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Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 2

APRESENTAÇÃO

Mircea Eliade (1907 - 1986) – Filósofo, Escritor, romancista e historiador das re-
ligiões reconhecido mundialmente, nascido em Bucareste, Romênia. É considerado o mais
importante e influente especialista em história e filosofia das religiões, ficou conhecido pe-
las pesquisas que empreendeu sobre a linguagem simbólica das diversas tradições religiosas.
De uma família de cristãos ortodoxos, desde jovem se tornou poliglota, aprendendo rapida-
mente o italiano, inglês, francês e alemão. Formou-se em filosofia pela Universidade de Bu-
careste (1928) onde defendeu uma tese de mestrado sobre a filosofia na Renascença italiana,
de Marcilio Ficino a Giordano Bruno. Influenciado pelo humanismo foi para a Índia onde
estudou sânscrito e filosofia hindu na Universidade de Calcutá, ainda aprendeu o hebraico e
o parsi. Sob a orientação do mestre Surendranath Dasgupta (1885-1952), professor emérito
da Universidade de Calcutá, defendeu sua tese de doutorado sobre o Yoga que resultou no
livro: Yoga - Imortalidade e Liberdade. Dasgupta era rofessor emérito da Universidade de Calcutá
e autor de 5 volumes sobre a história da filosofia da Índia.
De volta à Romênia (1932), doutorou-se no departamento de filosofia com a tese
publicada em francês Yoga: essai sur les origines de la mystique indienne (1933). Esta edi-
ção deu-lhe reputação internacional e o levou a publicar outras obras sobre Yoga e outros
textos sobre filosofia. Trabalhou como adido cultural e de imprensa nas representações di-
plomáticas romenas em Londres e Cascais, Portugal. Após a Segunda Guerra Mundial
(1945), durante a qual serviu na legião romena na Inglaterra e Portugal, por suas convicções
direitistas não voltou para a recém Romênia comunista e estabeleceu-se em Paris, e tornou-
se professor de religião comparativa na École des Hautes Études, na Sorbonne, enquanto
escrevia em francês. Emigrando para os EEUU, estabeleceu-se definitivamente em Chicago,
onde passou a lecionar história das religiões na Universidade de Chicago (1956). Passou a
chefiar o Departamento de Religião da Universidade de Chicago (1958), cargo que ocupou
até à sua morte, ocorrida em Chicago, Estados Unidos. Entre suas principais obras, caracte-
rizadas pela interpretação das culturas religiosas e a análise das experiências místicas, foram
Traité d'histoire des religions (1949) e Le Sacré et le profane (1965). 1
Entre seus numerosos escritos destacam-se: O Conhecimento Sagrado de Todas
as Eras; Mito, Sonhos e Mistérios; Mito e Realidade; Tratado da História das Religiões;
Ocultismo, Bruxaria e Correntes Culturais; Dicionário das Religiões; O Mito do Eterno
Retorno, História das Crenças e das Idéias Religiosas, O sagrado e o Profano, Ferreiros e
Alquimistas . A obra de Eliade, no entanto, não se limita ao estudo sobre à história das reli-
giões e ao estudo dos mitos. Ele é autor também de vários romances, entre quais, Isabel e as

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Fonte: WWW.germe.net.br
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águas do Diabo, O Segredo do Doutor Honigberger, As Ciganas, Senhorita Cristina, Re-
torno do Paraíso, Ilha de Euthanasius, Canteiro de Obras, Naitrey, A Sombra da Flor-de-
lis e outros.
Essa tradução foi feita do Espanhol pela professora Emília dos Santos Coutinho, a
qual me incumbiu desde o início de revisar, estudar, estruturar e fazer um pequeno vocabulário
no final deste trabalho, bem como, uma pequena e rápida apresentação do livro.
Passamos depois de concluído a tradução e as arrumações iniciais ao amigo, Carlos
Alberto Tinoco (Yogattavta), considerado um dos maiores estudiosos do hinduísmo para ler e
revisar todo o material, principalmente o que se refere ao sânscrito. Como nosso amigo Yogat-
tavta é conhecedor das obras de Mircea Eliade, ficou a ele a responsabilidade maior para fazer a
introdução deste livro que possui poucas páginas, mas muita informação.
Fazer uma apresentação do livro de Mircea Eliade não é fácil e acaba sendo tão re-
dundante como afirmar que água molha e fogo queima. Porém, essa apresentação acaba sendo
um prazer e ao mesmo tempo um gigantismo sem conta. Como perscrutar a alma de um gigante
em história das religiões? Como entender as entrelinhas que escrevia e nos deixa em seus li-
vros? Como falar da profundidade de seus trabalhos, muitos ainda sem tradução? Para falar de
um gigante como Mircea Eliade é preciso ser um gigante na área ou pelo menos um semideus.
Como não sou nenhuma e nem outra coisa, fico me perguntando o que posso oferecer na apre-
sentação de um livro como este escrito pelo inigualável Mircea Eliade?
Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro Universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.
(Fernando Pessoa, 1934).
Como eu sempre afirmo no GERME (Grupo de Estudos das Religiões Mircea Elia-
de), ler Mircea não é o bastante, é preciso ler, estudar e elaborar cada pensamento que ele nos
deixou. É sabido que apenas a escola italiana não simpatiza com os trabalhos fenomenológicos
de Mircea, pois trabalham apenas com a historicidade, pura e simplesmente. Porém, sabem da
importância desse autor para o estudo da História das Religiões.
Essa apresentação me faz lembrar que uma vez no GERME uma aluna sabendo que
ministro aulas de filosofia disse: ‘acho que você faz seus alunos ler Mircea de ponta a ponta’.
Respondi para a surpresa da aluna que nunca pedi a meus alunos da Faculdade que lessem se
quer um texto de Mircea. E a expressão dela foi de espanto. Expliquei ao grupo que não passo
as obras de Mircea na faculdade por um motivo bem simples. Para entendermos Eliade é preci-
so não apenas ler, mas estudar seus trabalhos. Imagine por um momento se colho um texto deste
trabalho e passo aos alunos para lerem. Estes com boa certeza acreditaram que Eliade é um mís-
tico indiano que está escrevendo sobre sua fé. Assim, para entender Mircea é preciso seguir e
pensar como historiador das religiões e não apenas ler um texto e acreditar que já sabe algo so-
bre o autor. Para meus alunos, mesmo de filosofia entender Mircea, seria necessário que come-
çássemos do básico e fossemos avançando gradativamente no conhecimento deste autor. Como
não tenho esse tempo na Universidade como tenho no grupo de estudo, apenas falo o nome dele
e cito algumas passagens de suas obras.
Leonardo Arantes Marques.
São Paulo, 31 de dezembro de 2009.
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INTRODUÇÃO
Mircea Eliade é um dos mais importantes estudiosos da historiografia das religi-
ões do século XX, e continuará sendo ainda por muito tempo, após esta data. O primeiro
livro que li do Eliade, foi: História das Crenças e das Idéias Religiosas, publicado no Rio
de Janeiro pela editora Zahar, em 1979. Os capítulos que mais despertaram a minha atenção
foram os XVII e XXIV, cujos dados ali contidos, foram citados em alguns dos meus livros.
No que diz respeito à mística e à erótica da Índia, pensamos quase de imediato,
no tantrismo. Mas o que é o Tantra? Responderemos do seguinte modo: O Tantra foi um
movimento cultural e religioso surgido na índia por volta do século IV E.C. Tinha por obje-
tivo, dentre outros, resgatar a mulher como a personificação do lado feminino do absoluto.
Os estudiosos do pensamento da Índia sabem que o hinduísmo é e foi machista,
advogando a necessidade do homem se retirar da vida social, para tratar do seu crescimento
espiritual. Sobre o machismo, vale citar um trecho do Manarva Dharma Sastra, conhecido
por “Código de Manú”:
[147] A girl, a young womam, or even an old woman should not do anything
independently, even in (her) house.
[148] In childhood a womam should be under her father’s control, in youth un-
der her husband’s, and when her husbad is dead,under her son’s. She should
not have independence.
(DONINGER, Wendy ; BRIAN, K. Smith (Introduction,Notes,Transletd)
(1991). The laws of Manu. London and others cityes, Penguin Books.
A tradução deste trecho, terrível, é a seguinte:
[147] Uma menina, uma mulher jovem, ou igualmente uma mulher
velha, não poderiam fazer nada, independentemente, em (sua) casa.
[148] Na infância uma mulher deveria estar sob o controle do seu
pai, na juventude sob o controle do seu marido e quando este
morre, sob o controle dos seus filhos.
Sobre a questão da necesssidade do homem se isolar, podem ser citados vários
trechos de livros sagrados do hinduísmo. Mas, serão citados apenas dois:
O Yoga deve ser praticado dentro de uma caverna, protegendo-se dos ventos
fortes, ou em local puro, plano, sem seixos e fogo, sem perturbações de
barulho, seco, não agressivo e prazeiroso aos olhos.
(TINOCO, Carlos Alberto (1996). As Upanishads. São paulo, Ibrasa, pg.300).
Deve-se praticar Hatha Yoga em uma pequena e solitária hermida (matha),
livre de pedras, água e fogo (excessiva exposição aos elementos naturais),
emk uma região onde impere a justiça, a paz e a prosperidade.
(KUPFER, Pedro (2002). Hatha Yoga Pradipiká. Florianópolis, Instituto
Dharma-Yogashala, p.19).
Como o hinduísmo considera o corpo humano? A resposta é: como algo
desprezível, asqueiroso, uma fonte de dissabores. Sobre isto, vamos transcrever o texto
abaixo:
Ó Venerável, o que há de bom no usufruto dos desejos neste corpo malcheiroso
e sem substância, um mero con-
glomerado de ossos, pele,tendóes, músculos, medula, carne, sêmen, muco,
lágrimas, fezes, urina, gases, bílis e ca-
tarro? O que há de bom no usofruto dos desejos neste corpo, que é aflingido por
desejo, raiva, cobiça, medo, desa-
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lento, inveja, afastamento do desejável, união com o indesejável, fome, sede,
senilidade, doença, pesar, morte e tu-
do mais? (Maitrayani-Upanishad, I,3).
Muitos outros trechos de obras hinduístas poderiam ser citados, mas, ficaremos
apenas com o que foi dado acima.
E como o Tantra considerava o corpo humano? Para o Tantra, o corpo humano é
uma fonte ines- gotável de satisfação, um meio precioso para o progresso espiritual. Sobre
este assunto, deve-se ler o texto abaixo:
Depois da obtenção de um corpo humano, que é difícil de obter e que serve
como uma escada para a libertação, quem é mais pecador do que aquele que
não passou para o lado do self?
Portanto, ao obter a melhor forma de vida possível, aquele que não sabe o que é
o melhor para si está meramente se matando.
Como pode alguém vir a conhecer o propósito da vida humana sem possuir um
corpo humano?Por esta razão,ten do obtido a dádiva de um corpo humano,
poderia realizar feitos meritórios.
Qualquer um deveria proteger a si mesmo por si mesmo. O si mesmo (corpo) é
o recipiente para tudo. Qualquer um deveria fazer um esforço para proteger a si
mesmo. Caso contrário, a Verdade não pode ser vista.
Aldeia, casa, terra, dinheiro, até mesmo um karma auspicioso e inauspicioso
podem ser obtidos vezes sem conta, mas não um corpo humano.
As pessoas sempre fazem um esforço para proteger o corpo.Elas não desejam
abandonar o corpo mesmo quando acometidas de lepra e outras doenças.
(Declaração de Shiva no Kula-Arnava-Tantra ,I.16-22)
Os textos acima foram extraídos do livro do Gerog Feuerstein, intitulado
Tantra: sexualidade e espiritualidade, publicado em 2001,no Rio de Janeiro
pela Editora Nova Era, páginas 66, 67 e 69.
Existem quatro linhas ou escola do tantrismo, que são:
1-dakshina-acara:a linha da mão direta. Possui técnicas de elevação espiritual,
baseadas no desper-tar dos chakras, no controle dos pranas e das nadis, dentre
outras;
2-vama-acara:a linha da mão esquerda. Possui técnicas de elevação espiritual,
baseadas na ascenção da Kundalini, energia psicoespiritual que reside no
chakra muladhara. O objetivo desta linha é elevar a Kundalini até o chakra
sahasrara, situado no topo do crânio. Isto representa a união Shiva-Shakti;
3-kaula-acara:linha que é uma síntese das escolas tântricas dakshina-acara e
vama-acara. É considerada a linha que possui as mais formas de práticas espi-
rituais;
4-siddhanta-acara:linha que é considerada a mais alta forma de vama-acara,
enfatizando uma espécie de “adoração interna”.
Na linha vama-acara há um ritual denominado chakra-puja. Trata-se de formar
um círculo de casais despidos, estando o orientador ou guru, também denominado por “se-
nhor da roda” (cakra-Isvara) colocado no centro desse círculo, com uma moça jovem, tendo
por volta dos 16 anos de idade. Essa jovem é denominada Shakti, yogini ou nayika. O mes-
tre inicia o ritual com a jovem, sendo seguidos pelos demais casais. O trabalho consiste em
manter relações sexuais, sem que ocorra ejaculação.
Para nós ocidentais, o chakra-puja é um ritual exótico, um bacanal. Acontece que
nós, ocidentais, temos a nossa sexualidade muito mal resolvida. Para os tântricos da linha
vama-acara a sexualidade é algo sagrado. Chakra-puja é uma expressão que pode ser tradu-
zida por “roda da adoração”.
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No Gênesis, primeiro Livro da Bíblia, há uma descrição do mito da queda do ho-
mem, onde a serpente dá à Eva, a maçã. Vamos transcrever um trecho importante sobre a
maldição que Deus lançou sobre a mulher, após ter comido a maçã:
“E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em
meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te
governará” (Gênese, 3.16).
Todos sabem que ao comer a maçã (praticado ato sexual com Adão), Eva intro-
duziu o pecado no mundo. E por isso, pagou duramente, como foi descrito no Gênesis. O
trecho acima é machista e inferioriza a mulher. O texto do Gênese penetrou no Ocidente
através do cristianismo. Pode-se deduzir da leitura do citado texto, como nós ocidentais te-
mos a nossa sexualidade mal resolvida, como foi dito acima, o que não acontece com os
seguidores do Tantra.
A linha vama-acara e algumas outras escolas do kaula-acara, contém o ritual do
chamado panca-ma-karas ou ritual dos “cinco Ms”. Os participantes desse ritual ingerem
e/ou comem: madya ou madirá (vinho ou licor); matsya (peixe); mamsa (carne); mudrá (ce-
real tostado); maithuna (relações sexuais). Esses elementos também são chamados de “os
cinco princípios” (panca-tattva). Maithuna é uma palavra que pode ser traduzida
por”abraçado “ ou “enroscado”.
Para que se tenha uma noção do alto valor dado à mulher, pelo Tantra, vamos
transcrever abaixo, um trecho de um importante texto tântrico:
A mulher é a criadora do universo.
O universo é a sua forma;
A mulher é o fundamento do mundo,
ela é a verdadeira forma do corpo.
Qualquer forma que ela assuma,
é a forma superior.
Na mulher está a forma de todas as coisas,
e de tudo que se move sobre o mundo.
Não há jóia tão rara quanto uma mulher,
nem há condição superior àquela de uma mulher.
Não há, não houve nem haverá
nenhum destino igual àquele de uma mulher;
não há reino, nem riqueza,
que se compare a uma mulher;
não há, não houve nem haverá
nenhum lugar sagrado que se compare a uma mulher.
Não há prece igual a uma mulher.
Não há, não houve nem haverá
nenhum Yoga comparável à uma mulher,
nenhuma fórmula mística nem ascetismo
que se compare a uma mulher.
Não há, não houve nem haverá
riqueza mais valiosa que uma mulher”.
(Shaktisangama Tantra)
Vamos transcrever abaixo, um trecho do citado livro de Georg Feuerstein, sobre a
iniciação tântrica de Brajamadhava Bhattacharya:
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Brajadhava Bhattacharya, no seu livro autobiográfico “O Mundo do Tantra”, des-
creve como, quando rapaz, foi iniciado nos segredos sexuais por uma mulher, a mis-
teriosa “Dama de Açafrão”. Juntos, eles foram para um templo abandonado onde a
bhairavi ( mestre feminino do Tantrismo) acendeu um fofo, jogou incenso nele e de-
pois caiu em profunda meditação. Sentado juto a ela, ele também fechou os olhos e
divagou.De repente, sentiu-lhe o toque gentil e, quando olhou para ela, descobriu pa-
ra seu inteiro assombro que estava agora completamente nua, deitada de bruços com
as pernas na postura de lótus. Pétalas de flor se espalhavam ao redor da sua genitália,
e a bhairavi tinha os pelos pubianos e outras partes do corpo besuntado com cinzas e
borrifos de cor vermelha e preta. Os órgãos genitais (yoni ou “útero”) são o ponto de
poder mais sagrado do corpo de uma mulher e devem ser devidamente reverenciados.
A bhairavi na história autobiográfica de Bhattacharya parecia transfigurada e pediu
que ele se sentasse no seu colo, como fizera muitas vezes antes, embora nunca sem
que ela estivesse usando uma peça de roupa. Ele ficou apatetado, mas obedeceu.
‘Montei no corpo sagrado e sente-me no espaço escuro deixado pelas dobras de suas
pernas. Logo no primeiro contato, percebi que sua pela estava em fogo. O calor era
insuportável. Mas eu sabia que não me cabia questionar. Assumi a costumeira postu-
ra de lótus (......). Os minutos se passaram, talvez horas. Quem se importava? Uma
corrente de prazer percorreu os 84.000 nadis dos quais ela sempre fala. Experimentei
na base da espinha uma sensação meio comichante, meio cantante que a percorreu
em toda a sua extensão. Fechei os olhos.
A bharavi disse-lhe que ele era a chama viva, o sol, brahman, ao passo que ela era
um cadáver, atado ao tempo, ao céu e ao lótus. A seguir ela pediu-lhe para recitar
versos em sânscrito, e logo ela perdeu toda a noção da presença dela e até mesmo do
seu próprio ser.
‘Alguma coisa estava acontecendo com o montículo em volta do meu pênis. Uma vi-
bração, arrebatadora, um latejar quente e profundo martelado a cada pulsação. Quan-
to mais aquilo vinha em ondas, mais eu projetava a base da espinha (......) uma esta-
nha sensação de inteireza, realização e êxtase estabeleceu-se em meus nervos’.
Quando finalmente recobrou os sentidos, ele sentiu-se exausto. Mas mesmo assim
perguntou quando poderia visitar de novo o templo em ruínas. Ela garantiu-lhe que
iriam se encontrar novamente muitas outras vezes, explicando: Um tapete também
anseia para que alguém sente nele”.Muitos anos depois, pouco antes da sua morte, ela
explicou-lhe:
‘De todas as emoções sofridas pelo homem (.....) o sexo e as emoções orientadas para
o sexo exigem o mais vital sacrifício. É a mais exigente e a mais ousada das emo-
ções; é também a mais autocentrada, perto da fome.
Ela adora o ego e acima de tudo, e odeia partilhar sua alegria e consumação. Ela é de-
sejada ao máximo, é lamentada ao máximo. Ela é criativa; ela é destrutiva. Ela é ale-
gria; é tristeza. Reverencie o sexo o hladini (o póder do êxtase).
“Ao longo dos anos, Bhattacharya aprendeu com esta mulher iniciada as várias con-
sagrações e outros rituais envolvidos na adoração tântrica”.
A palavra Tântra possui vários significados. Uma das acepções mais aceitas para esta
palavra é teia, malha, urdidura. É oriunda do radical tan, na conotação de expandir,
crescer. Tântra também pode ser compêndio, ritual, doutrina e sistema.
“O tantra seria ‘aquela que estande o conhecimento’ (tanyate vistaryate jñanam ane-
na iti tantram).
(ELIADE, Mircea (1996). Yoga: imortalidade e liberdade. São Paulo, Editora Palas
Athena, pg.171).
Segundo o hinduísmo, a humanidade passa ciclicamente, por três eras:
1- Satya Yuga-era da verdade; 1ª era. Nesta era, os homens possuíam verdadeira moralidade;
2 - Treta Yuga- 2ª era. Nesta era, os homens possuíam uma parte da moralidade que tinha na
1ª Era;
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3 - Dvapara Yuga - 3ª era. Nesta era, os homens possuíam metade da moralidade da 1ª Era;
4-Kali Yuga-era de ferro ou Era de Kali. Era de decadência, de amoralidade, roubo, crimes.
Estamos, atualmente, nesta Era.
Segundo os hinduístas, o Tântra representa a doutrina ideal para a Kali Yuga. Os Vêdas e a
tra- dição brahmânica são inadequados para a era em que vivemos.
A literatura do Tântra é vastíssima, talvez maior até que a literatura sagrada do hinduísmo.
Os seus textos se classificam nos seguintes grupos:
1-Testos Shivaístas conhecidos por “coletâneas”;
2-Textos Vishnuístas conhecidos por ágamas ou “tradições”;
3-Textos Tântricos que podem ser denominados Tântra, propriamente ditos.
Dentre os inumeráveis textos tântricos, podemos citar os seguintes:
a-Kularnava Tântra;
b-Shaktisangama Tântra;
c-Ghadarva Tântra;
d-Vishvasara Tântra;
e-Mahanirvana Tântra;
f-Yoni Tântra;
g-Tântra Asana;
h-Brhadyoni Tântra;
i-Sarada Tilanka Tântra;
j-Guhiasamaja Tântra.
Muito se poderia escrever aqui sobre o Tântra. Mas isto está fora do escopo deste
pequeno livro. A mística e a erótica da Índia é muito rica e complexa. Muito se poderia es-
crever sobre este tema, mas isto fica para outro livro.
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Há um fato muito pouco conhecido sobre o rompimento entre Mircea Eliade e o
seu orientador da sua Tese de Doutorado, o Professor Surendranath Dasgupta. Esta tese foi
depois, transformada em livro, com título de O Yoga, publicado pela primeira vez em 1936.
Em português, esse livro foi publicado com o título de Yoga: imortalidade e liberdade, já
referido anteriormente.
O referido rompimento ocorreu em dezoito de setembro de 1930. O fato foi o se-
guinte: havia uma linda jovem que residia na casa de Dasgupta, chamada Maitreyi, prova-
velmente uma criada doméstica. Mircea Eliade se apaixonou por ela e Dasgupta não gostou.
Imediatamente, pediu ao Mircea Eliade para se retirar da sua casa, onde estava hospedado.
Dasgupta alegou que o motivo do seu pedido era a sua impossibilidade de continuar sua
orientação, era a sua precária saúde. Na verdade, o motivo era bem outro, o seu desgosto
pelo envolvimento de Eliade com Maitreyi. Este fato se encontra na “Apresentação” do li-
vro intitulado La India de autoria de Mircea Eliade. A citada Apresentação foi escrita por
Mircea Handoca, estudioso da obra de Mircea Eliade. O livro referido foi traduzido do ro-
meno por Joaquín Garrigós e publicado em 2000 pela editora Herder, de Barcelona.

