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RESUMO ABSTRACT
Esta pesquisa sobre política e cultura no universo This research on politics and culture in the
militar procurou investigar como, na História das military universe sought to investigate how, in the
Instituições de Ensino Superior Militar, a reforma history of higher education institutions Military
de seus regulamentos e normas internas visou a reform of its regulations and internal rules
construção de um projeto de modernização profis- aimed at building a professional modernization
sional do Exército Brasileiro, moldando atores po- project of the Brazilian Army, shaping political
líticos a fim de consolidar a Instituição e o regime actors in order to consolidate the institution
republicano através da reorganização constante and the republican regime through constant
do modelo de ensino empregado nas suas Escolas reorganization of the education model used in its
de Formação de Oficiais. As constantes mudanças Official Training Schools. The constant changes
no sistema de educação estavam contextualiza- in the education system were contextualized
das pelos momentos históricos e políticos que o by historical and political moments that the
Estado brasileiro atravessava durante o final do sé- Brazilian State was going through during the
culo XIX e a primeira metade do século XX. nineteenth century and the first half of the
twentieth century.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino; Militares; Exército
KEYWORDS: Teaching; Military; Army
INTRODUÇÃO
Este artigo sobre política e cultura procurou investigar como, na história das institui-
ções de ensino superior militar, a reforma de seus regulamentos e normas internas visou
à construção de um projeto de modernização profissional, moldando atores políticos a fim
de consolidar a instituição e o regime republicano através da reorganização constante do
modelo de ensino empregado nas suas Escolas de Formação de Oficiais.
Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, V. 12, no 24, p. 86-98 – 2016.
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so de três anos oferecido nas próprias escolas matérias de que necessitasse para fazer exa-
militares. O candidato à matricula no prepara- me; passava para a Escola Militar do Brasil,
tório deveria ter entre 15 e 21 anos, assentar vo- onde, no fim de dois anos, era nomeado alfe-
luntariamente praça no Exército, saber ler e es- res-aluno da arma de engenharia e, ao cabo
crever corretamente em português, dominar as de cinco anos, saía bacharel em matemática,
quatro operações matemáticas, ser aprovado em ciências físicas e engenheiro militar.
na inspeção de saúde e apresentar atestados Durante todo o tempo escolar, o aluno das
assinados por professores ou oficiais que com- armas científicas (engenharia e artilharia) go-
provassem ter bom comportamento e aptidão zava de regalias que o colocavam em condi-
para a vida militar. Por fim, após cumprir essas ções excepcionais, muito diferentes das dos
normas, precisava-se obter autorização do Mi- oficiais combatentes (infantaria e cavalaria) e
nistério da Guerra para a matrícula. praças arregimentados nos corpos de tropa.
Após obter aprovação total no curso pre- Ao fim do curso, levava um ano praticando
paratório, o aluno podia automaticamente em comissões de construção de estradas de
matricular-se nos cursos de Infantaria e Ca- ferro e linhas telegráficas. Terminado o perío-
valaria. No entanto, havia alternativas para do de seis anos, no mínimo, a Escola formava
ingressar nesses cursos. Uma delas era o um oficial inteiramente estranho à verdadeira
candidato apresentar certificado que com- profissão militar, sem o hábito da disciplina e
provasse aprovação para escolas superiores. subordinação, com pronunciada tendência a
Nesse caso, porém, o candidato precisava discutir e criticar as ordens recebidas.
submeter-se a alguns testes e frequentar um O General Argollo argumentava, ainda,
ano de exercícios práticos na Escola Militar. que não havia dúvida de que da Escola Militar
Para ser oficial de artilharia, o aluno deveria saíam oficiais bem preparados em todas as
primeiro ter concluído o curso de Infantaria e ciências e aptos a tratar de qualquer assunto
Cavalaria numa Escola Militar e depois rece- a que elas se referissem, mas não acreditava
bia as instruções teóricas e práticas na Escola que era propriamente para isso que estavam
Superior de Guerra, que funcionava no Rio de sendo criados e mantidos os estabelecimen-
Janeiro, sob o regime de externato. Além da tos militares de ensino, cujo único fim deveria
Artilharia, a Escola Superior de Guerra formava ser formar verdadeiros soldados profissionais.
