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Concepções

e análise do
material didático
na perspectiva
da diversidade
Mara Sueli Simão Moraes
Arlindo Rebechi Junior
(orgs.)

Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


X1111x Título do livro: subtítulo entra após dois pontos / Nome do(s)
organizador(es) com sobrenome ao final (orgs). - - Cidade, XX:
Autor ou instituição, 20xx.
xx p. ; xx cm.

ISBN 978-85-XXXX-XXX-X

1. Nonnono nonon. 2. Nonono nono. 3. Nonono nonon. I. So-


brenome, Autor. II. Título.

CDD: XXX

Copyright© XXXXX, 2011


Apresentação

A coleção Produção de material didático para a diversidade é re-


sultado de um curso ofertado à distância, pelo sistema da Universidade
Aberta do Brasil/UNESP, aos professores e às professoras da rede pública
de ensino. A conjuntura histórica de mudanças e transformações sociais
está presente em todos os setores da vida social, exigindo das experiên-
cias individuais e coletivas um reinventar de nossas práticas. Trata-se de
um momento singular e complexo para aqueles que profissionalmente se
inserem nas instituições educacionais. Em um lado, estão os professores
e professoras de nossa rede pública de ensino, em nível fundamental e
médio, cuja missão, em meios às mudanças tecnológicas e diante dos
processos de comunicação contemporâneo que atingem sobremaneira
uma contingência significativa de nossos alunos, é criar um ambiente
pedagógico e didático vibrante, reflexivo e cidadão. A tarefa na univer-
sidade, com seus professores e pesquisadores, não é menor. Deste lado,
é preciso criar um intercâmbio efetivo com os demais níveis de ensino e
os seus agentes precisam ser propositivos neste diálogo: o conhecimen-
to formulado, debatido e sistematizado nas nossas instituições precisam
chegar às escolas e as melhores experiências devem ser democratizadas,
no sentido de ganharem visibilidade até, quem sabe, contribuírem para
uma política pública educacional.
São nessas circunstâncias que se nota a necessidade de investimen-
tos de grande monta para a formação continuada dos nossos professores
e professoras inseridos em escolas públicas por todo o Brasil. Este tipo de
ação pode induzir processos de mudanças significativas para as institui-
ções educacionais envolvidas, fomentando para os professores e profes-
soras participantes o acesso a novas competências, habilidades, práticas
pedagógicas e técnicas. Mas não só isso. Os cursos de formação con-
tinuada, quando bem realizados em sua proposta, conseguem formar
novas concepções didático-pedagógicas e novas visões mais críticas de
mundo, a partir das quais pode-se construir um olhar em direção a uma
sociedade mais justa e, portanto, com menos assimetrias sociais.
Dentro dessa perspectiva, a coleção, em todos os seus volumes, deli-
neou alguns propósitos, a destacar três deles: (1) os textos procuram, pela
linha teórica de cada autor, estimular um debate reflexivo sobre temas
contemporâneos da diversidade; (2) o conjunto de textos, cada um a seu
modo, procuram estimular a avaliação de materiais didáticos existentes
e de fácil acesso dos professores e professoras participantes, exigindo que
cada um destes profissionais seja também um pesquisador em seu próprio
métier; (3) é ainda papel destes textos fomentar um debate sobre a reali-
zação de projetos de produção de recursos didáticos, que, ao final, possa
resultar em elaborações de estratégias metodológicas em relação ao uso
de materiais didáticos em diferentes linguagens em temas da diversidade.
De modo geral, a partir de um contexto educacional, o tema da di-
versidade é o centro das discussões presentes na coleção. Para tal intento,
os organizadores e autores dos materiais aqui enfeixados buscaram lan-
çar um olhar sobre a diversidade a partir de uma ampla e sólida reflexão
sobre as variedades dos temas, dos conceitos e do uso crítico na sala de
aula das linguagens midiáticas, artísticas e dos problemas ampliados,
em seus em diferentes suportes e gêneros textuais. Sob uma perspectiva
transdisciplinar, a coleção compreende que todas essas novas formas de
linguagem devem ser debatidas por todos nas salas de aula e o profes-
sor precisa estar muito bem formado e atento para as mudanças e os
eventuais efeitos de crise advindos com essas novas formas de comuni-
cação e tecnologia. Estruturalmente, a coleção dividiu-se em 5 volumes:
(1) Educação à distância para a diversidade; (2) Concepções e análise do
material didático na perspectiva da diversidade; (3) O uso de linguagens
no ensino de temas da diversidade; (4) Produção didática sobre o tema
diversidade; (5) O uso de material didático voltado a temas da diversida-
de: avaliando o processo de ensino aprendizagem.
Tendo em vista o caráter didático do uso que essa coleção pode as-
sumir, todos os textos dos volumes foram pensados sob uma mesma es-
trutura. Em todos os volumes, os textos foram divididos em: Primeiras
palavras – uma introdução ao tema abordado; Problematizando o tema
– aqui se adota uma postura bastante crítica e os conceitos e os funda-
mentos teóricos pertinentes a cada uma das abordagens são expostos e
debatidos; Instrumentalizando o tema – trata-se do espaço privilegiado
para a reflexão sobre possíveis aplicações em sala de aula do que foi antes,
em termos teóricos, exposto; não à toa, sempre que pertinente, os auto-
res sugeriram o planejamento de atividades e a escolha de instrumentos
a serem adotados no trabalho realizado em sala de aula; Saiba mais...
– momento dos textos em que se expõe indicações para um maior apro-
fundamento crítico do debate realizado; completa a obra as referências
bibliográficas sugeridas e trabalhadas pelos autores.
Duas coisas ainda precisam ser colocadas quanto ao trabalho rea-
lizado pelos autores.
A primeira delas se refere ao aspecto vário e múltiplo da escrita
de cada um dos autores. A heterogeneidade dessas escritas, respeitadas
em toda sua dimensão linguageira, tornou-se uma marca profunda da
diversidade concentrada em nosso curso. A equipe formada por pesqui-
sadores de vários campos do saber demonstrou que é possível haver um
deslocamento de supostas áreas de conforto e criar uma efetiva contri-
buição social que se comprometa às diversas realidades, sejam locais,
regionais ou nacionais, de nossas instituições educacionais e de nossos
professores e de nossas professoras. Tudo isso vem refletir de modo posi-
tivo nos diferentes tons adotados na escrita dessa obra.
Em segundo lugar, é preciso ressaltar que a coleção, do início ao
fim, levou em conta o estabelecimento de um franco diálogo que efeti-
vamente aproximasse o professor e a professora a uma prática didática
mais emancipadora, estimulando, entre outras coisas, o uso crítico de
materiais e suportes disponíveis em bibliotecas (online e físicas), o uso de
repositórios eletrônicos do conhecimento (com revistas, jornais e outros
tipos de materiais), o uso da internet em suas potencialidades positivas.
Todos aqueles que participaram da organização e da produção des-
ta coleção e do curso ofertado esperam, sinceramente, que essa obra re-
presente para algum professor ou alguma professora uma contribuição
significativa em suas práticas. Mais que isso, represente um desafio a ser
enfrentado, levando os nossos alunos e alunas a uma duradoura emanci-
pação social e cultural.
Além de todos os textos produzidos, aqui também se inclui um CD
com as respectivas atividades apresentadas ao longo do curso. Nele, o
leitor terá acesso irrestrito às informações, podendo compreender a di-
nâmica desenvolvida nessa aplicação.

Boa leitura!

Talvez se possa dizer que o volume 1, denominado Concepções


e análise do material didático na perspectiva da diversidade, é central
nas bases estruturais do curso proposto. A antropóloga e professora da
UNESP, Larissa Maués Pelúcio Silva, única autora desse volume, é bas-
tante esclarecedora, no tocante ao desafio de educar dentro de um mun-
do de diferenças. O desafio pode estar em nós mesmos, professores e
professoras, pois como ela diz “Educar para um convívio respeitoso com
a diferença é uma tarefa cheia de desafios. Talvez o primeiro deles seja
vencer nossos próprios preconceitos e, por que não, nossos receios diante
daquele “outro” que nos parece estranho, esquisito... diferente.”
Especialista no tema, o grau de maturidade da discussão colocada
pela autora é bastante acentuado. Neste seu volume, há uma detida apre-
sentação e discussão dos fundamentos teóricos que percorreram todo o
andamento do curso. A abordagem procurou dar voz e destaque para
conceitos-chave, tais como diversidade e diferença ou o binômio identi-
dade e diferença. Abordou-se também a ideia de diferença nos contextos
das escolas, algo fundamental que deve ser pensado por professores e
professoras em suas práticas diárias. Não menos importante foi a refle-
xão sobre o gênero e sexualidade nas escolas.

Mara Sueli Simão Moraes


Arlindo Rebechi Junior
Sumário

1. Primeiras Palavras.......................................................................11
1.1 Diversidade e diferença, qual a diferença?.................................13
1.2 S
 ilêncios e sussurros: arquitetando as diferenças na escola.....16
1.3 Identidade e diferença...............................................................18
2. Problematizando o tema.............................................................21
2.1 Pedagogias de gênero...............................................................24
2.2 Ser no plural: intersecções de diferentes marcadores sociais....30
2.3 Do que se tem medo quando a sexualidade entra na escola?...32
2.4 Sexo na escola é bom?.............................................................37
2.5 Uma escola sem cor.................................................................39
2.6 Raça existe?..............................................................................41
2.7 Raça e etnia nos b(r)ancos escolares........................................45
3. Instrumentalizando o tema.........................................................50
3.1 Mídia e diferenças – provocando a sala de aula.........................54
Miséria é miséria em qualquer canto
Riquezas são diferentes
Índio, mulato, preto, branco
(...)
Riquezas são diferenças (Miséria - Titãs)

1. Primeiras Palavras
Educar para um convívio respeitoso com a diferença é uma tarefa
cheia de desafios. Talvez o primeiro deles seja vencer os próprios precon-
ceitos e, por que não, os receios diante daquele “outro” que parece estra-
nho, esquisito... diferente. Talvez isso aconteça porque, historicamente, a
diferença tem sido ensinada e aprendida mais como “problema” do que
como algo próprio da vivência humana, como elemento enriquecedor
para o aprendizado, capaz de colaborar para a constituição de sociedades
mais respeitosas e plurais.
Apesar de a escola ser um espaço de contatos constantes com as
diferenças, não se tem privilegiado em projetos político pedagógicos a
discussão crítica sobre elas. Até porque esse debate é bastante recente,
ainda que a escola tenha sido um lugar de contato cotidiano entre dife-
rentes. É só puxar um pouco pela memória para lembrar que desde que
se começa a freqüentar a escola, como alunas e alunos, são encontrados
comportamentos distintos daqueles que se percebe em casa; com outros
gestos, outros corpos, valores que contrastavam. E, também, ouvem-se
as piadas depreciativas, os apelidos jocosos; imitando atitudes prestigia-
das; reproduzindo valores comemorados pelas pessoas adultas, mas, ra-
ramente, convocados a pensar nessas elaborações, em como se permite
transformar diferenças em fatores de desigualdade.
Mas, o que assusta na diferença? Essa é uma pergunta que exige
uma pausa para pensar. Talvez esse receio de conviver com o “outro”,
com aquele/a que é diferente, seja tão desafiante porque obriga a ne-
gociar posições, a repensar valores, a forçar fronteiras, que pareciam
naturais e até mesmo seguras, entre as “minhas verdades” e aquelas que
o/a diferente traz. Mas é, justamente, essa fricção entre “minhas verda-
des” e as “verdades do outro” que possibilitam mudanças, que ajudam a
humanizar aquele/a que é tão distinto/a, num processo que enriquece.
“Riquezas são diferenças”!
Como já foi dito, o ambiente escolar é um espaço de diferenças. Por
isso é tão dinâmico e rico, mas também, problemático. Parte destes pro-
blemas, arrisca-se propor aqui, vêm justamente da maneira engessada
pela qual se tem lidado com essa riqueza que é a pluralidade do humano.
Quando se recusa a priori as diferenças de comportamentos, de visões de
mundo e de culturas, corre-se o risco de transformar diferenças em de-
sigualdades. Pior, podem-se reproduzir na escola, nas salas de aula, essas
hierarquizações que são estabelecidas muitas vezes sem muita reflexão.
E aí, como criticar consistentemente o bullying? Aliás, como evitá-lo,
se existe, mesmo que inconscientemente uma colaboração para manter
discriminações? Como falar em cidadania, em inclusão, em respeito à
diversidade se não se colocar em xeque valores hegemônicos que têm
colaborado para a manutenção de preconceitos?
Mais que respostas para as questões acima, o que se propõe aqui é
fazer outras perguntas, quer dizer, mudar as perguntas, de modo que
elas provoquem torções na forma reta pela qual fomos ensinadas e en-
sinados a pensar temas polêmicos. Afinal, para questões complexas não
existem respostas simples.
Inicialmente, serão trabalhados alguns conceitos fundamentais
para o debate sobre diferença e diversidade, começando pelo próprio
conceito de diferença. Em seguida, essa discussão será levada para mais
perto da escola, a fim de oferecer ferramentas que possam ajudá-las/os na
desafiante tarefa de construir uma escola verdadeiramente inclusiva, na

12 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


qual as práticas pedagógicas sejam transformadoras e possam colaborar
na construção de uma sociedade mais igualitária.
Para construir a igualdade é preciso entender a diferença como par-
te constituinte da cultura humana. Como escreveu o sociólogo Boaven-
tura de Souza Santos:

Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferiori-


za; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça
as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou re-
produza as desigualdades. (2003, p. 56).