Carlos Alberto Tinoco


Curitiba, 28 de dezembro de 2009
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FILOSOFIA INDIANA
“A história do Mundo é um livro de mil tomos que
só conhecemos o último capítulo”. 2
É bem difícil conceituarmos a filosofia indiana, para um ocidental distraído e inexpe-
riente essa parece bem confusa, pois cada uma de suas escolas de pensamento é sistematizada
por meio de conjuntos de sutras – ‘linha’ ou ‘vínculo’; ‘textos’, ‘ensinamentos’, ‘aforismos’.
Filosofia Indiana é uma denominação genérica que se dá ao conjunto de concepções, teorias,
crenças, sistemas, cosmogonias e pensamentos desenvolvidos pelas civilizações do subconti-
nente indiano. A filosofia indiana começou a interessar o Ocidente a partir do século XVIII com
as traduções dos Puranas, do Bhagavad–Gita, do Mahabharata e dos Upanishads. Três concei-
tos fundamentam o pensamento filosófico indiano: o eu, ou atman (alma), o karma (ações), e
moksa (libertação). Dos três conceitos, o karma, que representa a eficácia moral das ações hu-
manas, parece ser o mais tipicamente indiano. O conceito de atman corresponde, de certa ma-
neira, ao conceito ocidental do eu espiritual transcendental ou absoluto. O conceito de moksa
como o mais alto ideal igualmente aparece no pensamento ocidental, especialmente durante a
era cristã, embora talvez nunca tenha sido tão importante quanto o é para a mente hindu. Exceto
pelo chamado materialismo radical (charvaka), todas as filosofias indianas lidam com esses três
conceitos e suas inter–relações, embora isso não signifique que aceitem ou utilizem sua ortodo-
xia da mesma maneira’. Talvez para nós ocidentais acostumados com uma filosofia que apre-
senta suposta práxis de diversos sistemas como; existencialismo, positivismo, pragmatismo,
fenomenologia, etc. Fica difícil olhar um sistema que se preocupou desde o inicio da sua cria-
ção apenas com a Ontologia como foi o caso da Filosofia Indiana. 3 A filosofia ocidental foi
seqüestrada pela Igreja e passou quase quinze séculos em seu domínio. Tudo o que era produzi-
do em termos de textos e teorias era para justificar o poder da igreja e a crença na existência do
cristianismo. Após longas lutas a filosofia se desprendeu da Igreja tornando–se com isso a bus-
cadora das suas próprias verdades. Porém, acreditaram os filósofos que não mais precisariam
prestar contas a Igreja e por isso, todo conhecimento sagrado poderia ser ignorado, isolado ou
desmistificado como uma suposta metafísica inacessível, caindo nossa amada sabedoria em ce-
ticismo quase absoluto. Demorou muito para que tivéssemos filósofos realmente preocupados
com a ontologia e a individualidade, acreditando ainda ser essa suposta individualidade uma
invenção o século XIX. Essa crise (separação do sagrado) que a filosofia ocidental sofreu a filo-
sofia indiana não passou. Todo pensamento indiano está coberto de filosofia e ao mesmo tempo
de sacralidade. Não existe na filosofia indiana a mesma ruptura ontológica que se criou na filo-
sofia ocidental, ou seja, um abismo entre filosofia e espiritualidade. Nas filosofias indianas não
temos uma divisão como fazemos no ocidente entre filosofia, ciência e teologia. Alguns filóso-
fos como Hegel (Fenomenologia do Espírito), Bérgson (A Evolução Criadora), Espinosa (A
Ética), Kierkegaard (O Desespero Humano), apresentam em seus pensamentos uma filosofia
que mais parece um tratado metafísico da religião do que filosofia “pura”, nos deixando entre-
ver forte ligação com o sagrado. 4 “Mas o amor de uma coisa eterna e infinita alimenta a alma
de pura alegria, sem qualquer tristeza, o que se deve desejar bastante e procurar com todas as
forças. Entretanto, não é sem razão que usei destes termos: se pudesse seriamente deliberar.
Porque, ainda que percebesse mentalmente essas coisas com bastante clareza, nem por isso po-
dia desfazer–me de toda avareza, concupiscência e glória”. 5 Os problemas que os filósofos in-
dianos na maioria ignoraram, mas que ajudaram a dar forma à filosofia ocidental inclui a ques-
tão se o conhecimento surge da experiência ou da razão, além das distinções entre o juízo analí-

2
Lissner, Assim Vivam nossos antepassados, Vol. I p. 99.
3
Eliade, M. La India, cap. 3.
4
Tola, F. y Dragonetti, C. Filosofía de La India, Parte I.
5
Spinoza, B. Tratado da correção do intelecto, p. 3.
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tico e sintético e entre verdades contingentes e necessárias. As idéias de Hegel, Bérgson, Espi-
nosa criaram na Índia uma vertente de orientação secular e ao mesmo tempo estimularam mo-
vimentos sociais e religiosos. A preocupação da filosofia indiana sempre foi o sagrado, sua forte
ligação com o mundo, sua origem (utpatti) e apreensão (jnapti) da verdade (pramanya). Em
pouco tempo, porém, os filósofos mais estudados nas universidades indianas passaram a ser os
alemães Kant e Hegel, e os sistemas filosóficos antigos foram avaliados à luz do idealismo ale-
mão. A noção hegeliana do espírito absoluto encontrou ressonância na antiga noção vedanta de
Brahman. O mais eminente estudioso hindu hegeliano é Hiralal Haldar, que abordou o proble-
ma da relação da personalidade humana com o absoluto, como se evidencia em seu livro Neo–
hegelianismo. O acadêmico kantiano que se tornou mais conhecido foi K. C. Bhattacharyya.
Foi também no século XIX que a Índia entrou em contato com o pensamento ociden-
tal, especialmente com as filosofias empiristas, utilitaristas e agnósticas da Grã–Bretanha. No
fim do século, John Stuart Mill, Jeremy Bentham e Herbert Spencer eram os pensadores mais
influentes nas universidades indianas. No fim do século XIX, Ramakrishna Paramahamsa de
Calcutá renovou o interesse pelo misticismo, e muitos jovens racionalistas e céticos se converte-
ram à fé que ele representava. Ramakrishna pregava uma diversidade essencial de caminhos que
levam à mesma meta. Seus ensinamentos ganharam forma intelectual no trabalho de Swami
Vivekananda, seu discípulo.
Alguns indianos que viveram na primeira metade do século XX merecem menção
por suas contribuições originais ao pensamento filosófico. Sri Aurobindo, ativista político que
mais tarde se tornou yogin, vê o Yoga como uma técnica não apenas de libertação pessoal, mas
também de cooperação com a necessidade cósmica de evolução que levará o homem a um esta-
do de consciência supramental. Rabindranath Tagore caracterizou o absoluto como a pessoa
suprema e colocou o amor acima do conhecimento.
Para Mahatma Gandhi, líder social e político, a unidade da existência, que ele cha-
mou de ‘verdade’, podem realizar–se pela prática da não–violência (ahimsa), em que a pessoa
atinge o limite máximo da humildade. Sob a influência do idealismo hegeliano e da filosofia da
mudança, de Henri Bérgson, o poeta e filósofo Mohamed Iqbal concebeu uma realidade criativa
e essencialmente espiritual.
Textos Sagrados 6
Os escritos sagrados da cultura indiana, são os Vedas como os mais antigos, posteri-
ormente temos os Upanishads e o Mahabharata. Os hinos védicos, escrituras indianos datadas
do segundo milênio antes da era cristã, são os mais antigos registros remanescentes, na Índia, do
processo pelo qual a mente humana produz seus deuses, bem como do processo psicológico da
produção de mitos, que leva os profundos conceitos cosmológicos.
Os Upanishads (tratados filosóficos indianos) contêm uma das primeiras concepções
da realidade universal, onipresente e espiritual que conduzem ao monismo radical (absoluto
não–dualismo, ou unidade essencial da matéria e do espírito). Também contêm antigas especu-
lações dos filósofos indianos sobre a natureza, a vida, a mente e o corpo humanos, além de ética
e filosofia social.
Os sistemas clássicos, ou ortodoxos, chamados darsanas, discutem questões como o
status do indivíduo finito; a distinção, assim como a relação, entre corpo, mente e indivíduo; a
natureza do conhecimento e os tipos de conhecimento válidos; a natureza e a origem da verda-
de; os tipos de entidades que se pode dizer que existem; a relação entre realismo e idealismo; a
questão sobre se os universos ou as relações são básicos; e o importantíssimo problema do
Moksa, ou libertação, sua natureza e os caminhos que a ela conduzem.

6
Zimmer, H. Filosofias da Índia, Parte III – As Filosofias da Eternidade.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 11
As várias filosofias indianas apresentam, no entanto, tal diversidade de visões, teori-
as e sistemas, que se torna quase impossível distinguir características comuns a todas. A aceita-
ção da autoridade dos Vedas caracteriza todos os sistemas ortodoxos: Nyaya, Vaishnava, Vaise-
sika, Sankhya, Yoga, Purva Mimansa e Vedanta. Os sistemas heterodoxos (nastika) entre eles o
charvaka, o budismo e o jainismo rejeitam a autoridade védica, apesar de seus sistemas terem se
inspirado nos Vedas. Mesmo entre os filósofos ortodoxos, a fidelidade aos Vedas limitou bem
pouca a liberdade das especulações, e os Vedas podiam ser citados, como acontece no hinduís-
mo, para legitimar uma vasta diversidade de idéias (summus bonumm), fossem monistas 7, mo-
noteístas, politeístas ou atomistas. 8
O Nyaya é uma das seis escolas de pensamento que integram a filosofia indiana orto-
doxa. O fundador dessa escola, Gautama, era conhecido em sua época como Aksapada, o de
olhos fixos nos pés. O texto de maior importância dessa escola é o Nyaya–Sutra, escrito no sé-
culo VII A.E.C.
Vaisesika tenta identificar, inventariar e classificar as entidades da realidade que se
apresentam à percepção humana.
Sankhya é o sistema filosófico indiano desenvolvido por Kapila concomitantemente
com o Yoga. A palavra significa ‘Enumeração’ ou ‘Conta’. Sistema filosófico muito antigo
(séc. VI A.E.C.), desenvolveu uma psicologia e ontologia sofisticada, que é à base do sadhana
ou prática do yoga. A leitura e prática da sadhana correspondente, o que autoriza o discípulo a
ler e praticar o texto correspondente, assim como de um comentário verbal feito pelo mestre;
esse comentário garante que a prática será executada da maneira adequada.
O Yoga influenciou muitas outras escolas por sua descrição da disciplina prática para
realizar intuitivamente o conhecimento metafísico proposto pelo sistema Sankhya, a que a Yoga
está intimamente relacionada.
Mimansa, ou Purva Mimansa, é o sistema que fornece regras para a interpretação dos
Vedas e oferece uma justificativa filosófica para a observância do ritual védico. O Vedanta
forma a base da maioria das escolas modernas do hinduísmo e seus principais textos são os U-
panishads e o Bhagavad–Gita. Ao contrário do Mimansa, é um sistema interessado na interpre-
tação filosófica dos Vedas, mais que com seus aspectos ritualísticos.
Vedanta – ‘o fim dos Vedas’ ou ‘a significação última dos Vedas’. Shankara adota
um dualismo coerente entre as ordens da matéria e as do eu, ou alma. Nessa escola, o conheci-
mento correto consiste na habilidade do eu de se distinguir da matéria. Como eram muitas as
interpretações, desenvolveram–se várias escolas de Vedanta que, no entanto, têm muitas cren-
ças em comum: transmigração do eu e o desejo de libertar–se do ciclo de renascimentos (samsa-
ra – sânscrito – devanagari: perambulação); a autoridade dos Vedas como meio para essa liber-
tação; Brahma como motivo da existência do mundo; e o atman como agente de seus próprios
atos e, portanto, receptor das conseqüências da ação.

LEONARDO ARANTES MARQUES


Psicólogo, Filósofo, Escritor e historiador das religiões, com Docência e Pesquisa Para o
Ensino Superior. Atualmente leciona Filosofia da Educação e coordena o GERME (Grupo
de Estudos das Religiões Mircea Eliade).
São Paulo, 26 de janeiro de 2010.

7
Sistema filosófico segundo o qual existe apenas uma espécie de realidade: o monismo de Spinoza identifica Deus com a natureza.
8
Os atomistas acreditavam que os elementos básicos da realidade eram átomos, partículas de matéria indivisíveis, indestrutíveis, que
se moviam no espaço. Idéia aceita até o século XIX quando Einstein propôs a divisão atômica.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 12

MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA


Toda mulher nua encarna a Natureza, a prakrti. Portanto teria que olhá–la (vê–la)
com a admiração e o mesmo desapego que ao considerar o segredo insondável da natureza,
sua capacidade ilimitada de criação. A nudez (no sentido de ficar nua) ritual da Yoga tem
um valor místico intrínseco: se diante da mulher desnuda não se descobre em seu ser mais
profundo a mesma emoção terrorífica que se sente diante da revelação do mistério cósmico,
é que não existe rito, sem um ato profundo, com todas as consequências conhecidas (alen-
tamento da cadeia karmica, etc.) A segunda etapa consiste na transformação da mulher –
prakrti em encarnação da Shakti: a companheira do rito se converte em uma deusa, da mes-
ma maneira que o yogue deve encarnar ao deus.
A iconografia tântrica dos casais divinos (em tibetano: yab–yam – pai–mãe), das
inumeráveis “formas” de budas abraçados por seu shakti, constitui o modelo exemplar do
cerimonial sexual (maithuna). Chama a atenção à imobilidade do deus: toda a ação está do
lado da shakti (no contexto do yogue, o espírito estático contempla a atividade criadora da
prakrti). Ou, no tantrismo, a imobilidade realizada conjuntamente sobre os três planos do
“movimento” – pensamento, respiração, emissão seminal – constitui o objetivo supremo.
Aqui, todavia se trata de imitar um modelo divino: Buda, Shiva, o espírito puro (Brahman),
imóvel e sereno no meio do jogo cósmico.
O Maithuna serve, em primeiro lugar, para dar ritmo a respiração e facilitar a
concentração: é neste caso um substituto do pranayama e do dharana, ou melhor, seu “apoi-
o”. A yoga é uma jovem instruída pelo guru e, portanto seu corpo está consagrado. A união
sexual se transforma em um ritual mediante o que a cônjuge (a parceira) humana se converte
em divina. O pranayama e o dharana não constituem senão os meios pelos quais durante o
Maithuna, se consegue a “imobilidade” e a supressão do pensamento, a “suprema grande
felicidade” (paramamahasukha) dos doha–kosa: é samarasa (Shahidullah traduz esse termo
por “identidade do gozo”; trata–se melhor de uma “unidade de emoção”, e mais exatamente
da experiência paradoxal, inexpressível, do descobrimento da Unidade). “Psicologicamen-
te”, o samarasa se obtém, durante o Maithuna, quando o sêmen (shukra) e o rajas das mu-
lheres permanecem imóveis.
Os textos insistem muito na idéia de que o Maithuna é antes de tudo uma integra-
ção dos princípios. “A verdadeira união sexual é a união da prashakti (kundalini) com o at-
man; as outras não representam mais que relações carnais com as mulheres”. 9 O Kalivilasa–
tantra (capítulo X–XI) expõe o ritual, mas observa que deve ser realizado unicamente com
uma esposa iniciada (parastri).
Os tântricos se dividem em duas classes: os samayin, que acreditam na identidade
de Shiva e Shakti e que se esforçam para despertar a Kundalini mediante exercícios espiri-
tuais; e os Kaula, que veneram a Kaulini (Kundalini) e que se entregam a rituais concretos.
Esta distinção é sem dúvida exata, mas nem sempre resulta fácil precisar até que ponto um
ritual deve ser compreendido literalmente. Em muitas ocasiões a linguagem tosca e brutal se
utiliza como uma armadilha (trampa) pelos não iniciados.
Um texto célebre, o SHAKTISANGAMA–TANTRA, consagrado quase inteira-
mente ao satcakrabheda (“a penetração dos seis cakra”), utiliza um vocabulário extrema-
mente “concreto” para descrever exercícios espirituais. A insistência nunca será demasiada
quando se trata da ambiguidade do vocabulário erótico na literatura tântrica. A ascensão da

9
kularnava–tantra, V, 111–112.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 13
deusa através do corpo do yoga costuma comparar–se a dança da “lavadeira” (Dombi). Com
“a Dombi em sua nuca” o yoga “passa a noite em grande beatitude”. Isso não impede que o
Maithuna também se pratique como ritual concreto. Por este mesmo fato deixa de ser um
ato profano, para se converter em rito, os casais deixam de ser seres humanos para passar a
estar “desapegados” como os deuses, a união sexual não pertence mais ao horizonte karmi-
co.
Os textos tântricos costumam repetir o seguinte adágio: “pelos mesmos atos que
fazem arder a certos homens no inferno durante milhões de anos, o yoga obtém sua saúde
eterna”. É, como se sabe, o fundamento místico do Yoga exposto por Krishna no Bhaga-
vad–Gita: “Aquele que não é motivado pelo falso ego, cuja inteligência não está enredada,
embora mate homens neste mundo, não mata. Tampouco fica preso a suas ações” (18:17) 10,
Na obra Brhadaranyaka–upanishad (V, 14, 8) ja se afirmava: “Quem assim o sabe, pese a
qualquer pecado que pareça cometer, todo o devora e é puro, limpo, sem envelhecer,
imortal”.
O próprio Buda, como se acredita na mitologia do ciclo tântrico, havia dado e-
xemplo; ao praticar o Maithuna havia conseguido vencer a Mara e, sempre mediante esta
técnica, se tornado onisciente e dominador das forças mágicas. As práticas “chinesas” (cina-
cara) recomendam essa prática em muitos dos tantras budistas.
O Mahacina–Kramacara explica como o sábio Vasistha, filho de Brahma, foi per-
guntar a Vishnu, sob seu aspecto como Buda, a propósito dos ritos da deusa Tara. “Penetra
no grande país da China e observa Buda rodeado de um milhão de amantes em êxtase eróti-
co”. A surpresa do sábio Bordeó é o escândalo. Estas são práticas contrárias aos Vedas! Gri-
tou. Uma voz no espaço corrigiu seu erro: “Se queres obter o favor de Tara – disse a voz –
então deves adorar–me mediante estas práticas chinesas”. Aproximou–se de Buda e reco-
lheu de sua boca esta lição inesperada: “As mulheres são deuses, as mulheres são a vida, as
mulheres são as jóias”. Permaneça sempre com mulheres no pensamento! Segundo uma
lenda do tantrismo chinês, uma mulher de Yenchu se entregava a todos os jovens; depois de
sua morte se descobriu que era o “bodhisattva dos ossos presos (algemados)”, ou seja, que
os ossos do esqueleto estavam unidos (atados) como elos de uma corrente.
Todo este aspecto sobrepõe ao Maithuna propriamente dito e se enquadra no
grande movimento devocional pela “mulher divina” que dominou, a partir dos séculos VII e
VIII, em toda a Índia. Com o Vishnuismo sob sua forma krishnaísta (Tradição Vaishnava),
o amor (prema) estava destinado a desempenhar o papel principal. Trata–se, sobretudo de
um amor adultero, de parakiya–rati, com a “mulher de outro”, nos famosos “cursos de a-
mor” de bengala, as disputas se organizavam entre os defensores vishnuitas de parakiya e os
de amor conjugal, svakiya, e estes últimos sempre eram vencidos. O amor exemplar era o
que ligava Radha com Krishna: amor secreto, ilegítimo, “antissocial”, que simbolizava a
ruptura que impõe toda experiência religiosa autêntica. (Temos que observar que o simbo-
lismo conjugal da mística cristã, na qual Cristo ocupa o lugar de esposo, não dá ênfase sufi-
ciente, aos olhos de um hinduísta, no abandono de todos os valores sociais e morais implíci-
tos no amor místico).

