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SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS

(NÚCLEO DE ESTUDOS PROSPECTIVOS)


ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

APRECIAÇÃO DA POLÍTICA E DA ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA SOB A


ÓTICA DAS TENDÊNCIAS GLOBAIS PARA AS PRÓXIMAS DUAS DÉCADAS E
DE SEUS REFLEXOS PARA A DEFESA NACIONAL.

Gen Rocha Paiva

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APRECIAÇÃO DA POLÍTICA E DA ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA SOB A
ÓTICA DAS TENDÊNCIAS GLOBAIS PARA AS PRÓXIMAS DUAS DÉCADAS E
DE SEUS REFLEXOS PARA A DEFESA NACIONAL.

General de Brigada da Reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva

Pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos do Exército

RESUMO: Da análise do jogo do poder entre as potências globais, o trabalho inicia destacando
a postura por elas adotada nos conflitos por choque interesses, quando lhes são vitais ou
afetem suas posições de poder, e os previsíveis reflexos dessas disputas para o Brasil no
futuro. A seguir, é feita uma apreciação dos estudos sobre tendências globais para as
próximas duas décadas, elaborados por organismos e instituições nacionais e estrangeiras de
alto nível, destacando as relacionadas direta ou indiretamente ao campo militar. As visões
alienígenas foram traduzidas para a realidade, desafios e interesses nacionais e apreciadas
quanto aos reflexos para a defesa do Brasil, que deveriam ser considerados na atualização da
Política e da Estratégia Nacional de Defesa (PND e END). Ao longo do texto, são feitos
comentários sobre a situação atual do País diante do contexto apreciado e elaboradas
indicações para estratégias e ações que respondam aos desafios visualizados. Para tanto, são
apontadas lacunas e inconsistências significativas na PND e na END, acompanhadas de
sugestões para aperfeiçoar esses documentos; são apresentadas ameaças potenciais ao País;
identificadas áreas estratégicas de interesse da defesa; e visualizadas possíveis ações
militares de uma ameaça aos nossos interesses vitais. No final, surge uma proposta sumária
de poder militar capaz de conferir capacidade dissuasória extrarregional ao Brasil no futuro.
Palavras chave: poder, tendências, política, estratégia, ameaças, defesa.

1. INTRODUÇÃO
“Se você conta com a segurança e não pensa no perigo, se você
não sabe o suficiente para estar atento quando chegarem os
inimigos, é como o pardal fazendo ninho em uma tenda, um peixe
nadando em um caldeirão – não duram um dia”. Chuko Liang (181-
234 DC).

A era do conhecimento é um tempo de mudanças radicais e contínuas,


assim como é cada vez mais dinâmica, também, a evolução do próprio
conhecimento humano, tudo contribuindo para gerar insegurança quanto ao que
pode suceder em curto prazo. São evoluções e até revoluções capazes de
surpreender, causar graves rupturas de tendências e desestabilizar o contexto
político-social interno dos países e as relações internacionais. Num passado, nem
tão distante, havia muito mais estabilidade na vida das pessoas, organizações e
nações, permitindo a adaptação oportuna às mudanças normalmente paulatinas dos
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cenários. A valorização do levantamento e estudo de tendências reflete a ânsia atual
em perscrutar o futuro, na tentativa de reduzir o grau de incerteza e, dessa forma,
poder elaborar, com maior segurança, estratégias que permitam moldar, na medida
do possível, um porvir mais favorável. Ainda assim, a prudência aconselha a
levantar distintos futuros possíveis e a formular planejamentos flexíveis, que possam
ser adaptados quando os cenários mudarem repentinamente.

O tema central deste artigo é a defesa nacional, discutida a partir das


tendências que a impactam hoje e deverão continuar influenciando nas duas
décadas vindouras, quais sejam: as principais potências que competirão com o
Brasil; os interesses com possibilidade de serem causas de conflitos; os documentos
orientadores da defesa nacional; as áreas prioritárias para a defesa do território, sob
o ponto de vista do emprego do poder militar por ameaças potenciais; as demandas
e condições necessárias para a projeção de poder; e o perfil de Forças Armadas
(FA) capazes de dissuadir potências extrarregionais. Portanto, não tem o propósito
de discutir relações internacionais em sua abrangência, mas sob o ponto de vista de
conflitos onde haja a possibilidade de emprego indireto ou direto do poder militar. As
relações internacionais, é claro, têm maior amplitude. O comércio, parcerias,
aquisições e investimentos também se processam em clima de entendimento sem
ultrapassar o nível de uma pacífica negociação e, ainda havendo conflito, ele pode
ficar restrito a outras instâncias que não a militar. Entretanto, permanece a tendência
histórica do mais poderoso buscar a imposição de sua vontade, priorizando a
relação “ganha (muito mais)-ganha (muito menos)” a seu favor, e não um resultado
justo de mútuas e equilibradas vantagens na concretização de acordos.

O tema tratado tem estreita relação com estudos em elaboração na


Secretaria de Assuntos Estratégicos. Assim, as ideias discutidas poderão servir de
subsídios para a confecção do “Brasil 2022 + 10”. Além disso, são identificados
aspectos, dos textos dos projetos de atualização da PND e da END, que devem ser
motivo de reestudo, e são apresentadas propostas para sua correção, com
justificativas, uma vez que eles ainda estão em tramitação no Congresso Nacional.

Em síntese, o artigo se propõe a aprimorar a capacidade da Nação para a


defesa da Pátria e a projeção internacional do Brasil, ambas num nível compatível
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com a crescente ascensão global do País, considerando desafios futuros
relacionados com a aplicação do poder militar.

2. O EIXO DO PODER NUM MUNDO DE MÚLTIPLAS AMEAÇAS E CONFLITOS

A história é marcada por uma perene disputa entre as nações num mundo
pleno de ameaças e conflitos. Sempre houve assimetrias entre os países,
escalonados de acordo com distintos status de poder nacional. Pode-se avaliar a
capacidade de um país projetar poder considerando a quantidade e qualidade dos
recursos disponíveis, a liberdade de ação para atuar internacionalmente e a vontade
da sociedade assumir os riscos de fazê-lo. Ainda assim, não é algo absoluto, mas
sim relativo, em função de diversos fatores como o valor dos interesses em disputa,
o tipo de conflito vivido e outras variáveis.

Hoje, é lícito considerar a existência de um “Eixo do Poder” que reúne os


países protagonistas em posição de liderança nos principais temas da agenda
global. Têm poder nacional proeminente nos campos político, econômico, militar e
científico tecnológico. Destacam-se, em todos os estudos prospectivos para as
próximas décadas, como países com poder regional, extrarregional e global, este
último com limitações.

O Eixo é constituído pelos Estados Unidos da América (EUA), único império


global, mas não mais hegemônico; União Europeia (UE) e Japão, via de regra
aliados dos EUA; Rússia; e China. A Índia, embora ainda não esteja no nível de
projeção dos membros do Eixo, será incluída neste trabalho, pois deverá integrá-lo
ao longo da próxima década. Os três primeiros membros do grupo são democracias
com status de poder regional, extrarregional e global limitado e têm sociedades com
um superior nível de bem-estar. Os dois últimos têm regimes, respectivamente,
autoritário e totalitário, status de poder semelhante ao das democracias, mas suas
sociedades não estão no nível das do subgrupo democrático. O Japão não tem
projeção global tão evidente, a não ser nos campos econômico e científico-
tecnológico, embora seja uma potência militar com um dos maiores orçamentos de
defesa do mundo. Tem potencial para mudar esta situação, na medida em que a
China equilibre o poder dos EUA na Ásia e nos Oceanos Pacífico e Índico e sua
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defesa passe a depender mais de si mesmo. A Índia é incluída neste grupo em
todos os estudos sobre tendências e algumas projeções indicam que sua economia
vai ultrapassar a do Brasil em alguns anos.

Os cinco membros originais têm como interesse vital manter o status


alcançado, o que implica o consumo elevado de recursos estratégicos, que não
dispõem nos seus territórios ou precisam preservá-los como reserva estratégica. É
objetivo de Estado, para todos, manter presença ou mesmo controlar áreas do
mundo ricas em recursos ou geograficamente importantes dos pontos de vista
político e militar. Em consequência, desenvolvem estratégias para projetar poder,
limitar a projeção de rivais e bloquear a ascensão de novas potências. A cadeia –
interesse vital, objetivo de Estado e estratégias de projeção – resulta na limitação ou
no compartilhamento da soberania de nações alvo, particularmente se forem
militarmente vulneráveis. O óbice a essa projeção se dá quando as potências em
pauta não têm liberdade de ação. Tal limitação pode ser percebida ao se comparar o
grau de poder discricionário dos EUA desde a queda da União Soviética, em 1991,
até por volta de 2005, e o atual, com o impasse no Iraque e no Afeganistão, onde
ficaram evidentes as suas limitações e, além disso, com o retorno da Rússia ao
“grande jogo” e a ascensão da China.

As principais áreas de disputa do Eixo estão na Europa Oriental, Oriente


Médio, Ásia e oceanos Índico e Pacífico onde seus membros aplicam todas as
expressões do poder nacional - política, econômica, militar, científico-tecnológica e
psicossocial (cultura, valores, conceito internacional, entre outros atributos), uma vez
que muitos interesses em jogo são tidos como vitais. Na Europa Oriental e no
Cáucaso, há conflitos pela atração das ex-repúblicas soviéticas e com relação à
implantação de um sistema de defesa antimísseis pelos EUA, colocando a Rússia
em confronto com aquela potência e a UE, no âmbito da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN). Na Ásia Central, além desses países está presente a China.
No este asiático, no Pacífico e no Índico, se somam o Japão, a Índia e a Rússia.

