi fabricada por alguém, para extrair renda baseado em aluguel, por
2.2. Produção Capitalista do Software 39
exemplo. A terra, sem trabalho humano envolvido, não gera valor, mas pode gerar renda,
graças à restrições artificiais e construções sociais que vem do conceito de propriedade.
Assim, um rentista do conhecimento extrai seus lucros de maneira não muito diferente
de um rentista de terras, que não era nenhum desconhecido já no século XIX. Além dos
capitalistas que controlam tais softwares, também se encaixam nesta categoria de rentistas
do conhecimento aqueles que se apropriam de invenções por meio de patentes. Pagar os
royalties de uso de uma patente não é algo fundamentalmente diferente de pagar pela
licença de um software. E como em alguns países patentes de software são permitidas,
pode-se ter até mesmo um rentismo que parasita outro rentismo, como quando uma
empresa de software precisa pagar royalties para usar um conceito patenteado em um
programa de computador proprietário que está sendo desenvolvido.
Todo esse mercado se fundamenta em uma grande ficção: a ilusão de que um
programa de computador é análogo à uma máquina em si. Uma máquina que não tem
como ser facilmente copiada por quem tem acesso à ela. Uma máquina que somente o dono
de uma empresa pode produzir e que supostamente levaria trabalho para ser produzida e
por isso precisaria pagar caro para obter uma cópia dela. Uma ilusão bastante útil, pois
rentistas sempre tiveram a dificuldade de justificar a racionalidade de sua existência. No
caso de uma fábrica, ideólogos sempre puderam argumentar e tentar justificar o lucro
alegando que o capitalista fazia algo organizando e gerenciando a produção ou assumindo
riscos. Rentistas de terra que viviam do aluguel, por exemplo, nunca puderam usar as
mesmas justificativas. Mas o rentismo do conhecimento permite o uso delas além de
fornecer a possibilidade de alugar um conhecimento simultaneamente para um número
potencialmente ilimitado de pessoas, algo que nunca foi possível fazer com a terra. Mas
assim como todo o rentismo, ele ainda é parasitário, pois por não gerar valor, a sua riqueza
depende da apropriação do valor gerado por atividades produtivas.
Mas este rentismo também depende de trabalho humano. As empresas de software
precisam de programadores para criar os softwares. À partir do momento em que a sociedade
demanda um fluxo constante de novos softwares, o seu trabalho, seja ele envolvido na
geração de novo conhecimento, ou de sua adaptação de conhecimento já existente em um
novo código, é um trabalho produtivo. Mas está havendo geração de valor no momento
em que o código do software é criado. Esse valor se dilui entre todas as cópias socialmente
necessárias desse código, que às vezes pode ir parar em mais de um software diferente.
Assim, um trabalhador que produz software para empresas de softwares comerciais também
pode ter mais-valia extraída. Mas a empresa tem uma organização e estrutura para que o
seu lucro venha fundamentalmente da renda, embora ela também aproveite a mais-valia.
Além do software comercial que é vendido na forma de licenças, funciona de
maneira muito parecida o software que é fornecido como um serviço por meio de redes de
computador como a Internet. Neste modelo, a empresa que desenvolve o software não vende
40 Capítulo 2. Tecnologias Computacionais
a sua licença de uso e o software que ela produz nunca sai de seus próprios computadores.
Ao invés disso, seus computadores são conectados à Internet e outras pessoas podem pagar
para usar o software e o computador em que ele está se comunicando com ele pela rede de
computadores. Nem sempre esse aluguel é cobrado em dinheiro. Muitas vezes a empresa
apenas cobra na forma de acesso aos dados pessoais dos usuários, os quais podem ser
comercializados quando acumulados em grandes quantidades ou usa a presença das pessoas
para cobrar pela inserção de propagandas direcionadas à tais pessoas. Independente de
quem paga pelo serviço ou da forma que é feita a cobrança, cobrar pelo aluguel do uso de
um programa de computador funciona exatamente da mesma forma que cobrar pela licença
de uso. Do ponto de vista da geração de valor em uma produção, não faz diferença por
si só se uma máquina funciona por meio de mecanismos que estão todos contidos dentro
dela ou se ela depende de mecanismos que estão do outro lado do mundo com os quais
ela se comunica muito rapidamente. A mesma privatização do conhecimento ocorre aqui,
mas com novos mecanismos que tornam muito mais difícil burlá-la por meio da pirataria.
