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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

INSTITUTO DE CULTURA E ARTE


CURSO DE FILOSOFIA

JOÃO LUIZ MORAES DA SILVA

TRABALHO DE FILOSOFIA POLÍTICA

FORTALEZA – CE
2014.1
ZARDOZ: O MESTRE DOS FANTOCHES E O MATERIALISMO
FILOSÓFICO.

Quando a vida humana, ante quem a olhava, jazia miseravelmente por


terra, oprimida por uma pesada religião, cuja cabeça, mostrando-se do
alto dos céus, ameaçava os mortais com seu horrível aspecto, quem
primeiro ousou levantar contra ela os olhos e resistir-lhe foi um grego
um homem que nem a fama dos deuses, nem os raios, nem o céu com
seu ruído ameaçador, puderam dominar (Lucrécio, livro I; Da
Natureza).

"Do fanatismo à barbárie não há mais do que um passo.”


(Diderot)

RESUMO

O presente artigo tem a intenção de apresentar de forma sucinta o materialismo


filosófico e seu pensamento antirreligioso tendo como fio condutor o filme de ficção
científica, ou como querem alguns, ficção psicodélica: Zardoz, filme obscuro lançado na
década de 70 e protagonizado pelo ator britânico Sean Connery.

INTRODUÇÃO

O materialismo filosófico tem como principal característica a redução de toda


realidade à matéria, negando a existência da alma e a realidade de um mundo espiritual1
ou como caracteriza Hobbes no Leviatã, “todas as partes do universo são corpos e tudo
o que não é um corpo não faz parte do universo; e como o universo é tudo, aquilo que
não faz parte dele não existe e não está em alguma parte.”2 Podemos nos enganar
achando que o materialismo, como descrito acima, seja fruto da modernidade e do
pensamento contemporâneo que eliminou velhas utopias e derrubou antigos ídolos, nada
desejando além daquilo que é, como diria Nietzsche. Na verdade essa forma de enxergar
o mundo ecoa de longa data. Temos na figura de Demócrito, considerado o primeiro
pensador materialista3, Epicuro, Lucrécio4 e Tucídides,5 vozes destoantes dos louvores

1
Japiassú e Marcondes, 2006.
2
“La Mettrie adotava a ideia do mecanicismo (...) e enuciara ousadamente que o mundo todo, sem
exclusão do homem, era uma máquina . A alma é material, e a alma é sentimental” (Durant, p. 225)
3
Demócrito não acreditava numa vida depois da morte, sustentando que tudo o que existe na natureza
está sujeito à putrefação e à extinção.
aos deuses e suas hecatombes. Embora não sejam a rigor materialistas, esses filósofos
desafiaram o senso comum e as estruturas do poder religioso com ousadia e
originalidade, foram verdadeiros petardos contra a superstição. Xenofanes embora não
sendo ateu descreveu de forma satírica a crença nos deuses de seu tempo “os homens
pensam que os deuses se vestem, falam e são como eles”, também foi responsável pela
ideia dos “deuses-polícia” que causam terror e medo da punição. São essas figuras do
pensamento ocidental as primeiras vozes contra o medo gerado pelos deuses.
Personagens que desconfiaram e que pensaram tendo como base a realidade material e
natural do mundo, despindo-o de todas as fantasias e fábulas que facilmente encontra
terreno fértil nos corações dos homens prenhe de anseios diante da espantosa realidade
do mundo em que habitamos:
O homem, talvez por ser o mais mentiroso e mais mimético de todos os
animais, por pura sobrevivência, teve que criar para si a maior de todas
as mentiras jamais criada: a ideia de que existe uma origem. E que
podemos vê-la. Tocá-la. Narrá-la. Vivê-la.6

A escolha deste filme como meio para apresentar o pensamento filosófico


materialista é óbvio quando se assiste a película dirigida por John Boorman. Zardoz é
claramente uma crítica à religião como uma forma de aprisionamento e manipulação de
corações e mentes através do medo.7 O diretor inglês denuncia o mal que a religião tem
disseminado ao longo da trajetória humana. Nele assistimos Sean Connery (personagem
Zed) citando o filósofo Nietzsche8 em uma espécie de depósito de ídolos esquecidos,
que está sendo destruindo pelos habitantes de Vortex em um raro momento de fúria e
falta de tédio por parte de seus habitantes. Pessoas assexuadas e apáticas devido sua
avançada tecnologia que longe está em dar fim a infelicidade humana e seu lamentável