oficiais de estado-maior e engenheiros milita- Um novo regulamento foi assinado em
res. Esses cursos eram destinados aos oficiais- 19057, e era uma tentativa de se evitar a repe-
-alunos que concluíssem o curso de Artilharia e tição dos acontecimentos de 14 para 15 de
frequentassem mais dois anos de estudos. novembro de 1904, ocasião em que os alunos
Os alunos que concluíssem o curso de Es- da EMB realizaram um levante militar selando
tado-Maior e de Engenharia Militar recebiam o o futuro de uma das principais instituições de
grau de bacharel em matemáticas e ciências ensino superior militar no País. Após o fecha-
física, desde que comprovassem também mento da Escola Militar na Praia Vermelha,
aprovação em latim, filosofia e retórica. as autoridades militares e civis concordaram
com a transferência da sede da escola para o
CRÍTICA AO CIENTIFICISMO: A ESCOLA subúrbio do Rio de Janeiro e para duas outras
MILITAR ENTRE 1905 E 1917 cidades do Rio Grande do Sul. O interesse dos
militares era afastar seus alunos da instabili-
Segundo o Ministro da Guerra, General dade política que a região oferecia.
Francisco de Paula Argollo6, uma das cau- O novo regulamento trouxe como novida-
sas que mais profundamente afetavam o de os seguintes itens, importantes para ana-
organismo do Exército, enfraquecendo-o, lisar a reforma profissional que se pretendia
era a defeituosa organização dos estabele- instalar no Exército Brasileiro: primeiro, ma-
cimentos de ensino militar. trícula exclusiva de praças de prét (recrutas)
Um dos questionamentos feito pelo mi- na Escola inicial (Escola de Guerra) que já
nistro era que o civil matriculava-se na Esco- tivessem pelo menos seis meses de efetivo
la Preparatória, ali permanecia três, dois, ou serviço em um dos corpos do Exército; se-
até um ano apenas, conforme o número de gundo, ter revelado aptidão para o serviço
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da Guerra, junto com os seguintes documen- penho das funções de oficial de tropa de cada
tos: certidão de nascimento, provando ser o uma das quatro armas (infantaria, cavalaria,
candidato maior de 17 e menor de 21 anos; artilharia e engenharia). O ensino na escola
documento provando que o candidato era sol- passaria a compreender cinco cursos: um
teiro ou viúvo, sem filhos; certificado de que o fundamental, destinado a todas as armas, e
candidato não sofria moléstia contagiosa ou in- quatro especiais, sendo um para cada arma.
fectocontagiosa; certificado de vacinação; ates- Para matricular-se na Escola Militar, o can-
tado de boa conduta; e, atestado de aprovação didato deveria preencher uma das seguintes
nas seguintes matérias, caso fosse oriundo de condições, constante do Art. 51 do Regulamen-
um dos colégios militares: português, francês, to: a) ser reservista de 1a categoria do Exército
inglês ou alemão, física e química e noções ativo; b) ter caderneta de reservista obtida fora
de mecânica, história natural, geografia geral, da caserna e, neste caso, ainda com três me-
história geral, corografia, história do Brasil, arit- ses de serviço no Exército ativo; c) ter seis me-
mética, algebra elementar, geometria, trigono- ses de praça e efetivo de serviço em um corpo
metria retilínea, e desenho linear. do Exército; d) ter curso integral de um dos co-
Na parte disciplinar, o Art. 74 do regula- légios militares, contanto que assente praça na
mento continuava bastante minucioso com escola uma vez requisitado para a matrícula;
relação às punições adotadas para os alu- e) ser praça do Exército, voluntário e sorteado,
nos. Por fim, o regulamento de 1913 sofreu com mais de seis meses de serviço.