É sobre estas diferenças que não produzem desigualdades que se


trata a seguir. Procurando trazer o conceito para perto das vivências.
Então, o conteúdo deste material foi estruturado a partir do conceito
de “diferença” e não o de “diversidade”, mas não se trata de uma mera
mudança semântica. Esta escolha tem relação com opções teóricas, e é
importante um instante de concentração neste ponto.

1.1 Diversidade e diferença, qual a diferença?

Como escreveu Richard Miskolci:

...conviver com a diversidade não quer dizer aceitá-la. Em termos


teóricos, diversidade é uma noção derivada de uma concepção mui-
to problemática, estática de cultura (...) na qual se pensa: há pessoas
que destoam da média e devemos tolerá-las. (2012, p. 46).

De maneira que a cultura dominante não é questionada, desafiada.


Por isso a diferença é uma opção como categoria analítica e mobilizado-
ra. O que se quer reivindicar e trazer para a escola é, justamente, uma
discussão que torne visível as linhas sutis, mas potentes, que a diversida-
de com seu mote da “tolerância” desenha entre a pretensa “normalidade”
e o “desvio”, o Eu e o Outro. Cecília de Campos França resume perfeita-
mente essa questão:

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 13


Tolerar diz respeito a uma aceitação com indulgência, ou seja, “- acei-
to o outro, o diferente, porque tenho facilidade em perdoar seus erros”.
Esta conduta tem como eixo central o etnocentrismo. O prazer da convi-
vência com o diferente explicita, não somente a importância e o valor do
Outro, mas a possibilidade de aprender com ele. Esta disposição e posi-
cionamento são em decorrência de um modo de pensar e de viver que se
ancora em uma matriz complexa de pensamento (FRANÇA, 2010, p. 43).
Quer dizer, essa matriz complexa da qual fala França, não oferece
caminhos lineares, mas torções. Pede que se mudem questões indivi-
duais, justamente porque desestabiliza o terreno da tolerância, aplainado
pela força da cultura hegemônica. Não se deve apenas ensinar a nossas
alunas e a nossos alunos a serem indulgentes com aqueles e aquelas que
são diferentes, mas levá-los a interrogarem-se por que a diferença lhes
parece problemática. Deve-se também levantar questões que as/os aju-
dem nesse caminho crítico.
Se educadoras e educadores, deixarem de provocar perguntas sobre
o porquê dessas hierarquias, como elas se instituíram como verdades,
como foram parar nos livros escolares, por que orientam currículos, aca-
bam por trabalhar na epiderme dessas disputas, desses jogos de verdade.
E ainda correm o risco de fortalecer visões paternalistas e estereotipadas
sobre as culturas não hegemônicas. Muitos exemplos serão trabalhados
ao longo desse livro, de modo a deixar mais evidente a proposta de tra-
balho para vocês.
Falou-se acima em cultura hegemônica e de como, muitas vezes,
acaba sendo reverentes a valores que são predominantes, mas nem sempre
traduzem as mais sinceras verdades. Mas como determinados preceitos e
valores, como certas normas e convenções chegam a ser predominantes?
Em primeiro lugar, educadoras e educadores têm que ter em mente
que estas “verdades” e estes valores não são naturais nem imutáveis. Ao
contrário, são culturalmente construídos. Sendo assim, são estabelecidos
por meio das relações humanas. Relações, muitas vezes, marcadas por
disputas: quem tem o poder de acusar alguém disso ou daquilo? Quem
tem o direito de dizer que isto é certo e aquilo é errado? Quais saberes
têm o poder de nomear comportamento, assinalando-os como “nor-
mais” ou “patológicos”, de categorizar pessoas pela cor da pele, pela geni-

14 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


tália, pela direção que seu desejo toma? Estas perguntas não são fáceis de
ser respondidas, mas, em alguma medida, todas as pessoas têm alguma
ideia de quem são os formuladores de “verdades”. E se há capacidade de
perceber esse jogo, há também a possibilidade de compreendê-los como
“verdades” e “valores” historicamente constituídos e, por isso, passíveis
de transformação.
Essas transformações são percebidas ao se pensar nas mudanças
nas formas de se classificar e entender o lugar da mulher na sociedade;
a recusa ao preconceito racial; a luta por diretos de povos tradicionais
(indígenas, quilombolas, ribeirinhos); a flexibilização frente às filiações
religiosas; o respeito às pessoas idosas, entre outras que vêm marcando a
sociedade brasileira contemporânea.
A intenção aqui é desnaturalizar essas “verdades” e, assim, dar às
diferenças sua espessura cultural e histórica. Buscar os referentes históri-
cos dessas formações discursivas ajudam a entender como se estabelecer
certas definições sobre determinados temas sejam questões relativas à
raça, etnia, gênero, geração, filiação religiosa etc. Assim como instiga a
imaginação e provoca perguntas novas: quais saberes contribuem para
instituir verdades sobre diversos assuntos? Em que contexto nasceram
certas ideias? Por que algumas destas se estabeleceram como referentes
seguros e outras sequer foram consideradas? Como diferenças passam a
ser percebidas como desigualdades?
Estas são questões que a abordagem pela diversidade não coloca
em sua radicalidade. A abordagem multiculturalista tem o mérito de ce-
lebrar a diversidade, mas não de promover a fricção entre as diferenças
e de provocar o questionamento sobre porque alguns grupos são mais
desprestigiados que outros, por que determinados comportamentos são
desqualificados e, até mesmo, deslegitimados, punidos, banidos. Interro-
gar os silêncios, esse tem sido um desafio que, consideramos, o conceito
de diferença ajuda a trabalhar de forma mais profícua.
Problematizar a diferença coloca o educador frente ao desafio de
lidar com as tensões que o enfrentamento cotidiano com o “outro” pro-
voca. Pois é no espaço do encontro com o diferente, com o “outro”, que
nasce o embate, mas também os acordos. O convívio humaniza o “estra-
nho” e pode, por esta via, provocar mudanças nos indivíduos e, assim,

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 15


nas relações sociais. Na busca por essas mudanças, se tem promovido
políticas que visam à igualdade. Paradoxalmente, estas medidas acabam
por sublinhar as diferenças que se quer combater. Porém, como discu-
tiu Joan Scott (2005)1, esta pode ser uma estratégia necessária em certos
momentos, justamente para dar visibilidade a determinado conjunto de
indivíduos que, por motivos históricos e políticos, foram privados do
acesso pleno aos direitos civis. (PELÚCIO, 2011, p. 81).

uma parada para a reflexão


O conceito de diferença (...) se refere à variedade de ma-
neiras como discursos específicos da diferença são constituí-
dos, contestados, reproduzidos e res-significados. Algumas
construções da diferença, como o racismo, postulam frontei-
ras fixas e imutáveis entre grupos tidos como inerentemente
diferentes. Outras construções podem apresentar a diferença
como relacional, contingente e variável. Em outras palavras, a
diferença não é sempre um marcador de hierarquia e opressão.
Portanto, é uma questão contextualmente contingente saber
se a diferença resulta em desigualdade, exploração e opressão
ou em igualitarismo, diversidade e formas democráticas de
agência política. (AVTAR BRAH, 2006, p. 374).

1.2 Silêncios e sussurros: arquitetando as diferenças


na escola

Michel Foucault, filósofo francês com uma vasta obra sobre cons-
trução do conhecimento, da sexualidade, assim como das formas de se
educar corpos e subjetividade, escreve que os silêncios são discursos
poderosos. Pois quando se cala, se inviabiliza determinados sujeitos e

1 Na seção 4 vocês encontrarão o link para o acesso ao texto de Joan Scott.

16 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


determinados comportamentos. Assim, alguns fatos se tornam desim-
portantes, indignos de atenção, irrelevantes.
Sobre o que se cala? O que parece tão pouco relevante como mate-
rial de estudos? Por que não se discute, por exemplo, a Guerra do Chaco,
que se estendeu entre os anos de 1932 a 1935, aqui na América do Sul,
envolvendo Paraguai e Bolívia e grandes trustes de petróleo, enquanto
se dedica com rigor aos fatos que marcaram a Revolução Francesa de
1789? O primeiro conflito deixou quase 1 milhão de mortos! Passou-se
em países que fazem fronteira com o Brasil e, ainda assim, nada consta
em material didático sobre o tema. Por quê? Quem eram aqueles mortos?
Corpos que “não importavam”, de indígenas, de pessoas simples, aquelas
que não têm o privilégio de escreverem suas próprias histórias. Daí o si-
lêncio. Este artifício do “calar sobre algo” nos ensina sobre poder, políti-
ca, prestígio alcançado pela invisibilização de determinadas versões dos
fatos e, mais grave, de determinados grupos sociais, criando um círculo
vicioso: quanto menos se souber sobre eles, mais eles são desprezados.
Nas escolas se convive com muitos silêncios e sussurros. Fala-se
baixo sobre a sexualidade de alunas e alunos, eufemismos são utiliza-
dos para não se falar de questões étnicos raciais; se reaviva estereótipos
para referenciar determinados comportamentos de gênero; se ironiza
com meias palavras valores religiosos que destoam daquele de uma su-
posta maioria, ou seja, se murmura opiniões, sussurrando preocupações
e, pior, calando diante de questões que aparecem diariamente e para as
quais só se terão posições melhor fundamentadas se houver a proposta
de discuti-las em voz alta, ou seja, de maneira sistematizada, crítica e
qualificada por um processo continuado de formação.
Quando se deixa de problematizar as chacotas que minoram mar-
cas de classe, raça e gênero ou as violências ocorridas nos portões da es-
cola, nos banheiros e pátios como assunto digno de figurar no currículo,
estes temas são silenciados. E isso significa que as tensões não estão sen-
do resolvidas, não se está enfrentando comportamentos que podem ter
consequências sérias para quem sofre a violência, seja ela física ou sim-
bólica. Naturalizar ou assumir uma postura de pretensa neutralidade
não faz com que os problemas desapareçam ou diminuam. Mas podem
fazer cúmplices involuntárias/os de violências que podem terminar em

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 17


evasão escolar, ou melhor, em “evasão involuntária”. Este é um conceito
cunhado por Luma Andrade, doutora em Educação. Ela foi a primeira
travesti brasileira a ingressar como docente em uma Universidade Fede-
ral, a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Bra-
sileira - Unilab. O que ela demonstra em sua pesquisa de doutorado é que
esses sussurros e silêncios violam direitos de crianças e adolescentes de
permanecerem em segurança na vida escolar. Mais que isso, seu estudo
mostra como os espaços arquitetônicos da escola não são neutros, pois
servem muitas vezes para reafirmar hierarquias e materializar exclusões
(Andrade, 2012), como será discutido a seguir.
A sala de aula, o pátio do recreio, os banheiros, o portão de entra-
da da escola são espaços de experiências múltiplas para alunas e alu-
nos. Quer dizer, a escola é uma espacialidade física complexa, onde
locais são disputados, re-sinificados, (re)apropriados, pois a arquitetu-
ra nunca é neutra, ela também é uma linguagem e, por isso, fala sobre
relações sociais, expressa mais que valores estéticos, mas também éti-
cos e morais. As salas de aula gritam autoridade (basta ver como es-
tão organizadas); anfiteatros explicitam a quem pertence a fala e quem
deve apenas escutar; a ausência de rampas nas ruas dizem em silêncio
a quem o espaço público deve pertencer. Os banheiros expressam ma-
terialmente nossa visão de gênero.
Aliás, o uso dos espaços fala sobre diferença, mas fala também so-
bre identidade: aquele canto da sala e onde está o grupinho de meninas
mais “saidinhas”; aquela área do pátio se pode identificar os “manos”. Já
a sala dos professores traça uma fronteira geracional com a o restante da
escola e os banheiros instituem divisões de gênero e sexualidade. Espa-
ços ajudam a marcar identidades e materializar diferenças.

1.3 Identidade e diferença

Identidades também são diferenças. Quando percebemos aquelas


meninas como mais “saidinhas”, estamos as identificando, quer dizer,
atribuindo a elas uma identidade, ao mesmo tempo em que as percebe-
mos como diferentes das demais. É interessante observarmos que esta

18 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


operação simples e bastante corriqueira cria uma fronteira entre identi-
dades atribuídas e identidades reivindicadas.
Ao se reivindicar uma identidade, por exemplo, de professor/a,
está se marcando posição, está se trabalhando com “a identidade como
uma afirmação (geralmente positiva) sobre nós mesmos” (Duarte e
Santos, 2009, p. 5). Por outro lado, ao se atribuir identidades, a linha
tênue que separa identidade e diferença se tenciona, pois, não é inco-
mum que essa identidade atribuída seja estabelecida como uma mar-
ca negativa sobre o outro a quem é nomeado. Não é difícil que estas
atribuições identitárias acionem estereótipos, pois estes são descritores
simplificados, mas bastante potentes, facilmente inteligíveis, mas que
camuflam a complexidade que cada um de nós guarda como seres so-
ciais. Nunca se é só aquilo que o outro atribui a alguém, assim como o
outro nunca é somente o que se diz que ele é. As meninas, do exemplo
citado, não são unicamente “saidinhas”, assim como os professores não
são exclusivamente “professoras/es”.
Nas palavras de Janaína Damasceno,

... produzir estereótipos serve para a manutenção tanto da ordem


social, quanto da ordem simbólica de nossa sociedade. As dificul-
dades impostas pelo seu uso se referem ao seu caráter de reduzir,
essencializar, naturalizar e fixar a diferença do Outro. (2008, p. 3).