4
Lucrécio foi o único escritor europeu a apresentar um sistema filosófico, por oposição a teológico, sob a
forma de um grande poema. Defendia que a religião era responsável por muitos atos condenáveis, e o
sacrifício humano era um deles e que, portanto devia ser completamente abolida (História do ateísmo
ocidental).
5
“Tucídides não só ignorou totalmente os presságios e divinações, exceto na medida em que representava
um fator puramente psicológico, como omitiu completamente na sua narrativa qualquer referência aos
deuses. Era uma atitude sem precedentes na época” (Breve História do Ateísmo Ocidental).
6
Revista Filosofia Ciência e Vida. Editora: Araguaia. Nº 69. 2002. Artigo de Rodrigo Petrônio:
Mitologia das origens.
7
“Se recuarmos ao começo, veremos que a iginorância e medo criaram os deuses; que a imaginação, o
entusiasmo ou o embuste os adornou ou desfigurou; que a fraqueza os venera; que a credulidade os
preserva; e que o costume os respeita, e a tirania os apóia a fim de fazer com que a cegueira dos homens
atenda aos seus interesses.” Durant, p. 226 citando o barão de Holbach (1723-1789).
8
Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se
olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você (Nietzsche).
desejo pelo infinito e suas origens. Ao longo desse trabalho citaremos alguns autores do
iluminismo Francês (Voltaire9 e Diderot10) na medida em que comentamos sobre as
cenas importantes do filme com alto teor filosófico.

ZARDOZ: O MESTRE DAS MARIONETES.

Uma cabeça humana11 aproxima-se flutuando em fundo negro e diz:


Eu sou Arthur Frayn,e eu sou Zardoz. Eu vivo há 300 anos e anseio por
morrer, mas a morte não mais é possível Sou imortal. Eu agora
apresento minha história, repleta de mistério e intriga, rica em ironia e o
mais satírico... Passa-se muito além num futuro possível, logo nenhum
desses eventos ainda ocorreu. Mas eles podem. Estejam atentos para que
não terminem como eu. Neste conto eu sou um falso deus, por ocupação e
um mágico, por vocação. Merlin é meu herói. Sou o mestre das
marionetes. Eu manipulo muitos dos personagens e eventos que verão.
Mas sou também inventado, para seu entretenimento,e diversão. E vocês
pobres criaturas, quem lhes moldou a partir do barro? Deus também
está no showbiz?

Provocativamente que tem início o filme, intrigante já nos primeiros minutos o


filme de John Boorman é um líbelo contra a superstição e o medo gerado pela religião
que manipula as vontades e potências humanas, com o filme ele concorda com Cioran
que denuncia a criação como o primeiro ato de sabotagem12 na história da civilização.
Zardoz é um filme de ficção científica lançado em 197413, produzido e dirigido
por John Boorman14. A premissa do filme chama a atenção a história de Zardoz se
desenrola em um futuro pós-apocalíptico, no ano de 2293 a humanidade está dividida

9
“Citar Voltaire”, segundo Victor Hugo, “é eternizar todo o século XVIII”, (Durant, p.200).
10
“O homem só será livre quando o último déspota for estrangulado com as entranhas do último padre".
11
Segundo o filosofo Xenofanes: “Os homens pensam que os deuses se vestem, falam e são como eles” e
“Se os bois, os cavalos e os leões soubessem desenhar e pintar fariam os deuses à sua própria imagem.”
12
Cioran: “A criação foi o primeiro ato de sabotagem”.
13
O filme é facilmente encontrado na internet sob a marcação de ficção científica. Alguns comentadores
de sites e blogs o denomina como “esquisito”, “pretencioso”, “incompreensível”, “kitsch”. Um filme com
certeza mal compreendido por causa do seu forte apelo visual, surrealista e lisérgico.
14
Também diretor de “O Exorcista II-O Herege" e "Excalibur".
em três grupos, os “Brutais”, grupo de sobrevivente desesperados e famintos que são
duramente perseguidos pelo grupo dos “Exterminadores” liderado por Zed15, que tem
como função principal exterminar e controlar a praga humana, impedindo que se
reproduzam.
Os Exterminadores, que vivem no mundo exterior ou cidade baixa, são
controlados por uma elite de cientista do grupo dos Eternos, moradores da inacessível
cidade alta, a idílica e asséptica16Vortex. Os cientistas descobriram o segredo da
imortalidade e possuem total controle da religião sob a forma do soberano Zardoz, que
faz dos homens seus fantoches. O clima da cidade baixa é desolador.17 Os
Exterminadores obedientes aos desígnios do deus Zardoz caçam e estupram os Brutos:

