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Capítulo 10 – Conclusão 61
Referências bibliográficas 61
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Para conseguir escrever uma história que Quantos argumentos excelentes se tor-
será montada ou editada, não se pode es- nam nada quando desenvolvidos em roteiro?
quecer dos diferentes aspectos técnicos que
Quantas histórias desperdiçadas chegam ao
fazem parte desse tipo de dramaturgia. São
cinema? Isso é mais comum de acontecer
eles: do que se imagina. Portanto, não basta uma
ideia na cabeça para que a narrativa, em seu
• Cabeçalho (externa/interna - espaço desenvolvimento, saia pelo menos proficien-
físico - tempo). te, se não puder ser profissional. E, para que
isso ocorra, existem alguns aspectos da cria-
• Divisão em cenas da história. ção que devem de fato ser muito respeita-
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dos. Está basicamente neles o bom resultado Ou ainda o grupo de monstros famosos da
de um filme. literatura do século XIX que reinam até hoje
no cinema moderno, como Frankenstein e
A composição de personagens é talvez um Drácula. Ou mesmo as personagens trágicas
dos aspectos mais importantes para o desen- gregas, vindas lá da Antiguidade, como Édi-
volvimento de uma boa história de literatura po, Antígona, Hércules. Ou personagens de
ou de cinema. Essa é a razão por que, nesta quadrinhos que ganharam vida no cinema,
oficina de criação, a atenção ao desenvolvi- como Batman, criado por Bob Kane, Super-
mento e à criação deles será especialmente -Homem, da dupla de autores Joe Shuster e
importante. As personagens são o principal Jerry Siegel, ou ainda os que foram do cine-
tema quando se trata de desenvolvimento do ma para os quadrinhos, como Mickey Mouse,
roteiro. a mais famosa criação de Walt Disney. Trata-
-se de criações tão fortes que ultrapassaram
seu tempo histórico, mantendo o mesmo vi-
gor de quando foram criados; tornaram-se
mais importante, ou pelo menos mais conhe-
cidos e imediatamente reconhecidos por seu
público, do que seus criadores.
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Esses diretores são tão fundamentais que se Lista de filmes estrangeiros com seus
torna quase impossível querer trabalhar com respectivos diretores, movimentos e
cinema sem conhecê-los. país de origem
Seus filmes serviam de matriz para novos
• Cinema norte-americano - 1910 (fil-
filmes.
mes de entretenimento)
Filmes mudos:
Tudo isso será útil para sua educação ci- Filme documentário:
nematográfica e poderá servir de inspiração
para alguns de seus roteiros. Espero que • Um homem com uma câme-
possa apreciar a lista e aprender com ela. ra.
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• Tabu. Filme:
• Relíquia macabra.
b) Fritz Lang
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Filme: Filmes:
• Teorema. Filmes:
Filmes: Filmes:
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Filme: • O cangaceiro.
• Ganga bruta.
• Filmes premiados
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Filmes: • Os fuzis.
• Vidas secas.
b) Roberto Santos
• O amuleto de Ogum.
Filme:
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até hoje, vieram de uma única fonte literária: gem sem bons argumento, enredo e roteiro
os romances franceses e italianos do século que possam exprimi-lo em suas angústias,
XIX. Foi neles que Griffith buscou a série de alegrias e todo o tipo de emoções. Com a
fatos organizados em enredos e de persona- evolução do cinema clássico, as personagens
gens que vivem intensamente ou não esses tornaram-se o que há de mais vivo num fil-
fatos, num intrincado de problemas que ten- me. E, apesar de serem uma invenção total,
tam abarcar a vida e seus temas universais. assim como na literatura, eles têm uma ca-
Griffith influenciou todo o cinema americano, pacidade muito grande de exprimir todos os
inclusive os musicais. anseios, dúvidas, alegrias, lutas, aspirações
e tristezas do espectador.
Eisenstein sofisticou as buscas de planos
e enquadramentos griffitianos, criando seus A personagem é aquele elemento que, por
filmes de autor, quase documentais de tão mais fictício e fantástico que seja, paradoxal-
realistas, utilizando para isso até atores mente é capaz de comunicar a mais legitima,
sociais, ao invés de atores do teatro, como sólida e universal verdade existencial, mes-
era comum. São os métodos de Eisenstein mo quando essa verdade for tratada de for-
que influenciam o cinema experimental e de ma burlesca ou caricatural. Por isso mesmo,
arte até os dias de hoje. Seus recursos de tome-se como primeira lição que as persona-
montagem e métodos de ator influenciaram gens devem ter sempre e obrigatoriamente
o chamado cinema de autor dos anos 1950 a capacidade de conter os mistérios do ser a
e 1960 e também o movimento Neorrealista que representam. E isso não é tarefa fácil de
que surgiria por esse período, entre outros. realizar, na medida em que os roteiros devem
conter toda uma coerência entre a criação fí-
sica e psicológica desse novo ser vivente.
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Por outro lado, nos filmes de muita ação, nas quais é preciso saber mergulhar nos re-
a regra é outra. Quanto mais ações vemos cessos do coração humano”.
nos filmes de entretenimento, por exem-
plo, a série Indiana Jones, do diretor Steven Tanto para a literatura quanto para o cine-
Spielberg, mais caricaturais são seus perso- ma, as chamadas personagens de costumes
nagens. Por isso seus filmes são puro entre- são na verdade o que o ensaísta Antônio Can-
tenimento, que não pretendem em nada se dido define hoje como as personagens pla-
nas: apresentadas por meio de traços distin-
assemelhar a algo possível da vida real.
tivos, fortemente escolhidos e marcados. São
Mas, apesar das diferenças muitas vezes na verdade caricaturais. Adéquam-se mais,
abissais, se observarmos atentamente, vere- por isso mesmo, ou têm sua eficácia máxima
mos que a força motriz tanto de um estilo na caracterização de personagens cômicos,
como de outro de realização - quer seja do pitorescos, invariavelmente sentimentais.
cinema de autor, quer do de entretenimen-
Já as chamadas personagens de nature-
to - concentra-se igualmente na criação das
za, para o crítico, equivalem ao que hoje os
personagens, cada qual idealizada para o
escritores entendem por personagens esféri-
padrão que seus diretores desejam desen-
cas, que, ao contrário de traços superficiais,
volver.