alterações de seus artigos em 191410. Já o Regulamento da Escola Militar de
191912, quando Delfim Moreira era o presiden-
OS ESTATUTOS GÊMEOS DE 1918 E te do Brasil e o General Alberto Cardoso de
DE 1919 Aguiar era ainda o ministro da Guerra, definiu
que, nos estabelecimentos de ensino militar,
A reforma do ensino feita através do regu- deveriam ser ministrados apenas conheci-
lamento da Escola Militar de 191811, quando mentos necessários ao desempenho das fun-
Wenceslau Braz (15 de novembro de 1914 a 15 ções de oficial de tropa, até o posto de capitão.
de novembro de 1918) era o presidente do Bra- A reforma de 1919 obrigava o oficial a manter
sil e o General de Divisão José Caetano de Faria constante aperfeiçoamento em sua profissão,
era o ministro da Guerra, seguiu a linha da re- enquanto durasse sua carreira no Exército,
forma de 1913, não pretendendo ser uma ruptu- conforme era feito nos Exércitos europeus.
ra, mas sim uma atualização do antigo regula-
mento. Dentro dessa perspectiva, foi mantido o O REGULAMENTO DA ESCOLA MILITAR
rígido controle sobre os docentes e instrutores DE 1924 E 1929
da escola para que não houvesse distorções
do programa, além do incremento do sistema O Regulamento para a Escola Militar de
disciplinar que variava da perda do salário até 192413, assinado pelo Presidente Arthur Ber-
o afastamento, no caso dos civis, ou prisão, no nardes (15 de novembro de 1922 a 15 de no-
caso dos militares. O novo regulamento deter- vembro de 1926) e pelo Ministro da Guerra,
minou para o ensino militar apenas duas cate- General de Divisão Fernando Setembrino de
gorias que consagraram os ideais de profissio- Carvalho, foi uma tentativa de se retornar à
nalização de um grupo de oficiais que investia ordem quebrada pelo movimento revolucio-
nesse movimento como forma de renovação nário de 5 de julho de 1922.
da instituição, principalmente daqueles oficiais O Ministro da Guerra João Pandiá Caló-
que estagiaram na Alemanha ou daqueles liga- geras (3 de outubro de 1919 a 15 de novem-
dos aos ex-estagiários do Exército alemão, ou bro de 1922) colocava agora de forma impe-
seja, o ensino teórico-prático e o ensino prático. rativa a necessidade de revisão do programa
A reforma de 1918 teve como ponto cen- de ensino. Pela sua análise, seria importante
tral o predomínio da prática sobre a teoria. A a mudança no modelo nitidamente prático
escola continuava a adotar o regime de inter- que se estabelecera com a reforma de 1919
nato, sendo destinada a ministrar aos alunos e o retorno do ensino de cultura geral, que
os conhecimentos necessários para o desem- seria aplicado junto com o ensino prático de
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forma a assegurar, na formação dos oficiais, de admissão. Ainda por esse regulamento, os
elementos que pudessem solucionar os di- candidatos portadores do curso completo dos
versos problemas da profissão. colégios militares foram privilegiados, sendo
Em 1923, o novo ministro da Guerra, Ge- dispensados do concurso de admissão. No en-
neral Setembrino de Carvalho, acompanha- tanto, deveriam ser submetidos à inspeção de
va o mesmo pensamento de seu antecessor saúde exigida para o ingresso na Escola Militar.