Analisando ponto a ponto a citação acima e tomando, ainda, o


exemplo das “meninas saidinhas”, ao se taxar aquelas meninas está se
falando de comportamentos de gênero, das expectativas que se tem so-
bre como deve ser uma “boa” menina. Se está preocupado com uma de-
terminada ordem social que regula o comportamento das mulheres em
relação ao livre uso do seu corpo, assim como da manifestação de seus
desejos e de demonstração de independência. Elas são reduzidas a esse
lugar quase desprestigioso, e se chega a duvidar até mesmo da capacida-
de intelectual, assim como de seus atributos morais. Meninas “normais”
não são “saidinhas”. Afirmações como essas naturalizam comportamen-
tos e, assim, as identidades. Agir desta forma, essencializa. Não se con-

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 19


fere espessura cultural, histórica e política aos processos pelos quais as
identidades, tanto quanto as diferenças, são constituídas.
Tratar esses conceitos a partir dessa perspectiva significa entender
que tanto identidades quanto diferenças são produzidas durante o pro-
cesso de socialização, um processo permanente de aprendizado cultural,
que se estende desde o nascimento até à morte de um indivíduo. Assim,
é a partir do processo de socialização que se aprende e assimila os valores
e experiências de uma cultura. À medida que se nasce, cresce e se desen-
volve, o indivíduo incorpora as normas sociais e age, cada vez mais, de
acordo com a forma como foi ensinado. Este processo não se dá de forma
consciente, e, em geral, essas regras são ensinadas a partir das experiên-
cias sociais ao longo da vida. Em resumo, a socialização consiste em um
processo de aprendizado cultural que (in)forma os comportamentos de
todos indivíduos e permite que pertençam a uma dada sociedade (Ven-
cato, 2014, p. 17-18).
O sentimento de pertença é fundamental para que os alunos e alu-
nas possam estar motivados/as e, mesmo, seguros/as em ir à escola. Pois,
não restam dúvidas sobre a importância deste espaço como local de so-
cialização e formação. A escola não é apenas um ambiente de reprodução
da ordem social, é também de contestação desta, de experimentações e
de exercício criativo. Para que assim seja para um número significativo
de pessoas é preciso que a diferença deixe de ser um problema que deve
ficar fora dos muros da escola, isso significa estar fora também de um
projeto político pedagógico, para ser parte de uma formação verdadei-
ramente cidadã.
Dados do relatório da “Pesquisa sobre preconceito e discriminação
no ambiente escolar”, publicado pela Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (FIPE) em 2009, observou que, nas escolas em que há um
maior índice de preconceito e discriminações, há um aprendizado pior.
Essa pesquisa cruzou dados sobre preconceito e discriminação no am-
biente escolar com o desempenho de alunos/as na Prova Brasil 2007.2 O

2 A “Prova Brasil” ou Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC) “é uma


avaliação censitária envolvendo os alunos da 4a série/5o ano e 8a série/9o ano do Ensino
Fundamental das escolas públicas das redes municipais, estaduais e federal, com o
objetivo de avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas. Participam desta

20 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


relatório também demonstrou que nas escolas em que há maior preponde-
rância de atitudes que enfatizem o respeito às diferenças, o resultado das
provas dos/as alunos/as apresentou uma melhora significativa. As varia-
ções nas médias de alunos/as na Prova Brasil mostraram-se diretamente
relacionadas a maior ou menor discriminação e preconceito, que vitimam
tanto discentes quanto docentes e funcionários/as. (Vencato, 2014, p. 23).
A boa prática pedagógica passa por uma educação que considere sé-
ria e profundamente as singularidades culturais que informam, que não
silencie sobre as tensões cotidianas enfrentadas quando se lida com te-
mas exigentes e delicados como são as questões relativas às expectativas
de comportamentos de gênero, às sexualidades, sejam as que atendem às
expectativas heterossexuais ou aquelas que delas divergem. É necessário
discutir os preconceitos raciais e de classe social que são velados, mas tão
persistentes que se corporificam no material didático.
O próximo capítulo se inicia trazendo estes eixos de diferenciação
(gênero, sexualidade, raça e classe social) para dentro das salas de aula.
O primeiro tema será o gênero, esse conceito que organiza tão fortemen-
te nossa vida dentro e fora da escola.

2. Problematizando o tema

Charge: Laerte

avaliação as escolas que possuem, no mínimo, 20 alunos matriculados nas séries/anos


avaliados, sendo os resultados disponibilizados por escola e por ente federativo”. Fonte:
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Disponível
em: <http://provabrasil.inep.gov.br/>. (Nota original de Anna Paula Vencato)

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 21


“Meninos são totalmente diferentes de meninas”. “Mulher no
volante, perigo constante”. “Homem que é homem não chora”. “Toda
mulher sonha em ser mãe”. Frases assim fazem parte do repertório co-
tidiano de organização de gênero e, portanto, de organização das rela-
ções sociais. São usadas com naturalidade e, até mesmo, inocência, sem
pensar que estas afirmações categóricas podem perpetrar desigualda-
des muito mais que acentuar diferenças. Estas últimas não são neces-
sariamente ruins, ao contrário, podem ser altamente enriquecedoras
para a experiência escolar e de convívio social. Já as desigualdades,
são mais problemáticas, pois hierarquizam relações e pessoas, além de
reforçarem dicotomias simplificadoras e excludentes, como se espera
mostrar ao longo desta exposição.
A escola tem tido um importante lugar nessa construção dos gêneros.
Ainda que não se perceba, aqueles são espaços profundamente generifica-
dos e orientados por uma silenciosa, mas persistente pedagogia de gênero.
Como na seção anterior, o esforço aqui vai ser o de desnaturalizar
conceitos, propor perguntas, muito mais que oferecer soluções e/ou re-
ceitas. Afinal, o gênero, como outros marcadores sociais da diferença,
tem de ser entendido em contexto e em relação a outros marcadores
como classe, raça, etnia, geração, orientação sexual, filiação religiosa.
Ou seja, para que esse tema possa ser aprofundado, o primeiro es-
forço é desnaturalizar o gênero. Isso significa problematizar a matriz
essencialista que associa o gênero a um determinismo biológico que
aprisiona os corpos, como na charge que abre esse capítulo, a ponto
de ignorar que os indivíduos são, antes de tudo, seres culturais, por-
tanto, simbólicos. O indivíduo sente a necessidade de significar suas
experiências, daí seu corpo ser antes um espaço criativo de expressão
cultural do que uma amarra.
Apesar de ser simplista, e talvez por isso mesmo, a vertente essen-
cialista é aquela que está mais presente no dia a dia. Afinal, desde peque-
ninos, as pessoas são ensinadas que tem uma essência imutável, repetin-
do ditos como “pau que nasce torto não tem jeito morre torto”. Ou seja,
essa suposta essência que já vem pronta não sofreria influências do meio
no qual cada pessoa vive, nem seria marcada pelo momento histórico
no qual desenvolve suas experiências... Quando se fala em gênero, por

22 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


essa matriz, a essencialista, ele é diretamente associado ao sexo genital.
É também tomado como definidor absoluto da forma de viver, perce-
ber, sentir, desejar. Acaba-se por desconsiderar que há uma boa dose de
aprendizado nisso tudo: que ser homem ou mulher é algo que varia de
sociedade para sociedade e, mesmo em uma mesma sociedade, existem
variações nada desprezíveis.
Portanto, essa escolha teórica flerta com outra matriz explicativa,
a construtivista. Esta considera que comportamentos de gênero não são
inatos, mas aprendidos. Por isso, as noções de masculinidade e femi-
nilidade variam ao longo do tempo, de cultura para cultura e, mesmo,
dentro de uma mesma sociedade. Pois, gênero, como dito mais acima, é
uma marca que só ganha seu significado pleno quando associada a ou-
tros referentes sociais como classe, raça, geração, entre outros.

uma parada para a reflexão


Mas, afinal, o que é gênero?
Por gênero entende-se a condição social por meio da qual
nos identificamos como masculinos e femininos. É diferente
de sexo, termo usado para identificar as características anatô-
micas que diferenciam os homens das mulheres e vice-versa.
O gênero, portanto, não é algo que está dado, mas é construí-
do social e culturalmente e envolve um conjunto de processos
que vão marcando os corpos, a partir daquilo que se identifica
ser masculino e/ou feminino. Em outras palavras, o corpo é
generificado,o que implica dizer que as marcas de gênero se
inscrevem nele.
Se estamos cientes de que o gênero é a construção social
do sexo, precisamos considerar que aquilo que no corpo indi-
ca ser masculino ou feminino, não existe naturalmente. Foi
construído assim e por esse motivo não é, desde sempre, a
mesma coisa. (Goellner, 2010, p. 75).

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 23


Um quadro sintético ajuda a aclarar a forma como cada uma destas
vertentes enfoca as relações de gênero e, assim, fica mais evidente quais
são suas diferenças:

Essencialista Construcionista
• Naturaliza os gêneros vincu- • Propõem que os gêneros são
lando-os a um determinante produto de relações históricas
biológico; e sociais;
• É, portanto, determinista e bio- • Sendo assim, são simbolica-
logizante; mente constituídos;
• O que faz que tenha um enfo- • O que faz com que tenham di-
que a-histórico e transcultural mensões culturais.

2.1 Pedagogias de gênero

O que pode ser mais parecido com uma mulher do que um homem?
Homens são de Marte e mulheres são de Vênus? Como se trabalha a fim
de acentuar ou de atenuar essas diferenças? A anatomia é destino? A
biologia explica essas diferenças? Explica também as semelhanças? Estas
são perguntas provocativas. Já foi dito que não se trará respostas pron-
tas. Essas interrogações servem, acima de tudo, para provocar reflexões.
Sendo assim, há que se pensar nas próprias atitudes no espaço escolar e
como se lida com as relações de gênero no dia a dia. Ao se fazer este exer-
cício percebe-se que o desafio de pensar as diferenças vai se tornando
mais profundo, pois isso obriga a rever valores que alicerçam e orientam
os procedimentos e práticas; mexem com as convicções e adentram o
terreno das moralidades e dos segredos.
Mas educar é também estar abertas e abertos para esses constantes
processos de aprendizado. Então, agora se emenda mais uma pergunta a
esse rol de questões: como se tem educado no campo do gênero?
Folheando o material didático disponibilizado para subsidiar um
processo de capacitação, uma professora se deparou com o seguinte
exercício voltado para crianças do 5º ano do Ensino Fundamental:

24 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


Apostila da editora Positivo

A resposta certa indicava que os meninos têm mais afinidade/ten-


dência em cuspir no chão, mas não em usar saia (ainda que em diversas
culturas contemporâneas se verifique exemplos contrários); meninas têm
tendências a arrumar a casa, mas não a jogar futebol (mesmo quando a
melhor jogadora do mundo é brasileira). O exercício pode ter sido muito
mal formulado, mas não há nada de inocente nele.
Atualmente, não por acaso, tem-se vivido um processo intenso e
sistemático de acentuação das diferenças entre homens e mulheres. Nun-
ca o mundo das meninas foi tão rosa e dos meninos tão absolutamente
azul. Basta olhar a vitrine de uma loja de brinquedos ou a seção de rou-
pas infantis em um grande magazine: as propagandas voltadas para esse
público também reforçam as fronteiras entre meninos e meninas de uma
forma muito mais insistente do que há 30 ou 40 anos atrás.
Quer dizer, ao mesmo tempo em que a sociedade participa de mu-
danças culturais significativas nas quais as convenções e normas de
gênero binárias e hierárquicas vêm sendo questionadas e desafiadas,
em contrapartida se percebe discursos sutis, mas muito eficientes, que
reforçam a diferença como incomensurabilidade, como quase impos-
sibilidade de meninos e meninas viverem juntos. É como se um gênero
“poluísse” o outro.

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 25


O reforço dessas divisões polares (meninas de um lado, meninos de
outro) são maneiras sutis, mas eficientes, de se enfrentar as transformações
sociais e culturais pelas quais a sociedade está passando. É uma maneira de
“naturalizar” esses lugares reiterando incessantemente o binarismo quase
de uma forma inconciliável, como se realmente mulheres e homens fossem
de planetas diferentes. O que se ganha com isso em termos concretos para
a qualidade das relações sociais? Nesta avaliação, nada!
Ao se examinar as persistentes pedagogias de gênero, expressas, por
exemplo, no exercício ilustrado acima, fica mais fácil entender como se
constroem essas diferenças entre os gêneros de forma a hierarquizá-los.
Não é por acaso ou por fatores genéticos que meninas tendem a ter
a letra mais bonita do que meninos; nem são genes específicos e exclusi-
vos da constituição masculina que fazem meninos obter melhores notas
em matemática do que a maioria das meninas; não está no DNA das
alunas a tendência de serem mais cordatas que os alunos. Não há hor-
mônios que justifiquem essas marcações, basta que se perceba o quanto
elas variaram ao longo do tempo, assim como mudam entre as diversas
sociedades e de cultura para cultura.
O fato é que, na contemporaneidade, meninos e meninas estão
sendo sistematicamente educados/as para se entenderem como absolu-
tamente diferentes uns dos outros. Mais do que isso, para se entenderem
como desiguais. De modo que, mesmo quando são muito pequenas as
crianças já mostram clara noção dessa acentuada divisão que vai mar-
cando o masculino como ativo, forte, agressivo e racional, enquanto, em
contrapartida, vai estimulando e reafirmando que o feminino é passivo,
fraco, dócil e emotivo, e por isso, recusado pelos meninos, pois estes en-
tendem rapidamente que como homens estão em posição privilegiada.
Mas se, homens são naturalmente masculinos, quer dizer, ativos,
agressivos, fortes e racionais, por que há a necessidade constante de rea-
firmar estas qualidades por meios diversos que vão desde o lúdico (jogos
e brincadeiras) até aqueles punitivos (castigos e chacotas)? Bem, a verdade
é que “fazer de alguém um homem requer, de igual modo, investimentos
continuados. Nada há de puramente ‘natural’ e ‘dado’ em tudo isso: ser ho-
mem e ser mulher constituem-se em processos que acontecem no âmbito da
cultura” (Louro, 2008, p. 18), por isso precisam ser ensinados e aprendidos.