Zardoz se dirige a vocês, seus Escolhidos. Vocês foram erguidos da


brutalidade para parar os brutos que procriam e formam rebanhos.
Para tal fim, Zardoz, seu deus, lhes deu a dádiva da arma. O pênis é
maligno. O pênis atira sementese cria vida nova para contaminar a terra
com a praga do Homem, como foi outrora. Mas a arma atira morte e
purifica a terra da imundice dos brutos. Vão em frente e matem. Assim
diz Zardoz.

Nessa cena inicial do filme Zardoz vomita armas letais para que os seus
adoradores, que gritam: “louvado seja Zardoz”, cumpram seus objetivos mortais. O fato
de Zardoz possuir o formato de uma cabeça humana revela como a religião instituída
pensa e dita regras aos seus seguidores, legitimando assassinatos, saques e estupros de
suas vítimas, tudo em nome da divindade18.Como disse Nietzsche no seu Anticristo:
“As noções de “além”, de “juízo final”, de “imortalidade da alma”, da própria “alma”,
são instrumentos de tortura, sistemas de crueldade de que se serviam os sacerdotes para

15
Personagem interpretado pelo ator britânico Sean Connery.
16
Os Eternos perderam a habilidade de produzir ereções porque eles não precisam mais reproduzir, porque
todos são imortais e os recursos são escassos.
17
Isso lembra lembra Voltaire no livro Zadig: “ele, então, imaginou a espécie humana tal como é na
realidade, um grupo de insetos devorando-se uns aos outros sobre um pequeno átomo de barro”.
19
se converterem em senhores para manter seu poder (...)”. Eis o perigo do fanatismo
religioso na voz de Zed:
Zardoz nos deu a arma. Nós éramos os escolhidos. Qual era sua tarefa?
Matar os brutos que procriam e formam rebanhos. Cavalgávamos.
Vagávamos pelo Exterior. Matávamos. Era o bastante. O Homem nasceu
para caçar e matar.

Assim faziam os Exterminadores em nome da religião20e seus supostos


benefícios.21 Reiterando o que disse Voltaire “aquele que alimenta a sua loucura com a
morte é um fanático” e “quando uma vez o fanatismo tendo gangrenado um cérebro, a
22
doença é quase incurável” ou como bem disse Amalrico de Bena no século XII, “O
23
inferno é a ignorância”.
Ao longo da história humana o fanatismo fez milhares de vítimas24, temos como
exemplo o filósofo Espinosa25 que foi excomungado do judaísmo, Giordano Bruno
queimado vivo em uma fogueira após um julgamento autoritário e Galileu forçado a
retratar-se perante seus algozes. São inúmeras as histórias dramáticas de pessoas26
inocentes e perseguidas por terem uma crença diferente da estabelecida pelos
sacerdotes. Deixemos Sade se expressar com a sua escrita penetrante:
Ser quimérico e vão cujo nome apenas derramou mais sangue na face da
terra do jamais qualquer guerra política, por que não retornas ao nada
de onde a louca esperança dos homens e seu ridículo temor infelizmente
ousaram te arracar?! Tu que só surgiste para o suplício do gênero
humano, quantos ciúmes seriam poupados na terra se houvessem
degolado o primeiro imbecil que ousou falar em ti! Vamos, aparece se
existes e não admitas que uma frágil criatura ouse te insultar, afrontar,
ultrajar como faço renegando tuas maravilhas e rindo de tua existência,
feitor de pretensos milagres! 27