são apresentadas pelo seu modo íntimo de
ser. Não são imediatamente identificáveis ou
Aproveitando esses exemplos dados, va-
acentuadamente trágicas, e isso impede que
mos à segunda lição deste capítulo. As per-
tenham a regularidade dos outros. Ocorre
sonagens de cinema, adequando-se a con-
que essas personagens complexas exigem
ceitos puramente literários, também surgidos
que seus roteiristas observem cada mudança
nos romances italianos e franceses dos sécu-
do seu modo de ser, criando para elas uma
los XVIII e XIX, podem ser divididas, em ter-
característica diferente, geralmente analítica,
mos de dramaturgias e idealizações, em dois
mas nunca pitoresca.
tipos básicos. As chamadas personagens de
costumes ou planas contrapõem-se às cha- Na atualidade do cinema, assim como da
madas personagens de natureza ou esféri- literatura, as personagens planas e as esfé-
cas. Mas o que vem a ser isso? ricas devem ser coerentes aos seus modelos
de criação inclusive na forma de vestir e de se
A literatura do século XVIII, segundo Can-
apresentar dentro dos enredos.
dido (1968, p. 61), buscou trabalhar com es-
ses dois tipos de personagens. Diz o ensaísta As personagens planas veem os homens
que os dois tipos são muito diferentes en- pelo seu comportamento em sociedade, pelo
tre si: “As personagens de costumes são tecido das suas relações e pela visão que te-
muito divertidas, mas podem ser mais bem mos do próximo. Para Candido (1968), que
compreendidas por um observador superfi- trouxe essa definição à literatura, elas são ti-
cial do que as personagens de natureza, pos, por vezes caricaturais. Por sua vez, as
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d) Refaça esses exercícios com outras a questão dos arquétipos e das jornadas em
personagens, com quantos filmes etapas de um protagonista é muito interes-
quiser e quantas vezes for neces- sante. Como podem realmente ser úteis, va-
sário para que possa compreender mos a ela para as próximas fases de criação
completamente de que forma fun- desta oficina. Mas, antes, vamos compreen-
cionam as personagens no cinema. der o que são arquétipos.
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sibilidades (boas ou más) em relação a este, criação de uma personagem. Portanto, vai
o que nos faz entendê-lo como personifica- depender exclusivamente do roteirista e de
ção das diversas qualidades humanas. Vogler sua capacidade criativa o quanto será desen-
(2006) vê o protagonista como um herói ou volvido e de que forma entrará em cena. Po-
anti-herói, que deve seguir uma longa jorna- demos usar para isso uma lista com algumas
da feita por etapas até o fim. dessas características básicas. São elas:
3) Gentil – violento.
4) Inteligente – estúpido.
5) Alegre – lânguido.
6) Gracioso – apático.
7) Delicado – bruto.
É bem verdade que toda história pode co-
meçar a ser imaginada a partir de uma situ- 8) Valente- covarde.
ação ou de uma imagem, mas vamos ten-
9) Claro – confuso.
tar aqui começá-la pela construção de seu
protagonista. Primeiro, vamos idealizar quem
10) Obstinado – dócil
será esse protagonista. Para isso, eu lanço
algumas questões. Começaríamos a cons- 11) Generoso – avaro.
trução de um personagem principal por sua
personalidade ou por suas características fí- 12) Fanfarrão – humilde.
sicas? É possível separar uma coisa da outra?
Podemos ter um protagonista conquistador, 13) Gregário – solitário.
do tipo convencido e senhor de si, sendo bai-
14) Justo – injusto.
xinho, barrigudo e careca? Não? Mas e se
ele fosse cheio de charme, bastante culto? E 15) Moral – imoral.
ainda se quiséssemos um protagonista fora
dos padrões de beleza adotados pela esté- 16) Otimista – pessimista.
tica ocidental? É possível separar a razão da
emoção? 17) Crédulo – incrédulo.
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Escolha cinco características, dentro do le- Vemos com isso que o gênero não modi-
que de possibilidades psicológicas dadas, e fica a qualidade principal das personagens,
descreva, a partir delas, como seria o tipo físi- apenas da nova forma como elas serão de-
co de cada uma. Depois de criar essas perso- senvolvidas. Portanto, não dá para pensar
nagens, tente fazê-las pertencer ao seu argu- em imagem desvinculada de conceito, do
mento. Pense em como ficariam e descreva-as. mesmo modo que, ao imaginarmos uma per-
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sonagem, não importa por onde vamos co- de criação existem. Como são muitas, prova-
meçar, se pela parte física ou pela personali- velmente você iria pensar de que forma essa
dade, o que vale é o conjunto da obra. Afinal, moça entra na história e só então teria condi-
o que teremos é a unicidade. Mesmo porque ções de imaginar seu tipo físico e psicológico.
é comum dizer, como forma de definição ge-
ral, que determinada pessoa nos deixou uma A irmã de Gabriela, se a tivesse, poderia
boa “imagem”, ou fez uma boa “figura”, na ser alta, baixa, bonita, com óculos, maquia-
verdade terminologias que sintetizam a com- da, morena, branquela (por algum motivo)
plexidade que compõe a personalidade por ou mesmo um tipo intelectual que de pe-
meio da imagem.
quena foi para a cidade grande estudar com
Isso também ocorre com a personagem, parentes abonados e se tornou um ser ab-
então, em seu processo de criação, pode solutamente diferente da cabocla simples e
acontecer que você primeiramente a enxer- sensual que se manteve na cidade pequena
gue. Portanto, imagine-a em toda a sua ima- e provinciana de Ilhéus do início do século
gem, dando-lhe uma aparência antes até de XX.
pensá-la em conceito, mesmo que depois a
produção vá optar por um ator que nada te-
nha a ver com o que você visualizou. Não
importa, porque o momento de criação é seu
e exclusivo.
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A definição da função dramática de sua Temos que aceitar também o fato de que,
personagem pode parecer, à primeira vista, desde as narrativas em volta do fogo da pré-
uma coisa superficial, desnecessária e até -história até nossos dias, pouco mudou so-
mesmo arbitrária. bre a forma de contar uma história. Quando
eram narrados os atos de heroísmo de cada
De certa forma é, se formos encarar sob
clã ou tribo, estava-se criando uma maneira
o ponto de vista da escrita direta. O pro-
de contar histórias que atravessaria o tem-
blema é que, ao desenvolvermos o roteiro,
po e permaneceria semelhante ao que se faz
como nele se insere a proposta de contar
até hoje.
uma história, teremos alguns elementos que
exercerão uma função dramática. Lembre-se
de que toda trama conta uma história, visto
serem todas as coisas do universo que con-
templamos na narrativa presas ao tempo e
ao espaço que desenvolvemos. Dessa forma,
todas as ações que ocorrem nela desenro-
lam-se nessas dimensões.