26 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


Na escola, costuma-se levar muito a sério esta pedagogização. Mes-
mo quando se concebe as expressões de gênero como derivadas da na-
tureza, da biologia, se está dando aquela forcinha ao “natural” por meio
do cultural. As filas de meninos são formadas separadas das de meninas;
comportamentos esperados de cada gênero são reforçados por meio de
brinquedos, chegando mesmo a proibir e, no extremo, punir, aquelas e
aqueles que querem apenas brincar, experimentar a vida por meio da
ludicidade que um brinquedo oferece. Quando uma criança cruza essa
fronteira entre o rígido binarismo de gênero que lhe foi estabelecido,
muitas vezes se julga que ela está entrando em um “jogo perigoso”, aque-
le que desafia esses limites entre o masculino e o feminino.
No terreno dos gêneros e da sexualidade, o grande desafio, hoje, pa-
rece não ser apenas aceitar que as posições se tenham multiplicado, então,
que é impossível lidar com elas a partir de esquemas binários (masculino/
feminino, heterossexual/homossexual). O desafio maior talvez seja admi-
tir que as fronteiras sexuais e de gênero vêm sendo constantemente atra-
vessadas e – o que é ainda mais complicado – admitir que o lugar social no
qual alguns sujeitos vivem é exatamente a fronteira (Louro, 2008, p. 21).
Mas como discute Guacira Lopes Louro, se as fronteiras sociais e cul-
turais guardam analogias com as geográficas, os lugares fronteiriços são
pontos de contrabandos, de cruzamentos de limites, de muitos trânsitos,
mas são também locais para as trocas, para os contatos, criam passagens
para novas experiências que podem ser enriquecedoras. A vida nas fron-
teiras pode ser arriscada, porém, nelas se pode experimentar o contato
com o diverso, o fluído, com o diferente, aprendendo com essa experiência
a ser mais flexível. Talvez por isso mesmo fronteiras sejam tão vigiadas.
Para Judith Butler, filósofa que tem se dedicado a pensar criticamente
sobre tensões e fronteiras, o aprendizado sobre gênero e sexualidade se dá a
partir de diversos discursos de saber que acabam tendo o poder de instituir
verdades sobre o próprio corpo e comportamentos e, assim, sobre o que se é
como ser social. Ao se mencionar aqui os “discursos” não são se refere apenas
às palavras, textos, conversas, mas também a produtos midiáticos, a imagens,
à arquitetura. Assim como, quando se refere a “saberes”, nesse rol também
estão incluídos que são produzidos pelo senso comum, bem como aos cientí-

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 27


ficos, os religiosos, ou seja, a todos aqueles enunciados que informados, orien-
tados e fornecem elementos para organizar a vida em sociedade.
É neste sentido que a educadora Guacira Lopes Louro afirma, por
exemplo, que o gênero é, sobretudo, discursivo, ele vai sendo construído
por distintas linguagens que mais do que descrevê-los, formam o que ele é.
Por exemplo: quando o médico diz “— é uma menina”, mais do que descre-
ver o que ele viu no ultrassom, ele está oferecendo uma informação que vai
se materializar em um enxoval com predominância da cor rosa, em certos
tipos de brinquedos, em uma decoração específica. Provavelmente, os pais
daquela menina que ainda nem nasceu sairão do consultório já imaginan-
do um futuro no qual as profissões tidas como femininas serão elencadas,
desejando que um dia ela encontre um rapaz e que se torne mãe... De forma
que o gênero da criança já aparece estreitamente vinculado à sua genitália,
como se ele, o gênero, derivasse da vagina ou do pênis e não deste tantos
discursos normativos que ensinam persistentemente o que é ser uma “mu-
lher de verdade” ou um “homem de verdade” (Butler, 2003).
É ainda aquela mesma filósofa, Judith Butler, que ajuda a responder
às outras perguntas listadas mais acima como aquelas nas quais se ques-
tiona o porque de se temer tanto a “falha” de gênero. Talvez seja porque
se encare gênero e sexualidade como sendo uma coisa só. Falhou no gê-
nero, falhará na sexualidade, ou melhor, falhará na heterossexualidade.
Butler propõe que há uma matriz heteronormativa que tem informado às
sociedades ocidentais contemporâneas. A partir desse referente modelar,
entendido como o único normal, se aprende a associar a genitália a um
determinado gênero e este à sexualidade reprodutiva. A equação para
que sejamos seres inteligíveis exige completa coerência entre um sexo
genital (pênis/vagina) => um gênero social (masculino/feminino) =>
uma única forma de expressar o desejo, a heterossexual. Ao escapar des-
ta cadeia derivativa os indivíduos se tornam, nas palavras de Butler, seres
abjetos. Pessoas socialmente recusadas não pelo caráter, mas por um su-
posto desvio, pelo presumido “erro”, que não permite encontrar termos
de classificação que sejam prestigiosos para falar desses indivíduos. São,
então, os/as esquisitos/as, anormais, a “bicha”, o “sapatão”, o “traveco”,
enfim, os desviantes que devem ser controlados porque falharam no gê-

28 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


nero e, assim a sexualidade desandou. Essa percepção será um pouco
mais explorada, com a proposta de uma visão mais prismática para ela.

saiba mais…
A Matriz Heteronormativa – cadeia linear entre genitá-
lia, comportamento de gênero e desejo sexual.
Uma das propostas mais ousadas de Judith Butler é mostrar
que o sexo, quer dizer, a própria genitália, não é um dado mera-
mente biológico e natural. O sexo genital seria, ele mesmo, pro-
duto de um olhar cultural. Como seres simbólicos, o que se vê é
interpretado a partir de uma gramática oferecida pela cultura em
que se está imersa/o, sendo assim, aprende-se a ver e a classificar
pela linguagem, pelos discursos. Para esta filósofa, portanto, não
existem corpos pré-discursivos. “Os corpos na verdade carregam
discursos como parte de seu próprio sangue”, afirma ela. Assim, o
próprio sexo seria ele produto cultural, tanto quanto o é o gênero.
Outra ousadia teórica de Butler é a de mostrar que as socieda-
des de matriz ocidental têm estabelecido uma estreita e persistente
relação entre genitália, supostamente natural, e os papéis de gênero,
como se estes derivassem automaticamente desse dado biológico (o
pênis ou a vagina) e não fossem aprendidos. Essa forma de se pen-
sar a relação entre sexo e gênero traz implicações, insuspeitas a um
primeiro olhar, para a vida de todos/a, uma vez que estabelece uma
linearidade rígida entre genitália e comportamento socialmente es-
perado, incluindo aí nossas práticas mais íntimas. Mesmo os dese-
jos sexuais secretos não estão fora do alcance da norma, pois, como
seres sociais, a consciência carrega as marcas morais que orientam
os valores coletivos. Quando não se é exatamente o tipo de pessoa
que a genitália parecia anunciar, o indivíduo é “ininteligível” so-
cialmente. Gêneros ‘inteligíveis’ são aqueles que, em certo sentido,
instituem e mantêm relações de coerência e continuidades entre
sexo, gênero, prática sexual e desejo” (BUTLER, 2003, p. 38).

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 29


2.2 Ser no plural: intersecções de diferentes
marcadores sociais

A matriz heteronormativa, dificulta que sem pense em gênero no


plural, considerando a própria experiência como marcada por essa mul-
tiplicidade. Ao colocar os gêneros no plural, pode-se perceber que não
existe a mulher e o homem de forma absoluta, nem o feminino e mas-
culino fechados em si mesmos. O gênero se imbrica com uma série de
outras variáveis e, como o nome mesmo anuncia, elas variam ao longo
do tempo, de sociedade para sociedade, entre as classes sociais e assim
por diante. A experiência de ser uma jovem mulher negra, pertencente às
classes populares é uma experiência singular de gênero que só pode ser
entendida em toda sua complexidade quando analisada conjuntamente
com estes outros marcadores sociais da diferença: geração, raça, classe.
Alguns exemplos concretos ajudam a entender melhor a proposta
acima. A situação exposta seguir é bem interessante para pensar de for-
ma interseccionada estes marcadores sociais tratados aqui.
Uma das professoras que participou do curso de formação conti-
nuada Gênero e Diversidade na Escola (GDE) ofertado pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), é quem oferece o exemplo. Conta ela:

[...] Hoje, durante uma capacitação de determinado sistema de en-


sino (que o município em que atuo como profª e coordenadora, vai
adotar), estive diante de uma situação de claro equívoco. Numa
apostila (para crianças de Pré II - 5 anos) havia a imagem de um
quarto, com cama, tapete, abajur, boneca, ursinho, etc. No rodapé
havia uma pergunta: “Este quarto é de menina ou menino?”

A primeira questão que aparentemente está posta nesse treinamento


é a de educar para exercer “corretamente” os lugares de gênero: coisas de
menino X coisas de menina; comportamento de menino X comportamen-
to de menina; do que gostam (ou devem gostar) meninos X os gostos de
meninas. Mas ao se mudar o olhar, muda-se também a pergunta, ou me-
lhor, uma série de outras perguntas pode ser elencadas e que estão silen-
ciadas pelo enunciado desse exercício proposto no curso de “capacitação”.

30 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


A primeira pergunta sobre a ilustração do quarto pouco tem a ver
com gênero, mas com outro importante marcador das diferenças social-
mente impostas: a diferença de classe social. Talvez, a pergunta que mais
faria sentido para as alunas e alunos, seria se aquele quarto é de “rico” ou
de “pobre”, para usar a linguagem do senso comum. Quantas crianças
que estão hoje nas escolas públicas têm um quarto individual e inteira-
mente decorado? Quantas dormem em uma cama sozinhas, sem ter que
dividi-la com a mãe, a tia, algum dos irmãos?
Em um exercício como o proposto àquelas professoras aprende-se a
ler imagens, mas também aprende-se (e posteriormente ensina-se) sobre
silêncios. Silenciar sobre as diferenças de classe em uma atividade como
esta, mas também silenciar sobre as inúmeras possibilidades de se viver
em família, de se experenciar o gênero e mesmo a raça e a etnia. Ensinar
que existe um modelo “certo” de se viver, morar, dormir, organizar a vida
doméstica e de enfeitar o ambiente. Quem não consegue enxergar ali um
quarto de menina, errou. Quando aquele quarto tem muitas outras infor-
mações. Não é um quarto de uma criança das classes populares, não é um
quarto de uma criança indígena, não é um quarto onde dormem meninos
e meninas, não é um quarto de uma criança umbandista... e por aí vai. De
quem será então este quarto? De uma hipotética menina perfeitamente
ajustada ao modelo hegemônico de gênero, classe, raça e sexualidade. Um
modelo que muitas vezes não contempla alunos e alunas.
Porém, é preciso assumir que a educação escolar mais do que ma-
nipular as pessoas como se as colocasse em uma camisa de forças (lem-
bram da charge do Laerte?) não age de forma sempre reverente à ordem
social hegemônica, também pode enfrentá-la, reinventá-la. Evidente-
mente, não se trata de tarefa simples.
Desde 1996, quando foram lançados os cadernos de Temas Transver-
sais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Funda-
mental, há um esforço do Estado, pressionado pela sociedade civil organi-
zada, em oferecer referenciais de trabalho para professoras e professores do
Ensino Fundamental frente a discussões relativas às diversidades regionais
e culturais; étnicas, religiosas e políticas, à valorização da dignidade huma-
na, considerando o papel da educação escolar não como mero reprodutor
de valores cristalizados, mas ambiente para o questionamento e oferta de

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 31


ferramentas críticas para a intervenção e participação social. (Brasil, 1997).
Na prática os efeitos dessa proposta ainda são débeis, ainda que, cada vez
mais, esses temas sejam enfrentados, até mesmo porque eles estão pautados
no cotidiano, estão na mídia e, cada dia mais, em nas salas de aula.
“Nesse cenário, o processo de inclusão, nos currículos escolares, de
temas como sexualidade (por exemplo) é decorrente de inúmeras deman-
das, além da determinação governamental” (Furlani, 2005, p. 66), lembra
a doutora em Educação Jimena Furlani. Ela destaca que as alunas e alunos
também participam desse processo, pois demandam discussões mais qua-
lificadas sobre relações de gênero, preconceitos raciais e sobre sexualidade.
No rol das diferenças, talvez a sexualidade – colocado no plural: sexua-
lidades – seja um dos temas mais espinhosos para educadores e educadoras.
De algum modo, parece que se esses “problemas” não forem tratados
a sexualidade ficará fora da escola. É indispensável que se reconheça que a
escola não apenas reproduz ou reflete as concepções de gênero e sexualida-
de que circulam na sociedade, mas que ela própria as produz, entendendo
as análises de Foucault, que demonstraram o quanto as escolas ocidentais
se ocuparam de tais questões desde seus primeiros tempos, aos cotidianos
escolares atuais, nos quais se pode perceber o quanto e como se está tratan-
do (e constituindo) as sexualidades dos sujeitos. Essa presença da sexua-
lidade independe da intenção manisfesta ou dos discursos explícitos, da
existência ou não de uma disciplina de “educação sexual”, da inclusão ou
não desses assuntos nos regimentos escolares. A sexualidade está na escola
porque ela faz parte dos sujeitos, ela não é algo que possa ser desligado ou
algo do qual alguém possa se “despir”. (Louro, 1999, p. 80-81).
O próximo tópico adentra, justamente, nesse delicado terreno.