19
Nietzsche. 2004, p. 73.
20
Ver: “Teoria dos deuses Policia”Xenofanes, Tucídides, Protágoras,Crítias.
21
"O que Zardoz diz? Zardoz diz que se você obedecê-lo,você irá para um Vortex quando morrer e lá
viverá para sempre.”
22
Dicionário filosófico, verbete: Fanatismo.
23
Ou como disse Diderot: “O primeiro passo para a filosofia é a incredulidade”
24
Diderot ficou preso seis meses pela sua Carta sobre o Cego. Buffon, em 1751, foi obrigado a retratar-se
publicamente pela suas aulas sobre a antiguidade da Terra; Freret foi mandado para a Bastilha por ter
feito um levantamento crítico sobre as origens do poder real da França; livros continuaram a ser
queimados oficialmente pelo carrasco público até 1788, como também após a Restauração em 1815; em
1757, um edito decretava a pena de morte para qualquer autor que “atacasse a religião” – isto é,
questionasse qualquer dogma dafé tradicional. (Durant, p. 207)
25
Espinosa : “Frequentemente, ao ver pessoas que se vangloriam de professar a religião cristã – ou seja,
amor, alegria, paz, moderação e caridade para com todos os homens – discutindo com uma animosidade
bastante rancorosa e demonstrando diariamente uma para as outras um ódio tão intenso, fico imaginando
se não seria esta, e não as virtudes que elas professam, o critério de sua fé” (Durant, p. 168)
26
Ver o caso Jean Calas torturado, assassinado, mutilado e queimado em 1761 por autoridades católicas.
Segundo o escritor Will Durant um exemplar do dicionário Filosófico de Voltaire foi encontrado em
poder do rapaz e queimado junto com ele na fogueira.
27
Fantasmas, Sade.
Para o sábio marquês apenas o impresso era divino, outro deus seria apenas uma
mácula na memória dos homens, o que contrasta com a ignorância de Zed que imerso
neste universo de ficções puras,28 comete inúmeras vilezas em nome da religião o que
para o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, tratava-se de um entrave para a própria
existência impedindo os seres humanos de viverem dignamente, pois a religião
impossibilita o bailar da vida, promovendo a docilização da existência, “o cristianismo
pretende dominar homens ferozes; o meio de consegui-lo é torná-los doentes – o
enfraquecimento é a receita cristã para a domesticação, para a „civilização”.29 A noção
de pecado tornou a existência humana doente colocando os projetos humanos em uma
camisa de força, o pecado, esse verme, vem gerando angústia e conspirando“contra
saúde, a beleza, a retidão, o valor, os espírito, a beleza da alma, contra a própria vida” 30
A sorte de Zed começa a mudar quando ele é atraído em uma de suas caçadas de
destruição e morte a um antigo prédio, “Algo ocorreu. Algo que mudou tudo. Eu... perdi
minha inocência. Um rosto na janela”. O personagem encontra dentro do velho prédio
um tesouro esquecido do seu mundo: uma biblioteca. Fascinado, aprende a ler e após
várias descobertas literárias se depara com uma brochura que irá mudar toda a sua
trajetória: “Eu li tudo. Aprendi tudo que havia sido ocultado de mim. Eu aprendi como
era o mundo antes da escuridão31 chegar. Então, um dia, eu encontrei... o livro. O livro
chamado... chamado...” aqui vale a pena transcrever essa parte do diálogo do filme para
melhor compreendermos a importância da descoberta de Zed32·:
-Qual era o livro? Qual era o nome do livro?
- Eu não lembro!
- Diga-me. - Mostre-me. Você deve me contar!
- Não! Não!
-Conte-me! Mostre-me! Você deve me contar!
- Não posso!
- Você o viu escondido na pedra. - É claro que você sabe.
- Não consigo lembrar!
-Sim, consegue! - Você sabia que Arthur era Zardoz, não é?
- Não!
- Você matou Arthur, não foi?
- Não!
-Mostre-me tudo! O que estava fazendo? Você matou seu próprio
deus por acidente.
Ou não foi acidente? Agora, mostre-me o livro. O que você
encontrou no livro? Mostre para mim.
- É um truque! Um truque!

