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A ação de dissolução parcial de sociedade

Fábio Ulhoa Coelho

Sumário
1. Introdução. 2. Fundamento e hipóteses da
dissolução parcial. 2.1. Retirada de sócio. 2.2.
Exclusão de sócio. 2.3. Morte de sócio. 3. O valor
da participação societária. 4. Particularidades
da ação de dissolução parcial de sociedade. 5.
Inovações propostas pelo projeto de CPC. 6.
Conclusão.

1. Introdução
No decorrer da segunda metade do
século passado, a jurisprudência brasileira
construiu, com cautela e sapiência, a noção
de dissolução parcial de sociedade. Até 2003,
a lei mencionava apenas a hipótese de dis-
solução que passou a ser conhecida, então,
como “total”, isto é, a do desfazimento de
todos os vínculos entre os sócios, com a
consequente extinção da pessoa jurídica1.
Na dissolução parcial, apenas parte dos
vínculos societários se desfaz, sobreviven-
do a sociedade em decorrência dos vínculos
preservados.
A figura da dissolução parcial não
recebeu o imediato aplauso de alguma
doutrina especializada2, mas, com o tempo,
1
Código Comercial, arts. 335 e 336; Código Civil
de 1917, art. 1.399.
2
Para Waldemar Ferreira (1961, v. 1, p. 251), por
exemplo: “opera-se a dissolução também, e então
sem agravo, nem apelo, como antigamente se dizia,
por efeito da manifestação unilateral da vontade
Fábio Ulhoa Coelho é Advogado e Professor de qualquer dos sócios, de conformidade com o
Titular de Direito Comercial da PUC-SP. dispositivo do art. 335, V [do Código Comercial], de

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acabou-se firmando como a melhor solução Este artigo tem por objeto uma aprecia-
para os conflitos entre os sócios. A doutri- ção genérica de tais disposições projetadas.
na comercialista produzida nas últimas Ele se divide em seis seções, além desta bre-
décadas do século passado já acolhia una- ve introdução. A próxima seção, numerada
nimemente a construção jurisprudencial3. como segunda, é dedicada aos aspectos de
Desde a entrada em vigor do atual Código direito material do instituto da dissolução
Civil, o instituto é regido sob a designação parcial de sociedade, seu fundamento e
de “resolução da sociedade em relação a hipóteses. A terceira seção apresenta alguns
um sócio”4. conceitos, ainda de direito material, relati-
O Código de Processo Civil de 1939 vos à avaliação da participação societária e
disciplina a ação de dissolução e liquidação imprescindíveis à adequada superação dos
de sociedades, em seus artigos 655 a 729, conflitos de interesses no bojo da sociedade.
disposições que permanecem ainda hoje A quarta cuida das particularidades da
em vigor, em razão da ressalva contida ação de dissolução parcial de sociedade,
no art. 1.218, VII, do diploma de 1973. São justificando sua previsão como procedi-
normas de setenta anos atrás, portanto, mento especial. Na quinta seção, é feito o
que tratam da ação judicial cujo objeto é o exame de outras questões relacionadas à
desfazimento dos vínculos societários, no ação, como objeto, legitimidade ativa, de-
todo ou em parte. O Projeto de novo Código pósito da parte incontroversa dos haveres e
de Processo Civil, de autoria do Senador procedimento. A sexta abriga a conclusão.
José Sarney, oriundo do anteprojeto da Co- Para facilitar a exposição, a referência ao
missão de Juristas presidida pelo Ministro projeto do Senador Sarney, aprovado pelo
Luiz Fux e sob a relatoria-geral de Teresa
Arruda Alvim Wambier, contempla regras com a relatora da comissão constituída pelo Senado
para elaboração do anteprojeto de novo CPC, minha
que atualizam a disciplina legal da matéria colega de magistério, a ilustre processualista Tereza
(arts. 585 a 595), compatibilizando-as com Arruda Alvim Wambier, ofereci-me para redigir uma
as exigências da economia do nosso tempo, proposta de atualização do procedimento previsto na
norma de 1939. Ela considerou oportuna a sugestão e
bem diversas das que existiam no final dos
levou à comissão meu texto. A proposta de incluir dis-
anos 19305. ciplina específica da ação de dissolução de sociedade
no anteprojeto de novo CPC, contudo, não foi acolhida
precisão indiscutível. [...] Nota-se, da parte de alguns no âmbito da Comissão. Um dos princípios adotados
[...] certa quizília contra esse dispositivo legal; e até foi o de não prever procedimentos especiais em dema-
alguns acórdãos esporádicos existem determinando sia, prestigiando-se o ordinário ou geral. Considerou
que, em caso tal, a sociedade prossiga, decretando a Comissão que não se justificava submeter a ação de
sua dissolução parcial, para a verificação dos haveres do dissolução de sociedade a um rito próprio, especial.
sócio requerente da dissolução e seu pagamento pela Pelo anteprojeto, assim, embora tenha deixado de ser
forma prevista na cláusula relativa aos do sócio pré- regida pelas vetustas regras da década de 1930 (o que
-morto. Essa diretriz é de evidente injuridicidade, por já é um inegável avanço), a dissolução de sociedade
contrária a texto expresso de lei. Tem direito o sócio sujeita-se ao procedimento ordinário. [...] O Senador
à dissolução da sociedade de prazo indeterminado, Valter Pereira, em seu erudito relatório apresentado
sem necessidade de nenhuma prova, pela simples em 24 de novembro, convencido da importância do
manifestação unilateral de sua vontade, qual, de resto, procedimento especial para a ação de dissolução
tem sido decidido”. parcial de sociedade, incorporou-o ao futuro Código
3
Alberto Gomes da Rocha Azevedo (1975), Ernani (Projeto, arts. 585 a 595). Foram aproveitadas partes
Estrela (1992) e Mauro Rodrigues Penteado (2000). daquela minuta que apresentei à Comissão redatora
4
A designação legal é infeliz. Nem todas as hi- do anteprojeto (ver meu livro O futuro do direito comer-
póteses de dissolução parcial decorrem de resolução cial, p. 213-216), bem como de sugestões de institutos
do contrato de sociedade: se tem por base a retirada e juristas, de vários pontos do país, que partilhavam
imotivada, nos termos do art. 1.029 do CC, é de resilição de igual preocupação. O competente parlamentar
que se trata. relator do projeto aprimorou os textos originários
5
Em artigo publicado pela imprensa, registrei um destas iniciativas, e chegou a uma disciplina moderna,
pouco da história destes dispositivos: “em maio deste ágil, coerente e mais que adequada para o instituto”
ano [2010], quando cruzei, nos corredores da PUC-SP, (COELHO, 2010a).