10
Para as citações do Bhagavad–Gita e os Puranas optamos pela tradução que temos de A. C. Bhaktivedanta Swami
Prabhupada, utilizada largamente pelos Vaishinavas.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 14
Radha é concebida como o amor infinito que constitui a própria essência de Kri-
shna. 11 A mulher participa da natureza de Radha e o homem da de Krishna. Radha não pode
ser conhecida senão na qualidade do próprio corpo e este conhecimento em padrão de “cor-
poreidade” tem uma validade metafísica universal. Ratna–sara proclama que aquele que rea-
liza a “verdade do corpo” (bhanda) se torna capaz de aceder (alcançar) a “verdade do uni-
verso” (brahmananda). Mas como em todas as demais escolas tântricas e místicas, quando
se fala do homem e da mulher, não esta se referindo ao “homem”, ordinário (samanya ma-
nusa), o “homem das paixões” (rajas manus), senão ao homem essencial, arquétipo “não
nascido” (ayoni manus) “não condicionado” (sahaja), “eterno” (nityer); igual que tampouco
é como uma “mulher ordinária” (bicesa rati). O “encontro” entre o Homem e a Mulher tem
lugar em Vrindaban, o cenário mítico dos amores de Krishna e Radha; sua união é um “jo-
go” (lila), ou seja, liberado da gravidade cósmica, pura espontaneidade. De outro lado, são
homologáveis todas as mitologias e as técnicas da conjunção dos contrários: Shiva–Shakti,
Buda–Shakti, Krishna–Radha são traduzíveis não importa em que “união” (as “veias ida e
pingala”, “kundalini e Shiva”, “hálito” e “pensamento”, etc.). Toda conjunção dos contrá-
rios provoca uma ruptura de nível que conduz ao redescobrimento da “espontaneidade”.
Muitas vezes, um esquema mitológico é por sua vez “interiorizado” e “encarna-
do” ao utilizar a teoria tântrica dos centros psicofisiológicos (cakra). O poema vishnuista
Brahmasamhita, o sahasrara–cakra se assimila a Gokula, morada de Krishna. E o poeta vi-
shnuista do século XIX, Kamala–Kanta, em seu poema Sadhaka–ranjana, compara a Radha
com Kundalini e descreve sua carreira para chegar ao encontro secreto com Krishna como a
ascensão da Kundalini para se unir com Shiva no sahasrara.
Mais de uma escola mística, budista ou vishnuista continuou utilizando o Maithu-
na yoguico–tântrico enquanto que o “amor devocional” desempenhava visivelmente o papel
essencial. A profunda corrente mística conhecida como sahajiya, que prolonga ao tantrismo,
e que igual a este é tanto budista como hinduísta, conserva, todavia sua primazia pelas téc-
nicas eróticas. Mas, como no tantrismo e Hatha–yoga, a união sexual é compreendida como
um meio para se obter a “beatitude suprema” (mahasukha), que não deve nunca ser alcança-
da mediante uma emissão seminal. O Maithuna aparece, pois como o coroamento de um
largo e difícil aprendizado ascético. O neófito deve dominar perfeitamente seus sentidos, e
com este propósito deve aproximar–se por etapas a “mulher devota” (nayika) e transformá–
la, mediante uma dramaturgia iconográfica interiorizada, em deusa. Para isto, deve servi–la,
durante os quatro primeiros meses como um servente, dormir na mesma casa que ela, e de-
pois a seus pés. Durante os quatro primeiros meses seguintes, enquanto continua sendo seu
servente dorme na mesma cama, do lado esquerdo. Durante quatro meses mais dormirá do
lado direito, e depois, abraçado, etc. Todos estes preliminares tem como objeto a “automati-
zação” da voluptuosidade – considerada como a única experiência que pode realizar a beati-
tude nirvânica – e o domínio dos sentidos, ou seja, a detenção seminal (do sêmen).
No Nayika–sadhana–tika (comentário sobre a disciplina espiritual em companhia
da mulher), se descreve o cerimonial com todos os detalhes. È composto de oito partes, co-
meçando com sadhana, concentração mística com ajuda de fórmulas litúrgicas; seguido de
11
Madhura–rati – ‘Apego no amor conjugal’. O amor conjugal é dividido em duas classificações, a saber, o amor con-
jugal como marido e mulher e o amor conjugal como amante e amado. O relacionamento conjugal (amante e amado) é
vivido entre a Suprema Personalidade de Deus e as jovens donzelas de Vrajabhumi, e devido ao seu amor conjugal que
continuamente existem em oito tipos de lembranças chamadas madhura–rati. Esta relação íntima provocada por amor
conjugal (amante e amado) produz movimentos das sobrancelhas, olhos, palavras doces e trocas de palavras brincando.
Na verdade, Krishna é o marido de todos, porque Ele é o desfrutador supremo. (Contribuição de Leonardo Arantes
Marques).
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 15
smarana (“a lembrança, a penetração na consciência”), aropa (a “atenção de outras qualida-
des do objeto”) quando se oferecem cerimonialmente flores a nayika (que começa a trans-
formar–se em deusa); manana (“recordar a beleza da mulher quando está ausente”), que já
significa uma interiorização do ritual. Na quinta etapa, dhyana (“meditação mística”) a mu-
lher se deita a esquerda do devoto e é abraçada “de” maneira que o espírito se inspire. Na
puja (o “culto” propriamente dito) se adora o lugar em que se senta a nayika 12, se realizam
oferendas e se dá banho na mulher, como se dá banho na imagem de uma deusa. Durante
este tempo, o praticante repete fórmulas mentalmente. A concentração alcança seu grau má-
ximo quando leva a nayika nos braços e a deposita (coloca) sobre o leito, repetindo a fórmu-
la Hling Kling Kandarpa isvara. 13 A união tem lugar entre dois “deuses”. O jogo erótico se
realiza sobre o plano transfisiológico, pois nunca tem fim.
Durante o Maithuna, o iogue e a nayika incorporam uma “condição divina”, no
sentido em que não somente experimentam a beatitude, como que podem contemplar
diretamente a realidade essencial.
Não se pode esquecer que o Maithuna nunca deve finalizar com uma emissão se-
minal: boddhicitam notsrjet, “não deve ejacular”, repetem os textos. Se não, o yogue cairá
(está sujeito) sob a lei do tempo e a morte como qualquer libertino. Nestas práticas, a “vo-
luptuosidade” exerce o papel de um “veículo”, pois é a que proporciona a tensão máxima e
anula a consciência normal, inaugurando o estado nirvanico, o samasara, a experiência pa-
radoxal da Unidade. Já vimos que: o samasara se obtém mediante a “imobilização” do háli-
to, do pensamento e do sêmen. Os Doha–Kosa de Kanha não fazem mais que insistir nisso:
o hálito “não sobe nem desce; não faz uma coisa e nem outra, mas permanece imóvel”.
“quem imobilizou o rei de seu espírito mediante a identidade do gozo (samarasa) no estado
do Inato (congênito) (sahaja), se converte em um mago de imediato; não teme nem velhice
nem a morte. Si se mantém um forte cadeado (fechadura) na porta de entrada do hálito, si
nessa terrível obscuridade se converte ao espírito em lâmpada, si a jóia do jina alcança o céu
supremo – diz Kanha –, se alcança o nirvana gozando da existência. 14
È a “identidade do gozo” (prazer) na experiência (inexpresable) que não se pode
explicar com palavras da Unidade (samarasa) quando se alcança o estado de sahaja, do não–
condionamento, da espontaneidade pura .(pag.22).Temos que considerar que esses termos
são de difícil tradução. Esforçamos–nos para expressar o estado paradoxal da não–dualidade
absoluta (advaya) que desemboca (que deságua) no mahasukha, a Grande Beatitude. Como
no brâmane das Upanishads e do Vedanta, e o Nirvana dos mahayanistas, o estado de sahaja
é indefinível; não se pode conhecer dialeticamente, e somente pode ser apreendido através
da experiência vivida. “O mundo inteiro – diz o Hevajra–tantra – é de da essência do sahaja,
pois sahaja é a quintessência (svarupa) do todo. Esta quintessência é nirvana para quem pos-
12
Há três usos do termo. Primeiro, existem dois grupos de divindades chamadas Nayika, cada uma composta de oito
deusas individuais. No segundo grupo, as mulheres também quando participam dos rituais sagrados são nomeadas de
Nayika. As oito divindades indianas são a personificação do "amor ilícito", se é que pode realmente existir algum tipo
de amor ilícito na Índia. Provavelmente são resquícios ou teorias de uma sociedade anterior ao pensamento indiano, em
que a sexualidade ainda não tinha sido classificada em que ‘pode’ e ‘não pode’ ser feito. Seus nomes individuais são:
Aruna, Balini, Jayini, Kameshvari, Kaulesi, Medini, Sarvesvari e Vimal. (Contribuição de Leonardo Arantes Marques).
13
‘De coração, amo o Supremo Senhor’. Trata–se de um mantra do tantrismo. As expressões Hling ou Kling, se referem
às batidas do coração. Kandarpa se refere ao kanda, o ponto de origem dos canais sutis, conhecidos por nadis, por onde
circulam os pranas (vitalidade: energia integrante que coordena as moléculas e células físicas e as reúne num organismo
definido); para alimentarem o corpo sutil. Prana permeia todas as formas de vida, mas não é em si o Atman ou alma
individual. Isvara é o Supremo Senhor; o Deus Pessoal, dotado dos seis atributos: domínio, poder, glória, esplendor,
sabedoria e renúncia. (Contribuição de Carlos Alberto Tinoco).
14
Veja o livro Yoga, Imortalidade e Liberdade. São Paulo: Palas Athena, 1997.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 16
sui o espírito puro (citta). Se “realiza” o estado de sahaja ao transcender as dualidades; por
esta razão os conceitos de advaya (não–dualidade) e de yuganddha (princípio de união) ocu-
pam um lugar importante na metafísica tântrica.
Nesta dialética pode ser reconhecido o tema favorito dos madhyamika e, em geral
dos filósofos Mahayanistas. Mas o tântrico se interessa pela realização (sadhana); quer “rea-
lizar” o paradoxo expressado por todas as fórmulas e as imagens que caracterizam a união
dos contrários, quer aceder (aquiescer, anuir, ceder) experimentalmente ao estado de não–
dualidade. Os textos budistas haviam popularizado, sobretudo dois “casais de contrários”:
prajna, a sabedoria, e upava, o meio de obtê–la; sunya, o vazio, e karuna, a compaixão.
“Unificá–las “ou “transcende–las” equivalia em suma a aceder à situação parado-
xal de um bodhisattva; em sua sabedoria, este não vê mais pessoas (pois, metafisicamente, a
“a pessoa” não existe; não existe mais que uma soma (agregado) de elementos, e portanto,
mediante sua compaixão, o bodhisattva se esforça por salvar as pessoas. O tantrismo multi-
plica os “casais de contrários”: sol e lua, Shiva e Shakti, as duas veias ida e pingala, etc., e
como acabamos de ver, se esforça por unificá–las mediante técnicas de fisiologia sutis e
também de meditação. È importante ressaltar este fato: qualquer que seja o nível em que se
realiza, a conjunção dos opostos representa a superação do mundo fenomênico, a abolição
de toda experiência de dualidade.
As imagens utilizadas sugerem o regresso a um estado primordial de não–
diferenciação: do Sol e a Lua traduz a “destruição do cosmos” e, em consequência, o regres-
so a Unidade original. No hatha–yoga, o indivíduo se esforça para obter a “imobilidade” do
hálito e do sêmen; fala–se inclusive do “retorno do sêmen”, ou seja, de um ato paradoxal,
impossível de conseguir em um contexto fisiológico “normal”, pertencente a um cosmos
“normal”. Em outros termos, o “retorno do sêmen” traduz, no plano fisiológico, a “trans-
cendência” do mundo fenomênico, o acesso a liberdade. Não é mais que uma aplicação do
que se denomina “ir contra a corrente” (ujana sadhana), ou do processo “regressivo” (ulta)
dos Natha–siddha, implicando em uma “inversão” total de todos os processos psicofisioló-
gicos. No fundo é a misteriosa paravrtti, já documentada nos textos Mahayanistas, e que no
tantrismo também designa o “retorno do sêmen”. O “retorno” a “regressão” implicam – em
quem as realiza – a aniquilação do cosmos e, em consequência a “saída do Tempo”, o aces-
so a “imortalidade”.
No Goraksa–vijaya, Durga (“Shati, Prakti”) se dirige a Shiva nos seguintes ter-
mos: “Como é possível, Senhor, que tu sejas imortal, e que eu seja mortal? Revela–me a
verdade, Senhor! para que eu também possa converter–me em imortal!” Nesta ocasião Shi-
va revela a doutrina hatha–yoga. Assim, pois a imortalidade não pode obter–se senão deten-
do a manifestação, o processo de desintegração; é necessário ir “contra a corrente” e reen-
contrar a Unidade primordial, imóvel, que existia antes da ruptura. Isto é o que fazem os
hatha–yoguis ao unir o “Sol” com a “Lua”. Este ato paradoxal se efetua em vários níveis por
sua vez; mediante a união de Shakti (kundalini) com Shiva em seu próprio corpo, se obtém
a inversão do processo cósmico, a regressão ao estado indiferenciado da Totalidade original;
“fisiologicamente” a conjunção Sol–Lua se traduz pela “união” de prana e apana, ou seja,
por uma “totalização “dos hálitos, em suma, mediante sua detenção. Finalmente, a união
sexual, mediante certa postura (vajrolimudra) leva a cabo o “retorno do sêmen”.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 17