28
Nietzsche. 2004, p. 42
29
Nietzsche. 2004, p. 55.
30
Nietzsche. 2004, p. 107.
31
Referência do diretor ao período da história da humanidade denominada de trevas (Idade média)?
32
Nessa parte do filme Zed está na cidade de Vortex sendo interrogado pelos Eternos que querem saber
sobre a sua chegada até ali e principalmente quem assassinou Arthur Frayn, osuposto deus Zardoz.
-O que era um truque? Diga-me!
-Zardoz disse "parem". Zardoz disse "sem mais".
- Sem mais o quê?
- Sem mais matanças.
- Ele pediu que fizessem prisioneiros?
- Sim.
- Escravos?
- Sim.
- Cultivar ao invés de matar?
- Sim.
- Plantar trigo?
- Sim!
- Vocês precisavam de trigo?
- Não, nós comíamos carne! Zardoz nos traiu. Éramos caçadores,
não fazendeiros!
- Mostre-me como entrou na pedra. Mostre.
- A cada estação, Zardoz descia.
Para pegar a colheita.
- Seus amigos também eram mutantes.
- Sim.
- Vocês tinham um plano.
- Sim.
- Vingança?
- A verdade. Queríamos a verdade!
- Eu lhes contei sobre o livro.
- Mostre. Qual é o livro?
- O Mágico de Oz. "Zardoz". "O Mágico de Oz" era um conto de
fadas, sobre um homem que amedrontava as pessoas com uma voz grave
e uma máscara. Foi idéia de Arthur Frayn. Um modo simples de
controlar o Exterior.
-Mas se lembre do fim da história.
-Eles olharam por trás da máscara
E descobriram a verdade. Eu olhei por trás da máscara, e vi a
verdade. Zardoz.
-Então esse era seu plano...
-Se infiltrar na cabeça.
-Sim.
-Qual era seu intento? Matar Arthur? Penetrar o Vortex?
Encontrar um modo de seus amigos nos destruírem?
- Ele nos tornou matadores.
- Vingança! Você queria vingança.
-A verdade! A verdade.
-Verdade ou vingança?
-Vingança!

O livroThe WonderfulWizardof Oz33, descoberto por Zed é um livro escrito


pelo autor americano Franz Baum no ano 1939. O livro narra às aventuras de Dorothy e
o seu fiel cão totó na terra de Oz, suposto mágico que através de seus poderes poderia
ajudar a protagonista a voltar para sua terra natal, sua fazenda na pequena cidade de
Kassas.

33
O Fabuloso Mágico de Oz.
Após a leitura do livro, Zed finalmente tem a explicação que irá minar todas as
suas convicções religiosas. Zed descobre que Deus é um artifício (na verdade a
contração do título do livro “WiZARDof OZ”= Zardoz)34.

É interessante perceber que devido seus novos conhecimentos Zed começa a


questionar a realidade em que vive35, bebendo da amarga realidade36 desconfia da
religião e da violência imposta aos Brutos. Zed começa a pensa por conta própria e
procura enxergar além da cabeça de pedra, deixando paulatinamente de fazer parte do
rebanho dos exterminadores, dando início a uma investigação da dura realidade em que
está inserido. A grande cabeça de pedra mostra toda a sua precariedade, Zed é
responsável pela morte do seu deus:
Quando a vida humana, ante quem a olhava, jazia miseravelmente
por terra, oprimida por uma pesada religião, cuja cabeça, mostrando-se
do alto dos céus, ameaçava os mortais com seu horrível aspecto, quem
primeiro ousou levantar contra ela os olhos e resistir-lhe foi um grego

34
A referência ao Mágico de Oz é bastante elucidativa. Os personagens do livro ao chegarem, após
muitos contratempos a cidade de Oz, descobrem que o fabuloso mágico não passa de uma farsa e que
usava artifícios tecnológicos para ludibriar e manipular as pessoas. Sua mágica e identidade eram
ilusórias assim como a do deus Zardoz que era comandado por: Arthur Frayn.
35
V. Mito da caverna de platão.
36
Segundo Diderot: “Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que
nos amarga”.
um homem que nem a fama dos deuses, nem os raios, nem o céu com
seu ruído ameaçador, puderam dominar (Lucrécio, livro I; Da
Natureza).37

Da mesma maneira como Epicuro e outros materialistas o protagonista da nossa


história enfrenta o medo instituído pela pesada religião do seu tempo buscando
explicações naturais e políticas da realidade:
De uma maneira geral, pode dizer-se que a necessidade de uma
explicação se deve ao desejo de nos libertarmos do mistério. Essa
necessidade tornar-se-á mais premente sempre que os mistérios se
tornem particularmente incômodos como parece no tempo de Epicuro e
também durante o Renascimento. Nestes momentos críticos, os homens
pretendiam explicações „científicas‟ porque não queriam continuar a
sentir o que lhes tinha ensinado a sentir sobre a natureza das coisas.
Liberta-se do medo, medo do desconhecido, dos deuses, das estrelas ou
do demônio (Breve história do ateísmo ocidental, p. 91).