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Senado em dezembro de 2010, será feita atendida pelos serviços públicos, também
pela locução “CPC-projetado”; e ao Código se interessa pela preservação da empresa,
de 1973, pela “CPC-vigente”. em função dos tributos incidentes sobre a
atividade econômica. Outros empresários,
2. Fundamento e hipóteses da como os fornecedores de insumo, presta-
dissolução parcial dores de serviço, bancos e seguradores,
igualmente se interessam pela preserva-
A jurisprudência construiu o instituto ção da empresa, pelas oportunidades de
da dissolução parcial partindo do princípio negócio que por ela surgem. Os vizinhos
da preservação da empresa. dos estabelecimentos empresariais também
A crescente complexidade das relações estão interessados na preservação da em-
sociais e econômicas tem obrigado a ordem presa, pela riqueza local e regional gerada.
jurídica a reconhecer que a empresa, sendo Em suma, interesses diversos, alguns dos
uma atividade organizada de produção quais metaindividuais, gravitam em torno
ou circulação de bens ou serviços, é o foco da continuidade e desenvolvimento das
de interesses múltiplos e diversos, que atividades econômicas.
transcendem os dos sócios da sociedade Antes de atentar para essa gama imensa
empresária. É certo que os investidores de interesses, os direitos civil e comercial ti-
e empreendedores que organizam a ex- nham como única solução, para os conflitos
ploração da atividade econômica, direta- entre os sócios, o desfazimento da própria
mente ou por meio de administradores sociedade; isso redundava, claro, em pre-
profissionais, fazem-no movidos principal juízo à continuidade e desenvolvimento da
ou exclusivamente pelo interesse de lucro. atividade econômica, isto é, da empresa.
Querem ganhar dinheiro com a empresa. A percepção de que esta solução – a dis-
A continuidade e desenvolvimento da solução total da sociedade – prejudicava
empresa, sua por assim dizer “preserva- seriamente os interesses de terceiros não
ção”, atende, portanto, a esses interesses envolvidos diretamente com o conflito está
primários e individualistas dos sócios da nos alicerces da construção jurisprudencial
sociedade que a explora. da dissolução parcial de sociedade.
Mas esse não é o único, e nem mesmo o Aliás, a dissolução total e a liquidação
mais importante dos interesses voltados à da sociedade, muitas vezes, não atendiam
preservação da empresa. Outros sujeitos de nem mesmo os próprios sócios, que eram os
direito também titulam interesse legítimo sujeitos diretamente envolvidos no conflito.
relativamente à continuidade e desenvolvi- Àquele que desejava desligar-se da socie-
mento da atividade econômica. Não terão, dade, por não mais acreditar na atividade
estes outros agentes, obviamente, nenhum desenvolvida (pretendendo, então, dar a
lucro – este é o ganho específico e exclusivo seu investimento outro destino) ou por não
de investidores e empreendedores. Terão, mais querer prolongar o relacionamento
contudo, ganhos de natureza diversa, ou com os demais sócios, não servia a disso-
mesmo meros proveitos. Os trabalhadores lução total. A sociedade próspera tem mais
têm interesse na preservação da empresa, condições de pagar o reembolso das quotas
porque disso depende seu posto de traba- quantificado na apuração de haveres, que a
lho, progressão na carreira, aposentadoria liquidada. E, evidentemente, os demais só-
e outros benefícios. Aos consumidores cios, que pretendiam continuar vinculados
interessa a preservação da empresa, em à sociedade, não tinham nenhum interesse
vista dos bens ou serviços que atendem às na dissolução total.
necessidades e querências deles. O fisco, e, Com este fundamento, então, a juris-
por via de consequência, toda a sociedade prudência acabou erguendo o instituto

