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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Palavra e imagem no 44, p.

123-141, 2012 123

LEITURA DO DIA: PUBLICIDADES BEM


HUMORADAS

Conceição Almeida da Silva

RESUMO
Este artigo apresenta a noção de circunstância de discur-
so, como abordada por Charaudeau (2010), e a concep-
ção de leitura interativa, com o objetivo de analisar os
mecanismos empregados para a interpretação de efeitos
humorísticos em anúncios publicitários. Para tanto, se
buscará um respaldo teórico interdisciplinar, recorrendo
a conceitos que versam sobre a leitura, sobre a publici-
dade e sobre o humor.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura; publicidade; humor.

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é deter-


minada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo
fato de que se dirige a alguém. Ela constitui justamente o pro-
duto da interação do locutor e do ouvinte. (BAKHTIN, 2006,
p. 115)1

Introdução: quem lê um anúncio publicitário?

O
leitor de uma revista, em geral, procura nela alguma informação. Às
vezes, uma informação específica – os acontecimentos políticos da
semana, os comentários sobre as celebridades da TV, a reportagem
especial sobre um determinado assunto, as previsões sobre seu signo, as no-
tícias do futebol etc. Outras vezes, apenas uma informação qualquer que lhe

1
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12ª. Ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
124 Silva, Conceição Almeida da. Leitura do dia: publicidades bem humoradas

desperte algum interesse – seja qual for o tema, sua atenção se disponibiliza a
ser captada. E assim, enquanto as mãos folheiam a revista, os olhos passeiam
pelas páginas, distraídos: editorial, entrevista, reportagem, artigo de opinião...
e o leitor encontra, enfim, uma leitura interessante: um anúncio publicitário.
Em geral, os anúncios que aparecem nas revistas não despertam o inte-
resse pela leitura – na verdade poucos precisam ser de fato “lidos”, visto que,
não são elaborados para “informar” o leitor sobre um determinado produto,
mas para não deixá-lo esquecer sua existência. Por este motivo, procuram não
ser cansativos, explorando mais as imagens que, por sua relação analógica com
o mundo, são de fácil captação. Além disso, a informação verbal é reduzida
ao mínimo necessário, mantendo com a linguagem icônica uma função de
fixação dos sentidos da imagem, que por sua natureza é necessariamente “po-
lissêmica” (Barthes, 1990, p. 32)2. Os anúncios se apresentam nas revistas
como uma forma de dizer um “Oi, tudo bem?” que vai manter viva a imagem
do produto, mesmo que o leitor não se tenha detido no anúncio. Na verdade,
da mesma forma que ninguém liga a televisão com o objetivo de assistir aos
intervalos comerciais, também não se compra uma revista com o objetivo de
ler os anúncios, mas ao vê-los sempre ali, dando um “Oi!”, o leitor acaba se
recordando deles depois, quando assume seu posto de consumidores.
Mas, eis que de repente um anúncio faz com que o leitor pare de folhear
e o observe. Os olhos, antes distraídos, agora se detêm, atentos, e até sorriem.
Inicia-se, então, a leitura. E, no final, os lábios se movem num sorriso espon-
tâneo. Quando isso acontece, o anúncio disse muito mais que um “Oi, tudo
bem?”. Certamente, o anúncio fez uma graça que chamou a atenção, captan-
do, então, o interesse do leitor. E é quando isso acontece que a leitura de um
anúncio pode dar um certo prazer, o mesmo que se encontraria ao se ouvir
uma piada, ou ao se ler um poema, ou mesmo ao se encontrar uma notícia
cujo tema interesse. Eis o desafio de uma publicidade bem humorada: chamar
a atenção do leitor, captar-lhe o interesse, diverti-lo e, dessa forma, cumprir
sua função principal que é a de anunciar o produto.
No entanto, não será qualquer “gracinha” que o anúncio trouxer que vai
despertar a atenção do leitor: o humor precisa ser bem elaborado, bem estru-

2
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1990.
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turado, e principalmente, bem contextualizado. E neste processo recorre-se a


