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A tradução da cultura:

o Carnaval em dois ou
três mundos

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*

Para quem quer que more no Brasil hoje, é difícil deixar de ouvir
músicas de Carnaval ou ver imagens de Carnaval o ano inteiro, sobre­
tudo do Ano~novo em diante. Com a aproximação da Terça-feira
Gorda, ou de Carnaval, os jornais trazem mais notícias carnavalescas,
e cada vez aumenta a especulação sobre as relativas chances de dife­
rentes “escolas de samba” vencerem a competição, muito antes de os
espectadores entrarem na Passarela do Samba no Rio ou em São Pau­
lo e o grande espetáculo começar. O Carnaval é apresentado como
uma especialidade brasileira e visto como tal não apenas pela Riotur,
oórgão de turismo do Rio de Janeiro, mas também por muito^brasi-
leiros comuns.
O Carnaval não é apenas um tema de romances e filmes sobre o
Brasil, como Orfeu negro (1958), de Marcei Carné, mas também um
tema recorrente na própria cultura brasileira. O roteiro de Orfeu ne­
gro foi obra do poeta Vinicius de Moraes, que adaptou sua peça Or­
feu da Conceição , e a música do filme composta por Luís Bonfá e An-
tonio Carlos Jobim, mais conhecido como “Tom”. Outros exemplos
literários incluem Carnaval (1919), de Manuel Bandeira, Carnaval
carioca (1923), de Mário de Andrade, e o primeiro romance de Jorge
Amado, O país do Carnaval (1932), Algumas das melhores músicas
de Chico Buarque, Gilberto Gil e outros importantes compositores
foram originalmente compostas para determinados carnavais. Sobre
representações do Carnaval na cultura popular, basta assistir a séries
como Carnaval Duchen (Rádio e TV Record), Meu Carnaval não era
assim (TV Tupi) ou Carnaval do passado (TV Rio).

215
* •

O Carnaval também é tema de muitos estudos recentes da antro-


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pologia, sociologia e história brasileiras, a maioria feita pelos pró- §§


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prios brasileiros. Destes, o mais famoso é Carnavais> m alandros e


heróis (1978), de Roberto DaMatta, não tanto um estudo sobre o7S|t.:
Carnaval por si mesmo quanto um estudo do Brasil e do que o autor
chama de “dilema brasileiro”. DaMatta usa o Carnaval como um
meio para analisar o conflito entre igualdade e hierarquia no Brasil,
seguindo as mesmas linhas do famoso estudo sobre a rinha balinesa, 7 ^ 7
de Clifford Geertz,1 ■í*1 ! , * .

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O estudo de DaMatta é brilhante e original, mas (como o de li®^


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Geertz) pode ser criticado como demasiado durkheimiano, no sentido7|lt
de que supõe a unidade do fenômeno, ignorando a variação e os dife--7§§p7 • • ’ •• •
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rentes significados do evento para diferentes grupos sociais. O Car-/\||f7 - •’ ^ *


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naval pode ser um momento de união emocional ou communitas , e ^


mesmo uma trégua na luta de classes. Apesar disso, não tem necessá-Sjflf - . 't . * •*..

ríamente o mesmo significado para todos os participantes — rapazes


da classe trabalhadora com necessidade de “desabafo”, mulheres da"71Í5
classe média de meia-idade que querem se juntar ao “povo”, ti^ristas7||i: 7 v • * : * •*

que vêem a festa como um símbolo do Brasil, e assim por diante.2 • . • • r . n. • »♦ * • •


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A interpretação de DaMatta tem sido complementada por vários


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estudos em profundidade das escolas de samba do Rio por seus


nos, entre eles, em particular, Maria Julia Goldwasser (1975) sobre,àgffjjg
famosa Estação Primeira de Mangueira.2 Uma destacada sociólof^f§fc* s v*j ' é '

brasileira, Maria Isaura Pereira de Queiroz, publicou há poucos ano®g|gl|


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uma história do Carnaval brasileiro dos tempos coloniais ao p resen tég *^


As conclusões de Maria Isaura e, em especial, suas visões do Rio dÓÍt§8|
século X IX foram recentemente criticadas (como as de DaMatta) pÓíl|®|
serem demasiado unitárias,4 Embora este capítulo não se baseie nâ
suposição de que o Carnaval tem um único sentido partilhado,

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1 Geertz (1973), 412-53.


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2 Cf, Turner (1983).