ao registrar a necessidade do retorno de dis- A classificação dos candidatos, que eram
ciplinas de cultura geral: relacionados numa lista, obedecia à ordem
decrescente da soma das notas obtidas no
...era hora de deixar para traz os concurso. O candidato requeria a matrícula na
fantasmas da Escola Militar do Bra- Escola Militar de acordo com a sua classifica-
sil localizada na Praia Vermelha, ção meritória e que estivesse enquadrado no
cujas revoltas e o cientificismo tan-
número de vagas estipuladas pelo Ministério
to irritavam os militares defensores
de um Exército estritamente pro-
da Guerra, o qual poderia excluir qualquer ma-
fissional e menos político. Cogita- triculado por motivo de “ordem reservada”. A
va-se agora um ponto de equilíbrio preferência, no caso de igualdade de notas no
entre o ensino prático e o teórico14. concurso era, primeiro, para os candidatos que
fossem praças do Exército, e segundo, para
Ponto comum entre o antigo e o novo minis- aqueles que possuíssem maior idade. A exi-
tro da Guerra foi a necessidade da EMR rece- gência da passagem obrigatória pelo corpo de
ber os instrutores da MMF, a fim de estabelecer tropa já não aparece no regulamento de 1924.
uma formação intelectual de maneira mais ho- A Escola Militar teria um novo regula-
mogênea do quadro de oficiais, de acordo com mento em 192915, assinado pelo Presidente
o modelo de instrução militar que vinha sendo Washington Luís (15 de novembro de 1926
implantado em vários setores do Exército (na a 23 de outubro de 1930) e pelo ministro da
formação de Estado-Maior, no Aperfeiçoamen- Guerra, General de Divisão Nestor Sezefredo
to de Oficiais, e na Aviação Militar), desde 1919. dos Passos, mas, antes houve um esforço
A MMF chegou à escola em 1924, junto com a concentrado do Poder Legislativo do Brasil
reforma do ensino militar, que colocava como em dispor sobre o ensino militar de forma a
ponto inicial a necessidade do aperfeiçoamen- sistematizá-lo na chamada Lei do Ensino. A
to dos oficiais ao longo da carreira e não de for- Lei do Ensino era um estatuto que estabele-
ma maciça em uma única escola. cia as regras e os aspectos gerais do ensino
O Regulamento de 1924 colocava como militar. Segundo Motta16, a lei deveria classi-
condição essencial à matrícula dos candida- ficar níveis e categorias, através da enume-
tos os seguintes requisitos: ser brasileiro nato, ração de estabelecimentos, e definindo os
solteiro e ter mais de 16 e menos de 22 anos; direitos e os deveres de seus alunos.
ter observado boa conduta anterior atestada A primeira Lei do Ensino Militar17, datada
pela autoridade policial do distrito em que re- de 1928, dispunha como medida principal
sidir, e possuir as condições de honorabilidade que a Escola Militar era destinada à for-
que afiançassem sua situação de futuro oficial, mação de oficiais combatentes, sendo que
conforme certificado de pessoas respeitáveis, a EMR seria enquadrada num conjunto de
inclusive de oficiais do Exército que conheces- 12 escolas ou centros de instrução, como
sem seus antecedentes; ter o curso dos colé- a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais,
gios militares, ou possuir atestado de aprova- a Escola de Estado-Maior e a Escola de En-
ção nas matérias feitas em estabelecimentos genharia Militar18. Esse conjunto de escolas
cujos exames preparatórios fossem considera- era dividido conforme a modalidade de en-
dos válidos para a matrícula nos institutos su- sino para a formação do oficial ao longo da
periores de ensino, ou a eles equiparados. carreira, ou seja, de forma gradual e contí-
Além das condições estabelecidas pelo re- nua, atendendo não só à instrução prática
gulamento de 1924, os candidatos à matrícula como também à teórica, conforme estabele-
na Escola Militar passaram a ser submetidos cia o regulamento de 1924, e de acordo com
à rigorosa inspeção de saúde e a concurso a disposição abaixo:
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do Exército. Como exemplo dessas medidas, ração de dois anos, o ensino fundamental
podemos citar o almoço de cerimônia aos comum, ministrado a todos os cadetes; se-
sábados na Escola, antes do licenciamen- gundo, com duração de dois anos, os ensi-
to semanal, em uniforme de passeio, com nos especializados, destinados à formação
mesas presididas pelos oficiais instrutores profissional nas diversas armas conforme a
e pela direção da Escola, inclusive pelo co- escolha do candidato.