vários mecanismos, entre os quais, os linguísticos e os pragmáticos. O humor
é produto de uma interpretação que envolve todas as instâncias discursivas:
o produtor, o destinatário, a situação comunicativa etc. Ao ter sua atenção
captada por um anúncio bem humorado, o leitor se insere num processo de
produção de sentidos que prevê não só a identificação de elementos linguís-
ticos e icônicos, mas também de informações implícitas que dependem da
contribuição do leitor, de seu conhecimento de mundo. Disto, resulta uma
atividade interativa que envolve o produtor do texto, o próprio texto e o leitor:
um publicitário, buscando uma maneira de atrair a atenção do consumidor
e tentando atender à demanda do anunciante, se esforça em criar efeitos de
humor para despertar a atenção do leitor-consumidor. Este humor, por sua
vez, só vai se realizar efetivamente com a participação deste leitor que deverá,
por um lado, perceber as manobras do publicitário inscritas no texto e, por
outro, contribuir com seus conhecimentos prévios. Vê-se nisto que o humor
publicitário resulta deste esforço interpretativo que ocorre durante a leitura.
Este trabalho se propõe a examinar um anúncio publicitário bem humora-
do, buscando responder à seguinte questão: do que dependem os efeitos humorís-
ticos que o leitor apreende durante a leitura de um anúncio? A resposta pode estar
no produtor do anúncio, considerando que é ele o responsável pelas estratégias
discursivas postas no texto; a resposta pode estar no próprio texto, considerando
que os elementos linguísticos e icônicos, uma vez ali, se encarregam de transmitir
os sentidos que o texto pode apresentar, cabendo ao leitor a tarefa de decodificá-
-los; e a resposta pode estar ainda no leitor, levando-se em conta que é ele quem
vai usar sua capacidade cognitiva e seus conhecimentos prévios para atribuir sen-
tido, o que resulta numa produção que se estabelece a cada nova leitura.
Para responder a tal questionamento, se buscará um respaldo teórico in-
terdisciplinar, recorrendo a conceitos que versam sobre a leitura, sobre a publi-
cidade e sobre o humor. Essa decisão se deve ao fato de que para entender como
a leitura dos efeitos humorísticos, presentes nos anúncios, é possibilitada, faz-se
necessário não só recorrer às diferentes concepções de leitura, tema do próximo
tópico, mas também entender, mesmo que superficialmente, como funcionam
a publicidade e o humor, como tratado no tópico subsequente. Por fim, após
o embasamento teórico antes descrito, se apresenta a análise do anúncio como
forma de ilustrar seu funcionamento a partir dos conceitos apresentados.
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Leitura e produção de sentidos: ler é interagir

Muitos autores têm se preocupado em pesquisar a origem dos efeitos de


sentido que se obtém durante a leitura de um texto. Dependendo da concep-
ção de leitura que se adote, pode-se chegar a respostas bem distintas. Leitura
pode, por exemplo, ser entendida como um processo de decifração da escrita.
Neste caso, produzir sentidos corresponde a identificar sinais gráficos e trans-
formá-los em sons e, consequentemente, em palavras que, por sua vez, serão
representações do mundo conhecido pelo leitor. Neste caso, qualquer indiví-
duo capaz de identificar letras escritas, reuni-las em palavras, pronunciá-las e
associá-las a objetos do mundo seria considerado um leitor capaz de atribuir
sentido ao texto. A leitura se apresenta numa trajetória que vai do texto ao
leitor, um caminho de via única. Esse primeiro conceito de leitura,

vê esse processo como ato de defrontar-se com o material escri-


to e decodificar os sinais gráficos, em som articulado, em forma
de palavras. A compreensão, nesse caso, dá-se de maneira au-
tomática, pois, uma vez que o leitor é capaz de decodificar, ele
é automaticamente conduzido ao sentido dessa palavra, o que
resultaria na imediata compreensão do texto escrito. Trata-se de
um processo, dito passivo, que tem como base o texto, e o foca
de tal maneira que o leitor não recebe papel algum a desempe-
nhar, a não ser o de decodificador. A passividade é atribuída a
esse conceito com vista justamente à inércia na qual o leitor se
encontra, apenas recebendo as informações contidas tal qual o
texto as apresenta. (DURAN, 2009)3

Esta concepção se aproxima do que Marcuschi (2007)4, tratando da no-


ção de coerência, chamou de visão estrutural. De acordo com esta visão, o
texto oferece todas as marcas necessárias à sua coerência. “A coerência seria,
neste caso, fruto de uma série de operações realizadas com o próprio código
3
DURAN, Guilherme Rocha. As concepções de leitura e a produção do sentido no texto.
In: Revista Prolíngua, vol. 2, n. 2 – jul./dez: 1-14, 2009.
4
MARCUSCHI, Luiz Antonio. Cognição, linguagem e práticas interacionais. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2007.
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para expressar ideias ou conteúdos” (idem, p. 15). Ao leitor caberia o processo


de identificação do significado que já está no texto. A coerência, sob esta pers-
pectiva, é um atributo do texto que precisa ser decodificado pelo leitor. Neste
mesmo sentido, a leitura, sob a visão estrutural, coloca em cena o texto como
seu protagonista principal. O texto é o foco desta concepção.
Um outro conceito de leitura, prevê o caminho inverso, em que o leitor
é o ponto de partida, ou seja, o processo de leitura vai do leitor em direção ao
texto. Segundo esta concepção, “as estruturas de conhecimento contidas na
mente do leitor exercem papel importante no tratamento da informação tex-
tual e são as responsáveis pela atribuição do sentido do texto” (DELL’ISOLA,
2000, p. 38)5. Deste modo, ler é contribuir com a construção dos sentidos a
partir de uma estrutura preexistente na mente do leitor. Este formulará hipó-
teses, baseadas em experiências e conhecimentos próprios, que serão verifica-
das e testadas ao longo do texto.
Por outro lado, existirão tanto leituras de um determinado texto quanto
leitores, ou seja, uma vez que o leitor é o responsável por atribuir sentidos
ao texto a partir de sua própria perspectiva, será mais difícil estabelecer limi-
tes interpretativos, muitas leituras diferentes acabarão sendo possíveis, visto
que, conforme Kato (1984, 134, apud DELL’ISOLA, 2000, p. 38-39), “o
conhecimento prévio do leitor passa a ter um papel igual ou até mesmo mais
importante do que os dados do texto”. Pode-se, com base nisto, considerar
que o leitor que não disponibilizar de conhecimentos prévios suficientes à
leitura de determinado texto, não será capaz de atribuir-lhe sentido algum.
Esta concepção de leitura se aproxima do que Marcuschi (2007) chamou de
noção inferencial ao tratar da coerência, “um conjunto de relações construídas
mediante processos cognitivos, lógicos e pragmáticos expressos em atividades
inferenciais a partir de condições postas tanto pelo código como pelo co(n)
texto e pelas intenções dos falantes” (idem, p. 15). O leitor tem função de des-
taque nesta concepção, pois é ele quem deve possuir competência para inferir
todas estas relações entre o código e o “co(n)texto”, e destes com as possíveis
intenções dos falantes.