2 Goldwasser (1975); Leopoldi (1978); Cavalcanti (1994).
4 Queiroz (1992); Soihet (1993); Pereira (1994). • >/^'VftSíBí#íW>-
A TRADUÇÃO DA CULTURA

tar-se-á a um único tema principal, o inverso do de DaMatta. O tema,


discutido em termos gerais no Capítulo 11, é o da interação cultural
entre diferentes grupos — elites e classes subordinadas, brancos e pre­
tos, homens e mulheres. Não se abordarão aqui outros aspectos do
Carnaval, sobretudo sua relação com sexo e violência.5

A VISÃO DA EUROPA

Um europeu que visita o Brasil em fevereiro ou março bem pode achar


que os brasileiros anexaram o Carnaval. Afinal, não o inventaram.
Como outras instituições européias, o Carnaval, com todas as suas
ambigüidades e ambivalência, foi transportado ou “traduzido” (no
sentido original deste termo) para o Novo Mundo. Pelo menos em
relação à parte da festa que foi colonizada por católicos do
Mediterrâneo. Foi graças aos imigrantes franceses, espanhóis e portu­
gueses que o Carnaval se tornou importa ntena vida de Nova Orleans,
Fort de Spain e Havana, além de Rio, Salvador e Olinda.
Qualquer pessoa familiarizada com os carnavais europeus se senti­
rá em casa ao observar ou, na verdade, participar de carnavais no No­
vo Mundo. Os paralelos são impressionantes. O lançamento de cascas
de ovo ou bisnagas de cera cheias de água, muito praticado no Rio do
século X IX , por exemplo, derivou da tradição do entrudo português,
uma tradição com muitos paralelos na França, Espanha e Itália, embo­
ra os mísseis fossem ovos ou laranjas.6 Fantasiar-se e usar máscaras
eram um costume tradicional europeu, e mesmo alguns dos costumes
preferidos dos americanos, como os hussardos, os arlequins do Rio e os
pierrôs e polichinelos de Trinidad, copiavam modelos europeus. O des­
file das escolas de samba do Rio hoje lembra as paradas e carros alegó­
ricos que já se viam em Florença e Nuremberg no século XV.

5 Parker (1991), cap. 6; Línger (1992).


6 Graham (1988), 68; Baroja (1965), 57 ff.

217
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL

Mais uma vez, as escolas de samba e seus antecessores da classe


média, como os “Democráticos”, “Tenentes do Diabo” e “Fenianos”
no Rio do século XIX, são reminiscências dos Abades da Juventude e
outras sociedades festivas européias. O que os fenianos (fundados em
1858) representaram no Rio alguns anos depois é uma questão fasci­
nante, mas capciosa. Além de acrescentar um exótico toque irlandês
às festividades, foram provavelmente escolhidos por seu republicanis­
mo. Este ideal político atraía um número substancial de brasileiros
antes que a República fosse fundada em 1889, e as referências políti­
cas são tradicionais nos carnavais brasileiros. No Rio em 1903, por
exemplo, houve críticas do imposto do selo. Em 1964, após os gene­
rais tomarem o poder, o samba de sucesso Tristeza começava com
“por favor, vá embora”. Também neste caso, há paralelos europeus,
temas políticos semelhantes variando dos protestos contra o imposto
do selo em Madri, em 1637, aos recente^carnavais italianos escarne­
cendo da corrupção do ex-primeiro-ministro, Benito Craxi.
No caso da relação do Brasil com a Europa, precisamos levar em
conta não apenas a tradição inconsciente, mas também a imitação
consciente. Os brasileiros, em particular das classes médias, eram e na
verdade ainda são muito atraídos por modelos culturais estrangeiros.
Em particular, os carnavais de Veneza, Roma e Nice são exemplares
no Brasil do século XIX. Citavam-nos na imprensa como modelos de
Carnaval “civilizado”, nas tentativas de proibir o entrudo e substituí-
lo por alguma coisa mais racional, higiênica, moral e “européia”. Pa­
ra um historiador europeu, é provável que a situação pareça um tan­
to irônica. A elite brasileira considerava o Carnaval europeu não vio­
lento, um Carnaval “bom” e civilizado, em contraste com o Carnaval
brasileiro, “ruim” e não civilizado. O Carnaval europeu talvez se
tenha tornado relativamente comedido a essa altura, mas no início do
período moderno a violência era lugar-comum. Como registrou um
visitante inglês em Veneza, em fins do século XVI: “Na noite da Ter­
ça-feira Gorda, houve dezessete assassinatos, e muitos feridos.”7

7 Burke (1978), 187.

218
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A TRADUÇÃO DA CULTURA

AS PECULIARIDADES DOS AMERICANOS

.Mí Esse Carnaval do Novo Mundo é muito mais que uma importação
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européia. Como muitos aspectos da cultura européia, foi transforma-