mandante, ao som da orquestra da banda No entanto, o regulamento de 1934 du-
de música, que executava números selecio- rou pouco tempo, não chegando a ser apli-
nados de peças eruditas. cado na escola. Esse estatuto foi suspenso
Como comandante da Escola, José Pes- em 193524. As novas determinações do mi-
soa propôs e encontrou apoio do Ministro da nistro da Guerra, que entraram em choque
Guerra, o General Leite de Castro para diver- com as construções estabelecidas durante
sas outras inovações como: instalação de um a direção do Coronel José Pessoa, determi-
rigoroso processo de seleção dos candidatos navam entre outras coisas o retorno do cur-
ao oficialato; concessão do título de Cadete20 so de três anos; um novo programa de disci-
a todos os alunos da Escola Militar; criação, plinas; e a competência do comandante da
em 25 de agosto de 193121, do Corpo de Cade- escola para articular a combinação ou fusão
tes como corporação de elite, hierarquizada, dos regulamentos de 1929 e 1934 na ques-
e que reunia todos os alunos da escola numa tão relacionada ao ensino prático e à admi-
entidade altamente disciplinadora; separa- nistração escolar. Este item promoveu uma
ção do cadete punido do soldado punido; situação inusitada de ambiguidade, pois o
criação dos uniformes históricos do cadete22, comandante da escola poderia aplicar ora
como elo entre o Exército do passado com o um regulamento ora ou o outro. Essa estra-
do presente e poder fardar o cadete de modo nha situação durou cerca de quatro anos,
inconfundível; criação do Espadim de Caxias, quando foi implantado um novo regulamen-
cópia fiel em escala da espada de Campanha to no ano de 1940.
do Duque, como o próprio símbolo da honra No caso da EMR, pelo regulamento de
militar e arma distinta e privativa do cadete 1934, as fontes de seleção eram: os colégios
do Exército; criação do estandarte e do bra- militares (Rio de Janeiro, Porto Alegre e For-
são do Corpo de Cadetes. Por fim, idealizou taleza), os institutos secundários de ensino
a transferência desta escola de formação de oficiais ou oficializados cujos exames fossem
oficiais do subúrbio carioca, local próximo válidos em outras escolas de ensino superior
das agitações políticas que impregnavam a do País; e as organizações militares (praças
capital do Brasil, que muito desagradava a do serviço ativo), sendo que metade das va-
militares como o Coronel José Pessoa, para gas seria reservada para o concurso de ad-
a cidade isolada de Resende. missão aos civis e aos praças. Na verdade,
podemos perceber que o objetivo com a aber-
O REGULAMENTO DA ESCOLA MILITAR tura de vagas para os civis foi alargar a base
DO REALENGO DE 1934 social da seleção para a Escola Militar, que
deixava de ser predominantemente endóge-
Assinado pelo chefe do Governo Provi- na e pretendia favorecer o ingresso dos me-
sório, Getúlio Vargas, na gestão do Ministro lhores elementos da sociedade brasileira.
da Guerra General Góes Monteiro, o regula- A partir de 1938, o Exército foi reorgani-
mento de 193423 teve como uma das princi- zado, a fim de atender ao momento político
pais mudanças a ampliação da duração do que o Brasil atravessava. Para tanto, a nova
curso na escola de três para quatro anos. organização teve como ponto central a reti-
Segundo Motta (1998, p. 291), o objetivo des- rada do EME da posição de mais alto órgão
sa modificação foi favorecer os programas na estrutura da Defesa Nacional, passan-
de ensino de maneira a serem ministrados do a ser apenas um órgão de consultoria.