ÍNDIA AOS 20 ANOS


Todavia não esqueci aquele crepúsculo de dezembro de 1931, no Porto de Bum-
bai. Estava esperando nas coxias que o barco zarpasse, mas não pude suportar ver como se
distanciavam as luzes da cidade lentamente e me refugiei em meu camarote. Eu o comparti-
lhava com dois estudantes hindus, e sabia que podia estar só durante meia hora. Quem gos-
taria de encerrar–se em um camarote há essas horas, com a noite cercando–nos e nosso bar-
co atravessando a baia?
Ia para a Índia contra minha vontade, e unicamente porque havia prometido re-
gressar um ano depois, dois quanto muito, uma vez que houvesse me livrado de minhas o-
brigações militares. Minha partida se devia a uma carta comovedora que me havia escrito
meu pai. Nos últimos tempos havia compartido com minha família meus projetos e planos,
que deveriam reter–me na Índia, todavia vários anos, de maneira que meu pai desesperado,
não havia pedido em meu nome outra prorrogação para uma bolsa de estudos ao Estado
Maior, tal como já havia feito em outras ocasiões.
Durante o outono de 1931 em Calcutá, havia recebido uma longa carta de meu
pai, na qual quase me implorava que regressasse. Se eu não me apresentasse na Corporação,
me prenderiam e me declarariam como desertor, e isso seria a maior desonra que poderia
sofrer um antigo oficial. Evidentemente, não me restava nenhuma outra alternativa.
Não me daria conta até que ponto havia mudado aqueles três anos, ate que voltas-
se para casa. Há muito tempo tinha deixado de ser aquele jovem que desembarcara em Ale-
xandria em uma noite de novembro com suas malas, e que havia perdido o rumo no cais do
porto, em busca de barco que iria a Índia. Nessa semana que passei em Alexandria, O Cairo
e Porto Said, parece que transcorreu toda uma vida. Não podia deixar de pensar, sem sorrir
– e sem um pouco de vergonha – na candura e no entusiasmo que provei quando trepado em
um camelo, vi finalmente as pirâmides, para não falar da emoção que senti ao vagar pelos
bairros populares desde a primeira noite que passei no Cairo, ou de minha emoção estando a
bordo de uma chalupa vi o Hakone Maru, que me levaria de Porto Said até o Ceilão. As lar-
gas jornadas passadas a bordo as empreguei estudando inglês e redigindo minhas primeiras
“impressões de viagem”. Egito, Mar Vermelho, o Oceano Indico. Fiz amizade com um no-
velista japonês que pretendia ser niilista, e com um hindu de Gujarat, Bhimi Chanda, em
companhia do qual iria mais para frente de Colombo a Madras.
Ceilão me conquistou antes de desembarcar. Senti–me embriagado pelos cheiros
e aromas da selva antes de tocar o porto. Mas não fui visitar Kandy e Anuradhapura, pois,
segundo me contaram tinha uma vegetação muito espessa. Estremeci de medo e de encanto
diante daquela efervescência de arena nativa e aquela desenfreada crueldade vegetal (?).
Uma multidão de plantas exóticas sucumbia sob o peso de imensos troncos meios putrefa-
tos, padecendo com o aperto das plantas criptogâmicas e os liquens gigantes e não obstante
se abriam caminho entre os fungos, o musgo de todas as cores, e as teias de aranhas. As
lembranças desta semana passada no Ceilão e no Sul da Índia me perseguiram durante mui-
to tempo.
Cheguei a península indiana pelo seu lado mais meridional, por Danushkodi, e
passei minha primeira noite em Rameswaram na casa do brâmane Ramshandra Gangadhar.
A emoção de minha primeira etapa indiana se deve ao descomedimento experimentado ao
acercar–me ao famoso templo de Rameswaram, a comoção vivida diante de seu esplendor
selvagem e desumano. No trem que nos levava a Madurai, Bhimi Chada e eu, tivemos am-
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 18
bos a oportunidade de conhecer outro jovem, que nos convidou a passar a noite na casa de
seu irmão, que era comerciante. Na manhã seguinte, nosso anfitrião nos levou a visitar o
templo gigantesco da deusa Minakshi, onde vi meus primeiros elefantes sagrados e mais
tarde nos levou a visitar o palácio de Tirumal Nayak, o último rei do país. Depois partimos
para Madras, onde passamos alguns dias na missão sueca. No Natal estivemos em Poona-
malee. Ali, em um antigo cantão desocupado, acontecia o congresso internacional do YM-
CA. 15
Estes encontros e descobrimentos me haviam proporcionado a oportunidade de
poder escrever páginas precipitadas e entusiasmadas que enviava regularmente a um jornal
de Bucareste. Mas estas primeiras experiências na Índia passaram a fazer parte ao longo do
tempo, de um passado caduco e tão distante que me dava à impressão de ser quase fabuloso.
Faziam parte de uma época de minhas ingenuidades e ignorâncias, dos tempos em que fala-
va mal o inglês e ignorava totalmente o hindustani, quando apenas decifrava o sânscrito e,
todavia não havia descoberto a escultura do sul da Índia. Com minhas duas maletas de mão
viajava em vagões cheios de gente na terceira classe sem dar–me conta de que era o único
europeu que havia. O acampamento de Poonamalee evoca em mim o ruído dos morcegos
que escutava durante a noite na habitação de um lado, as fogueiras ao redor das que canta-
vam e bailavam, por turnos, jovens vindos de todos os rincões do mundo. E lembro–me a-
quele romeno da América – missionário batista que vivia a quinze anos em Rangún – que
me havia persuadido de que devíamos manifestar nossa presença cantando algumas canções
folclóricas. Mas que, com exceção de uma marcha militar, não sabia nenhuma...
Fazia muito tempo que não me recordava dessas primeiras “experiências” no sul
da Índia. Pode ser que a última vez tivesse sido no verão de 1929, quando escrevia os pri-
meiros capítulos de Isabelle et les eaux du diable (Isabel e as águas do Diabo).
A viagem que começou dia 20 de novembro e terminaria semanas depois em Cal-
cutá, quando entrei na pensão da senhora Perris, na Rua Ripon Street, 82. Foi recomendada
por Dasgupta, que havia conhecido por casualidade em Adyar, na biblioteca da Sociedade
Teosófica, onde ele havia ido para estudar certos manuscritos sânscritos que necessitava
para o terceiro volume de sua Historia da filosofia Hindu. Naquela época devia ter uns qua-
renta e cinco anos, era rechonchudo, um pouco atarracado, e sua figura redonda se ilumina-
va graças a seu amplo sorriso. Na estação de Calcutá, aonde cheguei ao termino de dois dias
e duas noites de trem, tomei um taxi pedindo ao chofer que me levasse a um hotel. Mas ao
inteirar–me de que a habitação custava vinte rupias por dia, regressei ao taxi, e lhe ‘pedi que
me levasse à direção oferecida por Dasgupta’. Atravessamos boa parte da cidade antes de
chegar ao bairro hindu de Bhowanipore, onde eu gostaria de viver, e onde me instalaria
mais tarde. Mas Dasgupta me havia desencorajado, pois considerava que me faria falta certo
tempo para acostumar–me a vida bengali, e por isso me indicou uma pensão anglo–indiana.
Essa mesma noite, um de seus primos me conduziu ao Park Street, onde se encontrava a
15
Christian The Young Men's Association é um movimento mundial de mais de 45 milhões de membros em 124 federa-
ções nacionais filiadas através da Aliança Mundial das ACMs. Fundada em 6 de junho de 1844 em Londres, Inglaterra
por George Williams, o objetivo da organização foi colocar os princípios cristãos em prática, alcançado através do de-
senvolvimento de “um espírito saudável, a mente e o corpo”. A ACM é uma organização federada constituída por orga-
nizações locais e nacionais em associação voluntária. Hoje, ACM estão abertas a todos, independentemente da fé, classe
social, idade ou sexo. O YMCA primeiro estava preocupado com estudo da Bíblia, nos dias de hoje mudou–se para uma
abordagem mais holística ao trabalho da juventude. Cerca de seis anos após o seu nascimento, uma conferência interna-
cional YMCA em Paris decidiu que os objetivos da organização deviam tornar–se o “discipulado cristão desenvolvido
através de um programa religioso, atividades educacionais, sociais e físicos” (Binfield 1973:265). Os objetivos mais
recentes como encontrado no site do Reino Unido YMCA incluir referência ao discipulado. (Contribuição de Leonardo
Arantes Marques).
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 19
maioria das boarding–houses. Perguntou o preço a senhora Perris e ele mesmo fixou as con-
dições: noventa rupias por mês pela habitação e as comidas.
Era um grande casarão com um pátio e um jardim que, a princípio me pareceu
imenso. A sala, muito grande, fazia às vezes de restaurante. Estavam mobiliadas com um
piano, numerosas almofadas e sofás. De cada lado da sala, abriam–se três grandes quartos
cujas janelas davam para o jardim. O quarto que me designaram estava ocupado por três
outros jovens: os dois filhos da senhora Perris e Lobo, um anglo–hindu originário de Goa.
Para instalar–me não precisava mais do que uma cama e uma mesa para trabalhar. No dia
seguinte comprei uma cama que a noite podia colocar um mosquiteiro. A senhora Perris me
procurou uma mesa. Para surpresa de todos, passava nela quase todo o dia e uma boa parte
da noite, pois Dasgupta, outra vez, após indicar–me os manuais e o dicionário de sânscrito
que deveria conseguir, havia assinalado (mencionado) que deveria tomar conhecimento,
avivar da beleza para poder estar à altura dos estudantes bengalis.
Nem se quer o próprio Dasgupta poderia imaginar com que entusiasmo segui suas
instruções. Como sentia uma necessidade pessoal de concentrar–me, me consagrei exclusi-
vamente à gramática sânscrita e a filosofia hinduísta. Não deixava meu manual de sânscrito
senão para estudar um texto filosófico com tradução em inglês, e não lia mais nada. Depois
de três ou quatro meses de trabalho, os arcanos da gramática sânscrita se tornaram mais fa-
miliares. Não me concedia mais que uma pausa de poucas horas, na caída da noite, quando
saia para passear pelos bairros hindus. Evidentemente, seguia o curso de Dasgupta na Uni-
versidade. Era o único europeu que assistia e por deferência a mim, Dasgupta deu seus cur-
sos em inglês durante anos. Ao mesmo tempo estudava vedanta postshankariano e filosofia
Sankhya. O auditório era composto por uma dezena de estudantes e uma mulher que era
apaixonada por vedanta. Dasgupta lia um fragmento ou, inclusive – coisa que sempre suce-
dia – recitava de memória, com muita rapidez e com os olhos fechados. Depois o traduzia,
comentava e nos perguntava um a um se havíamos compreendido. Estas lições de texto me
encantavam e tomava tantas notas que quase sempre estava com disposição de demonstrar o
que havia compreendido.
Cheguei à bengala na estação mais bonita. Cada manhã via o mesmo céu de um
azul profundo, o mesmo sol puro e clemente. As primeiras nuvens apareceram quatro meses
mais tarde, perto das monções, de maneira que até março não me queixei de calor. Pelas
noites, quando saia a passear, tinha que levar uma jaqueta.
Este inverno a pensão da senhora Peris conheceu um período de glória. Alem de
mim e Lobo, também se hospedaram dois franceses da Indochina, Abadie e Vairrat, que
haviam decidido ir de Saigon a Paris, de carro. Tinham um veículo bem pequeno, mas que
parecia sólido. Nossos dois franceses se sentiam tão bem em Calcutá que em lugar de per-
manecer quatro dias, passaram várias semanas. Com pesar, partiram no final de janeiro. Não
saberia dizer se tiveram êxito em sua empreitada, nem se quer se conseguiram atravessar a
Índia de ponta a ponta. A senhora Perris lhe partiu o coração, pois nossos dois amigos fo-
ram fotografados, com a mão sobre o capo de seu veiculo, frente à casa de Ripon Street e a
foto saiu publicada nom Statesman.
A senhora Perris tinha três filhos e três filhas. John, de cinco anos: Verna, de sete,
e Gertie, de dez, dormiam na habitação de sua avó. A filha maior, Norinne que tinha dezes-
seis, compartilhava um quarto vizinho com outras três, ou às vezes quatro, moças, um pouco
maiores que ela. Este inverno suas três companheiras de quarto eram bailarinas do Globe
Theater. Uma delas, Catherine, se tornou minha amiga.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 20
Aproximadamente uma semana depois de minha chegada a pensão da senhora
Perris, Dasgupta me telefonou dizendo que me buscaria de carro. O marajá havia chegado
na véspera de noite, e desejava conhecer–me.
Todavia me lembro muito bem desde primeiro encontro. O segundo teria lugar
anos mais tarde na casa de Dasgupta, e eu já começava a expressar–me corretamente em
bengali. Este marajá era um velhinho frágil e miúdo, vestido com um simples dhoti. Rece-
beu–nos de chinelo sentado em uma cadeira no pátio de sua casa. A casa não tinha nada de
luxuoso, mas pode ser que não fosse a sua. Dasgupta já me havia avisado de que os sinais
externos de riqueza não lhe interessavam. Havia gastado quase toda sua fortuna em doações
e subvenções a inumeráveis instituições culturais e obras de beneficência, e todas as religi-
ões – sem distinção – se beneficiavam de sua prodigalidade, isso sem contar as inúmeras
bolsas de estudo com as que recompensavam aos alunos e estudantes com mérito. Continu-
ava subvencionando a própria Biblioteca de Dasgupta, o que lhe havia permitido a meu pro-
fessor reunir a mais rica coleção de livros de filosofia e religião, que jamais tive ocasião de
ver.
Nossa conversação foi bastante breve, primeiro porque meu inglês era, na época
bastante rudimentar, mas, sobretudo porque Dasgupta, como todo grande homem, tinha suas
pequenas fraquezas e uma forte dose de amor próprio. Para dar–se importância aos olhos do
protetor, falava comigo em francês, traduzindo nossa conversa na continuação, ao bengali.
Veja bem, como Dasgupta apenas sabia francês, a conversa foi curta. O Marajá me assegu-
rou o interesse que tinha em meus estudos de sânscrito e filosofia hinduísta. Ao final, Das-
gupta me disse que podia contar com uma bolsa de estudos de noventa rupias ao mês. Era
exatamente a quantidade que me custava a pensão da senhora Perris. Minha outra bolsa – a
que esperava da Romênia – devia, pois permitir vestir–me, comprar livros e viajar. A partir
desse dia, recebi regularmente, ao primeiro dia de cada mês, um envelope lacrado que con-
tinha nove cédulas de dez rupias.
O marajá morreu repentinamente dois anos depois. Recebi uma carta de seu filho
maior dizendo–me que continuaria com a bolsa prometida enquanto prosseguisse meus es-
tudos na Índia, apesar do estado de Kassimbazar estar agonizando devido às dívidas produ-
zidas pela prodigalidade sem limites do marajá. Mas seis meses depois voltou a me escrever
para participar–me seus pesares: seria impossível manter suas promessas. As finanças do
país se encontravam em tão péssimo estado que Kassimbazar havia sido obrigado a trocar
seu status político e de estado semidependente havia passado a depender da administração
britânica. O próprio filho do marajá teve que tornar–se funcionário de uma das empresas
industriais que antes pertenciam a seu pai.
Esta desagradável notícia não significou para mim um descalabro; já havia sofri-
do outros golpes da fortuna. E a Índia me era tão familiar que esta baixa mensal de noventa
rupias não teve para mim nenhuma importância. Sabia que sempre teria a possibilidade de
viver de maneira digna, e inclusive sem gastar uma só rupia ao ano, em um ashram do Hi-
malaia.
Soou a campainha a bordo anunciando a jantar. Meus companheiros de camarote,
todavia não haviam chegado, e eu subi para buscá–los na ponte. Na atmosfera anunciava
uma tormenta. Os ventos quentes se alternavam de maneira estranha com uma brisa mais
fresca. O tênue resplendor de Bombay já ia se percebendo, cujo golfo se encontrava a estas
alturas, meio oculto. Voltei a encontrar meus companheiros no restaurante, sem poder con-
ter sua impaciência e curiosidade, pois era sua primeira comida européia. Havia conhecido
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 21
um deles em um trem uns dias antes, e vinha como eu, de Calcutá. Era um bengali que ia
estudar engenharia na Alemanha. O outro se havia matriculado na London School of Eco-
nomics. Ambos haviam escolhido este navio italiano do qual desembarcariam em Veneza,
desde onde poderiam visitar algumas cidades européias a caminho de seu destino. Ambos
haviam se vestido, pela primeira vez, nesta manhã, segundo a moda européia. Haviam pro-
curado abrigo (agasalho), mas haviam se esquecido das luvas, de maneira que duas semanas
depois, ao desembarcar em Veneza, sob um céu gris e com um vento gelado, tiveram que
baixar a barra do casaco para poder cobrir as mãos a fim de esquentá–las.
Na mesa nós encontramos a lista de passageiros. Estávamos na terceira classe,
mas ao dar uma olhada na lista, vi o nome de Tucci. Fazia tempo que não nos víamos, pois
depois de sua vinda de Dacca havia continuado viajando, primeiro a Caxemira e depois ao
Nepal e Tibete Ocidental. De repente, todo meu famoso “passado” hindu, a fabulosa época
de meus “princípios” regressava em minha memória, assim como as lembranças vinculadas
com minhas primeiras entrevistas com Dasgupta, em Bhowanipore. Ai foi onde conheci a
Tucci, numa tarde de inverno de 1929. Ele era surpreendentemente jovem, cheio de vivaci-
dade, transbordando vitalidade. Trabalhava em várias obras ao mesmo tempo: história da
lógica hindu, liturgia tântrica da deusa Durga, simbolismo dos templos tibetanos, etc. Tinha
vindo para consultar Dasgupta a fim de que o mesmo esclarecesse um detalhe da lógica hin-
duísta. Nessa época, Tucci traduzia para o sânscrito vários tratados de lógica budista cujos
originais nessa língua haviam desaparecido, e que não existiam senão em tradução chinesa e
tibetana.
Na mesma época, eu ia ver a Dasgupta em sua casa, duas vezes por semana, pois
ele me ajudava a resolver certas dificuldades na gramática sânscrita, e supervisionava meus
progressos no estudo do sankhya–yoga. Às vezes tomamos chá juntos em seu escritório no
primeiro andar. Eu já conhecia toda sua família: primeiro conheci a sua esposa, encantadora,
jovem e bela, e a suas duas filhas, Maitreyi e Shabu, e mais tarde seu filho, que na época
tinha cinco ou seis anos, e com ele que me esforçava para falar em bengali.
No final do inverno recebi uma quantia relativa à bolsa de estudos equivalente há
cinco meses que me haviam dado na Romênia, e então pude dirigir–me pela primeira vez ao
coração da Índia: Allahabad, Benares, Delhi, Agra, Jaipur, Ajmer. A maioria dessas cidades
voltaria a vê–las em várias ocasiões no decorrer dos anos vindouros, mas em nenhuma outra
ocasião me senti tão comovido como na manhã em que, desde o alto da ponte de Dufferin,
que o trem atravessava lentamente, vi pela primeira vez, Benares, e seus ghats, cujos de-
graus de mármore branco se submergiam (afundavam) ao Ganges. Asi–ghat nunca me pare-
ceu mais bonito como esse dia, nem se quer quando o vi coberto de flores. Ao anoitecer,
tanto em um hotelzinho levado por uns angloindus ou na casa de quem quisesse me hospe-
dar, me concentrava em por minhas notas em dia, escrevendo cartas intermináveis e patéti-
cas, a meus pais e a amigos dispersos por todos os rincões da Europa.
Lembro–me que senti tal emoção em Jaipur que percebi minha impotência na ho-
ra de descrever a qualidade, e, sobretudo todo o mistério, do esplendor que me assaltava por
todas as partes, e escrevi a Ionel Teodoreanu o quanto invejava seus dotes de paisagista. Só
ele poderia mediante palavras, fazer reviver aquela profusão de formas, arabescos e cores.
Depois de instalar–me na casa da senhora Perris, enviava de maneira regular arti-
gos para um importante jornal de Bucareste. Tinha então a impressão de que não tinha gran-
de coisa para dizer sobre a inesgotável Calcutá, sobre Belur–Math, sobre Chadernagor e
seus arredores, que conheci graças a Dasgupta ou a meus companheiros de Universidade.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 22
Mas depois daquela primeira viagem a Índia Ocidental, regressei tão carregado de notas,
lembranças, impressões e encontros com personalidades extraordinários, que calculei que
contava com matéria suficiente para relatar ao menos uma dezena de artigos.
Apenas escrevi alguns artigos. Por outro lado, começava a dar conta de que se-
guia sabendo muito pouco da Índia, e que me arriscava a agir como faziam os turistas que,
depois de passar alguns dias em Benares, acreditavam ter descoberto todos os seus segredos.
De outro lado, havia me aprofundado com tal paixão nas leituras eruditas que praticamente
não dispunha de tempo material para redigir artigos para o jornal.
Tiveram que transcorrer três meses de árduos trabalhos consagrados exclusiva-
mente ao estudo do sânscrito e da filosofia hindu, para que pudesse ler outras coisas, e sair
um pouco da civilização da Índia, para iniciar–me nos do Tibete, Ásia Central e Extremo
Oriente. Minha biblioteca aumentou a olhos vistos. Não só comprava livros, como também
as publicações de varias editoras hindus, desde os clássicos da literatura sânscrita, até as
coleções de Cama Oriental Institute de Bombay. Minha estante estava para arrebentar e tive
que começar a amontoar livros em cima de minhas malas.
Chegou o calor implacável. Nos quartos, os ventiladores de teto moviam no ar
sem cessar com suas grandes aspas de madeiras e as janelas deviam permanecer fechadas
durante o dia. O trajeto em pleno sol para ir tomar o ônibus que me levava à cidade, a Uni-
versidade ou Bhowanipore ficava cada vez mais insuportável. Trocava de camisa três ou
quatro vezes ao dia. Então me fechava no pequeno banheiro e tomava água da banheira de
pedra com as mãos para jogá–la no corpo, pois não havia ducha. Esperava a chegada da noi-
te para poder respirar, vendo o jardim ou passeando pelos parques.
Mas não passava menos de doze horas por dia inclinado sobre minha mesa de tra-
balho, esforçando–me por aprender as raízes sânscritas e tentando traduzir fragmentos do
Kalidasa 16, apesar das admoestações da senhora Perris, que temia que ficasse doente.
E com toda probabilidade isso teria acontecido, se não tivesse deixado me arrastar
a diversas aventuras que me arrancavam bruscamente do esgotamento por trabalho excessi-
vo que me atazanava. A primeira destas aventuras foi uma excursão a Faridpur, em compa-
nhia do marido da senhora Perris, inspetor técnico da rede telefônica de Bengala. Há muito
tempo que me havia oferecido para acompanhá–lo em uma de suas viagens de inspeção pe-
las fronteiras da selva, mas justamente suas idas sempre haviam coincidido com cursos aos
quais eu devia assistir ou com minhas próprias viagens a Bhowanipore. Mas naquela ocasi-
ão, uma manhã de abril, que ameaçava em se converter em um dia tórrido, parti com ele a
Faridpur. Em um artigo intitulado “110 graus Fahrenheidt, cyclone direction S.O”, relataria
minha aventura em um estilo dramático, acentuando detalhes espetaculares e exagerando
um pouco os perigos que havia defrontado. Mas para dizer a verdade apenas me passei. A-
cabei com insolação, ainda que estivesse meio inconsciente e não me dava conta do que me