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do ao longo de sua permanência nas Américas, transportado ou “tra-


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llfflduzido” no sentido de ser adaptado às condições locais. Essas trans-


ipC&rmações são mais importantes ou pelo menos observáveis com mais
facilidade em três domínios — o lugar das mulheres, da dança e da
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cultura africana.
Primeiro, a importância e o papel ativo de mulheres nos carnavais
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das Américas contrasta com os tradicionais costumes europeus, em


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que o lugar da mulher era em geral na sacada, observando (e às vezes
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^ atirando mísseis) os homens embaixo, e não nas ruas, participando


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plenamente. Apesar da prática de vestir-se com roupas do sexo opos­


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to e das muitas referências ao contrário, o mundo patriarcal não vira­


va totalmente de cabeça para baixo nessa época.
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M Na verdade, a ênfase na bebida e violência nos tradicionais carna­


vais europeus, assim como a composição das sociedades carnavales­
cas (dominadas por jovens adultos do sexo masculino), sugere que se
devem interpretar os eventos — entre outras coisas — como rituais
para a afirmação da masculinidade. Havia outros festivais populares
em que as mulheres ficavam “no topo”, dominando simbolicamente
3 .

os homens, como na festa espanhola de santa Águeda descrita pelo


S

falecido Don Julio Caro Baroja, mas este não era um tema principal
do Carnaval europeu. 8
Por outro lado, no Novo Mundo, apesar da transplantação do
patriarcalismo — descrito por escritores latino-americanos, de
Gilberto Freyre a Gabriel Garcia Márquez — , as mulheres há muito
têm sido mais visíveis e ativas no Carnaval Assim, em 1826, um ofi­
cial inglês em Trinidad observou que “um grupo de mulheres, tendo
se transformado em um grupo de bandoleiros, atacou-me nos meus

8 Baroja (1965). 371-81; cf. Da vis (1975), esp. 138ff.

219
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VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL . . v.:«


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alojamentos”.9 No Brasil, a participação feminina no entrudo foi con- ■ *■ :**“

siderada digna de nota por visitantes estrangeiros, como Thomas


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Lindley (1805), Henry Koster (1816), John Mawe (1822), Robert •S

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Walsh (1830) e Ferdinand Denis (1837). ^ v ® \ .
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Hoje, se o papel das mulheres é passivo ou ativo, se a função delas ^ V iíiS •

é ser vistas por homens ou despertar-lhes as próprias fantasias (ou as . iv .


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duas coisas), é impossível imaginar um Carnaval brasileiro sem uma


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esmagadora presença feminina, incluindo os destaques, figuras sim- • .* * * * ;.

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bólicas nos carros alegóricos; as pastoras, dançando à frente ou atrás


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dos carros alegóricos; as baianas, mulheres de meia-idade com o tra­ ■


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dicional traje da Bahia; e por fim, a porta-bandeira, ou porta-estan­ • • ■ - 'V i * » .- •

darte, cuja dança com seu parceiro, o mestre-sala, é um quesito que


entra na contagem de vários pontos na competição entre as escolas de
samba no Rio. Em geral, as escolas, clubes e “blocos5* têm uma ala •■Çy.

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feminina e uma masculina, além de uma diretoria masculina.10


Ligada ao papel mais ativo de mulheres, a importância da dançâ’fjjj-'
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torna os carnavais do Novo Mundo característicos. A dança não eraSI®


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de todo ausente na Europa. Em particular as de espada ocorriam nos ? . t


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tradicionais carnavais europeus. Apesar disso, não tinha ali a mesma


importância de que no Brasil (digamos) ou em Trinidad, onde a calin- m
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da ou dança do pau é parte essencial das festividades desde, / v C t e : - * -

menos, o início do século X IX , ou em Nova Orleans, que impressio- • . * ?!


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nou um visitante francês porque “eles dançam em toda parte”.11


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Os exemplos que acabo de citar são de danças masculinas, mas as '•* :••*./v
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mistas também têm sido importantes nos carnavais das Américas des-; .;• *
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de o século XIX. Na Trinidad do início do século X IX , homens e mu- ' • l> ' ’

lheres da classe dos colonos dançavam a belair a bam boula e a ghou^i


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ba. O exemplo clássico de dança mista é o do Brasil, na era da polca*?®;


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predominante dos anos 1850 a 1900, a era do maxixe, da década de


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1870 à de 1910, a era do samba, predominante de cerca de 1916 até :: !• *


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9 Citado em Pearse (1955-6), 180. Iv*:

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10 Simson (1991-2). 1 •,
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11 Hiil (1972), 11; Kinser (1990), 22.


