A 'História de vida' é uma ideia relativamente nova no universo do saber,
especialmente na área da sociologia.
História da Vida pressupõe que a vida seja uma história, ou seja, um
conjunto inseparável de acontecimentos de uma existência individual, passível de narrativa linear.
O senso comum descreve a vida como um caminho, um percurso, uma
estrada com suas encruzilhadas, ou ainda como caminhada, trajeto, passagem. Essa ideia de unidirecionalidade corrobora tacitamente a história de vida como mera sucessão de eventos históricos, com sentido de narrativa, indistinguindo historiador e romancista. Faz-se, com frequência, romance em detrimento da biografia.
Termos utilizados por 'biografos comuns', como “desde o início”, “desde
sua mais tenra idade”, “já” ou “sempre” (sempre gostei de música) apontam para a noção sartriana de “projeto original” = desenrolar da vida segundo uma ordem cronológica que é também uma ordem lógica, desde um começo, uma origem, princípio, razão de ser ou causa primeira até seu fim, que é também um objetivo, uma realização teleológica.
A narrativa biográfica tende a se organizar em sequencias ordenadas e de
acordo com relações inteligíveis. Entrevistador e entrevistado têm de certo modo o mesmo interesse em aceitar o postulado do sentido da existência contada. Em outras palavras, sua preocupação é a de atribuir sentido, encontrar a razão, descobrir uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistência e uma constância.
Questionamento da vida como existência dotada de sentido = abandono do
romance como estrutura narrativa linear!
Robbe-Grillet: 'O advento do romance moderno está diretamente vinculado
a esta descoberta: o real é descontínuo, formado por elementos justapostos sem razão, cada um é único, e tanto mais difíceis de entender porque surgem sempre de modo imprevisto, fora de propósito, de modo aleatório”. “Tudo isso é o real, isto é, o fragmentado, o fugaz, o inútil, tão acidental e tão particular que qualquer evento aí aparece a cada instante como gratuito e qualquer existência como, afinal de contas, desprovida da menor significação unificadora”. (18')
Habitus = Qualidade ontológica; modo como algo ou alguém tem uma
coisa ou característica. Este é o princípio totalizador de práticas e representações humanas. Com Habitus, pode-se dar conta desse 'eu' cuja existência devemos postular “para dar conta da síntese da diversidade sensível intuída e da coerência de representações em uma consciência. Mas essa identidade prática só se entrega à intuição na inesgotável e inapreensível série de suas manifestações sucessivas, de modo que a única maneira de apreendê-la como tal consiste em talvez tentar apanhá-la na unidade de uma narrativa totalizante”.
Nominação: identidade social constante e duradoura que garante a
identidade do indivíduo biológico em todos os campos possíveis nos quais ele intervém como agente. O nome próprio, junto com a individualidade biológica cuja forma socialmente instituída ele representa, é o que assegura a constância através do tempo e a unidade através dos espaços sociais de agentes diferentes que são a manifestação desta individualidade nos diferentes campos (o empresário, o deputado, o prefessor, etc.) MARCEL DASSAULT O nome próprio está fora do tempo, do espaço e do devir: permanece para além de todas as mudanças biológicas e sociais, e assegura ao indivíduo “constância nominal”, o sentido de identidade de si mesmo, exigida pela ordem social.
(aging paradox)
A narrativa da vida varia em forma e conteúdo conforme a qualidade social
do mercado no qual será apresentada – a própria pesquisa contribuindo para determinar a forma do discurso veiculado. As biografias oficiais deverão se estender para além das situações oficiais, e possivelmente incorporarão dados inconscientes da entrevista (como a preocupação com a cronologia, e com tudo o que seja inerente à vida como história). Outro fator a interferir no resultado de uma entrevista é a distancia objetiva entre entrevistador e entrevistado, conforme a capacidade do primeiro em 'manipular' esta relação. Além disso, deve-se considerar as particularidades do entrevistado, que, se pessoa pública, já carrega experiência de situações equivalentes; assim, o entrevistado já constitui uma determinada forma de apresentar-se, maios ou menos sabedor de sua condição de entrevistado, e as implicações desta entrevista.
Tais posturas conduzem-nos às más interpretações dos processos sociais
que estão em jogo: compreendemos a 'história da vida' como Trajetória, como 'uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente em um espaço ele próprio em devir e submetido a transformações incessantes'.
Os acontecimentos biográficos definem-se antes como ALOCAÇÕES ou
DESLOCAMENTOS no espaço social, mais precisamente, nos diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição dos diferentes tipos de capital que estão em jogo no campo considerado. “Isto é, não podemos compreender uma trajetória (ou seja, o envelhecimento social, que ainda que inevitavelmente o acompanhe, é independente do envelhecimento biológico), a menos que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ele se desenrolou; logo, o conjunto de relações objetivas que vincularam o agente considerado ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e que se defrontaram no mesmo espaço de possíveis
Dessa forma pode-se fazer uma análise apropriada da Superfície social
como descrição rigorosa da personalidade (estados sucessivos do meio e do indivíduo biológico).