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Kalidaça ou Kalidasa ou Calidaça (c. 450–600 E.C.). É considerado poeta e dramaturgo hindú. O mais notável dos
dramaturgos sânscritos e o maior nome da literatura sânscrita depois de Asvaghosas (século III a.C. – c. 375 A.E.C.). A
sua vida está oculta por um véu de lendas. Deve ter sido um estrangeiro convertido à via brâmane. Era a mais brilhante
das nove gemas na corte de Vikramaditya de Ujjain. Eminente nas artes e ciências do seu tempo, desde a astronomia à
política. A tradução do seu Sakuntala no princípio do século XIX foi entusiasticamente aclamada por Goethe e revelou
a toda a Europa as realizações de nível insuspeito que a literatura sânscrita atingira. Preocupava–se essencialmente com
a estética, não mantendo interesse algum pelos problemas sociais do seu tempo; mas, era sentimental, prolixo, por vezes
grosseiro e amante em excesso de descrições longas. Obras: Três peças: Sakuntala, Malavikagnmitra (Urvasi conquis-
tada pela coragem); dois poemas épicos: Raghvansa (Genealogia da Rama) – sua obra prima, e Kumara–Samblar (As
ocasiões do Deus da Guerra); dois poemas líricos – Meghaduta (O mensageiro da Nuvem) e Rita Samhara (O Ciclo
das Estações). (Leonardo Arantes Marques).
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 23
sucedia, consegui voltar a reunir–me com o grupo da senhora Perris quando me acercava o
ciclone. Mais tarde me disse que havia escapado de uma boa. O ciclone nos arrancou do
chão, e toda nossa bagagem, as vasilhas, as térmicas com água e Whisky, assim como os
instrumentos trazidos de Calcutá, saiu voando pelos ares, para desaparecer. Todos corremos
na mesma direção, sem nem se quer escutar os gritos para que nos reuníssemos. Era prati-
camente impossível evitar os galhos e as sarças que voavam com o vento, e avançávamos
com a cabeça protegida entre os braços. Desconheço o milagre que evitou que os pés ficas-
sem presos entre os troncos das árvores abatidas pela tempestade. Também ignoro como
estava a casa na manhã seguinte, pois demorou vários dias para que eu recuperasse o conhe-
cimento.
Esta aventura fez com que renunciasse por um tempo ao programa que me havia
imposto há quatro meses. Abandonei a gramática sânscrita e comecei a ler novelas de aven-
turas. Ao anoitecer saia com nosso grupinho para jantar no bairro chinês, ou melhor, ver um
espetáculo do Globe Theater. Passei deste modo o que me pareceu uma estranha semana,
conhecendo a desconhecidos, deixando–me levar a suas casas, participando de noitadas,
onde o baile e a bebida eram de rigor, e onde as brigas eram frequentes, pelo que alguns de
nós nos encontrávamos de repente na rua com a cara ensanguentada. Em uma ocasião, em
companhia desses amigos ocasionais de um dia, entrei em um pequeno fumadeiro de ópio,
em algum lugar do bairro chinês. Para minha surpresa descobri que o senhor Perris fren-
quentava este lugar de vez em quando. Também descobri que uma das hóspedes de nossa
pensão, bailarina do Globe Theater, contava com protetores ilustres, e assim pude entrar em
mansões de um luxo inaudito e grotesco que jamais havia suspeitado existir em Calcutá.
Conheci a homens de smoking e mulheres com trajes de noite falando diante de uma cole-
ção de jades chineses ou extasiando–se frente a bronzes tibetanos, para depois interromper
sua conversação a fim de pedir aos serventes com turbantes e descalços que trouxessem
Champagne e caviar, tudo isso no meio de uma conversa em russo, Frances ou alemão.
Não regressávamos a casa antes do amanhecer. No carro que nos levava a pensão,
uma de minhas companheiras era Catherine ou Noriinne – que me fazia prometer de novo
que não revelaria onde havíamos passado a noite, e que estivemos em um clube noturno de
Chinatown. Minhas lembranças, de outra parte, eram bastantes vagas. Nem sempre podia
separar o verdadeiro do imaginário ou das conversas com aqueles misteriosos desconheci-
dos com os quais havia conversado durante horas. Sempre acabavam tendo a cabeça embo-
tada, as pálpebras pesadas e sentindo–me esgotado. Quando bem entrava a manhã vinha
despertar–me a senhora Perris ou a avó, trazendo–me uma xícara de chã negro como a tinta,
de forte que era, e tentava fazê–la crer que havia ficado naquele estado depois de beber um
copo de Whisky com muita rapidez.
Tampouco era algo verdadeiro, mas isso não explicava o estado semiinconsciente,
nem o humor caprichoso que não me abandonavam, por assim dizer. Dava–me conta de que
devia ter me ocorrido algo que eu ignorava. Não havia esquecido o isolamento que havia
sido vitima e tratava de fazer falar os meus acompanhantes. Todos me asseguravam que não
corria nenhum perigo. As tardes estavam se tornando cada vez mais quentes. Estendido so-
bre o leito tentava em vão adivinhar o que me estava sucedendo. Às vezes, quando estava
sozinho, entrava uma moça e me abraçava. Era aquela a qual eu havia dito que amava? Mas
quando? Em que circunstancias? Ao pensar nisso, às vezes, sentia bater com força o cora-
ção. Tinha uma vaga lembrança de uma promessa de matrimonio, mas quem era a eleita? Às
vezes tinha também a impressão de que o matrimonio já tinha ocorrido, fazia tempo, muito
tempo, anos. Se pudesse recordar quando.....
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 24
Para mudar as idéias havia retornado a redação de minha novela Isabelle et ses
eaux du diable. Havia começado uma tarde, abandonando–me a inspiração. O tema seguia
sendo bastante vago. Tinha a impressão de juntar certos elementos extraídos da experiência
adquirida desde que estava na Índia, mas projetava um meio cuja natureza, todavia ignora-
va. Isso sim, contava com algumas imagens: as de minha viagem pelo sul da Índia, a família
do pastor sueco que me havia acolhido em Madras, a pensão da senhora Perris, e as recentes
peregrinações noturnas em companhia de Catherine e Norinne, e dos personagens que havia
conhecido. O tema da novela ia precisando à medida que avançava em sua redação. Me
concentrava até o ponto de fascinar–me, de acreditar que o ato de escrever não fazia mais
que prolongar o estado em que havia me deslizado, quase inconscientemente.
Pode parecer raro, mas esta novela, extraída de reminiscências e lembranças pes-
soais, era totalmente imaginária, e esta forma de escrever era quiçá a que mais me agradava.
Em resumo, vivia uma existência que não era a minha, e que ninguém caso tivesse desejado
que fosse, mas alguns aspectos fantásticos, demoníacos e cruéis me fascinavam. Às vezes
me dava à impressão de ser O Doutor, um estranho personagem levado a Índia, como eu,
mas que estudava arte asiática e não filosofia hindu. E não obstante, que tinha em comum
com ele? Nunca havia acreditado no diabo, nunca havia estado obcecado pela noção de pe-
cado, e o “problema do mal” – ao menos no sentido que o entendia meu personagem – me
resultava totalmente indiferente.
Os detalhes mais insignificantes de nossa vida cotidiana na pensão se transfigura-
vam e os personagens estavam obsedados com noções que não somente lhes era totalmente
alheias, como também que jamais haviam podido germinar na mentalidade de um Anglo–
hindu. Como tentava a todo preço centrar minha novela na noção de “pecado” me vi obriga-
do a envolver meu Doutor em improváveis aventuras pansexuais. Imaginei, ao calor da ami-
zade por Tom, uma cena erótica que – uma vez de regresso a Romênia – me valeu uma re-
putação suspeita durante anos.
Outro dos temas principais da novela era a esterilidade. A verdade é que não tinha
nada de pessoal. Fosse o que fosse o significado que desse a esse termo, psicológico ou es-
piritual, jamais havia tido a sensação de ser “estéril”. Por que, então, esse estranho compor-
tamento do Doutor que, amando a Isabelle e sabendo ser amado por ela, a encontra nos bra-
ços do soldado número 11.871, e depois, quando sabe que está grávida, lhe propõe casamen-
to reconhecendo a criança? Pode ser que também fosse à lembrança das lições de Nac Io-
nesco e de minhas conversas com Mircea Vulcanesco e Paul Sterian sobre o homem e sua
“incapacidade de criar”.
Como podia ter me feito essas perguntas neste final de primavera bengali? A no-
vela não estava acabada e não obstante seguia ignorando sua conclusão. O que me encanta-
va da situação era essa espécie de “sonho de uma noite de verão” que havia vivido, e que
tentava reviver a partir de alguns detalhes. Graças a ele, me projetava no futuro. Me forjava
uma imagem de mim mesmo, com dez ou quinze anos mais e, aproveitando o impulso, ten-
tava imaginar o que me sucederia a partir dessa imagem fictícia. Me via melancolicamente
na pele de um europeu encalhado em alguma parte da Índia que tentava rememorar seu país
natal depois de trinta anos de ausência. Deleitava–me evocando a eventualidade de uma e-
xistência lamentável e fracassada colocada a perder em companhia unicamente de Anglo–
hindus, no meio banal e estéril dos pequenos funcionários coloniais. Em poucas palavras,
me imaginava vivendo uma vida marginal nessa Índia que tanto queria, separado de seus
“mistérios”, dando–lhes inclusive as costas, e com uma total indiferença a respeito do que
mais me atraia: a originalidade da civilização hindu.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 25
Entretanto, chegou à monção, com uma intensidade elétrica não esperada. Às ve-
zes tinha a impressão de que um mesmo relâmpago rajava no céu sem cessar, durante minu-
tos e minutos. Os primeiros dias caíram sem parar a chuva tropical, pesada, espessa, opulen-
ta, mas depois aos poucos pareceu seguir uma espécie de horário: não chovia mais que a
partir de certa hora e por tempo determinado. O resto do dia devíamos suportar um calor
úmido e asfixiante. A camisa se empapava ao sair de casa, e trabalhar se converteu em uma
provação. Dasgupta se foi refugiar em Chittagong com sua família. A segunda semana de
maio decidiu de improviso ir para Darjeeling.
Permaneci na região do Himalaia até final de junho. Residia em um hotelzinho de
Darjeeling, o Sanatorium. Pela manhã recorria os arredores, pela tarde estudava gramática
sânscrita, e pela noite trabalhava em minha novela. Às vezes me unia a um grupo durante
dois ou três dias, a fim de ir a Ghoum e visitar um dos monastérios budistas, ou melhor, pa-
ra contemplar o amanhecer sob a colina de Tigu, o cume branco e nacarado do Everest, que
alcançava duzentos quilômetros mais a oeste. Tinha feito algumas amizades, mas normal-
mente preferia estar só, algo que fazia tempo que não me sucedia. De vez em quando fazia
frio e se levantava a neve, e eu tinha a impressão de voltar a ver o céu dos Cárpatos. Envia-
va longas cartas à Romênia e, para meu jornal, me aplicava descrevendo Kurseong, Darjee-
ling, os estados de Bhután, muito próximo, e, sobretudo Lebong, uma aldeia da montanha
de onde assisti pela primeira vez o enterro de um lama. Sem nem se quer dar–me conta me
deixei prender pelo encanto da paisagem do Himalaia e, sobretudo, cada vez mais me sentia
atraído por esta outra humanidade asiática que havia conhecido e que me fazia sonhar com o
Tibete e a Ásia Central.
Não ignorava – pelo menos pelo momento – que o Tibete me estava proibido.
Mas não pude resistir à tentação de ir a Sikkim, sendo perfeitamente consciente de que fun-
diria todos os meus recursos econômicos em tal aventura. Efetivamente, tive que contratar
um serdar, guia e chefe de caravana, comprar uma pequena tenda de campanha, assim como
víveres para nós e os oito culies que nos acompanhavam e serviam de carregadores. Dia 31
de maio, entre a chuva e a neve, chegamos a Jorepokri. Na manhã seguinte estávamos em
Tonglu, situado a 11.000 pés de altitude, e em 2 de maio pudemos avistar o Kangchenjunga
desde Sandakphu, passando a noite em Kungallow. Foi uma noite inesquecível. Não deixa-
mos de contemplar a neve de assombrosa brancura que se sucedia até perder–se de vista, a
dezenas de quilômetros. Na manhã seguinte partimos para Sabarghan. A neve se tornou
mais densa, e começou a cair uma chuva fina de montanha, e, além disso, nos assaltaram as
sanguessugas. As sendas estavam repletas (de sanguessugas), e se deixavam cair do alto das
árvores e dos penhascos. O serdar e eu mesmo nos protegíamos o melhor que podíamos,
mas os culies iam descalços, e em pouco tempo estavam com as pernas ensanguentadas.
Não tivemos mais remédio que regressar a Sandakphu.
Desde essa época, e durante anos, tive o mesmo pesadelo: me via tentando trepar
um declive empapado pela chuva. Resvalava e não podia incorporar–me. Então via avançar
sobre mim uma massa viscosa e viva, composta de milhares de sanguessugas que me alcan-
çavam lenta e implacavelmente. A realidade tinha sido muito diferente: cansados e acossa-
dos pelas mordeduras de inumeráveis sanguessugas, decidimos cortar o caminho, e voltar a
descer o vale através de um caminho de vegetação muito espesso. Não demorou muito e
tivemos que parar. Como uma imensa almofada de espuma, colunas de sanguessugas avan-
çavam em nossa direção. Eu não as via, mas me parecia escutar o rumor surdo de seu andar
de réptil em massa. Meus companheiros não demoraram em adivinhar o que sucedia: a
monção havia chegado ao vale antes do previsto e a vegetação se viu invadida pelas san-
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 26
guessugas que iam lentamente se refugiar nas alturas. Senti que me gelava o sangue nas vei-
as e, atazanado pelo pânico, teria corrido até o vale, se o serdar não tivesse agarrado meu
braço e levado pela força até o declive que acabávamos de descer. Os culies haviam aban-
donado sua carga e subido até as alturas. Os segui, quase inconscientemente tratando de cor-
rer, mas sem deixar de titubear. Nem se quer me molestei em tocar as sanguessugas com a
brasa de um cigarro. Tinha sanguessugas no rosto, nas pernas e por todo o corpo. Apurado,
tentei arrancar as que me mordiam o peito, e protegi a região dos olhos passando a mão sem
cessar pela face.
Chegamos a nosso bangalô tarde, com a roupa aos trapos. Regressei há Darjeeling
alguns dias depois e dali mesmo mandei um dramático artigo intitulado: “Quando vem a
monção”, cuja leitura inquietou muito a todos meus conhecidos.
Não obstante, meus amigos de Darjeeling se assombraram diante da inconsciência
do serdar, que havia aceitado partir em direção a Sikkin nas vésperas das monções. Todos
conheciam a existência dessa almofada de sanguessugas, que se forma a princípio da esta-
ção das chuvas. E apesar de estar mal aconselhado, a ninguém ocorria à possibilidade, o ris-
co de encontrá–las. Um deles não descartou que o serdar pudesse ter atuado de maneira de-
liberada: havia–me feito descer pela vegetação com um único propósito de convencer–me
do perigo, e, portanto fazendo–me acreditar que só existia uma saída, a fuga. Em seguida
havia regressado ao lugar depois de uma ou duas semanas, a fim de recuperar o material e
os víveres abandonados. Esse desatino me desmoralizou. Fiquei algumas semanas em Dar-
jeeling, mas devia obrigar–me a escrever. O coração se negava. As chuvas se tornavam mais
frequentes e não saia do hotel. Finalmente, no final de junho, regressei a Calcutá.
O verão bengali me pareceu menos asfixiante, talvez devido às chuvas rápidas de
todos os dias. Uma frondosa vegetação havia se apoderado dos parques e jardins, e durante
nossos passeios noturnos pelas proximidades dos lagos, a fragrância das flores e da folha-
gem verde tinha algo de embriagador.
Esperavam–me montões de cartas, de revistas e de periódicos, chegados da Ro-
mênia durante minha ausência. Em uma entrevista, Cezar Petresco havia declarado, entre
outras coisas, que a situação dos escritores romenos havia mudado nos últimos tempos, e
que na atualidade um jovem poderia conseguir publicar um trabalho com mais facilidade,
sempre que sua obra fosse realmente interessante. Eu não estava tão seguro como ele depois
de minhas tentativas com Meny Toneghin em Cortea Romaneasca. Em todo caso, lhe escre-
vi explicando–lhe que tivesse a amabilidade de encontrar–me um editor. Recebi sua respos-
ta depois de algumas semanas. Cezar Petresco me assegurava que havia motivo para felici-
tar–me, pois um novo editor, Ciornei, já havia publicado varias de suas novelas. Me pedia
que lhe mandasse meu manuscrito quando estivesse pronto. Me anunciava que se ausentaria
alguns dias para ir ao monastério de Agapia “para trabalhar como um burro, contentando–se
com uma espiga de milho”.
Estas notícias me devolveram o valor. Fazia alguns dias que havia começado a
corrigir e voltar a transcrever o que havia escrito. E quanto a terminar o texto, essa era outra
história, pois cada página suplementar me custava um esforço esgotante. Já lhes tinha falado
de Isabelle a vários amigos, e Ionel Jianu me propôs ocupar–se ele mesmo da correção das
provas e da publicidade uma vez que Cezar Petresco tivesse arrumado o contrato com Cior-
nei.
Mas combinei para finalizar a novela nos finais de agosto. Encontrava–me desa-
pegado da literatura. O hinduísta me tinha totalmente absorvido, e as horas que tive que de-
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 27
dicar–me a redigir os últimos capítulos me pareceram intermináveis. Li e reli o manuscrito
sem ter uma opinião definitiva. Alguns fragmentos estavam escritos em um estilo que me
parecia forçado, e me irritavam, mas era demasiado tarde para suprimi–los. Além disso, es-
tava decepcionado pelo caráter arbitrário da novela, que falseava por sua vez a natureza e as
intenções pondo o acento em problemas e conflitos que nunca me haviam ocorrido nem se
quer o espírito. As únicas páginas que eu gostava eram aquelas nas que reencontrava o “so-
nho” de minha noite de verão.
Respirei quando levei o pacote ao correio: Havia recuperado minha liberdade! A
primeira hora da manhã subi na ponte. Recordei de um folhetim que havia escrito três anos
antes a bordo do Hakone Maru e que havia intitulado: Sobre o oceano Indico. Agora me
parecia o quanto o título era ridículo. Queria ver a Tucci, mas entre a terceira e a primeira
classe havia um caminho comprido e difícil. Em primeiro lugar tinha que obter a autoriza-
ção de não sei que funcionário de bordo, e esperei o resultado de meu pedido diante da gra-
de que separava nossa ponte da dos passageiros de segunda.
“Que sorte ter vinte e dois anos e poder trabalhar com Dasgupta – me havia dito
um dia Tucci – O que não havia dado por conseguir tanto na tua idade....”.
Foi em 1929, em Bhowanipore, Dasgupta acabava de enviar–me a um pandit de
seu povo com o qual deveria ler o comentário de Anirudha, e que me ajudaria a superar os
rudimentos da conversação em sânscrito naquilo que eu tinha dificuldades há vários meses.
O pandit me visitava três vezes por semana e ficava em minha companhia entre três e quatro
horas. Estas entrevistas frequentes e compridas acabaram por desgostar a senhora Perris,
pois naquela época os anglo–indianos evitavam freqüentar aos nativos. Da mesma maneira
que se sentia importante por contar entre seus hospedes com um europeu de pele tão branca
como eu, também se sentia envergonhada quando, do seu terraço, via chegar a meu pandit
bengali, em dothi e descalço, que lhe saudava cerimoniosamente juntando às palmas das
mãos a altura da cabeça e dirigindo–lhe algumas palavras em péssimo inglês. A senhora
Perris respondia sempre em hindustani, com voz glacial, e da maneira mais breve possível.
Às vezes, o pandit surpreendia a uma das moças da casa com trajes caseiros e seu
olhar se incendiava. Não demorei em perceber de que fazia nossas sessões de trabalho de-
morar mais, e que não ia embora sem ter visto a Norinne. Um dia que se sentiu poeta me fez
ler varias de suas obras – tanto em sânscrito como em bengali – que tratavam de uma moça
maravilhosa, e nas quais não tivera nenhum pudor em copiar os estereótipos de Kalidasa e
seus seguidores. Então compreendi que havia se enamorado de Norinne. Reconheceu em
seguida quando eu comentei. Está claro, ele estava casado e inclusive tinha vários filhos,
mas até aquela época nunca havia sentido um amor assim. Não sei se imaginava que algum
dia poderia abordar Norinne. Sempre me pedia que traduzisse seus poemas para o inglês e
que os ensinasse a ele.
Em setembro, Dasgupta me levou a Shantinikatan para que conhecesse a Radin-
dranath Tagore. Ali vivi um dos períodos mais decisivos de minha estadia. De repente me
encontrei submergido nessa autentica “indianidade” a que eu tanto inspirava (desejava). Tu-
do me maravilhou naquela universidade na que os cursos tinham lugar na maioria das vezes
nos jardins ou na sombra de uma arvore. Os estudantes e as mulheres que me rodeavam me
pareceram tão belas como misteriosas. Dasgupta era hóspede de Tagore, e eu me alojava na
Guest House. Minha habitação era totalmente branca, com um terraço. Várias vezes por dia
regressava expressamente a ela para anotar minhas conversas com o erudito Vidushekar
Sastri, ou uma indiscrição concernente a Tagore, cuja existência alimentava a lenda. Tinha
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 28
reservado todo um caderno para apontar tudo o que escutava sobre ele, e sobre seus extraor-
dinários dotes de sedução. Como havia dito um dia um de seus admiradores, que mais da
metade das mulheres de Bengala o adoravam.
Tive que esperar três dias antes de ser apresentado. Acompanhou–me Dasgupta e
nossa conversação se ressentiu de sua presença. Dasgupta sentia a maior admiração pelo
poeta, músico e criador de centros de cultura que era Tagore, mas o considerava um teórico
sem valor. Quando Tagore abordava comigo temas como o “sentido da existência”, ou a
busca da “verdade”, Dasgupta adotava um ar ausente e olhava para a janela. Tagore se dava
conta e isso o contrariava. Para minha alegria, alguns dias depois pude voltar a ver Tagore e
tomar o desjejum com ele sem que estivesse presente Dasgupta. Então tive a revelação des-
se clima de seita mística que rodeava o poeta, sem dúvida, às escondidas. Suas aparições
eram presididas por todo um cerimonial, fosse na mesa, no terraço ou no jardim. A presença
de Tagore era carismática. Podia reconhecer seu gênio vendo–o viver, e se adivinha que sua
existência era de uma riqueza a que poucos de seus contemporâneos poderiam aspirar. Cada
uma de suas horas era plena de sentido e de frutos. Utilizava totalmente seu tempo. Estava
presente até o ponto que perto dele pareciam desvanecer–se as flores e as manchas de luz.
Vivia em contínuo estado de criatividade. Salvo pelo tempo que passava em meditação ou
escrevendo, compunha música – então já era autor de mais de três mil melodias – pintava,
ou quando não conversava com seus amigos ou seus visitantes de uma maneira que já não se
faz nos dias de hoje. Cada um dos momentos passados em sua companhia era uma revelação.
Quando regressava a minha casa seguia sob seu fascínio. 17
Esta tarde e nos dias seguintes redigi meu diário animado (estimulado). Voltaria a
ver Tagore mais tarde, em 1930, e uma boa parte de nossas conversações de antes as relatei
no livro Índia. Mas essa primeira visita a Shantinikatan me comoveu. Me fez compreender o
que havia de banal e artificial a existência Anglo–hindu que havia levado até então. Dasgup-
ta me havia demonstrado a possibilidade de poder ir alojar–me em sua casa, em Bhowanipo-
re, e isso me devolveu o valor.
Esta mesma noite em que regressei a minha pensão de Ripon Street, um dos filhos
da casa descobriu uma serpente no salão. Provavelmente eu a trouxe de Shantinikatan, dis-
simulada na roupa de cama dobrável indispensável para todos os europeus que viajam pela
Índia. A serpente havia capturado um rato. A criança gritou: Que não venha ninguém! No
salão tem uma serpente. E a matou a porretadas, com a luz de sua lanterna.
No dia seguinte era domingo, o dia de chegada do correio da Europa, o homem
mail, como dizia os Anglo–hindus, ainda que a maioria deles já não tivesse família na Ingla-
terra há muitas gerações. Eu era o único que recebia cartas, periódicos, revistas e livros da
Europa, e passava o domingo pela tarde lendo minha correspondência. Recebia notícias dos
amigos que haviam ido a Paris apresentar um doutorado. P. Comaresco preparava sua parti-
da para a Califórnia, a Universidade de Los Angeles. Haig Acterian acabava de publicar um
livreto de versos com o nome de Mihail. A este Mikahil havia decidido dedicar meu livro
Isabelle. “A meu amigo Mihail, e a Lalu, a mendiga de Ripon Street .... Mais tarde me dei
conta, irritado, de que esta fórmula continha um certo fervor pretensioso. Mas o certo é que
numa tórrida tarde de maio, foi graças a Lalu, a mendiga, que pude por fim a uma crise de
melancolia e desespero. Fazia tanto calor que ninguém parava para por umas moedas em seu
colo. Se diria que estava dormindo. Me acerquei dela, e durante um instante pensei que es-
17
Aqui o tradutor usou a palavra ensalmo que significa oração, devido o contexto da palavra e a estrutura do texto achei
melhor utilizar a palavra fascínio ao invés de oração, que para nós no Brasil tem outros significados. (N.T.).
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 29
tava morta e coloquei a mão sobre seu braço. Se despertou e me sorriu. Depois começou a falar
e me agradeceu as poucas moedas que eu lhe havia dado em outras ocasiões. Respondi o melhor
que pude então, em um bengali aproximado, misturado com hindustani. Regressei a casa sosse-
gado e me pareceu que no Dia do Juízo Final, a remissão de meus pecados, devia a Lalu.
A pensão da senhora Perris mudou de ambiente no outono. Catherini e as bailari-
nas do Globe Theater se foram, sendo substituídas por outros hóspedes. Entre os recém che-
gados se encontrava um tal de Frank com o qual acabei fazendo amizade. Era um jovem
moreno, vindo de Madras, de caráter bastante estranho. Alguns anos depois, furioso porque
considerara como insolência uma atitude de um camareiro, lhe havia lançado uma mesinha
de mármore. Quando fugia, o camareiro tropeçou no degrau da escada, e a mesinha caiu nas
suas costas e ele caiu no chão com uma fratura na coluna vertebral. O incidente aconteceu
em pleno período de agitação ghandiana, de maneira que o juiz inglês quis dar um exemplo
(correção, castigo) e condenou Frank a pagar–lhe uma pensão para o resto de seus dias.
Mais da metade de seu salário de telegrafista era destinado a isso. Frank havia mantido um
ódio profundo tanto contra os hindus como contra Ghandi, mas chegava a dominar–se e não
bebia mais até que chegasse em casa. Costumávamos ir juntos ao bairro chinês, ou a casa de
seus amigos, mas quando fazíamos Frank nunca bebia. Sempre me via envolvido em aven-
turas bastante desagradáveis por sua causa, pois ele gostava de conversar com desconheci-
dos, com o único objetivo de ser convidado para suas casas.
Depois de dois anos de amizade me pediu que lhe emprestasse certa soma em di-
nheiro. Devia pagar a pensão e havia gasto quase todo seu ordenado. Assegurou–me que me
devolveria o dinheiro em poucas semanas. O que me disse é que iriam transferi–lo mais tar-
de para as Ilhas Andaman, e que queria vingar–se no primeiro que lhe aparecesse. Como eu
era o mais próximo, se vingou em mim. Poucos dias depois foi embora dizendo que ia ver
um amigo e que regressaria em breve. Nunca mais soube dele.
Em novembro, Dasgupta passava pela pensão de vez em quando na ultima hora
da tarde. Gostava de chegar de carro e entrar majestosamente na mansão anglo–inglesa, para
dirigir–se ao quarto onde sabia que me encontraria. Também lhe encantava conversar com
as filhas da senhora Perris, em um inglês melhor que o delas, o que certamente gostava, e
lhes recitava versos de Shelley. Certamente que preferia ter alguém com quem iniciar um
debate filosófico, ainda que só fosse para deslumbrar as moças com seus conhecimentos de
filosofia ocidental, sobretudo Hegel, que o professor McTaggart lhe havia ensinado em
Cambridge. Mas as filhas da senhora Perris, não demoravam muito em sua companhia e
Dasgupta não tinha outra alternativa que vir passar à tarde comigo.
Depois de algum tempo, quando fomos juntos a Shantinikatan, me prometeu –
sem que eu tivesse pedido – que me iniciaria nas práticas Yogas. Mas as visitas que me fa-
ziam em Rippon Street não falávamos mais do que do léxico técnico da filosofia do Sankh-
ya–yoga que eu havia começado a estudar, e de minha tese de doutorado.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 30

BOROBODUR – ‘O TEMPLO SIMBÓLICO’. 18


È de nosso conhecimento há muito tempo que as grandes construções arquitetôni-
cas das culturas “tradicionais” expressam um simbolismo muito rigoroso. As dificuldades
começavam quando se tentava decifrar esse simbolismo, pois a intenção poética ou a hipó-
tese cientifica do investigador intervinha e se tentava a todo preço reduzir os símbolos ar-
quitetônicos a um sistema sui generis interpretado normalmente como um “descobrimento
pessoal de seu autor”.
Ainda que as coisas não tenham mudado muito a este respeito, o certo é que exis-
te uma verdade que começa abrir caminho entre os especialistas: o simbolismo das constru-
ções antigas – templos, monumentos, labirintos, cidadelas – está estreitamente ligado as
concepções cosmológicas. De outro lado, quanto a mim me cabe uma série de investigações
cujos trabalhos efetuados, todavia não foram publicados, me convenceram de que, nas cul-
turas tradicionais, a maioria dos gestos humanos se reveste de um significado simbólico.
Esta afirmação deve ser entendida da seguinte maneira: a atividade do indivíduo, tanto em
suas manifestações e seus intervalos mais “profundos”, estava orientada continuamente em
direção a uma realidade transhumana. Tentava–se levar a cabo uma reintegração do homem
na realidade absoluta, em geral experimentada intuitivamente como uma “totalidade”: a vida
universal, o cosmos. Por isso, cada gesto humano possuía, além de sua eficácia intrínseca,
um sentido “simbólico” que o transfigurava. Por exemplo, caminhar ou alimentar–se, gestos
tão pouco significativos, tão quotidianos eram – e, todavia o são em algumas culturas asiáti-
cas – um “ritual”, ou seja, um esforço de integração na realidade supraindividual, suprabio-
logico. E esta integração se realiza, em nosso exemplo, rimando os passos segundo as nor-
mas do ritmo cósmico (na Índia, na China, nas civilizações do Este da Ásia). Ou melhor, se
tomamos outro exemplo, a alimentação identificando os órgãos do corpo humano com cer-
tos “poderes” (na Índia, os deuses do corpo) que transformam o homem em um microcos-
mo, de estrutura e essência idênticas ao Grande Todo, o macrocosmo.
Sendo sempre consciente destas “identidades” e destas “correspondências” de seu
ser com o cosmos, o homem das culturas tradicionais 19, não fazia mais que em raras ocasi-
ões gestos desprovidos de “sentido”, um gesto de simples eficácia biológica. Por isto tenho
afirmado que o simbolismo, além de explicar as construções arquitetônicas das culturas tra-
dicionais, também estava implicado em toda a vida dos que participavam destas culturas.
Em face deste esforço permanente de integração, ou melhor, de “reintegração” no cosmos, a
vida e os gestos do indivíduo estavam evidentemente isentos de toda “originalidade”.
Eram gestos canônicos, rituais e, por isso, a vida do indivíduo era translúcida,
compreendida – como segue ocorrendo em certas culturas asiáticas – mas não importa qual
membro da comunidade. Como o esforço de integração de cada um era o mesmo (pois se