5
DELL’ISOLA, Regina L. Peret. A construção do sentido durante a leitura em Português –
LE. In: Júdice, N. (Org.) Português/língua estrangeira: leitura, produção e avaliação de
textos. Niterói: Intertexto, 2000, p. 37- 44.
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Há ainda, uma terceira concepção que responde diferentemente ao que


seja leitura. Trata-se da concepção interacionista, que parte do princípio de
que ler é um processo que envolve uma troca contínua entre autor, leitor e
texto – os sentidos não estariam exclusivamente no texto, nem dependeriam
unicamente do leitor, como visto nas duas concepções anteriores. Neste caso,
a coerência deixa de ser um atributo previamente dado no texto, a “produção
de coerência é produção de sentido numa atividade conjunta” (MARCUS-
CHI, 2007, p. 16) que envolve todos os participantes da interpretação e “o
sentido passa a ser uma construção social realizada na comunicação” (MAR-
CUSCHI, 2007, p. 15). Com base nesta concepção, Dell’Isola (2000, p. 37),
assim define leitura:

A leitura é uma habilidade cognitiva que ocorre quando um in-


divíduo atribui significado e aciona um processo ativo de intera-
ção com um texto. Nesse processo, ideias são colhidas, recolhi-
das, escolhidas, ajuntadas, conhecimentos são reunidos, durante
o percurso seguido pelo leitor à medida que flui sua leitura. Por-
tanto, a leitura é meio pelo qual se captam ideias, enriquece-se
o pensamento, nutre-se a mente, formam-se e reformam-se as
opiniões. Ler é um trabalho mental que desencadeia uma série
de subprocessos cognitivos culminando em uma compreensão
(bem ou mal sucedida). Para compreender um texto, é neces-
sário dispor de conhecimentos que, ao mesmo tempo, digam
respeito a seu conteúdo e a seu modo de comunicação.

Pela definição dada, a leitura envolve vários aspectos. Primeiramente,


trata-se de uma “habilidade cognitiva”, ou seja, depende da forma como o
cérebro percebe e apreende informações para transformá-las em conhecimen-
to. A habilidade cognitiva permite a captação dos sentidos e logo em seguida
sua compreensão. É um processo de conhecimento, que tem como material
a informação adquirida tanto no meio em que se vive como no que já está
na memória, internalizado. Entre as informações que já estão na memória,
que conformam o repertório individual, encontram-se, além das experiências
socioculturais, estruturas linguísticas previamente internalizadas que serão
mobilizadas num momento de leitura. É neste sentido que “um indivíduo
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atribui significado e aciona um processo ativo de interação com um texto”. O


indivíduo interage com o texto empacotando e desempacotando informações,
dialogando com ele, atribuindo-lhe, desta forma, sentidos.
Outro aspecto relevante, na definição de leitura apresentada, diz respeito
à fundamental participação do leitor neste processo: é ele que colhe, recolhe,
escolhe e ajunta as ideias, ou seja, pressupõe-se alguém apto a ler e a apreender
os sentidos do texto, alguém capaz de reconstruí-lo e reinventá-lo, tornando-
-se o coautor do texto ao reproduzi-lo a partir de suas próprias habilidades
cognitivas. Observe-se que, quando se diz reconstruir, reinventar e reproduzir,
não se dá exclusivamente a tarefa da interpretação ao leitor, antes dele alguém
já construiu, inventou e produziu. E é assim que as opiniões vão se formando
e se reformulando. Neste sentido, Geraldi (1997)6 apresenta a seguinte descri-
ção do processo interpretativo:

O produto do trabalho de produção se oferece ao leitor, e nele


se realiza a cada leitura, num processo dialógico cuja trama
toma as pontas dos fios do bordado, pois as mãos que agora
tecem trazem e traçam outra história. Não são mãos amarradas
– se o fossem, a leitura seria reconhecimento de sentidos e não
produção de sentidos; não são mãos livres que produzem o seu
bordado apenas com os fios que trazem nas veias de sua história
– se o fossem, a leitura seria um outro bordado que se sobrepõe
ao bordado que se lê, ocultando-o, apagando-o, substituindo-
-o. São mãos carregadas de fios, que retomam e tomam os fios
que no que se disse pelas estratégias de dizer se oferece para a
tecedura do mesmo e outro bordado. (p. 166)

O autor descreve a leitura como um bordado já “tecido” ao qual o leitor


vai acrescentar fios próprios, ou seja, descreve o texto como um produto, logo,
pressupõe seu produtor. Mas, não um produto acabado, e sim, um produto
que é reproduzido a cada leitura. Enquanto processo interativo, a leitura de-
pende não só das intenções de seu produtor e das informações fornecidas pelo
texto, como também daquelas trazidas pelo leitor. As informações que o leitor