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bastante. Em alguns casos, pode ocorrer até determinados planos apenas como mero ob-
uma inversão, sendo o herói de alguns o vi- servador curioso. Tirando isso, todas as ou-
lão de outros pelo sua ética, no entanto, ja- tras estarão auxiliando na narrativa para que
mais por sua maneira de agir. Ou seja, o que se conte a história, algumas ao lado do herói
define o herói não são seus motivos, mas sim e outras contra ele. Terão, portanto, todas
o seu modo de atuar. Mesmo que ele perma- elas uma função dramática.
neça durante toda a narrativa sentado numa
Porém, além das personagens, existem
poltrona, seus pensamentos poderão levá-lo
outras funções dramáticas que servem de
a um conflito interno a ser vivenciado e so-
pano de fundo de sua história e que estão
lucionado.
diretamente ligadas à trajetória do protago-
nista. São etapas pelas quais ele terá que
passar até atingir seu objetivo. Do mesmo
modo que não podemos ser cartesianos com
relação à criação de suas personagens e fun-
ções, não deveremos sê-lo com relação às
etapas. Veremos mais adiante que existe um
mapeamento destas, mas isso varia muito de
acordo com o contexto.
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tenham que estar todas inseridas dentro da sempre atentos com relação aos exageros e
narrativa. Lembre-se de que todo filme é um fechamentos em torno de uma ideia.
recorte da realidade e cabe nele exatamente
Minha abordagem aqui se dará mais pelo
o que o escritor estipular.
caráter ilustrativo do que propriamente pela
receita. Não é de maneira alguma certo que
tudo que se lê na obra de Vogler deva ser se-
guido ao pé da letra. Existem inúmeros filmes
que jamais cumpriram esses parâmetros,
pelo menos, não na integralidade. O estudo
de A jornada do escritor é interessante pela
pertinência de algumas abordagens, princi-
palmente pela análise lúcida de cada tópico,
sem que isso represente o único caminho.
No entanto, é fato que existem os arquéti-
pos e as etapas apontadas pelo autor, e é
também verdadeiro que podemos encontrá-
-los num grande número de filmes, acredito
que na maioria deles, sem a consciência do
roteirista e do diretor.
É simples assim: o roteirista deve buscar o
recorte de sua história, assumi-lo totalmente O que Vogler fez foi analisar, em seu es-
desde o argumento e não perder esse foco tudo, o que já estava impresso na tela ou
até o final. Se vamos contar, por exemplo, nas páginas de roteiros. Partiu dos estudos
de Joseph Campbell sobre o mito e chegou a
a história imaginária de uma possível irmã
algumas conclusões que são verdadeiramen-
de Gabriela que esta nunca conheceu e que
te úteis a qualquer um que queira escrever
foi separada dela quando ainda eram bebês
histórias. É bem claro que, de fato, podemos
numa espécie de brincadeira imperfeita de
encontrar um determinado padrão narrativo
Os irmãos corsos, obrigatoriamente teremos
desde as primeiras histórias contadas. Há os
que manter a espinha dorsal dessa narrativa
que acreditam que foi criado um número ex-
do começo ao fim. tremamente pequeno de narrativas, as quais
foram desdobradas em todas as outras que
Para nos ajudar a compreender melhor de
nos chegam. Não podemos comprovar tal
que forma se dá a criação da narrativa a par-
afirmação, mas podemos dizer que a grande
tir das personagens, vamos analisar algumas
maioria segue, mesmo que pelo instinto, um
colocações sobre isso do livro A jornada do determinado padrão.
escritor, de Christopher Vogler (2006), uma
obra bastante interessante ao se tratar des- Todos que lidam com a criação estão can-
sa construção. No entanto, devemos estar sados de saber que, se você não põe em prá-
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tica ideias que pensou, em breve estará se No entanto, devemos considerar que, por
deparando com elas na obra de outro autor essa definição, aqueles protagonistas que
e, aí, será muito tarde e só restará o arre- estão sempre enfrentando perigos e desafios
pendimento. Digo isso não apenas como um em sua vida comum não estariam sujeitos a
alerta, mas também para afirmar que a at- vivenciar essa etapa que os joga numa situ-
mosfera e as condições que lhe permitiram ação especial.
“enxergar” alguma coisa não estão somente
Isso ocorre principalmente nas séries, nas
à sua disposição, mas, ao contrário, estão quais as personagens principais estão sem-
no ar para todos. Talvez daí o fato de que a pre enfrentando desafios. Podemos até dizer
maioria das histórias é contada seguindo um que o desafio a enfrentar, nesse caso, seria
padrão. que ele voltasse a uma vida normal, ao mun-
do comum, à maioria dos mortais.
Vamos às conclusões de Vogler (2006),
pois suas reflexões irão ajudar no processo É inegável que, nesses casos, os roteiristas
de criação de um roteiro. têm que encontrar um caminho. O que eles
fazem é transferir a quebra da vida cotidiana
Capítulo 7 – O herói do cinema e sua para a personagem que deverá ser socorrida
jornada pelo protagonista.
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Todo ser vivo sobre a Terra e talvez no uni- do algo diferente do que ela faria, portanto,
verso está sendo constantemente desafiado. essa seria uma história comum.
O que ocorre é que, na maioria das vezes,
esses desafios não são aceitos. Ou, ainda, Daí a importância de jogar o protagonista
são corriqueiros, comuns à sobrevivência, numa jornada que o coloque no hall das pes-
como a luta de uma planta para atingir a luz soas especiais, daquelas que, em determina-
do sol ou de um cervo para escapar das gar- do momento de suas vidas, são atingidas por
ras de um lobo. Essa luta cotidiana não se algo que as jogue numa “aventura”, seja ela
configura no que poderíamos considerar um de caráter externo ou interno.
chamado, mas está em todos nós.