Porém, a globalização apequenou o mundo e globalizou tanto o progresso


quanto o conflito, ambos sob os prismas da geografia e da intensidade. As áreas de
disputa vão chegando à África e à América Latina, inicialmente com mais visibilidade
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no campo da economia, mas atrás dela vem, imediatamente, a expressão política e,
quando os interesses crescerem de importância, virão as demais expressões
inclusive a militar. O Brasil terá esses rivais limitando-lhe a projeção no entorno
estratégico – América do Sul, Caribe, África Ocidental, Atlântico Sul e Antártida. A
figura 1 retrata o que começa se delinear na América Latina.

FIGURA 1 - “Novos atores” na América do Sul.

Crescente presença despertou atenção Coop. Militar e


recursos
ameaça comercial
n a AL energéticos -
suas exportações Venezuela, Bolívia , Peru

PERDE COMPRA DE TERRAS NA A L


ESPAÇO
CARTA CAPITAL 22/02/2012 GOVERNOS SE
MOVIMENTAM PARA
LIMITAR ACESSO DE
ESTRANGEIROS À
PROPRIEDADE DE TERRAS

Necessidade A L debater exporta mais do que importa


presença crescente
da AL = déficits comerciais;
na AL uma década antes
comercializa 10 vezes mais que a exporta manufaturados e

Índia. Espera-se que os números importa bens primários =


da cresçam. desequilíbrio contas na AL
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Fonte: Extrato de dados coletados na Internet.

3. CONTEXTUALIZANDO TENDÊNCIAS GLOBAIS AO AMBIENTE NACIONAL

A análise das tendências globais apontadas na bibliografia pesquisada


permite identificar as que têm maior impacto, direto ou indireto, sobre a defesa e a
projeção internacional do Brasil no horizonte de vinte anos. A bibliografia é nacional
e estrangeira, portanto, esta última precisou ser contextualizada quanto às
consequências para o Brasil, não exploradas em seus textos, pois eles refletem
visões voltadas a interesses e disputas envolvendo as potências de primeira ordem,
grupo aonde o Brasil não se situa. As tendências deveriam ter sido (mas não foram),
objeto de acurada apreciação nas atualizações da PND e da END, de modo a
nortear diretrizes, orientações e ações estratégicas consentâneas.

Este item do trabalho se propõe a apresentar uma síntese da análise da


bibliografia pesquisada, acompanhada de conclusões sobre os reflexos para o Brasil

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das tendências globais, nas próximas duas décadas, muitos dos quais não foram
considerados nas atualizações da PND e da END.

O estudo “Global Trends 2025: A Transformed World”, do Conselho Nacional


de Inteligência dos EUA, e o “Strategic Global Outlook 2030”, da Academia de
Ciências da Rússia mostram visões distintas no que tange a algumas tendências. O
primeiro estudo prevê um cenário de “grandes descontinuidades, choques e
surpresas”, enquanto o russo considera que “nas próximas duas décadas (2011 –
2030), o mundo enfrentará menos mudanças radicais e choques do que os típicos
dos vinte anos anteriores”. Isso se explica pela diferença entre o poder, a amplitude
da ação global, o alcance dos propósitos, as expectativas nacionais e os desafios
dessas potências nas relações internacionais. O Brasil não pode tomar como base,
literalmente, esses estudos sem contextualizá-los à sua realidade, desafios,
necessidades e objetivos. Eis aí, um cuidado pouco observado por muitos
estudiosos e estrategistas brasileiros, como se constata em trabalhos e
planejamentos estratégicos nacionais.

a. O Brasil será uma liderança apenas regional, ainda assim, limitada.

A visão apresentada no Global Trends 2025 (Pg. 45) é que:

“Em 2025 o Brasil estará provavelmente exercendo uma liderança regional de maior
influência, tornando-se o ator principal entre os seus pares, nos fóruns sul-americanos, mas,
apesar de seu papel crescente como grande produtor de energia, e do papel que vem
desempenhando nas conferências de comércio, irá demonstrar habilidades limitadas de se
projetar para além de seu continente e assumir um papel central das questões mundiais”.

O País, realmente, não ascenderá ao nível das potências globais como os


EUA, UE, Japão, Rússia, China e Índia. Essa tendência decorre de ser o Brasil uma
potência desequilibrada em suas expressões do poder. Forte na econômica, mas
com a insegurança de depender de saldos advindos da exploração de recursos
primários, mediano nas expressões política e psicossocial em termos mundiais, e
indigente em capacidade militar, autonomia industrial, inovação e pesquisa
científico-tecnológica, quando comparado aos países do Eixo. De acordo, ainda,
com o Global Trends 2025 (Pg.VIII), “Pontuações do poder nacional (---) são

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produzidas por índices combinando fatores ponderados - pesos diferentes - do PIB,
gastos de defesa, população e tecnologia” (grifos nossos).

É uma percepção de futuro diferente da transmitida nos discursos e


documentos emitidos por sucessivos governos brasileiros que, inexplicavelmente,
não veem como imprescindível um forte poder militar para ser protagonista em
questões de maior peso nas relações internacionais.

Os resultados da política de integração regional serão paulatinos e parciais,


nas próximas décadas, em face das dificuldades impostas pelas assimetrias entre os
países do subcontinente, do volume de recursos necessários para realizar a
integração física, hoje incipiente, e pela projeção das potências do Eixo na região,
com atrativos compensadores para os condôminos, como hoje acontece com maior
intensidade. Portanto deve-se concluir que o Brasil não pode contar com a certeza
do apoio irrestrito e permanente do entorno estratégico, do Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL) e da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), devendo, em
consequência, desenvolver poder nacional autônomo, inclusive militar, para dispor
de mais liberdade de ação. Por outro lado, a UNASUL e o Conselho de Defesa Sul-
Americano poderão contribuir para a constituição de uma comunidade regional de
segurança, que não é um organismo de defesa coletivo, mas sim de solução pacífica
de conflitos e preservação da paz entre seus membros.

“Tal sistema entrelaça atores que compartilham valores, normas, símbolos, que possuem
identidade comum (---). A comunidade de segurança (---) por Karl Deutsch (1957) implica
em região político-geográfica na qual o uso da violência é impensável, (---) os problemas
sociais comuns devem ser resolvidos por meio de mudanças graduais e pacíficas”
(OLIVEIRA e BECARD, 2010, p.11).

Hoje, a UNASUL se destaca mais pelo papel desempenhado na esfera


política, como demonstrou na solução pacífica de alguns conflitos entre membros do
grupo, do que pelos êxitos nos campos econômico e financeiro. A PND deveria ter
estabelecido em suas orientações contribuir, por meio da estratégia da cooperação
militar, para a implantação dessa comunidade no âmbito da UNASUL. O entorno
pacífico é fator de força para a projeção extrarregional do Brasil.

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b. Necessidade versus escassez de recursos na origem de conflitos.

O modelo energético atual tende a sofrer um processo de transformação,


mas a implantação de fontes de energia alternativas ao petróleo e ao gás exigirá
muito tempo para se tornar economicamente competitiva. O futuro aponta nesta
direção, mas ela não deve se consumar nas próximas duas décadas. Quanto à
água, o uso para a agricultura em vários países está tornando o recurso cada vez
mais escasso e a tendência é se agravar. Pode-se esperar um aumento das
pressões internacionais para o acesso a fontes de energia, comida e água, um rico e
cobiçado patrimônio abundante em áreas brasileiras, particularmente na Amazônia,
mal integrada e mal ocupada, e no litoral Atlântico, mal protegido.

Não se vislumbra, ao contrário do verificado em séculos passados, a


tentativa de expansão territorial na origem de conflitos de potências entre si e contra
não potências. Hoje, a projeção de potências para impor acesso privilegiado a
recursos vitais e controlar regiões de valor estratégico-militar se faz, quando
necessário, por meio de pressões exercidas por todas as expressões do poder. Não
será descartado, inclusive, o emprego da expressão militar de forma indireta ou
direta, ainda que tenha propósitos limitados, seja feito sobre território reduzido e por
tempo limitado. Afinal, por que arcar com o ônus da administração se o importante é
garantir um significativo bônus da exploração dos recursos, impondo condições ao
país alvo? Há um visível potencial para ampliação de conflitos entre Estados e
algumas disputas bélicas já ocorrem, pois o acesso a fontes de energia, comida e
água é essencial à estabilidade interna de alguns países e ao status de poder global
das potências do Eixo. A posse de extraordinárias riquezas naturais e de áreas de
valor geoestratégico faz do Brasil um país alvo nessa disputa por recursos.

c. A ordem Internacional - multipolaridade assimétrica conflituosa.