2.3 D
 o que se tem medo quando a sexualidade entra
na escola?

A pergunta do título acima é retórica, pois bem se sabe o que se teme


quando o tema é sexualidade no espaço escolar. Talvez a melhor pergunta
seja “por que esse assunto é temido”? Uma resposta: aprende-se a ver a
sexualidade como um assunto de foro íntimo, que não deve ser discuti-

32 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


da publicamente, portanto. Isso porque, aprende-se também, que sexo e
sexualidade são coisas baixas, por isso são temas indignos de figurarem
em currículos. Assim, a responsabilidade em tratar desses temas deve ser
da família, que precisa fazê-lo em um indefinido “momento oportuno”,
valendo-se de uma linguagem cheia de eufemismos e reticências.
A educadora e pesquisadora Guacira Lopes Louro vale-se das suas
memórias para fazer essa reflexão. Ela conta que

Como jovem mulher, eu sabia que a sexualidade era um assunto pri-


vado, alguma coisa da qual deveria falar apenas com alguém muito
íntimo e, preferentemente, de forma reservada. A sexualidade – o
sexo, como se dizia – parecia não ter nenhuma dimensão social;
era um assunto pessoal e particular que, eventualmente, se confi-
denciava a uma amiga próxima. “Viver” plenamente a sexualidade
era, em princípio, uma prerrogativa da vida adulta a ser partilhada
com um parceiro do sexo oposto. Mas, até chegar esse momento,
o que se fazia? Experimentava-se, de algum modo, a sexualidade?
Supunha-se uma “preparação para vivê-la mais tarde? Em que ins-
tâncias se “aprendia” sobre sexo? O que se sabia? Que sentimentos
se associavam a tudo isso (2010, p. 9).

É interessante observar que as angústias e dúvidas da jovem Gua-


cira – uma mulher nascida em meados da década de 1940 – ainda pare-
cem atuais. Evidentemente, houve mudanças desde então, mas estas não
foram tão profundas a ponto de tornar estranho o relato acima. Como
cita MISKOLCI:

“A esfera da sexualidade e do desejo, mais presente no chamado ‘cur-


rículo oculto’, ainda aguarda por ser trazida ao discurso e ao debate
como parte constitutiva do que aprendemos a compreender como
mais íntimo, pessoal e, muitas vezes, o que nos é mais caro” (Miskol-
ci, 2013, p. 56).

Aprende-se também que a sexualidade define o ser humano como


sujeitos. Mais que isso, ela guardaria a verdade do ser, enquanto existên-
cia. Frases como “ele precisa se assumir”; “ela ainda não se descobriu”;

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 33


“lá no fundo, a verdade, é que ela é louca por homem” refletem uma
manifestação desse sentimento no cotidiano escolar, e localiza esse sen-
timento de verdade determinante do sujeito. O exemplo lá atrás sobre as
meninas “saidinhas” as reduz a esse lugar definidor: a sexualidade.
Como se constitui esse tipo de olhar?
Pelo menos desde o século XIX, as sociedades ocidentais ou aquelas
que seguem seu modelo, alocaram a sexualidade no terreno da psicologia
e da medicina, deslocando-a do campo moral da religião. Se neste último
campo as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo podia implicar
em pecado, no campo científico ela se transformou em anormalidade,
em patologia, o que deu margens para que se impingissem tratamentos
que visavam a “cura” dos chamados “pervertidos”, dos anormais.
O campo jurídico também deu sua contribuição no sentido de pe-
nalizar as sexualidades dissidentes da norma burguesa, leia-se: heteros-
sexual, monogâmica (pelo menos em tese), procriativa e monitorada por
saberes médicos. De modo que não só homossexuais corriam risco de se-
rem processados, presos e submetidos a intervenções cirúrgicas como a
lobotomia, mas prostitutas, crianças “masturbadoras”, pessoas da classe
operária (considerada promíscua pela burguesia), podiam ser igualmen-
te punidas, vigiadas, esterilizadas.
A sexualidade como dispositivo histórico, propõe Michel Fou-
cault, é justamente esse conjunto relativamente organizado de conhe-
cimentos sobre os comportamentos, os usos dos corpos e regulação de
seus desejos e prazeres. Mais uma vez: foi por estes caminhos históricos,
no tenso jogo entre poder e saber, que a sexualidade passou a consti-
tuir-se cada vez mais a própria verdade do sujeito. Ele (sujeito) era o
que ela (sexualidade) o transformara. Desde então, heterossexualidade
e normalidade estão profundamente associadas, de maneira que se ten-
de a não saber como lidar com os gêneros que escapam ao binário e/ou
com as sexualidades dissidentes da norma heterossexual. A tendência
é recusar em si mesmo e/ou nos outros esses “desvios”, percebendo-os
como anomalias, erros, falhas, que só podem acarretar em infelicidade.
E acabam acarretando mesmo, como uma profecia auto- realizada, uma
vez que essas questões são tratadas como problema e não como uma
possibilidade outra de vida, de amar, de se relacionar. Sonhar, idealizar,

34 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


educar fora do registro da heterossexualidade, a qual, por sua vez, está
associada a uma perfeita conformidade entre sexo genital, gênero social
e desejo sexual, não é ensinado.
O sociólogo peruano Giancarlo Cornejo escreveu sobre como a sua
presumida “incoerência” entre genital, gênero e desejo o transformou
em uma criança problema na escola onde cursou o Ensino Fundamental.

Na escola havia uma psicóloga que me torturava. Ela aplicava


exames que eu não entendia (e ainda não entendo o sentido): de-
senhávamos pessoas; a nossa família; fazíamos listas de nossos
defeitos e virtudes. Ela sempre se queixava com meus pais. Lem-
bro-me que uma vez, quando ela chamou a mim e aos meus pais,
vi claramente meu nome em seu caderno de anotações, e no ver-
so dele um X em uma opção que dizia: “problemas de identidade
sexual”. Eu não estava presente quando ela conversou com meus
pais, mas o que ela disse a eles, e o que eu mais ou menos já intuía,
os chateou muito. [...] Neste ponto se faz mais que necessária a
seguinte pergunta: Por que uma guerra é declarada contra uma
criança? (Cornejo, 2013, p. 69-73).

Giancarlo foi marcado como uma criança perigosa porque falhou


em performar bem o seu gênero, “denunciando-se”. Aquela suposta di-
ficuldade em se conformar às expectativas de uma determinada mas-
culinidade levaram os adultos que o educavam a ver nele uma criança
sexuada, porque se supôs logo que ele não era heterossexual.
Há um grande mito de que pessoas homossexuais são vorazes se-
xualmente (mesmo quando ainda são crianças). Há também a crença
difundida de que estas pessoas não são normais ou sanas, que são con-
traventoras. Assim, muitos de alunos não querem se associar a ninguém
que tenham estas marcas com receio de serem confundidos como sendo
também homossexuais.

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 35


Fonte: http://caioalves.wordpress.com/2012/07/04/sobre-ma-
chismo-identidade-de-genero-e-preconceito/

Uma parada para a reflexão

Opção sexual ou orientação?

Há algum tempo estudiosas e estudiosos do campo das sexualida-


des têm preferido a expressão “orientação sexual” no lugar de “opção
sexual”. Não se trata de mero capricho semântico, mas de uma marca-
ção teórica pela qual se quer sinalizar que a sexualidade não é opcional,
não porque se nasce já com ela plenamente definida, não! Mas porque
não existe, de fato, opções para a sexualidade. A nossa sociedade só
oferece uma opção considerada legítima que é a heterossexualidade.
Por isso, algumas teóricas e alguns teóricos contemporâneos têm dito

36 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


que a heterossexualidade é compulsória. Não resta, portanto, opções
valoradas e respeitadas.
Quanto à orientação, o que se quer dizer é que todos são seres so-
ciais, culturais e históricos e a sexualidade, assim como outras marcas de
personalidade, sofre influências do meio, do tempo, dos valores vigentes.
As experiências de vida conformam, tornam o indivíduo no que ele é de
maneira que a sua sexualidade é definida por esse mundo de referências
externas e conjunturais. Significa que não há uma “essência” sexual, mas
que a sexualidade, tem plasticidade. Uma pessoa pode se sentir atraída
por outra do mesmo sexo desde muito jovem, mas isso não faz dela al-
guém incapaz de amar alguém do sexo oposto.
Enfim,

a orientação sexual é construída nos embates subjetivos e sociais,


produzidos nas interações, sob padrões culturais, relações de po-
der, ideias sociais, configurando-se como um fenômeno individual
tanto quanto coletivo. A orientação sexual é construída na relação
do indivíduo com os padrões culturais de gênero, na sua relação
com o seu próprio mundo psíquico, com os caminhos percorridos
por cada um nas relações familiares e sociais, nas relações no inte-
rior da cultura como um todo. Produz-se no contínuo processo de
subjetivação do indivíduo pela e em sua sociedade. E emerge em
contextos nos quais a questão identitária política passa a ser uma
componente importante. (SOUSA FILHO, 2007, s/p).

2.4 Sexo na escola é bom?

Todas e todos os professores já se depararam em algum momen-


to com algum casal de namorados formado por alunos/as nossos/as.
E, enquanto alunas e alunos, esses professores e professoras viveram
paixões no ambiente da escola. Foi na escola também que se fizeram
grandes amizades cheias de aprendizados, de trocas, confissões, cum-
plicidades e segredos. Entre estes segredos, não sera incomum se falar
de interesses amorosos por alguém do colégio. Apesar dessas memó-

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 37


rias e vivências, se segue tratando a escola como um espaço assexuado.
Talvez isso ocorra porque a sexualidade está associada ao ato sexual em
si. Ela é mais que as carícias e toques, beijos ou a cópula, ela tem a ver
com desejos e como se lida com eles.
Voltando aos namoros entre alunos. Como se deve reagir ao casal
do nono ano que passa a se sentar lado a lado e troca inúmeras mensa-
gens durante a aula? Ou aquele outro que esta de mãos dadas no pátio de
recreio, ou ainda diante do casal mais ousado que se beija apaixonada-
mente no portão da escola? Via de regra, não há resposta sistematizada
para saber como agir diante dessas cenas. Isso porque, normalmente,
essas questões não são discutidas em profundidade como comunidade
escolar. Sem reflexão, discussão e tomada de decisões coletivas, o que
quase sempre acontece é que cada um/uma passa a agir de acordo com
sua própria moralidade, a partir de seus valores individuais, quer dizer,
não se terá uma ação comum que possa, de fato, orientar o corpo discen-
te. Essa disparidade de posições não é nem um pouco pedagógica e tende
a confundir os/as alunos/as, posto que as reações e orientações dirigidas
a eles/elas serão diversas e, na pior das hipóteses, contraditórias.
Por isso, a pergunta que abre esta seção é retórica. Sexo na escola
é um tema necessário e deve abranger toda a comunidade escolar. Isto
inclui os pais, professores/as e demais funcionários/as, do porteiro à ser-
vente, da diretora ao bedel. Esse não é um movimento fácil, pois exi-
ge, além de uma logística para organizar oficinas, debates, dinâmicas e
atividades formativas em geral, que se adentre em um tema espinhoso
e delicado que pode parecer inadequado para algumas pessoas que for-
mam o corpo pedagógico, assim como para algumas famílias. Mas não
discutir a sexualidade não fará com que ela desapareça da escola, apenas
deixará docentes menos capacitadas/os para lidar com ela.
Trabalhar com produtos midiáticos pode ser uma excelente opor-
tunidade para adentrar nestes temas. O que não diminui o desafio, mas,
certamente, aumenta o prazer e o interesse de quem ensina e aprende.
Pode ajudar, inclusive, a tirar a sexualidade do marco do perigo, da
doença e do risco. Pois, é quase sempre assim que ela entra na escola, seja
para se falar de AIDS e doenças sexualmente transmissíveis, seja para
discorrer sobre os perigos da gravidez na adolescência. Quase nunca o

38 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


sexo é tratado como fonte de prazer e de estabelecimentos de vínculos.
Perde-se a oportunidade de falar com alunas e alunos sobre algo que
acontece todos os dias sob os narizes de todos: os encontros, os beijos, o
desejo, os namoros. Abordando-os como questões sérias, porque delica-
das, pois envolvem sentimentos e afetos, mas também aprendizados, dos
quais, por despreparo ou moralismos, se deixa de participar.
Como também se deixa de problematizar como assunto digno de
figurar no currículo as chacotas que minoram marcas de classe, raça e
gênero ou as violências ocorridas nos portões da escola, nos banheiros e
pátios. É justamente este o próximo tema a ser problematizado.

