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Ella Shohat

Robert Stam

Crítica
da imagern
eurocêntrica

tuÌulticultu ralismo

e representação

trad u ção
Marcos Soares

COSACNAIF/
---*7.ê einem a tercei ro-rn u nd i st a

No mornento cüì que as grttnds rlciis ocidentais ja foiam contados e Íecoil


tados arl ìr;Jwútum. qua;rdo uni certo pós-rncd.ernisrrc (L;;oia1{) fala rle unr
"f;ni'das metanir:ia'rives e quando Fukuyana croclaila o "fim Ca história'ì
precisamos nos pergrlntài: nrecisa:nelte a narratjya de cuern e a história clc
quem estão senclo decÌaladas findas?14 Europa hegeÌnônica de.ze claiamentc
ter comecado â esgoiË seu repertório esfatégico de histórias, rnas os pov()s
do Tercciro Ìvlundo e as "minorias" <io Prirneiro Ìvlundo - rnulheres e homos
sexuais - iìpenas comecaram a contá-las e a desconstiuj-las. Para o Terceírti
Ìtrlunclo, csta'tontranarracão" cinenatográfica basicainer:te começou colÌt ()

col;rpso dos impérios euiopeus no pós-guerra e a eraergência dos Estados na-


cionais inclependenies do Terceiro Ìvlundo.'zNo fina1 dcs anos 6o e início dos
7o, na esteira da vitória lietnamita sobre os franceses, da Re.rolução Cubar-rrr c

.\ despeito do ceticismo acercs das "metmarrativas'lL1'otard declmcu,se a favor da (ìucrrrr


do Golfo ern urn nanifeslo coletivo pubiícado na jornal Libéralloz, aroiando assim íntlj rL'

tamente a metanarrativa de Bush sobre una "Nova Ordem N{undial'i


Havia, é claro, filmes implicitamente mticolonialistas anteriores a esse período em paíscs
como Índia, Egito e Mé:rico. Muitos Âlines latino-americanos celebravm heróis'nacioniris
mesúços, comc Tiradertes no Brasil, e Martin Fierto na Argeniina. No entanto, esse s fìlnrcs
não esta\.am aÍticulados aos movimenlos anticolonialistas en si-
ì

,l.r rrr,l, l','rrrlôn, il rlir Argúlir,a irleoiogia do cinernaterceiro-muÍìdistaestava das tradições cinematográâcas comerciais antecedentes; a tendência nos anos
r rr;l;rlil;r(l:r ('rìr lllìÌiÌ sóric cic ensaios miliiantes - "Estérica cia íome" (rç6:) tie sttbsecüentes Êoi a rìe enfativ.nr frìmes c nrêrrrrcôrÊs nrcinners ínnr cvom-l^ l
l-.-r_--_--.\Ì-.-l^-..,rlv'
(il,rrrl'r'r liotln,"llaciacltcrcercine"(rg6ç)deFernandoSolanaseOctal'ro Kamal Selim, com ,Ei Azíma, no Egito; e Dhirenciranaú Ganguly, cam Bílet
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f Ítí LrLtlunu AcLuItt(u, tg:r, ilé. tlÌuta,l c as \.ezes pala I€cuperar,
,1,', l,rr,r,,ors e rnrrrrifèstações nos festivais de cinema do Terceiro Mundo cha- mesmo que através da paródia, tradiçôes populares consagradas. (As ressur-
rr,rrrtlo l)iìr'iì urììr.r revohtção tricontinental na política e para unÌa revolução reições críticas de Bunuel de gêneros populares como o melodrama e a co-
lt
r':,111tir.r: .; nrL-r'::1i..'c. nt írx:n3 dc fj::re.3 Dsntro :ia ccncepçãc de uina pciítica .""-;:-
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rrrtiie ai rios rÌutores, Giauber Rocha convoca para um cinema'<ie iome" feiro mâis tarde seguirio por ciiretores como ArnaiiÍo Jabor e Raui Ruiz.; E mesmo
,1,"'Íìlrrrcs fcios e tristes", Solanas e Getino, paia os documentários de guer-ri- que HoÌlywcc*fosse-visto-conÌo-uìn ãntãgonista poiítico, a antipatia por seus
llr;r rrrilitantc, e Espürosa, paÍa um cinema"imperfeito" nutrido pelas formas f,1mes nunca foi total. Para citar âpenas dois exempios, a prii:reira crítica de
"lr;ri.r,rs" tl;r cullura popular.
Glauber RocÌra é sobre urn tãrocste de iohn Sturges; Carlos Diegues era fã de
Ìirutrora de um certo modo os "novos cinemas" do Terceiro Nluncio te - King Vidor c John Ford.
rrlr;rrtr sui-tido na esteira dos "novos" moviÍnentos europeus - neo-realismo, r\ptis o períoCo "eufórico" do cinema Co Terceiro Mundo, os primeiros
tt,tttvclla vLTgue -, sua política estaya bem mais à esqueráa do qr,re a de suas mrrnilestos começaíam a ser criiicados, posições foram modificadas e atua-
corrtrapartes eu{opéias. Os manifestos de 196o eryTovalarjzâvant um cinema lizadas, enquanto a prítis cinematográfica evoluiu parâ um sern-número de
rrllcrnativo, independente e antiimperialisia mais preocupacio com provoca- dileçõres. Neste e no pró:imo capítulo, examinaremos urna série de práticas I

çuo e miÌitância do que coür a expressão autora.l ou coÌn a satisfação do pu- aÌternativas produziclas no Têrceiro À{undo e por diietores pertencentes às
blico consurnidor. Os manifestcs contÍastâvasÌ este novo cinerna não apenas rninorias. Não buscamcs realizar um "Ìevantamento minucioso", ao conirário,
I

com HolÌi'lvood, mas também com as traCições comerciais de seus próprios nosso foco drigiu-se a Ílmes específi.cos que exemplificarn estratégias de des- ì

i
países, que eraÍn vistas como "burguesas", "alíenadas" e 'tolcnizadas'i Assim iaque com especial clarcza e perspicácia. As práticas de resistência inscritas
como os diretoies da nouyelle vague investiram contra Ie cinérna de papa,tam- nesses filnes e üdeos não são homogêneas ou estáticas; elas variam no tempo,
trém os diretores do Cinema Novo no Brasil, por razões tanto edipianas como de região para região, e de gênero, indo do drama épico de costumes ao docu- I

po1íticas, rejeitaraÌÌÌ as chanchadas de entretenirnento e os épicos de costumes mentário de baixo orcaÍnento. Suas estratégias estéticas laiiam do "realismo
em estilo europeu proCuzidos por estúdios colro a Vera Cruz; assim como progressivo" e do desconstrutivismo brechtiano ao pós-modernismo van-
muitos jovens diretores egípcios negaram a traCição "Holl1wood no Nílo'; e guaídista, tropicalista e cle resistência. lvluito mais do clue exaltar uma única
os cliretores do "novo cinema" da Índia, como Satyajit Ray por exemplo, rejei- estratégia ou estética'torreta", abordagem alheia à nossâ perspectiva poli-
taram tanto a tradição hollywoodiana corno a tradição cornercial do musical cêntrica, apontaÍncs para modalidades e estratégias múitiplas; é o repertório
de Bombaim, preferindo o modelo do filme de arte europeu" Em resumo, os dessas abordagens, ern toda as suas diversidades e mesmo em todas as suas
"Novos Cineinas"parecem ter sido extremamente bjnaristas em sua rcjeição contracliçoes, que eostaríamos c1e analisar.

3 Os vários festivais de cinema - o de Havana, dedicado ao cinema Ìatino-americano; o de


(ìartago, ao cinema árabe e africano; o de Uagadugu (Burquina Faso), aos cinemas de abor-
i

356 clagenr africana e afro-diaspórica - deram maior expressão a esses moümentos- 357

l
I
R.eescrevendo a história colonial dependência. Na esteira da revoluçáo de 1948, a indústria cincrtlrlolir;ilrr,r
L:-^^^ -^1^L-^,, ^ ,;rx-:^ .,- Ã1*^- ^^^^ D^À nâ-'Òv ^- C...6 I),..
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LriürLrd LLtLULUU
O colonialismo, para Fanon, "não corresponde apenas ao aprisionamento de Victory of the Chìnese People ft95a).1'âEmitai, do diretor Sembene, rtli'tt' l,
uilr lJvvv f[...1.
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Pa)òduu uu ao mornento reiativamente ïecente da resistência senegaiesa ao coitlttirtli:;tlr,'
polro e o distcrce, o desfigura e o destrói".a Diante do historicisrno eurocên- francês durante a Segunda Guerra, e em especial à recusa das rnulhct,'s.'tl
trico, os diretores do Terceiro Mundc e das minorias reescreyeram suas pró- repartir o afiozpara suprir as necessidades dos soldados fïanceses-'11111lrritrt
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Ìi;ta5;i;sru:-r;s, :u;:.!;;:*u i,:iuìa;i3J xi;JË;;iJ
u;5 -,'Á--i^. i::i:;nüu
",'^ LUIiI su3S de Serrrbctrc, o Êimc Camp tie Triaroye aburcia uma rc'r:eiiã.r ssrlteìitat,it, ,1,'
próprias vozes. Não que tais fiimes subsrituam as "mentiras" européias com soldados senegaleses que se recusam a aceitar scldos menores que os cìos s, rl

uma verCade pura e inquestìcnávei, mas oropõe:-o'tcniral-erdarles" e "con- dados frairc-e5èJ;rtausã peìa quãi'fcràti maSSaerãdós sem piedade.
tranarrativas" infon'nadas poï uma perspecti-ra anticolonialisiâ, r€cupeÍanCo No Egito, nos primórcios da rel-clução <ie 1952, fimes co:no Yascot tl l:;1,'
e reícrçando os e.r'enics do passado em u:n amplo projetc de rernapeamento rrar [Abai:ro c iinperiaìisrncj (rçS:) de l{ussein Sed]d, -Fj tsaitina 1ìrrlrrl lllrrr
e rencmeaçác. hornern cn1 Ìlossa ca.sa] (196r) de Herui Baialçai, e Kjio Tlssa wa Tlssalnc lt.)rr r

Esta reescrituia occíÍeu dentro de uma espécie Ce rnoldura de dois tem- lômetr<l Sç] (tclS) celebravam a participação popular na história anticokrn i;r I

pos: a ieescrltuia do passado inevitav-elmeaie reesci3ïe c píesente. Enquanto Out:'os Iìlrncs celel:ravara a ajuda financeira dos árabes aos palestinos: Srtrttr',r
filrnes históricos revisionistas camo Jericó e Q'.LiIonbo, ccroo já lbi l'isto, desa- SinrrIA gì]:ota negra de Sinail (r95S), de Niazi Mosiaia,e Ari' el Salnm l'l'*tt
fiaram os valores eurocê:rtiicos dos primekos aros Ca colcnizacão européia, c1e pa;rl (rçss), dc Kamal el-Sheikh. O ccmproraisso de lìasse: com a lLtl;r
outros filrnes ÍeescieyeÍâm eventos mais recentes. Sarraouniç (1937), de Ìvled antìcolonialista tambérn fci reiletiio no retïatô síropático da iuta pela irrtlc
Hondo, naría a história de uma mulher africana no final do sécrúo xrx cüe pcndôncia claArgéliano ff,meJalníIehal-lazaìriyya []a:niiadaArgélial (rçslt),
liderou a resistência contÍa os fianceses e salvou seu pclro Co colonialismo. um filme cujas cenas de tortura <1os fianceses e de solidarieiiade dos argclitl.:'
O filme do cineasta filipino Eddie Rcrnerc, Ganito Katni Noan, Panno I<,ayo antecipam a obra Ce Pontecorvo,4 batalha deArge!.
Ngeycn [Antes estávamos assim: corao esiamos agora?] (1976), trata do des- Nluitos rios Êlmes do Terceiro rVlundo conduzem a umâ luta etn tlttrt:r
pertar da consciência nacionalista de un fiiipino pouco antes da guerra con- fì cntcs: estética e política, combinando a hìstoriografia revisionista cont it itrt '
tra " El Coraie del Pueblo
a Espanha (i97i), de Jorge Sanjinés, reercena drama- vação formal. Lucía ft96g), <ieliumberto Solás, rejei:a a ficçáo convenciottitl
ticarnente um massecre de rnineradores de estanho boli-riancs em 1967 com en Íãvor de uma estí'üiura tripartite complexa, com cada episódio ambicrr
os próprios mineradores participando como âtores. tado em um período hisiórico diÍbrente (colonial, 11c95; revolução burgrtcs:r,
Uma série de filmes foi feita simultaneamente às lutas anticolonialistas, 1933; pós-revolução, década de 196o), cada uÍn girando em torno de uma trtr:
dos filmes da Frente de Libertação Nacional (rNi.) na Argélia, passando pelos lher chamada Lucía (uma aristocrata crioula; uma moça da ciasse méclia trr'
filmes pró-Fidel dr-rrante a campanha contra Batista, aos Íìlmes da rnBr.rrto bana; uma trabalhadora rural), e cada um em um gênero distinto (meloclmrrrrr
em Moçambique, e ainda o trabaiho da Cooperativa de Filrne e Vídeo Rádio trágico viscontiano; drarna que següe a onda existencialista e política no csl ilo
Venceremos e do Instituto de Cinema de El Salvadoí. Outros filmes foram BertoÌucci; e farsa brechtiana). E cada um com um estilo visual proprio (cs
realizados com o privilégio da percepção tardia, após a consolidação da in- curo; acizentado; iluminação vibrante). A idéia é mostrar como a intcrprt'
tação histórica é inseparável da mediação estilística. Saleil O (r97o), clc Mc'l
,1 Frantz Fnon, The Wretched of th,e Earl,à, Nova York, G:ove Press, 1964, p. zro. Hondo, mistura ciocumeniário e ficção, sonho e dança, em un poétìco c:xtrt
'-r{ÉGK!

, r..rì ìr ) ( l{ r ( ( rl( )n i;ìlìslììo. ,A^ssim como }/asl lndìes (ry79), do mesmo diretor, crucial de Abatalha de Argel foi inverter as focalizações típicas do fiÌme oci-
IrlrlrÌr( ('rr((rìirrrrrrir<lpcrlcinemaiográficaeÍiì-úmnal'ionegreiro,ehamando ,lenta] e de aventura irriperialista. Ao in-rés disso, Pontecorvo utiliza meca-
,i .rl( tìi,:Ì() i.rÌr:l 1Ì oPrí:Ìssão e a resistência durante cinco sécuios de domina- nismos de identificação ern favor do ccionizado, apresentand.o a luta argelina
,, ,r, , , r ,'voltl. Sol/rs tambérn usa técnicas operísticas paÍa contar a história de como urn exempì.o inspirador Para outros povos em situação semeihante.
rrrirrr'rros cÌrilcno.s La cantúta de ChíIe OSZ).1á Reed: México Insurgente
c11t Às seqüências do filme, uma após â outra, oferecem variações audioüsuais
(rr;,,.;),:1,.. i'..iil I,cdr:c,.oxta a hr.sfória
d.a revolução.rnexigana de maneira a sobre as idéias de Fanon, começando pela conceitualização dualística de um
ticr;r'rrrrsiruí-ia i-efle:iivanente. ï-Ìma série ie fimes mescla documentário e espâÇir urbai.o sccial:il-:::ie cindidc. As toma<la.s cue associam o subúrbio à
Irr'r,;itr, rrtrrrra variação poÌíüca sobre o estilo consagiada danouvelle vague.La cidade lrancesa conirasiaÌ-ri a cidaie ìlunrina,fa dc coicnìzador - rras pala-
l't itttcrt Cttrga aI fuInchete (g6g), de NÍanuel Octavio Górnez, reconstrói, por úat de'Fanoru*s 1çi{3{s-aÌ*ndnnte,. ser_ena, com a barriga [...] cheia cie
r'xc:rrpìo, a batalha Ce r86.c contra os espanhóis em Cuba no estilo de um do- coisas boas" - com a cidade local como um "lugar de mortos de fome, habi.-
e Lirlcntário conternpcrâneo, utilizando pelícda de alto contraste, câmera rìa taclo por pcssorìs c1c reputaçio dcmoniaca'lÚ A iinha divisória entre esses dois
rr:io, entrevistas diretas para a câmera, luz nafuraÌ, e assira por diante. nr.. nclos, para o fiime e para l'anon, e formacla pcr aianìe farpado, barracos e
A batnlha tle
LIm dos nruitos filmes que retratam lutas Ce independência é
lìostos clc polícia, onde "o poÌicial e o soldado, intermediários cficiais e ins^
Aryel, de GiÌlo Pontecoívo, que: emboÍa tenha sido dirigido por um italiano titucionirliziclos, são os portâ-vozes do colonizador e de sua iei de opressão".
(em colabciação com os argelhos), é totalmente imbuído do espírito crítico Os tratamentos contrasiantes inceütivâÌn a empatia coro relação aos argeli-
cler Fanon. O filme, urna produção comerciaÌ sobre as guerras de ìibertação nos. Enquanto os franceses sác apresentados em seus uniíormes, os argeiinos
anricoloniaìisias quase contemporânea a elas, põe em cena a gueÍra de in- vesteÍn roupas civis do dia-a-<iia. Para os argelinos, a câsbá é o lar; para o
<lependôncia da Argélia conira a França, uma bataiha que duÍou de 1954 a francês, é um posto avançado de fronteira. No f,lme, a iccnografia do aiame
196z e que custou à França mais cie zo mil vidas e, pâra a Argélia, mais de uin farpado e dos postos de controÌe, o tópos cinematográfico Câs ocupações na-
milháo e meio. A batalha Ce Argel oferece um contiaste marcante aos filmes zistas na Europa, incitam nossa sirÌpatia por uÌrta luta contra um ocupante
íranceses e americanos ambientacìos no Norte da África, nos quâis os árabes estrangeiro, o europeu.
formam um complemento cenográfi.co passivo às valentes expiorações de Em grancle parte dos filmes europeus arïìbientados no Norte da África,
heróis e heroínas euiopeus. Seja francês (Pépé le üIoko,ry36) ou americano os iirabes e:istem apenas como ur,r murmúrio ìnsignificante, um balbucìar
(Marrocos fMorocco],ry3o; Casablttnca,ry4z), os filmes exploravam o Norte incornpreensível. Em Á batalha d.e Argel, ao contrário, os personagens argeli-
da África sobretudo corno lugar exótico para drauras românticos ocidentais, nos, embora biÌíngües, geralmente íalam em sua língua materna (com legen-
um cenário dotado de coqueiros e vagarosarÌÌente atravessado por cameÌos. das para as platéias européias) e possuem dignidade lingüística e cultural.
Elesilustram corn perfeição a descrição de Fanon sobre a visão imperialista, Ao invés de serem figuras secundárias, pitorescamente primitivas - ou na me-
segundo a qual "o colonizador faz [a] hrstória; sua vida é uma época, uma lhor das hipóteses hostis e ameaçadoras *, elas estão em primeiro plano. Nem
Odisséia', enquanto contra ele "criaturas torpes, desperdiçadas pela febre, enigmas exóticos nem imitaçÕes dos franceses, os aigelinos existem coiao
obcecadas por valores ancestrais formam um pano cie fundo quase inorgâ- povo dotado de poder de açáo histórica. Sem caricaturar os franceses, o filme
nico para o dinamismo inovacÌor do mercantilismo colonial".5 Uma inovacão expõe a iógica aniquiladora do colonialismo e fomenta nossa cumplicidade