A gestão estratégica nos Estados mais potentes visará fortalecer a economia


e conquistar mercados, conferindo alta prioridade aos interesses comerciais nas
políticas externas e, também, terá o propósito de manter a vanguarda tecnológica,
limitando o acesso de novos atores ao nível de conhecimento por eles alcançado. As
mudanças abruptas na ordem internacional, às vezes surpreendentes, dificultam
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afirmar com segurança a permanência das tendências existentes em dado momento
histórico. A onda de transformações da ordem internacional é um processo que
envolve riscos como demonstram: as mudanças políticas no norte da África e no
Oriente Médio; o crescente descontrole da proliferação de armas de destruição em
massa (ADM); o histórico armamentismo das potências do Eixo, só diminuído
quando imposto por eventuais dificuldades econômicas; as disputas por mercados e
espaços estratégicos nos ambientes terrestre, marítimo, aéreo e aeroespacial e no
ciberespaço; e os conflitos por acesso privilegiado a recursos básicos.

A Organização das Nações Unidas (ONU), com todas as deficiências, não


tem ainda um substituto à altura para viabilizar um eventual sistema de governança
global capaz de prover a segurança internacional. Na visão do estudo Strategic
Global Outlook 2030, da Academia Russa de Ciências, haverá maior cooperação
entre potências globais e regionais para a manutenção da segurança internacional.
Julga que as tendências indicam a tentativa de implantação de instituições,
mecanismos e princípios para formar o sistema de governança global, com base em
organizações formais ou informais já existentes ou novas.

É ingenuidade acreditar num sistema de governança global equilibrado e


imparcial em um mundo assimétrico, onde os proprietários do topo da pirâmide do
poder nunca demonstraram querer dividi-lo com novos condôminos. Entre as
preocupações principais desse eventual sistema estariam as “novas ameaças” (não
tão novas, pois o conceito é do início dos anos 1990), por serem temas de apoio à
projeção do Eixo do Poder. O estabelecimento de leis e normas internacionais para
a preservação da biodiversidade, dos ecossistemas e dos espaços comuns, para a
exploração dos recursos naturais, para combater os ilícitos transnacionais e para a
defesa dos direitos humanos e de minorias deverá gerar conflitos, pois alguns
países serão afetados em sua soberania, entre eles o Brasil. Para o Eixo,
governança global e segurança internacional são vistas como formas de manter o
status quo da balança de poder, quando deveriam ser um rumo para a paz mundial
e segurança de Estados mais fracos. O Brasil deve considerar, para evitar omissões
em seus planejamentos, que a segurança buscada pelos mais poderosos pode
implicar insegurança para os mais fracos, inclusive o próprio.

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A tendência histórica mostra a dificuldade para se encontrar soluções de
consenso nos desafios à ordem internacional quando há ou multipolaridade ou
multilateralismo, ascensão de novas potências e visões de futuro distintas entre
vários países, como ocorre na ONU. Além disso, a falta de estadistas no cenário
internacional, com capacidade de liderança e visão de mundo menos egoísta,
particularmente nas potências do Eixo, torna improvável a criação de um ambiente
de ampla cooperação e entendimento quando estão em jogo interesses vitais de
cada país. O trecho a seguir, grifado por este autor, demonstra a mentalidade
prevalecente:

“As tendências atuais sugerem a dispersão de poder e autoridade, criando um déficit na


governança global. Reverter essas tendências requer uma liderança forte na comunidade
internacional, a ser desempenhada pelas principais potências mundiais, inclusive as
potências emergentes” (Global Trends 2025. Pg. XVI).

Uma assertiva a ser encarada com reservas, pois sugere uma governança
global assimétrica em que alguns, logicamente as potências do Eixo, serão mais
iguais entre os iguais. A ONU não foi indicada como líder do processo e manteve-se
a ideia de um mundo desigualmente constituído. Na verdade, nenhuma instituição
ou aliança atual e, dificilmente surgirá alguma nas próximas décadas, terá condições
de desempenhar imparcialmente tal liderança. Permanece válida a histórica
necessidade de as nações disporem de forte poder nacional para ter o máximo de
liberdade de ação no jogo do poder mundial. Disputas para garantir acesso
privilegiado a recursos estratégicos, controlar áreas geopolíticas e exercer
preeminência seja no comércio internacional seja nas expressões militar e científico-
tecnológica serão desafios que afetarão a defesa nacional e a projeção de poder.

A reforma do Conselho de Segurança da ONU permanecerá como tema da


agenda internacional, mas sua concretização na forma pleiteada pelo Brasil é de
difícil consecução, sem que haja uma ruptura e reviravolta na segurança
internacional. Ainda assim, os países com chance de serem aceitos com poder de
veto serão os que tiverem poder nuclear, como hoje acontece. A posse de assento
permanente no Conselho daria maior projeção mundial e segurança ao Brasil diante
de ingerências internacionais, exatamente por ser membro permanente do Órgão.

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Os EUA deixaram de ser a potência hegemônica, mas continuarão sendo o
país mais poderoso nas próximas décadas. A nação americana está tomando
consciência de seus limites para exercer liderança e agir mundialmente sem o
concurso de parceiros de peso. Os custos são muito elevados e a dispersão de
esforços leva à perda do foco na maior ameaça a seu protagonismo, representada
pela ascensão da China. Na Ásia Central, a Rússia e a China tendem a limitar o
poder dos EUA e da OTAN no curto prazo. No Oriente Médio, porém, com o apoio
de Turquia, Israel e Arábia Saudita os EUA continuarão sendo proeminentes,
embora venham a enfrentar a projeção de seus antigos rivais e a ascensão do Irã
como potência regional. Na América do Sul, será comentado adiante.

d. Sistema internacional de segurança. Segurança de quem?

Segundo a Academia Russa de Ciências, a tendência é que a coordenação


entre as potências centrais para preservar a paz internacional prevaleça sobre a
opção pelo conflito. Considera que o armamentismo continuará, mas a criação de
novos mecanismos de segurança internacional e de confiança mútua, bem como o
desenvolvimento conjunto de sistemas de armas ajudará a mitigar o clima de
suspeição entre aquelas potências. Porém, como se verifica no quadro 1, ela
reconhece a possibilidade de ruptura dessa tendência, o que confirma a
necessidade de os países terem estruturas de defesa autônomas, flexíveis e
adaptáveis para não serem surpreendidos pelos acontecimentos. Pode ser
verificado, no quadro, que uma potência encara a segurança internacional em
função dos seus próprios desafios para preservar o status alcançado ou ampliá-lo.
Hoje, o “grande jogo” é mais pesado no outro lado do mundo, mas já é disputado em
nosso entorno. A tendência é que venha a ser um novo desafio àquelas potências
no futuro. Para o Brasil, entretanto, tal desafio tem de ser percebido agora.
Capacidades de defesa e de projeção de poder não se improvisam.

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QUADRO 1 - Possibilidades de rupturas de tendências.
Sustainable tendencies in international politics could be interrupted by negative cenarios.
- Leading nuclear powers could stake on confrontation and hegemony in mutual relations.
- Nuclear disarmament could come to a standstill.
- Arms race will begin in Outer Space.
- China will continue to build up its own nuclear-missile potential and to create space and cyber weapons.
- China as a “global political newcomer” with its growing economic and financial capabilities could behave
sometimes unpredictably.
- Northeast Asia and North Pacific could be regarded by the Chinese military-industrial complex as a natural
sphere of influence.
- Some regional conflicts (India versus Pakistan, Middle East) could create threats of using nuclear weapons
and others (Central Asia) could also go beyond control.
- Political situation in Iran and North Korea could follow scenarios of conservation of power in the hand of
current leaders. It could speed up proliferation of WMD.
- International community could be unable to prevent falling of WMD into the hands of terrorists.
Fonte: Strategic Global Outlook 2030, p. 44.

De acordo com suas capacidades, os países se projetam aplicando o poder


brando (“soft power”), ou o duro (“hard power”) ou, ainda, o inteligente (“smart
power”), este último uma combinação dos anteriores (NYE JUNIOR, 2012, p. 43/48).
Segundo aquele autor, há espaço, nas três opções, para empregar todas as
expressões de poder, a fim de garantir a consecução de interesses em jogo. O
poder brando por meio da atração ou persuasão do interlocutor; o poder duro pela
coação ou imposição pela força; e o poder inteligente, combinando ações dos outros
dois.

A expressão militar contribui inclusive na aplicação do poder brando, pela


estratégia da cooperação, concretizada através de ajuda e apoio militar e de
intercâmbios nas áreas de pessoal, ensino, adestramento, doutrina, operações,
inteligência, logística, produção de material de defesa, pesquisa e inovação
científico-tecnológica, missões conjuntas de paz e humanitárias, pela constituição de
centros de estudos estratégicos e de conselhos como é exemplo o Conselho de
Defesa Sul-Americano.

Nas próximas décadas, grandes potências não se arriscarão ao confronto


militar amplo e direto, por ser uma opção suicida, mas entrarão em sucessivas
disputas de poder. Prevalecerá o emprego dos poderes brando e inteligente na
política exterior das maiores potências, na medida em que se firme a
multipolaridade. É a mescla da sabedoria de Sun Tzu – “os que conseguem que se
rendam impotentes os exércitos alheios sem lutar, são os melhores mestres da Arte
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da Guerra” – com a visão de estadista do Barão do Rio Branco – “não se pode ser
pacífico sem ser forte”.