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220
A TRADUÇÃO DA CULTURA

hoje. No Rio, a dança era e é a parte mais importante do desfile, o


cortejo carnavalesco que, em si, se tornou a parte essencial das festivi ­
dades de meados do século XIX em diante. Não apenas a “infantaria59
que acompanha os carros alegóricos, mas muitas das mulheres exibi­
das neles dançam o samba, apesar do risco de cair.
Além da dança nas ruas, o Carnaval brasileiro há muito incluiu
bailes em casas particulares, clubes, hotéis (a começar com o Hotel
Itália no Rio, em 1840) e teatros (como o Teatro São Pedro no Rio,
em 1844, e o Teatro São João em Salvador, na década de 1860).12 Em
outras regiões da América Latina, a dança também em um importan­
te elemento no Carnaval: em Buenos Aires, por exemplo, e em
Havana, onde se realizavam bailes de máscaras no Teatro Tacón de
1838 em diante.13

A VISÃO DA ÁFRICA

» ^ *
A dança é o lugar ocupado pelos elementos africanos no Carnaval e
em outras festividades latino-americanas. A comemoração da festa de
Corpus Christi no Brasil colonial, na província de Minas Gerais, por
exemplo, incluía carros alegóricos e danças de negros com bandeiras,
instrumentos de percussão e músicas — todos elementos a serem
encontrados mais tarde nos carnavais brasileiros. A tradição do mara-
catu, cucumbi, congada ou “reis do Congo55, a entronização de reis e
rainhas negras vestidas com fantasias deslumbrantes na festa de
Nossa Senhora do Rosário, mais uma vez em Minas Gerais, também
foram transferidos para o Carnaval.14
A transição das irmandades que organizavam essas festividades
para as sociedades carnavalescas e escolas de samba posteriores foi

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12 Alencar (1965).
54 Amuchástegui (1988), 158ff.; Ortiz (1954), 204.
14 Real (1967), xv; Meyer (1993), 161-74.

221
fácil.15 As próprias irmandades provavelmente atraíam os negros * .^ v* . j . •» * . _

Minas, na Bahia e outras regiões, porque ofereciam uma família subs|||§í


títuta para escravos desarraigados de sua pátria, e uma forma de orgag
nização social com paralelos na África Ocidental, em particular as so- / •* *

ciedades secretas. De maneira semelhante, quando os missionários


século X X , em Moçambique, formaram grupos de batedores (patruif-fi
lhas), seu sucesso parece ter devido alguma coisa às tradições locais de^ :
sociabilidade.16
A África da qual se transportavam escravos para o Novo M undlllíl
era, é claro, um agrupamento de culturas, algumas das quais já inter#í^í
giarn com o Ocidente e o cristianismo. Tome-se o caso do Congo, pofo^- * 1 í f *4 • , '

exemplo. Governantes locais viram vantagens em trabalhar com os m ièí® r


sionários e usar as novas doutrinas e rituais para legitimar seu podeiV v * v % tj j ^

Fundaram-se confrarias. Festividades cristãs, como a festa de são Ja im e ^


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eram celebradas não apenas com procissões, mas com danças tradicid*
nais africanas, e combinadas com outros festejos, como a comemoraçãig
da ascensão de Afonso, rei do Congo. Embora os missionários acredi§
tassem que haviam convertido os africanos ao cristianismo, é e x tre m a i»
mente provável, no mínimo, que as pessoas do Congo se vissem
porando rituais exóticos ocidentais à religião local. A síntese ou sin d ã^ ^ ^
tismo entre as tradições do cristianismo e as africanas muitas vezes
observada nos casos do Brasil e Cuba já havia começado na próprill^^,
África.17 Por trás desses rituais, é possível às vezes vislumbrar elememlISl-1
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tos da tradição africana, como o festival nigeriano da rainha,


Damurixá .18 O próprio Carnaval não existia na África, e até hoje só ' r í

enraizou em algumas regiões (sobretudo Cabo Verde e Reunión), mas


que os ocidentais poderíam chamar de “carnavalesco ” era comum.
. ***** '• *

ls Cf. DaMatta (1978).