36o 5 Ibid.,p.5r. 6 Ibid., pp. r8-q. 3ó1


do colonizadoÍ coÍÍLo a expressão sistegtril it rr ''
com os argeliaos. É pelos oihos deies, por exemplo, que testernunhamos a ca- opressáo, e coloca a violência
minh*ada rie ura .rebelde ccndenado à niorte pâïa ssa execução. É de dentrc . ,-^li-^,1^ rct-áçtadO
lo r:m cìcletra '--'"o----'
lüIiiIjzaúú
da casbá que vemos e ouyimos as iropas e os helicópteros íranceses. Contra- A seqúência em três argeiinas se (üsíarçar4 de européias a fim tlc P,rr,
o.ue
.^^--l:--^ ^ -: L-.-r J -.. ,, e plarria.r bonil;as üo setÚr ÈúÍÜPeìi é pariicirl.,r
sar peios posios de coniloie
-:^*^-r^
iiar-Ì-reiìIe -^
ao Par-auigma üCiúeilt-an. CeSIa Vez e O cOlOnÌzaOO que eSIa CeTCACO e
contiavenção dos padrões tradicionais tlt'
aiireaçado por aqueles com quern fomos instruícios a ier empalia. Ao encajxar rnente subversiva, ao operâr uroa
iinpressionados com a honestidirtlc tlo
a história da derrcta temporiiria dos insurgentes da rxr. dentro da história identiììcação. lvluitos críiicos ficararn
iriu:líc f;ai:, a propria cs;i';ïüiá sc A Luiurìn de Arcel cria a ini-
n:.;ro^- dc sc:r rilreror crtt ttl<-rsit ar Ús alúr tcíÍoiisi;s d'1 Fìií cc;:;la c;-':s';
ci:;i;rln cst:: :;t
pÍessão da vitória inevrtável óos coionizados scbie seus colonizadores. Seus "obietividade". N{as o fato <ie que o frime mastre tais atos d, t'tt t
qüência pof sua
são mostfíl.d(ìs: ()
gritos vibraates, surgidos como que do nada, e a torrente de pessoas que iotarn uitima iustâ-nciri, mé.rlõSÌlngorta:rirrloq'or o'"rnodo como
iìlt'
do Qiie a ruancit rt
,,Ì,:
as Ceraonstrações orguìhosas de solidarledade reaÌçam a futiliCade da tenta- signiÍicaclo dtr Ciegesis (atos terioristas) é meüos importante
tiva francesa de derioiar todo uin oovo deterri:ìnadc a se libertar. de projctar c o prtsicionar::ento do esoectaior
o filme nos lel-a a desejttr .yt"
Él-i

lri Ernbora A bata'lka àe Argei esieja centrada superüciahnente no perso- as mulhcrcs cornplet;ni sua tarefa-, se não peia simpaiia pclitica conscjcrtlt'
I'i cinenatogr'ájìcrt: rr
1l
nagem Ce,Âli-1a-Pointe, o filrne na verdade tem uri prciagonista coìetiyo: o ao lrtenos pclos nteclnìsmcs esrecíficos da identificação
i.-'ri povo argeiinc. Aii é apresentado como urna figura típica, urn produto caracte- escala (torlr.das crr clo"sc-up individualizara as mulheres); c áudio ao fìrirtlt,
rístico do cotronialismo que Ìuia para scbrevi-rel aié que se tra::rsforma devido (ouve-se, c1apcrspecti..ra a,udiii.ra das mulheres, os comentários sexistas tltrr;
à participação efii uma causa política. Apenas um entíe tanics iíderes, e1e faz soldaclos lmriceses); e piincipaboenie a ecição do ponio de vlsta. No trrtr
parie de urna organizacão, a rNl, qite por sua vez é susientada pela multidão mento em cluc irs t-nulheles plantam âs identiicacão do especlatlt'r
boríbas, a

de argelinos. O fi1ne subscreve uma estética popuìar de esquerda na qual a é tão conrlrlctì que a audiência não se chcca nem
Ínesrnc conr uma sél'ic tii'

iuta histórica não é narrada por esirelas ideaiizadas e personâgens heróicos, close-s dc umr clrs vítirnas
potenciais da erplosão. A éfueção do clhar dividc s,'

mas peio movimento Ce massa. De íato, c fi-ime desenvolye urca dialérica entrc os clo-.cs cla arSelina de suas vjtimas francesaS, engendrando e pcrttll
e
caíé que ela ntrtt rt
constante entre o individual e o coletivo: certas peïsonalidades são evidencia, banclo a iclentiÍìcação com o francês; embora os pâtrões do
das apenas para retornar ncrramenie à multidao, scjrm lrurnanizacios pelos close-ups, o fi1rne já é preparado pâíâ que o esl)e('
os motivo:;
Os inimigos - neste caso, os franceses - são apresentados coino simples taclor sc sinta fa:::iliarizadc com aperspecti.ra da argeiina e corn
e os mecanìsmos lbrttt:rir;
seguidores de ordens, e não como os trogloditas cÌássicos dos Íilmes anti- pariÌ umâ tal missã.o. A contextualização histórica
nazistas. O coronel Mathieu não é desajustadc ou r;raniaco; ele é charmoso, câusam um curto-ciicuito na rejeição reflexiva ao terrorismo'
articuiaclo, honrado, sincero sobre a realidade da tortura, e "lacionaì" em s'úâ outros artificios também peéem a cumplicidade do espectador. A tlis|tr
a ação das mr-tlltctt'r;
defesa. Ele representa em última análise a racionalìdade de um sistema, a ló- sição narrativa desta seqüência dentro do filme apresente
gica inerente ao coionialismo. Ambos os lados são mostrados como aptos à como o curaprimentc da promessa inicial da FNL eÌ-ì] respondeÍ ao botttbrrr'
c()tìÌo
generosidade assim como à crueidade.Ambos são humanamente (mas nunca ceamento <ia casbá. Tudo conspira para retratar o bombardeamento
uma nlittot i,r
tragicamente) imperfeitos. Aìém disso, Pontecorvo resiste à tentação do me- uma expressão da raiva de toco um povo em vez de c desejo de
lodrama ao problematizar a questáo centra-l: o colonia,lismo. &Ias a recusâ ao uma tarefa po1ítica refletida e relutantemente empreendicla tto lug,rrr
fanática,
o ilprt rrt I t '
meÌodrama não significa uma renúncia à tomada de posição: de fato, o filme deuma ação impetuosa eríáticâ. Desse modo, Pontecorvo seqüestla
meios de conttttr it rr
362 endossa a rerrclta violenta da rNr como uÍna resposta legítima e necessária à de.bbjetíúdadi'e as técnicas-padrão de reportagem dos
çã<r de massa (câmera na nãqzooms fteqüentes, teleobjetivas) paÍa expÍessar mesmo tempo, nos damos conta do absurdo de um sistema em que as pessoas
visões pcÌíticas que seriam c alátema da mídia dcmina.lte. A inagem tecni- fiÌeíecem respeito scmente c,uando se Daïecerì e agem como européias. O
camente degradada, quand.o oposta à imagem refinada do filme convencio- fiime ciesmisiifica assün o rnito colon iaÌista francês da "assimilação", a iCéia de
nai, torna-se signo e avaiisra da'huteniiciciacie'l para a imprensa <io primeiro que uÌn círculo seleio de argelinos bem-coinpcrtados pod.eria ser "integradi'
Mundo.'terrorismo" significa âpenas violência contra o sistema, nunca o ter- à sociedade francesa em um gesto de pÍogresso e emancipação. A mensagem
rorismo de Estado ou os bombardeamentos aéreos sancionados pelo governo. do fiIme é que os argelinos têm a capacidade de assimilar, sim, mas apenas ao
ìvías n butaiha de Aryeí ri*tstra a üoiênciã"aiìticoionialisia corrti u:na resúusi-a preúü dJ se õ;sí;zc; i: quc hcl ícr calc:ls-i:iica:::e:-:i: a:'g=!i..w
i{l
tud.c - ser.
ao terror colonialista: nas paÌawas de Fanon,"a violência do regime coloniaÌ e cabelo, suas roupas, sua religião, sua iingua.
ill
'II a conlraviolência io nativo equilibram um e outro e respondem a um e a ou- O s sokiado s*frarceses-1,-a*ram os-a-rgelino s com de sprezo e susp ei ta dis -
rll
I tro em ulna hornogeneidade extraordinariarnente recíprocd'.i se no primeiro criminatórios, mas recebem os europeÌis com amigáveis bonjowrs. O sexismo
iïl
ilt &{undo a repressão coionial é em geral vista como uma respostâ ietaliatória à dos soldados Ìeva-os a tomff as três mulheres como francesas e a cortejá-las
;l "subr,-ersão esquerdista']Á barc.Iha de Argel inverte esia seqüência, revelando a quando de fato elas são argelinas e revolucionárias. A batalha de Argel assi
ili
ll dimensão poÌítica dos eventos. nala assim os iabus de desejos raciais e sexuais na segregacão colonlal. Como
rll
Amise-en-scèrxe, enquantc isso, cria outras variantes anticolonialistas, por argelinas, as mulheres sáo oÌ;jetos da cobiça tanto miÌiiar quanto racial; elas
ljl
exemplo sobre o fópos clássico cinematográÊco e pictórico de muiheres se são publicamente desejadas pelos soldados, no entanto, apenas quando estão
ti
vestindo em frente ao espeiho. Na iconografia oci<ienta.l, espeÌhos são com fantasiadas de francesas. Elas usa:n seu conhecimento dos códigos euÍopeus
ll
freqüência insirumenios da vaidade ou da perda de identidade. Àqui eÌes são e pÕem seu próprio "visual" e a "visão" dos soldados (que faihan em e!-xer-
iit uma ferramenta revolucionária. A luz destaca os rostos femininos enquanto gar) a serviço da açáo reyolucionária. (O mascaramento também serve aos
elas rernovem seus véus, cortam e penteiam seus cabelcs e aplicam maquia- guerrilheiros argelinos, que se vestem como mulheres paÍa esconcler melhor
gem para perecere:ïl mais euiopéias. Elas se olharn ao espelho er:qualto se suas armas.) Segundo a psicodinâmica da opressão do escravo, o colono co-
vestern com a identidade do iniraigo, prontâs para desempenhar uma tarefa nhece a mente do opressor, ao pxsso que o inl-erso não é verdadeiro. Em A
nacional' rrras sem qualquer sentimento vingativo aparente contra as futuras batalha de Argel, ao manipular conscientemente estereótipos étnicos, nacio-
vítimas. Enquanto em outras seqüências as argelinas usam o véu para enco- nais e de gênero a serviço de sua Ìuta, elas usa:n essa assimetria cognitiva em
brir atos de violência, aqui elas usam roupas eurcpéias para o mesmo pro- seu próprio proveito.
iil, pósito. Hassibâ, antes vista em trajes árabes tradicionais com o rosto coberto Ao mesmo tempo, seria um erro idealizar a política sexual de A batalha
li poÍ um véu, talvez em um contexto ocidental fosse recebicla inicialmente de Argel As mulheres no filme executam de forma incondicional as ordens
.il
como um símbolo de exotismo, mas aqui ela logo se transforma em agente dos homens revolucionários. Elas certarnente âpaÍecem como heroínas, mas
ui
em umâ situação de transíormação nacional onde se mascaraÍ como o co- apenâs até o ponto em que desempenham seu serviço para a"nação'i Em ú1-
lonizador desempenha um papel crucial. Enq'anto a seqüência prossegue, tima análise, o filme não se volta parã a natureza dupla da luta das muiheres
tornamo-nos incrivelmente íntimos das três mulheres; porém tornamo-nos em uma revolução nacionalista, mas ainda assim patriarcal.u Ào privilegiar
próximos a e1as, paradoxalmente, quando elas atuam corno européias. Ao

8 Em r99r Pontecorvo retornou à Argélia para íaz er o frIme Pontecorvo retltrns to Algíers, qu.e
364 7 ibid., p. s8. fiúa sobre a evolução do país durante os vinte e cinco anos após a f,lmagem de Á batalha > 365
aÍÌigiram a revolução aqtes e depois da vitória. A representação nacionalistl
lr Lviqõv.rr
uL rcr:-enì e r:nida.le ccnïa com -a -__-D-___
imasem Ca-"
---
mr-r-!-heres revolucionárias

precisarnente porque sua figura deve evocar urn etro fraco, a cisão de unrrr
revoiução em que a unidade cm íaçc do coioriizador uão il-rçede a exisiênciir
de contradições entte os colonizados.t0

_. i- a-----
A e$tcarLa ua twtrrc

Urìia caritctttístha-ma;rifesta do cinerna.do Terceirc ìvlundo dcs anos 6o c


Zo eriì a tentativa, ao mesrno iempo teórica e prática, cie fcrrnular u:na estú"
tjcir e um rnodo cle produçãc adequadcs à siit:ação econôrnica das nações tio
'Ierceiicr tV[unclo. A batalh.a de Arge! custcu 8oo mil dólares, um orçamc.nt()
relativrr-ncntc bai;ro para una produção de Primeirc }r{undc, mas os cineastirs
-{erceiro N[undo erain muitas vezes obrigados a trabalhar com orçamentos
do
bem inferi<;res, mesmo compaiados a esie ní.rel relaii.'ramente modesto clo
lilme de Pontccorvo.ìÌ No início dcs anos óo, os diretores io cinema novo
brasileiro cìcfèudcram o cue Glauber Rocha, erÌì um íaraosc manifesio, che-
A estratégia do disfa rce: passando pelo controle em A batç a Arc el.
Ih de
mou cle "estótica da fome'i Rejeitando o li:-xo relativo do cinema comercial
anterioi', csses diretores constiuíram'ãlegorias de subdesenvolvirnento" cine
a luta nacionalista, o filme suprime as tensões de gênero, de classe e de toínaran a própria "uin signiÊcania] nas palavras
re- matosráficls e escassez clc
ligião que âtravessârarÌt c pÍocesso revolucionário; não é capaz deperceber, Isinail Xzrvier,'t clo mesmo modo que a tradição juCaica alegórica transfornrorr
ilas palavras de y'.nne trlcClintock. q'e'bs nac:onalistas sào cesde o o exíiio em emblemas de honra. Em uraa siinbiose entre temiì c
início a escrlvidãc e
consiituídos sobre o poder de gênero" e que "rnulheres cue não são autoriza- mctoclo, a falta de recuísos técnicos foi transformada em uma expressãro mr:
das a se organtzar cuianie a luta não serão autorizadas a se organizar
após a
lutdle As tomadas finais das argeÌinas dançando com a bandeira da Argéiia
em p'nho e fazendo troça das tropas francesas, superpostas ao letreiro'.2 Prra uma discussão maìs ampla sobre A batalhtt de Argel, ver Robe:t SIa:li.,The BttttlL' r'l
de
Algìers: ThreeWomen Three Bombs, Nova Yorh Ìvlacmillm Fiìms Study Extract, 1975; c rrrr
juiho: Nasce a nacão argelina'l mostíam uma murher "grávidal alegoria J<

do Nldlen,Filmguide to The Battle of Alglers, Bloomingon, Ìndiana Univeisity Press, r-e75.