6
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
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acrescenta ao texto no momento de sua leitura dizem respeito a conhecimen-


tos sobre a língua, sobre o gênero, sobre o contexto social e cultural, sobre o
produtor do texto, sobre as circunstâncias em que o que se diz pode ou não
ser dito etc. É como se o texto deixasse lacunas que devessem ser preenchidas,
como afirma Dell’Isola (2005, p. 29)7:

Em geral, o discurso escrito está entremeado de espaços bran-


cos, de interstícios a serem preenchidos pelo leitor. É funda-
mental admitir-se a existência desses espaços porque, por sua
própria natureza, as palavras que compõe o texto favorecem
lacunas, atribuindo-lhe sua incompletude. Assim, usualmente,
o texto oferece informações objetivas (fornecidas pelo contexto
discursivo, escritas pelo autor) e lacunas a serem preenchidas
(ausência de informação explícita, “espaços” que se transfor-
mam em um convite ao leitor para trazer informações de que
dispõe no intuito de gerar um ou mais sentidos ao texto.

Esta visão interativa da leitura coloca a interpretação como um mosaico


onde não é possível antever o predomínio deste ou daquele elemento, mas
antes, supõe a importância de todos para sua constituição: por um lado, há
quem produz; por outro, há quem interpreta; e entre eles, o texto.
Pode-se situar dentro desta terceira concepção de leitura, a noção de “cir-
cunstâncias de discurso” apresentada por Charaudeau (2008)8, que envolve
tanto as condições de produção quanto as de interpretação. Segundo o autor,
compreender uma palavra significa recorrer a “um conjunto de representações
coletivas” (idem, p. 29) que uma sociedade ou grupo social constrói para si
dependendo do contexto. Tais representações constituem um saber partilhado
e repetido sempre em determinadas circunstâncias. Ao ler um texto, o leitor
aciona essas representações que constituem suas práticas sociais e que interfe-
rem na sua discursivização do mundo. Além disso, as representações coletivas
não dizem respeito apenas às práticas sociais, mas também se tem representa-
7
DELL’ISOLA, Regina L. Peret. O sentido das palavras na interação leitor-texto. Belo Horizon-
te: Faculdade de Letras da UFMG, 2005, p. 28-30.
8
CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Con-
texto, 2008.
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ções do produtor do texto, dos saberes partilhados entre ele e os destinatários


e até mesmo da forma como cada texto se apresenta.

Assim, para o sujeito interpretante, interpretar é criar hipóteses


sobre: (i) o saber do sujeito enunciador; (ii) sobre seus pontos de
vista em relação aos seus enunciados; (iii) e também seus pontos
de vista em relação ao seu sujeito destinatário, lembrando que
toda interpretação é uma suposição de intenção. (idem, p. 31).

As circunstâncias de discurso envolvem saberes relacionados tanto às


práticas sociais partilhadas, quanto aos saberes relacionados às hipóteses
que os interlocutores têm de si mesmos e de seus supostos pontos de vis-
ta, constituindo os “filtros construtores de sentido”. Em outras palavras,
todo indivíduo vive experiências comunicativas partilhadas com outros in-
divíduos em determinadas situações que são em geral recorrentes. É assim
numa entrevista de emprego, numa conversa informal, ou num artigo de
opinião – cada gênero de texto pressupõe uma recorrência que interfere
no modo como cada indivíduo se relaciona com o texto. Conforme Mar-
cuschi (2007, p. 95), “a recorrência torna-se um parâmetro fundador. Pois,
quando temos situações recorrentes, nossos conhecimentos armazenados são
invocados para constatar singularidades e com isso determinar os próprios
conhecimentos”. Se a situação comunicativa é recorrente, a relação que os
interlocutores mantêm com ela e a relação que mantém uns com os outros
também o será. Isso significa que tanto o locutor quanto seu interlocutor
guardam hipóteses sobre o que cada um sabe daquela situação. Os possí-
veis sentidos que uma palavra pode ter num determinado enunciado serão
filtrados por estas hipóteses. Vale, então, destacar a importância da situa-
ção – ou contexto extralinguístico que se soma ao contexto linguístico para
significar durante a leitura. A situação é a referência do discurso, é onde
os interlocutores devem amparar sua compreensão, devendo ser, por este
motivo, compartilhada também. Conforme Charaudeau (2008, p. 32), “a
Situação extralinguística faz parte das Circunstâncias de discurso, figura como
um ambiente material transformado em palavra através dos filtros constru-
tores de sentido, utilizados pelos atores da linguagem.” A leitura interativa,
pois, pressupõe as circunstâncias de discurso, depende tanto das condições
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de produção quanto das condições de interpretação; depende tanto do pro-


dutor do texto quanto do leitor que irá interpretá-lo.
Das três concepções de leitura apresentadas, aquela que se mostra mais
eficaz para a análise de efeitos humorísticos é a terceira, uma vez que o humor
prevê a interação entre leitor e texto, entre leitor e autor e entre leitor e contex-
to, ou seja, o humor depende totalmente das circunstâncias de discurso, como
se buscará ilustrar mais adiante.