1(5 Mandelbaum (1989), 173. ,
17 Thomton (1983); Hilton (1985), 5 0 E ; Gray (1991), 13fí., 42H.; MacGaffeyi5^ )
(1986), 191-216; MacGaffey (1994), 254-9; cf. Balandier (1965), 39
Prins (1980).
18 Manuel Querino. citado em Risério (1981), 49.
A TRADUÇÃO DA CULTURA

Independentemente do lugar de origem e da forma, os elementos


afro-americanos se espalharam pelo Carnaval brasileiro. No Rio em
1881? o carro alegórico dos Democráticos, uma sociedade carnavales­
ca branca de alto status> representava um príncipe africano, Obá. Se
tentarmos fugir ao que se poderia chamar de “riocentrismo” da maio­
ria dos estudos do Carnaval brasileiro e olhar para Olinda, Recife ou
Salvador, a sobrevivência ou reconstrução de tradições africanas é
ainda mais óbvia, muito antes do movimento de “re-africanização”
de fins do século X X relacioná-la à consciência negra e ao black
pow er . No Recife, por exemplo, há o registro da participação, no
Carnaval de 1872, de um grupo de maracatus, liderado por uma rai­
nha e uma vice-rainha.19
A dança, religiosa ou secular, era e talvez continue a ser uma for­
ma de arte mais importante na África do que em qualquer outro
lugar. Na África oriental, por exemplo, havia a tradição da ngom a ,
dança que muitas vezes adota a forma de parada militar ou “revista
de tropas” por membros de diferentes associações de dança, em que
as mulheres desempenhavam um papel predominante. Em Mombasa
de fins do século X IX , essas paradas incluíam carros alegóricos remi-
nescentes “dos carnavais em Nice e em Nova Orleans”, segundo um
oficial britânico.20
Na África ocidental, mais relacionada às Américas, pois a maio­
ria dos escravos é oriunda daquela região, a dança muitas vezes se
associava intimamente às práticas religiosas. A associação entre dan­
ça e religião era mais estreita do que na Europa, onde havia uma lon­
ga tradição de hostilidade oficial a danças na igreja ou mesmo por
ocasião de festivais religiosos.21 Entre os Tallensi da África ocidental,
por outro lado, o antropólogo que melhor os conhecia registrou que
“o terreno da dança é sagrado”.22 A dança era um ritual que pro-

19 Real (1967), xvi-xvii; Fry (1988), 232-63; Risério (1981), 13, 17.
20 Ranger (1975), 34, 167ff.
21 Backman (1952).
22 Fortes (1987), 51.
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VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL ■ ■ : : <•»•;>. v « , . ^ í í I

vocava perda de consciência e no qual os dançarinos eram possuíd | | ^ l


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por espíritos e divindades, como no caso dos iorubás no Daomé é:j|pfS®


Nigéria. , ‘Í B |
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Não se deve considerar a possessão, ou “mediunidade do espí|i ^


to”, como por vezes é chamada, como uma forma de histeria. GoíiilSSR
os antropólogos têm enfatizado, a possessão deve ser analisada como^Sf ■ ' ; ' v y ,

ritual e mesmo teatro. Os possuídos incorporam seu determ inadllpil


espírito de maneira muito semelhante à que os foliões do CarnaVM 11 :: i ;• ^ ^ •••••

personificam o comportamento adequado a seus trajes, sua fantasia.


Alguns desses espíritos se comportam de maneira carnavalesca: ®
espíritos caboclos no candomblé, por exemplo, espíritos masculinõgSMi
que se apossam de mulheres e fazem com que seus veículos humanéá .: 0. .

fumem, bebam e digam palavrões.23 O batuque dos tambores era fuii||g|fe


b:SSS :=

damental para esses rituais de possessão. Os tambores eram conside^SilJ;
rados as vozes das divindades, cada uma associada a um ritmo carac­
S * • J , ,||

terístico.24 Os cultos de possessão desse tipo continuam entre


negros nas Américas, desde o vodu do Haiti, à santería de Cuba e aõ -V •***

candomblé do Brasil (que tem ligações particularmente estreitas coip llfl


as tradições iorubás), ou seu equivalente no Maranhão, o tambor-cfc£
mina, nome que enfatiza a batida do tambor.25 -vjmmr * • ** . • /' ' I*V ' v r . . / * \ ..
*.*•**• •. '

O argumento central deste capítulo é que essas práticas religiosas '••ki { ' i J t «,-ju

deram uma importante contribuição aos carnavais afro-americanosll|J|


*• * a \ j. *. * v • .* *. •y* * -• * '

O lugar dos tambores nesses carnavais é fundamental nos casos dásSilli;


baterias do Rio e da “orquestra de metais” de Trinidad (que subs#Bllfi (D * - * -K > . : • < M •••’ . H

tuiu os tambores tradicionais na década de 1930). As danças do ca ú '!| ® l


domblé são às vezes comparadas ao samba do Carnaval não apenaévSg||
por observadores, mas também por participantes.26 No Brasil, incoi^8g|§;
poraram-se outras práticas religiosas ao Carnaval, por meio do afòxé,
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palavra que significa não apenas um instrumento musical (a maraca) 15;

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23 Wafer (1991), 55-6.