"nascimento" da nação argeiina. Mas o
fi1me nâa trãz as contradições cue ll Para maiores detalhes sobre a produçáo de A batalha de Argel,ver ]oan ÌvIellen, Fll mgt.Litlr li
Tne Battle of Algíers.Mel\en reveia que Pontecorvo pensou em chamar lVarren Be iìtty l)iu ir

interpretar o coronel ÌvIaúieu, uma escolha que teria tornado o filme maís caro e aLralarir
> de Arge!. o f'7me aborJa tópicos como o íundamentalismo islâmico, o status subordinado
sua historiciCade escrupulosa.
das mulheres, o véu etc.
L2 Ver Ismail Xaf,er, Allegorìes of Underàevelopment, disserÍaçâo de douiorado, 1982, r\rtti
9 Anne NIcclintock, "No Longer il a Future Heaven: women and Natioralism in south Arbor, University of Michigan Micro{ìlms, r984" [Em português:Álegor!as do subtlesenvofui
366 A{rica", Transítíon, n_ 51, p. 1f,o, 1991. mento,Sâo Paulo, Brasiliense, r99i.l
l.rÍr'rlit lr tl,. Íorçrr; iÌ tìÌis(rriiì, rrls tlc ( iiilcs [)clenz.c, lìti..clcvacla a urnit
1'11111y1115 a produção de HoLllwood da produção cinernatográÍica do'I'elce.íro fi'Iunclo
(^sl riuìlì;r l){)sil ivi(iiì(Ì(.': I
' i _ - 4rUò <^
^-^^ uu.
c.{Js
( ) ( lirc.* Nov., l. bnscar umir linguagem apropriada pârâ as condições Tanta vìda.s seca-ç como Ás vil.has da ira são romances naturalistas (publi-
,.,.,,.,i-.:,.,, I ...-- -_t- l-'r.
lìr( \ iiì ìiis .ic rìì-'ì pJts r-rL' iurLUrÌu I!ÌuÍìdo, capaz cie iransmitjt.uma yisào cons_ ca<ios com apenas um ano de diíerença) que trâtam do mesmo assunto: seca
I rtrtivir c <lesajienante da experiência socia-i, subverteu as hierarqulas buÍocrá.
e rniglaçáo. Assim como as estiagens poeirentas levam os |oad de Oklahoma
licas tla prod.ção convencional. para Glauber Rocha,"nossa originalidade
é para a CaJlfornia (do Leste para o Oeste), as secâs ncrdestinas levam Fabiano
,,,.,.., íì,,-^" .rrrJrri--sr;io:.-iii;45;igràüii'cr
.:r'.:d.L{- Âr^- *^."_^ ^--,-- :- -i ,i istLiririiaLiiJaËxDr.cssáo"esi.ética e sua farrfia às'citia<ies ao Sui do BrasiÌ" Em amhas as obras a üajetória de
cir fome', NeÌson Pereira cios santos halìa utilizad.o essa estética em vidas se-
uma única família concentra o destino de milhares de migranies oprimidos.
(:ír.s' ur.Ìr filme sobre a pobreza no árido
Nordeste brasileiro. vidas secas enfoca Erí um-cálo,ìS-õpïe3soÈTìão -mpEsãs,õ a$ioíè$ócio e a especulação
ã5-
o campesinato' grupo que desde os tempos neolíticos repÍesenta a pcpuÌação
imobiliária; no outro, são os pronriet;irios de tería e seus capârgas. Há con-
rrirrjoritriria do pl2ngir, üìâs que cüase nr:nca está represeniado no cinerna o
- trastes, assirn corno similaiidades, ertíe os reÍatos sociais dcs dois romances.
ci'e Íãvorece a classe média do Prineiro &Íundo tario como .sujeito quanto
{)s akies de As vìnhas rla ira podem ser uro grupo de optimiCos dentro dos
Lr)nìo il)leÍìocutor.
EUA, r:las etr: teirnos globais eles sãc relaiivamente ricos. Os Jcad têm um ca-
As circunstâncias difíceis em cúe os cineastas do Terceiro Mundo traba-
rl'inháo cainCo aos pedaços e alguns artigos de necessidade básica; Fabiai:o e
lham são bastante desconhecidas de seus colesas do prlneiro Mundo. Além
sua famÍia têm apenas seus pés machucadcs e uln pequeno baú de posses. Os
dos baixcs orcâmentos, das ta;<as d.e i:aportação sobre os rnateriais e dos pcdem não ser totaimente letrados, mas sáo filósofos caseiros
okles e Ìoquazes
custos de produção, eles também se confrontam co:-n mercados mais Ìimita-
que d.-iscursam com eloqüêncla sobre as babiliCades Ce sobievivência e o jcgo
l
d.s e menos ricos.
Além disso, precisam corapetìr com os filmes estrangei- c1e cintura do pcvo. Os camponeses iletiarios de ltidas secas, eÍn contrâsie)
ros lu-tuosos e de orcamentos aitos qre são'despejados" sem ceri:nônias i
em têm u:r tênue donínio da Ìíngua, mesno a fala<ia, comunicando-se apenâs
se's países. Essas diferenças na produção ineütaveÌmente se reiletem tanto
por gestos, grunhiCos e monossíiabos. Os okles, poitânto, estão melhor equi_
na ideologia como na estética dos fiknes. A "fome" caracteriza nãc apenas
o pados pala resìstir. Enquanto Tom loacl está armaclo com ccnhecimento e
tema e a estética de viãas ierds, mas também seus métodos de procução.
o consciência de cÌasse, Fabiano iem um ressentimento prìmitivo e um impulso
custo da producão totaÌ foi de z5 mil dólares, enquanto cutro filme corn uÌla
inartículado para a revolta.
temática semeìhante, As vinhas da irn, {eita 2j anos ântes, custou três vezes
Vìãas secas transporta para o cinemâ um romíÌnce em terceira pessca e
nrais. vldas secas náa podia arcar com uma estrela berr' remunerada para
o de "esti"io indireto Ìiwe" - ou seja, um moCo de discurso que começa em ter-
papel principal, e assim a pobreza perde um tanto do glamour associado
à ceira pessoa ("ele pensou") e depois sutilmente modula paÍa uma apresenta-
figura cle Henry Fonda. De fato, a distância enire a adaptação de
]ohn Ford ção nais orf menos dìreta, mas ainda em terceira pessoa, dos pensamentos e
do roi:nance de steinbeck e a adapiação de Ne.rson Fereira dos santos de vl-
sentimentos do personagem" O discurso do romance de Graciliano Ramos,
das secas é a distância que separa a caliiórnia das áridas terras brasileiras, e como o do romance Mnclarne Bwary de Fiaubert, é bastante subjetivado; o
materiaÌ verbal é articulado através dos pontos de vista dos personagens, den-
13 ver Giììes Deleuze' clnena Two: TinLe Image,tradtzião pua o inglês por tro de uma hierarquia de poder que passa de Fabiano para sua mulher Vitória
Hugh TomÌinson
e Robert Galeta, Minneapolis, University of }Íinnesota press, p. rzz,
1989. [Em português: e depois aos dois filhos e até mesmo para a cachorra. Graciliano projeta-se
Cinemn :: A ímagen-tempo,ïrad. dc Ëroisa cre Âraújo Ribeiro, são pauro,
Brasiliense, r99o.] de maneira ernpática para o interior das mentes e corpos dos personagens 3óg
que são bastante diferentes de seu autor; sua píosa nos tïaz para dentro do driblam o reducionismo biclógico típico dos românces naturalistas, em que os
f:^:-^
^^- lfJfLU -:^ òLuè
^^,.- yLlrurldËLlrr /E* slrl +n,re Àa lÀ"ro -1- ,{ntr afé perscnâgens tcÍnaiiì-sc iïâricneies passivas de urr d.eiert:j;risriro impiacávcl.
içr uL \!rr: "h

rnesroo a cadelê Baleia de visões de um além-mr:ncio eanino.) No final, o mo- O filme Vidas seco.s é urna "leitura" altamente sensível Ce urn clássico, mas
nóiogo interior em esiiio in<iireto iiwe oesaparece em fâvor tio diálogo direto. tirmbém oferece uma contri'buição especifcamente cinematográfica. O estilo
As disputas internas de Fabiano com a ii:rguagem são abandonadas; temos literário de GraciÌiano, especialista em transrnitir sensacÕes fisicas e experiôrr

conhecirnento âpenas de sua incapacidade de articulação. ìvÍas o filme de fato cias concretas, é transforaado em écrìture cinematográâca" À fotografia é sccir

conservâ um tipo <ie disiribuição democráiica ria si.iÌij"iiviciaúc, ccrir, o foco corno a uaisasem" Üe raro. o oireror rie rotngraf a. do ilrne. Luiz Carllrs
e ciltra

í)assanCo Ce Fabianc paraVitória,para os dois filhcs e então para a cachorra Barreto, foi aclamado pcr tei "inveniado' uma luz apropriacia ac cilema [rr;r
aira';és de diversos registros ci:rernatográficos. De mareira c1ássica, e mais siÌcir<-r:ïircirpãt-ièTãgar Ëe-ïõízo úlï-,r,-at-ú de ener$ia us:dos e::r HoÌ11.,,voc,tl
ób-ria, o Ê-bne usa a edição do ponio de vista paia €st-ruillíar a identiÊcaçãc. e na Eurooa paia preercher áreas ccm sombra em lccações diurnas com ÌLi:,r
LÌi::a seqüência alterna tomadas da cadela Baleia vigia::do e arfando com era alto contraste, elc trairsformcu a necessidade em.;irtuie cinenatográíìcrr,
iornadas de roedores que caminharn apressada:nente peia casa. O f;l::re tam- sacrilìcanclo, poi: c.temolo, a exposiçãc iotal erl favcr das silhuetas de ílsums
bén constrói pontcs de vista sr:bjetivos por meio do rnol'imento de câ'inera: hunanrs contra panos de fi.rndo ba:lhadcs de soi, cora a luz re!:zindo nir rij

iocraCas enì ângujo bai*;o e.iocam a experiência de tra';essia do sertão feita ieção tias ler:tcs da câmeLa, e urutus ilum;naCos por tiás er:ipcleliados ertr
por ur,1 r:renino; um girc vertiginoso da câ:rera sugere â queda por tontüra árvores estluclóticas. Em outro monento. a luz a:irbiente e:rtia-;asa através rlsr;
do fr-ino rnais novo. Ouiros píccedinìentos narrativos incluern a e:'çosição grandes jlnelas e portas Cas casas coloniais. Para contornar a aecessidacic tÌrr
(urlra tomada de suletexposiçáo, ai.rejai:te, d.o soi cegando e enicnt€cendc carissitno 1rjlhc tubular usado em Holly-,nrood, u::ra trênu]a câilera na ntrio
:l
i
personâgerjÌ e espectador); a angulação de câmera (a câniera se inclina para transmite ri inobiiidade precária da odisséia peio sertãc. Ao nesmo tengrlr,

:
acompanhar o raoü:nento de ca-heça Co menino); e c foco (a visão de Baleia na csteirrr cio trabalÌro Ce Figueroa em Os esquecídos (Los Olvidaclas,rg5o), rÌc
sai de foco cuando Fabianc a irncbüiza, como se a cachcrra estivesse enieiti- l,uiz lluriueÌ, o cineasta evita a estetizacão da pobreza.
çada por seu dono). Iror outro Ìado, a utilização inteligente da trilha sonora nos fornece unr
Do rnesmo modo que emAs vinhas da ira,Vidas -.ecas eÌabora a analogia c:<crnplo de "r:so estrutural do som" (na er-pressão de Noei Burch). Os sorrs
entre s"'rcs humanos e animais - característìca da fìcção nalurajista e própria não-diegéticos do ranger das rcdas de una carÍoca que acompalharn os crú
do biologisr.ro e do sociaiismo darwinista do século xrx. O ilteressante nâs dikrs c1o Êlme são transformados em sorc diegético iogo em seguida, quiurtlrr
veisÕes tanto do romaílce como do f'úme Vidas seccs é que a metá1-ora eaerge verrÌos a entrada de um carro de boi em cena. Em outÍo panto, o ranger clir
não nas passagens descritivas, mas nâs paìawas dos próprios personagens, de carroça mcdula, em uma espécie de "trocadiiho" auditi-ro, c som (diegéticr;)
um modo inusitadamente divergente das con'renções naturalistas. Fabiano de urn r.iolino sendo arranhado. Ao longo do curso do ÊÌme, o som do car.ro
e Vitória quel-ram-se constaniemente de serem fciçados a vir-er como ani- boi torna-se uma espécie de sinédoque auditiva do Nlordeste, tanto por sr!iì
cle

mais. Dorrrrir erí urn colchão de espuma tona uma inipcriância enorme para denotação (o car;-c de boi Ìernbra o âiraso tecnológico da região), quanto lì()r'
e1es, pois isso representa o ideai de não r,ivel mais como urn animal. Eles são sua conotação, uriì som estridenie e maçante que constitui urna estruturir tlt'
conscientes de sua incapacidade de se comunicar por meio das paÌawas, mas agressividade. De fatc, a tomada de abertura áe Vidas secas jâ insinurr urrr;L
quando Vitória mata seu papagaio para coflier, ela se justifica dizendo: "Ele certa agressividade em direçáo ao esoectador. Uma câinera lacônica gl'rÌv;ì o

370 nunca falou mesmol Assim, Graciliano Ramos (e Nelson Pereira dos Santos) andar serpenteante de quatrc figuras humanas e um cachorro por unn p:ri
--:-r":a@GW!

Ìj

.t

neastas do Terceiro Mundo


forarn construildo um cinema anticolonialista
r.rl,t,ilr irlri:,t,,1,r- lirr:r :r1:ir;xinìaçãll ienta Sugere A distânCia cÌrliUfâ] entre OS
'iitante na fcrma do docttmentário. Os uitimos airos dâ década de 6c fçram
classe méCia' Ao mesrno
l,, r',r,n.rll('n:i ,lo r'uttrpo e o cspccta<ior urbano de
1,.Ì rrl,r J, ir olorriÌrrçii() r)()llco convencional da tomada (que dura quatro minu- centrais para o cinema revolucionário' A descolonizaçác generalizada pare-
l,r
lir',) .rrl',rcr lt' o t's1,ce t:rtlor a náo esperar o andamento veloz que caracteriza os cia sugerir a revolução ein iodos os trugares do Terceiro Mundo, enqnâ-nto os

lrlrrr,.,r rl,.'ì'rrtr rtcrrirncnto'l A incorporação mimética do tempo vil-iCo da vida molimentos re',roLucionários do Fdmeiro Mundo prometiarn a derrocada cio
sistema inperialista de dentro'ão ventre da besta'. Ao mesmo tempc, a forma
irrrte <lc signiÍìcado <Jo fi.ime- A.experiência do
rl,, r :rrrri,tri{s 1;r;: espectador
.,, r,i', i i,oi i. ir j juiiic''!ic3idíaicdi', ccrn.- a iins nerscnagens.
r r r r
de frime doriririanie e ahcge:-c::ia !:+ii;rorc':üaiìa eqtavâiÌì ssndc lr-.'.eaca-
( ) r.ìncnrr tlo Prirrieiro Mundo, nas raras ocâsiões em que se refere aos das por toda parte. () <iocumentário vanguarclisia iriiiiianie era üiìi prcdut<;
| ;rrÌll)()rìcscs,geralmente os representa de forma sentimentalizada como rn- ÌalatterÍstico desfeg,eríoúe-ta:nto-no-P;í'me-iro corno no'Ielceiro &Iundo.
lirrr;rs lrrtssivas cu co]]ìc exemplos de pureza pãstcril' Vídas secas, ao invés E se eústem duas vanguardas, a forrnal e a teórico-política,Ì4 então o filrne
rl
:l
rl,.' t:onÍcrir sentimentalismo âo tema por meio é.o pathos e do drama'
reirata argentino La Hcra de Las Horncs, de Fernando Solanas e Octar"io Getino,

iìl)ctÌiì{ os asl-aectos mais cotidianos dos acontecimentos em um mundo em ceítamenie rneÍcè um dos pontos aitcs desta convergência.'A luta para medir
'lrl
tlrrc rr-ruito pcuco "aconteco'. No lugar de rudes poetas transcenCentais, de- poder com o inimlgoi escrevem Solanas e Geiino em "Rumo a um Terceirc

clilhando r.ioias e ex,bindo a sabedoria rústica do sujeito simples, os peÍso- Cinema" é o "sclo d,e encontro das vanguardas política e arrística engajadas
rl
em uma tarefa comuÍn que é enriquecedora para as duas'lt5 Fundindo radica-
Íìagens se movirnentan em s!1a YeÍdâdeiia incapacidade Ce articulação' sua
I
lismo político e inovação artistica, Lo Hora de I'os Horncs reü're o sieniâcadc
guerra única com a iinguagem. Ao contrário de fazer deies irítimas exempÌa-
histórico do terrno dvant-garde (vanguarda) no sentidr: da rnilitância tanto
li
res de uma injustiça quase metafísica, o fiìrne apenas nostra cs Deísonagens
ii política como cultural , aa trazet à superfície a metáfora militar escondida nc
,tl como seres cprimidos pela sit'uação social. Fugindo até mesmo da trarna ne-
t,
terino - a imagem de um contingente avançado fazendo o reconhecimenio de
l
lodramática e das marcas emotivas de muitcs filmes neo-realistas,Vidcts sectts
um território perigoso e ì:rexpioraCc. O Êjme ressuscita a analogia da cârnera
não permite nenhüma espécie de nostalgia pastoril de um tempo e lugar mais
I

coÍno arma, cairegando-a com um significado revolucionário preciso. (A arte


simples e não nutie qualquer atitude mística ern relacão à terra'
,,ii

toÍna-se, comotrValter Benjarnin faiou sobre os dadaÍstas,"um instrumento de


Nas condiçoes ideologicas e materiais do início dos anos 6o,Yidas secas
balísticdl) Ào mesmo tempo, a linguagem experimental do Êlme de Soianas
repÍesentou um modelo possível: orçamento austero' improvisações técnicas'
e Getino está indissoLuvelmenie casada com seu projeto político: é a articu-
um estilo minimalista de enxertos bressonianos e agressividade vanguardista
.