Contudo, existe uma pequena diferença pelo fato de que esse modelo requer um trabalho
mais contínuo de manutenção de computadores e acompanhamento do software para que
ele continue funcionando e sendo alugado pela Internet. Esse trabalho de manutenção
contínuo é necessário para que o software siga funcionando diariamente, e nisso há um
trabalho do qual a empresa também pode extrair mais-valia.
É verdade que este tipo de empresa tem uma organização e lógica diferente tanto
comparado à uma fábrica clássica como aos clássicos rentistas da terra. Mas ainda assim, as
mudanças não chegam a ser coisas completamente inauditas e capazes de tornar obsoletas
as categorias de análises já existentes. Essa concepção de que o lucro de empresas de
software se fundamenta no rentismo tem concordância com a análise de Slavoj Žižek em
seu texto “The Revolt of the Salaried Bourgeoisie” (ŽIžEK, 2012), embora eu não defenda
da mesma forma que no texto citado que isso em si represente mudanças tão profundas
assim na análise do capitalismo e para a luta de classes e discorde de afirmações de que
a privatização do conhecimento seja algo não previsto por Marx. É certo que sempre
há mudanças, e que não é impossível que mudanças históricas qualitativas venham a
ocorrer no modo como a luta de classes se desenvolve. Mas muito mais comuns do que
mudanças deste tipo é o surgimento inovador e criativo de cada vez mais mistificações que
tentam apenas disfarçar as velhas estruturas de antes fazendo permutações e criando mais
camadas de complexidade. As classes dominantes tem a demanda de ocultar a exploração
e dificultar a sua denúncia. Isso é uma das coisas que direciona a evolução da organização
da nossa sociedade.
Além disso, nem só de rentismo vive o desenvolvimento de software. Embora
softwares comerciais (como Windows e Office) ou softwares usáveis pela rede (Google,
Facebook) sejam os programas de computador com os quais consumidores típicos tem
mais acesso, muito do desenvolvimento de software ocorre na forma de softwares internos.
2.3. Potenciais e Limites das Tecnologias Alternativas 41
Para tais softwares, a afirmação de que o valor de uso deles se conserva quando eles são
copiados várias vezes deixa de ser verdade. São programas de computador desenvolvidos
sob demanda para realizar tarefas que são muito específicas de um lugar e não teriam
a mesma utilidade em outros. A construção de tais softwares pode se basear no uso de
componentes mais genéricos, sejam eles códigos reaproveitáveis ou técnicas de programação,
mas a maior parte do trabalho é feito gerando algo sob demanda para necessidades únicas.
Em tais casos, o trabalho de construção de tais programas de computador deixa de
ser algo diferente do desenvolvimento de uma máquina física. O programa será usado em
somente um computador e a possibilidade de fazer cópias dele não é algo que tenha uma
grande utilidade, exceto pelo mérito de poder preservá-lo caso um acidente ocorra com a
maquina onde ele normalmente funciona. A única diferença de um programa de computador
para uma máquina física, neste caso, é que o desgaste do software não ocorre devido
à um desgaste físico de seus componentes, mas devido às transformações do ambiente
e das necessidades do local em que ele funciona, o que um dia o tornará obsoleto. De
qualquer forma, isso faz com que empresas que forneçam este tipo de software funcionem
como qualquer empresa que fabrica e vende máquinas físicas. O seu lucro é extraído da
mais-valia, não do rentismo.
capitalismo sendo hegemônico no mundo, seu desenvolvimento não tem como ocorrer.
No Chile o golpe militar com apoio imperialista impediu a experiência de se desenvolver
completamente.
Tudo o que consegue se desenvolver no capitalismo que envolva um acompanhamento
global da economia são versões bastante limitadas e cujo objetivo não é garantir a satisfação
de necessidades da população, mas beneficiar especuladores em seus investimentos. Existem
softwares que acompanham de forma mais rudimentar as mudanças de produção e demanda
se baseando na filtragem de notícias de jornal, em informações lidas em páginas de Internet
e em estatísticas de institutos de pesquisa ou coletadas em redes sociais. Geralmente,
tais programas são usados para automatizar e acelerar a compra e venda de ações na
bolsa de valores e acabam atuando como um dos fatores que aceleram as crises cíclicas do
capitalismo.