24 Leiris (1958); Verger (1969), 50-66. " j.-l • • ( *

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25 Mars (1946); Bastide (1958); Drewal (1989).


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2« Wafer (1991), 73-4; Omari (1994), 136.


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224
A TRADUÇÃO DA CULTURA

e uma dança apresentada por negros, mas também um maracatu ou


um cortejo carnavalesco de adeptos do candomblé. O compositor e
cantor brasileiro Gilberto Gil conta que, quando desfilava no Carna­
val de Salvador com o resto de seu grupo de afoxé, certa vez viu uma
mulher de meia-idade benzer-se, na certa pensando que o que estava
t,

vendo era uma procissão religiosa.27


Em todos os rituais religiosos acima descritos, as mulheres têm
tradicionalmente desempenhado um papel importante. Os cultos de
possessão de Hausa Bori eram e são controlados por mulheres. A cha­
mada “mãe-de-santo” (ialorixá) continua sendo a figura central no
candomblé.28 No Recife, as rainhas que conduzem os maracatus no
carnaval são mães-de-santo.29 Para reforçar a hipótese da ligação
entre religião africana e Carnaval americano, pode-se acrescentar que,
em Salvador, espíritos femininos chamados tobosses (“moças”) “bai­
xavam” no Carnaval, em outras palavras, se apossavam dos devo­
tos.30 Refletindo por um momento, gostaria de sugerir que as tão des­
tacadas baianas do Carnaval do Rio e de outras cidades, senhoras dig­
nas que rodopiam em seus longos vestidos brancos, são uma versão
secular das mães-de-santo. Na verdade, a excitação e a exaltação do
Carnaval, as “vibrações” como as chamam os brasileiros, são uma
forma de êxtase religioso.
As máscaras revelam outros elos entre a África e as Américas.
Têm um importante papel a desempenhar não apenas no Carnaval,
mas também nas sociedades secretas da África ocidental, como a
Poro, da Libéria.31 Em Trinidad, a origem de uma das tradicionais
máscaras, o “Moco Jumbie”, é associada a práticas religiosas do pas­
sado na África Ocidental.32 Em Cuba, como nas Saturnalia da antiga

27 Bastide (1958), 248; Real (1967), 57; Risério (1981), 12, 52, 55-6.
28 Landes (1947), 71ff., !42ff.
29 Real (1967), 67.
30 Bastide (1958), 194. Sobre umbanda e Carnaval, DaMatta (1978), 136.
31 Harley (1950); cf. Sieber (1962).
32 Hil! (1972), 12.

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Roma, a liberdade temporária de escravos era essencial nas festas, das


quais se dizia que deviam alguma coisa à tradição africana do
Ekuaensu. Os negros tomavam as ruas de La Habana vestidos como :•

congos (mais uma vez), lacumíes , ararás e mandingas .33 : '-^y\


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No Brasil, em particular, as tradições populares afro-americanas


são agora estudadas com mais atenção do que antes pelos historiado­
res. Ao mesmo tempo, os próprios carnavais estão recebendo mais ,
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ênfase, como parte do movimento de consciência negra. Os grupos de •• •/ .

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afoxé como o “Filhos de Gandhi” (fundado em 1949, mas revivido na p:' . N ,

década de 1970), por exemplo, desempenham um importante papel • • -r •

no Carnaval de Salvador.34 Em 1995, o Carnaval de Salvador girou


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em torno de Zumbi, líder da comunidade escrava rebelde dos


Palmares, para marcar o tricentenário de sua morte.
As pesquisas sobre elementos africanos no Carnaval, como *«• *1

outros aspectos da cultura negra popular no Brasil colonial e do sécu-


lo X IX mal começaram.35 Apesar disso, os elementos mencionados * >
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talvez sejam suficientes para lançar a hipótese de que os carnavais do •


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Novo Mundo são “superdeterminados”, no sentido de que surgiram V'*!r


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do encontro de duas tradições festivas,*a européia e a africana. Há \ . •


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“sincretismo”, no sentido preciso de coexistência e interação tempo4 V


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rárías de elementos de diferentes culturas, assim como há “anti-sintó®


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cretismo” no sentido de tentativas de purificar o Carnaval, primeiro


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de seus elementos africanos (em fins do século XIX), e mais recente^ ^


mente de seus elementos europeus.36 Também pode ter havido .
mentos ameríndios nesse composto, mas, se assim for, é muito ••
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identificá-los hoje (o uso de fantasias de índios por negros e brancos


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Parece que há uma espécie de magnetismo envolvido, uma a t x ^ f .