1ação de um com o olltro que produz o significado do fihire e que corrobora


sobre uÍna base neo-realista. As platéias populares, no entanto, não estavam
"a sua relevância.
l exataÍnente ansiosas pâra ver sua própria pobreza na te1a. O fiIme, e estética
ques- É nessa luta exemplar de duas frentes, mais do que na especificidade his-
da fome', dei<ou sem resPosta a questão do prazer do espectador' urna
tórica de sua políiica, que Ic -FIorn conserva uma litalidade parcial como
tio a quaì retorniìÍeÍnos.
I

O Terceiro Cinerna e os documentários militantes 14 !er Peter Wollen,"The Two Avart-Gardes", reimpresso em Peter WolÌen,Reaàíngs aru) Wrï
li
tings: Serniotíc Counter Strategies, Londres, Verso, 1982.
I
Enquanto Pontecorvo recolocaYa eln cena a guerra da Argélia pela indepen- 15 Ver Fernando Solanas e Octâlio Geiino,"Towards a Third Cinemalem MicÌrael Chanm
(org.),Twenty Fíve cf the New Latín Anerícan Cínema,Londres' BFr" rg83. 373
dência e Nelson Pereira ilos Santos registrava a miséria do sertão' outros ci-
Years
i

il

i
modelo. Os eventos subseqüentes, se é que não desacreditaran Por cornpletc destinamente em cooperaçáo com guerrilheiros militanies. Situando-sc rra
I cl
rD--È:-^ãâ6+ã ô'- s- Horo, disortta atrevidamente ccm â heqem on ia f :r qlo
oeriferia ria rreriferia. I
as anallses pollllcas uu 11ll]ìË, au rll€ìruò aò
-- lçlallvlz4léilr.
-^!-,:-i-^-^* rdLr!41:L
do rnodelo dominanie do "Primeiro Cinerira'como d.a poìítica de rrutor:cs
todo lugar áo gtobo, c final dcs anos óc rep::esentou"a hora das fogueiras", e
("seguiido Cirrer:r-i'i, p,ropolrdo eiri seir iugar o "Terceiro Cilemd': in<.icircl
La Hora de los Hornos, um prcduto üpico desse períocio, tbrjou a expressão
dente na produção, iniìitante na política e experirnental na linguagem" Corlo
incandescente desia l-ibração. Nesse mor:iento, a revolução tiicontinental,
urna celebração poética da nação argentina, é "épico" no sentiCo clássico asr;i r rr
sob a égide simbótca de Frantz Fanon, Che Guevara e Ho Chi Minh, era
- -^"--: j L- -:-*.- -- "--:^
Cii;rrulrú5!rrrruulrilrrrr.iiariu)lrwrrrLuirvurrrrriqllridUiüPtu
----.-.:-i:i...-..r':-...-.-.-
entendi<ia co:nc iininente - espeÍava-se ryre aconrecesse na próxima viracia \!uPtCrr$sCòLrrlill

in- testemuniros. comerciais de rv, iotograhas) em u-m trâncedo historìcalrte rrtr'


diatrética. Porém, sob a violenta investida d.e aineaças et(ternas e repressãc
rico. Uma síriteseciirematográfica--'eam-esfi:atéças que vaiiara do didatisnro
terna, as chamas revolucionárias minguarai-n até virai cinzas, e grande parte
progressista à estilização cperaii'ra * o fi,i:ne "bebd'li-v:emenie ia vangurtrtl:r
Co Ter;eüo Niun<io se acoÍlodoÌt nas expectati.ras meCíccies de ui:na era de
e do estttblishtnent; vai da ficção ao tlocuinentário; do cioen:a verité ìt p'rt>prl
neoliberahsrno e progÍât::âs eustercs do ruI. Na Argen.tina, Percn - a úi-
ganda. Eic assimiÌa e arnplia o trabalho de Eisensiein, !-eliol-, tr'rens, Glittlrcr,
tirna esperança tanio por parte dos revcìucionários ccmo Ca elite - retornou
do exí1io apena.c pffa morÍer pouco tejÌìIlo iepcis. Seus }:erdeircs políiicos Birri, Resnais, l]unuel e Godard.

en.;etedararn para a direita, até que o goloe instalou um iegime que rnaiou
A caiacterístìca mais admirár,-e1 de La Hora é seu caiáter aberto. Nlas e rr

quanto a "abcriura" na arte evocâ a plui'issignif,caçãc e una multiplicitll,lc


ririlhares de pessoas -- um Ílassâcre regisiracio ern fil::ies corao A htstórin
calculaCa cic lcituras iguaiìiariarrie:rie legiiimaias, o fil:ne é gritanicurcrrlr'
of cia! (La Hjstoria Aiìcìnl, ry86), Las Ìvtadres de la Plaza de w-Íalto (:937) e Ia
inequívoco, e até propaeandísticc. Suas a:::bigÈida<ies Ceri.iail mais clus vr
lmigA OSSú. Em seg';ida houve o ietorno a um peronisino díasticâÌnenie
cissituclcs t1'.r liistória do que das inienções dcs autores. O caráter de abcrtrrr:r
rnoiificado (liberal) à la Nlenem. Em vez t1e sel surpreendida pela revolução,
junto con Ic Hora de Los Horttos) foi embosca<ia eÌll uin do filme está en outro Ìugar, e alles de tudo e::i seu pïocesso de procluç;r,,.
a Argentina (e, e1a,

equíl-oco histórico. Oriundos dr tradicional esquerda euiopeizada argentfira, Soianas e Gc[ìrro r;.'

dispoenr a firzer um clocuínentáric curto de orientacão socialisia sobre a cl;r:;:r,'


La Hora ce Los Harnos é construído ccÍto um ensaio po1ítico tripartite.
operária. Durante a eï-neriência da filmagero, no entanto, eÌes evoluem crr t
A primeira parte, "Nieocoioniaiismo e violência", mostra a Argentina como rIi

reção a uma posição peronista de esquerda. O processo de piodução, crrr ,,rr


uma amálgama de influências européias: "or:ro inglês, máos italianas, livrcs
franceses". Uma série de "Notas" ('A violência cotidiana'.
'A oìigarquìil "De- tlirs palawas, inÍiuenciou e alterou sua própria trajetoria ideclógica enì iìiìl)!'(
tos que nem mesmo os autores po<ieriam pre-reL (Náo é necessário coltcot,lrrt
pendência") explora várias formas de opressão neocclonialista. A segunCa
com a natureza específica desta inflexáo para comoíovar que ela é rerl.) I Írrr'r
parte, "Um ato pela liberação'l se subdivide em "crônica do peronismo'l que
vez conscientes sobre a natureza tênue de suas 'teriezas" iniciais, os
cobre a gestãc dc Perón desde ry45 até sua deposição em 1955, e "Crônica rla
cì i rt'l r r t r':r

abrem seri projeio às críticas e sugestões da ciasse operária argentì:trt. Sol'


resisiência'l que detalha a luta da oposiçáo <iurante o exílio de Peron. A tel-
,r

pressão desta críiica, o filme sofre uma série de mutlanças. Ao invós rlc pi' t ,
ceira parte, "VioÌência e llberação'l consiste em uma série aberta de entrevis-
rr r

cena opiniões preconcebidas, afeitura do filme requer e une questiolt:ttttt'rrlrr


tas, docur:rentação e tesiemunhos.
e pesquisa. O curta reformista torna-se um manifesto revolucionririo.
Enquanto desperta a metáfora militar adormecida no teÍmo avant-garde,
La Hora também "abertd'na sua própria estrutura textual. lirtt 1'ottl'r,
La Hora tambérn confere literalidade âo tÍopo do underground' A proàuçâo é

realizou-se nos interstícios do sistema e coniÍa o sistema, poisJoi filmada clan-


chave o filroe levanta questões - "Por que Perón caiu sem lutarS'l"l:lc rl,'t', r i.,
-T1
i

lr'r o p11y11!" e propõe que a platéia as debata, interrompendo a


,u nrir(l() permeável à história e à prática - atraindo co-conspiradores e não consu-
l,rrrl( r,.r{' l,.rr,r ,r rlisct:ssão. Ëiii úiitLú riiúrlrniú, ús a-úr'üt'ei pe'Íem rìiatçÍiai midores * eie. -we7 de Ëehar-se h.ermeiicamenie pâÍâ a wida. Âs três partes
r;rrl'l{'rìì('rìtrìr, solicitando a colaboracão na escritura do âLme. O "Êm" do fi-lme mais irnportantes do fiime começam com aberturas (citaçôes orquestradas,
. l- --_-j-:^-\ -,- - òuËciÈi[
rrl('rt,r rnì lct.lrarnento ao convidar a platéia a ampliar o texlo e a responder srcgân' e gIltL]s uc curllrLruò,, Lluç ".,^^-^ quc or csPeÇraüüres
^--^.r-l^_^^ nao !lcÍaiiì
'Aqorir cirbe ir vocês imaginar conclusões para continuar o filme. Vocês
.r ,'lt': 'tsÍiiÍum show", mas participar de uma ação que se desenv-olve no que os
ti r r r rr lr.rsc'l O clcsafio foi literalmente aceito pelo publico argentino, pelo me- autores chamam de "esnaço liberado" e "território descolonìzado'l O ccmen-
. . .: ,',ì, i^ Uq ;:í;-:.:a
^---;=- urrrb.*u ji+.-1...-;,-:.. --.- ;-^*-^-.- .uiiri
___-
rì.ì\ ;rla. ;r (ltlíÌ(ilrríì acrbar cotn o e-xperimento lailú larduü ^.- cÕLriLw uirtrL.i:.*-r ^......^j^;^-
*U Jf,PiLL;;i;l i-;iriij-iã
lirrrlrrrrntt-r algrins teóricos <iizem que o cinei:ia possibiÌita apenas o debate relação discursiva. a ae<iicatória oo 6ime a Cire Guevara, a iinguagem iia
l,r i:;lt lirrr'. Lrr Hora, abrindo-se ao debate face a face, tensìona essa assertiva ao güeítiiha; ã-exortaçao {r,::afuara-raçáoJ'edo-obedeee à"injunção brechtiana
lirr rit,'" ( ionro uma amálgarna provocativa de cìnema, teatio e ccmício político, de forçar a platéia a "tomar posições'l Às vezes, o chamado para o engaja-
r, Íìlrrrc lìrirde o espaço da represeniacão âc espaco do espectador, tornando mento chegâ a prodllzií desconíortos extreÌÌtos paÍa o esoectador q11e espera
p',rssívcl rirn diálogo desiguai porém "ïeal" e imediato. A experiência cine- o habituai banho quenie aconchegante do escapisrno. Citando a observação
rr ur trrrqlrilìca passiva, este rendez-vous manqué entre exibicio nista e voyeur, é de Fanon,"tocios os espectadores são cot'aties ou traldores". Ln Íiora àsrte-
lr';rusÍìllnraCo em uÌÌì encontro "teatral" entre seÍes humancs de corpo pre- prcnúdâo Pâía o martírio - "Escolher quem vai morrer é
zes conÌ,/oca umã
scntc. O espaço bidimensional c1a tela dá lugar ao espaço tridimensional do escolhef quem vai viver". Neste ponto, aquele que procuÍa entreienimento
(cirlro e da política. O fiLme mobiliza açác no lueil de 1ãntasia auto-indul- de.re sentir com razão que as demandas paia o engajamenio chegararc a um
rill gcnte. !ìm vez de r,jbrar peia sensibiÌidade de um autor, os espectadores sào ponto inaceitavelinenie l'iolento.
r:ncorajados a serem'ãutores" de sua própria nalrativa coletiva. Ao invés de O fiìme também causa uÌn curto-circuiio na prssivrdade do espectador ao
lil
itl
colocar um herói na tela, o filme sugere que os membrcs da audiência sejam exigir demandas intelectuais intensas. Tornados conjuntamente, cs letieiros
os protagonistas reais da história. Em vez de um Ìugar Ce regressão, o cinema e os cornentários faÌados formam um ensaio mais ou menos contínuo, uilìa
ili torna-se um palco político. reminiscência do poder retórico de alguns autores citados no f,ime - Fanon,
rlll
Por conta dessa postura política, foi perigoso realizar, distribuir e, na oca- Césaire, Sartre. Ao mesrno tempo altamente discursivo e imagéticc, esse texto-
ll siáo, assistir a La Hora. Quando um regirne repressivo Íàz da atividade ci- ensaio, o "cérebrd'do filme, organiza as imagens e oferece seus princípios de
nematogÍáfica uma ação clandestina passível de ser punida com prisão e coerência; as irnagens ganham significado na relação coín o te:(to, e não o con-
tortura, o mero ato de ver requer o engaìamento político. Com La Hora, a trário.A intercalação em sfcccafo de enquadíamentos pretos e títulos incendiá-

cinefilia, às vezes sinônimo para açáo política, tornou-se na Argentina uma rios cria uma cine-écriture dinàmica. O fi1me se escreve. A palawa "liberdade'
atividade de risco de vida, pois colocava o espectador nuÍì espaço de enga- se prolifera e se multiplica em uma rerrriniscência gráfica, cinematográfica, do
;.l
jamento político. To<ios os célebres "ataques ao voyeurismo do espectador" chamado cle Che para'dois, três, muitos Vietnãs'i Ou, em um ciesafio rude à
iri
esmoÍecem diante dessa iniciação à brutalidade política. Brecht contrastava "primazia do visuaÏl a tela Êca vazia enquanto uma voz "acústica" desencar-
ill nacla dirige-se a nós l'inda da escuridão.
o tipo <ie inovaçáo artística facilmente absorvida pelo aparato com o tipo que
aÌneaça sua própria existência. O comentário em voice-over participa no trabaìho de desmistificação do
La Hora tenta evitar a cooptação por meio de uma postnra de interven- Íilme. Assim como para Benjamim o títri1o de uma fotografia poderia eximila
376 cionismo radical e de estratégias textuais várias, em uÌn texto que se faz dos clichês elegantes e lhe assegurar o "valor c1e tiso revolucionário'] também 377
till

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aqÌ.1i o comentririo destrói o retrâto oâcial do mundo. Uma pinir:.ra idealizada vez de exaltu o chârme cosmopolita das cidades, a enunciação examina ctirrr
q---- --r-L--- a, i-,1^-^-,1Á--;^
!rç LçlcuI4 uluçyçluLlrLrc -^l{+:-^,1-uê l1----+i-^
yusrlçê çA-^4^.,7^ -^l^+^-.^-L^l
-^J^ rLrêlv
LUì r4u4 irçlv Y çr u4
risor süa estruiura de classe: a buisuesia com alto porier de eo!ÌìpÍa, a ciitssc
^ró!::rrÌle
fora da tela sobre os acordos financeiros que traíram a ìndependência eco- média ("eternos intermediários, protegidos e usados pela oìigzuquid') e a p.'
--- L-.--.^^:..:-,.^lr^^ ^^^*,^l^
uuSuçrrd ar vurr4r LUrrr rçu oyçrr4uu urçdrIçrrru) rLç: ilu) IròtJLUltBt)u):
nôreica do pais. A soberania íormai é exposta como fachada da subjugação cjucttJ

material. Do mesrno mcdo, tomadas do porto rno'rimentado de Euenos Aires para quern a rnudança é necessária, mas imr:ossível'. MonuÍnentcs simbólicos

são acompanhadas por uma análise de um empobrecinento sistercático: "O de orgulho nacional são tratadcs como emblemas peirificados de servidiio
-^l^-;^i Ìr:^ r-.^mên;^ n , !,.nn-., ^- .1...-" ;^ ,,-." +.è.r--- ,: ,

qr:e caracteriza os países cia Âmérica Latina é. antes cic tutio, sua deoencién- Lurw.rr!- rlsLrlrL
^-:-...--1 tl\

dependência econôrnica, dependência pclítica, dependêncìa culturall'. um rios païÍonos funriaciores da cidade (Carios de aivear), uma voz iiônicl
cia -
O espectador é ensinado a desconfiar <ias imagens, a perFrrar o véu das apa- em of observa:-ïqui-os-rrrotu'nre*tos-são erigidos ao homern que Cisse:'cstas

rências, a dispersar as Íiévoas da ideologia, rnediante uÌr aio <ie deccdiâcação piovínciâs quercm pertencer à Grã-Bretanha, para aceiiai suas 1eis, cbedeccr'

reyolucionária. seu qo-v-eino, viver sob sua ccderosa ii:fiuêncid'ì


Ìv{uito do poder de persuasão de La Hora vera de sua capacidade de Vinhetas satíricas descrer,-em coin preci.são a nostalgia retiógracla da cltrssc

risualizar idéías, de coníerir íorma clara e acessível a conceiios absiratos" dominante argentina. O cemitério da Recoleta susteniã a refeiência i-.arrocrr

A abstiaçáo sociclógica'biigarquiJl por exe:nrlo, concietiza-se nâs tcmâdâs a ul:


modo dc vida atiofiado, eiÌl que os riccs tentam'tcngelar o tenpo" r:
<ias'tinqüenta famí1ias" que concentÍan grande parte ca riqueza argentina. 'tiistalizar a histórir'l Assir:: como V-erio.r usâ a tela drridida paia destruir

A'bligarquia' entra em fcco nos rosios dos indivíduos abastados. O terrno simbolicamente c teatro Bolshci era A hot,tem corr a câmera na mãc (Ch*
"sÕciedade de ciasses" materializa-se na irnagen (tirada do f,'tme Jogue uma lovek s kíno-oppttrtttom, r-c:S), Sola::as e Getiac "aniquiìaÍi' as estát';as neo,

rnoeda fTire Dìéj,ry6o, de Fernando Eirri) de criancas pedintes desesperadas clássicas do cemitério. En uril iempo e espaço completamente artificiais, irs
que coríern junio aos trens na espeíançâ de aiiematar uns poucos trocadcs estátu:rs são postas a dialogar er:r plalo e contiaplano diante da le1ra de umr
lançados por passageiros bktsé de classe média. A "violência sisternáticd'é íoi- ópera argentir-ra - "Irei aÍíâncar a banCeira ensangüeniada dc rebelde" - qr"rc

necida nâs imagens dcs aparatos de repressão do Estado * cadeias, ca:ninhoes nos faz lembrar da vocação histórica da aristocracia paía a ÍepÍessão violenta.

biindaclos, bombardeios. A frase "Nenhuiaa orderc social comete suicídio" é Urria outra ünheta mostra a e;<ibiçáo anual cie gado em Buenos Aires, intcr-

seguida pcí quatro tomadas rápidas de militares. A descrição de Césaire dos calanclo tomadas das cabeças coroadas dos touros preniadcs com rostos cla
aristocracia. Os touros - inertes, indoienies, de boa linhagem - reyeiam umir
colonizados -'despossuídos, marginalizados, condenados" - prepara â cena
em que trabaihadores, literaimente'tontra a parede", passarn por interrogató- analogia sugestiva ccrn cs oligarcas que os aiimeniam. A contigüidade me,

rio. Assim o filrne gÍava suas idéias na aente do espectaCor. As imagens não tonímica coincide com a transferência metafórica quando as descricões do
explodem sem ferir, espalhando sua energia; fundidas com as idéias, elas de- :rpresentador ("admirem a expressão, a esirutura óssea") são "atreiadas" aos

tonam nas mentes das Platéias. olhares bovinos de auto-satisfacão nas faces de seus proprieiários.