Como já disse, vários de nós de vez em
quando deparamo-nos com alguns chama-
dos que estão além da rotina. A questão é
se você se lançará no rio para salvar alguém
que pede socorro ou se ficará na margem
olhando. No segundo caso, ainda assim,
você poderá ser o protagonista que se de-
parará com a dúvida sobre as implicações de
sua imobilidade diante dos apelos de uma
criança, o sentimento de culpa e a questão
Pode ser, por outro lado, que o seu roteiro sobre a coragem. O que queremos dizer é
seja exatamente trabalhar sobre esse aspec- que, ocorrido o fato, o conflito, a pessoa – a
to da luta de um homem em seu dia a dia personagem que está sendo criada - que o
enfrentando como qualquer um a luta pela vivencia estará inserida na jornada, não im-
sobrevivência. Acontece que, ao inseri-lo em portando o rumo que se dará à história.
sua narrativa, você já estará emprestando a
essa personagem um caráter exclusivo, por Uma vez ocorrido o conflito, o chamado
mais que se tente dissimulá-lo. A persona- faz-se presente, e haverá quebra do cotidia-
gem em foco estará carregando a narrativa no. Cabe ao autor criar conflitos e chamados
do roteirista, e não há como escapar disso. que sejam interessantes e que, na medida
do possível, tragam algo de novo. Também é
No entanto, é possível que as pessoas di- importante ter em mente que eles devem se-
gam que seu filme é chato e que não apre- guir a noção de verossimilhança. Não quero
senta coisa alguma de extraordinário. Afinal, dizer com isso que seu herói não possa en-
onde está o desafio, o conflito, o chamado? frentar a Hidra de Lerna – animal que jamais
Elas farão essa pergunta em seu íntimo, sem existiu –, mas que você possa convencer as
que necessariamente o façam por conheci- pessoas de que ela poderia de fato estar ali
mento técnico, mas sim pelo simples fato como um desafio real. Para tanto, é preciso
de que aquela personagem não está fazen- criar em sua narrativa elementos que possam
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corroborar o fato narrado, não importando o herói. De qualquer forma, ele se destaca dos
quão fantasioso ele seja: a hidra existe por demais em suas ações e tem que aceitar o
causa disto, disto e disto. Dê verossimilhança chamado e o enfrentamento do conflito, vi-
a seus personagens. É bem natural que Hér- venciando uma ruptura com seu cotidiano,
cules enfrente o animal mitológico. Se fosse daí a ideia da separação do materno.
Pedro saindo de seu trabalho no centro da ci-
dade, o roteirista teria que explicar o porquê Aquiles escolhe partir para Tróia apesar
de a hidra estar ali. dos avisos e apelos de sua mãe, a deusa Té-
tis.
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a sutileza na divisão das funções dramáticas tiantes. A máquina nunca é vista, podemos
em determinados filmes. Por isso, repetindo, apenas percebê-la. Surge o rosto desespera-
prefiro chamar meus possíveis heróis de pro- do de Miguel, parado, procurando uma saída
tagonistas simplesmente. desse inferno. Ele entra mata adentro fugin-
do. Tem um facão em suas mãos, que ele
Dessa forma complexa, podemos perce-
usa abrindo caminho entre a densa vegeta-
ber que criar uma história tem tantas varian-
ção. De repente o vazio, o abismo, a perda
tes que fazer algo realmente profundo exige
muita coerência e compreensão do que são do equilíbrio e o pavor em seus olhos.
as personagens da trama a ser desenvolvida.
SEQ. 2 - EXT – Fim de tarde – Poesia
Em A jornada do escritor, o que Vogler de Rio
(2006) quer dizer é que todo protagonista
segue certas características arquetipais, quer Miguel acorda de seu pesadelo. Deitada
seja de herói ou de vilão, e que elas serão com a cabeça em seu ombro, está Xana.
criadas a partir de etapas/jornadas dentro Ambos são iluminados por uma fogueira.
da longa caminhada que toda personagem
principal deve seguir, se assim a história de- Xana
senvolvida exigir.
- Miguel!
Capítulo 8 - Roteiros com exercícios
Miguel
A partir de agora, você lerá trechos de
roteiros escritos pelo professor Luís Moreira - Sonho ruim, morena.
Filho e, a partir deles, terá uma série de
exercícios que, ao ser resolvidos, podem Xana
ajudá-lo na criação. Quando houver dúvidas,
- Outra vez?
pode fazer seus questionamentos nos chats
da disciplina. Esses exercícios não são para
Miguel
nota, nem para ser entregues, mas servirão
para a preparação dos exercícios pedidos na - … Vontade de voltar logo pro Rio, ver
avaliação final da disciplina.
o Fabinho... É meu único filho, Xana, único.
Fiquei longe tempo demais. Tenho medo de
Roteiro: Assunto encerrado (Luiz Mo-
ter perdido ele... A Marta tá cada vez mais
reira Filho)
fria... Quando telefono, é só assunto de di-
SEQ. 1 - EXT – Noite – Mata fechada nheiro, a educação do garoto...
Ouve-se um trator e vemos a luz de seus Xana aconchega-se mais ainda nos braços
faróis através de árvores imensas. Claustro- de Miguel, faz cafuné. O olhar perdido nas
fobia, tudo incomoda, som e luzes são angus- estrelas.
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- Vou me embora desta Amazônia. Já fiz Carlos sai do banheiro batendo a porta.
um bom pé-de-meia. Abri tanta estrada que Ele respira fundo, entra novamente, indo até
dava para chegar na Lua… É... Mas quase o espelho, e começa a dar um nó em sua
vendi minha alma. Tive que expulsar índio, gravata-borboleta
tomar terra... Tô cansado disso tudo, tenho
mais nada para fazer aqui. Agora é tentar Carlos
rever minha família.
- Fantasma, eu? Você já se olhou no
Xana espelho, Denise?
- Vai deixar saudade... Meu dengo... Meu Carlos pega um espelho de maquiagem e
boto. aproxima-o do rosto de Denise.
Miguel Carlos
- Você é da vida, morena, vai ficar bem. O - Dá uma boa olhada... Me diz, cadê aquela
que te deixei vai dar pra você se arranjar por mulher linda que eu conheci?
um bom tempo. Depois aparece outro... Com
sorte até se casa. É tão bonita, tão novinha... Por instantes, Denise vê-se no espelho.
Fica comigo a lembrança de teus carinhos e Algumas rugas em volta dos olhos, um rosto
a saudade. cansado e marcado pelo vício.
Uma luz fraca e intermitente sai de uma Carlos acaba de dar o nó na gravata e
porta entreaberta, ouve-se uma respiração aproxima-se de Denise. Ele argumenta, ca-
ofegante. A porta é aberta por completo, a rinhoso.