O humor na publicidade: fazer rir para vender

O principal objetivo de uma publicidade consiste em apresentar um de-


terminado produto, uma imagem, um serviço ou, até mesmo, uma ideia. No
entanto, para chamar a atenção das pessoas é necessário seduzi-las, chamar-
-lhes a atenção para a eficácia do que se anuncia, criar publicidades sedutoras
que aumentem o interesse do consumidor. Para Monnerat (2003, p. 49)9,

criar é tornar interessante um assunto que, às vezes, não o é. É


aparecer, mais do que simplesmente estar presente no espaço
de televisão, jornal, ou outras mídias. Criativa é a campanha
que tira o consumidor da indiferença, que consegue que ele se
emocione, ria, ou fique com “água na boca” e, principalmente,
que tenha vontade de comprar. A linguagem de publicidade é
uma linguagem de cumplicidade com o leitor.

O emprego do humor na publicidade cumpre essa função criativa de


envolver o leitor, diverti-lo, captar-lhe a atenção. Por isso mesmo, tornou-se
uma das armas de persuasão utilizadas não só nas campanhas televisivas, mas
também nas revistas. Para isso, o publicitário se utiliza de estratégias de dis-
curso que possam auxiliá-lo nesta função, como afirma Charaudeau (2010)10:

Para tocar o outro, o sujeito falante recorre a estratégias discur-


sivas que focam a emoção e os sentimentos do interlocutor ou

9
MONNERAT, Rosane Mauro. A publicidade pelo avesso: propaganda e publicidade, ideologias e
mitos e a expressão da ideia – o processo de criação da palavra publicitária. Niterói: EdUFF, 2003.
10
CHARAUDEAU, Patrick. O discurso propagandista: uma tipologia. 2010. Disponível em: http://
www.patrick-charaudeau.com/O-discurso-propagandista-uma.html. Acesso em: 18/01/2011.
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do público de maneira a seduzi-lo ou, ao contrário, de maneira


a lhe provocar medo. Trata-se, aqui, de um processo de drama-
tização, ou seja, trata-se de uma armadilha discursiva destinada
a aprisionar o outro nas redes de suas pulsões emocionais.

O humor, assim como a linguagem em geral, é um fenômeno eminente-


mente humano, natural e compartilhado socialmente, por isso, a compreen-
são dos mecanismos que possibilitam ao humor cumprir com seus propósitos
em situação comunicativa revela-se tão complexa quanto a compreensão de
qualquer fenômeno linguístico que se proponha estudar. No que tange à sua
relação com o discurso publicitário, tem-se uma complexidade duplicada, vis-
to tratar-se de dois fenômenos linguísticos com suas características próprias: a
linguagem humorística e a linguagem publicitária.
A publicidade possui um estatuto pragmático, ou seja, pressupõe uma
interação e um contexto real. Além disso, seus enunciados apresentam um po-
tencial perlocutório que resultam, em geral, em persuasão. O humor, por sua
vez, também está atrelado a uma dada situação comunicativa, a um contexto
sociocultural e a determinados mecanismos linguísticos cujos efeitos são tão
persuasivos quanto os da publicidade. Por isso, um dos recursos criativos mais
explorados pela publicidade tem sido os mecanismos de efeitos humorísticos
que circulam na sociedade.
A sociedade está essencialmente organizada em torno de certos padrões
que determinam não só comportamentos, mas todo tipo de ação desenvolvida
por cada indivíduo. E isto não é diferente no que tange aos comportamentos
linguísticos. Por isso, em muitos casos, o humor resulta de certo desvio de pa-
drões socialmente estabelecidos, entendendo por desvio “um conjunto de pro-
cedimentos que resultam em um jogo construído no âmbito do enunciado ou
da enunciação” (ALMEIDA, 2001, p. 195)11. Neste mesmo sentido, Bergson
(1987, p. 16)12 afirma que “rimos já do desvio que se nos apresenta como sim-
ples fato. Mas risível será o desvio que vimos surgir e aumentar diante de nós,

11
ALMEIDA, Fernando Afonso de. Desvios e efeitos na produção de enunciados. In: SOARES,
Maria Elias (org.). Boletim da ABRALIN – número especial. II Congresso Internacional da
ABRALIM, Fortaleza, março de 2001 – Anais Vol. II.
12
BERGSON, Henri. O riso – ensaio sobre a significação do cômico. 2. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1987.
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cuja história conhecemos e cuja história pudermos reconstruir”. O autor acres-


centa ainda que será cômico, e consequentemente produzirá humor, um desvio
que possibilite calar a sensibilidade e que nos desperte a inteligência pura.