Haverá conflitos com o emprego de forças militares em áreas periféricas e


em nível de baixa intensidade, muitas vezes com um ou mais oponentes atuando
por procuração de um ou mais membros do Eixo ou, ainda, contratando
organizações mercenárias de segurança. O uso amplo do poder militar tradicional,
no âmbito de acordos e alianças ou isoladamente, deverá se restringir mais a
conflitos limitados e ao desdobramento estratégico em áreas geopolíticas de
importância militar para estabelecer, com oportunidade, vantagens antes de uma
eventual escalada de conflitos em andamento. No entanto, o significado de conflito
periférico limitado e de baixa intensidade para uma potência do Eixo não é o mesmo
para um país militarmente impotente como o Brasil. Se uma operação na longínqua
Amazônia é periférica para um agressor poderoso, para o Brasil significa um conflito
central, cujas consequências podem ser desastrosas para o nosso futuro, liderança
regional e autoestima da Nação. Portanto, deve ser visto como de alta intensidade.
Eis uma tendência a ser considerada pelo Brasil com visão própria e não importada,
como se verá adiante, ao serem apresentadas as ameaças ao País.

A OTAN expandirá globalmente sua atuação para além dos limites


estabelecidos no Tratado de Washington (1949) que a instituiu. Na região asiática,
envolvendo ainda os oceanos Índico e Pacífico, haverá momentos de tensão das
potências do Eixo entre si, com a participação de atores regionais, mas os esforços
para alcançar um ponto de equilíbrio têm boas perspectivas de êxito. A China e a
Índia não pretendem desafiar abertamente seus rivais até atingirem um poder militar
compatível com tal desafio. Isso tem reflexos favoráveis para a defesa do Brasil,
considerando a projeção dessas potências na América do Sul. No entanto, a leitura
desses reflexos como favoráveis deve ser entendida no sentido de que o País tem
tempo para fortalecer a expressão militar e não de que a pode continuar
negligenciando.

Na medida em que se ampliem as dificuldades à governança global e ao


consenso para fortalecer o direito internacional, novos blocos econômicos, alianças
regionais, atores e organizações não governamentais (ONGs), assim como credos
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religiosos, empresas transnacionais, grupos terroristas e até associações ilícitas
continuarão a proliferar e terão um papel importante no campo da segurança
internacional, para o bem ou para o mal. É no contexto dos blocos regionais que se
inserem o MERCOSUL e a UNASUL, havendo a tendência a valorizarem os temas
de defesa, seja por que o subcontinente atraiu a China, Rússia e Índia, rivais dos
EUA e do Brasil, seja pelo interesse em aumentar a confiança mútua e a cooperação
militar, assim fortalecendo o processo de aproximação entre seus membros.

A visão russa, que condiciona segurança global às próprias expectativas, é a


mesma de seus pares do Eixo como se deduz do grifado no quadro 2.

QUADRO 2 - Segurança Global.


Academia Russa de Ciências
Globalization of security and development issues will bring about changes in strategic thinking of political
elites of leading nations. The task to strengthen itself as a “center of power” will be transformed into
another one – to exercise a capacity for “responsible leadership” to respond to the common security and
development challenges.
Relations between major powers will be characterized by cooperation in the solution of global security
problems, and rivalry for selection of the ways to solve them in the mode of benefits for themselves but in
coordination with other leaders.
Military operations could be held against certain states, non-state actors and alignments posing such
threats and challenges as terrorism, drug trafficking, piracy, proliferation of weapons of mass destruction
etc. These states and nonstate actors will not vanish, but their influence on international security will
become weaker.
Fonte: Strategic Global Outlook 2030, p.11.

O Brasil deve estar ciente, no tocante à sua defesa e projeção internacional,


das consequências da globalização assimétrica, que tornou o mundo “pequeno” e
trouxe para o entorno estratégico do País as disputas entre as potências globais. Na
medida em que os interesses de Rússia, China e Índia nesse novo palco – América
Latina e África Ocidental – crescerem de importância ou se transformarem em vitais
e que a multipolaridade se acentue será difícil aos EUA manterem a hoje indiscutível
superioridade em todos os continentes. Nesse ponto futuro, será evidenciado que as
Américas, área de influência dos EUA e dotadas de recursos e posições
geoestratégicas vitais para a sua segurança, sempre foram a maior prioridade
daquela potência. Poderá haver intervenção direta caso tal status seja ameaçado, a
exemplo do que aconteceu em 1962, na Crise dos Mísseis de Cuba, logicamente
com as variações impostas pelo contexto das relações de poder no futuro.

15
O Brasil está defasado em poder nacional para enfrentar um cenário repleto
de rivais disputando espaços entre si e com o País em áreas estratégicas que lhe
são vitais. Com novos atores na América do Sul, a exploração dos recursos
nacionais passa a ser, também, interesse direto deles e nada impede que, ao invés
de entrar em conflito, o Eixo faça acordos entre si com imposições ao Brasil, a
exemplo do que os Impérios fizeram na China no século XIX. A propósito, confira-se
o que diz a Academia Russa de Ciências (Strategic Global Outlook 2030) a respeito
das relações da Rússia com a América Latina:

“RISKS: Rising competition between major powers for resources and markets in these
regions. OPPORTUNITIES: Coordination among major powers and transnational
corporations, on one hand, and authorities of these regions and their big businesses, on the
other, in natural resources development. This could lead to sharing profits instead of
unproductive rivalry” (grifos nossos).

e. Os BRICS e a ordem internacional.

A proeminência da riqueza, do comércio e do poder econômico migrará do


Atlântico para o Pacífico e do Ocidente para a Ásia, com destaque para a ascensão
de China e Índia. Os BRICS, englobando estes dois países, Brasil, Rússia e África
do Sul, não antagonizam, a priori, mas também não se alinham com as potências
ocidentais. No entanto, ainda que os BRICS se coordenem em temas específicos,
não são nem serão um bloco coeso com objetivos e interesses convergentes,
particularmente os relacionados aos campos político e militar. A Rússia, comparada
aos outros membros, já é uma superpotência e a China a segue neste rumo. Tanto
esta última como a Índia só desafiarão o sistema internacional após atingirem um
nível de desenvolvimento mais equilibrado, ainda que não total, com os EUA.

O Brasil nasceu e se formou no âmbito da civilização cristã ocidental e não


deve fugir a este destino, pensando ser possível uma aliança com potências de
outras civilizações, a não ser em situações pontuais. Cabe ao País se tornar forte,
derrubando óbices impostos pelas próprias potências ocidentais e, dessa forma, se
tornar um interlocutor de peso no trato de temas relacionados à segurança global.
Necessário como aliado, mas um parceiro com cacife para dizer não quando o
interesse nacional assim o recomendar. Entretanto, mantidas as tendências de
16
estagnação no desenvolvimento de indústrias estratégicas genuinamente nacionais,
de baixo desenvolvimento científico-tecnológico autônomo e de permanente
indigência militar jamais assumirá um papel significativo em questões não
relacionadas ao comércio e ao meio ambiente. O desnível não será estreitado nas
próximas décadas sem a ruptura daquelas tendências, de modo a colocar em alta
prioridade o investimento para fortalecer as FA.

f. O agravamento da questão climática fortalecerá o ambientalismo.

A tendência aponta para o prevalecimento da tese que relaciona a escassez


de recursos e o aquecimento global às mudanças climáticas, assim fortalecendo o
movimento ambientalista. A escassez motivará reações protecionistas pelos países
detentores de recursos estratégicos. Conflitos armados relacionados a esta questão
serão restritos no espaço e, para uma potência global, de baixa intensidade. O Brasil
é possível palco de contenciosos em torno de questões climáticas e escassez de
recursos como se verá adiante. Embora as mudanças climáticas sejam temas
relevantes para a humanidade, não serão, em si, um motivo real de ingerência
internacional por parte de determinados países, mas servirão como pretexto,
velando outros reais interesses.

g. Terrorismo crônico com agudizações periódicas.

O terrorismo sempre existiu e não vai desaparecer, mas perderá capacidade


de arregimentação, progressivamente, se for confirmada a crescente melhoria das
condições de vida das populações hoje sujeitas à sua pregação e de onde recebe
seus quadros. No entanto, ainda que reduzidos em efetivos, os grupos terroristas
disporão de uma imensa gama de recursos para realizar ações de vulto. O espectro
de possibilidades abrange as parcerias com organizações criminosas e o
aproveitamento da tecnologia da informação para operar em rede, recrutar pessoal e
movimentar recursos inclusive financeiros, em âmbito global. Abrange, também, o
uso de biotecnologias, armas químicas e radioativas e outros recursos de difícil
controle, a fim de realizar atentados de vulto.

17
O Brasil não é alvo do terrorismo internacional, mas pode vir a sê-lo, na
medida em que amplie sua projeção mundial e se envolva em questões afetas a
interesses de grupos terroristas. Os chamados grandes eventos, que serão
realizados no País até 2016, poderão servir de palco a atentados contra países
alvos do terrorismo internacional. Neste caso, a ameaça é real e justifica o emprego
de setores específicos das FA nacionais em ações preventivas e, se for o caso,
também nas repressivas.

h. Incremento do poder do crime transnacional pode gerar ameaças.