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Carlos Carlos
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Dantas Dantas:
- Minha filha, já passou da meia-noite. Esse
- É por isso que nós vamos embora pra o
cara que estava com você... Ele é bandido,
interior.
minha filha, trabalha para o Néco da boca,
vai morrer mais cedo ou mais tarde. Esse emprego de vigia que me arrumaram
é bom, e o salário não é ruim, o serviço é
Débora abre a geladeira e bebe água pelo
tranquilo, você estuda à noite, quem sabe
gargalo.
vira advogada e se casa com um sujeito de-
Dantas cente, sua mãe...
- Ah, se sua mãe visse o que está Débora se levanta e vai para o banheiro.
acontecendo.
Débora
Débora larga a garrafa em cima da mesa e
vai sentar no sofá. - Interior, nem morta!
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Muito embora esse roteiro tenha sido es- SEQ. 5 - EXT- Noite – boca de fumo
crito em 2000 e dê um tratamento que po-
demos definir como inocente diante da pro- Charles brinca com o fuzil executando uma
blemática das comunidades assoladas pelo coreografia quase marcial. A seu lado está o
tráfico, podemos tirar de proveitoso o desen- Professor, cheirando fartas carreiras de co-
volvimento da história, que abre três núcleos caína.
dramáticos.
Professor
Os dois primeiros já foram apresentados
-... E vocês, o que são? São o braço ar-
– o primeiro tendo André e seu conflito com
mado da miséria urbana... É... É isso aí! De
relação a sua volta para o Rio para tentar re-
que adianta aquela plaquinha lá na minha
conquistar sua família e o segundo, o de De-
mesa... Professor Fernando, doutor em so-
nise e Carlos, que vivem uma profunda crise
ciologia, se eu não venho aqui meter as caras
diante do vício de Denise.
para entender?... De que adiantam teorias
Agora o terceiro grupo aparece, com o insípidas forjadas por intelectuais igualmen-
cabo Dantas, as dificuldades e os perigos te insípidos, se não se dignam a tirar seus
que enfrenta para criar sua filha adolescente catedráticos traseiros dos gabinetes, hem?
numa favela, ainda mais depois que ela se Se querem defender teses, pois que venham
apaixona por um dos traficantes. fazê-lo aqui! Aqui passamos a entender que
o matraquear das armas pesadas que rom-
O exercício consiste de: pe o silêncio das noites vazias nada mais é
do que o grito de uma parcela da sociedade
1. Criar três sequências que resolvam o tentando sobreviver ao esquecimento a que
conflito a favor do cabo Dantas e ou- foi legada. Ah, desconcertantes aldeias que
tras três que determinem sua derrota. vivem essa ética niilista! Operários, biscates,
2. Fazer também uma descrição detalha- peões, donas de casa, estudantes, emprega-
da das personagens Dantas, Charles e das domésticas, profissionais liberais, artis-
Débora. tas e músicos... Por que não marginais e tra-
ficantes? Somos a escória da escória, somos
3. Criar, num contexto completamente o comércio que movimenta os milhões que
diferente, uma sequência que deter- mantêm o poder.
mine, como essa do roteiro, um con-
flito que provoque um choque de inte- Charles
resses três personagens.
- Tô apaixonado, professor, quero ela só
4. Criar umas três sequências que resol- para mim, e se alguém desses filhos das puta
vam esse conflito. que sobem aqui para tecar olhar para ela, eu
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derrubo. Ela é meiga... Tem umas aí que é das favelas do Rio. Personagens interessan-
só vadiagem, ela não, eu quero para sempre. tes, o Professor, o traficante Charles, Débora,
Corpo quente, no coração de sereia. a filha do cabo PM, e o próprio cabo Dantas
apresentam potencial para o desenvolvimen-
Professor: to da trama. Mesmo que se trate de um cur-
- Agora me diz qual é o crime que se co- ta-metragem, podemos trabalhar algumas
mete aqui que não se comete em Brasília. questões.
São todos uns corruptos, já pensou a PM en-
1. Como ficará a situação do cabo na sua
trar no Congresso atirando... Hahahaha.
comunidade? Charles vai descobrir que
Charles ele é PM, selando sua morte?
- Tão dizendo que agora é o exército que 2. Dantas vai conseguir que Débora se
vai peitar agente. Não interessa se tiver far- afaste do traficante?
da, eu mando bala pode ser quem for... Até
o senhor (sorrindo). 3. Débora vai ser feliz ao lado de Charles?
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Oficina da Criação
personagem, que pode ser definida como uma outra mulher. As duas estão num sofá e
protagonista: rola um clima entre elas.
1. Miguel. Cláudia
SEQ. 6 – Int/noite/loja de aeroporto - Liga, não Carlos... Você sabe que não
precisa procurar muito para ter coisa melhor.
Miguel tem a sua frente um vendedor que
lhe mostra um facão. Carlos titubeia, mas se deixa levar por
instantes. No entanto, levanta e sai, passa
Vendedor pelo salão sem ser visto por Denise e vai
embora.
- É excelente, corta mato que nem
manteiga, aço sueco. Peça de coleção, gravo
SEQ.8 – Ext./quase amanhecendo/
o nome do menino antes da chamada para o
Morro
seu voo.
Vamos matar quem desce pelas ruas do
Miguel
morro. O clima é de guerra no Vietnam: sol-
- Tá bom, o nome é Fabio, pode colocar dados, alguns corpos, sinalizadores azuis
Fabinho. espalhados pelo chão iluminam o rosto as-
sustado de Dantas, ouvem-se tiros intermi-
SEQ. 7: int/noite/ casa festa tentes. Acompanhamos o cabo, que pega um
ônibus, salta num bar e troca de farda no ba-
Festa, todo mundo dançando. Denise está nheiro. Ele sai cumprimenta o dono. Durante
se esfregando com um cara bem mais novo. toda a sequência, vemos flashes de Charles
Um sujeito com uma câmera grava tudo. De- entrando em conflito com os soldados.
nise está completamente louca.
SEQ. 9 – INT/DIA/AEROPORTO
Numa sala, em outro canto da casa, al-
gumas pessoas acompanham tudo por um Fabinho e Marta esperam por Miguel na
televisor plugado à câmera por meio de um área de desembarque. A porta automática é
cabo. Entre elas, Cláudia, que é a anfitriã, e aberta, e o menino corre para abraçar o pai.
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Oficina da Criação
Fabinho Colega
Fabinho Colega
Miguel Dantas
- Para quando a gente for acampar. - Nesse tempo todo, nunca precisei de
ninguém e me orgulho disso, mas ninguém
Fabinho
é de ferro... O cerco tá aumentando, lá sou
- A gente vai acampar? eu sozinho num morro que virou uma guerra.