Observemos agora, como sintoma não menos digno de nota, a


insensibilidade que naturalmente acompanha o riso. O cômico
parece só produzir o seu abalo sob condição de cair na superfí-
cie de um espírito tranquilo e bem articulado. A indiferença é o
seu ambiente natural. (BERGSON, 1987, p. 12)

Ainda, com base neste autor, pode-se dizer que o cômico resulta de certa
insociabilidade, e que o riso é uma forma de correção desta insociabilidade. O
autor considera que o social remete a padrões tomados de forma naturalizada, e
que quando tais padrões “naturais” (porque sociais) são rompidos, tem-se uma
mecanização do natural, uma fuga ao que é social, tornando-se, portanto, arti-
ficial, “insocial”, de onde resultaria o cômico e, consequentemente, o riso. As-
sim, uma cena em que alguém tropeça e cai na rua torna-se cômica. primeiro,
porque quem ri se reveste de insensibilidade, tornando-se indiferente ao fato de
tratar-se de um semelhante. Segundo, essa indiferença é possível graças a uma
visão mecanizada da situação, ou seja, a situação foge ao que seria naturalmente
esperado do ponto de vista social e o riso surge como uma forma de expressar
esse rompimento com os padrões, como um reconhecimento do desvio.
Pode-se, no entanto, considerar que alguns recursos cômicos, de tão re-
petidos, se naturalizam, se tornam sociais e, ainda assim, provocam o riso
porque não perdem sua artificialidade. São recursos como estes que são ex-
plorados pela publicidade e apresentam-se antes como um elemento de iden-
tificação social. É por que faz parte de um contexto específico que o humor
expresso por um anúncio publicitário, por exemplo, será percebido. E o riso
será aflorado como uma forma de cumplicidade entre os interlocutores que
se reconhecerão como pertencentes a um mesmo contexto comunicativo. É,
pois, por sua sociabilidade, por que se identifica como membro de uma socie-
dade, porque compartilha determinados conhecimentos, que o leitor rirá de
um efeito cômico expresso em uma publicidade.
No entanto, os efeitos de um texto humorístico não chegarão da mesma
forma a todos os leitores, já que, como visto anteriormente, um dos elementos
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que contribuem para a produção de sentidos diz respeito ao contexto social,


econômico e cultural que nem sempre será igualmente partilhado pelos in-
terlocutores. Sendo assim, um jogo de palavras, se mal interpretado, pode ser
considerado um erro, uma infração às normas da língua, ou mesmo, nem ser
percebido como tal. Isso confirma que a interpretação do humor se dá em um
processo de interação entre interlocutores que participam cooperativamente
tendo por base não só o contexto, mas também os elementos linguísticos para
a produção dos sentidos. Pode-se dizer então que a produção de humor se
relaciona tanto com uma dimensão sociocultural quanto com uma dimensão
psicológica – por um lado, remete às experiências compartilhadas socialmente
e à cultura; por outro, o humor depende de cada indivíduo, da percepção in-
dividual que ele terá em função de sua relação com este contexto sociocultural.
Para produzir uma modificação sobre seus destinatários sem ameaçar
suas faces e sem arriscar o sucesso da interação, a publicidade bem humorada
procura partir do lugar comum, do socialmente aceito e convencionalizado.
Bergson (1987, p. 13) nos chama a atenção para o fato de que “o riso é sempre
o riso de um grupo”, ou como dito por ele em outras palavras, “o riso deve cor-
responder a certas exigências da vida comum. O riso deve ter uma significação
social.” (idem, p.14). Tem-se, pois, que o humor se produz e se interpreta no
âmbito do social, e não fora dele. O humor na propaganda funciona porque
dá ao leitor, que está na outra ponta da interação, a possibilidade de interagir
com o enunciador por meio da mensagem, de esforçar-se para interpretar os
sentidos cômicos e, consequentemente, identificar-se social e culturalmente.

Uma análise: rir é o melhor remédio...

Considere-se o seguinte anúncio (ver anexo):


“Gripe francesa: Aquela que zidana com tudo.
Gripe argentina: Uma gripezinha, mas acha que é uma epidemia.
Gripe brasileira: Já pegou 5 vezes e vai pegar a 6ª em 2010.
Gripe alemã: Achimdeslingbuntenchafen.
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Para você ter um dia mais ativo e uma noite mais tranquila. Disponível
nas versões blister e caixa. Naldecon. Dia e noite contra os sintomas da
gripe.
136 Silva, Conceição Almeida da. Leitura do dia: publicidades bem humoradas

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Pack combatem os sintomas da gripe. Contraindicação: hiper-
sensibilidade a algum componente da fórmula, insuficiência
hepática grave ou doença ativa do fígado. Não administrar com
outros medicamentos que contenham paracetamol. SE PER-
SISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER
CONSULTADO.” (Revista Veja, edição 2168, de 05 de junho
de 2010, p. 47.)

Trata-se de um anúncio de remédio para gripe que é disponibilizado em


duas versões: uma que combate os sintomas da gripe durante o dia e a outra,
durante a noite. À primeira vista, o anúncio chama a atenção pela imagem de
quatro ovelhas que foram caracterizadas com elementos que remetem tanto ao
futebol quanto aos diferentes países que participam da copa do mundo. Ainda
que o foco desta análise não esteja sobre a questão da imagem, considera-se
que ela traz informações relevantes para a análise linguística. Inicialmente,
vale lembrar que o linguístico numa publicidade aparece antes como parte da
imagem, ou seja, a própria palavra é transformada em imagem juntamente
com os signos icônicos.
Barthes (1990) considera que a imagem publicitária se constitui de três
mensagens: a mensagem linguística, a mensagem icônica literal e a mensa-
gem icônica conotada. Observando o anúncio acima, tem-se que a primeira
mensagem revelada possui uma substância linguística. Trata-se do nome do
produto, das frases que compõem a imagem, do texto do publicitário sobre o
produto, das observações técnicas ao pé da imagem etc. A segunda mensagem
é icônica e pode ser entendida como literal porque é baseada na analogia que
se estabelece entre a imagem e o mundo. Ou seja, o desenho é identificado
como se referindo a seres do mundo e cuja correspondência se dá de forma
imediata, literal.
No entanto, a mensagem icônica que mais importa neste anúncio é a co-
notada, ou seja, aquela que se vincula ao cultural, que remete a conhecimentos
partilhados socialmente. No anúncio em questão, partilha-se, por exemplo,
o fato de que, na cultura popular, “contar carneirinhos” é uma das formas
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Palavra e imagem no 44, p. 123-141, 2012 137