Porque, diz Voltaire “é aquele que domina nossa mente pela força da verdade, e
não àqueles que a escravizam pela violência, que devemos a nossa reverência.”38

BEM-VINDO AO PARAÍSO

Essa aventura intelectual conduz o protagonista à cidade alta, local


aparentemente calmo, que com o tempo vai mostrar-se bastante hostil. Zed está agora
entre os imortais de Vortex, diante de uma realidade totalmente diferente da qual vivem
os Exterminadores e os Brutos. Na cidade dos imortais reina uma vida campestre bem
diferente da mortandade da terra baixa. Após pousar em Vortex Zed é capturado pelos
habitantes da cidade e toda realidade de Vortex é desvelada.
Vortex é uma terra com paz, abundância, conhecimento e imortalidade, mas toda
essa perfeição esconde uma sociedade dividida que sobrevive graças a exploração de
seres humanos que conhecem apenas a dor e o medo dos deuses. Assim como no livro
de H.G. Wells, A Máquina do Tempo39, todo o aparato tecnológico dos vortexianos e

37
Complementa Lucrécio: “De fato, o terror oprime todos os mortais, apenas porque veem operar-se no
céu e na terra muitas coisas de que não podem de nenhum modo perceber as causas, e cuja origem
atribuem a um poder dosdeuses” (Lucrécio, Da natureza, Livro I).
38
Duran, Will. 2000, p. 206.
39
A sociedade descrita por Wells está dividida entre os Elois, os primeiros vivem no mundo de cima
ocioso e sem nada produzir dependendo exclusivamente dos Morloks que habitam o subterrâneo e que
são os responsáveis por todo o labor que faz com que o mundo de cima subsista. Essa metáfora sombria é
uma alusão ao período vivido pelo autor onde trabalhadores eram duramente explorados em minas
subterrâneas para o conforto da aristocracia inglesa.
sua ociosidade são sustentados por uma pequena parcela de seres humanos.40 O domínio
e a manipulação só são possíveis através do pavor que a religião41 traz aos habitantes
das terras baixas (o exterior). Assim os que detêm o poder da imortalidade formam uma
casta superior, sustentados pelo fruto da fadiga dos brutos que por sua vez, são
escravizados pelos exterminadores sob ordem da divindade onde periodicamente são
entregues os frutos do suor de suas mãos: o trigo42 e o assassinato43.
Vemos a importância dos exterminadores na economia das duas cidades: manter
o controle da população, que são sistematicamente assassinados para que não se
multipliquem demasiadamente, enquanto outros são mantidos vivos para trabalharem no
cultivo do trigo, suprindo a cidade dos Eternos, “a cada estação, Zardoz descia para
pegar a colheita.” Zardoz ordenava e os homens cegamente obedeciam.
Neste local bucólico a ausência de violência é apenas ilusória. Além das pessoas
comuns de Vortex, existem dois grupos: os Apáticos e os Renegados: “condenados
a uma eternidade de senilidade,” pessoas que foram punidas com o acréscimo de tempo
(velhos, porém imortais), por se rebelarem contra a imortalidade. Em uma cena do filme
Zed ao entrar no local onde vivem os renegados é apresentado como o homem que tem
a dádiva da morte gerando com sua presença um clamor pela “gloriosa morte” e
“silenciosa morte”. Tudo o que os apáticos desejam é a presença da doce morte e o
esquecimento para toda a raça humana, “pois tem infestado por tempo demais o planeta
terra”. A imortalidade alcançada pelo homem através de outra deusa: a técnica que se
choca com a escabrosa realidade humana, Schopenhauer a descreve:

Trabalho, tormento, desgosto e miséria, tal é sem dúvida durante a vida


inteira o quinhão de quase todos os homens. Mas se todos os desejos,
apenas formados, fossem imediatamente realizados, com que se
preencheria a vida humana, em que se empregaria o tempo? Coloque-se
esta raça num país de fadas, onde tudo cresceria espontaneamente, onde
as calhandras voariam já assadas ao alcance de todas as bocas, onde
todos encontrariam sem dificuldade a sua amada e a obteriam o mais
facilmente possível-ver-se-ia então os homens morrerem de tédio, ou
enforcarem-se, outros disputarem, matarem-se, e causarem-se

40
“Este lugar foi construído em cima de mentiras e sofrimento. O mundo estava morrendo. Pegamos tudo
que havia de bom e criamos um oásis aqui. Apenas nós, os ricos, poderosos, inteligentes. Segregamo-nos
para guardar o conhecimento e os tesouros da civilização enquanto o mundo afundava numa era de
escuridão. Para tal, tivemos de nos tornar indiferentes ao sofrimento de fora”.
41
Diz Voltaire: “Quando o povo se opõe a pensar tudo está perdido”.
42
Interessante essa referência ao trigo, num trecho do filme um dos habitantes de Vortex, um dos Eternos
diz: “sempre fui contra a agricultura forçada” e tem como resposta, “você come o pão”, temos aqui não
apenas a implicação moral de tal alimento como fruto de trabalho escravo, mas também somos remetidos
a Homero onde os humanos são chamados de comedores de pão contrastando com os deuses que se
alimentam de ambrosia o “néctar dos deuses”.
mutuamente mais sofrimentos do que a natureza agora lhes impõe.
Assim para semelhante raça nenhum outro teatro, nenhuma outra
existência conviriam.44

Percebe-se que os vortexianos foram condenados em vida apagarem o preço de


sua imortalidade: o tédio45. Não é a toa que um personagem vocifera o desejo de possuir
“Qualquer coisa que alivie o tédio”. Viver para sempre em um “mundo de contos de
fadas” nos levaria a loucura ou apatia e perderíamos o interesse por aquilo que é demais
precioso entre os humanos, as relações interpessoais.46A chegada de Zed em Vortex
gera mudanças radicais em seus habitantes que vai além da curiosidade científica.
Assistimos a quebra da acedia: “é um milagre! Éramos apáticos. Começamos a caçar o
47
Bruto. Ficamos animados.” Como se pode vê a imortalidade não é necessariamente
uma condição feliz, pois continuaríamos condicionados a nossa frágil e obscura
natureza. O filme de John Boorman é uma ode a nossa mortalidade e debilidade
minando toda a nossa confiança na ciência, religião e no próprio homem.
Em outra cena interessante Sean Connery é levado a uma sala cheia de ídolos,
estátuas as mais diversas, Zed pergunta se aquele local é a casa de seus deuses e tem
como resposta: “Esta é casa do seu deus? - Ah, então é deus que você procura? Bem,
aqui estamos. Deuses, deusas, reis e rainhas. Escolha o que preferir. Mas estão todos
mortos. Mortos? Morreram de tédio”.

44
Schopenhauer. Podemos citar aqui também o filósofo Zombeteiro, “Não estar ocupado e não existir vem
dá no mesmo” ou “Aquele que não quiser cometer suicídio, tenha sempre alguma coisa por fazer”.
Voltaire citado por Will Durant.
45
“temos a vida eterna e mesmo assim nos sentenciamos a essa azucrinação”, diz um personagem.
46
Os habitantes de Vortex não mais praticavam relações sexuais e suas relações entre si eram formais.
47
Em um trecho próximo ao final do filme Sean Connery na figura de Zed diz: “a caça é sempre melhor
que a matança”. “E os que assim se fazem de filósofos, e que acreditam que o mundo seja bem pouco
razoável para passar o dia inteiro a correr atrás de uma lebre que não desejassem comprar, não conhecem
a nossa natureza. Essa lebre não nos preservaria da visão da morte e das misérias que nos desviam dela,
mas a caça nos preserva.” (Pensamentos, Pascal. p. 281).
A DOCE MORTE

Vortex, local que se opõe a vida e onde os deuses morrem de tédio tem em Zed o
grande messias, o libertador que veio do exterior trazer a verdadeira boa nova à cidade
dos imortais, o grande profeta do caos e dos exterminadores os presenteou com a morte
e o fim dos deuses:
A morte se aproxima. Somos todos mortais novamente. Agora podemos
dizer "sim" à morte, mas nunca mais "não". Agora, devemos nos
despedir uns dos outros, e do sol e da lua, das árvores e do céu, da terra e
das rochas. O cenário de nosso longo, sonho vívido.