em um tempo maior. Naquele momento, a direção do Exército
O plano de ensino da Escola Militar com- passou a ser exercida pelo presidente da
preendia dois momentos: primeiro, com du- República, que seria representado pelo seu
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ministro da Guerra, o qual atuaria como ór- especulativo, mas objetivo, porque se des-
gão de direção e inspeção, articulado com o tinava à formação de oficiais, homens de
movimento centralizador que a política bra- ação; a eficiência do ensino não dependeria
sileira vinha assumindo. O EME do General da quantidade de matérias dos programas,
Góis Monteiro era deslocado do centro do senão de sua qualidade e do modo por que
poder político para a periferia, abrindo espa- fosse ministrado; os programas das aulas
ço para o domínio centralizador do General afins deviam ser organizados segundo um
Dutra, elemento importante na configura- critério de cooperação didática, de modo a
ção do novo governo. evitar a perda de tempo com repetições dis-
pensáveis; e os programas deveriam consti-
O REGULAMENTO DAS ESCOLAS tuir um todo orgânico, em que as diferentes
MILITARES DE 1940 E 1942 partes se ligassem e se completassem mu-
tuamente como planos de trabalho e deve-
Em 1940 é implantado novo regulamen- riam ser realizáveis em condições predeter-
to25 para as escolas militares, nessa época o minadas de tempo.
País vivia sob o regime autoritário do Estado Um novo regulamento para as escolas
Novo e o Exército sob a gestão do ministro militares vai aparecer em 194226. Não se
da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra. No tratava de um novo texto, mas quase uma
contexto das mudanças de 1940, desenvol- repetição do regulamento de 1940. A única
via-se a Segunda Guerra Mundial, que havia inovação foi o retorno do curso de três anos,
começado há cerca de um ano, com a rá- cujos adeptos tomavam como base de sus-
pida derrota da França perante uma Alema- tentação dos seus interesses de razões eco-
nha forte e expansionista. As diversas ino- nômicas, sustentando que mais um ano de
vações tecnológicas davam novo ritmo nos curso era um desperdício de tempo, além de
campos de batalha e nas estatísticas sobre sustentarem a necessidade de completar o
o quantitativo de mortos. mais rápido possível os claros de tenentes
Segundo Motta (1998, p. 293), o contexto na tropa.
da Grande Guerra na Europa não influenciou Essa mudança foi realizada após um es-
a nova mudança no regulamento de ensino tudo feito no programa de ensino na EMR
militar, pois as modificações introduzidas no e enviado ao inspetor-geral de Ensino do
currículo, no regime didático e na adminis- Exército27.
tração escolar foram frutos do contexto in- Foi feito o estudo para redução do cur-
terno. O principal ponto a ser registrado foi so, baseado nas seguintes considerações:
o retorno do curso de formação de oficiais naquele momento era grande o déficit de
para quatro anos. Mais uma vez a ideia pro- oficiais subalternos nos quadros das armas
vocou debates e dividiu opiniões. Os adep- e a tendência era haver o crescimento des-
tos do curso de três anos não concordavam se déficit, uma vez que a turma de aspiran-
com a crítica ao ensino apressado e regime tes a oficial que deixaria a escola no fim de
de trabalho excessivo. O curso da Escola 1941 não chegaria a 80; o curso de quatro
Militar abrangia duas partes divididas em anos, praticamente acrescido de um a dois
instrução geral, ministrada nos dois primei- anos que os candidatos perdiam entre o tér-
ros anos com os conhecimentos básicos, mino de seu curso secundário e o ingresso
fundamentais e científicos necessários ao na escola, pelas dificuldades e mesmo re-
preparo do futuro oficial; e uma instrução provações no concurso, seja enfrentando o
profissional, ministrada nos dois últimos mesmo por dois a três anos sucessivos ou
anos, tendo, por fim habilitar o cadete ao recorrendo à Escola Preparatória de Cade-
exercício das funções de oficial subalterno tes, acarretava a formação de oficiais saí-
e de capitão na tropa. dos da escola, com idade média, de 23 a 25
Com relação aos programas de ensino, o anos, quando nos demais Exércitos (particu-
regulamento de 1940 estabelece as seguin- larmente no argentino) o problema era re-
tes formulações, em relação aos professo- solvido de modo que, aos 21 anos, saíssem
res e instrutores: o ensino não poderia ser aspirantes aptos para as funções de oficial
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subalterno nos corpos de tropa; o contexto sequência de tudo isso era que o nível inte-
mundial da Segunda Grande Guerra exigia lectual do futuro oficial não correspondia ao
colocar as Forças Armadas em condições desenvolvimento dos programas.