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Oficina da Criação
Marta Cláudia
Marta: - Se esqueceu?
Miguel mostra um estojo com um anel e - Tá tudo aqui gravado aqui... Coitado do
toca o rosto de Marta. Carlos, ficou arrasado...
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Oficina da Criação
uma perseguição que termina com Denise Marta aproxima sua mão ao rosto de Mi-
entrando no carro e partindo em velocidade. guel. Vemos o sinal ficar vermelho, Miguel
não percebe, ele está olhando para Marta.
SEQ. 13 – Ext./dia/Avenida O carro de Denise, em alta velocidade, bate
no de Miguel. O carro de Dantas, logo atrás,
Dantas e seu colega estão sentados em também perde o controle. O acidente é ine-
seu carro distraídos, de repente ouvem o vitável.
som de um carro que se aproxima. O car-
ro passa, quase bate, espanta umas pessoas SEQ. 16 – Ext./dia/Canto da estrada
que estão na calçada. Eles ligam a sirene e
Fabinho e Marta estão mortos e Miguel gri-
saem em perseguição.
ta desesperado. Denise já saiu de seu carro e
SEQ. 14 – Ext./dia/Avenida está completamente alucinada. Com o celu-
lar na mão, ela chora, chamando por Carlos
Denise está desesperada, em alta veloci- e dirige-se a Miguel.
dade e tentando usar o celular. Pouco presta
atenção na direção. Denise
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Oficina da Criação
RJ, sábado
Fim 11/03/2000
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Oficina da Criação
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Oficina da Criação
a covinha, parece que está sempre de bem 2. Faça a descrição de suas persona-
com a vida, e quando olha pra teu lado, meu gens, nos moldes do que viu acima.
irmão, se segura, você vai jurar que tá te
dando mole, mas quer saber, não tá nem aí Cama de gato (Luiz M. Gama)
pra você. Quem tem a sorte de conhecê-la
SEQ.1- Int./dia/AP. Carla
melhor pode acompanhar suas ideias.
Imagens fotográficas de olhos exuberan-
Ela gosta de ler, cara, e sabe das coisas.
tes desfilam em várias cores e tonalidades
Pra não dizer que tudo é perfeito, quando
na tela. A vitrola toca Este seu olhar, de Tom
alguma coisa tira a paciência dela, o tem-
Jobim, na voz de Dick Farney. Carla, em rit-
po fecha. Não, nada de barraco, mas é bom
mo acelerado, trabalha em sua plataforma
deixar ela em paz. Na verdade, quem sabe
desktop montada num canto de seu loft bem
da vida dela é o Doca, marido dela. Sei não,
mobiliado. É fim de tarde em Ipanema, e as
mas eu não sinto firmeza nessa relação, uma
primeiras luzes começam a ser acesas nas ja-
mulher dessas na mão de um cara daquele...
nelas lá fora. Olhares sucedem-se, compon-
do um cativante jogo com os olhos da bela
Doca – Quer saber, o Doca é um cara legal.
montadora e os na tela de seu computador.
Ele malha lá na academia, mas nunca vai...
Quando aparece, fica lá com aquela barri- De repente, a música apaga e o bip do
guinha, mas tem um papo bom, é enturma- nobreak começa a apitar. O ar-condicionado
do, trabalha na empresa do pai do Paulo há faz o som característico de desarme. Carla
anos, tá bem. Sei não, a Carla que se cuide, olha em volta.
ele, com aquele jeitão dele meio desligado,
acho um gato! Carla
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Oficina da Criação
Agora queria voltar e reaver sua família. Ti- Sendo assim, tente:
nha conhecido uma mulher e agora teria que
deixá-la. O conflito era: será que Miguel con- 1. Revelar, por meio de suas persona-
seguirá, apesar de ter ficado longe por tanto gens, os conflitos de sua trama em no
tempo, ficar bem com sua esposa e seu filho? máximo duas sequências.
Veja que isso tudo foi passado logo na pri- 2. Sem ler o restante do roteiro, criar uma
meira sequência. sequência que desenvolva a situação
de Carla diante da falta de luz.
O mesmo ocorreu na apresentação de De-
nise. Ficamos sabendo que ela era viciada e Continuação do roteiro
casada com Carlos, ambos tinham um projeto
SEQ.2 – int./noite/AP. Carla
de vida juntos, mas o vício estava começando
a atrapalhar seus sonhos.
Doca está sentado no sofá da sala com
cara de babaca (seus olhos acompanham os
Carlos não aceitava essa situação, e Deni-
movimentos de Carla). A seu lado, estão ace-
se, aparentemente, preferia não ouvi-lo. Tudo
sas algumas velas.
foi informado logo na primeira sequência que
apresenta o casal.
Carla (fora)
Foi assim com Dantas, cabo da PM, mora-
- É a conta de janeiro, eles mandaram um
dor de favela, pai de Débora, que está apaixo-
aviso de corte, você não viu?
nada por um traficante.
Doca
Agora, neste roteiro Cama de gato, a per-
sonagem de Carla também é apresentada em - Mandaram nada, Carla, esses caras tão
poucas linhas. Sabemos que ela trabalha com sempre armando.
montagem de imagens e tem prazo para en-
tregar um trabalho. Essa situação começa a Carla está de pé segurando algumas con-
se complicar com uma repentina falta de luz. tas em suas mãos.
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2. Transforme Doca num mentor que ten- - Você foi perfeito naquela noite, a copa
te acalmar Carla conduzindo-a para a das árvores, o céu, aquilo foi deliciosamente
solução de seu problema. Crie uma se- mágico.
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Oficina da Criação
Carla e Doca estão de pé nus e molhados roteirista marcou essa passagem para acen-
no corredor. Saíram de seus banhos e ago- tuar a sensualidade da sequência. Agora:
ra se reaproximam. Começam a tocar-se aos
poucos, num clima de sedução. Os olhos de 1. Faça o mesmo numa sequência
Carla brilham na escuridão. qualquer criada por você. Estabe-
leça com seu texto um lapso têm-
Doca poro-espacial nos moldes da usada
acima. Lembre-se de que esse ar-
- Você estava linda, seus olhos, tudo em tifício deve ser sempre usado com
você, Carlinha, tua boca... inteligência e sensibilidade.