A leniência com o fortalecimento do crime organizado e a falta de ação


conjunta entre o Brasil e seus vizinhos está tornando um problema de segurança
pública em uma ameaça interna com ramificações internacionais, podendo ensejar
pressões externas e internas para desviar o emprego das FA para novas missões.
Segundo PAIVA (2012, p. 3 e 6):

“No Brasil, o cenário da segurança pública não pode ser analisado sem considerar o papel
do chamado crime organizado, que não se deve confundir com a criminalidade comum, sem
estrutura orgânica. O crime organizado se apresenta como uma pirâmide (CARDOSO,
2005, p. 87) onde, no topo - chefia e staff - são desenvolvidas atividades com fachada legal
para a lavagem de dinheiro, a corrupção e a infiltração em instâncias do poder, a fim de
assegurar a sobrevivência da organização e o financiamento do nível médio. Nesse último,
estão quadrilhas armadas, que promovem o narcotráfico, estabelecem domínios territoriais
e realizam ações violentas, conferindo poder ao topo da pirâmide. Na base, ficam as
comunidades desassistidas pelo Estado e sob o domínio das gangues, que nelas
conseguem recursos humanos para mobiliar as quadrilhas. (---) Há vínculos entre o crime
organizado e lideranças em setores influentes da sociedade, inclusive nas esferas do poder,
no Brasil e em países vizinhos. Em alguns desses últimos (---) as lideranças são acusadas
de ligação direta com o narcotráfico e o contrabando” (grifos nossos).

A falta de uma ação firme dos governos Federal e estaduais, por meio da
justiça e do Ministério Público, para neutralizar o topo da pirâmide do crime
organizado; a ineficácia dos órgãos de segurança pública, para reduzir o poder das
quadrilhas criminosas nos grandes centros urbanos e o narcotráfico desde as
fronteiras; a deficiência das políticas públicas na área social, para afastar as
comunidades do crime organizado; tudo aliado à crise de valores que contamina a

18
sociedade em todos os níveis estão no cerne deste problema. São problemas afetos
diretamente a outras instâncias do Estado e só eventualmente à expressão militar,
quando falharem os órgãos deles encarregados.

Alguns Estados fracos serão reféns ou aliados a organizações criminosas,


com prejuízo da segurança internacional, em face da disseminação global das
atividades dessas organizações, por meio do narcotráfico, tráfico de pessoas,
contrabando de armas, lavagem de dinheiro, etc. A esse respeito, o Global Trends
2025 (Pg.104), assim se expressa:

“O aumento da demanda por energia em todo o mundo cria oportunidades para o crime
expandir suas atividades através de vínculos diretos com fornecedores de energia e com os
líderes dos países onde esses fornecedores estão localizados. Com os suprimentos de
energia cada vez mais concentrados em países de governança fraca, com práticas de
corrupção antigas e em que não há predominância da lei, há um alto potencial de infiltração
pelo crime organizado”.

Este aspecto do problema não atinge diretamente o Brasil, autossuficiente


em energia e por não ser um Estado fraco, mas pode atingir países limítrofes onde o
crime organizado tenha possibilidade não só de se infiltrar, mas controlar instâncias
superiores dos poderes constituídos. Nesse caso, a política exterior do Brasil que,
engloba diplomacia e defesa, terá de lidar com o problema, em virtude de seus
reflexos na segurança pública nacional.

i. A exploração dos “espaços comuns” no jogo do poder.

O Ministério da Defesa realizou uma pesquisa em diversos documentos,


revistas e estudos nacionais e, principalmente, estrangeiros. Identificou Fatos
Portadores de Futuro e Eventos Futuros, reunindo-os no documento “Defesa 2035 –
Cenários Prospectivos”. Na página 33 do trabalho, consta que os países sem
condições atuais de explorar os espaços comuns ficarão sujeitos a restrições e à
aquisição de serviços e produtos de terceiros, com prejuízo para sua economia,
capacidade militar e soberania num futuro próximo. Os espaços comuns, segundo o
documento, são os oceanos, os espaços aéreo e sideral, as regiões polares e o
espaço cibernético. O mesmo raciocínio pode ser feito no tocante à exploração

19
soberana de áreas ricas em recursos estratégicos, por países que ainda tenham
parte de seu território não desenvolvida e não integrada ao núcleo de poder do
Estado, a exemplo da Amazônia brasileira. Será usado o discurso dos “espaços
comuns” conjugado com o da proteção ao meio ambiente – “Amazônia, patrimônio
da humanidade”. Associada a outras considerações, esta tendência é parte de um
cenário mais amplo de ameaças potenciais ao Brasil, como se verá adiante.

Potências que dispõem de tecnologia espacial não irão assinar acordos de


desmilitarização do espaço sideral, pois a capacidade de desenvolver plataformas
armadas para ataques desde aquela dimensão é um diferencial no jogo do poder.
Os EUA deverão ser os primeiros e os únicos a dominar essa tecnologia na próxima
década, mantendo a exclusividade durante algum tempo.

Diversos Estados e atores não governamentais (ANGs) terão capacidade,


alguns já a possuem, de realizar ataques cibernéticos contra objetivos civis e
militares, o sistema financeiro, as infraestruturas críticas, os sistemas de comando e
controle e outros. O Brasil deve encarar a guerra cibernética tanto como ameaça
quanto como oportunidade, pois os países mais fracos podem surpreender e infligir
sérios danos a adversários potentes seja no campo de batalha seja no próprio
território do inimigo, mediante o emprego de meios cibernéticos. A END não deveria
tratar a segurança cibernética apenas do ponto de vista de ações defensivas, mas
também ofensivas, pois esta postura seria dissuasória.

j. Aumento da influência de ANGs.

Embora a participação desses atores tenda a continuar crescendo, eles não


terão poder para influenciar decisivamente as relações internacionais sem parceria
com governos, empresas e organismos regionais ou globais. Para o Brasil e outros
países, com instituições e órgãos do Estado deficientes, a atuação desses atores
tem reflexos em vários setores da vida nacional, benéficos em alguns casos e
prejudiciais em outros. Alguns ANGs em ação no Brasil, inclusive grupos religiosos,
financiados por potências e empresas estrangeiras e representando seus interesses,
continuarão explorando questões que servirão de pretextos para a ingerência
internacional em temas relacionados à questão indígena e à ambiental, à exploração
20
de recursos, ao uso militar de áreas estratégicas e à projeção internacional do Brasil.
Daí ser necessário o Congresso Nacional estabelecer uma legislação que discipline
as ações de ANGs, enfrentando com espírito público e patriotismo as fortes
pressões contrárias, internacionais e de setores nacionais, que sempre têm
conseguido neutralizar iniciativas nesse sentido.

k. A demografia como fator de força ou debilidade nacional.

O aumento exponencial ou o decréscimo da população em determinados


países, fruto também das migrações em busca de oportunidades, vão impactar a
estabilidade dos não preparados para lidar com tais tendências. A evolução da
composição etária da população poderá ter significativa influência na parcela
economicamente ativa da sociedade, no peso da previdência social, em políticas
públicas como as de saúde e educação e na composição das forças armadas.

“Essas reconfigurações demográficas irão gerar oportunidades econômicas e sociais para


algumas potências e abalar severamente as estruturas consolidadas de outras” (Global
Trends 2025. Pg.25).

A migração para países mais desenvolvidos deverá aumentar, podendo ser


um fator positivo se os imigrantes forem assimilados social e culturalmente, o que
não acontece com determinados contingentes, particularmente na Europa Ocidental.
Alguns governos, alegando a manutenção da segurança social e o interesse
nacional, estabelecerão leis de restrição ou bloqueio ao acesso de imigrantes,
particularmente, os de origem considerada indesejável. Um mundo de grandes
fluxos migratórios, sem perspectiva de assimilação e melhoria de vida, poderia
colocar em risco a ordem interna tanto nos países desenvolvidos quanto nos em
desenvolvimento. No entanto, a imigração poderá reforçar a população
economicamente ativa e evitar o decréscimo da população do país receptor, como já
acontece nos EUA. O Brasil deverá receber um significativo fluxo de imigrantes,
mantidas as oportunidades que oferece atualmente, o que será benéfico se bem
administrado, diante da perspectiva de decréscimo populacional, ameaça prevista
para começar em três décadas.

21
l. Ciência, tecnologia e inovação farão o diferencial.

Ao ser consultado, o coronel Rogério Gomes da Costa, da reserva do


Exército e pesquisador do assunto, disse que se vive em uma sociedade tecnológica
onde será cada vez maior a dependência de máquinas que irão aumentar sua
inteligência sintética e se intercomunicar diretamente por meio de redes.
Considerou, ainda, que as mudanças tecnológicas serão profundas e rápidas,
particularmente em áreas como: biotecnologia; energias renováveis;
biocombustíveis; tecnologia para o armazenamento de energia; robótica;
nanotecnologia; exploração militar do espaço; e nova geração da Internet nas
máquinas e objetos.

Segundo o Conselho Nacional de Inteligência dos EUA, conforme consta no


Global Trends 2025 (p.16):

“Espera-se que China e Índia, conjuntamente, em 10 anos estejam próximas à paridade


com os EUA em duas áreas: científica e de capital humano (Índia), e receptividade
governamental à inovação nos negócios (China). (---) não eliminarão a distância em todos
os outros fatores. A expectativa é de que os Estados Unidos continuem a dominar em 3
áreas: proteção aos direitos da propriedade intelectual, sofisticação dos negócios para
desenvolver sistemas de inovação, e incentivo à criatividade”.