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da dissolução parcial, aplicando-o em três regência supletiva pela lei da sociedade
hipóteses: retirada, exclusão ou morte de anônima (art. 1.053, parágrafo único). O
sócio. requisito relativo ao prazo indeterminado
é decorrência do ditado pela lei (já que a
2.1. Retirada de sócio “justa causa” remete à hipótese de retirada
A retirada de sócio é a hipótese de dis- motivada do art. 1.077 do Código Civil).
solução parcial em que a iniciativa parte
2.2. Exclusão de sócio
do próprio sócio que deseja desvincular-se
da sociedade. Trata-se de declaração uni- Na exclusão de sócio, por óbvio, a
lateral de vontade, que impõe à sociedade iniciativa cabe aos sócios que querem per-
destinatária a obrigação de reembolsar ao manecer unidos pelo vínculo societário.
declarante o investimento por este feito (ou Classifica-se a medida de extrajudicial ou
seja, o valor das quotas sociais). judicial, conforme decorra a desvinculação
A retirada pode ser motivada ou imo- de deliberação de reunião ou assembleia de
tivada. sócios ou de decisão do Poder Judiciário.
No primeiro caso, é uma reação do Para proceder-se a exclusão extrajudi-
sócio que deseja o desligamento contra cialmente, é necessário o preenchimento
mudanças essenciais na sociedade, apro- dos requisitos dispostos no art.  1.085 do
vadas pela maioria societária. A retirada Código Civil: (a) conduta grave do sócio
motivada, que também se chama “recesso” que põe em risco a continuidade da empre-
ou “dissidência”, cabe em qualquer tipo de sa; (b) realização de reunião ou assembleia
sociedade limitada, contratada por prazo de sócios; (c) o sócio cuja exclusão se pre-
determinado ou indeterminado. Tem por tende deve ser cientificado da reunião ou
fundamento o art. 1.077 do Código Civil, assembleia em tempo hábil para permitir
dispositivo que autoriza a retirada nos seu comparecimento e exercício do direito
casos de alteração do contrato social, fusão de defesa; (d) deliberação da maioria, re-
ou incorporação da sociedade. presentativa de mais da metade do capital
A retirada imotivada pode não ser social; (e) previsão expressa do contrato
(e, normalmente, não é) uma reação do social permitindo a exclusão extrajudicial.
minoritário contra decisões da maioria A exclusão judicial faz-se por meio da
societária que lhe desagradam. Trata-se ação de dissolução parcial de sociedade,
corriqueiramente da situação do sócio que quando não couber a extrajudicial (CPC-
se desinteressa da empresa ou do convício -projetado, art. 586, V). Faltando um dos
com os demais integrantes da sociedade. requisitos do art. 1.085 do Código Civil,
Quer dar ao seu investimento outro rumo, portanto, a exclusão não poderá ser extra-
ou não deseja mais manter o investimento judicial, mas judicial, se preenchido pelo
em sociedade com os outros sócios. menos o que exige a conduta grave do
Cabe a retirada imotivada apenas quan- sócio. Assim, se a realização da reunião ou
do preenchidas duas condições: (a) socieda- assembleia acaba-se frustrando, em razão
de limitada está sujeita à regência supletiva de o sócio acusado injustificada e reiterada-
das regras da sociedade simples; (b) ela mente recusar-se a receber a comunicação
foi contratada por prazo indeterminado. de sua realização, a sociedade pode pro-
Essas condições decorrem de abrigar-se mover a exclusão judicial. Também tem a
a hipótese no art. 1.029 do Código Civil, sociedade direito de ação no caso de o con-
norma inserta no Capítulo atinente às trato social não prever cláusula permissiva.
sociedades simples; e, por isso, aplicável Se a sociedade limitada está sujeita à
exclusivamente às sociedades limitadas que regência supletiva das normas da socieda-
não preveem, em seus contratos sociais, a de simples, a exclusão judicial poderá ter
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por fundamento, também, a incapacidade -la privilegiando-se a história da sociedade,
superveniente do sócio (CC, art. 1.030). ou seja, o que ela amealhou, em seu patri-
mônio, em razão da atividade econômica
2.3. Morte de sócio explorada até o momento da dissolução.
A morte de sócio não causa, necessaria- Nesse caso, faz-se a mensuração do valor
mente, a dissolução parcial da sociedade. patrimonial das quotas. Outra forma de
Se os sócios supérstites concordam em avaliação mira o futuro, e procura estimar
acolher na sociedade os sucessores do sócio quanto a sociedade tende a gerar de lucros
falecido, e estes querem ingressar nela, não aos seus sócios num determinado horizonte
há razões para se proceder à dissolução par- temporal. É feita, então, a mensuração do
cial. Nem mesmo, ressalte-se, se o contrato valor econômico das quotas.
social eventualmente contiver cláusula Quando a participação societária é ob-
prevendo a apuração de haveres neste caso. jeto de negociação entre partes racionais e
Claro: se sócios sobreviventes e sucessores livres, atribuem-lhes os contratantes um
do sócio falecido querem-se associar, não preço em montante que tende a se aproxi-
há sentido em dissolver a sociedade para, mar do valor econômico. Esse valor, contu-
ato contínuo, admitirem-se estes últimos do, não é necessariamente o mais adequado
no quadro de sócios. quando a obrigação de pagar pelas quotas
Desse modo, dá-se a dissolução da não deriva de negociação racional e livre,
sociedade por morte de sócio quando não visando a assinatura de um contrato de
existir vontade na formação do vínculo compra e venda; mas, sim, de um fato ju-
societário entre os sobreviventes, de um rídico de natureza não contratual (retirada,
lado, e os sucessores, de outro. Basta que exclusão ou morte de sócio). Neste último
pelo menos um desses lados não tenha in- caso, o melhor critério de avaliação das
teresse na sociedade, para que a morte do quotas é o patrimonial.
sócio torne-se fato jurídico desencadeador A avaliação das quotas pelo valor eco-
da dissolução parcial da sociedade. nômico, no momento da dissolução parcial
da sociedade, não é o mais apropriado, por
conduzir a distorções irremediáveis nos
3. O valor da participação societária
fundamentos econômicos da própria figura
Nas três hipóteses de dissolução par- do investimento em atividade econômica.
cial da sociedade (retirada, exclusão ou Explico. Como o valor econômico tenta cap-
morte de sócio), a repercussão imediata tar o quanto os sócios lucrarão com a socie-
do desfazimento do vínculo societário é dade no futuro, fixado determinado prazo
o surgimento de uma obrigação: o sócio para o cálculo, o pagamento do reembolso
retirante ou excluído ou os sucessores do a partir desse critério implicaria a estranha
sócio falecido passam a ser credores da noção de alguém que lucra com determina-
sociedade pelo reembolso das quotas. Esse da empresa sem correr risco nenhum. Se a
é o ponto nuclear da significativa maioria sociedade fica obrigada a pagar àquele que
dos litígios societários envolvendo socie- a deixa o mesmo valor que receberia caso
dades limitadas. Verificada a dissolução não a deixasse, o lucro em investimento
parcial da sociedade, quanto vale a parte empresarial passa a não depender mais do
do sócio que se desvinculou? Esses litígios risco, e isto é uma distorção profunda no
envolvem, por isso, a tormentosa discussão conceito. Se lucro é o retorno da disposição
sobre o valor da participação societária. de alguém em assumir certo risco, ele não
Uma quota de sociedade anônima pode pode desvincular-se dos reveses que o risco
ser avaliada segundo duas perspectivas di- empresarial embute. E tal desvinculação é
ferentes. Em primeiro lugar, pode-se avaliá- inevitável se à sociedade for imposta a obri-

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gação de pagar o que ela tende a gerar de essa base de cálculo aplica-se o percentual
lucro a quem, por não fazer mais parte dela, da participação societária titulada pelo só-
encontra-se a salvo de qualquer prejuízo cio retirante, excluído ou falecido. Se esse
derivado dos riscos empresariais. percentual era, digamos, 10% do capital
O valor patrimonial, assim, e não o social, o reembolso será no valor de 10%
econômico, é o critério mais ajustado à do patrimônio líquido da sociedade. Aqui,
avaliação das quotas da sociedade limita- não há nenhuma dificuldade. A dificuldade
da, quando se trata de apurar haveres de reside, na verdade, no passo anterior, que
sócio retirante, excluído ou dos sucessores é o da elaboração do balanço patrimonial.
do falecido. Há três tipos diferentes de balanço pa-
Por essa razão, o art. 1.031 do Código trimonial, possibilitando, evidentemente,
Civil estabelece que, “nos casos em que a três diferentes mensurações do patrimônio
sociedade se resolver em relação a um só- líquido da sociedade. Os três tipos de ba-
cio, o valor da sua quota, considerada pelo lanço patrimonial se diferenciam segundo
montante efetivamente realizado, liquidar- a época de levantamento e de acordo com
-se-á, salvo disposição contratual em con- o critério adotado pelo contador para as
trário, com base na situação patrimonial da apropriações que realiza.
sociedade, à data da resolução, verificada O primeiro tipo é o balanço patrimonial
em balanço especialmente levantado”. Ou ordinário (BPO), que a sociedade deve
seja, o critério legal para a definição do levantar no último dia de cada exercício
valor das quotas, na apuração de haveres, social (que recai, na maioria das vezes, em
é o patrimonial. 31 de dezembro). O critério fundamental
Claro que os próprios sócios podem, para a elaboração do BPO é o do “custo
mediante cláusula em contrato social, de aquisição”. Deixadas de lado, por hora,
eleger critério diverso para a avaliação algumas exceções, o critério contábil de-
das quotas em caso de dissolução parcial. corrente do princípio do conservadorismo
Podem estabelecer o valor econômico, indica que os bens e direitos do ativo de-
naturalmente, por mais que essa escolha vem ser apropriados, no BPO, pelo valor
implique as distorções anteriormente despendido pela sociedade ao se tornar sua
assinaladas. Em caso de omissão do con- titular. Mesmo que esses bens ou direitos
trato social, no entanto, a lei determina a tenham sofrido valorização ou desvalori-
apuração de haveres a partir do critério zação, ao longo do tempo, isso é fato a ser
patrimonial. ignorado pelo contador, na elaboração do
Quando se define o valor patrimonial BPO. Depreciações, quando feitas, têm por
como critério para a apuração de haveres, base percentuais sobre o custo de aquisição
isso significa que a base de cálculo do reem- e, portanto, também não guardam relação
bolso será uma rubrica de um documento necessária com o valor de mercado dos bens
contábil, chamado balanço patrimonial. e direitos do ativo da sociedade. No BPO,
Especificamente, a rubrica relativa ao “pa- por outro lado, é inadmissível a contabili-
trimônio líquido” da sociedade. É o valor zação, no ativo, dos chamados intangíveis
constante do balanço patrimonial, nesta da empresa, como o valor da marca ou de
rubrica, que servirá de base de cálculo para uma patente, por exemplo. Assim deve
definir o quanto tem, por haveres, o sócio ser, também em função do princípio do
em relação ao qual a sociedade foi dissol- conservadorismo.
vida parcialmente. O valor patrimonial das quotas extraído
O cálculo do reembolso, assim, é sim- de um BPO é chamado de “contábil”.
ples. Toma-se o valor do patrimônio líquido O segundo tipo de balanço patrimonial
constante do balanço patrimonial e sobre é o especial (BPE). Difere-se do ordinário

