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Conheci, em uma dessas noites de pouca chuva, uma jovem que se dizia não
jovem. Mas era tão jovem que possuía certeza de pele de que já era velha. Entre
cervejas e histórias acabamos por falar da lua. Eu, cientista velho que sou, lhe trouxe as
últimas notícias de laboratórios sobre os pousos no lado negro, sobre a possível água
escondida no subsolo ou nas rochas lunares. Falei sobre sondas espaciais e de como foi
possível chegar pela primeira vez naquela pedra gigantesca. Quando terminei meu
seminário, a garota perguntou qual era a fase lunar naquela noite. Eu não fazia ideia.
Aquilo era cientificamente irrelevante. Tentei voltar às engrenagens dos foguetes, mas
ela insistiu: “Como você pode saber tanto e, ainda assim, não conseguir saber o que se
precisa saber? Conhecimento sonso esse seu, meio sem gosto”. Sem gosto?! E desde
quando conhecimento tem gosto?! Esses jovens são muito difíceis.
“Você está pesando de novo, né? Deixa seu sangue sair do cérebro e ir para a
pele. Não fique desvendando o conceito. Deixa a ideia te tocar, te arrepiar, te aquecer os
braços, o peito, o pescoço, as virilhas. Não faça com que a proposição te dê soberba e
arrogância, mas permita com que ela te faça corar, te faça salivar, fechar os olhos,
morder os lábios. Você fica tratando as ideias como se fossem rochas a serem
analisadas, domesticadas, exploradas. Eu gosto de ter não ideias-pedras, mas ideias-
amantes. Minhas ideias me olham nos olhos, me seduzem e eu as seduzo. Nós flertamos
por dias, meses, anos. Começamos de vagar, nos tocamos vagarosa e tranquilamente
quando ainda não nos conhecemos bem; nada é para já. Às vezes a ideia é
extremamente arredia, me escapa, se esconde, se oculta, finge não se importar com
minhas investidas – e talvez não se importe mesmo. Mas permaneço, pois já estou
apaixonada por ela – há ideias apaixonantes demais para deixá-las escapar tão
facilmente. Cortejo conceitos, mas apenas os bonitos e interessantes – não sou fácil
assim. Depois de mais ou menos tempo, sutis roçadas de dedos e olhos, vez em quando
a premissa de entrega. Sinto ela em meus lábios, em minha língua, em meus olhos; seu
cheiro me inunda. Sinto meus pelos ouriçados, seu calor passa pelas costas. Minha pele
já sabe que minha amante está em mim e em breve também estarei nela. A ideia me
penetra fundo, sinto meu corpo a recebendo e a acariciando. Sou só boas-vindas em
carne e fôlego. Ela me toma como sua: me olha e me molha. O conceito me beija, me
lambe, me morde a boca, a mente e as coxas. Seu tamanho e força, posso sentir em cada
centímetro de mim - dor jubilosa e prazer latejante. A ideia floresce em mim: flor
enorme como grito de liberdade desesperada que só o corpo sabe dar. Quando
terminamos, já não sou a mesma. O corpo treme e os lábios sorriem cheios de certeza de
algo que não posso explicar e não consigo deixar de falar...”.
Eu permaneci paralisado olhando para aquela mulher tão cheia de vida. “Não sei
o que dizer”, disse com algum esforço. “Não sabe, né? Continua sendo um corpo de um
órgão só: o cérebro. Uma pena”. Ela se levantou com um sorriso que era uma mistura de
decepção e acolhimento. “Se você conseguir luar comigo algum dia, podemos nos falar,
bonitinho”. Ganhei um beijo no rosto e a vi partindo sem conseguir dizer nada – penso
que alguma de minhas perguntas “científicas” naquele momento seriam ainda mais
ridículas do que o já estava dado.
Desde então, tenho tentado cortejar a ideia de luar como verbo. Confesso que
não sou um bom sedutor de conceitos. É difícil tratá-los com respeito e afeto, não
apenas subjugá-los e controlá-los. Acho que envelhecer é tratar o mundo como
mercadoria e não mais como amante. Quero ser jovem novamente. Acredito que a
juventude seja contagiosa; aquela mulher pode me infectar com sua juventude, sem
dúvidas! Para isso, sigo com minhas investidas. Quem sabe um dia eu possa ter aquela
sedutora ideia como amante e, se não for desejar demais, possa, agora com o corpo
pronto, luar com aquela moça-mulher em uma noite de vinho cheio.