Assim, sabendo-se que a Rússia já é um ator de ponta no setor em


comento, fica bem claro o desnível entre o Brasil e aqueles três membros dos
BRICS. Este ponto fraco, associado ao fato de ser um país militarmente débil e sem
indústrias nacionais autônomas, explica por que o Brasil será um ator secundário no
cenário global nas discussões em temas de peso, à exceção dos restritos aos
campos econômico e ambiental. O hiato é tão amplo que, nas próximas três
décadas, não será efetivamente reduzido, pois seria necessária a já mencionada
ruptura de tendências, priorizando a defesa, o desenvolvimento de uma indústria
genuinamente nacional e o investimento em ciência, tecnologia e inovação num
nível sem precedentes e superior ao aplicado em outros setores. Isso não deverá
acontecer. O Brasil corre sério risco de sofrer perdas em patrimônio, soberania,
respeito internacional, liderança regional e autoestima, em face dos desafios que

22
enfrentará por ter negligenciado ciência, tecnologia e inovação, industrialização
nacional e defesa por tanto tempo.

m. A dimensão militar em novos contextos estratégicos.

O documento “Defesa 2035 – Cenários Prospectivos” (p.43), do Ministério da


Defesa, lista eventos futuros afetos à expressão militar, destacados no quadro 3.

QUADRO 3 - Eventos futuros na dimensão militar.

- Centros de gravidade (CG) continuarão sendo os alvos na guerra convencional, reunindo esforços nas
dimensões política, social, científico-tecnológica, econômica e militar.
- Ampliação de alianças militares para incrementar capacidades tecnológicas.
- Possibilidade de armamentismo em regiões instáveis e proliferação de mísseis balísticos e ADM.
- Incremento da utilização de drones e da robótica em atividades militares.
- Conflitos serão mais tecnológicos (domínios espacial, aéreo, marítimo, informacional e cibernético).
- Incremento de conflitos assimétricos (conflitos inicialmente convencionais passarão a assimétricos).
- Forças terrestres atuando mais em áreas urbanas.
- Agilidade e precisão das atividades de inteligência.
- Importância da coordenação civil-militar.
- Desenvolvimento de sistemas de defesa antiacesso por não potências.

Alguns já foram tratados anteriormente e outros convêm comentar, sendo


que todos devem ser considerados nas estratégias de defesa e projeção de poder.

Em um conflito deve ser identificado um centro de gravidade ao qual será


dirigido o esforço estratégico para dobrar o oponente. Nem sempre o alvo será o
centro de gravidade nuclear, que sustenta todo o sistema do adversário, para causar
sua ruína total. A sabedoria aconselha a limitar os objetivos, de modo a criar o
ambiente propício a uma paz duradoura, com o mínimo de sequelas a alimentar
recidivas indesejáveis. Assim, existirá um centro de gravidade periférico, diretamente
envolvido no contencioso, cuja neutralização ou, às vezes, apenas a ameaça de
concretizá-la permite estabelecer condições vantajosas para encerrar a questão,
sem causar a ruína do oponente, cabendo ao estrategista identificá-lo.

Historicamente, países com vulnerabilidades decisivas acabam buscando


alianças com potências que os protejam contra ameaças superiores, mas tais
amparos têm, normalmente, um preço elevado. Alianças militares às vezes são
inevitáveis, porém, o máximo de autonomia significa maior liberdade de ação.

23
As FA devem estar em condições de fazer a guerra convencional e não só
combater como também realizar a guerra assimétrica. Esta última tem sido
negligenciada em nossos estudos e planejamentos, pois muitos ainda não
perceberam que ela não se restringe a uma simples guerrilha. Os ensinamentos
podem ser buscados, também, em movimentos libertadores como o de Gandhi na
Índia, em movimentos sociais, em vários episódios históricos e atuais, como a
“Primavera Árabe”, e em outros eventos. Muitos conflitos assimétricos nas últimas
décadas têm terminado com a vitória do mais fraco, se não militar, ao menos
política, embora a um custo bastante elevado. Por isso, não deve ser o modelo
prioritário de guerra.

Os conflitos continuarão envolvendo crescentemente a população civil no


espaço das operações militares, inclusive nos combates, particularmente em áreas
urbanas, onde hoje predominam as ações bélicas. As considerações de cunho civil
(Assuntos Civis) impactarão os planejamentos estratégicos e operacionais em
termos de proteção, logística, governo, direitos humanos, segurança e outros temas,
exigindo a capacitação de pessoal e de forças para a ação e a coordenação civil-
militar (CIMIC) com agências públicas e privadas locais e internacionais.

O Global Trends 2025 aponta como tendências nas guerras futuras:

“(---) a Importância Crescente da Informação [tecnologia de informação]; a Evolução das


Habilidades de Guerra Assimétrica (ou Irregular); a Proeminência dos Aspectos Não-
Militares dos Assuntos de Guerra (cibernético, o econômico, os recursos, o psicológico e as
formas de conflito baseadas na informação [o domínio da mídia]); e a Expansão e a
Escalada dos Conflitos para Além dos Campos de Batalha Tradicionais”.

Percebe-se que os EUA não destacam a guerra convencional tradicional


como uma tendência para o futuro, pois acreditam que se envolverão em conflitos
assimétricos sem o choque direto com potências rivais. No entanto, sua prioridade é
manter a supremacia militar sobre aquelas potências, o que implica a preparação
para dissuadi-las ou vencê-las em um conflito convencional. Países como o Brasil,
China e Índia não podem desprezar este tipo de guerra, pois têm ameaças distintas
das visualizadas pelos EUA. Daí o Brasil dever contextualizar as visões estrangeiras

24
aos próprios desafios, entre os quais a possibilidade de sofrer bloqueios ou invasões
de áreas do território, ainda que limitadas e temporárias, como se verá adiante.

O País terá que desenvolver um sistema de defesa antiacesso, composto


pelo Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN); por um sistema de vigilância
conjunto (interforças), com satélite brasileiro; defesa antiaérea; mísseis de longo
alcance com plataformas terrestres, navais e aéreas tripuladas e não tripuladas, tudo
integrado para engajar uma esquadra ou força terrestre inimiga enquanto ainda
estiverem bem longe do litoral ou da fronteira oeste; e, ainda, forças conjuntas para
engajamento contínuo após o acesso aos limites nacionais. A capacidade defensiva
desse sistema, na falta de armas nucleares e outras ADM, restringiria a liberdade de
ação de atores mais poderosos, com elevado efeito dissuasório.

FIGURA 2 – Sistema de Defesa Antiacesso.


SISTEMA DE DEFESA ANTIACESSO
INTELIGÊNCIA (SISBIN) – VIGILÂNCIA (Satélite) – PLATAFORMAS MÓVEIS
DEFESA ANTIAÉREA – FORÇAS NAVAIS, AÉREAS e TERRESTRES.

AGRESSOR

SISTEMA
SISTEMA

SISTEMA MÓVEL SISTEMA

SISTEMA

Fonte: mapa - http://cicibas.org/brasil, com inscrições e adendos do autor.

4. POLÍTICA E ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA

Nesta parte do trabalho serão apreciadas e avaliadas algumas colocações


da PND e da END, não comentadas nos itens anteriores, e apresentadas sugestões
para aperfeiçoá-las, enquanto ainda estão em tramitação no Congresso Nacional.

25
a. Política Nacional de Defesa.

Na confecção da PND não houve, como recomendado em modernos


métodos de planejamento estratégico, o levantamento prévio de cenários
prospectivos para identificar ameaças e oportunidades, nem o diagnóstico da
situação da defesa nacional, em todos seus setores, a fim de identificar os pontos
fracos e fortes do sistema de defesa do Brasil. Da mesma forma, nos diversos itens
da PND, não foram descritas, analisadas ou apreciadas com a necessária
profundidade a situação nacional, a internacional e as tendências globais, de modo a
se concluir sobre os reflexos para a defesa brasileira. A ausência dos cenários
prospectivos, do diagnóstico e de uma ampla apreciação das tendências globais
resultou em omissões no levantamento das indicações que serviram de base à
elaboração de objetivos nacionais de defesa e orientações na PND.

No item nº 2 - O ESTADO, A SEGURANÇA E A DEFESA - deveria ter sido


colocada a definição de Projeção de Poder, deixando claro que ela é realizada em
apoio à política exterior do País e de acordo com preceitos constitucionais.

O texto, nos itens nº 3 - AMBIENTE INTERNACIONAL, nº 4 - AMBIENTE


REGIONAL E ENTORNO ESTRATÉGICO e nº 5 - O BRASIL, foi superficial, como
se conclui da apreciação dos estudos sobre tendências globais para as duas
décadas vindouras, um deles a compilação feita pelo próprio Ministério da Defesa
(“Defesa 2035 – Cenários Prospectivos”). Perdeu-se excelente oportunidade para
cumprir um dos propósitos fundamentais tanto da PND quanto da END de
conscientizar a Nação sobre a importância da defesa nacional. Formadores de
opinião, estudantes e interessados na questão não se convencerão da necessidade
de FA potentes sem uma argumentação densa, que justifique sua colocação como
um dos interesses vitais do País. Nos quadros 4 e 5 vão considerações sobre os
itens nº 4 e 5 da PND.

26
QUADRO 4 - Ambiente regional e entorno estratégico.
- Nº 4.1: no entorno estratégico, deveriam ser incluídos os países de língua portuguesa como de interesse
para os laços de cooperação.
- Nº 4.3: deveria ser incluída a cooperação militar e a formação de uma comunidade regional de segurança
entre os fatores que contribuem para reduzir a possibilidade de conflitos.
- Nº 4.4: deveria ser inserido que a promoção da expansão ideológica na região e a leniência com o crime
transnacional prejudicam a confiança mútua, cooperação, segurança, estabilidade e integração regional.