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apenas em relação à época do levanta- direito da sociedade tem ou teria, caso fosse
mento. O BPE tem por referência temporal vendido. A frota de veículos, por exemplo,
qualquer dia do exercício social, exceto o é contabilizada pelo custo de aquisição,
último. Destina-se a fotografar, por assim com as depreciações legais, no BPO e BPE;
dizer, a situação patrimonial da sociedade, no BPD, faz-se a reavaliação dos veículos e
na data em que se verificou um evento eles são apropriados pelo quanto a socieda-
societário relevante, como, por exemplo, de receberia caso decidisse, naquela data,
o da realização de assembleia de sócio que vendê-los. O BPD também deve levar em
motivou o exercício do direito de recesso. O conta os intangíveis da sociedade e apro-
BPE atualiza o BPO até essa data. Atualiza, priá-los como ativos, pelo valor que teriam
no entanto, não os valores monetários das no mercado, caso fossem negociados.
rubricas do BPO6; faz a atualização contábil, O BPD, em suma, é o instrumento de
que resulta da apropriação dos fatos contá- uma simulação, de uma projeção, de uma
beis (celebração de contratos, condenações estimativa. Ele simula, projeta, estima como
judiciais, prescrição etc) verificados desde seria a liquidação da sociedade, caso se tra-
o dia do encerramento do exercício social tasse de dissolução total, e não parcial. Na
anterior até a data do levantamento do BPE. liquidação, todos os bens do ativo seriam
Quanto aos critérios de apropriação, por vendidos e, após a cobrança de todos os
isto, o BPE deve sempre adotar os mesmos devedores da sociedade, seriam pagos os
empregados no levantamento do BPO, fun- credores, partilhando-se, então, entre os
dados no princípio do conservadorismo, sócios, o acervo remanescente. O BPD men-
isto é, a regra geral do “custo de aquisição” sura quanto seria esse acervo remanescente
e a inadmissibilidade de contabilização dos (patrimônio líquido), caso acontecesse,
intangíveis, entre outros. naquele momento, a dissolução total da
O valor patrimonial das quotas deriva- sociedade. O BPD não interfere na con-
do de um BPE denomina-se “atual”. tabilidade regular da sociedade; quando
O terceiro e último tipo de balanço chegar o momento de levantar-se o BPO
patrimonial é o de determinação (BPD). seguinte, o contador deve simplesmente
Esse tipo pode ter por referência temporal ignorar o BPD.
qualquer dia do exercício, inclusive o últi- O valor patrimonial das quotas fixado a
mo. O que o distingue dos demais tipos de partir de um BPD é designado “real”.
balanço são os critérios de apropriação dos Note que o Código Civil, no art. 1.031,
bens e direitos do ativo (e, em alguns ca- fala em “balanço especial”, mas o concei-
sos, também do passivo). Nele, o contador tualmente correto seria falar em “balanço
deita ao largo os parâmetros ditados pelo de determinação”. O art. 592 do CPC-
princípio do conservadorismo e contabiliza -projetado corrige a imprecisão da lei.
cada item pelo valor de mercado ou custo Concluindo, quando omisso o contrato
de saída; isto é, pelo valor que cada bem ou social, a apuração de haveres consiste no
levantamento de um balanço patrimonial
6
Fazer a correção monetária das rubricas do de determinação correspondente à data em
balanço não tem, na verdade, nenhum sentido jurí- que se verificou a dissolução parcial da
dico, econômico ou contábil. Pode-se extrair deste
instrumento um valor, de certa rubrica, e atualizá-la
sociedade. Se o contrato social estabelecer
monetariamente, no caso de ser ele, quando isolado, critério diferente de avaliação das quotas,
representativo de uma obrigação da sociedade. Mas, a apuração de haveres será feita de modo
aqui, está-se corrigindo monetariamente a obrigação, diverso. Se o critério for o valor patrimonial
que, casualmente, está quantificada no balanço. Não
existe sentido nenhum na correção monetária do
contábil, o contador deve apenas buscar o
instrumento contábil, porque isto retiraria o caráter último BPO para calcular o reembolso; se
contábil das apropriações. for o valor patrimonial atual, ele deve levan-