2.5 Uma escola sem cor

Fonte: http://despreconceituando-despreconcei-
tuar.blogspot.pt/2012_11_01_archive.html

O brasileiro cresce ouvindo dizer que vive em um país sem precon-


ceito racial. Aliás, o mito da democracia racial esteve presente na forma-
ção escolar de forma direta ou indireta. Quantas vezes não se deparamos
com a figura fundida do branco/negro/índio ilustrando cartilhas e livros
didáticos em geral? Aprende-se sobre desigualdade racial nos silêncios
sobre a ausência de negros/as no corpo docente; nas piadas, “sem malda-
de”, que fazia rir pela desqualificação do outro não-branco; pelas expres-
sões populares que indicavam que fazer um “programa de índio” não era

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 39


uma coisa legal... Enfim, “não vamos falar sobre isso”, foi uma frase não
dita, mas sempre audível.
Porém, desde 1988, com a promulgação da Constituição pós-regi-
me ditatorial, a chamada “Constituição Cidadã”, se assiste a mudanças
sensíveis no campo das desigualdades raciais e étnicas. Mas estas só che-
garam muito recentemente, na forma de lei, à escola. É sabido, leis não
mudam comportamentos. Mas pautam no debate público as questões
sobre as quais versam.
Desde o início deste século são conhecidos alguns instrumentos le-
gais que procuram tratar de frente o silencioso racismo, são eles:
• Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re-
lações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultu-
ra Afro-brasileira e Africana, em 2004, resultado da Lei
10.639/03, que tornou obrigatório o ensino dessas diversida-
des na educação básica;
• Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curricula-
res Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africa-
na, em 2009;
• Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Quilombola, em 2012;
• Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Indígena na Educação Básica, em 2012. (Vieira & Medeiros,
2014, p. 171).
Como já foi dito, esses instrumentos não foram (e não são) suficien-
tes para a transformação das práticas pedagógicas, mas provocam e de-
safiam. E, sobretudo, exigem que se passe por processos de formação que
instrumentalize para o trabalho nesse acidentado e disputado terreno.
Sim, disputado! Pois quando se fala em ações compensatórias como
são as cotas para ingresso nas universidades ou sobre a disputa de terras
entre indígenas e posseiros, se adentra em uma discussão política, a qual
só pode ser travada de forma consistente quando se entende a dimensão
histórica desses processos de exclusões. Para enfrentar esse debate não
cabe dicotomizar o campo entre “bandidos” e “herói”, “algozes” e “víti-
mas”, pois quando se trata de relações sociais, de questões políticas, de

40 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


realidade econômica, de valores culturais e de condições históricas, tudo
se mostra mais complexo que um enredo de novela, no qual facilmente
quem é “o bom” e quem é “o mal” é facilmente localizado.
A fim de adentrar nesse terreno acidentado, a seguir, são apresen-
tados alguns conceitos importantes no sentido de aprofundar conheci-
mentos e aguçar olhares.

2.6 Raça existe?

Esta não é uma pergunta fácil de ser respondida, pois raça é um


conceito em disputa desde meados do século XIX pelo menos. Naquele
período, marcado pelo expansionismo econômico, político e cultural
das civilizações capitalistas europeias sobre diversas regiões do plane-
ta, a raça se tornou um equivalente da ideia de cultura. “Raça”- como
as dos formuladores dessas teorias eram superiores. Segundo aqueles
teóricos, bastaria uma rápida olhada para as sociedades, capitalistas da
Europa central e para aquelas de contornos tribais formadas por negros
e/ou asiáticos, para que essa “verdade” fosse constatada. A simplicidade
dessa proposição, talvez tenha sido uma das razões de sua fácil propa-
gação. A ideia de progresso, cada vez mais imperante entre intelectuais
europeus, sustentava a relação entre conquistas tecnológicas e desenvol-
vimento humano, pautando um único modelo cultural como sendo o
caminho “natural” para toda a humanidade. A civilização capitalista,
burguesa, branca, androcentrica (que valoriza o homem em detrimento
da mulher) foi, então, instituída como o padrão normal e desejável de
sociedade. Quanto mais distante deste modelo se encontrasse uma so-
ciedade menos civilizada seria.
Esta escala evolutiva não apontava apenas uma gradação de desen-
volvimento civilizatório ela era também uma escala cromática. No polo
inferior, estariam os povos mais escuros, os primitivos (os primeiros
exemplares humanos), no topo, os brancos civilizados. De modo que,
a branquitude ficou associada, até os dias de hoje, à ideia de civilidade.
As flagrantes diferenças fenotípicas e de comportamento entre
os povos com os quais os europeus travavam contato foram entendi-

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 41


das por cientistas da época como sendo mais biológicas que culturais
e históricas. Naturalizavam-se essas marcas de diferenças por meio
dos discursos científicos de maneira a essencializá-las e assim, asso-
ciando genes a caráter.
Cientistas, como o francês George Curvier, investiram muito tem-
po de pesquisa a fim de provar a inferioridade física das populações ne-
gras a partir de toda uma “anatomização” dessas diferenças, como pode
se ver nas ilustrações abaixo retiradas de livros científicos publicados ao
longo do século XIX.
A figura XX (direita) foi retirada de texto científico inglês (1854)
que buscava demonstrar como alguns povos africanos estavam mais
próximos dos macacos que os brancos.
A figura XX, é a ilustração de uma teoria da beleza de acordo com
os ângulos do rosto. Obviamente, os negros eram não só os mais próxi-
mos dos macacos como os mais distantes do ideal de beleza clássica.
Estas ideias influenciaram as elites de muitos países, inclusive o
Brasil, onde os esforços combinados de latifundiários cafeicultores e o
Estado Imperial tentaram “branquear” o país por meio da importação
de mão-de-obra não-escrava e branca.

 
Fonte: http://papodehomem.com.br/vamos-nos-livrar-da-
normalidade-racismo-e-normalidade-parte-3

42 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


Como observa o sociólogo Richard Miskolci:

Em fins do século XIX, entre as aspirações de progresso e os temores


de degeneração racial, a elite brasileira nutria o desejo de criar uma
“civilização nos trópicos”. Esse ideal político, intelectual e econômi-
co contribuiu para acontecimentos como a Abolição da escravatura,
a Proclamação da República e, sobretudo, a consolidação de uma es-
pécie de projeto nacional tão modernizante quanto autoritário. Nas-
cia, assim, o sonho do Brasil como construção futura, desejo hostil
ao seu passado e, fato que pretendo aprofundar, também hostil à sua
população, recusada e temida como parte do que se queria superar.
(MISKOLCI, 2012, p. 11).

Acreditava-se, verdadeiramente, que só com esse processo de apa-


gamento da presença negra tornaria o Brasil um país “civilizado”. Todas
e todos sabemos os custos sociais dessa ideologia que deixou heranças
tremendas na forma de exclusão, do campo dos direitos das popula-
ções negras, a perpetuação de preconceitos e a ideia imperante, ainda
no século XXI de que os brasileiros não são “ainda” “desenvolvidos” ou
suficientemente “civilizados”, justamente porque não conseguiram até
o momento se igualar às sociedades brancas euro-americanas. De ma-
neira que raça tem sido um marcador de desigualdades, atuando como
elemento que justifica hierarquias. O que se reflete na sala de aula, como
será discutido no próximo tópico.
Como aconteceu com outros conceitos tratados aqui, recusa-se uma
definição naturalizada para raça. Dito de outro modo: não se entende o
conceito como algo biologicamente dado. Porém, não é por não existir
como dado genético que a raça deixa de ser socialmente relevante como
operador de hierarquias. É, portanto, um conceito político, pois ordena
relações de poder.

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 43


saiba mais…
A Unesco e o conceito de raça
Em junho de 1950, a Unesco publicou a sua Declaração das
Raças, afirmando já no item 1 deste documento que “os cien-
tistas estão de acordo, de um modo geral, em reconhecer que a
humanidade é uma e que todos os homens pertencem à mesma
espécie, Homo sapiens”. Sendo assim, raça, como marca gené-
tica de diferenciação entre os seres humanos não existiria.
A redação desse documento tem a ver com o contexto do
segundo pós-guerra, quando os crimes raciais vieram à tona de
forma terrível, sendo o mais conhecido dos holocaustos aquele
que atingiu judeus a partir do regime nazista. Mas, não foram so-
mente judeus os vitimados, ciganos, pessoas de pele mais escuras,
homossexuais, deficientes físicos e mentais, comunistas, artistas
foram igualmente perseguidos pelos regimes totalitários, sobre-
tudo pelo nazismo alemão. O que havia em comum entre estes
grupos distintos, segundo a ideologia da raça pura, era justamen-
te a crença que os genes daquelas pessoas as fazia “degeneradas”,
com genes mal gerados, o que afetaria seu caráter e /ou os tornava
seres humanos falhos e, por isso, socialmente perigosos.
Outros genocídios não tiveram igual repercussão, até mes-
mo porque não foram vistos como tal. Por exemplo, aos exter-
mínios das populações nativas das Américas, ao longo dos sé-
culos de colonização. Civilizações inteiras foram praticamente
dizimadas, como Incas e Astecas. Mas também foram mortos
por diversos meios, inclusive pela propagação intencional de
doenças, indígenas que viviam em território hoje reconhecido
como brasileiro. Esse processo de disseminação é persistente,
e no presente se faz sentir por meio da deslegitimação das de-
mandas de povos tradicionais (indígenas, quilombolas, ribei-
rinhos) por direito à terra e a formas de vida desvinculada dos
modelos ocidentais.

44 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


Para saber mais sobre a Declaração da Unesco consulte a pá-
gina: http://www.achegas.net/numero/nove/decla_racas_09.htm
Há também um texto clássico escrito pelo antropólogo
Claude Lévi-Strauss, a pedido da própria Unesco, intitulado
“Raça e História”, que pode enriquecer a sua leitura: http://
charlezine.com.br/wp-content/uploads/Ra%C3%A7a-e-His-
t%C3%B3ria-L%C3%A9vi-Strauss.pdf

2.7 Raça e etnia nos b(r)ancos escolares

Índios adoram Tupã, moram em oca, andam nus, vivem de pesca e


caça e são primitivos, mas respeitam a floresta e vivem em harmonia en-
tre si. Esse conjunto de características genéricas e estereotipadas habita
ainda hoje o imaginário urbano sobre quem são e como se organizam
os povos indígenas que vivem em território brasileiro. Talvez, a maior
parte de dos alunos/as se surpreendam ao saber que em apenas dois
estados da federação não há populações indígenas vivendo hoje (Piauí
e Ceará). É provável que se surpreendam também com o número de
povos: “são 230 povos, segundo o Censo IBGE 2010, 896.917 pessoas.
Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que cor-
responde aproximadamente a 0,47% da população total do país” (http://
pib.socioambiental.org/pt/c/faq#1).
Davi Terena costuma dizer aos grupos de estudantes que visitam
sua aldeia Ekeruá, em Avaí, estado de São Paulo, que “índio é um nome
que me deram. Eu sou Terena”. Completa observando que o termo “ín-
dio” vem de um engano geográfico cometido pelos primeiros coloni-
zadores, quando Cristovão Colombo, ao chegar ao Caribe pensou ter
chegado às Índias, nome também genérico para se referir a certa região
do Oriente (outra generalização). Assim, de generalização em genera-
lização vai-se homogeneizando a diversidade, vai-se infantilizando as
diferenças, “primitivizando” culturas. De modo, que não é incomum
que o dia 19 de abril, oficialmente o Dia do Índio, seja comemorado a

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 45


partir de diversos estereótipos como indiazinhas de tranças, quando
nenhuma etnia brasileira as usa; meninos com pinturas que remetem
aos índios dos filmes de “bang-bang” norte-americanos e o reforço da
ideia de que os índios, além de serem todos iguais, estão presos numa
espécie de cápsula do tempo, em um eterno passado. O que os faz quase
inocentes, “bons selvagens”.

Foto: Larissa Pelúcio

Contudo Grupioni (2001) revela que em noticiários de televisão,


jornais e revistas, a presença dos índios com frequência é mencionada
em situações de violência e conflito, contudo, ao contrário do que isso
pode sugerir, eles não estão acabando. Outra ideia equivocada é que, ao
aprender a falar português e a escrever, ao utilizar produtos industriali-
zados como panelas de alumínio, roupas, relógios, gravadores e filma-
doras, esses povos estariam deixando de serem índios. À medida que
a realidade se transforma, o homem busca novos símbolos que possam
traduzir o significado das novas realidades. O fato de consumir produtos
industrializados, de dominar novas técnicas e novos conhecimentos, não
faz com que uma sociedade deixe de ser indígena. (Tagliari, 2010, p. 158).

46 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


Ser ou não ser indígena é uma questão de autodeterminação e que
tem a ver com identificações culturais, mas do que com traços morfoló-
gicos ou fenótipos, com a ideia de raça e/ou etnia.
Este é um bom momento para fazer a distinção entre raça e etnia,
conceitos tratados erroneamente como sinônimos. “Enquanto raça en-
globa características fenotípicas, como a cor da pele, a etnia também
compreende fatores culturais, como a nacionalidade, afiliação tribal,
religião, língua e as tradições de um determinado grupo” (SANTOS et
all., 2010, p. 123). “Etnicismo, eu diria, define a experiência de grupos
racializados principalmente em termos “culturais”: isto é, postula “di-
ferença étnica” como modalidade principal em torno da qual a vida so-
cial é constituída e experimentada” (Brah, 2006. p. 9). Porém, no Brasil,
os povos indígenas são tratados e percebidos, inclusive no plano da lei,
como “raça”, o que os homogeniza e reforça a ideia de que raça é igual a
cultura, ou, melhor, à falta dela.
Uma vez que se aprende com os silêncios, que “branco” não tem
raça não é costume estranhar o material dos livros didáticos, ao mesmo
tempo em que, ainda há um estranhamento de muitas e muitos em rela-
ção à presença maior de não-brancos/as em novelas, por exemplo. Assim,
o band-aid cor da pele divulgado nas propagandas como uma novida-
de, não soou excludente e invisibilizador da diversidade cromática. Bem
como, muitas pessoas não viram qualquer estereotipia no fato da primei-
ra novela brasileira a ter uma protagonista negra e que não fazia papel de
escrava, chamar-se Da Cor do Pecado (a atriz Taís de Araújo fez o papel
principal de mocinha da trama das 19 horas, exibida pela Rede Globo de
Televisão, em 2004). A cor negra, associada ao pecado carnal, a luxuria,
não pareceu problemática porque aprendeu-se a sexualizar a raça (“Lá
vem o negão cheio de paixão, te catar, te catar, te catar”, anunciava o re-
frão em algum Carnaval dos anos de 1990) ou racializar o sexo na figura
da mulata “que é a tal” ou do negro com seu órgão genital avantajado
pronto a violar moças brancas.
Em livros escolares, até mesmo figuras negras como o escritor Ma-
chado de Assis ou o engenheiro André Rebouças são “branquedas” ou
apagadas. No caso de populações tradicionais, sejam povos indígenas,
populações ribeirinhas, comunidades rurais, só aparecem folclorizadas,

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 47


como alegorias para festividades, como se já não existisse ou tivessem
algo para ensinar. Pior, como se a escola também não os alcançasse, co-
locando diante dessas pessoas conteúdos que não as incluem e quando o
faz não as representa em toda a sua complexidade.