de agir rapidamente na defesa do País, sen- A mudança teve como consequência a
do de todo possível que o Exército viesse a alteração do plano de ensino e sua redução
ser total ou parcialmente mobilizado, caso para três anos. No entanto, o fato mais im-
em que a Escola Militar seria solicitada a in- portante seria que o regulamento de 1942 foi
tensificar o seu rendimento, que já era insu- o último a ser aplicado na EMR. Em 194328,
ficiente para as necessidades de paz. um decreto determinava o fim da escola em
No entanto, fora registrado no estudo a 31 de dezembro de 1944, sendo que já o 1o
existência de um conflito de interesses por Ano do Curso de Formação de Oficiais do
conta da redução e revisão dos programas, Exército passaria a ser feito na Escola Mili-
no sentido de ser dado o essencial para evi- tar de Resende, com funcionamento previs-
tar sobrecarga aos educandos, pois enten- to para 1o de janeiro de 1944, em concomi-
diam que estudar parte de uma disciplina tância com a antiga Escola.
era quebrar-lhe a unidade, destruindo-lhe os
valores lógicos, levando a que se formasse CONSIDERAÇÕES FINAIS
dela um juízo errôneo.
Segundo o comandante da Escola Mili- Os dois últimos regulamentos implanta-
tar, General de Brigada Álcio Souto (27 de dos na EMR, o de 1940 e 1942, demonstra-
dezembro de 1940 a 9 de janeiro de 1943), ram a contínua necessidade do Exército de
na realidade do conflito de interesses havia, se adaptar às novas realidades militares e
de um lado, a necessidade de formar oficiais dão sinais do fim desse estabelecimento de
dotados de elevados níveis intelectuais, cujo ensino, que seria transferido para Resende.
valor não se discutia quando se tratava de O Brasil vivia a Segunda Guerra Mundial,
países jovens, de nacionalidades em forma- e a possibilidade de participar do conflito. Já
ção, em que o militar deveria forçosamente era clara a influência dos Estados Unidos
desempenhar um papel importante como da América no pensamento político militar
educador e mesmo parte da elite dirigente; brasileiro e na construção do modelo de
de outro lado, as exigências da moderniza- ensino institucional. Através da documen-
ção profissional, acarretando dia a dia mais tação analisada, observamos que se desen-
intenso e complexo, levava a formação pro- volveu um processo de construção de um
gressiva do oficial, de acordo com as etapas novo pensamento doutrinário no Exército
de sua carreira e os setores diversos de es- Brasileiro, tomando por base a chegada da
pecialização. Missão Militar Americana, em 1934, que foi
Os professores tinham a sua mentalidade aos poucos substituindo o pensamento dou-
influenciada naturalmente pelo primeiro as- trinário francês até sua consolidação com o
pecto da questão e daí não poderem aceitar final da Segunda Guerra Mundial.
qualquer redução ou simplificação dos pro- A participação do Brasil na Primeira e Se-
gramas, o que eles consideravam um rebai- gunda Guerras Mundiais ao lado dos Aliados
xamento do nível intelectual do futuro oficial. europeus, como não poderia de ser, mostrou
Entretanto, dessa intransigência resultava a necessidade de profunda reorganização e
sobrecarga dos alunos com os programas, modernização do Exército Brasileiro. As con-
e despertar dos instrutores para os ramos siderações finais do Relatório Anual do Esta-
profissionais, que naturalmente lhes interes- do-Maior do Exército, de 1945, estabelecem
sassem. Os cadetes estudavam desordena- um grito de alerta para essas modificações,
damente e com desprezo as cadeiras teóri- inclusive enfatizando para o fato de se adotar
cas, das quais não chegavam a compreender a organização e a doutrina militar norte-ame-
mesmo o que era essencial e básico. A con- ricana, toda baseada na motomecanização.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
RODRIGUES, 2010, p. 53.