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tar o BPE. Caso o contrato social defina que possibilidade de continuarem a socieda-
a quota será avaliada pelo valor econômico, de. E deve ser assim, em vista também da
este trabalho pode ser feito não apenas preservação dos interesses de terceiros que
pelo contador, como também por outros gravitam em torno da empresa: emprega-
profissionais especializados em avaliação dos, consumidores, fisco, vizinhança etc.
de ativos, que dominem a metodologia do A chance de um sócio obter a dissolução
fluxo de caixa descontado ou outra destinada total da sociedade em juízo, desse modo,
a estimar o valor das quotas numa nego- são diminutas, o que explica a quase ine-
ciação racional e livre (são, normalmente, xistência, nos fóruns, nos dias correntes, de
engenheiros, financistas, economistas e pedidos dessa natureza. Reservar-se, desse
contadores mais bem preparados). modo, à dissolução total da sociedade o
procedimento comum é medida oportuna.
A ação de dissolução parcial observa um
4. Particularidades da ação de
dos dez procedimentos especiais contencio-
dissolução parcial de sociedade
sos previstos no CPC-projetado. Convém
De acordo com o CPC-projetado, a ação ressaltar que só se justifica a criação de
de dissolução de sociedade poderá seguir procedimento especial quando a ação se
o procedimento comum ou especial. Será reveste de tais particularidades que não se
comum, na hipótese de dissolução total; acomoda perfeitamente no procedimento
e especial, na de dissolução parcial. O art. comum. O critério que deve, realmente,
1000, § 3o, do CPC-projetado estabelece nortear qualquer trabalho de codificação
que “os procedimentos mencionados no processual indica que devem ser mínimas
art. 1.218 do Código revogado e ainda não as exceções ao procedimento comum. O
incorporados por lei submetem-se ao pro- melhor, para a eficiência do processo, é a
cedimento comum previsto neste Código”. lei não prever a sujeição a procedimento
A ação de dissolução total de sociedades especial de ações que possam seguir o
enquadra-se perfeitamente na hipótese comum, sem prejuízo nenhum para os
desta regra de transição. Seu procedimento jurisdicionados. Quanto menos exceções
está mencionado no inciso VII do art. 1.218 ao procedimento comum, em suma, mais
do CPC-vigente, e não foi disciplinado eficiente será a prestação jurisdicional, em
(“incorporado”), desde 1973, por nenhuma razão da redução da complexidade.
outra lei. Submete-se, assim, a dissolução Necessário, assim, examinar quais as
total ao procedimento comum, sujeitando- particularidades da ação de dissolução
-se ao especial, por força dos arts. 585 a 595, parcial de sociedade que justificam a pre-
a dissolução parcial. visão de procedimento especial para ela.
A distinção relativa ao procedimento é Devem tais particularidades implicarem a
pertinente. Em razão da consagração, pela indispensabilidade de determinados atos
jurisprudência, do princípio da preservação processuais, que escapam aos padrões ge-
da empresa, raramente se vê hoje algum rais do procedimento comum. Se ausente
sócio postular, em juízo, a dissolução total essa indispensabilidade, a exceção ao pro-
da sociedade. Como assinalado, assentou- cedimento comum não se sustenta.
-se, em decorrência desse princípio, que Pois bem. Para que a ação de dissolução
os conflitos entre os sócios devem ser parcial de sociedade possa seguir, na fase
resolvidos sem o comprometimento da so- de apuração de haveres, uma tramitação
ciedade; assim, sempre que possível, deve- racional, é indispensável que o juiz, desde
-se resolvê-los mediante o afastamento do logo, decida duas questões cruciais: o crité-
sócio culpado pela deterioração da relação rio para a avaliação das quotas e a data da
societária, assegurando-se aos demais a dissolução. Hoje, enquanto ainda tramita na

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Câmara dos Deputados o CPC-projetado, então, o procedimento comum até o trânsito
as ações de dissolução parcial de sociedade em julgado da decisão que vier a ser profe-
perdem-se num emaranhado irracional exa- rida. Sendo, contudo, esta pela procedência
tamente porque essas decisões não são, em da ação, dissolvida judicialmente a socie-
geral, adotadas desde o início. A avaliação dade, retorna-se ao procedimento especial,
da participação do sócio retirante, excluído para fins de apuração de haveres. A lei não
ou falecido é uma questão técnica, a ser especificou esse retorno, mas é evidente que
feita pelo contador ou pelo especialista em não há outra solução processual. Tanto no
avaliação de ativos nomeado perito judicial. caso de inexistência de contestação, como
Mas, o perito judicial somente pode dar iní- no de desacolhimento da apresentada, as
cio ao seu trabalho avaliativo se lhe forem particularidades da ação de dissolução
dadas estas duas balizas: a data da disso- parcial são rigorosamente idênticas, isto é,
lução e o critério de avaliação. Quando se dependem da decisão do juiz relativamente
inverte a ordem lógica desse procedimento, à fixação do critério de avaliação das quo-
determinando-se a realização da perícia de tas e da data do desfazimento do vínculo
avaliação das quotas antes de decididas societário. Assim sendo, não há como se
aquelas duas balizas, tende o processo à entender de forma diversa. A sentença de
irracionalidade e ineficiência. procedência da ação de dissolução parcial
O procedimento especial da ação de de sociedade contestada resulta de um pro-
dissolução parcial de sociedade deve ser cedimento comum, mas ela é liquidada de
observado em duas hipóteses. acordo com o procedimento especial.
Primeira, quando não há divergência
entre os sócios relativamente à dissolução 5. Inovações propostas pelo
parcial da sociedade (CPC-projetado, art. Projeto de CPC
589). Trata-se de medida sábia da lei, por-
que, na significativa maioria das vezes, os Diversas inovações são propostas pelo
sócios da sociedade limitada, uma vez con- CPC-projetado, relativamente à ação de dis-
figurado determinado grau de desentendi- solução parcial de sociedade, que moderni-
mento, não desejam mais manter qualquer zam o instituto, e o adaptam à dinâmica das
vínculo entre eles. O fim da sociedade já é relações societárias. Neste item, percorre-se
fato, restando definir quanto vale a parti- cada uma delas, procurando destacar seus
cipação daquele que se desliga. Assim sen- pontos essenciais.
do, quando a unanimidade das partes da 1a) Sociedades que podem ser parcialmen-
ação (não necessariamente a unanimidade te dissolvidas em juízo. Primeiro, convém
dos sócios) se manifestam expressamente assentar que o objeto desta ação é sempre
pela dissolução parcial da sociedade, os uma “sociedade empresária contratual ou
demandados não serão condenados nos simples”. Isso implica a exclusão das so-
honorários sucumbenciais, e instaura-se, de ciedades institucionais, que são a anônima
imediato, o procedimento especial, cujo cer- e a comandita por ações. Nesses dois tipos
ne é a liquidação ou apuração de haveres. societários, descabe a figura da dissolução
Segunda, quando a dissolução parcial parcial, embora, em casos excepcionais, a
é contestada pelos demandantes e, após jurisprudência a tenha admitido7.
o regular trâmite da ação, desacolhe-se a
contestação e dá-se provimento ao pedido 7
Basicamente, admite-se a dissolução parcial e
inicial. Note-se que uma vez resistindo o apuração de haveres de sociedade anônima quando
se trata de empresa familiar, destinada a administrar
réu, por via de contestação, ao desfazimen- o patrimônio de seu fundador. Trata-se de sociedade
to do vínculo societário, observa a ação de empresária apenas na fachada, já que não há a explo-
dissolução parcial de sociedade, a partir de ração de qualquer atividade econômica.