Vortex fora infectado com a presença da mortalidade de Zed:


Este lugar foi construído em cima de mentiras e sofrimento. O mundo
estava morrendo. Pegamos tudo que havia de bom e criamos um oásis
aqui. Apenas nós, os ricos, poderosos, inteligentes. Segregamo-nos para
guardar o conhecimento e os tesouros da civilização enquanto o mundo
afundava numa era de escuridão. Para tal, tivemos de nos tornar in
diferentes ao sofrimento de fora. Somos detentores do passado para um
futuro incerto. Você é o preço que agora pagamos por esse isolamento.
Você trouxe fúria e desprezo para o Vortex... E infectou-nos todos.

As palavras de Zardoz não mais fazia sentido: “Tolo. Eu poderia lhe mostrar.
Sem mim você não é nada! Um tédio! Quão fútil! Quão fútil!”. Aprenderiam a viver a
futilidade dos dias e os desequilíbrios da existência48 sem querer ser mais daquilo que é,
vivendo de bom grado, pois sabiam que a morte os esperava e além dela nada
encontrariam.

CONCLUSÃO

Durante séculos o pensamento religioso e a superstição foram combatidos por


filósofos e cientistas que enxergaram na religião dogmática um sério entrave para o
conhecimento em suas mais diversas formas, pessoas e livros foram queimados, vidas
descartadas por pensarem diferentes e por desejarem enriquecer a vida com outras
perspectivas, outros olhares. Os olhos foram arrancados e as vidas suprimidas. Outros
viram a superstição religiosa como fruto da ignorância e obscurantismo do espírito
humano e tudo fizeram para levar luz a esses espíritos apagados pelo dogmatismo

48
“Nós vivemos do desequilíbrio, levados pela água da vida que escoa” (Bancquart).
religioso pagando com a própria vida. Ignorância49e medo frente ao desconhecido,
ferramenta ideológica que serve à dominação, ópio50, muitos foram os adjetivos usados
para caracterizar a superstição religiosa. Em tempos de retorno do fundamentalismo
religioso em pleno século XXI e de posturas da extrema direita é forçoso que estejamos
imbuídos de espírito crítico e vigilante para não retornamos as densas trevas da
superstição. “Esmagai o infame”.51

“A evolução da religião define-se pela denúncia dos deuses”


A.N. Whitehead.

O FIM

50
“A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. A
religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação
carente de espírito. É o ópio do povo” (Karl Marx).
51
Dilema de Voltaire e a forma como terminava suas cartas após iniciar sua guerra contra todo tipo de
superstição e fanatismo: “Venham, bravo Diderot, intrépido d‟Alembert, aliem-se; (...) esmaguem os
fanáticos e os desonestos, destruam as insípidas declamações, os desprezivéis sofismas, as história
mentirosa, os absurdos sem conta; não deixem que aqueles que tem senso fiquem submissos àqueles que
não tem; a geração que está nascendo deverá a nós a sua razãoe a sua liberdade” (correspondência, 11 de
novembro de 1765, citado por Durant).
BIBLIOGRAFIA

 NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2004.


 VOLTAIRE. Dicionário Filosófico. São Paulo: Martin Claret, 2004.
 LUCRÉCIO. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
 SCHOPENHAUER, Arthur. Coleção Os pensadores. 5º ed. São Paulo: Editora
Nova Cultural, 1991.
 TROWER, James. Breve história do ateísmo ocidental. São Paulo: Edições 70,
1971.
 CIORAN, Emil. Silogismo da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
 DURANT, Will. A história da filosofia. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2002.

Ficha Técnica
Título: Zardoz
Diretor: John Boorman
Roteiro: John Boorman
Elenco: Sean Connery, Charlotte Rampling, Sara Kestelman, John Alderton
Produção: John Boorman Productions
Distribuição: 20th Century Fox Home Entertainment
Ano: 1974
País: Reino Unido

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