A paródia e a sátira também fazem parte do arsenal estratégico do fi1me. Ei:r tempo, Solanas e Getino angariam a cooperacão inadveriìda <ie seus al-

A seqüência da excursão turística por Buenos ,Aires possui a irreverência do vos satíricos ao dejxar que figuras repÍesentantes da classe dominante cle.nun-

/our sardônico de Bufluel por Roma em A idade da ouro (IlÂge d'Or, Dlo). ciem a si mesmas através de seu próprio discurso. Enquanto uma Íìlmager.n
As imagens sáo típicas dos comerciais turísticos - prédios governamentais, em estilo de cinejornal mostra um escritor argentino, cercado por grã-lìnos

monumentos, ruâs movimentadas -, mas a voz que naÍra é ácida e ferìaa. Em carregaclos de jóias em uma recepcão oficial, uma voz paróclica em off lrarra: \,rt1
378
i

" li. lgora vanÌos iÌo Salão Pepsi-Cola, onde ÌvIanuel Ìvlujica Laínez, mernbro da velocidade tal que mal podemos definir onde cessa o movimento e onde tctn
4 r . -i-
/\(.1(lCllÌId /\1ËLrlrlIrr
^---.-,:-^ J^ fL!aidrì
uL rflrc ci!d l^nr.nên
^ç+í idiiÌdiiuu u lirro {-tânìrn<reniç"
^ iiviu'eív:ttt!)r ï)ennis início a paralisação. O gestc mili-'nalista rnais iinpactaote é a sti-spensão clc
()uvirnos a cstentação de Laínez (em som dessincronizado) sobre seus prê- ,Jín do rosto de Che Guevara morto por completos cinco rninutos.
close-l.1p

rììi()s intcrÌlacionais, sua formação europeia e sua "proíuncia a<imilação pelo ô cfpitn
v Lrlfrv máscara de morte insoiradora é paradoxal. Através do po,lcr
<ìes-.a

cspírito clisabetano'l Nenhum âtor profissional poderia ter inierPÍetado rne- testemunhal da fotografra, Che olha para nós do além-úmuìo. Seu rosto pa-
lhor ir bancarrota inteiectual e as atiti:des fossiÌizadas da elite, com sua atração rece hipnoticâmente presente; sua expressão é a de uma viióíia desafradora.
coisas européiâs: sua cuitiiÍa subnrissà e sullservierrtc e s" ü dês,f,€iihc ciii r .--..--:-
--.
,Jl..J !írr rru\,, a.r f^+^ g-:r]rrqlmênÍ4 4ccrìmê t "latèlcia
l::,j-: ! :u 1a+-^ ele trm ícone revo-
Lìcl.1-s
|..:, -- *L^)^ Ì^r-, irneoe'm
lehção ao povo que tornou esses privilégios possíl-eis. -^n+a*^!.rãn
I1]C1OIÌaIfU tullluduu. ^^ rvrlõê lvar.çiiiiriúYúu 'ìacce n::3ó;::: ,-ìe<misfifica e des-
ue;rs

Solanas e Getino também radicalizam e reelaboram a heranca vanguai- rrrascala: ^toma.rnosco.nsciênciaCo-enqUadramenlS, das imperfeições técnicas,

clista. Uma seqüência Íìnde Eisenstein coin lVarhol ao intercalar cenas de enfiÍn, da rnateriaÌidade do fiLire.
dentro de um matadouro com icones da propaganda da cultura pop, dando Em outro momento, uma seqüência iconoclástica intitulada "ÌvloCelos"
ressonâncias especiiicaÌnente argentinas à famosa metáfora não-diegética cle evoca a exortação final de Fanon em Os condenados dct terrn;"Nao piestemos
llisenstein em A greve (Stachka, rgz 1). Na Argentina, onde a criação de ani- hornenagem à Europa, criando Estadcs, instituições e sociedades à sua seme-
mais é uma indústria de base, rntritos trabalhadores mal podem pagar a carne ihança. A hurnanidade espera mais de nós do que a imitação caricaturai e gc-
que eles mesrios produzem. Entretaeto, a propaganda encoraja esses mes- raimente obscena 1 Enquanto o comentáric ridiculariza o "hurianisnio racistd'
mos trabalhadores a consumir os produtos das multinacionais. A Ínetáfora da da Euiopa, a iaagem captuÍa as r:lâis estimadas obras da cuitura européia: o
Parthenon, o Dt/jeuiter s',tr l'lierbe,os afrescos rorliânos, os retÍatcs Ce B1'ro1 e
criação de animais, antecipada na seqüência anterior Ca exposiçáo bovina, é
novamente mostreda em uma tomaCa exterior de um matadouÍo em conco- voltaire. Em um ataque às hierarquias ideológicas do espectador, obras de aric
mitância corrr um depoirnenio cle repressáo policial contra trabaihadoies em consagíadas são dissolvidas por completo em metonínias vazias' Como na

greve. A justaposição das imagens das propagan<ias com as cenas dos mata- seqüência dos cartoes postais de urn outro louLs classicus do ataque à arte eru-

douros sugere que a propaganda é o próprio matadouro, e o malho que delxa ê,1ta,Tempo de guerra (Les Carabiniers,rg$), de Godard, os mais ceÌebrados
o boi inconsciente é o efeito lisuai cegante r1a propaganda. A insípida rnúsica monumentos da cultura ocidental são equipara<]os aos lètiches comerciais da
acompanhamento interpretacia peÌas Srvingle Sisters (Bach grotescamente
c1e sociedade de consumo. Pinturas clássicas, arte abstrata e pasta de dente sãtr

metamorfoseado ern Ray Con-niff) contrapõe a brutaiidade das imagens en- niveladas como meras marcas diferentes de exportação imperial.
quanto frisa a animação falsa, superfrciaÌ dos comerciais. No entanto, este trabalho de dernolição da cultura ocidental não é isento
Em La Hora, o minimalismo '- uma estética bem apropriada às exigências de ambigüidades, pois Solanas e Getino, assim como Fanon antes deles, cs-
da produção cinematográfica do Terceiro Mundo - reflete a necessidade prá- tão imbuídos dessa mesma cultura que eles tão veementemente execram. /,rr
tica assim como â estratégia artística. Nluitas vezes, cenas de filmagem des- Hora deaalransparecer LÌma cuÌtivada familiaridacle com a pintura flameugrt,
làvorá.zeis são convertidas em arte, quando a alquimia da montagem tians- a ópera italiana, o cinema francês, e alude ao aspecto mais geral da cultttrrr

forrrra o material bruto clos títvlos,irames em branco e sons Persuasivos ÌÌo popular intelectuaiizada. Este ataque é também um exolcismo, fruto c1e tttrre
orlro e Ììa prata do virtuosismo rítmico. Imagens bidimensionais estáticas relação ambivalente de amor e ódio com a cultura européia. A mesma cliltri-
sua beleza. Como nossat cottt-
(fotos, cartazcs, propagandas, gravuras) ganham dinamismo com a edição ção que oblitera a arte clássica também destaca

tllo c cr rrrovimento de câmera. Imagens em movimento e stills passam em urÌa paração a Goclard sugere, o escárnio clo filme pela'tultura" tem amplo plc rlÌ t
(li,r. rr.r'
cedente no próprio lllodefnisrÂo altitradicionalista euÍopeu, ql:( l)(
palar*as de Maiak-ó.rsk:, que os clássicos fcssern'?tkados do barcrr ir viÌl)t)r {l.r
modernidarie'. (A re;eiçãc à arte preceeiente como percia de tcnr|o lt'rttl,r,t , '
cntípassadismo dos futuristas e a exortacão de Ìvlarinetti a'tusuir diari;rtrr''rrl''
no altaÍCaarte'.) NíasseLaÍforacffÍegaumacertavanguartla,clc cvil:r,r v.r

cuidade de seu rnodelo ao politizaí o que deveriam ser exercícios lì(lr';ìlìr( rrlJ'
"À'!lr['lr l
{cr:tais. C desÊle jrônicc das lr:ragens de arte evr:dlta n3" seciìênci!ì ':;

^--*-"Ì^ Áí ;.iuiiiirúijiidüu
-^.. 3;€lirij!u'
püi ".^,--^^ì.^;^ ì-
u= 114
üjii ,-iicrrrrcn
siúiúi rv s.c'ct'" '^l^';- "ì ' ,!,: , t:!l::: '

do Terceiroìzfundo,o:::ra-seqÈê:rcia-qu-e,eombirìa cenas da but'grr.si,r ,lÌ


gentina se reíasteiandc ac ladc de una piscina coril uma convcrsl íìilrl rl'
coqlretel sobÍe ê po, aït,desiaca a inclinação eulocêÌliiica da eÌit.'lì(\?- rrr:t,i
-ú1tl gosto que é produio do fetichisrrr,, ,l,r
vanguaïdâ politlcamenie inócua,
nercadcrie estanPâd'J eÍi câmiseias e jeêns.
o fato cie conccrdair-nos coÍl essa crítica às vanguâIdas apolÍtiru:r tr;r,,

signif,ca um endossaÍnelto incondici.onal à PÕlíttce globai do Íì1inc. ,[,rt 1/,rr,r


pa*i1ha com c que se chair1âriâ de variguaida heróico-raasoqüista rt vir;rtO
ce um tipo ie a,;tc-sacrifictc apccaiiptico en] naiíe das iïluras gc|it\(ì( rl
Artistas de vanguaida corÍto Renato Poggioli e h{assimo BontempcÌlì st:gr'r r

raln, e muitas vezes cultiYâraln' â iixageÍn lelaiiYa ec soíÍi:nento mjiital; t'lr'::


seÍvem como iíopas ayançadâS cue SãO "maSsaciadas" (meSmo se sgllìclìl('
pelos cÍíticos) paia pieparaÍ o caminho para o novo exéícito ou a nov:ì s()
A visáo de auto-imolação no altar do fuiuro - "Pitié Pour nous (lr!Í
cieclade.
combaiions tcüjouis ariï fíontièresiDe f illimité et de I'avenir"n --sc fuD.l,'
no fi-hrie coÍiÌ tiuÌ subtexto quase religioso que se deiineia na linguagettr c rr:r
imagética do mariírio, da morie e da ressurreição: a estïuttlração dantcsrrr
subiiminar leva-nos do iníerno ao pâraíso da liberação nacionel. Ncssc sctt
tido, o fiÌme confunde categorias políticas coIn categorias molais e religios;rr;.
Seu milenarisrno subjâcente pode etrplicar e1.o PaÍte o pcder do filrne, ru:rs tl,'
certo modo solapa suâ veÍdade política. Esse substlato religioso liga-sc rr rt Itt;t
visão binarista das ielaçóes entre PÍirneiro e Tefceiro r\Íuirdo, e a utìta itrcot
poração de categorias culturais dentro da economia política. O filmc câIrcÍliÌ

tlorto
+ "Rogai por nós que combatemos todos os dias nas frentes/Do ilirnìtado e do futurol'(N. r.)
Um Ícone revolucionário: Che Cuevara
'ï I

unrì viijiio lìrrrista de identidade cultural, como se houvesse umaidentidade disso, o ideal do guerrilheiro heróico que se el?õe pessoalmente ao combate
;rr1',t'rrlin:r oriqinal. livre <ias infiuências cuiturajs euroBéias e americanas. termeia o iìacionalismo chaurr-,nisia do fiime, reÍìetido também em siia Lit-
( ) l'r iruciro c o Tcrceiro l"Íun,io são retiata,ios como reinos perfeitamente -,^-^;
Ëúaóu1l
r,'iEl ïJ^*L-^.\
\ !r ravrrlulr /.
'i{ lì,u r(l(" , ciìnì sci-r comórcio consistindo unicamente das "penetrações" im- F.nr:ttrnto rrm
Lrr-iuatru :rjtç ner4nicíe
u:ii 6lme ãe ecnrreráq Lta
I n \--,
Hnrn-- famhém --r-__*-
renrnrlrr" o
*s
I'r'r'irrlistrrs. A crítica do inglês como a língua do colonizador deixa de lado o ambigüidades históricas desse movimento. O fihne identifica prontaïnente
lrrto tlc rluc também a Espanha foi urn império colonial. Segundo essa visáo, Perón como um nacionalista do Terceiro Mundo ayant la lettre, em vez é.e
í<l:-^J^- C^^^z--^t, l^ .-:+-t --:- h- f-a^
lrlrur artrc-erner]câri,\i e cs Íúc-',,riÍìenias ileaifisies l-.ippies
a rlr('-rice de ar-tistrs ---
Hll liiid'lul r4.'.:r'l ^---^^a-.-:^^
t.dillrrJt.lËj.i-.tr!t;-i-,.:iir;ì .-_^^^-
i.ttiti;ii-iìliï:ii(JCsei.ìlc.i- )^

(lurìlÌto a cIA e o Peniágono iêm a mesma força <ie'torrupção". Â reiórica i'ar' às fallras '3o peroiiisriio (sua rtcusa eirl ãtacai a oligarqaia e eirl ai-iitaí ú
rlc: rruternticidade do filme esconde as origens do colonizador na formação Ìrêvo,,suâ eoAstããt€sêjlê$o-e.nt+e+.1e1er:Íìocrêciâ popular" e a "ditadura da
nrrcional argentina. Uma visão mais complexa veria o Primeiro e o Terceiro burocracid'), o Êlme vê Perón, no final das contas, corno a incorporação'bb-
MÍrrntlo como locais miscigenadcs, conternplaria sua multiplicidade política jetivamente revolucioniíria" do movineentc proletárío, a figura atra.rés da qual
c crrlttiral, sua formacão social indígena, negra e euíopéia: todos os locl de a clesse operária argentina se conscientizou gradativamente de seu destino
hcgemonia e resistência. coletivo. Ao romper os gri,lhões neocolonìais de economia argenrina, o pe-
Armados ccm o lu-to da lucidez retrospectiva, podemos discernir melhor ronisnÌo consfiftii un:. emaÍanhado iabirínttco de contradições, um mosaico
as Íiagilidades cias idéias de Fanon e Che Guevara que sustentaÍn a frime La frágil que sucurnbiu, não surpÍeendentemente, ccm â morte de seu líder.
Ilora partlha a fé de Fanon no valor terapêutico da iriolência. Mas enquanto a Duas das maicres contraCiçÕes do peronismo estão até certo ponto ins-
violência pode, ern determinadas circunstâncias, ser uÍna Ìinguagem política critas no filme. Totalmenie antifunperialista, o peronismo era âpenas em paÍe
efetiva, uma chave para a resistência ou para a tomacla de podel eia não deve contra o monopóiio, visto que a burguesia industrial aliada a ele temia mais
ser vista conlo uma terapia a seí usadâ em todas as situaçóes de opressão. la a ciâsse operáíia do que o imperialismo. E embora La Hora convoque para
.Flora universaliza uma teoria associada a urn único ponto específico na tra- a revoiução socialista, ele também refÌete a ambigúidade
política contida no
jetória ideoÌógica de Fanon (o ponto de desencanto máxrmo com a esquerda peronismo e no conceito de "Terceiro Cinemd': o "Terceiro" refere-se obüa-
européia) e com uma situação histórica precisa (o colonialismo francês na mente ao Terceiro Ìvlundo, mâs também ecoa o charnado de Perón para a
Argélia). Além disso, ao fazer de Che Guevara seu modelo revolucionário, o "terceira via'i ou caminho intermediário entue o socialismo e o capitalismo.
Íìlme ignora as deficiências da estratégia ultravoluntarista, que várias vezes O sentimento radicaÌ do fihne deriva menos de sua política gueÍÍilheira do
mostÍou-se ineficiente ou mesmo suicida. A estratégias da guerrilha muitas que de sua orquestração do intertexto revolucionário, sua evocação auditiva e
vezes subestimâram o poder de repressão dos governos locais estabelecidos irisual da revolução g1obal. As alusões estiategicamente posicionadas a Fanon,
e superestimaram a adesão objetiva e subjetiva do 'povo" à revolução.Ì6 A1ém Che Guevara, Ho CÌri Minh e StokeÌey CarmichaeÌ criam um tipo de ffit de
radicalité em vez de efet de réel, conforme citado por Barthes ern relação às
16 Gérard Chaliand, em Mythes Révolutionnaires du Tìers Monde (Paris, Éditions du Seuil, estratégias da Íìcção realista ciássica. A segunCa contradição do peronismo
1976) critica o machismo que Ìevou as guerrilhas latino-aniericanas a se exporem ao com-
tem â ver com sua constante oscilação entre clemocracia e autoritarisrno. No
batc mesmo quando sua presença não era necessária, resuÌtando na morte dos líderes guer-
rilheiros. Chaliand contiasta esta atifude com os procedimentos mais prudentes dos vietna-
mitas, que durante quinze anos de guerra náo perderaln nem mesmo um de seus cinqüenta / portugués: lç4itos revolucionàrios d.o 'ferrerro Mundo, trad..de Antonjo .\lonteiro Guimà-
384 membros do Comitê Central da Frente de Libertação Nacional Sul-Yietnamita. [Ern > rães Filho, Rio de |aneiro, Francisco Alves, 1977.] 385
populismo, o carisína pessoal e o estilo plebeu muitas vezes escondem um a aia btelectual do movirnento de massa que ern r97o produziu um rnanifcslp
desprezo prciunrio pelo povo. Coraportamentos iguaiiiários criam o sir':rula- convocarrdo par-a um'tinenia revolucioiiá.rio'que'cìeverá nascer da conjrrrr
cro da igual,1a<ie enire a eiite e o po-ro. É uma posiura ao mesrúo tempo mâ- çáo eíÌtïe a artista e o pc-"'o, unidos eÍn um único propósito: a ìiberiação'.
^ íJ^-- ^^{ C^ma í a \-ín.n A l".r.lk^ '1. Ch;l. Á rrm f,l-. u!
'1^ ,4".-^;^ Á.^:^^ 1.--..
*:---l-l^-^ rrLÌPêLrvér f^*+^*^-+^ - i-'-!i+.<-;- T lri uur cYqu cPrrd
IllPréuul4 ç^ ydl
-^-+:-:-^+:-- rvr LcarrÈlrrç 4llauo
^**^,1^ ^ uuiiiu \qurt