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Oficina da Criação
Doca tira a jarra das mãos de Carla e co- Carla atravessa a sala e entra no quarto
meça a jogar a água devagar na sua própria batendo a porta.
nuca, também sobre a pia.
SEQ.6 – Int./noite/Ap. Carla
Doca
Doca está parado na porta do quarto de
- Amanhã a gente pega o carro e vai pra Carla. Está suando e mata um mosquito. Faz
uma pousada. muito calor. Ele escuta o som abafado de um
diálogo.
Carla pega a jarra das mãos de Doca e
começa a ajudá-lo, espalhando a água por Carla (off)
suas costas.
-... É, não aguento mais, é insuportável,
Carla me tira dessa, mas vem logo. Tá bom, Mar-
cel, daqui a meia hora. Te encontro lá.
- Não dá, tem o trabalho. Tenho que ficar
Do lado de fora, Doca escuta a tudo e, por
por aqui.
instantes, dá a impressão de querer entrar,
Ela enche a jarra com água da torneira mas desiste.
e vai derramando delicadamente sobre seu
Doca (baixo para si mesmo)
colo e depois sobre as costas de Doca.
- Marcel?...
Carla
SEQ.7- Int./noite/Ap. Carla
- Nós temos que fazer alguma coisa.
Doca está deitado no chão da sala. Carla
Doca vira-se para ela e abraça-a, dando-
sai do quarto e passa por ele em direção à
lhe um beijo.
porta da rua.
Doca
Doca
- Eu vou fazer, meu amor, amanhã...
- Vai sair?
Carla Doca
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Marcel
Carla vê pessoas conhecidas e acena, mas Procurando o número em meio aos relógios
ela procura por Marcel. Doca segue-a de lon- de luz.
ge, o clima é todo documental, distanciado.
Carla
Sons, buzinas, uma grande festa envolve as
personagens. Carla encontra Marcel - CARA -... É este aqui, o 604.
INTERESSANTE.
Marcel
Os dois conversam observados por Doca.
- Vou ter que tirar o lacre. E você?
Carla acompanha o homem até uma moto e
monta em sua garupa. Doca observa incré- Carla (arrumando o cabelo)
dulo.
- O que?
A moto parte e segue o fluxo pesado e bas-
tante lento do tráfego. Doca anda apressado, Marcel (mexendo no relógio)
pescoço esticado, tentando acompanhá-los.
- Conheceu a Débora?
A moto dobra a esquina alguns metros na
frente e entra na rua de Carla, Doca faz o Carla
mesmo. A moto para em frente ao prédio da
Carla. Doca para e olha os dois dirigirem-se - Daqui mesmo, da praia.
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Alceu para contrariado, de modo que o de- cheira. Em silêncio, ele segue seu caminho,
funto abre a boca. Alceu olha o padre e re- entrando numa estradinha de terra próxima
toma sua caminhada, sua atenção agora vai ao carro.
para a mulher de seios fartos que lava rou-
pas numa bacia próxima ao cruzeiro. Cabelos SEQ.5 - Ext./ Entardecer - Noite/Tri-
longos e encaracolados, ela retribui ao olhar lha acidentada
de Alceu, dirigindo-lhe um sorriso sedutor.
Seu decote exibe um crucifixo que balança O defunto é arrastado pela trilha acidenta-
entre os seios. Ele retoma a caminhada. da e, à medida que vai batendo nos galhos e
pedras do caminho, sua expressão facial vai
Alceu mudando. Ora alegre, ora triste, ora preocu-
pado, olhos abertos ou fechados, o caminho
- Tava caído na picada, é rico, num tem
vai lhe dando vida. Alceu, por sua vez, pena
furo no corpo, passou foi mal... Deve ter pa-
para carregar seu fardo. Pisando firme sobre
rente em Cardosinho. Lá eles pagam por ele.
as pedras do caminho, ele vai cantado baixo
Padre uma ladainha... Numa curva, ele chega a um
descampado. Uma brisa movimenta a vege-
-... Mas você não pode sair por aí arras- tação a sua volta e traz uma voz distante.
tando um defunto, meu filho... É contra a lei
dos homens... É contra a lei de Deus. Voz
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- Quem é?... Se não falá quem é... - Miração é o cacete, caipira burro! Não tá
sentindo meu bafo no teu cangote...
Pedro (aparição - voz anterior)
Alceu
- É Pedro!
- O que tu quer de mim, desconjurado?
Pedro (aparição) está agarrado nas costas
de Alceu e fala com a boca grudada em seu Pedro (aparição)
ouvido.
- O que eu quero de você, babaca?... O
Alceu, desesperado, berra enquanto atin- que eu quero de você?... Adivinha? Uma ca-
ge Pedro (aparição) com sua peixeira. Este sinha no campo?... A tua bunda ralada?...
apenas sorri mostrando os dentes. Alceu sai Será?... Será?
correndo, arrastando Pedro (defunto).
Pedro se aproxima ainda mais e sussurra
Pedro (aparição) continua agarrado em no ouvido de Alceu.
seu cangote.
Pedro (aparição)
Alceu
- Pois então me escuta porque eu vou falar
baixinho só pra você ouvir... (aos berros) EU
- Me larga... Sai de cima, alma maldita, vai
QUERO QUE VOCÊ ME ENTERRE, PORRA!
queimar no inferno que é teu lugar.
Alceu olha para Pedro e apaga, exausto.
Alceu gira, pula e rola no chão, levanta-se
e corre mata adentro. Batendo em árvores, SEQ.6 – Ext./dia/Sertão
tropeçando em desespero, levando sua car-
ga, até cair de joelhos com Pedro (aparição) A cova continua sendo aberta.
falando em seu ouvido.
SEQ.7 – Ext./amanhecer/Mata
Pedro (aparição)
O sol da manhã desperta Alceu, que,
- Você tava achando o quê, criatura, que quando se percebe ainda segurando a corda
eu ia me deixar arrastar por aí que nem um que o prende a Pedro defunto, dá um pulo e,
saco de merda... assustado, recua alguns passos.
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ceu, assustado dá um giro tentando se livrar, Enquanto come, o velho não tira os olhos do
mas ele mantém-se agarrado. Alceu gira, defunto. A porção do menino acaba, e ele,
gira e gira inutilmente e acaba por desistir. fechando a mão, deita-se no chão batido fa-
zendo o braço de travesseiro.