18
É o maior monumento (mortuário/templo) budista do mundo. Situa–se na parte central da ilha de Java, aproximada-
mente a 40 km ao noroeste da cidade de Yogyakarta, um dos centros de cultura javanesa tradicional. Atualmente é a
atração turística mais popular da Indonésia. Foi construído no século VIII, originalmente como um templo hinduísta.
Posteriormente sua construção foi continuada como um stupa budista. Com o advento do islamismo à ilha de Java, foi
abandonado e envolvido, com o passar dos anos, pela selva até a sua redescoberta em 1814 por colonos ingleses. A
UNESCO promoveu um programa para sua reconstrução e recuperação que findou em 1983. O monumento é composto
por seis plataformas quadrado encimado por três plataformas circulares, e é decorada com 2.672 painéis de alívio e 504
estátuas de Buda. A cúpula principal, localizado no centro da plataforma superior, é cercada por 72 estátuas de Budas
sentados. (Leonardo Arantes Marques).
19
Por este termo entendemos que toda cultura – seja etnográfica (“primitiva”), ou alfabética – denominada em sua tota-
lidade por normas cuja validez religiosa ou cosmológica (metafísica) não é colocada em causa por nenhum dos mem-
bros da comunidade.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 31
realizava conforme as normas) a comunicação passava a ser infinitamente facilitada, pois as
pessoas se reconheciam e se compreendiam inclusive sem falar: segundo a indumentária, as
tonalidades e as formas das pedras preciosas, os desenhos da roupa, os gestos, o modo de
andar, etc. Em alguns estudos precedentes (“Jade, Mudra, etc., – publicados no livro Frag-
mentum, 1939) examinei estes aspectos sociais dos simbolismos asiáticos. Proponho–me
retornar ao tema em uma obra mais importante, Símbolo, Mito e Cultura, tratando em pri-
meiro lugar da função metafísica do símbolo, gerador de mitos e criador de cultura. Esta
obra não se insere na serie de livros modernos de filosofia da cultura, pois não parte do es-
tudo morfológico de certa cultura nem examina os estilos culturais, ainda que busque de-
monstrar a universalidade das tradições metafísicas e a unidade do simbolismo das primei-
ras civilizações humanas. Apliquei o mesmo método de trabalho, ainda que de maneira mais
restrita, em minha recente monografia A Mandrágora, Ensaio sobre as origens das lendas
(original em francês).
A presente observação não pretende, claro está, atacar o espinhoso problema do
simbolismo arquitetônico sob todos os aspectos. Só me proponho discutir algumas das con-
clusões a que chegou um sábio francês, o senhor Paul Mus, que, ainda na atualidade segue
sendo um desconhecido fora dos círculos especializados, em poucos anos estou seguro de
que desfrutará de grande notoriedade. Paul Mus, membro da l “École Française de l” Extre-
me Orient, autor de vários estudos de iconografia budista e de historia religiosa annamita,
publicou recentemente uma obra monumental: BOROBODUR. Resumo de uma historia do
budismo baseado na crítica arqueológica dos textos. 20 Não é exagerado afirmar que esta
imensa obra – que contará com duas mil páginas e que está precedida por um prólogo de
302 páginas in quarto, nas que o autor fundamenta seu método – desempenhará no india-
nismo o fértil papel que ocupou no século passado o livro do gentil Burnouf. 21 Mas os li-
vros de Paul Mus 22 não só revolucionaram os pontos de vista atuais em matéria de india-
nismo. BOROBODUR tenta fundamentar sobre bases totalmente novas e sólidas a compre-
ensão da arquitetura asiática em seu conjunto e decifrar metodicamente o simbolismo cos-
mológico que implica toda construção oriental.
Por desgraça, tal e como disse o autor do prefácio Georges Coedés 23, diretor de
“L Ècole Française de L Extreme Orient”, quem está disposto a buscar, em uma imensa
monografia sobre um templo de Java, uma nova interpretação do budismo? E como eu so-
maria uma nova filosofia da cultura da Ásia anterior. Assim, pois, estou escrevendo este
artigo precisamente para atrair a atenção dos arquitetos e historiadores das artes e das religi-
ões. E faço com muito prazer, pois Paul Mus – cuja erudição è infinita e cuja intuição nunca
parece errar, nem se quer quando se adentra em terrenos alheios ao orientalismo – demons-
trou de maneira definitiva algumas das conclusões as que eu havia chegado em estudos pa-
ralelos; e isto, com uma profusão de detalhes e um rigor que nunca havia esperado.

20
O estudo apareceu no Bulletin de l “École française de l” Extreme–Orient. Foi publicado em 1935 pelas Èditions Paul
Geuthner, o primeiro volume conta com 302 mais 576 páginas in quarto, e o primeiro fascículo do segundo volume,
com 226 páginas.
21
Eugène Burnouf (1801–1852). Foi um eminente estudioso francês e orientalista que fez contribuições significativas
para a decifração da antiga escrita cuneiforme persa. Publicou textos sânscritos e fez a tradução para o francês do Bha-
gavata Purana ou Histoire poétique de Krichna em três volumes (1840–1847). Seus últimos trabalhos foram Introduc-
tion à l'histoire indien du Bouddhisme (1844), e uma tradução de Le lótus bonne de la loi (O Sutra de Lótus, 1852). Ele
foi durante vinte anos, um membro da Académie des Inscriptions e professor de sânscrito no Collège de France.
22
(1902–1969) foi um autor francês e estudioso. Seus estudos se concentraram no Vietnã e outras culturas do sudeste
asiático.
23
(1886–1969) foi um estudioso do século XX de Arqueologia e história do sudeste asiático.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 32
Escreveram bibliotecas inteiras sobre BOROBODUR, o celebre templo budista
da ilha de Java e o mais belo monumento da Ásia.
Tentaram oferecer explicações puramente técnicas tendo em conta unicamente
normas arquitetônicas. Aberto intermináveis controvérsias sobre os significados religiosos e
mágicos ocultos neste monumento colossal. Os orientalistas e os arquitetos holandeses pu-
blicaram durante os últimos quinze anos vigentes, volumes sobre BOROBODUR e a propó-
sito disso convêm recordar, sobretudo os nomes de Krom, Van Erp e Stutterheim. Este últi-
mo, em uma obra que surgiu em 1927, firmou as bases da interpretação correta do templo:
BOROBODUR não é outra coisa que a representação simbólica do Universo. As investiga-
ções de Paul Mus partem dessa intuição. No principio de seu livro (Borobodur, 1935) repas-
sa a historia da controvérsia, expondo as principais hipóteses e a crítica dos métodos. Exa-
mina sucessivamente as teorias dos indianistas, dos historiadores da arte e dos arquitetos
mais ilustres, para entrar na continuação, no debate. Recordemos que este enorme volume
está precedido por um prólogo de 302 páginas nas que o autor determina a validez de seu
método. A fim de justificar a função simbólica do templo javanês, Paul Mus assinala uma
verdade com frequência omitida pelos orientalistas, a saber: que ainda que a iconografia de
Buda fosse inexistente durante vários séculos, não pode imputar–se a uma incapacidade
plástica dos artistas hindus, senão o fato de que se buscava uma representação superior da
imagem. “Não se trataria de uma derrota das artes plásticas, mas sim o do triunfo de uma
arte mágica”. 24 O simbolismo se empobreceu com a adoção da iconografia de Buda. O sím-
bolo aniconico (que não tem imagens) do Iluminado (a roda, etc.) era muito mais intenso e
mais “puro” que sua estátua, algo que também foi discutido por Ananda Coomaraswamy. 25
De tudo isso deriva uma conclusão natural: os budistas, assim como os hindus (ou
os asiáticos em geral) anteriores ao budismo, utilizavam com mais eficácia o símbolo por-
que era maior e mais “ativo” (no sentido mágico) que a representação plástica. Se o Buda
era realmente considerado como um deus (o que, por outra parte, ocorreu depois de sua
morte), sua “presença” mágica se conservava em tudo que emanava dele. Por isso, seu nome
resultava tão eficaz como sua doutrina (o corpo verbal, revelado) e como seus rastros físi-
cos. Pronunciar o nome de Buda, assimilar mentalmente seus ensinamentos, tocar seus ves-
tígios físicos (as “relíquias” que, segundo a tradição, albergam certos monumentos, as stu-
pas), eram “caminhos” através dos quais o homem entrava em contacto com o corpo sagra-
do, absoluto, do Iluminado. Assim, pois, podemos supor que um templo tão grandioso como
o de BOROBODUR devia ser em si mesmo um veículo que transporta ao fiel a esse nível
sobrenatural no qual é possível “tocar” o (ao) Buda. Nas culturas tradicionais, toda obra de
arte “conduz”, seguindo certos vestígios (vestigium pedi) a contemplação da divindade e
inclusive a ser incorporado nela. A primeira “obra de arte” bramânica foi certamente o altar
védico, “onde a natureza do deus se refletia, mas onde o sacrificante se encontrava, também
ele, magicamente incorporado”. 26 Na Índia, se chegava à divindade por múltiplos cami-
nhos: rituais (mágicos), contemplativos, místicos. Todavia na atualidade, um dos mais utili-
zados é a meditação sobre um objeto construído de maneira que “resuma a doutrina”. Estes
objetos, de aparência muito simples, se denominam yantra. Aquele que medita sobre eles
assimila magicamente “a doutrina” e a incorpora. Paul Mus tem razão quando afirma que,
desde certo ponto de vista, o templo de BOROBODUR é um yantra. 27 A construção é tal

24
BOROBODUR, Prólogo, pag. 62
25
Elements of buddhist iconography, Harvard University Press, 1935, pags.5 e ss.
26
BOROBODUR, Prólogo, pag. 73.
27
Ibid., pag. 74.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 33
que ao percorrê–la e meditar sobre cada cena das numerosas galerias ornadas de baixos re-
levos, o peregrino assimila a doutrina budista. Convêm insistir sobre este ponto: o templo é
um corpo simbólico do Buda e, por isto, o fiel “aprende” e “experimenta” o budismo ao vi-
sitar BOROBODUR, com tanta eficácia como se recitasse as palavras de Buda ou meditasse
sobre elas. Em todos os casos, se aproxima à presença sobrenatural do Buda. A doutrina é
“o corpo verbal” de Buda; o templo, o stupa, é seu “corpo arquitetônico”.
As stupas – esses monumentos próprios do budismo disseminados em grande
número pela Índia, Ceilão e Birmânia – estão com efeito assimilados ao corpo místico de
Buda. 28 Mas isto deve ser entendido de conformidade as leis mentais que dirigem as cultu-
ras tradicionais. Pois a stupa não é unicamente um monumento funerário, como se afirmava
até o presente; a presença do simbolismo cosmológico lhe confere um significado mais am-
plo. 29 A stupa, como o altar védico, é uma imagem arquitetônica do mundo. Seu simbolis-
mo cósmico é preciso: imago mundi. Mas a stupa poderia também ser considerado como
monumento funerário, pois – se não na realidade, ao menos na tradição – contem uma relí-
quia de Buda. 30 Mas Paul Mus recorda os sacrifícios humanos na construção asiática 31,
sacrifícios que, nas zonas que estudou, tem por objetivo animar o edifício, o qual tem para
ele necessidade de uma alma, de uma vida. Talvez se trate de uma variação da lenda romena
de maese Manoler , o pedreiro, que por sua vez não é mais que um exemplo dos numerosos
“ritos de construção” estudados entre os povos balcânicos por Lazar Sàineanu; “Os ritos da
construção segundo a poesia popular da Europa oriental”. 32 Veja também Caraman: “Con-
sidératii critice asupra generzei si ráspandariibaladei Mesterului Manole in Balcani”. 33 Mas
o sentido do monumento budista é o seguinte: pelo fato de ser a stupa por uma parte, uma
imagem arquitetônica do mundo e, por outra, o corpo místico de Buda, as relíquias lhe con-
ferem uma vida absoluta, supratemporal; a construção não só dura (como na lenda de maese
Manole) como também está animada por uma vida santa, e, portanto é um mundo em si
mesmo. Como disse Paul Mus, a stupa é mais que o corpo do próprio Buda que sua tumba.
34
O monumento não foi erguido para a gloria da relíquia de Buda, mas sim que é a relíquia
(evidentemente ilusória) a que é trazida para animar o monumento. Assim, pois, o acento
não está posto sobre o caráter funerário da stupa, mas sim sobre seu sentido cosmológico. A
stupa, corpo místico de Buda está construída de maneira que represente simbòlicamente o
Universo. Por outro lado, este simbolismo è muito precisa: Buda – igual cosmos igual stupa.
35
Na ordem humana, a tumba que, como indica o Satapatha–brahmana (XVV, 8, I, I), “lhe
servirá de habitação ou de monumento” está associada a morte e se converte em uma espé-
cie de “pessoa”, ou seja, se transforma em um corpo místico arquitetônico do Buda. E se
recordamos que o próprio Buda è imaginado como um “caitya” (pequeno monumento) do
mundo. No Lalitavistara 36 compreendemos mais facilmente que ali onde se encontre uma

28
Ibid., pag. 217.
29
Ibid., pag. 196.
30
Ibid., pag. 71.
31
Ibid., pag. 202 e SS.
32
Convorbiri literarae,1888; Revue de l’ histoire des religions, 1902.
33
Buletinul Institutului de Filologie Romana, Iassy, 1934, vol.I. (Considerações críticas sobre o Gênesis e a difusão da
balada de maese Manole nos Bálcãs).
34
BOROBODUR, Prólogo, pag. 220.
35
Ibid., pag. 218.
36
O Lalitavistara é uma biografia de Buda Gautama. O relevo mostra o nascimento do Buda como o príncipe Sidarta,
filho do rei Suddhodana e da rainha Maya de Kapilavastu (no atual Nepal). A vida do Buda cobre a metade superior da
parede principal em torno da primeira galeria do monumento. Os relevos foram esculpidos para ilustrar o texto conheci-
do como o "Sutra Lalitavistara" (Desdobramento do Livro). Este título refere–se à idéia de que a última encarnação do
Buda foi um desempenho intencionalmente dado para iluminar a humanidade. Os painéis sobre a primeira galeria estão
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 34
das relíquias estará presente o cosmos inteiro. De outro lado, o próprio corpo humano è i-
maginado, na concepção hindu, como um cosmos, com seus “horizontes” e seus “ventos” e
Paul Mus analisa com pertinência todas as implicações desta concepção. 37
No que diz respeito ao duplo simbolismo, funerário e cosmológico, do monumen-
to religioso budista, existe interessantes considerações que podem apoiar–se na função de
itinerário post–mortem do labirinto. C.N Deedes tentou uma interpretação nesse sentido, e a
análise poderia continuar, por exemplo, identificando no “microcosmo” do corpo humano
todos os “mapas místicos labirínticos”. 38
A polivalência simbólica dos monumentos hindus, e da stupa em particular, è e-
vidente. Monumento funerário por um lado, e por outro, como veremos na continuação,
monumento cosmológico, a stupa resume o universo e o apóia. Mas também conta com uma
função “mística”, religiosa: è a lei (dharma) visível, o corpo místico arquitetônico de Buda.
“A stupa è o dharma cósmico visível: como tal, e sem nenhum outro simbolismo, basta para
assegurar um contato com a natureza misteriosa de Buda, soberbo (vaidoso, presumido) no
Nirvana, mas que precisamente nos deixou sua Lei para substituir–lhe: quem vê a lei, vê a
mim, quem me vê, vê a Lei”, 39 ensina efetivamente no Canon. Deste elevado estado da
crença, se a stupa faz aparecer a Lei, também, e em certa medida projeta o retrato do Buda.
São muitos os investigadores que tentaram explicar o templo de BOROBODUR
mediante a fórmula arquitetônica, incluindo a stupa: por exemplo, a stupa sobre um Zigura-
te, ou a stupa sobre um prasada (pirâmide). Esta ultima formula, que pertence a Stutterheim,
se aproxima da verdade, mas a própria distribuição dos pisos e terraços do templo foi ideali-
zada conforme as normas da meditação extática budista. Não nos esqueçamos que o templo,
em seu simbolismo polivalente, encarnava a Lei (dharma,) e por isto indicava os caminhos
da salvação. A meditação extática constituía o itinerário soteriológico mais empregado pelo
budismo. 40 BOROBODUR está construído de maneira que “as esferas” da meditação apa-
recem idealizadas em pedra. 41 Os Budas visíveis nos nichos, e depois meio ocultos sob as
stupas de gelosia (janela de rótula), a imagem inacessível do cume balizam um caminho até
a iluminação, através de uma matéria cada vez menos sensível, e sim por outra parte alcan-
çar aqui sob o lucro último, anunciado no momento do aniquilamento final, como a stupa
cerrada lhe dá a entender. Por outro lado, as imagens que se desdobram ao largo dos terra-
ços e galerias também teriam como objetivo fixar e apoiar o espírito dos monges ao passar
por Rupadhatu, “livro de pedra”, como foi dito, mas através da meditação, não de uma leitu-
ra corrente. 42 O peregrino não tem uma visão total e direta do templo. Visto de fora, BO-
ROBODUR parece uma cidadela de pedra de várias alturas. As galerias que conduzem os
terraços superiores estão construídas de maneira que o peregrino não veja mais que os bai-
xos relevos e as imagens dos nichos. Assim, pois, a iniciação se realiza de maneira gradual.

algumas das mais bem preservadas relevos do monumento. O Lalitavistara na sua forma expandida veio a ser conheci-
do como um sutra Vaipulya. Os Vaipulya são: O Prajnaparamita Ashtasahasrika o pundarika Saddharma, o Lankava-
tara, o Suvarnaprabhasa, o Gandavyuha, o Tathagataguhyaka ou Tathagata–guna–jnana, o Samadhiraja eo Dasa-
bhumishvara. Embora a Lalitavistara pertença à transição Hinayana e Mahayana. Foi estabelecido que muitos dos ver-
sos e passagens em prosa no texto devem–se ao cânone Sarvastivada, enquanto suas inclinações Mahayana e os ele-
mentos são visíveis a partir de termos como Dharmatathata, Bhutakoti, etc, bem como, a declaração de que Buda al-
cançou o vazio do mundo (Jagachhunya). (Contribuição de Leonardo Arantes Marques).
37
BOROBODUR, pag. 443 e ss.
38
The Labyrints, Londres, 1935 – p. 73.
39
BOROBODUR, Prólogo, pag.248
40
Veja nosso livro Yoga. Ensaio sobre as origens da mística indiana, pag.166 e ss
41
BOROBODUR, Prólogo, pag. 74.
42
Ibid., pag. 68.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 35
Ao meditar sobre cada cena, franqueando passo a passo os graus dos êxtases, o peregrino
percorre os 2,5 quilômetros de galerias submersos em uma meditação ininterrupta. De outro
lado, a fadiga física provocada por esta lenta ascensão é em si mesma uma ascese. Mediante
o sofrimento monacal e ao meditar nos “graus do êxtase”, cujas representações iconográfi-
cas o acompanham, com o espírito purificado pela ascese e a contemplação, o peregrino rea-
liza, a medida que se aproxima ao cume do templo, a ascensão espiritual que o Buda pro-
clamou como o único caminho da salvação. 43 O caminho da salvação budista, comprido e
árduo, aparece admiravelmente formulado na complicada arquitetura de BOROBODUR.
“Não é como as naves góticas, o símbolo de um rápido impulso da fé, nem como uma sal-
vação acessível em uma vida, nem se quer pela graça, em um instante; mas sim considerado
em seu conjunto, representa a ascensão interminável que a doutrina reparte entre muitas e-
xistências. Não se ascende rapidamente. Temos que girar durante muito tempo no ciclo de
nascimento e morte, ganhando altura pouco a pouco. 44

O templo não pode ser “assimilado”, visto de fora. Não se vêem as imagens. Só o
iniciado que percorre as galerias descobre pouco a pouco os níveis da realidade sobrenatu-
ral, os graus da meditação em sua representação iconográfica. Descobre–os e os assimila. O
templo è um mundo fechado; um microcosmo de pedra, mas um microcosmo fechado. 45 “O
mundo” das cosmologias antigas (Mesopotâmia, Índia, China) era imaginado como uma
vasilha redonda, cerrada. O templo era a imagem desse mundo, seu modelo concreto era a
borbulha de ar ou a gota de água, “o ovo cósmico”. 46 “Evidentemente, fazia falta um mila-
gre para penetrar nesse mundo fechado”, cujas portas eram consideradas como uma brecha
aberta mediante magia na montanha cósmica, ou seja, no templo.
“Mundo fechado” esfera vazia que conta em seu centro com o pilar cósmico que
separa céu e terra, o eixo 47 que sustenta o universo; esse símbolo do eixo e do pólo do pilar
cósmico se encontra presente em todas as culturas tradicionais, e em especial nas civiliza-
ções mesopotâmica, indomelanesia e asiática oriental. O “pilar” que sustenta o mundo, que
separa céu e terra, do mesmo modo que o deus egípcio Shu, está representado como a “arvo-