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São sociedades empresárias contratuais societários. Podem os sócios dissentirem
a sociedade limitada, em nome coletivo e em sobre se o vínculo está ou não desfeito, mas
comandita simples. Apenas esses três tipos concordarem com a avaliação da sociedade;
societários, entre as empresárias, podem assim como podem divergir apenas sobre
ser objeto de ação de dissolução parcial. essa avaliação, tendo já se posto em acordo
No campo do direito civil, as sociedades sobre a dissolução parcial da sociedade;
simples também podem ser dissolvidas mas é possível, igualmente, que a diver-
parcialmente por essa via judicial, mas gência incida sobre os dois temas, não
convém atentar que o CPC-projetado em- havendo acordo nem sobre o término do
prega a expressão em seu sentido largo, vínculo, nem sobre a avaliação das quotas
de categoria equivalente à de sociedade de quem se desligou.
não-empresária8. Vale dizer, a cooperativa Essas três hipóteses, como se verá
também pode ser objeto de dissolução (alteração 5a, abaixo), não são igualmente
parcial judicial. comuns. Muito pelo contrário. A lei, con-
2a) Objeto da ação de dissolução parcial. A tudo, deve contemplá-las, já que não está
ação pode ter por objeto o desfazimento do afastada, em tese, nenhuma delas.
vínculo societário (art. 585, I) e a apuração 3a) Sujeitos e condições da legitimação ativa.
de haveres (art. 585, II) ou apenas um desses A lei lista quem pode ser sujeito ativo da
pedidos (art. 585, III). O desfazimento do ação de dissolução parcial de sociedade,
vínculo societário deve ter decorrido do fixando, ao mesmo tempo, as condições de
falecimento, exclusão, retirada (imotivada) legitimação ativa, quando for o caso.
ou recesso (retirada motivada) do sócio. O espólio do sócio falecido (art. 586,
Embora o inciso II não mencione especi- I) só se legitima para a ação se a totali-
ficamente o exercício do direito de recesso, dade dos sucessores não ingressar na
ele está compreendido entre as causas da sociedade. E isso pode acontecer tanto por
apuração de haveres. Não apenas em razão vontade desses sucessores, como também
da ligação indissociável entre ele e o inciso por deliberação dos sócios sobreviventes,
I (denunciada pela conjunção “e”), mas neste último caso quando autorizado pelo
também por ser o recesso uma hipótese de contrato social (isto é, nas sociedades “de
retirada (a motivada) e estar, por consequ- pessoas”9). Imagine a hipótese em que os
ência, já englobado nesta. sócios sobreviventes se recusam a dissolver
A possibilidade de restringir-se o objeto parcialmente a sociedade, a despeito de
da ação ao desfazimento do vínculo (reso- solicitação endereçada neste sentido pelo
lução da sociedade, como quer o Código espólio; ou no caso em que eles procederam
Civil) ou à apuração de haveres, é justifi- à apuração de haveres extrajudicial, e o
cável em razão da dinâmica dos conflitos espólio discorda do valor atribuído à par-
ticipação societária titulada pelo falecido
8
A expressão “sociedade simples” é ambígua.
De um lado, refere-se a uma categoria de sociedades,
contraposta a das empresárias. Envolve, então, todos 9
Nas sociedades de pessoas, como o elemento
os tipos de sociedades não-empresárias, como as personalístico é relevante, o contrato social autoriza
cooperativas e mesmo aquelas que, embora não explo- o desfazimento do vínculo societário para impedir
rando atividade econômica sob a forma empresarial, o ingresso de sócio não desejado pelos demais. Nas
adotam um tipo de sociedade empresária (limitada, de capital, sendo tal elemento irrelevante, o contrato
por exemplo). De outro lado, a expressão refere-se social não dá margens a que os sócios impeçam o
a mais um tipo societário, que é o das sociedades ingresso de novos titulares das quotas, desde que
não empresárias que optaram por não adotar um preservado o investimento. No caso de falecimento
dos tipos de sociedades empresárias. É um quadro de sócio, a classificação da sociedade como sendo de
desnecessariamente complexo, que se deve atribuir pessoas ou de capital é relevante, para definir se os
ao precoce envelhecimento do Código Civil, no trato sócios sobreviventes têm ou não o direito de impedir
do direito de empresa. o ingresso dos sucessores do falecido.

150 Revista de Informação Legislativa


– nesses dois exemplos, ele está legitimado os sucessores ingressam na sociedade, os
para promover a ação. sócios sobreviventes não poderão impedir
Os sucessores do sócio falecido (art. 586, esse ingresso, não se legitimando, por con-
II) somente se legitimam para a ação de seguinte, para a ação de dissolução parcial.
dissolução após o desfazimento do espólio, Os sobreviventes, porém, podem sempre se
isto é, quando concluída a partilha do sócio recusar a entrar na sociedade empresária
falecido. É o caso em que apenas parte dos contratual, exatamente por se tratar de
sucessores quer ingressar na sociedade. um contrato, que ninguém está obrigado
Logo em seguida ao falecimento, o espólio a celebrar. Os sobreviventes, se haviam
assume, de imediato, a posição de titular concordado com a cláusula obstativa da
das quotas sociais do falecido. Essa situa- dissolução parcial em caso de falecimento
ção jurídica pode (na verdade, deve) ser, o de qualquer um deles, ficam impedidos
quanto antes, retratada em alteração con- de pleitear o desfazimento do vínculo em
tratual levada a registro na Junta comercial. juízo, porque isso contrariaria a vontade
Enquanto não se procede à partilha dessas declarada por eles, ao contratarem a socie-
quotas, o sócio é o espólio. Quando nem dade. Os sucessores, por sua vez, como não
todos os sucessores querem o desfazimento haviam contratado nada (quem contratou
do vínculo societário, o espólio não está foi o falecido), não estão impedidos de
legitimado para a ação de dissolução. Uma buscar, em juízo, a dissolução parcial e
vez, contudo, feita a partilha, ele deixa de apuração de haveres.
ser o sócio, para que ingressem na socie- A legitimação do sócio que exerceu o
dade os sucessores. Agora, cada um titula direito de retirada ou recesso (art. 586, IV)
parte das quotas sociais que eram do fale- está, a seu turno, condicionada à inércia
cido e tem, em relação à continuidade do dos sócios em providenciar o instrumento
vínculo societário, o seu próprio interesse; de alteração contratual formalizando o
pode buscar, em juízo, o desfazimento do desligamento, em dez dias após o exercí-
vínculo e a apuração de haveres, caso não cio do direito. Quer a lei que o retirante
haja acordo com os demais sucessores (os ou dissidente tente obter, inicialmente, a
que desejam permanecer na sociedade) e dissolução extrajudicial, apenas abrindo-
os sócios sobreviventes. -lhe as portas da via judicial caso reste
Ainda no caso de falecimento de sócio, infrutífera essa tentativa. Claro está que
pode a ação ser movida pelos sócios su- essa alteração contratual deve atender
pérstites (art. 586, III). Para isso, contudo, é aos interesses de todos os subscritores,
necessário cumprir-se a condição atinente à inclusive a do sócio retirante. Se os sócios
configuração da sociedade como “de pesso- sobreviventes providenciam uma minuta
as”. Sendo o tipo societário em nome coletivo, que atribui, por exemplo, às quotas, valor
em comandita simples ou sociedade simples, com o qual não concorda o sócio que se
não há dificuldade: esses tipos são sempre desliga da sociedade, após o transcurso
personalíssimos, e os sócios sobreviventes do prazo de dez dias sem evolução nas
têm o direito de impedir o ingresso, na negociações em torno do instrumento,
sociedade, dos sucessores. cumpre-se a condição legal para a legiti-
Quando, porém, se trata de limitada, será mação ativa do sócio que exerceu o direito
o contrato social que conferirá, ou não, à de retirada ou recesso.
sociedade o caráter personalista ou capita- A sociedade (art. 586, V) só está legiti-
lista10. Se o contrato social da limitada, por mada para a ação de sua própria dissolução
exemplo, diz que, no caso de falecimento, parcial no caso de exclusão de sócio, que
não possa ser efetivada por meio de assem-
10
Cf. Calças (2003, p. 28-29). bleia ou reunião. Quando tem cabimento a