tilha desta ambigtiidade. Expressa-se corn a lingr:agem popuiar, mas também 11o horas e meia) diüdido em três partes: "Insurreição da burguesia'l "Golpc
recorre à iiaguagem hiperbólica e à retórica da força bruia. de Estadd' e "Poder popular'l A dilèrença começa pelo gênerc: se La Hora I
i,a^ !-i^iÁ.;. nnsímarlir rnnrir
i:iurvr 1ú' PUr l.ivr. r u u \ bv vr rineo*í+c
Lu:La: r r;ia l-l=t:*i *',rí-oí',r'1,.i.'lrnar'l- tisii?ïaF,A todiçll,a dc C!iiii e iir,:.j+i'+r,,::':i1:'..r a::ií',j'-c. Cr ile:c.r:s c:re
equivocados. a denúncia do filn"re sobre a <iepen<iência neocoionial Perma- rnirtaranr algirir:.as tJas Íbliias çÌássiças ,ie [azer rj<;cumeniários - como a cro,
nece relevanie, assirt ccmo sua cÍítica ao Partido Comunista Argentino, que -,eologia-estritara-eou"rpilapo,tenrá-t-k-ar-a-abor<iagem do tipo "uin dia na vicÌa
apoiou o golpe poíque ele reprir-nia aperas a esqueÍda não-stalinista. O fiir-ne de', e assim por <iianie - e acabaram sintetizando esses métoCos en um estilo

também âpontâ paía o poder ie violência de uma elite qr:e'poi meis de uma dialético eue combinava suas vantagens. O plano era eníatlzii pontos cc1ì-
vez cobïiu o país de sangue'l Por mais que la Hora apresertie suas ambigüida- trais na luia entre a esquerda (ìiderada por Àllende) e a diieita (forr..:ada pelos
des, o fiìne é t:m pcnio de referência para urna fase do ciner::a re-rolucionário. nijitares, o fascista "Patria Y Libertai/'e a aia cireita da Derncciacia Cristir):
Por aiinhar-se a um Eroviaento político concïeto, e1e poe em práiica umâ po- como a esquerda poderia ientar tomar o poder e reestruturai a sociedade chi-

lítica cinemaiogi:1-âca "laboriosa'. Se sua po1ítica é, en alguns momenios, po- lena, e o que a direita faria paia irapedir? O filme foca os cãlnpcs de batalha

pulista, suas esiratégias ie produçáo não c são: o filme parte do pressuposto efeiivos: o parlamento, a econornia, as uni*;ersidades, os meios de comunica-

de cue os espectadores estáo prontos para a experi:nentaçáo lingüísiica, e são çãro. Seguindo essa abordagem por tópicos, os realizadores cornbinara anáÌisc

czpazes cie alcançar o veídadeiro signif;caCo da montagem de uma irnagem poÌítica (realìzac1a antes, durante e após a fiiinagern) com a filmager, direta
ou soin. Ele respeiia sua audiência propondo-lhe um cinema que é ao mesmo realizada no calor da luta política e ideológica. Para cs esoectadores acostu.

tempc uma ferramenta para o despertar da consciência, um instrumento de rnaclos com a fiÌmagem rnilitanie de esquerda, a suípÍesa e as inversões vêm

anáiise e ura caialisador paía a âção. Evitando a dupla armadilha de uma ico- da situação anômala do Chiie, que foi o prirneiro país a se encarninhar para

noclastia vazìa, por um lado, e de uma miiitância'torretd'mas formaimente o sociaÌismo atiavés das eieições diietas. A oposiçáo da esquerda ao Estado
nostiiigica, por outro, e1e empenha-se em realizar urna idéia escandalosarnente capiialista geralmente irnplica uma rejeição derrisória da "legalidade bur-
utópica e apenas apaïentemente paradoxal: a de uma vanguarda majoritária. guesalmas aÌi era o governo que defendia a iegaÌidade (a Constiiuição, os

Outro documentário militante do mesmo período, Á batalha da Chile (La procedimentos legais, as eleições) e a direita que achava que a legalidade não

Batalla de Clúle,ryn-6), de Patrizio Guzmân e do grupo Equipe Tercer AÉq servia mais a seus propósitos. Considerando que, nos filmes de esquerda, as

oferece uma compaÍâção ilustrativa com La I{ora. Rcdado durante o período forças policiais são geralmente retiaiadas como um exérciic de ccupação, no

do governo A11ende, mas comptretado no exíio mais tarde, o fi1me foi assinado Chjle eram elas que garantiam a proteção da administração de AÌlende e cì.cr

coletivarnente no calor <ia militância, com riscos consideráYeis para seus reali- governo democrático. E enquanto os filmes de esquercla cosiumãm sirnpatizar

zadores. Mas, enquanto La Hora desenvolve um culto quase religioso ao allto- com trabalhadores em gieve, a1i os greüstas são cúmplices da eÌite dos che-
sacrlfícto, La Bataila àe Chile reconhece a possibilidade da morte sobriamente, fões que tentam acabar com o socialismo.

sem mistiflcação. Enquanto Solanas e Getino eram peronistas de esquerda, A diferença de estratégias mais imporiante entre os dois fiÌmes tem a ver

386 Guzman e seus colaboradoÍes faziam parte c1a esquerda rnarxista não-sectária, com o posicionamento do espectador. Enquanto La Hora incÌina-se cons-
t.rrrlr.rrr,.rrtt. :ìo clcito retórico, Abatalha do Chile eyita a retórica e prefere rante uma tentativa de golpe. Ele fi1ma um soldado atirando em sua direção: t:
r, l, r,.tr :! r' :r lri:;li,r!:r cn{Ìlla1lto ela, acontece, no morÊe4to <ie sua realização" Ver soldaco o mata, â câmera, perde o foco âo câir no chão. Vjsta que o tirr-' atinse
,'\ l,,ttrrllr,t rÌÌuit() (lcpois dos eventos nela gravados, sabendo que muiios dos diretamente a câm€ra, o que ern termos cinernatográâcos signií.ca que ele se
,rtivi:,lrrs rrroslr;rtlos tlo filiÌie rtora-r,-t moi-ios,píescs oü exilados aPós o gene- dìJige a i]ós r-rlÉsiiÌús cúr-r'iú Éspeciá.ioi'es, a scqüêrlcia Icltt uttr irilpariu nrar-
r,rl lìirr,)( Irct tcr clcposto o governo de Aliende, é uma experiêncìa Pungente' cante, anâlogo de certa maneira a alguns efeitos de câmera em diversos f,imes
(luc apaÍecem na teLa, mais do que os'ãutores" poí trás do filme,
( ìr; t Irilr.'rros de Hitchcock, mas que aqui comunicaÍn o que a própria naÍíação chama de
,,.r,, r l,,.1iit rii".i. r!iúhçú.i-Ì'.-J; io cÌc;.c q';c;i; quc';3;1:ss:s iì:c suJ l:- á rúeú UV laúL^orllu.

tr, rrl,rtlirs'l t,(rcitios sobre a políttca, seu desejo é em úitima instância mlrdaÍ a

,
1
r r,r I tlc tla própria vi<ia em caletividâde"
ii I ;r
- Âlegmias da-impo1Êncìa-- -
lrrrrytrrrnto A batalha e La Hora são filrnes auto-ÍefeÍenciais, o primeiro al-
ritliì rcÍlexiúdade rnostlando os sinâis <io processo de produção (vê-se
t .ìrìr,.iì Para Fredric Jameson, todos os texios do f-erceiro Xdundo são necessâïlà-
p trrit r1Íìne, ouve-se a pâjâ',Tâ'tortd'etc.) e não atïâvés de ironias intertex- mente "alegóricos", pois mesríÌo os in\./estidos Ce urna dinâmica apâÍente-
trll:;. ()s dois filmes também uiiiizam o sorn e a imagem de rnaneiras rnuiio mente privacla ou libiri.inai "pro.jetanl uniâ dimensão poÌítica na Ícrma de
rtiv, r'sas: La IIorã usa sons não-diegéticos (::rúsica clássica, popular, ópera' aÌegoria nacionâl: a história do destino individuaÌ píivado é sempre uma ale-
t.rrrgo) para efeitos diCáticos e iÍônicos; e Abatalhaâpresenta apeníls músicas goria da situação de prontidãc paia a lutâ da sociedade e da cultura públicas
tlicrlrlticls (percussão para a aâicha, música Ínalcial pãra as paradas miliia- do Terceiro Nlundo'l'- Nãc concordaiÍìos com a generalização uÍn tanto píe-
rr.s). IÌrrqnrrnto as estÍatégias ce montagen ce La Hora revelâm não apenas ã cipitacla ie |arneson quando se refere atoCas as textos do Ter;eiro }r{undo - é

irrlÌrrôncia cle Eisensiein e da vanguarda, mas taÌnbém dos comeiciais de rr'-, impossível pressu:ror uma estraiégia artística única às prcduçoes culturais
rr etliçã<r de Abatalha se auto-apãga. Isso favorece as seqüências em toroadâ de una entiriade tão heterogênea queúo o "Terceiro NiunCo', e a alegoria
irnica, cm rima espécie de bazjnismc politizado que respeita tanto a integri- é de quaÌquer modo reler.anie a todas as pÍoduçóes culturais, incluindo as
tllrlc espaço-temDorâl dos maieriais, quanto a integridade das pessoas que do Frimeiro MunCo. NÍesmo assim, o conceito de alegoria, entenCido aqui
l:rlanr, itrclLrindo aqueles corn querjl os aliÍetores não concordam- Aincla assim, em sentirio amplo como qualquer tipo cle expressão oblíqua ou sinedóquica
il
transrnitida não nas f, que dernande <iecifração ou complemento herrnenêuticos, realmente nos im-
ir cstrLltura geÍal comunica uma in{Ìexão de classe sutil,

"tornirclas medíocres" da edição de paralelismo contÍastivo, mas na arquite- pressiona como uma categoria produtiva pila se lidar corrr rnuitos frlmes do
il
tura social do filme. As diferenças de classe permeiam tudo o que Yemos: os T Tercciro -NÍundo.'3
rncntbros c1a eiite dirigern-se aos diretores do filme corno "senhol", as pessoas J
.-ê
( orì-ìuns dizem "companheiro'; a elite dirige caÍros, o povo vai a Pé ou em ca- :Ì r7 !'er Fredric ]ameson, "Third World literature in the Era of illultinational Capitalism ] So-

rrrìnhões para os comícios; a elite superestima suas chances eleitorais (o que cial Tex!,n. ti, otLto.no de 1996. E para
uma crítica cio ensaio de Jameson, ver Aijas Ahmaci,
"Jameson\ Rethoric of Otherless and the'National Allegory"l Soc/al TerÍ, n. r5, outono de
crir clc se esperâr, visto que a imprensa dominante anti-Allende sistematica-
7996 '
rrrcnte incentivâ as fantasias revânchistas c1a clireita), enquanto â esquerda e
t8 Um dos aspectos infelizes do ensaio de Jameson é que ele não reconhece âté que ponto as
rìais lircida. Falta intermitente narração em of; o brilhantismo febril de la
à teorias de alegoria nacional já se desenvolverarn dentro do próprio'Ictceiro Mundo. No
i /rrr.rr, pois srla intenção náo é demonstrar virtuosismo e sim fornecer infor Brasiì, por exemplo, a idéia de alegoria nacional, embota nem sempÍe apâÍeça com essa no-

iiÌiì nIrçircs csscnciais. uma seqiìência notável foi fiÌraada PoI rim aÍgentino dri- mcnclatuÍa, tem siclo uma constante desde os modernistas da década de zo, no mínimo. > 389

2-
A aÌegoria não é um fenômeno cornpletamente nov-o no cinema do que foi dados por um discurso nâcionâìista, sentem-se cbrigados a falar para e sobre
mais tarde chai-,:.ado de Terceiro h{-,rndo. O fii:ire brasilduo Paz e ainor (rgw), tma norãn rnrcn rrm +a,l^

por exe:nplo, satiriza um rei fictício, Olin r - um anagra::ra maì disfarçadc dc Ao.ui nos conçentíaÍemos eÍ1 um f,lme brasüeiro no qual a i::rpotência
-^*o ãa nresi,]enfe Nlln Pecenhe l)urar':te ôs ânôs a.o e z1o. na Índia. a a'uiZ iiterai ou figuraiiva serve para aiegorizar as formas saciais, econôrnicas e polí-
"Nadia Destemidd'saivou povos oprimidos de tiranos estrangeiros, em aven- ticas das nêções do Terceiro Ìv{undo. Terra em transe, de Glauber Rocha, é um
turas que foram lidas à época coÌno alegorias antibritânicas.te Mas na histó- fllrne ostensivamente aÌegórico que funde o barroco, a estética'/anguarclstâ
l^ !ttlLi:ifi
^:-^-^ )^ T^-^^i-^ ìtr..-l^ L!tLL;lllrô'!r'l" cu^^ *^-^- l^:-
ri}L!iu,-' uvló
.t4 :rlaJ.ì lÈ.,Lllt= uu uu I :LLtr'lt iïruil'-{u c as rriiuêrrcias cie slaìrssueare. Eisensrein, weiies e Resnais com umc crítica
.j-,i- l- -r- -!,-t,- .-,-t^--t--^ ^- -1--^--:^- -^^-:---!1"+-^
4ò dçËulréò lldLrulrdlüLdr
vcrus PIürçryit"rõ uË traPrcJs4u ilçËurlLd: Plu!çuur corrosir'â da política populista de esquerda que não foi capaz de eútar o golpe
teleclógicas (de inflexão marxista) do prineiro período, quando a história é milirar c-oÌÌtÍto-õverno delõão Go'üled em rÇ04. O títnlo do fime, que se
rer"elada como o desenrolai progressivo de um desenhc histórico imanente; refere não â um personâgem e sii-e à terra em transe {t.errno relatiyo à posses-
segunCo, as alegoria-" de autodestruição mod.e:nistas dc perícdo posterio! em são espiriiual das religiões afro-brasileiras), virtualmente procia,'aa intenções
que o foco muda para natureza fragrnentária do próprio discursc, e em que alegóricas. O fil:::e, alérn djsso, aponiâ para sua próoria naiureza a-iegórica ao
a alegoria éutÍizada como instârlcia ie ling-,:agem-ccnsciêacia privllegiada ambieniar a acão não no Biasii - a escoiha óbvìa -, mãs na terra mítica de Ë,1
no contexto da perda de perspectiva histórica rnaior. Uma terceira variante, Dorado, um nome que evcca as fantasias projetivas eurocéias sobre as cidades
indisiintamente teleclógica cu modernista, poderia ser encontíâda em fi1mes de ouro da América Latina.
i-ros euais a alegor;a s€r-v-c coiÍto uma foïma c1e camufage::i protetora contïa Organizacio em torno de riremórias em f,ashback ile seu piotagonista
regimes censoíes, eÌn que se usa o passado para falar clo presente - como em moribundo, Terra em transe traca as alianças politcas ziguezagueantes de
Os inconf.ãentes QgTt), de /oaquim Pedio cle Andrade - ou erÌì que se adapta um artista/intelectuai chamado Paulo Nlartins. Após apoiar o líder de diieita
subveÍsivamente uin ciássico, corno O alienista (r97o), aclaptação de Nelson Porfírio Diaz, Paulo muda de crientacão para apciar vieira, um populista
Fereiia dos Sanios da obra de Machadc de Assis. Talvez a tendência alegórica de esquerda. Por temer uma d.erroia eleitoral, a a1a direiia encena urn golpe
disponível para toda arte torne-se exagerada no caso de regimes repressivos, de Estado, iaspirado de maneira aberta no Golpe Miiitar de 64. Trazidos de
especiairnente quando diretores de cinema inteiectuais, profundarnente mol- volta ao início do fi1rne, vemos o então radical de esquerda paulo entregar
uma axma a Vieira, urn símboio da resistência popular cue Vieira não tenl
coÍagem de assunir e apoiar. A edição alterna enire a agonia de paulo e a co-
> Para mais informaçÕes sobre cinema e alegoria nacional, ver Ismail Xavier, Álegorias Co
roação do ditador Diaz, e uma longa tomada flnal mostra a silhueta de paulo
subdesenvolvimenfo. Ver tmbém Robert Stam e IsmaiÌ Xaüer, "Tiansformations of Natio-

nal Allegory: Brazilian Cinema from Dictatorship to Redemocratization", em Robert Sklar e empunhando um rifle.
Charles lvíusser (orgs.), Resísting Images, Philadelphia, Temple University Press, r99o. Gos- Ao rejeitar os esquemas maniqueístas da arte po1ítica de esquerda e, dessa
tarímos de agradecer a lsmail Xaüer por permitir que usássemos o "território partilhado' fornra, chocar sua audência progressista, Terra em transe foriniciaimente ro-
do ensaio. Para alegorias nacionais no contexto IsraeÌ/Palestina, ver Ella Shohat, "Master
tulado de "fascista" peÌos mesmos militantes que rnais tarde vierarn a admirar
Narative,/Counter Readings: The Politics of Israeli Cinemdl em Robert Sklar e Charles
a acuidade de sua aná-lise. Ao misiurar a direita conspiradora e a esquerdzr
Nlusser (orgs.), Resistíng hnages, r99o; e Shohat, "Anomalies of the National: RepÍesenting
Israel/Palesthe'l Witle Angle,v. g n. 3, t989. incompetente como duas faces do poder da elite, Terra ei,vt transe retrata o
r9 Behroze Gandhy e Rosie Thomas fizeram essa observaçáo no ensaio "Three Inclian Film populismo de esquerda como uma máscara pseudodemocrática, um "trágico
3go Stars", em Christire Gledhil (org.). Síardom: Industry of Deslre, Londres, Routledge, 199r. carnaval". O filme dá ljda a peÍsonagens sintéticos que representam íorças
Irr';lrir rr .rs v:ìriiì([as, pcrsonagens-chave que pedem um esforço de decifra- saio sobre o teatro épico, Brecht erPressou o desejo defazer ópera democrá-
r, ir'o nrlr
trrcrrl,r ,rl,'r',it t nertc
I --_'-t esnertarÍores. O
- rìcs nersnnasem Porfirio Í)iaz
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^ vy!!4 ^l-^-^-"^ rÍfr.ôrt^ í-^ìiórl^ - 1.-^ì"