43
Ibid., pag. 75.
44
Ibid., pag. 94.
45
Ibid., pag. 92.
46
Veja a semelhança com essa passagem: “Eu próprio (Krishna) apareci dentro desse ovo, que flutuava na água causal,
e de Meu umbigo (omphalos) surgiu o lótus universal, o lugar de nascimento do autógeno Brahma” (Srimad–
Bhagavatam Canto 11 Livro 2; 24:9 a 11 e 13). (Leonardo).
47
BOROBODUR, Prólogo, pag. 76.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 36
re da vida”, cuja tradição pode ser encontrada em todas as partes. 48 O templo, a montanha
cósmica, o pilar, a árvore, todos esses símbolos são equivalentes. 49 Todos sustentam o
mundo, são o êxito do universo, o centro do mundo. Por esta razão, cada uma das cidades
santas da Ásia era considerada pelos seus como o centro do universo (dai è que temos que
partir quando buscamos compreender Jerusalém, Roma, etc.). O centro da cidade santa esta-
va construído pelo palácio real, e ali, em certa sala, se encontrava o trono, lugar onde se sen-
tava o soberano, considerado como um Chakravartin, ou seja, um “rei universal”. Quando o
budismo se converteu em religião do Estado, adotou a teoria mágica religiosa da realeza. 50
Assim se explica o simbolismo duplo das lendas do nascimento do Buda; os “sinais” que
assinalaram o nascimento do pequeno Siddharta eram equívocos: o príncipe podia conver-
ter–se em “soberano universal” (Chakravartin), ou em um “iluminado” (Buda). 51
Dizemos anteriormente que a polivalência simbólica dos edifícios budistas, das
stupas em particular, nos impedia de aceitar uma explicação única de tais monumentos, pois
exibiam diversos simbolismos e realizavam funções paralelas. A stupa, por exemplo, além
de seu sentido funerário e cosmológico, também tinha um valor “político”. Construir uma
stupa no centro de uma região significava “dedicar” essa região a Lei budista (dharma). 52
Dedicá–la a Lei, mas agregá–la ao mesmo tempo ao soberano que, enquanto que Chakravar-
tin, está considerado como um “centro dessa rosa dos ventos real” que è o império. Cada
cidade santa era o “centro da terra”, ou seja, o lugar no qual se alcança o “pilar cósmico”
representado pelo templo (a montanha cósmica). E os habitantes dessas cidades se conside-
ravam semelhantes aos deuses 53. Encontravam–se no “umbigo da terra” (omphalos), em
uma zona que não tinha nada em comum com a geografia profana, regida pelos critérios da
geomancia e da “geografia mística” (os exemplos são numerosos: Jerusalém, Bangkok,
Roma; os rios, que rodeavam a “terra” em todas as cosmologias tradicionais, quase um re-
flexo dos rios do Paraíso, etc.).
Dessas indicações demasiado sumárias sobre as “cidades santas” devemos obser-
var que “o centro” se construía quando se levantava o templo, também imagem arquitetôni-
ca do universo e do monte Meru (se sabe que os mesopotâmicos tinham tido igualmente a
intuição desta montanha mágica, polar, cujo nome – Meru – é indiano, e que se pode encon-
trar hoje em dia em todas as culturas asiáticas). O centro do mundo podia ser construído em
qualquer lugar, posto que em todas as partes pudessem ser erguidos um microcosmos em
pedra ou ladrilho. Assim, pois, esses famosos monumentos mesopotâmicos, os Zigurates,
representam montanhas artificiais, de um lado, como todo grande templo, pois em todas as
culturas tradicionais o cosmos era interpretado como uma montanha. E quanto ao templo,
assimilado como o cume da montanha mágica (Meru) era considerado como o pináculo su-
premo da montanha cósmica 54. A edificação do “centro” não se levava a cabo unicamente
na ordem do “espaço” como também no do tempo. Dito de outra maneira, o templo não só
se convertia no centro do cosmos, como também no quadrante indicador do “ano sagrado”
e, portanto, do “tempo”. Como se diz no Satapatha–brahmana, o altar védico é o tempo ma-
terializado, é o “ano”; uma afirmação igualmente exata no que se refere aos templos. A

48
Veja, além de Mus, a monografia essencial de Uno Holmberg: Der Baum des Lebens, Annales Academie Scientiarum
Fennicae, Helsinki, 1923, e Coomaraswany: Elements of Buddist iconography.
49
Veja o livro Cosmologia e alquimia babilônica (1937).
50
BOROBODUR, Prólogo, pag. 251.
51
Ibid., pag. 419
52
Ibid., pag. 290.
53
Ibid., pag. 352.
54
Ibid., pag. 356.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 37
construção tinha em conta os quatro “horizontes” (espaço, cosmos), mas também a direção,
e a ordem no tempo dos nichos ornados de baixos relevos. 55 Em consequência, tudo o que é
realidade está expresso no simbolismo cosmológico do templo e, sobretudo, se encontra
perfeitamente formulado por este “quadrante cósmico” que é BOROBODUR.
Estes símbolos – eixo, pilar cósmico, horizontes – funcionavam evidentemente
com igual 56 validez nos microcosmos. Assim pode compreender–se facilmente que, se o
universo era considerado como um “gigante” como um “homem” (puruska), então as fun-
ções cósmicas poderiam identificar–se no corpo humano. Os hindus, como por outra parte
os mesopotâmicos, conheciam uma “fisiologia mística”, ou seja, um “mapa” do homem tra-
çado em termos cósmicos. No meu livro sobre Yoga (pags.228 e ss), tive ocasião de falar de
uma “fisiologia mística” elaborada nos círculos ascéticos, baseando–se em experiências e
técnicas contemplativas. Paul Mus e o Doutor Filliozat 57 evidenciaram outros aspectos des-
ta homologia entre o corpo humano e os macrocosmos. Eu insisti, sobretudo em uma “fisio-
logia mística” criada pelos ascetas hindus para “localizar” certos processos do Yoga e expli-
car fenômenos muito obscuros do faquirismo. Paul Mus estuda documentos mais antigos,
nos que a homologia microcosmos–macrocosmos se realiza em outro nível, mediante a i-
dentificação de agentes cósmicos no corpo humano. O deus Indra, por exemplo, considera-
do como um “pilar cósmico”, que separa o dia da noite, etc., é identificado com o hálito
humano (o hálito tem sido de outra maneira assimilado aos “ventos” cósmicos que dividem
o espaço: a rosa dos ventos).
No corpo humano, o hálito seria em consequência um autentico pilar de Indra,
que distenderia o corpo e o faria ser, igual que seu protótipo cósmico que separou os mun-
dos e os fez estar em oposição. Não esqueçamos a homologia fundamental do corpo huma-
no e dos macrocosmos: o universo na “borbulha” fechada, o “saco cósmico”, igual que o
corpo humano é um “saco de pele”. Tendo em conta todas estas indicações, oferecidas tanto
pelo simbolismo arquitetônico como pela fisiologia mítica, os rituais védicos, etc., compre-
endemos que o essencial destes simbolismos é a reconstrução do Deus Todo Poderoso, Pra-
japati, disperso desde a criação. 58 O altar seria sua pessoa restaurada, sob esse nome ou com
o de Agni, seu “filho” que nessa ocasião se identifica com ele. 59
Voltamos a encontrar nesse caso uma das notas dominantes da vida espiritual
“primitiva”, o desejo de integrar–se no Todo, em um universo por sua vez orgânico e sagra-
do, o “corpo de deus, devolvido como tal e como era antes da criação, sem dispersar. 60 A
homologia da vida divina e a humana, em uma cultura tão original como a civilização me-
sopotâmica, não tem outro objetivo: reintegrar o homem no cosmos primordial. Por outro
lado, pode constatar–se facilmente que a maioria dos simbolismos mencionados nesta nota

55
Ibid., pag. 378, 383 e ss.
56
Ibid., pag. 79.
57
“A Força orgânica e a força cósmica na filosofia médica da Índia e nos Vedas”, Revue Philosophique, noviembre –
deciembre, 1933.
58
O conceito de deus disperso frequentemente sugere um deus otiosus que tem ficado cansado do envolvimento neste
mundo (Gênesis; 6:6) e que foi substituído por um deus ou deuses mais jovens, mais ativos, ao passo que, o deus abs-
conditus sugere um deus que tenha conscientemente deixado este mundo para se esconder em outro local (Gênesis; 2:2).
Na religião grega, os mais velhos deuses como Urano, Gaia e Cronos são substituídos pelo Olímpico Zeus e Hera. No
hinduísmo, Indra aparece como um deus otiosus, enquanto Shiva e Vishnu são seus mais jovens sucessores, mais ativos
e mais facilmente reconhecidos e adorados. No cristianismo, Aquino e Lutero utilizaram a noção de Deus absconditus
para explicar o mistério e afastamento de Deus da humanidade pecadora. (Leonardo Arantes Marques).
59
BOROBODUR, pág. 454, 456 e 459.
60
Veja Zalmoxis, I (1938), pag.237.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 38
não tem outra função que unificar, totalizar 61, construir centros. Toda “consagração” con-
siste em transcender os fenômenos temporais e em construir um tempo e um espaço 62 ritu-
ais que participem da eternidade e no “vazio” (já que o espaço ritual que constroem os alta-
res, os templos, etc., é qualitativamente diferente, se encontra fora do mundo, a um “nível”
paradisíaco, ou seja, isento de toda heterogeneidade). Por trás de cada um desses simbolis-
mos arquitetônicos encontramos uma tendência a unidade, a reintegração. Pois uma vez su-
peradas as classificações, uma vez anulada a heterogeneidade, a “matéria”, começa a reali-
dade absoluta (brahmanismo) ou o nirvana (budismo).
A arquitetura cósmica asiática, seja qual for a religião a que serve, não cessa de
edificar a montanha cósmica, que o fiel sobe, por uma parte para assimilar a “sacralidade”
do lugar – os graus de êxtase em sua representação icnográfica (como em BOROBODUR) –
e por outra parte para alcançar o cume, ou seja, o “centro”, desde onde resulta possível al-
cançar níveis transcendentes (os templos são as “portas” dos céus... babel, etc.,). Mas o cu-
me do templo, e em conseqüência da montanha cósmica, tem um sentido simbólico preciso:
ali se encontram as “terras puras” do budismo. 63 “Terras puras” 64, e, portanto niveladas,
homogêneas, sagradas, “sobrenaturais”. BOROBODUR também tem, no terraço superior,
sua “terra pura”. 65 Ao circular sobre o terraço, os iniciados que chegam anulam a realidade
que está por debaixo deles, anulam a heterogeneidade, o diverso (diferente) o deslocado, etc.
A partir de então se encontram por cima do mundo a um nível paradisíaco, sem diversidade
nem pluralidade. O objetivo do peregrino budista – superação da condição humana, realiza-
ção de um estado absoluto – é alcançado. O homem é extraído da “vida”, também chamada
história, da multiplicidade e o drama. Reintegra–se no Todo absoluto ao qual aspirava, pois
o “espaço” em que ele vive, sobre uma “terra pura” deixou de ser o espaço heterogênico da
vida, e agora é o espaço paradisíaco, “plano”.
A importância destes simbolismos cosmológicos – e BOROBODUR é a este res-
peito uma síntese suprema da Ásia budista – cria raízes (radica) no solo em sua profundida-
de e coerência magníficas, como também e, sobretudo no fato de que funcionam de maneira
natural na consciência dos povos asiáticos. Não são nem “explicados” nem justificados e,
em todo caso, sua explicação não é laboriosa. Impõem–se de maneira natural na consciência
destes povos; são “temas imediatos”. Tudo isto comprova uma de minhas hipóteses sobre as
possibilidades analíticas do símbolo: nas culturas pré–alfabetizadas o símbolo, por vasto que
seja a síntese mental que o gera, expressa com grande precisão um imenso numero de deta-
lhes muito precisos, ainda o fazem simultaneamente e não sucessivamente, como a palavra
61
Veja meu estudo: Cosmical homology and Yoga, Journakl of the Indian Society of Oriental Art, 1937, págs.
62
BOROBODUR, Prólogo, pag. 81
63
BOROBODUR, pág.500.
64
‘Terra Pura’ também é um conceito utilizado pela Escola da Terra Pura ‘Ching–t'u–tsung’ do budismo Mahayana,
devocional também conhecida como Escola do Lótus (Sutra de Lótus), fundada na China em 402 pelo monge Hui–yüan
(334/6–416). Ele era um erudito nos textos do confucionismo e do taoísmo. Posteriormente, foi para o sul da China e se
tornou discípulo do monge budista Tao–an (312–385). No monte Lu–shan da província de Kiangsi — lugar freqüentado
por mestres budistas e confucionistas —, Hui–yüan convidou eruditos como Tao Yuan–ming e Li Yi–min para fundar a
Sociedade do Lótus Branco. Hui–yüan não pretendia fundar uma escola, mas apenas incentivar as pessoas a gerar o voto
renascer na Terra Pura. Os textos fundamentais desta tradição são os dois Sukhavati–vyuha Sutras (um menor e outro
maior) e o Amitayur–dhyana Sutra. Ao contrário do reino dos deuses (deva–loka), a Terra Pura estaria fora da existên-
cia cíclica (samsara) e, portanto, nela não haveria qualquer tipo de sofrimento ou desilusão. Os seres poderiam perma-
necer lá até atingir o despertar, sem o perigo de regredir a um estado inferior. Este paraíso seria adornado por flores,
jóias e ouro, maravilhosamente permeado por perfumes e música celestial. A natureza da Terra Pura é ilusória, assim
como a natureza de todos os fenômenos. Diz–se que muitos praticantes zelosos tiveram muitos sinais auspiciosos no
momento da morte, incluindo o aparecimento de fragrâncias e música celestial, nuvens, flores e visões. (Leonardo A-
rantes Marques).
65
Ibid., 502.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 39
ou a escrita (ou seja, um bracelete composto por certo número de pedras de jade, de certas
cores e formas, demonstra que a jovem que o carrega pertence a uma família procedente do
norte, que seu pai é administrador, que tem três irmãs, que se prometerá em matrimonio no
mês de março, que gosta de certo gênero poético, etc.). 66 Esta simultaneidade do símbolo se
compreenderia melhor se levasse em conta o objetivo de todo símbolo: reintegrar o ser hu-
mano no Todo. E não em um Todo abstrato, mas sim em um corpo vivo que una todos os
níveis da realidade sem aniquilá–los.
BOROBODUR demonstra que a superação da condição humana não significa,
como se acreditava, a aniquilação da vida e do cosmos, mas sim a reintegração no Todo.
Sem que nada no mundo seja aniquilado nem “perdido”, todas as coisas perdem sua forma e
significado nesta “semente fechada” que é o cosmos antes da primeira “dispersão”, antes da
Criação.

66
Veja o artigo “jade” e outros em Fragmentarium.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 40

VOCABULÁRIO
Atman – O Espírito ou Ser, o aspecto imanente de Deus. O eu. Embora a palavra atman
possa se referir, em deferentes contextos, ao corpo, à mente ou ao intelecto, em geral indica
a lama ou espírito eterno e individual.
Agni – ‘deus do fogo’, mais presente no pensamento brâmane. Não é apenas o Deus do fogo
sacrificial, mas tudo que representa e é consumido pelo fogo. No Hinduísmo, ele é um deva
(semideus), segundo no poder e importância atribuída na mitologia védica, apenas ultrapas-
sado por Indra. Ele é gêmeo de Indra, e assim, filho de Dyaus Pita e Prthivi. Noutra versão,
ele é filho de Kasyapa e Aditi ou de uma rainha que escondeu a sua gravidez do marido. Ele
possui dez mães, ou dez irmãs, ou dez criadas, que representam os dez dedos do homem que
inicia o fogo. Ele possui dois pais: estes representam os dois paus que, quando ambos fric-
cionados de modo intenso, criam fogo. Alguns dizem que destruiu os seus pais quando nas-
ceu, porque não poderiam tomar conta dele. É casado com Svaha e pai de Karttikeya através
de Svaha ou Ganga. Ele é um dos Ashta–Dikpalas, encarregado de guardar e representar o
Sudeste.
Annamita – No antigo idioma annamita, Vietnã significa “viets (uma etnia) do sul”. Os
vietnamitas, povo de origem mongol, instalam–se na península da Indochina no século III
A.E.C. No ano 111 A.E.C., a região fica sob o domínio do Império Chinês, que dura até
939. Quando Vietnã foi unificado em 1802, na cidade de Hue se tornou a capital e a área foi
governada pelo Imperador do Annam. O centro do Vietnã gradualmente caiu sob o controle
dos franceses no século décimo nono, tornou–se um protetorado entre 1883 e 1885, deixan-
do o órgão de Hue apenas a potência nominal. A região foi dividida entre Norte e Sul em
1954 e o último imperador de Annan foi deposto em 1955. Os Vietnamitas reivindicam para
si o controle sobre todo o Vietnã. Os franceses retiram–se em 1954, derrotados na Batalha
de Dien Bien Phu. Religião – Budismo 67%, cristianismo 8% (católicos), outras 25%
(1992).
Apana – ‘Para baixo’. É o ar responsável pela eliminação de energia do corpo ou dos gazes
intestinais. Apana reside no intestino delgado. Ele expulsa a criança do ventre para baixo e
provoca descargas de energia. Apana é o ar responsável pela micção, defecação e ejacula-
ção. A importância da apana não é bem compreendida no Ocidente. Quando o prana, que é
carregada com íons positivos, é feito para funcionar com apana, e forçado a entrar através
do canal central na coluna vertebral, uma grande fusão ocorre entre os íons positivos do
prana e os íons negativos do apana. Isso gera uma grande quantidade de energia na base da
coluna chamada kundalini.
Ashram – Na antiga Índia era um eremitério hindu onde os sábios viviam em paz e tranqui-
lidade no meio da Natureza. Hoje, o termo ashram é normalmente usado para designar uma
comunidade formada intencionalmente com o intuito de promover a evolução espiritual dos
seus membros, frequentemente orientado por um místico ou líder religioso. Tradicionalmen-
te, os ashrams situavam–se afastados de habitações, em florestas ou regiões montanhosas,
no meio de amenos ambientes naturais propícios à instrução espiritual e à meditação. Exer-
cícios espirituais e físicos, bem como várias formas de Ioga, são práticas regulares dos resi-
dentes dum ashram. Também eram executados alguns sacrifícios e penitências, como Yaj-
nas. Muitos ashrams também serviam como Gurukuls ou escolas residenciais para crianças.
A palavra ashram deriva do sânscrito, do termo ‘aashraya’ que significa proteção.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 41
Bodhisattva – do sânscrito, ‘ser (sattva) de sabedoria (bodhi)’. É um termo do budismo que
designa seres de sabedoria elevada, que seguem uma prática espiritual que visa a remover
obstáculos e beneficiar todos os demais seres.
Brahman – ‘Absoluto Puro’, ‘Absoluto Impessoal’, ‘Existência ou Deus’, a Realidade Toda
Penetrante da filosofia Vedanta. 67 Para o pensamento indiano Brahman (Absoluto Puro) é
uma espécie de energia quintessenciada emanada pelo próprio Brahma através de seu “háli-
to”, para personificar e sustentar o Universo e consubstanciar prakrti (matéria). Em alguns
momentos Brahman é associado ao aspecto impessoal e onipenetrante do supremo. 68 As-
sim, Brahman seria a essência que está em tudo e que da forma a tudo; é a ‘“essência im-
pessoal e inteligível’, o ‘Real do Real’, a Alma, não nascida, que não decai, que não morre;
a Alma de todas as coisas, como Atman é a alma de todas as almas; a força que está atrás,
adiante, abaixo e acima de todas as forças e deuses”. 69 Essa energia seria o princípio ele-
mentar primitivo, quintessência, pura e sutil, que forma todas as outras formas, animadas e
inanimadas do Universo. Para outros pensamentos, seria a energia primordial, o Fiat lux, o
Fluido Cósmico Universal que forma e dá forma a toda matéria existente, e etc., mas para a
física “moderna” esta energia – se é que é algum tipo de energia – seriam as chamadas su-
percordas descobertas recentemente. 70 “Transcendentalistas eruditos que conhecem a Ver-
dade Absoluta chamam esta substancia não-dual de Brahman, Paramatma ou Baghavan”. 71
Cakra/Chakras/Centros de Força – ‘Roda’. São, segundo a filosofia yoga, canais dentro
do corpo humano (nadis) por onde circula a energia vital (prana) que nutre órgãos e siste-
mas. Existem várias rotas diferentes e independentes por onde circula esta energia. Os Cha-
kras são os pontos onde essas rotas energéticas estão mais próximas da superfície do corpo.
Cárpatos – Foram a ala oriental do grande sistema de montanhas da Europa, percorrendo
1500 km ao longo das fronteiras da República Checa, Eslováquia, Polônia, Romênia e U-
crânia.
Chakravartin – ‘cujas rodas estão girando’, no sentido de ‘cuja carruagem está rodando
por todo lugar sem obstrução’. É um termo usado nas religiões indianas para um governante
universal ideal, que governa ética e benevolentemente todo o mundo. O reinado de tal sobe-
rano é chamado de sarvabhauma.
Dharana – ‘Concentração’. A identificação ou ocupação do intelecto e dos sentidos com
um objetivo apenas, excluindo–se tudo o mais. “Aquele que for capaz de retirar os sentidos
de todos os seus objetos assim como a tartaruga recolhe os membros no casco, deve ser con-
siderado um ser auto-realizado”. (Bhagavad-Gita; 2:58).
Dharma – do sânscrito dharma, pelo pali dhamma. Constituição ou natureza de alguma coi-
sa; ‘norma’, ‘religião’, ‘dever’, ‘escritura’ ou ‘justiça’, ‘lei’, ‘doutrina’, ‘retidão’, qualidade;
coisa, objeto da mente, fenômeno Na concepção hindu, significa a verdade sobre o viver
correto, ensinamento, doutrina, virtude, lei, retidão e tudo o que estiver associado à religio-
sidade, rituais e culto sendo o único caminho de nos livrar da dor e dos problemas existenci-
ais desse mundo de opressão e angústia. Nos textos budistas a palavra dhamma é encontrada
com todos esses significados. Também, princípios de comportamento que os seres humanos
deveriam seguir de forma a se encaixar dentro da ordem natural das coisas; qualidades da