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33 Ortiz (1954), 210-11.


34 Risério (1981), S2ff. ............... .t ,

35 Meyer (1993), 175-226; Soihet (1993). - -"IV Í-Í x ' ’

36 pye (1993); Stewart (1994). . . . . y s . A?

37 Real (1967), 84ff.


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A TRADUÇÃO DA CULTURA

ção entre elementos semelhantes nas tradições culturais africana e


européia, assim como existe uma espécie de circularidade ou influên­
cia recíproca entre as tradições da elite e populares.38 Por exemplo, o
falso combate parece derivar tanto das danças associadas ao culto do
deus guerreiro iorubá Ogum quanto da tradição ibérica de represen-
tar conflitos entre “mouros e cristãos” nos dramas religiosos popula-
res, ou autos.39 Em 1816, o visitante inglês Henry Koster testemu­
nhou um entrudo brasileiro que incluía o “batizado do rei dos mou­
ros” e uma falsa batalha entre mouros e cristãos. A tradição dos
cucumbis ou “reis do Congo” deve alguma coisa à tradição européia
conhecida na França como reinageyem que homens e mulheres vesti­
dos como reis e rainhas se dirigem a cavalo para a igreja, em cavalga­
da.40 Também pode seguir tradições africanas. Mais uma vez, as más­
caras carnavalescas se relacionam às duas tradições culturais, a euro­
péia e a africana. As festas exemplificam, assim, o que o sociólogo e
folclorista cubano Fernando Ortiz, ele mesmo um entusiasta de Car­
naval, chamou de “transculturação” (p. 262), em outras palavras, a
interação recíproca entre duas culturas, em oposição à “aculturação”,
em que se supõe queüa influência se dê em um só sentido.41

AS TRAJETÓRIAS DO CARNAVAL

A trajetória dos carnavais no Novo Mundo no decorrer dos últimos


duzentos anos corre paralela à dos carnavais europeus entre os sécu­
los XVI e X IX .42 Houve quatro estágios principais nesse processo:
participação, reforma, afastamento e redescoberta. E necessário lem-

3» Soihet (1993).
*9 Drewal (1989), 225; Baroja (1965), 174.
4» Real (1967), 58; Hanlon (1993), 155.
^ Ortiz (1952).
42 Burke (1978), 178ff., 207ff., 270f£, 281f£; cf. Pereira (1994), introdução.

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brar, é claro, que as fontes para a história do Carnaval em geral ofe­


recem uma visão “de cima”, em que algumas atividades populares . -N * *.*- *•

quase não são visíveis mas, pelo menos no que se refere às classes
superiores, esse modelo tem suas utilidades.
Pode-se exemplificar o estágio de participação a partir de r .

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Trinidad no início do século X IX , quando (segundo um observador


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inglês) “superior e inferior, rico e pobre, culto e inculto, todos encon­ ••••

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tram máscaras e trajes para o Carnaval”. Outro exemplo de meados •

do século X IX vem de Petrópolis, cidade para onde a corte brasileira


se retirava durante o verão: o prazer do imperador Pedro II com o tra­ • ; v s : •

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dicional entrudo, de atirar água e tudo o mais. m


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O estágio da reforma alcançou Trinidad em fins do século X IX ,


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quando alguns membros da classe governante chegaram ao ponto de


exigir a total extinção do Carnaval.43 No Brasil, da década de 1830 ' .;1

em diante, as críticas ao Carnaval eram expressas com regularidade.


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Em 1844, o padre Lopes Gama, famoso jornalista de Recife, observou - i

a incoerência entre a “loucura” do entrudo e a pretensão do Brasil dé;:-^f r'


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participar do progresso da civilização.44 Em fins do século X IX , hoü~


ve uma campanha para substituir o “grosseiro e pernicioso entrudo” . .
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(como o chamou o Jorn al de Notícias de Salvador, em 1884) por alg iríB ff


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ma coisa mais “racional”, “higiênica” e “civilizada”, no modelo


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europeu (como dito anteriormente, parece que a elite brasileira desço-;


nhecia a importância de sexo e violência na tradição carnavalésÇá^* -V ... ^ .