Alceu
SEQ.12 – Int./noite/Casebre
- Já tava te esperando... Mudou da
brabeza pro choro... Vai ficar agarrado aí O rosto transtornado de Pedro aparição é
toda a vida?... Acho tô me acostumando com iluminado pela luz da lua.
tua cara feia... Mas feio mesmo é o vazio da
fome... Pedro (aparição)
Alceu começa a urinar sobre um arbusto -... Minha orelha...o velho tentou arrancar
com um sorriso debochado no rosto. Pedro minha orelha!
aparição continua seu lamento.
Alceu acorda assustado e sai do casebre
SEQ.8 - Ext./dia/Velho cruzeiro em disparada carregando o defunto noite
adentro, com Pedro aparição gritando.
O homem de rosto magro e óculos escuros
esporeia seu cavalo quando passa em frente SEQ.13 – Ext./dia/Casebre
ao velho cruzeiro. A mulher de seios fartos
O homem a cavalo vem se aproximando
observa à distância.
do casebre...
SEQ.11 – Int./noite/Casebre
SEQ.14 – Ext./dia/Casebre
O defunto, já em processo de decomposi-
O defunto é arrastado, sua cor já bem ar-
ção, está sobre o chão batido de um casebre
roxeada e o corte na orelha dão-lhe um as-
de sapé. Alceu, sentado num banco de ma-
pecto assustador.
deira, divide o barraco com um homem mui-
to velho e um menino cego. Não é dado ao Pedro aparição, que mantém o aspecto fí-
homem poder ver Pedro aparição agarrado sico intocado, continua agarrado às costas de
às costas de Alceu. Alceu, que tem dificuldade de levar o defunto
picada acima. A subida é muito íngreme, e
Este, indiferente, brinca com sua peixeira,
Pedro aparição puxa-o para baixo. Alceu cai
atirando-a repetidas vezes contra um tron-
de joelhos a todo instante.
co a seus pés. Devagar, o velho e o meni-
no levam à boca a pouca paçoca que têm Pedro
nas mãos em concha. O silêncio é mortal,
só cortado pelo som da peixeira atingindo o - País de merda mesmo... Como é que
tronco repetidas vezes num ritmo monótono. pode, querer comer minha orelha?
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Oficina da Criação
Não podemos deixar de pensar em Alceu Ulisses repara numa casa que está com a
como um herói aos moldes do que Vogler porta aberta. Por alguns instantes, ele fica
(2006) defende. O cotidiano sendo interrom- parado olhando, até que se decide a entrar.
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Oficina da Criação
Ulisses está escolhendo um livro na estan- Ulisses acabou de fechar uma cova e joga
te. Em seu braço, uma pulseira de prata tem a pá no chão.
gravado o nome de ULISSES. Ele pega a Ilía-
da, de Homero. SEQ. 10 – ext./dia/casa – deck
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Oficina da Criação
Embora a sua estampa seja bem rude, Ulisses transa com Helena em vários
suas maneiras são bem aristocráticas. Hele- lugares da casa. Começa sobre a mesa,
na entra na cozinha. depois vai para o sofá, a cama do quarto, o
deck...
Helena
Os gritos de prazer de Helena são cada vez
- A Rô saiu? mais intensos, no entanto, Ulisses mantém
uma expressão impassível. Penetra Helena
Ulisses olha para ela de cima a baixo. Após
com um leve sorriso...
tomar um gole no vinho...
SEQ. 14 – int./dia/casa – sala
Ulisses
Helena está nua, deitada sobre a mesa,
- Há pouco.
ao lado de pratos e taças reviradas. Ulisses
toma mais um gole de vinho e, apanhando
Helena
sua mochila, sai por onde havia entrado na
- Você é? noite anterior.
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Crie um herói utilizando a ideia de um herói costas jorram jatos de sangue que mancham
conhecido e transporte-o para os dias atuais, o mar a sua volta de vermelho. Todos os ho-
adaptando sua postura diante da vida. mens nos botes em volta olham para Ahab,
aguardando sua ordem.
FIM
Ahab
Copyright by Luiz Ignacio Gama Filho
- AVANÇAR! HOMENS, AVANÇAR!
All rights reserved
Os homens gritam em seus botes e par-
Rio de Janeiro – 2011 tem para o ataque. O imenso cachalote rea-
Capítulo 12 - A adaptação de uma obra ge batendo a cauda contra a água e esbar-
literária rando em alguns botes, que são facilmente
destroçados. O do imediato é um dos que é
A adaptação de uma obra literária requer atingido.
prática. Como sempre, o que vai ajudar será
o treinamento. Ahab, firme em seu bote, olha desafiador
para a baleia.
A seguir, dou um exemplo a partir de um
trecho de Moby Dick, de Herman Melville. Vamos agora desenvolver uma decupa-
gem técnica:
Avançar, gritou Ahab aos remadores e os
botes laçaram-se ao ataque; mas, enfure- PLANO 1: Travelling percorre o corpo feri-
cido pelos ferros da véspera que lhe corta- do de Moby Dick, o sangue escorre pela sua
ram a carne, Moby Dick parecia possuído, ao
mesmo tempo, por todos os anjos caídos do
pele branca. O som do mar e a respiração da
céu. Os largos feixes de tendões ligados que baleia são ensurdecedores.
se espalhavam em sua imensa fronte branca
sob a pele transparente pareciam entrelaça- PLANO 2: Close de Ahab, que grita “Avan-
dos; quando apareciam de frente, sacudin- çar!” para os homens.
do a cauda em meio aos botes; e mais uma
vez, desferiu mangualadas que os afastaram PLANO 3: Plano Geral dos botes, mostran-
uns dos outros; fazendo tombar na água os
do os arpoeiros levantando seus arpões.
ferros e as lanças dos botes dos dois imedia-
tos, estraçalhando um lado da parte supe-
rior das suas proas, mas deixando o de Ahab PLANO 4: Plano Conjunto de um arpoeiro
quase sem um arranhão (MELVILLE, 2009). na proa do bote levantado seu arpão, a seu
lado, o esforço do remador de proa. O arpão
SEQ. 1 – Ext/Dia/Alto Mar é lançado.
Ahab está de pé na proa de um dos botes PLANO 5: Plano Médio acompanha o arpão
baleeiros, o mar é agitado pelos movimentos cortando o ar até atingir a pele branca da
de Moby Dick, que luta desesperado, de suas baleia.
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MELVILLE, Herman. Moby Dick. São Paulo: Cosac Naify, 2009. Trad. Irene Hirsh e Ale-
xandre Barbosa de Souza.
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