3 Considerações Finais
Após a análise feita nos capítulos anteriores, pode-se constatar que a principal força
que determina os rumos e o desenvolvimento da tecnologia em uma sociedade capitalista é
a necessidade de reprodução do capital. Ao contrário do que alegam as vertentes filosóficas
que defendem uma tecnologia neutra e independente das relações sociais, o que determina
o seu desenvolvimento não é algo tão amplo como aumentar as capacidades humanas ou
aperfeiçoar o processo de satisfazer as necessidades humanas, como se tais necessidades
realmente existissem de maneira ampla e independente das classes sociais. Tecnologias
como as que tentam impedir ou dificultar cópias não-autorizadas de softwares e de arquivos
de computador são exemplos de tecnologia que fazem exatamente o oposto: elas tentam
retirar vantagens e potenciais que foram trazidas por meio de avanços tecnológicos, mas
que passaram a entrar em contradição com os lucros do capital.
Não há nada de acidental, natural ou universal na forma pela qual a tecnologia
se desenvolve. O surgimento dos computadores, tal como o de qualquer outra tecnologia,
visou dar respostas às necessidades que eram sentidas na sociedade. Não necessidades
universais, sentidas por todos os seus integrantes, mas principalmente as necessidades
de suas classes dominantes. Estas exercem sua influência por meio do financiamento de
pesquisas que lhes interessam e por meio da própria força da sua ideologia que interfere
na avaliação de quais coisas são possíveis e desejáveis. Tal caráter não-acidental pode
ser observado em tentativas próprias que só poderiam ocorrer em países socialistas no
sentido de gerar novas tecnologias integrando redes de computadores e a cibernética para
assim aperfeiçoar o gerenciamento de uma economia planificada onde a produção não era
baseada na competição de empresas em um mercado. Da mesma forma não há nenhum
acidente e nenhuma justificativa puramente técnica que justifique de forma satisfatória
o fato de praticamente toda a comunicação entre diferentes países da América Latina
precisar passar por cabos que primeiro passam pelos Estados Unidos para só então chegar
ao destino. A própria transformação do software em mercadoria não foi algo natural e
isolado, mas um processo que ocorreu em meio à uma sociedade em que o capital começava
a se financeirizar cada vez mais, devido à essa transformação na organização da sociedade,
cada vez mais riqueza gerada por atividades produtivas era direcionada para atividades
ligadas ao rentismo.
Contudo, a visão determinista e paralisante de que nada pode ser feito para disputar
a tecnologia enquanto se está em um sistema capitalista demonstra suas limitações ao não
prever que tecnologias alternativas podem ser construídas ou elaboradas como parte de
disputas internas dentro de uma sociedade capitalista. É bem verdade que é extremamente
difícil que tais disputas ocorram de modo a gerar tecnologias diferentes. Isso porque uma
46 Capítulo 3. Considerações Finais
disputa na qual um lado está fortemente armado, conta com uma grande quantidade de
capital privado, controle da comunicação e hegemonia na disputa ideológica enquanto o
outro lado não tem nada disso, raramente será uma disputa prolongada. Ela tende a se
resolver à favor do lado mais forte e o lado derrotado tende a ter menos tempo para obter
algum acúmulo. Mas o fato de terem se desenvolvido tecnologias alternativas, sendo o
software livre o exemplo observado neste trabalho, é algo digno de atenção. Este é um
caso que evidencia um ponto fraco existente no lado mais forte da disputa, pois somente
isso pode explicar como ele não foi completamente vitorioso mesmo tendo recursos tão
superiores. No caso do software livre, o que ocorre é que como um programa de computador
é uma forma de conhecimento codificado, ele pode se desenvolver muito mais rapidamente
sendo construído colaborativamente. Mas para o capital, o software deveria se tornar um
novo tipo de propriedade comercializável e para isso precisaria ser desenvolvido de maneira
secreta e privada, sem compartilhamento de informações. Essa foi a falha que impediu a
vitória absoluta do lado mais forte e permitiu que uma tecnologia alternativa conseguisse
se desenvolver.
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