de se fazer aparecer o sono. Em se tratando de um produto que se apresenta


como um meio de, por um lado, ajudar a dormir à noite e, por outro, tirar o
sono provocado pela gripe durante o dia, a imagem da ovelha contribui com
as características que se quer dar do produto. Além disso, tais ovelhas estão
caracterizadas com elementos que remetem tanto ao futebol (camisas, cores,
nome de países participantes da copa do mundo) como a certos estereótipos
relacionados com alguns países (as cores das ovelhas, o pandeiro, a cerveja
etc.), cuja interpretação dependerá igualmente de conhecimentos partilhados.
A imagem oferece, então, um primeiro ambiente interpretativo, um pri-
meiro contexto ao qual deve estar associada a análise linguística. Esse contexto
icônico evoca a realidade externa ao discurso, como um contexto que abri-
ga os conhecimentos partilhados tanto pelo produtor como pelo receptor da
mensagem sobre esta realidade, trazendo-a para o interior do anúncio. Para
interpretar a palavra “zidana”, no enunciado “Gripe francesa: aquela que zi-
dana com tudo”, por exemplo, é fundamental relacioná-la ao tema do futebol
e à copa do mundo, lembrando que um dos principais jogadores da França,
Zinédine Zidane, em 1998, foi o responsável por dois dos três gols que eli-
minaram o Brasil da copa, tendo se tornado entre os brasileiros o símbolo
da derrota brasileira na época. Se o leitor não tem nenhum conhecimento
relativo ao futebol e à copa do mundo, sua interpretação desta palavra vai ser
dificultada e ela não produzirá nenhuma graça. O efeito de humor provocado
pelo emprego desta palavra depende, pois, desta contextualização.
Mas, o contexto interpretativo desta palavra não é dado somente pela
imagem anunciada, ou melhor, não é um procedimento exclusivamente inter-
no ao anúncio. Informações externas que não estão necessariamente inscritas
no texto são importantes também. Como a data da revista (junho de 2010) que
remete ao período em que ocorreu a copa do mundo, momento em que todos
os brasileiros estavam, de alguma forma, afetados por este acontecimento. Este
mesmo anúncio publicado durante as festividades natalinas, por exemplo, não
surtiriam os mesmos efeitos. Vale considerar com Barthes (1990, p. 28), que
“em publicidade, a significação da imagem é, certamente, intencional”, ou seja,
o publicitário, ao criar a campanha, partiu da hipótese de que todos os leitores
compartilhariam de conhecimentos suficientes para atribuírem sentidos à pa-
lavra “zidana” dentro de um contexto imagético que remete à copa do mundo.
Os leitores, por sua vez, considerando este mesmo contexto, e considerando
138 Silva, Conceição Almeida da. Leitura do dia: publicidades bem humoradas

tratar-se de um anúncio publicitário, vão interpretar que o produtor do anún-


cio, ao empregar tal palavra pretendeu compartilhar seus conhecimentos sobre
o futebol e criar, com base nisso, efeitos bem-humorados.
Institui-se, assim, o que foi apresentado por Charaudeau (2008) como
os “filtros construtores de sentido”, processo de filtrar por meio de hipóte-
ses os saberes mobilizados pelos interlocutores para a interpretação possível
de uma palavra num determinado contexto. São estes filtros que permitem
apreender no enunciado “Gripe argentina: uma gripezinha, mas acha que é
uma epidemia” o seu tom humorado. Um dos estereótipos que os brasileiros
atribuem aos argentinos os coloca como prepotentes, uma sociedade que se
julga superior em tudo e, principalmente, no futebol; ainda que no fundo não
sejam considerados pelos brasileiros como superiores em nada. Ao construir o
enunciado, o publicitário supôs que seus interlocutores compartilham com ele
esse conhecimento e, portanto, seriam capazes de perceber o jogo enunciativo.
O leitor também fará suposições acerca dos motivos que levaram o publici-
tário a construir tal enunciado, e poderão interpretar que ele quis dizer que
assim como os argentinos não são tão bons como dizem ser, a gripe argentina
também não é tão forte assim. Por isso, o emprego da palavra diminutiva “gri-
pezinha” adquire um tom pejorativo, de depreciação, e dá ao enunciado este
efeito de humor. Neste sentido, diz Charaudeau (2008) que as circunstâncias
de discurso intervêm nos efeitos de sentido produzidos por um enunciado,
interpondo as práticas sociais e os sujeitos coletivos.
O emprego destas palavras (“zidana”, “gripezinha”) caracteriza um tipo
de desvio que causa surpresa, provoca estranhamento e acaba desencadeando
o riso. No caso de “zidana”, o desvio caracteriza-se pelo rompimento com
o socialmente conhecido e compartilhado, trata-se de um neologismo, uma
palavra artificial, inventada com o propósito de fazer-se engraçada. Ela causa
no leitor certo estranhamento inicial, uma vez que, ainda que carregue deter-
minadas marcas comuns a outras palavras da língua (como a estrutura conju-
gada dos verbos terminados em “-AR” na 3ª pessoa do singular no presente
do indicativo), essa palavra não faz parte do léxico da língua portuguesa, fato
que a torna uma artificialidade reconhecida como um desvio dos padrões da
língua. Por outro lado, a palavra “zidana” também surpreende por sua simila-
ridade sonora e significativa com o verbo “danar”, interpretação perfeitamente
possível dentro do contexto apresentado.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Palavra e imagem no 44, p. 123-141, 2012 139