67
Tola, F. y Dragonetti, C. Filosofía de La India, Parte II – ítem 3.
68
Gosvami, S. D. Filosofia Védica, p. 23.
69
Durant, W. Nossa Herança Oriental, p. 278.
70
Bourguignon, A. A História Natural do Homem, p. 252.
71
Srimad-Bhagavatam, Canto 1 Livro 1; 2:11
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 42
mente que se deveria desenvolver de forma a compreender a qualidade da mente em si
mesma. Por extensão, ‘dhamma’ também é usado para se referir a qualquer doutrina que
ensine essas coisas possam levar o humano a transcendência. Portanto, o Dhamma do Buda
se refere tanto aos seus ensinamentos como à experiência direta da qualidade de nibbana
para o qual esses ensinamentos estão direcionados. “O Dharma é, ele próprio, ontologica-
mente anterior ao Buda, que é também a expressão ou a manifestação histórica. Budas apa-
recem, a intervalos, no decorrer do tempo; eles vêm e vão, mas o Dharma continua para
sempre. Uma vida vivida consoante à verdade, ensinada pelo Buda, é uma vida caracteriza-
da pelo Dharma, isto é, retidão. O Dharma, descoberto e proclamado pelo Buda, é sumaria-
do nas ‘Quatro Nobres Verdades’. Dharma como objeto da mente pode ser qualquer coisa
do passado, presente e futuro, corpórea ou mental, condicionada ou não, real ou imaginá-
ria”. 72
Dothi – É um pedaço de pano retangular com cerca de cinco metros de comprimento, enro-
lado sobre a cintura e as pernas e atada à cintura. É a mais tradicional de todos os vestidos
para os homens na Índia. Se você já viu fotos de homens indianos, antes, durante e logo a-
pós, a era da independência, você vai encontrar muitos deles vestindo o dhoti.
Durga – é considerada pelos hindus como a mãe de Ganesha, Kartikeya, assim como de
Saraswati e Lakshmi. Ela é considerada a esposa de Shiva, a deusa Parvati, como caçadora
de demônios. Durga é descrita como um aspecto guerreiro da Devi Parvati com 10 braços,
que cavalga um leão ou um tigre, carrega armas e assume mudras, ou gestos simbólicos com
a mão. Esta forma da Deusa é a encarnação do feminino e da energia criativa (Shakti).
Geomancia – É uma arte divinatória de origem árabe que se desenvolveu na Idade Média.
O nome tem origem grega e significa “adivinhação pela terra”. Para prever o futuro, o “futu-
rólogo” desenha pontos na areia ou na terra e, através deles, forma imagens capazes de dar
indicações sobre a vida do consulente.
Ghats – Refere–se a uma série de etapas que conduzem o iniciado a um corpo de água. Esse
conjunto de escadas pode levar a algo tão pequeno como uma lagoa ou tão grandes como
um grande rio.
Hatha–yoga – Este sistema de meditação uniu a idéia tântrica do corpo como templo da
divindade com a visão vedanta de que tudo que existe é a expressão do Ser, que é criador e
agente material da criação. Dá muita importância à prática das purificações (shat karma),
mas também levam em conta seus aspectos sutis, como o despertar da energia potencial
(kundalini), técnicas de percepção do som supersutil interior (nada), a absorção final da a-
tenção na realidade transcendental (laya) e a iluminação (samadhi).
Hindustani – Hindostani ou Hindi–Urdu é uma língua indo–ariano que se estende por vá-
rios dialetos intimamente relacionados no Paquistão e Índia setentrional. Hindustani é por
vezes considerada a língua franca da Índia e do Paquistão. Hindustani incorpora um amplo
vocabulário tirado de vários idiomas de origem do Sul, Central e Ásia Ocidental, como o
sânscrito, persa, árabe e turco. Um paralelo próximo tem sido observado com o idioma In-
glês, que tem desenvolvido um extenso vocabulário de forma semelhante juntando o idioma
germânico, latim e fontes Célticas.
Indra – ‘deus das tempestades’, filho de Aditi com o sábio Kashyapa. Rei de todos os deu-
ses no passado, perdeu importância no período pós-védico. A lenda relata sua fúria quando
seus seguidores abandonaram seu culto e passaram a venerar Krishna. Quando Indra enviou
72
Dhammapada, Glossário, p. 246, 247 e Posfácio, p. 259.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 43
uma tempestade para puni-los, eles oraram a Krishna, que ergueu uma montanha para pro-
tegê-los da força da tormenta.
Jina – Vencedor.
Kaulas – São considerados os Guru fêmeas. ‘As mulheres são a divindade, as mulheres são
a vida, as mulheres são verdadeiramente as jóias’.
Kundalini – ‘Serpente do Poder'. É a energia espiritual que permanece adormecida na base
da coluna vertebral de todos os seres humanos. Quando desperta no aspirante espiritual e
passa através dos centros de consciência (chakras) no canal central da espinha, essa energia
manifesta–se em experiências místicas e vários graus de iluminação.
Lama – O Dalai-Lama (do mongol dalai, “oceano”, e do tibetano blama, “mestre” ou “su-
perior”), é o título de uma linhagem de líderes religiosos da escola Gelug do Budismo Tibe-
tano, tratando–se de um monge e lama, reconhecido por todas as escolas do budismo tibeta-
no. Também foram os líderes políticos do Tibete entre os séculos XVII até 1959, residindo
em Lhasa. O Dalai-Lama é também o líder oficial do governo tibetano em exílio, ou Admi-
nistração Central Tibetana. ‘Lama’ é um termo geral que se refere aos professores budistas
tibetanos. O atual Dalai-Lama é muitas vezes chamado de ‘Sua Santidade’ por ocidentais,
embora este pronome de tratamento não exista no tibetano, não se tratando de uma tradução.
Madhyamika – ‘Caminho do Meio’. É considerado o mais elevado sistema filosófico do
Mahayana ou ‘Grande Veículo’. É assim nomeada, uma vez que não cai em nenhum dos
extremos: nem no niilismo, nem no eternalismo; nem na negação da realidade dos fenôme-
nos, nem na afirmação da sua realidade; nem Samsara, nem Nirvana.
Mahayana – ‘Grande veículo’. No decorrer da história do budismo apareceram duas prin-
cipais formas de pensamento: Mahayana e Therevada (ou Hinayana). O budismo Mahayana
espalhou–se pelo Tibete, China, Vietnã, Coréia, Japão, etc., ao passo que o budismo There-
vada (veículo menor) difundiu-se por Burma, Sri Lanka (Ceilão), Tailândia, etc.
Maithuna – ‘ato sexual ritualizado’. Processo final, onde se é necessário uma preparação
anterior muito séria e competente através do Yoga Tântrico ou outras práticas Tântricas. O
movimento tântrico é libertário. Busca a transcendência do eu através da força máxima do
universo que está contida nos mistérios sexuais e esses mistérios estão contidos dentro e
fora do homem. São os impulsos magnéticos, a atração magnética, o amor e a atração entre
os opostos.
Minakshi – ‘avatar da deusa Parvati’. É adorada principalmente no sul da Índia. Ela tam-
bém é uma das poucas divindades hindus feminina a ter um grande templo dedicado a sua
sacralidade – o templo Meenakshi famoso em Madurai, Tamil Nadu.
Natha–siddha – ‘Senhor, protetor, refúgio’. O termo sânscrito relacionados Adi Natha sig-
nifica Senhor primeira ou original, e por isso, é sinônimo de Shiva, Mahadeva ou Mahesh-
vara, e além destes conceitos supramental, a Suprema Realidade absoluta como base de a-
poio de todos os aspectos e manifestações da consciência. Este conceito é aplicado à tradi-
ção heterodoxo do Siddha que contém muitos pensamentos. Foi fundado por Matsyendrana-
th e desenvolvido por Gorakshanath. Estes dois indivíduos também são reverenciados no
budismo tibetano como Mahasiddhas (‘grandes adeptos’) e creditados como as grandes po-
tências da realização espiritual.
Nirvana – ‘em sânscrito nirvana e em pali nibbana’. ‘A perfeita tranquilidade’ ou ‘extin-
ção’. Literalmente este vocábulo significa ‘apagar, extinguir’.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 44
Pandit – ‘Sacerdote’. Se refere a um hindu, quase sempre um brâmane, que decorou uma
parcela substancial dos Vedas, juntamente com os correspondentes ritmos e melodias para
cantar ou cantá-los. Este sacerdote tem grande orgulho de sua condição e é chamado pelas
famílias indianas para resolver conflitos e opinar nas decisões mais importantes. Como
brâmane, deve começar a cantar seus mantras ainda pela madrugada e, embora acorde a vi-
zinhança inteira com seu vozeirão, todos se conformam por saber que ele está cumprindo
sua função, seu destino.
Parakiya–rati – Amor conjugal de uma mulher casada para outro homem que não seu es-
poso.
Paravrtti – pari em torno do vrit raiz verbal a girar. Contínua ou constantemente girando,
girando, ou vagando nas esferas de manifestação, e afundando constantemente mais baixos
e mais longe da luz do espírito. Misticamente, uma descida contínua para a extinção.
Prajapati – ‘deus poderoso’. Aparece na literatura védica como uma divindade criadora,
mantenedora da vida e acima das outras divindades védicas. Na literatura tardia dos vedas
Prajapati aparece associado a várias outras divindades, como Vishnu e Shiva e algumas ve-
zes com os antepassados míticos. Os antigos mitos dos deuses dispõem de várias teogonias
diferentes, e ainda que estas apresentem algumas personagens comuns, é difícil elaborar
uma lista única de divindades primordiais para as mitologias, pois essas divindades, assim
como o papel de cada uma, variam de uma fonte para outra.
Prakrti – ‘Natureza’ – ‘Aquilo que é predominado’. Há duas maneiras de vermos prakti:
apara–prakrti, que está ligada a natureza material e para–prakrti, ligada a natureza espiritual
(entidades vivas).
Prana – ‘força da vida em si’. Em sânscrito, é sinônimo de vida e é também o nome do fô-
lego de vida em que tomamos a cada inalação. Prana é também o nome de um dos cinco
ares importantes no organismo. Prana, como um corpo de ar, está situado na cavidade da
boca e permite a passagem de alimentos para o estômago. Ele reside normalmente na zona
das narinas até os pulmões e sua localização, perto do coração preserva a vida da destruição.
Pranayama – ‘Abstração’. Domínio da respiração através do controle e da expansão orde-
nada. Com este exercício, que parece ser o mais importante e difícil da yoga, além é claro da
postura, o discípulo precisa esquecer tudo, salvo a respiração.
Prashakti – Ver Shakti
Rajas – ‘Paixão’. O modo material da paixão, caracterizado pelas atividades fruitivas e pelo
de gozo dos sentidos. “A natureza material consiste em três modos – bondade, paixão e ig-
norância. Ao entrar em contato com a natureza, a entidade viva eterna condiciona-se a esses
modos. O modo da paixão nasce de desejos e anseios ilimitados, e por causa disso a entida-
de viva corporificada está presa às ações fruitivas materiais”. 73
Rupadhatu – ou Rupaloka é o mundo celestial de ‘forma’ (rupa), ou o que chamamos de
‘Devachan’. Com os iniciados brâmanes, chinês e outros budistas, o Rupadhatu é dividido
em dezoito Brahma ou Devalokas; a vida de uma alma nele dura de uma meia Yuga até
16.000 Yugas ou Kalpas, e a altura das Sombras é de meia Yojana até 16.000 yojanas (onde
um Yojana medidas de cinco anos e meio a dez quilômetros). Cada Era a vida humana apre-
senta durações diferentes: na Satya-yuga é de 100 mil anos; na Treta-yuga, 10 mil anos;
Dvapara-yuga, mil anos; e na grande era de Kali-yuga os humanos vivem no máximo cem

73
Bhagavad-Gita; 14:5-7.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 45
anos. 74 O falso apego aos gozos dos sentidos transforma os humanos do mundo para o
mundo; os excessos de todas as facilidades e prazeres o afastam da Era da bem-aventurada
Satya. Para os indianos, o progresso material e as riquezas não trazem a paz ou a felicidade
que muitos almejam, mas sim a prática das quatros virtudes de Satya: verdade, austeridade,
limpeza e misericórdia com todos os seres. “Habito o coração de todos e de Mim provêm à
memória, o conhecimento e a provação de ambos. Sou o que se deve conhecer em todos os
Vedas; sou o autor da Vedanta e o conhecedor dos Vedas”. 75
Sahaja – ‘seu próprio caminho’. O caminho alegre e natural que a entidade viva se eleva
acima do mundanismo até o estado divino.
Sahajiya – Vaishnava-sahajiya é uma forma de Vaishnavismo tântrica que se originou em
Bengala, no século XVI. Vaishnava–sahajiya é geralmente considerado como um ‘canhoto
caminho’ (vamacara) e apóstata (apasampraday) liminar para védica, embora seguidores
afirmem que este é apenas um entendimento superficial. A tradição usou o romance entre
Krishna e Radha como uma metáfora para a união com Deus, e pediu para experimentar a
união através de sua reconstituição física. Sahajiyanas ensinam que a maneira ideal para
compreender a união entre humanos é transcender os aspectos profanos do intercurso sexual
e experimentá–la como um ato divino.
Sahasrara – Sétimo e o mais importante dos Chakras, situa–se no alto da cabeça e relacio-
na–se com o padrão energético global da pessoa. Conhecido como Chakra da coroa, é repre-
sentado na tradição indiana por uma flor de lótus de mil pétalas na cor violeta. Através dele
recebe–se a luz divina. A tradição de coroar os reis fundamenta–se no princípio da estimula-
ção deste Chakra, de modo a dinamizar a capacidade espiritual e a consciência superior do
ser humano.
Samarasa – ‘Equilíbrio nos sentimentos’, ‘não–discriminação’, ‘mente em repouso’.
Sankhya – ‘discriminador’. Pensamento desenvolvido no século VI A.E.C. por Kapila, de-
monstra um sistema dualista (dvaita), no qual o ego e a alma são distintos e quem sofre é o
ego individual, mas a alma, que é ‘pura’, não padece e é livre. Com este sistema filosófico,
“chega-se à conclusão de que a entidade viva não é parte integrante do mundo material, mas
da suprema totalidade espiritual”. 76 O pensamento filosófico Sankhya, ensinado no Terceiro
Canto do Srimad-Bhagavatam e no Décimo Primeiro Canto, Volume dois, e aceito pelos
seguidores de Krishna não é, segundo eles, o que se apresenta e ensina hoje nas universida-
des. Para eles, a filosofia Sankhya foi distorcida, mal colocada e interpretada erroneamente
por filósofos ateus, metafísicos e alguns deistas mal-intencionados. “O Sankhya sabe que a
causa da ‘servidão’, isto é, da condição humana, do sofrimento, é a ignorância que, em ra-
zão da lei carmica, se transmite de uma geração a outra. Mas o momento histórico em que
esta ignorância apareceu não pode ser estabelecido, assim como é impossível fixar a data da
Criação. A ligação do Si e da vida, assim como a ‘servidão’ que daí decorre (para Si), não
têm história, estão além do tempo, são eternas. A única certeza que se pode ter sobre o as-
sunto é que o homem se acha nessa condição desde tempos remotos, e que a finalidade do
conhecimento não é a busca vã da causa primeira e das origens históricas de tal condição,
mas a liberação (moksa)”. 77

74
Srimad-Bhagavatam, Canto 1 Livro 1; 16:31.
75
Bhagavad-Gita; 15:15.
76
Bhagavad-Gita; 5:5 Explicação – Prabhupada.
77
Eliade, M. Yoga - Imortalidade e Liberdade, p. 31.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 46
Shahidullah – Muhammad Shahidullah' (1885–1969). Famoso filólogo, escritor, lingüista e
educador Bengali.
Shakti – ‘deusa Mãe do Universo’; ‘personificação da Energia Primordial’. Ela é o aspecto
dinâmico do Supremo, que cria, preserva e dissolve o Universo, em relação ao qual Shiva
representa Brahman (o Absoluto transcendente ou aspecto paterno do Supremo). Há uma
crença hindu de que a graça de Shakti, o poder manifestado de Deus, é necessária antes que
o aspecto transcendente de Deus seja revelado.
Shu Chu (ou Shu) – ‘deus egípcio do ar seco’, ‘do estado masculino’, ‘calor’, ‘luz e perfei-
ção’. Uma lenda conta que Chu foi criado por Deus nas águas de Nu a partir da masturbação
divina e a partir de seu vômito surgiu Tefnut, sua irmã gêmea e consorte. Outra versão diz
que ambos nasceram após Atum ter se masturbado. Juntos, Chu e Tefnut geraram Geb e
Nut. Chu é o responsável por separar o céu da terra (sendo representado como um homem
tendo Geb, a terra, em seus pés, e levantando Nut, o céu, com os braços, numa representa-
ção que se assemelha ao Atlas grego). É ele também quem traz a vida com a luz do dia. É
representado como um homem usando uma grande pluma de avestruz na cabeça. Criou
também as estrelas pelas quais os seres humanos podem elevar–se e atingir os céus e as co-
locou na cidade de Gaaemynu. Ele só se tornou popular a partir do Novo Império.
Stupa ou Estupa – ‘mausoléu’, construído em forma de torre, circundada por uma abóbada
e um ou vários chanttras (toldos de lona). Originalmente era um monumento funerário de
pedra, semi–esférico, com cúpula, mirante e balaustrada. Com o advento do Budismo, evo-
luiu para uma representação arquitetônica do cosmo. O acesso a ele é feito por meio de um
arco ou porta, ricamente adornado com esculturas.
Tantra – Filosofia religiosa segundo a qual Shakti é geralmente a principal divindade vene-
rada, e o universo são visto como o jogo divino de Shakti-Shiva. A palavra Tantra também
se aplica a qualquer Escritura identificada com a adoração de Shakti. O Tantra ocupa-se,
sobretudo com práticas espirituais e formas rituais de veneração, cujo objetivo é a libertação
da ignorância e o renascimento rumo ao conhecimento inequívoco de que a alma individual
e o Supremo (Shiva–Shakti) são um. Além dos Shakti Tantra, existem os Tantras budistas e
vaishnavas.
Tara – ‘Mãe dos Vitoriosos’. Conhecida na China como Kuan Yin e no Japão como Kwan-
non, simboliza a contrapartida feminina de Buda. É também considerada a Mãe de Buda.
Ela protege dos perigos e concede longa vida.
Upanishads – São considerados como revelação direta dos Rsis (sábios, santos ou profetas
indianos) e possuem as principais idéias da doutrina secreta bramânica. Os Upanishads “re-
presentam uma espécie de instrução altamente especializada – que exige do discípulo uma profunda
qualificação – e o mestre tinha a liberdade de transmiti-la ou não. Para ser digno deste saber esotéri-
co, o discípulo deveria ser um adhikarin realmente maduro e perfeitamente preparado para suportar
a sabedoria revelada”. 78
Vaishnavismo – Vaishnava – Um devoto do Supremo Senhor Krishna – ‘o todo atrativo reservató-
rio de prazer’. Referencial de pensamento estritamente monoteísta do Hinduísmo. Embora lide com
múltiplos aspectos de Deus e hierarquias subordinadas a Ele, que nos atuam diferentes aspectos de
Sua criação, a idéia central da religião é estabelecer a relação com o Deus Uno. Dessa forma, a
consciência do devoto transmuta-se de ‘consciência de ego’ para ‘consciência de Deus’, e ele torna-
se um recipiente da graça divina. Só pela graça do Senhor que a pessoa pode obter a salvação. Sal-

78
Zimmer, H. Filosofias da Índia, p. 54.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 47
vação significa liberação da existência condicionada nesse mundo material e ingresso definitivo no
reino de Deus.
| Hare Krishna Hare Krishna | Krishna Krishna Hare Hare |
Hare Rama Hare Rama | Rama Rama Hare Hare |
Significado:
HARE é uma invocação à Energia Divina.
KRISHNA, o nome de Deus que significa “O todo-atrativo”.
RAMA se refere à bem-aventurança que provém da misericórdia de Deus, é a força espiritual. 79
Vajrolimudra – ‘raio’. Vajroli é simplesmente a constrição da musculatura uretral no lin-
gam – os mesmos músculos utilizados para cortar o fluxo de urina. Este mudra influência
fortemente os nadis que abastecem os órgãos sexuais com a energia espiritual. Depois de
alguma prática que um homem pode manter a energia do sêmen, mesmo quando ejacular.
Essa energia pode ser utilizada para a sua saúde e crescimento espiritual em vez de ser des-
perdiçada. “Desejo material, grande afã, audácia, insatisfação mesmo no ganho, orgulho falso, orar
por avanço material, considerar-se diferente e melhor que os outros, gozo dos sentidos, impetuosa
avidez por lutar, gostar de ouvir elogios, tendência a ridicularizar os outros, proclamar as próprias
façanhas e justificar suas ações pela própria força são qualidades do modo da paixão. Ira intoleran-
te, avareza, falar sem se referir à autoridade escritural, ódio violento, viver como parasita, hipocrisi-
a, fadiga crônica, desavença, lamentação, ilusão, infelicidade, depressão, sono exagerado, falsas
expectativas, temor e preguiça constituem as principais qualidades do modo da ignorância”. 80
Vedanta – ‘unidade essencial de todas as coisas’. Sistema religioso e filosófico desenvolvi-
do a partir dos Upanishads, os ensinamentos finais dos Vedas. Tratado filosófico–religioso
desenvolvido a partir das Upanishads por Shankara em aproximadamente 800 E.C., que en-
sina um pensar advaita: ‘não–dualista’.
Vrindavan – Importante local de peregrinação que está a apenas 15 km de Mathura. É co-
nhecido por seus inúmeros templos – os antigos e modernos. O nome Vrindavan evoca o
espírito brincalhão e características adoráveis de Krishna. Esta é a madeira, onde brincavam
com as gopis e carinhosamente cortejada Radha.
Yantra – Literalmente significa assomar, instrumento ou maquina. Acredita–se que yantras
místicos revelam a base interna das formas do universo. A função dos Yantras é ser símbolo
de revelação das verdades cósmicas. Na atualidade, um yantra é uma representação simbóli-
ca do aspecto de uma divindade, normalmente a Deusa Mãe ou Durga. Ele é uma matriz
interconectada de figuras geométricas, círculos, triângulos e padrões florais que formam um
padrão fractal de elegância e beleza. Embora desenhado em duas dimensões, um yantra deve
representar um objeto sagrado tri–dimensional. Os yantras Tridimensionais estão se tornan-
do incrivelmente comuns. Embora o yantra seja uma ferramenta usada na meditação por
ambos sérios pesquisadores espirituais e escultores da tradição clássica, sua shakti é também
disponível para pesquisadores iniciantes com sincera devoção e boas intenções.
Yoga – do sânscr. Yoga ou Yôga. União da consciência empírica com a consciência trans-
cendental; “deriva da “raiz yuj “ligar”; “manter unido”; “atrelar”; “jungir”, que originou o
termo latino jungere, jugum e o inglês yoke, etc. “Aquele que atingiu a perfeição pela Yoga,
irá encontrá-lo dentro de si mesmo no decorrer do tempo. O homem cheio de fé obtém o

79
Srimad-Bhagavatam, Canto 2 Livro 1; 1:11.
80
Srimad-Bhagavatam, Canto 11, Capítulo 25, versos 2-5.
Mircea Eliade – TRÊS ENSAIOS: MÍSTICA E ERÓTICA ÍNDIA – ÍNDIA AOS 20 ANOS – BOROBODUR 48
conhecimento aplicando-se a ele e subjugando os sentidos. Atingindo o conhecimento, logo
alcançará a paz suprema”. 81
Zigurate – Templo babilônio antigo em forma de torre piramidal, com plataformas recua-
das e sucessivas, degraus externos e santuário no topo.

81
Bhagavad-Gita; 4:38 e 39

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