Irr rrrrr^rrrirrro tlo clitador mexicaÌìo que lançou campanhas de massacre contra
o aniquilava com a cantoria coletiva. Nos termos da comparação de Brecht
:. Ja^ ---- l-- l-
-l
noroesie ,rrlexicàt]O, el-rcaÍiL-ia A VeISAO
I'r'l,tll'rr,r'( s lir(ligenlS ÍrOS eSiaúúS GO -^-l--1- entÍe o teatro épico e o teatro dramático, Terra em transe tnvaúaveÌmente cai
l,rlrrro lrrrt'ricina do clespotismo ibérico. Sua carreira política corre em para- na categoria épica. Em vez de representar um processo, o f,lme conta sua his-
lr'lo r orrr rr rlc (ìarlosrlaceÍda, que passou do esquerdismo juvenil a um anti- tória com distância narrativa. Em vez de envolver a platéia emocionalmente,
\ r)rììiliìii;r;ìi) ilstiiico, c quc .oiâborcu dl-etamcntc coìa cs EUÂ na coiiiuçãc transformâ-a em observacìora crítiça tias coniratiiçües du persrtrragern. itien-
,i,, 1i.i|c tic r'4. Vìerra, o poiitico iiberai, combina os traços de vá,rios iícíeres tificamo-nos coln Paulo, mas ao rnesmo tempo o vemos Ce forma crítica. Ele
l)()lìulisliÌs brasileiros (Getulio Vargas, ]oão Goulart, ]ânio Qr:adros, ìvliguel
-15
ô co m õlValler eE amffi-ì s së*dõ-p:rõi-al on rt t a" d e U m h o m e m é u m h o rn e m,
A lrrrt's, l.concl Brizoia). A personagem SaÍa representa o Partido Comunista, de Brecht, "urlr palco vazio no qual as contradições de nossa sociedade são
, rrj;r poìítica voltou-se ao apoio de popuÌisias como Vieira. E, finalmente, a expressâs em ações".
, r,rrrprrnhir lìKpLÌNr (Companhia de Exploraçáo Internacional) representa as A visão críiica do stattis àe Paulo como herói explica apenas em parte a
t .r|o111çfiç5 mtiltinacionais envolvidas no golpe. dificuldade de identificação, que iambém deriva da estratégia estética nucìear
)rr
lo Nlartins, uma figura bastânte contraditória, às vezes até mesmo cen-
| Lr
do Êlme - sua recusa às ccnrenções do realismo Crarnático. Terra em transe
srr rivcl, oírrece um retrato crítico de toda uma geração de intelectuais de es- destaca suâs inienções anti-realistas atrar,-és dessa implausibilidade suPrema:
,1rr'r'tla. Ncssa aìegoria neobarroca de desencant'aÌnento, transríitldâ nurn eflú- o narrador póstumo.A narraii.ra é constantemente posta para íora dos trilhos,
vio vrrlcinÌco de palavras, sons e imagens, Pauio representa o poetâ alienado desconstruida, reelaborada, enquanto a descontínuidade espaço-tempoÍal é

rr,r nruntlo da luta de classes e dos golpes de Estado. Seu modo característico exacerbada pelos movimentos de cârnera estonteantes, pelos cortes inespera-
rlc lìrlirr, simultaneamente frenético e solene, é também poético: ele 1ãla em so- dos e pela tri-lna sonora d.escontínua, autônoma. O filme enceíÌâ urn dirílogo
lilriqtrios hamletianos, e aparece em close com auoz dessincronizada que ex- conflituoso de estllos e retóricas, de modo que o significado emerge parcial-
l)rcssiì seu diálogo interior,lembrando as adaptações Ce Orson \,Velles das tra- mente da tensão criativa entre diversas nodalidacles de écríture cinematográ-
11t1dirrs clc Shakespeare. Além disso, ele divide traços significativos coÌÌt Hamlet fica. Glauber devora estilos cincmatográficos com prazer antiopológico: ao
rr irnirginação fértii, o virtuosismo perverso cÌa linguagem, o ceticismo ri- lado cla influêr-rcia de lVelles estão os estilos do cinema direto e a montagem
ll()roso combinado ao idealismo exasperado, e uma visão de si mesmo como eisensteiniana (ftu* raccords, personagens sociahnente emblemáticos). Em
o lcgítino herdeiro do poder. Como Hamlet, ele possui uma crítica mais ou vcz de irpenas rnencionar o jntertexto cinematográfrco, Glauber o transíorma.
rrrcnos lírcida de urn ambiente de corrupção do qual ele mesmo participa. Uma cena evoca a famosa seqüência de O encouraçado Potemkin (Bronenosets
A estética barroca de Terra em transe estâligada a um dos menos realistas Potyomkin,rg25) em que o dí. Smirnov, avaliando as queixas dos rnarinheiros
rlos gôneros artísticos - a ópera. Glauber, um clevoto apalronado do'tinema sobre a comida, usa seu lornhão para examinaÍ a caÍne coberta de vermes e
oPgf isti66" dc Orson \!'e11es e Eisenstein, faz a música - especialmente a de então declara que ela'bstá perfeitamente saudável e prcnta para ser comida'l
Vcrcli c a de Carlos Gomes, seu epígono brasi-leiro - permear toda a trilha so- Terra ent transe apresenta um senador, que acâbou de rasgar elogios polidos à
norrr. A técnica tarnbém é operística, alegórica; o golpe de Estado, poÍ exem- sociedacle perfeita de El Dorado, usando seus óculos de maneira idêntica para
l:lo, ó figurado não como um exercício de força moderno, mas colno uma examinar o corpo de um representante do povo assassinado.
irrlrigir f alaciirna barroca, uma usurpação, uma coroação. Em seu famoso en- O fiime de Glauber opeÍa uma dupla desmistificação, política e estética; 393
desconstrói dois estilos de representação. De um lado, desconstrói o popu- - sujeito à onipresente dominação euÍopéia, o que pode ser inferido tan(o
lisrno como urrr estilo poiíijco de representaçáo ao pôr em cena suas con- jio iciiiiU L^--^-^
UiijiijLij ^1^-:-i-^
LUiiiU ija Pvi\íPe dUúUIiLd .J^ ç41ilévd
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Utd5üsljU. l5S{ì (l:ì
tradições. Paia Glaubev, o populismo oferece ap€las i.im simuìacro de par- uma expressão proiéptica para o que fbi mais tarde denominado de'trise clns
rì-i-^-ã^.
liliirúiúur i^-i+-
^1o iiiliré u irúvú 4 {^ì-* *..
- aaar) ^ *^^-i-- ^",.-l^ LurilLva
-iÈ Lotaiizaçoes": ou seja, o ceticismo disserninado sobre as narrativas-mesl r;rs
a ser estridente. Convida o povo a entÍil no palácio, depois o mata se ele históricas, como o marxismo e sua fé na história ordenada pelas leis progrcs
se rnosirar muito militante. O fihrre problematiza a íáealizaçâo romântica sivas do materialismo dialético. lvlostia tambérn que a fé implícita dos Íììnrcs
ln'i-,.-r.Ì' ,q rn?p4È?t'\i iri.1 nrôi2sqói*í: rr'.r c- ft,'rilr Ì'- -rârô.--iânÍ^
<io cirrenra novo cia orirneira rãse. coma iíàas secas, esrava se corroerìrjo llrr
pcrpuiar inarticuìacìo e que coioca a quesião: "'vbcê consegue imaginar esie quanto os primeiros frlmes falavam em tons conÍiantes e proféticos, os filnrcs
homem numa posíção de poder?". Em ouiro nível, o filme rejeita um estilo pôsíeiicïeíSã rnarcados peiãAesfilsão e pelo sentinenio de impotênci:r.
estético de representação 'populista", que fala âo porro em Ìinguagern simples
e tíansrâÍenie, com rneclo de não se fazer entender. Esse populisrro exirciia â A refl exividarie teiceiro-mundista
teoria cia'píìula dourada" da arte: ser doce para ser úti,l. Para passar sua Ínen-
sagem) oíerece ac púbiico a aose habituaÌ de gratificações cinernatográâcas Diversos filmes terceiio-;n';ndistas se voita-ir: parâ as relações entie os inlL:
- iniriga, suspense, românce, espetáculo -, corno se e1e precisasse de uraa alte lectuais e es massas marginalizadas, païe quern eles oferecen c que Benjalrr irr
âpenas si:nplista, redundante e fossiÌizada, do mesmo rrodo coino o senador cha:nou <ie "solidariedade rneCiada'. N{uitos Cesses cineasias se vêern conto
Vieira fala cio ",oovo'] rnas não faz nada para acelerar süa aaiuïidade política. patie de uina trajetóda nacionai e têm procurado analisar de Íbrma reÍlexiv;r
Terra ern transe atdca a lingr-iagem holÌ1-'loociiana, ccÌrìo assii:ala Alnaldo sua própria posição ern relação às pessoas que eies desejarn representar. Ao
Jabor, não peio "en:<ugamenio" masoqulsta da iinguagem cu pela "destruiçãc mesÍno tempo, eles são perseguidos peio espectro do colonralismo cultr-r::ll ,'
do discurso'típica da vanguarda er-rropéia, mas por meio Co "excesso á-r-ido, pela atiti:de geral de subser-"iència ao modelo dominante. Eies e:-ipíessanì suiì:i
voíaz do barroco".tn personaiidaies ciiativas corno parie Ce um projeto coletivo tilaior: a couso
A ousadia de Terra em transe se traduz en-Ì sLra imrosição de uma crítica lidação de um cinema nacional. Trabaihando conscientement€ com questires
dupla, urira no âmbito da economia poÌítica e <ia geopolítica (a aliança das já elaboraias em te:rios cinematográficos e extra-cinernatográfrcos antcrio
corporações multinacionais com a elite brasileira contra os trabaìha<iores, res, o cineasta quase que necessariamente se torna refie;<ivo: dialoga corÌì ()s
caÌrÌpones€s e intelectuais de esquerCa) e a outïa, no âmbito cu-1tura1-antro- métodos e cÍençãs estabelecidas, ciiscute direta ou inCiretamente o proccrs:io
pológico (a música, a arquitetura, as atitudes, os sírnbolos e cs cenários que de criação dentro dos próprios filmes. Cada trabaüho se torna uma amoslr':r
transformam esses agentes históricos em exemplos groi€scos de forças histó- metodológica das estraiégias possíveis, simultaneamente'tobre" uÍÌ tcmrÌ ('

ricas)." O filme estabelece uma ressonância entre o delírio poético do prota- "sobre" si mesmo.
gonista e a atmosfera geral de dúrrida e histeria que marca o processo poÌítico. Nesse seniiCo, o cinena terceiro-mundista está enì compasso conr () ( i
Terra em trnnse mostra o Brasil como urn amálgama cuitural frágii - cabocÌo nema internacional, com sua tendência crescente à reíle<ividade, seja nrotle l'

nisia (o primeiro Godard), brechtiana (o Godaid posterior) ou pós-trorlt'r


20 Ver ArnaÌdo ]abor, "Sim, gosto se discutd', -Rlo Capital, abr.lmú. ryy. nista (Atom Egoyan)^ ÌvIas também há especificidades nacionais envolvitl;r:;,
21 Ver "Do golpe miiitar à abertura: a Íesposta do cinema de autor", em Ismail Xaüer, Jean- cujas raízes se encontram na natureza marginal e slncrética das expcriôttt iir:;
394 ClaucÌe Bernardet e Miguel Pereira, O desafo do cinema, Rio rle ]aneiro, Zahar, 1985. culturais no f"erceiro Mundo. Esses artistas historicamente muÌticultrtrais rr;r,,
desde o início dos anos 60. O projeto iniciaÌ de Coutinho, concebido nos
^-^- ôniê?i^rnc -^l-- À^ f,7var
u! orn rarnncf rrrir
sfr ;rah^+;-.'-^-r
urtlrrauLu.rLrrrç '.
drrur ^+i*ic+.rc
vrurrlúlu "^ '^Á '

o assassinâto político <io ií<ier camponôs João Pedro Teixeira, em rt)ó2. C)s
compânheiros rie ioão Peciro no trabaiho e na iuia iriam fazer seus próprios
papéis nos lugares onde aconteceram os eventos reais, e entre os "atores" esta-
ria Elizabete, a viúva do camponês morto. O golpe interrompeu as âlmagens;
o cirreasta c oS ÌraltiÉiuiilrics do ítlrlc ss Jistcrsa!iijlr c ú ìiratcÍiiri qL,ciáÌravia
sido filmado foi escondido da nova junta militar. Quase duas décadas depois,
encora]ado pelJ.llDcrdaOc retatlva Gcs anos óo, L,outinno lroculou oS roloS
de filme escondidos e os "atores" oÍiginâis, âgorâ espalhados pelo país devido
a anos de dificul<iade e repressão. Na versác fina1 do filme, os participantes as-
sistern a eles próprios na tela: seus rostos e vidas dão testemunho das marcas
delxadas pela dìtadura.
A estética da fome: Vidas seccs Elizabete, a viúva de ioão Pedro, é a figura central do filme. Ela continuor-r
com a militância do marido, liderou passeatas e viajou a Brasíia para cienun-
muitas vezes fluentes em várias línguas, trabalham nas "margens", rnas conhe- ciar o assassinato. Coutilho a encontrâ em cuiro Estado, corn outro nome,
cem o "centïo'l o que thes pernite desenvoh-er uma consciência a-fiacia das separada <ie seus ântigos amigos e de grande parte da família - tudo isso,
diferenças lingüísticas e crilturais. Seu senso profundo de ironia faz com que como eia e;çlica, "para não ser exterminada'l Finalmente ela reencontra os
eles sempre desconfiem das palar,ras e das ìmager:rs. Qualquer que seja a causâ parentes, reâssume seu verdadeiro nome e reafirrna suas convicções poÌíticas.
clo fenômeno, o fato é que as técnicas do metacinema e da reflexi-ridade se tor- Sua capacidade de desaparecer, sobreviver e eÍn seguida reapareceÍ, conlo
nâram comuns no cinema terceÌromunciista de décadas recentes, aparecendo lembra Roberto Schwarz, faz com que ela se aproxime da trajetória do pró-
em uma varieciade de gêneros.22 Encontramos exempios em filrnes cubanos prio cineasta.23 A emoção criacla pelo filme, como Schwarz observa, surge do
camo Até certo ponto (Httsta Cierto PtLnto, t984) e Adorables Ìvlentiras $99t); encontro entie um cineasta engajado e uma heroína popular autêntica quc,
no fi1me mericano NIi Qnerido Tom IvIix (t9gr); nos filmes egípcio s Haddttta a despeito de tuclo, consegue retomaí o caririnho de sua trajetória política,
Misrija [Uma história egípcia] (r98z) e t\l QLthira [Cairo] (r99r); no filme assim como o cineasta consegue finirlizar seu projeto. Em uma confluência
indiano Bhumika [O papel] (tSZì; e nos filnes brasileiros Cinema inocente renovada entre o cinema político e a luta popúar, o cineasta oferece sua soli-
(tgzü e A dama do Cine Shangai j987). dariedade ao líder camponês. A dispersão e desintegração da famíIia e o iìpiì
O metadocumentário Cabra marcado para ftiorrer, de Eduardo Coutinllo, gamento da identidade sob a repressão marcam o sofrimento dessa getaq:iro.
demonstra a eficácia política do cinema do Terceiro Mundo, ao usar a reflexi- Mas a descida aos infernos é revertida por um retorno, se não ao paraíso, pr:lo
vidade para mostrar uma síntese da história do Brasil e do cinema brasileiro menos a uma conjuntriÍa histórica renovada. Ao mapear um processo dc rltt;|;

zz Para mais informações sobre a reflexiüdade, ver Robert Stur, ReJlexÌvíty in Film and Lite- z3 Ver Roberto Schwarz,"O âo da meada'] em Qttehoras são?,5áo Paulo, (Ìlnprrtltirt tlls I t'
396 rafitre, Nova York, CoÌu:nbia Unil'ersity Press, r985, reimpresso em 1992. tras,1987.
décadas, o cinema literalmente i-ntervém na vida dos oprimidos. A históriir
1i do fiime iniciadc, brutal-*rente inierronapidc e agarâ cornpletado se colfr,rndc

i, com a história das pessoas coïn as quais o cineasta oialoga. Gracas ao filnr*,
ii Eiizabete Teixeira ressurge d.o anonimaio e reconsiiiui sua iilentida<ie.
i
I O encontro entre a equipe de âlmagem e a viúva nos anos 6o é intercaiado
com citações do cinena profundamente didática do períod.o - u*u -.r.in
criire o esiío reaiisia ée ú saÍ ,jd terra iSa.ít af t'fu EariÍi,ie;4) e o poÌrulislro
idealista promovida pelos Centros Populares de Cu.ltura. O reencontro clc
'vinte ãn'oé de-poiggor-o'utÍõ.1ãdo;-âcontece.üa
era da r.; a cabo e <ia ênfasc
na "voz dos outros" dos documentários revisionistas. A Ìinguagem cinemi.r
tográfica agora é mais dialógica, rìenos inclinada a pontificar e mais pronlu
para ourir. O próprio filme registia essa evolucão ao misturar procedimentos
tradicionais do docume: táric, especialmente o comentário ern o$ com as tóc
nicas de repcrtagem mais conternpoiâneas usadas por Ccutieho eÌn seu triì.