A palavra “gripezinha” não é por si mesma um desvio linguístico, mas


evoca um desvio de comportamento do publicitário ao reproduzir no anún-
cio esta opinião estereotipada, fruto de práticas sociais partilhadas. Mas tanto
o neologismo quanto este desvio de comportamento são interpretados pelo
leitor como uma forma de fazer graça e não como uma agressão justamente
porque as circunstâncias de discurso criam meios de interpretá-las.

De fato, o ato de comunicação com todos os seus componentes (a


situação de comunicação, a identidade dos interlocutores, a repre-
sentação que cada um deles constrói em relação ao outro, o propó-
sito da troca verbal, o contexto etc.) opera uma filtragem que orien-
ta a interpretação em um dado sentido. (ALMEIDA, 2001, p. 195)

Para interpretar um anúncio bem-humorado, não há como prescindir


de nenhum destes componentes comunicativos, pois como visto no exemplo
anterior, cada um deles contribui de alguma forma com a produção de efeitos
humorísticos. A leitura do humor publicitário deve ser imprescindivelmente
interativa, sua compreensão depende tanto das marcas deixadas pelo publici-
tário no texto, quanto da contribuição do leitor.

Concluindo: pode ser divertido ler um anúncio.

O humor é um efeito de sentido deixado no texto pelo publicitário para


que seu leitor o apreenda e o construa cooperativamente num processo de
interação coletiva que recebe contribuições de todos os lados: do autor para
o texto, do texto para o leitor e por fim, do leitor para o texto. Mas tudo
isso circunscrito em um contexto específico e compartilhado. E dessa forma,
explica-se o fato de, numa rápida leitura, o leitor de uma revista acabar se
envolvendo numa leitura fruitiva de uma publicidade, rindo com um anúncio
que se interpôs em seu caminho.
Esta análise demonstra que a significação das palavras associadas ao pro-
pósito humorístico depende das condições de discurso instituídas e dos fil-
tros construtores de sentido, que possibilitam ao publicitário produzir e ao
leitor interpretar os efeitos humorísticos presentes no anúncio publicitário.
Dessa forma, responde-se à questão inicial, dizendo-se que os efeitos humo-
140 Silva, Conceição Almeida da. Leitura do dia: publicidades bem humoradas

rísticos que o leitor apreende durante a leitura de um anúncio dependem das


condições de discurso conforme apresentadas por Charaudeau (2008): um
conjunto de informações partilhadas entre os interlocutores tanto sobre as
práticas sociais quanto sobre o papel desempenhado por cada um dos partici-
pantes do ato comunicativo. São esses conjuntos de informações partilhadas
que permitem transformar palavras e imagens em objetos risíveis. Vê-se que,
conforme postulava Bergson (1987, p. 12), o homem, além de ser um animal
que ri, também é “um animal que faz rir, pois se outro animal o conseguisse,
ou algum objeto inanimado, seria por semelhança com o homem, pela carac-
terística impressa pelo homem ou pelo uso que o homem dele traz.” (p. 12).
Este anúncio apresenta ainda outros recursos de produção de efeitos hu-
morísticos que poderiam ser analisados, mas se acredita que com esta breve
análise já se pode defender a tese de que a produção de humor em anúncios
publicitários se ancora necessariamente nas circunstâncias de discurso – consi-
derando, por um lado, as condições de produção e, por outro, a interpretação
do ato comunicativo. Além disso, viu-se que a concepção de leitura envolvida
em tal processo é o de leitura interativa, como se os efeitos de humor fossem
(co e re)produzidos a cada nova leitura.

LECTURA DEL DÍA: PUBLICIDADES BIEN HUMORADAS

RESUMEN
Este artículo presenta la noción de circunstancia de dis-
curso, como abordada por Charaudeau (2010), además
de la concepción de lectura interactiva, con el objetivo
de analizar los mecanismos empleados para la interpre-
tación de efectos humorísticos en anuncios publicita-
rios. Para ello, se buscará un respaldo teórico interdisci-
plinar, recorriendo a conceptos que tratan de la lectura,
de la publicidad y del humor.

PALABRAS-LLAVE: Lectura; publicidad; humor.

Recebido em: 28/09/11


Aprovado em: 30/04/12
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Palavra e imagem no 44, p. 123-141, 2012 141

Anexo

Revista Veja, edição 2168, de 05 de junho de 2010, p. 47.

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