Fonte: <www.xaxado.com.br>

Bem, muitas problematizações foram trazidas sobre temas bas-


tante presentes no cotidiano escolar. Viu-se que, para tratá-los com a
seriedade que exigem, é preciso desafiar certos valores cristalizados e
naturalizados. Para tanto é necessário que se saia do lugar comum que
prega o “bom senso” como panacéia para se lidar com todos os “males”
que as diferenças trazem para a sala de aula, e partir para uma elabo-
ração conceitual mais refinada. Esta exige leituras e uma boa dose de
estudo, de modo que possamos lidar com todo um conjunto de concei-
tos novos, os quais procuram dar maior densidade para os debates con-
temporâneos sobre educação para a diferença e a diversidade cultural,
evidenciando sua espessura complexa, pois é cultural, social, política
e ética, além de histórica. O capítulo seguinte propõe, então, exercitar
um pouco todo esse aprendizado.

48 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


uma parada para a reflexão
Se um índio dirige carro, vê televisão, ele deixa de ser índio?
A partir do contato com a sociedade, uma série de mudan-
ças ocorreu no modo de viver dos povos indígenas. Em relação
a esse assunto, é preciso ter em mente dois aspectos.
Primeiro, que as culturas indígenas não são estáticas. Como
quaisquer outras, elas mudam ao longo do tempo, mesmo que
não seja por influência estrangeira. Por outro lado, é inegá-
vel que as mudanças decorrentes do contato com a sociedade
podem, muitas vezes, alcançar escalas preocupantes. Esse é o
caso, por exemplo, de povos que perderam suas línguas mater-
nas e, hoje, só falam o português. O papel da sociedade como
aliados dos índios, deve ser defender que tenham condições so-
ciais, econômicas e políticas de absorver as novidades que vêm
do contato, da forma como lhes parecer mais adequada.
Em segundo lugar, por trás das mudanças, com ritmo e
naturezas diferentes em cada caso, há um fato fundamental:
mesmo travando relações com os não-índios, os povos indí-
genas mantêm suas identidades e se afirmam como grupos
étnicos diferenciados, portadores de tradições próprias. A
identidade étnica, ou seja, a consciência de pertencimento a
um determinado povo, resulta de um jogo complexo entre o
“tradicional” e o “novo”, o “próprio” e o “estrangeiro”, que
acontece sempre que populações diferentes vivem em contato.
É importante lembrar disso antes de dizer que alguém “já não
é mais índio” porque usa roupas, reza missa, assiste televisão,
opera computadores, joga futebol ou dirige um carro.
Fonte: Instituto Socioambiental | Povos Indígenas no Brasil ,
http://link-da-pagina-utilizada

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 49


3. Instrumentalizando o tema
Este é um momento exigente: tem que se sintetizar as discussões
que foram propostas neste volume. Talvez, para isso, um dos caminhos
mais eficientes seja o de convidar cada leitora e leitor a pensar como essa
leitura pode mexer com a sua maneira de pensar a docência, mas tam-
bém sua própria forma de estar no mundo. Um livro não serve se for
apenas um receptáculo de informações. Um livro tem de provocar des-
locamentos no olhar, incômodos, deslumbre, impaciência, paixão. Esta é
a intenção com o conteúdo apresentado até aqui.
Proposta desta seção é provocar reflexões a partir do trabalho com
estes mesmos conceitos e oferecer algumas dicas e estratégias de traba-
lho. Assim, o início se dá pelo conceito de diferença e as experiências no
ambiente escolar, onde

...historicamente, temos nos pautado pela idéia de que se tratar a


todas as pessoas que por ali passam a partir dos mesmos critérios
formais (avaliações, currículos, práticas pedagógicas etc.) é o me-
lhor método para ensinar e incluir. A escola se pretende democrá-
tica pela lógica da padronização e não pela inclusão das diferenças
culturais em suas práticas, conteúdos e cotidianos. Nesse sentido,
busca-se internamente dar unidade de tratamento a pessoas muito
diferentes entre si, com histórias de vida e inserções sociais que não
poderiam ser contempladas dentro desta visão mais tradicional de
ensino-aprendizagem. (VECANTO, 2014, p. 13)

Como fazer, então, que essa instituição se abra para a diferença?


Não há uma resposta direta para essa interrogação desafiadora, pois não
existem fórmulas prontas para isso, pois estas questões surgem e se resol-
vem contextualmente e coletivamente. Ainda que professoras e profes-
sores possam tomar iniciativas individuais elas só se efetivaram pedago-
gicamente quando incluídas em um projeto abrangente no qual a escola
como um todo (incluindo pais, mães funcionárias e funcionários, assim
como pessoal técnico-burocrático) estiver envolvido. Isso não implica

50 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


em imobilismos, claro, mas em busca por parcerias que possam tornar
nossas intervenções mais amparadas e fundamentadas.
Uma das experiências possíveis para quem estuda com educação
infantil, por exemplo, no que se refere às diferenças de gênero é orga-
nizar as filas a partir de outros critérios que não o que divide meninas
de meninos. A cada semana poder-se-ia adotar um sistema: quem faz
aniversário nos seis primeiros meses do ano fica de um lado e quem faz
nos outros seis, de outro; quem prefere gato fica em uma fila e os que pre-
ferem cachorro em outra, por exemplo. Sim, há o risco de as filas serem
desiguais, mas também se cria as possibilidades das crianças socializa-
rem mais com outras a partir de diferenças que as singularizam, mas não
as desvalorizam. Dessa maneira, novos encontros são provocados dentro
da mesma turma, espaços se abrem para que as próprias crianças sugi-
ram critérios de organização, além de criar um espaço para se pensar na
própria formação de filas como técnica privilegiada de organização.
Gêneros não são naturalmente dados, mas culturalmente construí-
dos. Sendo assim

[...] teríamos que supor que esse conceito é plural, ou seja, have-
ria conceitos de feminino e masculino, social e historicamente di-
versos. A idéia de pluralidade implicaria admitir não apenas que
sociedades diferentes teriam diferentes concepções de homem e
de mulher, como também que no interior de uma sociedade tais
concepções seriam diversificadas, conforme a classe, a religião, a
raça, a idade etc.; além disso, implicaria admitir que os conceitos de
masculino e feminino se transformam ao longo do tempo. (LOU-
RO, 1996, p. 10)

E por falar em transformações temporais, podem-se fazer outras mu-


danças espaciais, além daquelas já propostas com a reordenação de filas.
Mudar a distribuição de carteira na sala deixá-las de lado para fazer uma
roda com toda a turma sentada no chão, pode ser mais do que simples al-
teração de móveis para se tornar, desde que pedagogicamente fundamen-
tada, uma proposta de trabalho mais horizontal, mais interativo, que po-
dem ser válidos para se trabalhar desde matemática a literatura, de língua

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 51


portuguesa a geografia. Mudar a distribuição dos corpos no espaço mexe
com nossas percepções sobre os próprios corpos e sobre o espaço mesmo,
com potencial para levar a estabelecer outras relações com o aprendizado
e entre os seres. Assim, usar outros espaços da escola convencionados para
outros fins para dar aulas, pode também ser estimulante para a turma.
Porém, nenhuma atividade será exitosa sem planejamento, sem objetivos
traçados claramente e passados com seriedade para a sala.
Trabalhar a diferença a partir dessas inspirações pode gerar re-
sultados muito efetivos. Uma das práticas pode envolver geografia e di-
ferenças regionais, com grupos apresentando suas ideias prévias sobre
cada região do país e outro, encarregado de fazer uma pesquisa mais
profunda, oferecendo uma visão baseada em dados fundamentados. A
mesma proposta pode ser adaptada para a aula de Educação Física, cen-
trando-se em danças típicas e em toda uma pesquisa de suas origens, dos
seus significados culturais e sociais no presente, o que daria um interes-
sante link com aulas de História.
Mais e mais páginas podem ser consumidas com sugestões de tra-
balhos. Porém, mais importante do que apresentar propostas dessa or-
dem, é buscar, por meio desse tipo de aula trabalhar os conceitos explo-
rados nesse livro.
Assim, as diferenças precisam ser “des-exotizadas”, procurando-se
romper hierarquias. Instigando nas turmas outras perguntas para reali-
dades que são apresentadas como cristalizadas e/ou imutáveis. Por exem-
plo, a sistemática desvalorização que se fez na sociedade de alguns saberes
tradicionais, como o conhecimento do poder curativo de algumas plan-
tas, de saber “ler” nas nuvens as condições do tempo, identificar cantos de
pássaros associando-os com determinados fenômenos naturais. Assim,
como buscar a revalorização das tradições orais, mostrando que elas en-
cerram conhecimentos ricos, guardam memórias de outros tempos e que
ajudam a entender a própria história tanto quanto os textos impressos nos
livros. Basta que se saiba ouvir a partir de uma escuta mais aberta.
Os materiais didáticos são também importantes fontes de inspiração
referências para professoras e professores. Esses livros orientam o olhar
e moldam nossos valores a partir de mensagens aparentemente simples e
inocentes. Quando, por exemplo, se trabalha com uma cartilha na qual

52 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


a família é toda branca, mora em uma casa de alvenaria, é composta por
pai, mãe e por um casal de filhos e a lição se chama “A família feliz”, as/
os alunas/os vão aprendendo que esse é o modelo desejável, e que nem
sempre ele parece com a sua própria família. Ao desconsiderar outros ar-
ranjos domésticos, eles também são desprestigiados. Assim, vai-se cons-
truindo silenciosamente fronteiras entre o normal = desejável e o anor-
mal = desprezível. Então, não é preciso, necessariamente, adotar outro
material (até mesmo porque nem sempre isso é possível), mas se valer do
que se tem em mãos para provocar outros olhares, outras perguntas, por-
tanto, convocando a turma a falar de suas próprias famílias.
Como fez a professora no exemplo citado mais acima, quando pro-
vocou suas colegas sobre as limitações do exercício que interrogava sobre
a quem pertencia o quarto com ursinho e abajur.
Neste livro tomamos o conceito de “raça” entre aspas, pois é en-
tendido como social e político, mais do que biológico. Como escreveu o
Stuart Hall,

a raça é uma categoria discursiva e não numa categoria biológica.


Isto é, ela é uma categoria organizadora daquelas formas de falar,
daqueles sistemas de representação e práticas sociais (discursos) que
utilizam um conjunto frouxo, freqüentemente pouco específico de
diferenças em termos de características físicas (HALL, 2006, p.63)

Mas, voltando aos materiais didáticos e às formas de como eles po-


dem ser aproveitados a fim de trabalhar de forma mais crítica. Quando
a professora questionou aquela pergunta sobre “este quarto é de menina
ou de menino?” proposta no exercício que usado como exemplo, apon-
tando que estava mal formulada, ela foi capaz de despertar o olhar das
colegas para os perigos invisíveis de uma tarefa como aquela, baseada em
uma percepção homogeneizadora e excludente, que reforça hierarquias,
justamente porque se baseia em um único jeito de organizar a vida, o
mundo, de se pensar a normalidade até mesmo no jeito de se morar e
dormir. A professora foi capaz de mostrar que aquele material didático
vinha carregado de estereótipos e que era pobre porque estava baseado
em uma espécie de história única.

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 53


Como as estórias de filmes infantis de princesas e príncipes que,
além de reproduzirem um modelo único de feminilidade e masculinida-
de apagam experiências diversas de classe, raça e até de regimes políticos.
Em um vídeo imperdível, gravado a partir de uma palestra que rea-
lizou, a escritora nigeriana Chimamanda Adichie alerta para os perigos
das estórias/histórias únicas (ver a referência na próxima seção). Ela con-
ta que foi uma leitora e uma escritora precoce. Filha de profissionais libe-
rais, ela lia avidamente livros ingleses, herança dos anos de colonização
britânica em seu país, a Nigéria. Leituras que impregnavam sua imagi-
nação infantil e a estimulavam a contar, ela também, estórias. Mas como
só lia livros que falavam da realidade britânica, suas narrativas ficcionais
falavam de neve, frutas europeias e de pessoas que nada tinham que ver
com a realidade de dela. Mas era bom poder viajar por meio dos livros.
“Eu escrevia exatamente sobre o que eu lia”, revela a escritora. Essa expe-
riência foi tão significativa que para ela livros eram sempre estrangeiros.
Por isso ficou gratamente surpresa quando descobriu diferentes escrito-
ras e escritores africanas/os e assim encontrou a si mesma nas páginas
que antes só tinham pessoas de olhos azuis e peles brancas. Isso mudou
sua mentalidade, pois aqueles livros a salvaram “de uma história única”,
de ser invisível para a literatura, de não poder ler ou escrever sobre pes-
soas e coisas nas quais se reconhecia.