Aa kaler Sandha e (E m b usca


balhc televisivo no progiâlna Globa Repórier.lz'ernos â equipe tÍôbalhando, dc
n d e Fa m i n a). as contracl icòes de fi I m a r a m iséria
modo que hcamos conscientes de que se trata de urn filme sel<io feito diantc
dos nossos olhos. O fiì::re oierece, essim, uma íetre-qentacáo não apenas cla
história do Brasil, mas tarabérn do cinema brasüeiro, em unìa síntese poiític;r,
social, antropoìógica e estétrce.

Além do nacional

Qualquer discussão séria sabre o cjaema do Terceiro ìvlundo deve extuninur.


a questão complexa do "nacional'l Todo filme é produto de uma inclústrirr
,'nç rysp nacional, é falado erln uÍíÌa língua nacional, retrata situações nacionais c re
cicla intertextos nacionais. Todo fiime, seja um fiIme mitológico hinclu, rrrrr
rnelodrama mexicano ou um épico terceiro-mundista, projeta um imaginár.ìo
nacional. Se os cineastas <io Primeiro Mundo paÍecem flutuar "acima" r.lcssirs
preocupações mesquinhas, isso ocorre pcrque eles podem contar com a pr.o
jeção de um poder nacional que possibilita a produção e distribuição tlc scu:;
filmes. O mesmo não acontece com os cineastas do Terceiro Munclr. Ilrrr;r
escassez relativa gera uma luta constante para criar uma"autenticicladc" liriliil
que deve ser reconstruída a cada nova geração.
( ):; r irrt..sl.u.s lcrcciro muÌtdistas se vêem coÍno pe.rte de um projeto na_ Não nos interessa analisar aqui as deficiências da anáüise da düeita, mas
, r(ìrriì1, rÌl:rs . "'lcir-.nll" é ';rn ccnceito ccntraditólio que mobiliza discursos --.-L:-.'-':ji^J-- l^ ^^-,^1^
a5 ?{lüurguluagc5 ga Puslçau
)^ ^^---^-)-
ua çò9ut1ud ^L^--7.-
lrlçrç!çilr érçu9éu, n*:*^i..^
rrurlçüu, v^ tt-^-
LUqUJ
r ,rrílit;rrrtcs. As ambigúidarles históricas e ideoiógicas do nacionrlisrjlo são
de uma nação unitilria <iisfarça as pcssí.reis contradições eÍìtíe os diferentes
( liv('r sirs tlcsrie o
significado origiriai cie "nacão" como um grupo raciaÌ até o setores das sociedades do Terceiro &Íundo. As nações-esta<1o das AmérÌcas, <1a
sirl.iíìe ;rrlo posterìor de uma entidade organizada politica:nente. o fato é que
Áírica e da Ásia, como limos anieriormente, muitas vezes ''encobrerri'a exis-
() ( ()rì( ('i(o rlc r-rac.ionalisino rnuda de sinal em diferentes conteldos históricos
tência de povos nativos em seus territórios. Segundo, a exaliação do "nacionaÏ'
t f it
rry,lr'rfiCrs, osciian.'io eirii'" pólos piogressivos e regressivos. Ì.Jrrr naciona-
nâo otèrece crirerios pirra a anâiise rio qire vaie a nena mânÌer na'irarìicâo
Irsn .u curopeu pró-ativo - como a arnbição da dlernanha nazisia contÍa serìs nacional". Uma defesa sentimental das instituições da sociedade patriarcai
vizirrlros - não pode ser igualado com os nacionalisrnos da América Latina, apenãs poiqüé?la,s sãõ-ïõssas-'éinâõèiiátèï.De fato, muitos filnes do Ter-
nos rlt:ais o objetivo é a oposiçãc ao poder hegen:.ônico do Norte. Nem se ceiro NIundo criticam exatamente essas instiiuições Xaic critica a poliramia,
l,.tlc igualar urn nacionalisno fiagmentador (como no caso da antiga lu.gcs- Fin:nn e Fire Eles (iggj) crìtican: e mui-1acão de crsãcs qenitais leminì:-.cs,
lri'rìa) com os nacionalisiaos aglutinadores dos movimentos d.iaspóriccs, que enquanto filmes como Aliah Tantau (i992) enfocam a repressâo poiíiica exer-
lrrtanr peÌa integracão locaÌ e pela criação de coletividades maiores.Ao nì.esmo cida aié por heróis pan-aíiicaaistâs comc Sekou Toure, e Guelwaar (t9gz)
tc'rpo, 1gjçi1nÍ1os as dicotomias binárias que separam o nacionalismc "bonr" satiriza as divisÕes religiosas no Terceiro Ìvlundo.'l'erceirc, todas as r:ações
cl, 'Ì'erceiro Munclo e "ruim" do Primeiio. os movirnentos do T'erceiro Nlundo são heterogêneasi ao fiiesínc tempo urbanas e ruiais, reasculinas e femininas,
podem imitar os piores aspecios de seus ântagonistâs "adiantados" e projetos reiigiosas e seculares, nativas e imigrantes, e assim por diante. A r,-isão da na-
ile libertaçãc porlem muiias vezes se tcrnar opressi.rcs. "polifonial'das vozes sociais
ção unitária abafa a e étnicas que constituern ur'ra
AÌgumas das discussÕes terceiro-mundistas sobre o nacionalismo ini- cultura heteroglota. As ferninistas do Terceiro N{unCc têrn cha:riaCo a atenção
cÌirÌmente aceitaram sem ressalvas a idéia de que a e:ipr,rlsão do estrangeiro para os modos através dos quais o sujeito rias revoluçoes nacionalisras de seus
basta.ra para a recuperação do sentimento nacionai, como se a r:ação fosse países é definido implicitar:renie como masculino e heterossexual.
Quario, a
uma forma ideal esconditla no interior de uma pedra bruta. Roberto schr,yarz nahrÍeza da "essêncid' nacional a ser recuperacla é frágil e quimérica. Alguns a
chama essa visão de "nacional por subtração", cu seja, â crenca que a simpÌes localizam no passado pré colonial, na área rura-l (a aldeia aíricana, por exem-
eliminação das influências estrangeiras irá automaticanente permitir que a plo), em um estado anterior de desenvolvimenio (pré-industrial), ou em uma
cultura nacional surja em todo seu esp1enc1or.2'' Em diversos países do Ter- etnia não-européia (os lndígenas). lv{as muitas vezes os símbolos nacionais
ceiro I'tluncio, o projeto de eliminação do estrangeiro e recuperacão do nacio- mais prezados são indelevelmente marcados pelo estrangeiro. As práticas cuJ-
nal foi alimentado peìa esquerda e pela direita, embora caca um Íormulasse turais vistas como tipicamente brasileüas, por exernplo, têm origem em ou-
diferentes interpretaçÕes poÌíticas para as idéias de "nacionaÌ" e "estrangeiro'l tros locais: as palmeiras vieram da Índia, o futebol da Inglaterra, o samba da
<<segllrançâ
Para os ideólogos da direita, a nacional" dependia da derrota cle África. Recentemente, estudiosos têm examinado os modos através dos quais
urn marxismo "esirangeiro'] âo passo que para a esquerda a luta deveria se a identidade nacional é mediada, textuaiizada, construída, "iraaginacla'l assini
voltar contra o imperialismo e as coÍpoÍacões multinacionais. como as tradições valorizadas pelo nacionalismo são "inventadas'l2s Qualquer
definição de nacionaliciade, portanto, é discursiva por natureza e deye le.rar

400 t 4 Ver Roberto Schwarz, "Nacional por subtração", em eue horas sãa?, 9g7"
z5 Ver Benedict Anderson, Inagined Communìtìes: ReJlectíons on the Origins and Sprecd oJ > 401
em conte fatores como classe, gênero, sexualidade, diferença racial e cultural.
(<-^^ã^"
El^,1-"- ô-. /ìihân;dò uc!êv Lstttv s*ra -^--+-"-Ã^:*^-:-:-:-
lurtrlt ul4u rt11ê5il4114 €-

carnbiante.
Os terceiro-munciisras muiias vezes forjaram sua i<iéia cìe nação <ie acordo
com o modelo europeu, nesse sentido obedecendo à narrativa ilurninista do
eurocentrismo. E as nações e promessas que eles imagilaram raramente se
concrcüzaia.in. Do ponio de üsra da raca. classe, sênero e sexuaìida<ie, essas
nações ern geral permanecerarn etnocêntricas, patriarcais, burguesas e horno-
fóbicas. Ao mesmo tempo, a redução do nacionalismo do Terceiro Mundo a
urÍì rnero eco do nacionalisrao europeu ignora a realpolitik internacional que
obrigou os colonizados a atiotarem o discurso e a prática da nação-estaco
precisamente para acabai com o colonialisrno. A formação dessas nações-es-
tado muitas vezes envoheu um processo duplo de, por urn lado, unir diyersas
etnias e regiões que halìam sido separadas pelo colonialisrno e, por outro,
dividir regiões de moCo a forçar redefinições regionais (Iraque/Kuwait) ou
grandes deslocamentos de população (Paquistão/Índia). Aiérn disso, as geo- * +--i

gra,fias poiiticas e as fionteiras entÍe países nem sempre coincidem com o que fulairi môn io e fetic h ìs mo m e r canlil: Xa I a, de 5e mbene.
Said charnou de "geografias iriraginárias" - daí a existência de"emigrés inter-
nos" e rebeldes nostálgico-s - isto é, gïupos Ce pessoas que possuem o mesmo O declinio da euforia teiceiro-munciista trou:<e consigo uma necessi(liì(l('
passapoïte, mas cujas reiações com a nacão-estado são conflitantes e ambi- de repensar as possibilidades poiíticas, culturais e estéticas, quando a retirrit:;t
valentes. No contexto pós-colonial de constantes deslocamentos de povos, a c1a revolução começou ã ser vistâ com certo ceticisrno. Enquanto isso, as ltrlits

frliação com a nação-estado se torna parcial e coniingente.26 de iiberação nacional dos anos 6o e 7 o esbarrâram em Problemâs econônlit os
i,{l
e miliiares que difrcultaram yioleniamente sua adoçáo como modeÌo revoltl
> Natianalism,Londres, Verso, r9B3; e E. J. Hobsbawm e Terence Rmger (orgs.), The Inven- pós-independência. Uma combinação de prcssõcs
lti cionário para as sociedades
tion of Tradition, Cambridge, Cmbridge University Press, r983. fËrn português, Á invenção
lt do rlrr, cooptação e pequenas guerrilhas obrigou até regimes socialistrs ir
das tradições,zo ed., tÌâd. de Celina Crdim Cavalcanti, Rio de Janeiro, Paz e Terra,ry77.f
i.il1
z6 Comunidades diaspóricas, como sugere r\Iichael Hanchard, expressan lealdade menos a colaborarem com o capitalismo transnacional. A-lguns regimes intensificarartr
ifl
Estados nacionais espaciaimente f,xos do que a rma atitude em relação ao tempo. A diás- a repressão daqueles que desejarâÍn ir além de uma revolução puran'Ìcntü
ili
l,ir pora africma forma uma'tomunidade ideaìizada" cujos "movimentos sociais podem ser en- nacionâlista parâ reestruturar as relações de classe, gênero e etnia. Cìomo rt'
i,ill
tendidos como a velocidade mobìlizad.a em um monento histórico no sentido de encurtar
suÌtado de pressões externâs e divisões internas, o cinema também rcÍÌctitr
ii
a duração - o tempo - de opressãol Dìversas "velocidades de exisiência" ocorrem em um
rti essâs mutações, com a verve anticolonial dos fr1mes anteriores sendo grâ(liì
único e mesmo momento, "destruindo o mito das identidades coletivas dos Estados nacio-
nais unificadas, estáveis'l MichaeÌ Hanchard, 'A Notion of Afro,Diasporic Time'l trabalho tivamente substituída por temas mais diversificados. Isso não quer dizcr tltrc
apresentado na workshop 'The World the Diaspora Makes'l Universidade de Michigan, 5-7 os artistas e intelectuais se tornaÍam menos poliiizados, mas que suas criticls
402 jun. r99r, e que nos foi gentilmente envíado pelo autor. políticas e culiurais tomaram noYas e diferentes formas.
l'rrr 1i.r,rl I'r,tlrrzitkrs por horÌìcÍìs, os filmes terceiro-mundistas não ex- ção, mas não abandonam necessariamente a noção de J.uta pela emancipaçiur.
l,r,.,,,r.rrì rrrrrrloirrlcrcsscporulllacríticateministadocÌiscursonacionaüsta Io enianio, ao iiivés de e-"iiai a contradiçáo, eles insistem na dú-,iida c ntis
l.l,r rrt.rror lì.rt lc ilrts vczcs cÌcs favoreceram O espaco genéÍico (masCUlinO) dOS moÍnentos de crise. No lugzir de uma grande narrativa-mestra anticolonial,
, ):, l)('l (ii(:{)s, scja nas ruas, nas rrìontan}ìas ou na floresta. A presenca eÌes favorecem a heterogiossia e a proiiíeração das <iiferencas, em narrativas
',rìlr,rrl{
nrrrìnìr,r ,l.r; rrrtrllrt'r-cs crtrrespondia ao espaco público destinado a eias talto policêntricas que não são ústas como expressões de uma verdade única, mrs
rr.r,, r. v,,lrr,, o, s itrrt icoloniaÌistas quanto no discurso terceiio-mundista. As lu- como formas políticas e estéticas de construção do coletivo.
I r'. , l.r,; rr rr r lircrcs lìo caÌnpo 'brivadrj' garrharãiìì poucâ atençãc. AJg::nas .,,e-
i, , l.r:; ( ir r'('tliì l-rìnì âs bombas, como em / batalha de Argel, mas somente em
,;

n{,r ì(' (l;ì "nuçrrtil Nlais freqüentemente elas forara forçadas a carÍegar o "fa-rdo"
(l,r .ìl( 1Ì()r.iir rncional (a argeiina dançando com a bandeire eÍì A batalha C,e

. |r'ostituta argentina crÌja imagem acompanha o hino nacional ern Ia


\r,r','/, rr
I lrttrt rlt lrts Llornos, a jornalista mestiça em Cubãgua, que simboliza a nacão
\,( rì('zucl;.ìiliÌ) ou se transíormaratl em personiÊcações do irnperialismo (fun-
, ionltlo, assinr, como bodes expiatórios, corno no caso da figura da'prostituta
l,.rbilôrrici'nos âlmes de Rocha).As contrad.ições Iigadas à questão do gênero
lomnr strbordinaCas ao esfoÍço anticolonia-l: as mulheres tinham que esperaï
"srrrr vcz". O d.iscurso nacionaiista em si não dá conta das várias camadas que
corrstituem as identidades dissonantes dos sujeitos diaspóricos ou pós-colo-
nilis. Os Íìlmes dos grupos minoritários e cLo Terceiro Mundo dos anos Bo e

9o, por outío lado, não rejeitam o conceitc de nação, mas questionam suas
rcpì'essÕes e seusÌimiies. Embora muitas vezes recorrâm ao estilo autobiográ- I

Íìco, eles nem sempre são narrados na prirncira pessoa, nem são "merar'rente"
pcssoais. Neles as fronteiras entre o pessoal e o coletivo, assirn como as fron- I

teiras entre o documentário e a ficção, são constantemcnte aoagadas. A forma


do diáiio, o comentário em voice-over, o texto escrito em torn confessionai,
todos oferecem evidências de uma memória coietiva de violência coÌonial.
Enquanto diversos fiÌmes terceiro-mundistâs de um período anterior do-
cumentam histórias aliernativas através Ce imagens de arquivo, entrevistas,
ciepoimentos e reconstruçÕes históricas, geralmente lirnitando seu escopo âo
espaço público, os filmes dos anos 8o e 9o utilizam a câmera como um mo-
nitor das esferas sexuâlizadas dos gêneros nos espacos domésticos e pessoais,

vistos como partes integrantes, mas reprirnidas, da história coletiva. Esses


fiÌmes revelam um certo'teticismo" em relação às metanarrativas de liberta-
-lo5

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