européia). Essas tentativas de reforma provavelmente atingiram seú|||fj • v v i Cr' *,** «1 **•

clímax no Rio na época do prefeito Francisco Pereira Passos, por


ta de 1900, quando se transferiram os desfiles da rua do Ouvidor,
centro da cidade, para avenidas na periferia, onde podiam ser c o n trò ^ ^ -^ • < * • • • " .. . f

lados com mais facilidade. Essa tentativa coincidiu com uma campa- r V T J
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nha de saúde pública e uma reconstrução da cidade, o que provocoii|Í|^|i


resistência e até mesmo distúrbios.45 í

43 Pearse (1955-6), 187.


44 Citado em Real (1967), xii-xiii. • • '• O .- • V v ^ - 5 ? i ^ - .. ':J

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45 Pereira (1994), 39ff. • «


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A TRADUÇÃO DA CULTURA

A linguagem de “civilização” versus “barbarismo” expressava


temores mascarados dos brancos diante da crescente “africanização”
do Carnaval, medos manifestos abertamente em cartas ao Jorn al de
Notícias, de Salvador, nos primeiros anos do século X X . Pois foi na
década de 1890 que se fundaram naquela cidade os primeiros clubes
de negros, como os Pândegos da África.46 Maria Isaura Pereira de
Queiroz escreveu sobre “a domesticação de uma massa urbana” no
Carnaval do Rio, mas sua preocupação com os principais eventos das
festas precisa ser equilibrada em contraposição ao indício de um Car­
naval mais tradicional e informal em outras partes da cidade.47
O terceiro estágio indica que a reforma foi incompleta, em outras
palavras, houve o afastamento da participação pública das elites, que
passaram então a organizar suas próprias festas carnavalescas em
ambientes fechados, um “Carnaval fechado” substituindo o antigo
aberto. Em Trinidad, tão logo ocorreu a emancipação dos escravos
em 1833, a elite “retirou-se da participação pública” no Carnaval,
enquanto os negros “se apropriaram” dele, ou pelo menos ficaram
mais visíveis, usando as festividades para comemorar sua emancipa­
ção e escarnecer dos brancos.48 No Brasil, tanto a emancipação quan­
to o afastamento ocorreram meio século depois. No Rio, nas palavras
da Gazeta de Notícias , em 1890, “o Carnaval elegante retirou-se para
os salões de baile, abandonando as ruas para os pobres-diabos”.49 Em
contraposição, em Nova Orleans os clubes de brancos ou “krew es”*
não se afastaram e continuam dominando o Carnaval. Os grupos pa­
ralelos de negros, como Zulu Aid e Clube do Prazer, que outrora ridi­
cularizavam as festividades oficiais, hoje foram incorporados a elas.50

46 Citado em Fry et al. (1988), 2 3 6 ,2 5 3 -4 .


47 Queiroz (1992), 71-116; Zaiuar (1978).
48 Pearse (1955-6); Hill (1972), 2 3 ,4 0 ,4 3 ,1 0 0 .
49 Citado em Pereira (1994), 202.
* Vários grupos com filiação hereditária cujos membros organizam e participam
de desfiles tradicionais no Carnaval anual de Terça-feira Gorda. (N. da T.)
50 Compare Edmondson (1955-6), 233-45, e Kinser (1990); cf. DaMatta (1978),
124-30.

229
VARIEDADES DE HISTÓRIA CULTURAL
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O Brasil, como outras partes do Novo Mundo, atravessa h ojéíij^ ,


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a cultura afro-america na, pelas elites, incluindo a “re-
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classe média ao Carnaval de rua, que se retirara para o mundo fe c tíl ".•ríf

do dos clubes e hotéis.51 Desnecessário dizer, esse quarto estágio^fÉi


relaciona com a comercialização de uma festa que se tornou um g f^ p lll#
de negócio, e em que a televisão e gravadoras, assim como agência$d§
turismo (para não mencionar os
jogo e traficantes de drogas), passaram a envolver-se profundaxneí
te.52 Nesse sentido como em outros, o Rio moderno é o ‘ J ' . *• • 1: * *.-

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Nice do século X IX e da Veneza do século XVIII. ..


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O que torna os carnavais americanos tão diferentes dos europe*^


é essencialmente o elemento africano. Retomando a idéia de D aM átÉflil
de Carnaval como um microcosmo do Brasil, poderiamos dizer que o ^ íS r
festejos exibem e dramatizam a interação entre diferentes grupos |í S | I
subculturas étnicos. ■ ''ríMK

51 Real (1967), 158-9.


52 Cavalcanti (1994).

230
Unidade e variedade na
história cultural

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