2
TREVISAN, 2011, P. 122.
3
MOTTA, 2001, p. 249.
4
Em 1898, essa escola foi unificada à Escola Militar, que passou a chamar-se Escola Militar do Brasil e que existiu até 1905.
5
Decreto no 330, de 12 de abril de 1890, que reorganiza o ensino nas Escolas do Exército.
6
AHEx. Relatório do Ministro da Guerra de 1904, p. 7.
7
AHEx. Boletim do Exército no 452, de 20 de outubro de 1905. Decreto no 5698, de 2 de outubro de 1905. Aprova o
Regulamento de Ensino Militar (REM).
8
AHEx. Decreto no 10.198, de 30 de abril de 1913. Publicado no Boletim do Exército no 273, de 30 de abril de 1913,
alterado pelo Decreto no 10.832, de 28 de março de 1914.
9
A Escola Prática do Exército tinha por finalidade completar e aperfeiçoar a formação do oficial, dando-lhe um
caráter eminentemente prático.
10
AHEx. Decreto no 10.832, de 28 de março de 1914.
11
AHEx. Coleção de Leis do Brasil. Decreto no 12.977, de 24 de abril de 1918.
12
AHEx. Coleção de Leis do Brasil. Decreto nº 13.574, de 30 de abril de 1919.
13
AHEx. Coleção de Leis do Brasil. Decreto 16.394, de 27 de fevereiro de 1924.
14
MOTTA, 1998, p. 265.
15
AHEx. Decreto 18.713, de 25 de abril de 1929.
16
MOTTA, 1998, p. 276.
17
AHEx. Coleção de Leis do Brasil. Decreto 5.632, de 31 de dezembro de 1928.
18
Com a criação dessa Escola, o Exército volta a formar engenheiros militares, com qualificações típicas da Enge-
nharia Civil, o que não acontecia desde 1913, quando a reforma do ensino extinguiu esse Curso. MOTTA, 1998, p. 277.
19
AHEx. Coleção de Leis do Brasil. Decreto no 17.817, de 2 de junho de 1927.
20
O título de Cadete foi reabilitado pelo Decreto-Lei no 20.307, de 20 de agosto de 1931.
21
Conforme analisa Celso Castro, o dia 25 de agosto não é uma data por acaso, é o dia do nascimento do Duque de
Caxias, que desde 1923 vinha sendo comemorado no Exército como “Dia do Soldado”. CASTRO, 2002.
22
Foi criado, com o auxílio dos desenhos de José Wasth Rodrigues, um plano de uniformes do Corpo de Cadetes
da Escola Militar, aprovado pelo Decreto no 20.438, de 24 de setembro de 1931, adotando-se elementos retirados
dos uniformes do Império, principalmente da campanha militar de 1852 contra a Argentina de Rosa: barretina de
1852, cordões com palmatória e borlas, charlateiras de palma, palmatória azul turquesa e emblema simbólico para
a cobertura. Publicado no Diário Oficial da União de 8 de Outubro de 1931.
23
AHEx. Coleção de Leis do Brasil. Decreto 23.994, de 13 de março de 1934.
24
AHEx. Coleção de Leis do Brasil. Decreto 192, de 20 de junho de 1935.
25
AHEx. Decreto 5.543, de 25 de abril de 1940, publicado no Boletim do Exército no 18, de 4 de maio de 1940.
26
AHEx. Coleção de Leis do Brasil. Decreto 8.918, de 4 de março de 1942.
27
A partir de 1937 é criada a Inspetoria-Geral de Ensino do Exército (Dec. no 1.833, de 24/07/1937) subordinado ao
Ministro da Guerra, comandada por um oficial-general, que coordenaria e fiscalizaria todo o sistema de ensino no
Exército, como parte de um modelo de centralização política que vinha sendo instalado pela política brasileira.
28
AHEx. Coleção de Leis do Brasil. Decreto-Lei 6.012, de 19 de novembro de 1943.
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