QUADRO 5 - O Brasil.
- Nº 5.1: a profundidade estratégica deveria ser destacada também como fator de segurança, conferindo a
possibilidade de sobreviver e reverter situações adversas em conflitos armados, pois é praticamente
impossível a ocupação militar de grandes áreas do território nacional por tempo prolongado.
- Nº 5.2: o litoral deve ser considerado uma das macrorregiões, ao se tratar de defesa nacional, pois exige
um planejamento abrangente englobando simultaneamente as Regiões Norte, NE, SE e Sul.
- Nº 5.4: destacar a importância da Amazônia brasileira também sob o ponto de vista político-militar, como
será esclarecido adiante.
- Nº 5.5: lembrar que o Brasil está também no Atlântico Norte, haja vista o Amapá e o nosso entorno
estratégico, Colômbia, Venezuela e as guianas. Portanto, é área de interesse direto da OTAN.
- Nº 5.6: incluir o conceito de sistema de defesa antiacesso.

No inciso X do item nº 6 - OBJETIVOS NACIONAIS DE DEFESA - consta


que as FA devem ser estruturadas “em torno de capacidades”, mas não se define
em face de que desafios, ficando o objetivo inconsistente. Deveria estar bem claro
ser em torno de capacidades, mas acrescentando: “que contribuam para dissuadir
as ameaças de potências globais e extrarregionais aos interesses da Nação, sejam
elas manifestas ou potenciais, neste caso, visualizadas com antecedência".

Deve ser acrescentado no item nº 7 – ORIENTAÇÕES –, ao que foi redigido


no 7.6, o trecho grifado a seguir: “Para contrapor-se às ameaças à Amazônia, é
imprescindível executar uma série de ações estratégicas voltadas para ‘a
identificação e neutralização das pressões e atores que comprometam a soberania
nacional’, o fortalecimento da presença militar, a efetiva ação do Estado no
desenvolvimento sustentável (social, econômico e ambiental), e a ampliação da
cooperação com os países vizinhos, visando à defesa das riquezas naturais”. Dessa
forma, ao estabelecer um foco, ficaria mais fácil ter objetividade na formulação das
estratégias de desenvolvimento, preparo e emprego do poder militar.

27
b. Estratégia Nacional de Defesa.

A END, no item onde trata de Estratégia Nacional de Defesa e Estratégia


Nacional de Desenvolvimento (nº 3, segundo parágrafo, Pg. 2), expressa que:

“Disposição para mudar é o que a Nação está a exigir agora de si mesma, de sua
liderança, de seus marinheiros, soldados e aviadores. Não se trata apenas de financiar e de
equipar as Forças Armadas. Trata-se de transformá-las para melhor defenderem o Brasil”.

No entanto, não foi estabelecido um projeto conjunto de transformação e sim


projetos estratégicos de reequipamento e articulação feitos pelas Forças
isoladamente, quando deveriam ser partes de um único Projeto de Força. Não
haverá a transformação preconizada na END, por que isso exigiria uma mudança de
mentalidade da liderança nacional e da sociedade, de modo a compreender o “jogo
do poder” mundial, os riscos para o País e, assim, a necessidade de FA potentes.
Esta, porém, não é a tendência evidenciada pela Nação. A liderança nacional e os
planejadores estratégicos não identificaram ou não deram a devida importância às
evidentes ameaças potenciais, inerentes aos possíveis conflitos no futuro, e às
vulnerabilidades do Brasil para se defender ou se projetar em face de potências
rivais. Na realidade, está em execução uma lenta modernização, incapaz de colocar
o Brasil num nível adequado de dissuasão com relação às potências do Eixo nas
próximas duas décadas.

No mesmo item [nº 4 (c), Pg.2] a END ressalta a necessidade de ampliar a


participação popular nos processos decisórios da vida política. O incentivo em levar
o tema defesa nacional aos meios acadêmicos e empresariais e à mídia é
importante, assim como o seria a criação de ONGs nacionais voltadas para essa
área. Por outro lado, os representantes da Nação estão no Congresso Nacional
onde existe, em cada Casa, uma Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional. É lamentável, mas essas Comissões dão ênfase quase exclusiva às
relações exteriores e pouca atenção à defesa. Hoje, estão em tramitação no
Congresso os projetos de atualização da PND e da END elaborados no âmbito do
Ministério da Defesa, ouvidas as FA. Os produtos finais são fruto de trabalho
conjunto interforças e com o Ministério da Defesa, mas houve pouca participação de

28
estudiosos civis e de militares da reserva. Além disso, os textos finais, em função
das estruturas hierarquizadas, refletem a ideia do decisor em cada escalão, que
pode não ser a melhor. É aí que entrariam as duas Comissões. Ao apreciar os
projetos em pauta, elas deveriam ouvir civis estudiosos e militares da reserva, em
audiências públicas e, em audiências reservadas, altos chefes militares, que teriam
o compromisso de emitir sua própria opinião. Afinal, é desperdício não conhecer o
pensamento pessoal de profissionais em quem a Nação investiu mais de trinta anos
em preparação contínua. Assunto de tamanha relevância não deve ficar subordinado
a interpretações retrógradas do que sejam hierarquia e disciplina intelectual. Tal
procedimento deveria ser comum a qualquer projeto de defesa cuja tramitação fosse
da alçada do Congresso, pois ali está, em última instância, a própria Nação. De
posse do contraditório, as Comissões enviariam os questionamentos,
reconhecidamente relevantes, ao ministro da defesa, solicitando resposta por escrito
ou sua presença para defender a posição do Ministério em audiência reservada, se
necessário o sigilo.

As Diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa, algumas já apresentavam


lacunas na primeira versão, não foram atualizadas de modo a terem maior
consistência. Neste ponto do trabalho, de acordo com a numeração de cada Diretriz
(Dtz), são feitas considerações sobre o que consta no texto da END, transcrito entre
aspas e, a seguir, formuladas sugestões para melhorar o texto, também escritas
entre aspas.

Dtz 1. “Para dissuadir, é preciso estar preparado para combater”. A redação


não permite um entendimento comum do que se pretende com a dissuasão no nível
estratégico militar, dificultando a obtenção de um foco para orientar as estratégias de
equipamento e articulação e eventuais Projetos de Força. Melhor seria: “Para
dissuadir, é preciso ter e demonstrar possuir capacidades de iniciativa, defesa e
revide, que causem danos significativos ou superiores aos que um oponente,
previamente levantado pela inteligência estratégica, possa impor ao País”.

Dtz 2. “Organizar as Forças Armadas sob a égide do trinômio


monitoramento/controle, mobilidade e presença”. Faltou a “letalidade”, que é a

29
capacidade de causar danos irremediáveis em curto prazo, neutralizando ameaças
seja pela antecipação seja pelo revide a uma agressão em comprovado andamento.
Requer forças com poder de choque e de fogo, bem como prontidão para resposta
imediata por meio de ações ofensivas de profundidade e duração compatíveis com o
poder oponente e capacidade de permanecer na ação. A efetiva letalidade reporta-
se às partes da END que tratam da indústria nacional de defesa, ciência, tecnologia
e inovação e mobilização nacional. Existe um desconforto quanto ao uso de
determinados conceitos, subordinando defesa nacional a um nefasto discurso
politicamente correto. O poder de uma diretriz pode ser verificado pelo que está
sendo implantado ao terem constado na END anterior as diretrizes referentes a
monitoramento/controle e mobilidade. Entraram em execução os projetos dos
sistemas de vigilância, da “nova família de blindados” e o da aeronave de transporte
KC-390. Se constasse “letalidade”, o setor de defesa despertaria para o projeto de
defesa antiacesso, necessariamente conjunto, até hoje nem mesmo pensado.

Dtz 8. Na END consta: “As principais unidades do Exército estacionam no


Sudeste e no Sul do Brasil. --- As preocupações mais agudas de defesa estão,
porém, no Norte, no Oeste e no Atlântico Sul”. Ora, é preciso distinguir ameaças de
problemas, a fim de não supervalorizar os últimos. O Norte é uma imensa região,
mas as áreas mais sensíveis para a defesa nacional estão em Roraima e na foz do
Rio Amazonas. Não há justificativa para o Oeste ser preocupação “mais aguda de
defesa”. Qual a ameaça? Crimes transnacionais não comprometem a soberania e a
integridade territorial, pois são apenas problemas para as FA. É um equívoco
considerar necessário um grande efetivo na Amazônia, pois na selva, como é
doutrinário e histórico, o combate se faz com efetivos reduzidos seja pelos poucos
objetivos estratégicos, seja pelas exigências logísticas. Nos maiores núcleos
urbanos da Amazônia, onde se concentrará grande parte de uma campanha, não se
deve empregar brigadas de selva e sim mecanizadas, leves e a paraquedista, pois
elas são adestradas para o combate urbano, têm mobilidade estratégica e, as duas
últimas, previsão de emprego em qualquer parte do País. Por outro lado, antes de
aumentar o número de brigadas na Amazônia, há que se completar as já existentes.
Descontadas as leves e a paraquedista, no Sudeste restam uma brigada motorizada
no Rio de Janeiro, uma de montanha em Minas Gerais e a de aviação em São
30
Paulo. No Sul, restam três brigadas mecanizadas e uma blindada, não aptas ao
combate em selva, além de uma motorizada no Rio Grande do Sul; uma brigada
mecanizada e uma blindada no Paraná, também inaptas para a selva; e uma
motorizada em Santa Catarina.

