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A leitura autoral
Das revelações feitas pela modelo, a mais importante seria ligada à sua
vida sexual, daí a expressão “revelações de alcova” aparecer no título.
A fala veiculada pela matéria, “eu só transei com cinco caras”, afirma-
ção contestada no último parágrafo do texto, “migra” para o enunciado
produzido pelo colunista, entra para a sua composição. Mas, ao mesmo
tempo em que o enunciado leva em conta as palavras da modelo, ele as
altera, o que provoca um efeito sarcástico e de humor.
Observe-se que o discurso citado “eu só transei com cinco caras”
permite inferir que o próximo relacionamento da modelo será o sexto,
que Gisele B. estaria a caminho do sexto (hexa) namorado (transa), “in-
formações” que aparecem no título da coluna. Para compreendê-lo, para
construir o efeito de humor, o leitor precisa conhecer essas informações.
Esse pequeno exemplo mostra como os textos demandam o conhecimento
de outros textos para que possam ser compreendidos.
Mas montar um arquivo não é importante apenas para compreender
textos de humor como o do colunista José Simão. Reunir diferentes leituras
sobre um mesmo fato é uma excelente oportunidade para constatar que a
linguagem não apenas reflete a realidade, mas também, e principalmente,
a refrata. A noção de refração aparece nos escritos de Bakhtin ligada
ao próprio funcionamento da linguagem: os signos não só descrevem o
A leitura 19
Leituras erradas?
Quando se assume que a leitura é uma atividade complexa, e que o
leitor tem papel extremamente relevante nessa atividade, admite-se tam-
bém a multiplicidade de leituras. Uma das razões para justificar essa multi-
plicidade é o conhecimento de mundo, a biblioteca interna, que varia de
leitor para leitor. Isso sem falar nos casos em que o mesmo leitor constrói
sentidos diferentes para um mesmo texto em épocas/momentos diferentes.
Os linguistas textuais concordam com a ideia de que os textos permitem
uma pluralidade de leituras, mas ressaltam que isso não significa dizer
que quaisquer leituras sejam possíveis. Nas palavras de Koch e Elias:2
É claro que com isso não preconizamos que o leitor possa ler qualquer
coisa em um texto, pois, como já afirmamos, o sentido não está apenas
no leitor, nem no texto, mas na interação autor-texto-leitor.
guística Textual, arrisco dizer que chega a ser evitada, talvez por conta
do “perigo” de a expressão sugerir uma hierarquia nas interpretações,
isto é, a ideia de que haveria leituras certas, as realizadas por “sujeitos
iluminados” e outras, as erradas, realizadas por sujeitos incapazes. Cor-
rendo esse e outros riscos, Possenti empregou a expressão leitura errada
pela primeira vez em texto publicado em 1990.3
Para o analista, pode-se dizer que a leitura de um texto é errada quan-
do não consegue separar as interpretações que funcionam das que não
funcionam. Usando o exemplo dado por Possenti: se em uma estrada
um motorista se depara com a placa Pare no acostamento e a interpreta
como uma ordem ou pedido faz uma leitura errada da placa.
Em texto mais recente,4 o analista afirma que continua defendendo
a tese de que existem leituras erradas. Mas estas, segundo ele, não são
necessariamente decorrentes de alguma incompetência do leitor, mas
podem ser explicadas pelo fato de o leitor ou não dispor do conheci-
mento enciclopédico que o texto exige para ser lido, ou por não aderir
ao discurso que o texto materializa.
Concordo com a tese do analista, fazendo as mesmas ressalvas feitas
por ele em suas reflexões. A primeira delas: afirmar que existem leituras
erradas não significa defender a ideia de que os textos tenham apenas uma
leitura correta, a leitura legitimada, que seria dada por um especialista,
um super-leitor. Outra ressalva: não há como negar que, em sociedades
desiguais como a nossa, existem leituras mais prestigiadas que outras (no
espaço escolar elas são veiculadas, geralmente, pelo livro didático), mas
estas são uma das muitas leituras que os textos permitem.
Dito isso, gostaria de discutir um pouco mais a tese de Possenti. Parece-
me que, em se tratando do contexto escolar, existe uma preocupação em
não se debruçar sobre questões polêmicas, e tratar de leituras erradas é
uma delas. No entanto, acredito que o leitor-professor não deve fugir da
questão, ainda mais que a ele cabe formar leitores competentes (nos ter-
mos que aparecem em textos que tratam de exames de avaliação, como
o Saeb ou Saresp). Em outras palavras: o professor, ao invés de adotar
atitudes paternalistas ou “modernas”, como deixar de discutir uma leitura
inadequada do aluno por conta de justificativas como “ele só consegue ler
isso”, ou “toda leitura é possível” deve, junto com seu aluno, discutir os
sentidos produzidos para descobrir o que o levou à construção de inter-
pretações não autorizadas pelo texto. Faço minhas as palavras de Geraldi:5
22 Professor, leitura e escrita
A competência genérica