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exclusão extrajudicial (CC, art. 1.085), não bolso devido (art. 588, § 2o). Essa situação
se legitima a sociedade para a ação. será mais comum, por certo, no caso de
Também está legitimado para a ação o exclusão de sócio, já que esta causa de dis-
sócio excluído (art. 586, VI). E tem ele tanto solução tem por pressuposto uma conduta
o direito de discutir a própria exclusão, prejudicial à continuidade da empresa.
pleiteando o seu retorno à sociedade, como Ressalte-se, no entanto, que a previsão no
o de, conformando-se com a dissolução, CPC-projetado deve ser interpretada em
discutir a avaliação feita pela sociedade conjunto com o art. 369 do Código Civil;
que o excluiu. vale dizer, somente caberá a compensação
Finalmente, o cônjuge ou companheiro quando presentes os requisitos legais dessa
do sócio (art. 586, parágrafo único), ao modalidade de extinção de obrigações11.
término do casamento, união estável ou A compensação, assim, nem sempre im-
convivência, poderá requerer a apuração de plicará redução do valor do depósito da
seus haveres na sociedade, caso não queira parte incontroversa. Se o devido a título de
dela fazer parte e seja tal pedido compatível indenização para a sociedade não tiver sido
com o regime de bens do vínculo familiar ainda, por exemplo, liquidado, na data em
desfeito. Quer dizer, se após o divórcio que o juiz proferir o despacho mandando
ou o desfazimento da união estável ou proceder-se ao depósito da parte incontro-
convivência, tinha um ex-cônjuge ou ex- versa, não ocorrerá nenhuma compensação.
-companheiro direito à parte das quotas so- Esta tende a verificar-se, no mais das vezes,
ciais tituladas pelo outro (de acordo com o apenas na oportunidade do pagamento do
direito de família), então estará legitimado saldo do reembolso (quando, evidentemen-
para a ação de dissolução parcial de socie- te, condenada a sociedade ao pagamento
dade. Mas se, por força do regime de bens, de valor superior à parte incontroversa).
não titula o ex-cônjuge ou ex-companheiro Importante assentar, aqui, também,
nenhum direito sobre as quotas sociais do que o despacho do art. 587 apenas tem
outro, é evidente que não estará cumprida lugar quando o objeto da ação de disso-
a condição para sua legitimação ativa. lução parcial disser respeito à apuração
4a) Depósito da parte incontroversa. Esta é de haveres. Se o pedido circunscrever-se,
uma novidade de extraordinário alcance, exclusivamente, à discussão da resolução
que visa impedir o uso estratégico da ação da sociedade (um sócio excluído preten-
de dissolução parcial da sociedade (isto é, dendo seu retorno, por exemplo), não será
seu uso com o desiderato de protelação do o caso de o juiz determinar o depósito da
pagamento do reembolso). Quando as par- parte incontroversa. A rigor, o momento
tes divergem sobre o valor deste, o litígio apropriado para este despacho é o início
versa evidentemente sobre a diferença entre
o ofertado pela sociedade e o pretendido 11
“No direito brasileiro, a compensação não de-
pelo sócio desvinculado ou seus sucessores. pende da vontade dos sujeitos da relação obrigacional.
A parte incontroversa dos haveres deve Opera-se, a rigor, mesmo contra a de qualquer um
ser, assim, desde logo, disponibilizada ao deles. É um fato jurídico: estabelecida a equivalência
entre as prestações que dois sujeitos de direito mutu-
credor (art. 588). Prevendo o contrato social, amente se devem, dá-se a extinção até o equivalente.
por exemplo, o parcelamento do pagamen- Ao contrário da novação e da remissão das dívidas, a
to dos haveres, deverá ser observada essa compensação não é um negócio jurídico. Verificado
condição contratual (art. 588, § 2o). o fato descrito nas normas sobre compensação, as
Se a sociedade tiver direito à indeniza- obrigações compensadas prontamente se extinguem.
[...] Para que se opere a compensação, são necessá-
ção, poderá formular, nos mesmos autos, rias duas condições: o atendimento ao pressuposto
pedido de condenação da parte adversa, da reciprocidade subjetiva e a compensabilidade da
cujo valor será compensável com o reem- prestação” (Curso, 2010, págs. 163/164).

152 Revista de Informação Legislativa


da liquidação, referido no art. 589, caput, dos balizamentos indispensáveis à racional
e seu § 1o. apuração dos haveres. O juiz deve fixar a
5a) Concordância com o pedido de resolu- data da resolução da sociedade e, à vista
ção. Trata-se de outra inovação bastante do contrato social, o critério de apuração
salutar. A situação mais corriqueira, no de haveres (arts. 590 e 591).
âmbito dos conflitos societários, consiste Note-se que o juiz não é livre para fixar
no completo desaparecimento, no espírito tais balizamentos. Pelo contrário. De um
de todos os envolvidos, da vontade de lado, a lei estabelece, pormenorizadamente,
continuarem a sociedade. Embora, porém, os elementos de definição da data da reso-
não haja mais nenhuma vontade de manter lução, em cada uma das hipóteses de disso-
o vínculo societário, tanto do autor como lução parcial contempladas (falecimento do
do réu, atualmente as ações de dissolução sócio, retirada imotivada, recesso e retirada
se eternizam, e se enveredam pelas com- ou exclusão judicial). O elenco do art. 591
plexas searas da reconvenção, porque as não é exaustivo, por não contemplar, por
partes estão naturalmente preocupadas exemplo, a exclusão extrajudicial (hipótese
em evitar os ônus de sucumbência. Sábio em que a data da resolução é a da assem-
se mostra o legislador, portanto, quando bleia ou reunião em que foi deliberado, pela
passa a admitir a possibilidade de a parte maioria, o desfazimento do vínculo social).
demandada simplesmente concordar com Em relação ao critério de apuração de
o desfazimento do vínculo societário, sem haveres, o juiz deve-se ater estritamente ao
suportar, por isso, uma das consequências contido no contrato social. Se o acordado
da sucumbência (art. 589, § 1o). entre os sócios é a avaliação das quotas,
O pedido aduzido na petição inicial, no momento da dissolução parcial, por
claro, deve ser o de dissolução; porque, se determinado critério, não pode o Poder
for limitado ao de reestabelecimento do Judiciário deixar de prestigiar essa vontade,
vínculo societário (admissível, em vista negando eficácia ao encontro de vontades.
do art. 585, III), não se aplica o dispositivo. Mesmo sendo o instrumento omisso, tam-
Se o objeto da ação é apenas a resolução bém não cabe ao juiz definir livremente o
da sociedade, em que se pede a declaração critério. Em caso de omissão, o critério é
de não ter ela se verificado, deve o réu su- o estabelecido pelo art.  1.031 do Código
portar os ônus de sucumbência, caso não Civil, reproduzido, com pequena correção
apresente contestação. Desse modo, se o de ordem técnica, pelo art. 592 do CPC-
sócio indevidamente excluído da sociedade -projetado; vale dizer, o do valor patrimo-
pleiteia o retorno judicialmente, e não há nial real, derivado do BPD.
contestação, deve o réu ser condenado nos Esses balizamentos podem ser revistos
ônus de sucumbência pelo juiz, a pedido da parte (mas, não de ofí-
Quando, por fim, o feito contempla cio), desde que não tenha ainda se iniciado
apenas o pedido de apuração de haveres, a perícia (art. 593). É o caso, por exemplo,
não será também aplicável o art. 589 do de ter a defeituosa redação do contrato
CPC-projetado, porque, neste caso, já está social despertado inicialmente certa in-
em curso o que esse dispositivo chama de terpretação, que, à vista dos argumentos
“fase de liquidação”. posteriormente aduzidos pela parte, vem
6a) Despacho inaugural da apuração de ha- a ser descartada pelo juiz.
veres. A mudança mais importante, na dis- 7a) Perícia de avaliação das quotas. No mes-
ciplina do procedimento especial da ação mo despacho em que determinar a apuração
de dissolução parcial de sociedades, é, sem dos haveres, o juiz nomeará o perito. E aqui
sombra de dúvida, a definição, no despacho abrem-se duas alternativas. Se a perícia diz
que inicia a chamada fase de liquidação, respeito ao valor patrimonial, o perito será