3.1 Mídia e diferenças – provocando a sala de aula

As estórias infantis alimentam a imaginação tanto quanto forne-


cem modelos morais, éticos e identitários, não só de gênero, mas tam-
bém relativo a outros lugares sociais: como ser uma boa criança; o que
é uma boa mãe ou um bom pai; como deve ser o comportamento como
alunos/as, a ser mulher e a ser homem.
Vai-se aprendendo a ser sujeitos generificados desde o momento em
que se nasce e essa aprendizagem ocorre não somente nas instituições
sociais formais como a família e a escola. Ela acontece também através
da mídia, dos brinquedos, das músicas e dos desenhos animados que
integra este universo infantil (RAEL, citado por BELELI, 2010, p. 65).

54 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


Contemporaneamente, talvez, as mensagens que mais eficazmen-
te atuam como referentes morais, valorativos e identitários venham do
campo da publicidade. A linguagem conotativa e apelativa da propagan-
da é, além de sedutora, ligeira, rápida, mas impregnada de significados,
cheia de signos que permitem, como educadoras e educadores explorá-la
grandemente. Pode-se propor análise de diversas delas para pensar tanto
gênero, como sexualidade, raça, geração, filiação religiosa.
Trazer o cotidiano vibrante e colorido da publicidade para dentro
da sala de aula pode ser um excelente mote para pensar criticamente
sobre pobreza e riqueza, e assim, sobre desigualdades sociais e direitos
civis, além de oferecer material estimulante para pensarmos questões de
gênero, raciais, geracionais, religiosas. A música também pode ser um
eficaz disparador de discussões. A própria turma pode trazer suas músi-
cas preferidas para que, assim, se inicie um diálogo mais horizontal, no
qual também os professores aprenderão com alunas e alunos.
Todas/os os que já se deixaram, algum dia, impactar por um filme,
sabem que magia do cinema pode ser suficientemente sensibilizadora
para motivar projetos coletivos dentro da escola, levando a oferecer uma
educação na qual a práxis seja o motor das ações. Práxis diz respeito à
atividade livre, universal, criativa e auto criativa, por meio da qual o ser
humano cria (faz, produz) e transforma (conforma) seu mundo e a si
mesmo (BOTTOMORE, 1997).
Assim também são as charges, bem humoradas e críticas ao mes-
mo tempo, elas permitem que outras maneiras de textualizar o coti-
diano sejam trabalhadas, possibilitam outras formas de expressão e
comunicação.
Pensando na charge ao lado, se propõe a possibilidade de traba-
lhar com elas de diversas formas, desde em aulas de Educação Artísti-
ca, a inspirações para dramatizações em aulas de Filosofia e Sociologia,
passando por exercícios de matemática no qual se pode construir da-
dos estatísticos sobre as formas como o racismo se expressa no Brasil
contemporâneo.

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 55


Fonte: Laerte

Notícias de jornais e revistas também podem ser excelentes ferra-


mentas para fazer o trabalho mais integrado com a realidade das turmas.
No exemplo que trazido aqui, é proposta para uma leitura intertextual
entre a matéria da Revista Carta Capital e a charge acima.

“Polícia de SP mata 3 vezes mais negros do que


brancos”, diz estudo
27 de Março de 2014 - por Douglas Belchior
Em fevereiro de 2014 um estudo da Ong Sou da Paz noticiou que
os Homicídios são causa nº 1 de morte não natural de negros em SP
enquanto, no caso dos brancos, acidentes de trânsito são a principal
‘causa externa’. Agora são os pesquisadores da Universidade Federal
de São Carlos que vem reafirmar a barbárie racial que vivenciamos co-
tidianamente: A polícia de São Paulo mata quase 3 vezes mais pessoas
negras que pessoas brancas; São os policiais brancos a maior parte
dos assassinos; a taxa de prisões em flagrante de negros é duas vezes e
meia maior que a de brancos.

56 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


Em entrevista a um jornal, a coordenadora da pesquisa, Jacqueli-
ne Sinhoretto, diz que existe um “racismo institucional”. “Não é que
o policial como pessoa tenha preconceito. É o modo como o sistema
de segurança pública opera, identificando os jovens negros como pe-
rigosos e os colocando como alvos de uma política violenta, fatal”.
Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos realizaram
uma pesquisa inédita sobre o racismo na ação da Polícia Militar pau-
lista. Os dados obtidos em entrevistas com policiais, observação das
abordagens e análise de dados estatísticos mostram que os policiais
matam e prendem mais pessoas negras do que brancas.
Coordenada pela Profa. Dra. Jacqueline Sinhoretto, do Grupo de
Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (GEVAC) do
Departamento de Sociologia da UFSCar, a pesquisa analisou Inqué-
ritos Policiais que versam sobre mortes cometidas por policias e que
são acompanhados pela Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo
e ainda dados obtidos junto à Secretaria de Segurança Pública. Além
disso, foram entrevistados oficiais e praças da PM.
A pesquisa descobriu que em São Paulo, nos anos de 2010 e 2011,
entre as vítimas de mortes cometidas por policiais, 58% são negras,
ao passo que na população residente do estado o percentual de ne-
gros é de 34%. Para cada grupo de 100 mil habitantes negros, foi
morto 1,4, ao passo que, para cada grupo de 100 mil habitantes bran-
cos, foi morto 0,5. Segundo a coordenadora da pesquisa, estes nú-
meros deixam evidente a ausência de políticas de segurança pública
para a população negra, que culmina nas altas taxas de mortalidade
por homicídio neste grupo.
Além da produção da desigualdade racial na letalidade policial,
a pesquisa constatou ainda que a vigilância policial é operada de
modo racializado. Em São Paulo, a taxa de flagrantes de negros é mais
que o dobro da verificada para brancos. Também segundo Sinhoretto,
estes dados expressam que a vigilância policial privilegia as pessoas
negras e as reconhece como suspeitos criminais, flagrando em maior

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 57


intensidade as suas condutas ilegais, ao passo que os brancos gozam de
menor vigilância da polícia para suas atividades criminais.
Fonte: Revista Carta Capital. http://negrobelchior.cartacapital.com.
br/2014/03/27/policia-de-sp-mata-tres-vezes-mais-negros-do-que
-brancos-diz-estudo

Por fim, é sugerido o trabalho com dinâmicas, sempre muito mo-


tivadoras e mobilizadoras dos corpos e mentes para a reflexão. Na pró-
xima seção você encontra algumas sugestões de links que trazem pro-
postas bem interessantes e fáceis de serem adaptadas para a realidade de
cada um/uma de vocês.

saiba mais…
Aqui são apresentadas sugestões de dinâmicas de grupo,
além de documentários e filmes e sugestões de livros e textos
que podem subsidiar o trabalho docente e fomentar o trabalho
crítico por uma escola verdadeiramente inclusiva.
As dicas não são exaustivas, há muito mais material dispo-
nível e acessível que cada um pode encontrar a partir de busca
em sites como Google ou Youtube.
É importante que antes de ver os filmes e documentários
vocês busquem mais informações sobre eles, estas estão dis-
poníveis em páginas da Wikepédia, por exemplo, e trazem de
forma concisa dados gerais sobre o material audiovisual.

Dinâmicas de grupo
• Gênero
Gênero Fora da Caixa.
Livro produzido pelo Instituto Sou da Paz. Acesse: http://www.sou-
dapaz.org/upload/pdf/genero_fora_da_caixa_web.pdf.

58 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


• Raça
Portal do Professor. Acesse: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/ficha-
TecnicaAula.html?aula=15375.

• Sexualidade
Educar para a Diversidade: um guia para professores sobre orien-
tação sexual e identidade de gênero. Livro produzido em Portugal para
professores da rede pública daquele país, mas bastante afinado com a
realidade brasileira. Acesse: https://www.rea.pt/arquivo/professores.pdf.

Documentários

Gênero

Quem é Katlyn – parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=L-


Dea0Bp-1E.
Quem é Katlyn – parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=0J-
FEXkuZvnc.
Material produzido pelo jornalista Deco Ribeiro que conta breve-
mente a vida de Katlyn, trazendo diversos questionamentos sobre o que
é ser homem e mulher. É interessante notar a dificuldade que as pessoas
têm para definir esses lugares de gênero.

Por que só Princesas para meninas?


Curta caseiro que mostra menininha questionando o binarismo dos
brinquedos. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=Lpp4Zt4caZY.

Raça e etnia

Olhar Indígena - Daniel Munduruku fala sobre Educação Indíge-


na. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=WSyjdc4QKsE.

O que não fazer no dia do Índio – Daniel Munduruku.

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 59


O escritor indígena Daniel Muduruku discute com suavidade o que
é para ele educar e como se faz isso entre as populações indígenas. Há
muito material gravado de entrevista e depoimentos dessa liderança in-
telectual indígena, alguns bem curtos, mas excelente para sala de aula.
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=XFw01VyNk2k.

Blue Eyes Experience Olhos Azuis


De maneira engenhosa, a produtora do documentário faz com que
pessoas que praticam o racismo, até mesmo sem entender que assim
procedem, são colocadas no lugar de quem sofre discriminações em seu
cotidiano, sensibilizando nosso olhar para as discriminações de diversos
tipos. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=suteEUpPIug.

Sexualidade

Não Gosto de Menino


Depoimentos de jovens brasileiros sobre a descoberta de sua pró-
pria homossexualidade e como enfrentam essa experiência cercada de
tabus. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=ij9baks8i64.

Mistérios da Sexualidade
Da série de documentários do canal National Geographic, exce-
lente para você, professora/professor saber mais sobre o tema. Acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=GFy5GqOt53w.

Filmes ficcionais

Sexualidade

C.R.A.Z.Y
Filme canadense que traz a história de Zac, o quarto filho de uma fa-
mília de 5 meninos e seus conflitos com a própria sexualidade. É tocante,
divertido, sensível, mas não é o material mais adequado para trabalhar com
crianças. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=NRYKnQFtWic.

60 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


Heterofobia: um mundo ao contrário
Como o título anuncia, trata-se de uma sociedade onde as pessoas
“criacionistas”, aquelas que são heterossexuais, são alvo de discriminações.
Mostra-se como desde a infância vamos ensinando às crianças a discrimi-
narem e a temerem estar fora das normas e convenções sexuais hegemôni-
cas. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=YQewUi4dz5s.

Gênero

A Minha vida em Cor de Rosa


Filme belga com linguagem muito atraente no qual conhecemos
Zoé, nascida menino, ela se entende como menina e vivência a rejeição
social relativa a sua experiência subjetiva de gênero. Acesse https://www.
youtube.com/watch?v=CnOAQDrlmxs.

Raça e etnia

Cores e Botas
Curta metragem situado nos anos 80 e que mostra o desejo de uma
menina negra da, então, novíssima classe média negra e seu sonho de ser
Paquita. É interessante mostrar as estratégias que a criança aciona quan-
do é rejeitada na seleção da escola para o papel de Paquita, voltando seu
olhar para outra realidade, sem abandonar seus sonhos. Acesse: https://
www.youtube.com/watch?v=Ll8EYEygU0o.

Textos e artigos acadêmicos

Diferenças e política reparatórias


O Enigma da Igualdade, de Joan Scott. Acesse: http://www.scielo.
br/pdf/ref/v13n1/a02v13n1.pdf.

Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 61


Raça e diferenças no espaço escolar
A (Re)Construção Cotidiana do Preconceito: entrelaçamentos
simbólicos de gênero e raça/etnia em um grupo de crianças de Tânia
M. Cruz Acesse: http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/
anais/3/1307713402_ARQUIVO_enviadoTaniaCruzGT38A_re_cons-
trucaocotidianadopreconceito.pdf.

Gênero e Sexualidade
A Educação dos Corpos, dos Gêneros e das Sexualidades e o Re-
conhecimento da Diversidade de Silvana Goellner. Acesse: http://www.
rbceonline.org.br/revista/index.php/cadernos/article/view/984/556.
Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas, de Guacira Lo-
pes Louro. Acesse: http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n2/a03v19n2.pdf.

Gênero e mídia
Pedagogia cultural, gênero e sexualidade, de Ruth Sabat. Acesse:
http://www.scielo.br/pdf/ref/v9n1/8601.pdf.

Gênero e sexualidade na escola


Na escola se aprende que a diferença faz a diferença, de Berenice
Bento. Acesse: http://www.scielo.br/pdf/ref/v19n2/v19n2a16.pdf.
Banheiros, Travestis, Relações de Gênero e Diferenças no Cotidia-
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62 Material Didático para a Diversidade | Módulo 1


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Concepções e análise do material didático na perspectiva da diversidade 65


autora colaboradora

Larissa Maués Pelúcio Silva

Doutora em Ciências Sociais pela UFSCar, ministra aulas de Antro-


pologia na UNESP – Campus Bauru. Mestrado e doutorado em Ciências
Sociais pela UFSCar. Pós-doutorado na área de gênero, no Núcleo de Es-
tudos de Gênero Pagu, Unicamp. Pesquisa na área de gênero, sexualida-
de, saúde, mídias digitais, teorias feministas, saberes subalternos e teo-
ria queer. Coordenadora do grupo de Pesquisa Transgressões – corpos,
gêneros, sexualidades e mídias contemporâneras/CNPq. Coordenadora
do módulo “Gênero”, nas duas últimas ofertas do curso pela UFSCar.
E-mail: larissapelucio@gmail.com

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