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um contador, o profissional habilitado para a) inclusão no inciso II do art. 585 de re-
levantar o balanço (ordinário, especial ou de ferência ao “recesso” – o objetivo é eliminar
determinação). Mas se tiver por critério pro- a incongruência com o inciso I desse artigo,
jeção de resultados futuros (valor econômico que faz a referência, desfazendo potenciais
ou outro), a avaliação não se faz mediante dúvidas sobre o objeto da ação, em caso de
levantamento de balanço patrimonial. Nesse retirada motivada;
caso, o contador não é o único profissional b) inclusão do adjetivo “consensual” no
habilitado. Engenheiros, financistas, eco- inciso IV do art. 586, logo após “alteração
nomistas também estão igualmente aptos a contratual” – visa esta sugestão tornar mais
operarem com o modelo do fluxo de caixa claro que o retirante está legitimado para a
descontado, de múltiplos de faturamento ou ação quando os demais sócios tentam forma-
outros, destinados a avaliar economicamen- lizar a alteração contratual dentro desse pra-
te as sociedades (art. 592, §§ 1o e 2o). zo, mediante instrumento não consensual;
8 a) Crédito do ex-sócio, espólio ou sucessor. c) transformação do art. 587 e seus
Atualmente, a lei não define, com clareza, a parágrafos em parágrafos do art.  590 – a
natureza do crédito do sócio excluído, reti- proposta objetiva aclarar que o depósito
rante ou dos sucessores do falecido, sendo da parte incontroversa do reembolso é ca-
tal indefinição também fonte de inúmeras e bível quando a ação de dissolução parcial
desgastantes controvérsias em juízo. O art. tem por objeto a apuração de haveres (ou
594 supre a lacuna partindo da premissa de está, como diz o art. 589, em sua fase de
que, até a data da resolução, o crédito tem liquidação); para facilitar a renumeração
natureza de participação nos resultados da dos dispositivos, pode-se atribuir ao atual
sociedade, perdendo-a a partir de então. art. 588 o número 587, transformando seu
Desse modo, até a data da resolução fixada § 1o em parágrafo único, e atribuindo-se ao
no despacho judicial, o ex-sócio, espólio ou seu § 2o o número 588;
sucessores do sócio falecido têm direito à d) aperfeiçoamento do art. 589, § 1o,
participação nos lucros e aos juros sobre o para que, no caso de concordância dos réus
capital próprio declarados pela sociedade relativamente à dissolução da sociedade, as
(Caput); e, a partir desta data, fazem jus custas do processo sejam rateadas propor-
apenas à correção monetária dos valores cionalmente à participação de cada parte
apurados e aos juros, contratuais ou legais no capital da sociedade.
(parágrafo único). e) alteração da redação do art. 589, §
2o: “Havendo contestação, observar-se-á o
6. Conclusão procedimento comum, mas a liquidação da
sentença seguirá o disposto neste Capítulo”
Todo texto legal desafia constante aper- – com isto, restará claro que o procedimento
feiçoamento. Depois de convertido em lei, especial também deve ser observado no caso
o aperfeiçoamento se faz pela doutrina e de a ação ser contestada e, ao final, a sentença
jurisprudência. Mas enquanto não apro- decretar a dissolução parcial da sociedade;
vado o projeto, ele pode ser melhorado f) acréscimo o inciso V ao art. 591: “na
pelos instrumentos próprios do processo exclusão extrajudicial, a data da assembleia
legislativo. ou reunião de sócio que a tiver deliberado”
Quero concluir este breve estudo, indi- – supre-se a lacuna, tornando exaustivo o
cando alguns poucos aperfeiçoamentos que rol desse dispositivo.
o texto do CPC-projetado poderia receber, Finalmente, conviria considerar a hipó-
na disciplina da ação de dissolução parcial tese de incluir um dispositivo aclarando se
de sociedades, ou sua tramitação no âmbito também é a ação de dissolução judicial, pelo
da Câmara dos Deputados. São eles: procedimento especial, a pertinente no caso

154 Revista de Informação Legislativa


de discutir a permanência do vínculo socie- CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Sociedade
tário. Pela redação aprovada no Senado, limitada no novo código civil. São Paulo: Atlas, 2003.
quando se fala que a ação terá como um dos COELHO, Fábio Ulhoa. A ação de dissolução de
possíveis objetos a resolução da sociedade, sociedade e o projeto de novo CPC. Valor Econômico,
isso implica que ela é cabível tanto no caso São Paulo, p. E-2, dez. 2010a.
de os sócios quererem o desfazimento do ______. Curso de Direito civil. São Paulo: Saraiva,
vínculo, como no de eles quererem o seu 2010b. v. 2.
reestabelecimento. Talvez, porém, neste ______. O futuro do Direito comercial. São Paulo:
último caso, o mais indicado fosse submeter Saraiva, 2010c.
a demanda ao procedimento ordinário.
ESTRELLA, Hernani. Apuração de haveres de sócio.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito comercial.
Referências São Paulo: Saraiva, 1961. v. 3.

AZEVEDO, Alberto Gomes da Rocha. Dissociação PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liqui-
da sociedade mercantil. São Paulo: EDUC-Resenha dação de sociedades. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
Universitária, 1975.

Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011 155

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