Deveriam ser transferidos para Rio Branco (AC) e Belém (PA) os comandos
de uma das brigadas mecanizadas do Rio Grande do Sul e o de uma das brigadas
motorizadas do Nordeste. Não se pode enfraquecer significativamente o Sul, o
Centro e o Sudeste, onde está o núcleo de poder do País. Além disso, o litoral do
Brasil é muito mais exposto a uma potência extrarregional, o que torna incoerente
considerar o Oeste prioritário ou com o mesmo nível do Atlântico Sul, quando se
pretende desenvolver a dissuasão extrarregional.

Dtz 16. A diretriz preconiza: “Convém organizar as Forças Armadas em torno


de capacidades, não em torno de inimigos específicos. O Brasil não tem inimigos no
presente”. Aqui entram as considerações sobre a identificação de ameaças
potenciais, sem o que não há como ter objetividade na determinação de
capacidades, pois não basta dizer quais seriam essas capacidades, mas também a
sua robustez. O Brasil realmente não tem inimigos e sim competidores e parceiros.
O parceiro de hoje pode ser um competidor no futuro e vice-versa. Se um interesse
em conflito for vital, o competidor pode se transformar numa ameaça. Aos
formuladores da END caberia identificar as disputas futuras previsíveis, o valor
relativo dos interesses envolvidos, os riscos de escalada, o poder dos eventuais
competidores e suas alianças, e as vulnerabilidades do Brasil em face de tais
oponentes. Se fosse feito assim, certamente seriam identificadas as ameaças
potenciais e, em função dos atores oponentes, poder-se-ia determinar a robustez
das capacidades a desenvolver, que devem ser as seguintes:

- Antecipação: resultado de inteligência estratégica que identifique as possibilidades


de conflito, as ameaças reais ou potenciais, e, também, seu poder, disposição para
escalar o conflito e prováveis áreas de aplicação de forças.

31
- Localização: fornecida pelo sistema de monitoramento e vigilância, que deve ser
integrado e não singular como está ocorrendo, cuja missão é alertar da aproximação
e localizar a concentração e o desdobramento de forças inimigas.
- Proteção: resultado do sistema de defesa antiacesso.
- Mobilidade: estratégica e tática.
- Letalidade: poder de fogo com precisão e poder de choque.
- Adaptabilidade: para atuar em diferentes ambientes de conflitos.
- Elasticidade: fruto da mobilização de efetivo e material.
- Sustentabilidade: fruto de logística que assegure a permanência na ação.

Dtz 21. “As Forças Armadas deverão, também, estar habilitadas a aumentar
rapidamente os meios humanos e materiais disponíveis para a defesa. Exprime-se o
imperativo de elasticidade em capacidade de mobilização nacional e militar”. É
fundamental a capacidade de mobilização nacional de emergência nos conflitos
futuros, devendo ser avaliado se ela seria parte da fase de preparo ou da fase de
emprego. A rapidez é fator decisivo, pois a etapa de guerra convencional dos
conflitos armados será decidida em curto lapso, não havendo tempo para a
mobilização de grande vulto. No planejamento da mobilização, deverá ser
estabelecido um momento inicial de emergência, cuja finalidade será atender com
rapidez as necessidades de 13 brigadas operacionais (ver p. 44, § 2), que deveriam
ser mínimas; e, em seguida, as das reservas regionais do teatro de operações.
Posteriormente, seriam atendidas as demandas das reservas gerais, se fosse
decretada a mobilização nacional completa, no prosseguimento do conflito. A
mobilização de emergência requer uma indústria nacional de defesa desenvolvida,
além de outras capacidades inerentes às infraestruturas estratégicas existentes no
Brasil, como transportes, abastecimento, energia e outras.

Dtz 22. “Capacitar a Base Industrial de Defesa para que conquiste


autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa”. Deve ser encarado como
ameaça o fato das gigantes estrangeiras do ramo estarem adquirindo as indústrias
nacionais de produtos de defesa remanescentes, pois isso implica a continuação da
dependência, derrubando qualquer projeto de autonomia. Além disso, potências

32
rivais estão projetando a cooperação militar em nosso entorno, ocupando espaços
que poderiam ser objeto de nossa estratégia de cooperação.

Na parte da END referente aos Objetivos Estratégicos das Forças


Armadas, não consta como um dos objetivos da Marinha impedir a projeção de
poder de um agressor sobre o território nacional, vindo do oceano. Quanto aos
objetivos do Exército, não está explicado o que se quis dizer com: “A concepção do
Exército como vanguarda tem, como expressão prática principal, a sua reconstrução
em módulo brigada”. Vanguarda de que? “Reconstrução em módulo brigada”?
Brigadas já são as grandes unidades básicas há décadas. Uma determinação
impraticável é a de que “todas as brigadas do Exército devem conter (---) Recursos
humanos com elevada motivação e efetiva capacitação operacional, típicas da
Brigada de Operações Especiais”. Deveria ter sido: “todas as brigadas devem
desenvolver, durante a preparação específica para determinada missão, a
capacidade para realizar operações não convencionais necessárias ao tipo de
ambiente em que vão atuar”. Finalmente, também é impraticável querer “A
transformação de todo o Exército em vanguarda”. Nunca haverá o preconizado
“aparelhamento baseado no completamento e na modernização dos sistemas
operacionais das brigadas, para dotá-las de capacidade de rapidamente fazerem-se
presentes”, pois jamais haverá recursos para tanto, com relação às 27 brigadas
existentes, bem como não é necessário que este total esteja sempre aprestado para
o Exército cumprir suas missões. Bastaria metade pronta e as demais organizadas
em núcleos de brigadas, com efetivo e material bem reduzido.

5. EXISTEM AMEÇAS POTENCIAIS AO BRASIL

Feitas as considerações sobre o Eixo do Poder, sua forma de atuação na


defesa de interesses importantes ou vitais e sobre as tendências globais, discutidas
em documentos nacionais e estrangeiros, contextualizados para o Brasil, podem ser
identificadas potenciais ameaças ao País, o que deveria ter sido feito na END.

Inicialmente, convém apresentar as definições de segurança, defesa


nacional e projeção de poder. As duas primeiras, como constam no projeto de
atualização da PND, em tramitação no Congresso Nacional:
33
“Segurança é a condição que permite ao País preservar sua soberania e integridade
territorial, promover seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças, e garantir aos
cidadãos o exercício de seus direitos e deveres constitucionais”; e “Defesa Nacional é o
conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do
território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente
externas, potenciais ou manifestas”.

Para o Brasil, a Projeção de Poder poderia ser definida como a aplicação do


poder nacional no exterior, de forma branda, dura ou inteligente, para atrair,
persuadir, coagir ou derrotar militarmente um oponente, de modo a garantir a
consecução de interesses nacionais, em apoio à política exterior e de acordo com a
Constituição Federal.

Foi grifada a expressão “interesses nacionais” para sublinhar que a projeção


de poder atende, por extensão, à defesa e à segurança nacional. O mesmo foi feito
em “potenciais”, na transcrição do conceito de defesa nacional, para destacar que na
END deveriam estar visualizadas as ameaças ainda não manifestas, pois elas
existem. Falha inexplicável, por se esperar de estrategistas militares a percepção de
ameaças com antecedência, pois só assim será possível ao país se preparar para
dissuadi-las antes que se tornem manifestas. Se um país esperar ver para crer será
tarde demais, uma vez que defesa não se improvisa.

É importante, como visto anteriormente, estabelecer a diferença entre


ameaça e problema, no campo da defesa nacional, para não se supervalorizar
desafios menores para as FA ou se considerar de sua responsabilidade direta
assuntos da alçada de outras instâncias estatais. Problemas afetam a segurança e a
defesa, mas o país tem recursos próprios e capacidades para dissuadi-los,
neutralizá-los ou mitigá-los. Podem ser citados, como exemplos de possíveis
problemas para as FA nacionais, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(FARC), o crime transnacional e o terrorismo. No entanto, um problema não atacado
com oportunidade poderá se transformar em ameaça. Ameaças afetam a segurança
e a defesa, mas o país não tem ou tem dúvidas sobre seus recursos e capacidades
para dissuadi-las, neutralizá-las ou mitigá-las. A cobiça de uma potência do Eixo por
recursos de um país vulnerável é uma ameaça.

34
Outro conceito que merece ser apreciado é o de “novas ameaças”. Desde a
queda da União Soviética, o conceito foi se firmando e acabou sendo indevidamente
adotado por países não desenvolvidos ou emergentes. O discurso era válido para a
aliança ocidental, que deixava de ter a ameaça soviética ao território de seus países
e precisava de desafios (pretextos na realidade) para justificar sua projeção
internacional. Foram identificadas como “novas ameaças” as questões ambientais,
problemas sociais, crime transnacional, terrorismo, violações aos direitos humanos e
aos de minorias e proliferação de ADM, entre outras. Todas estão diretamente
situadas no campo da segurança e apenas indiretamente no da defesa, portanto,
são de responsabilidade, inicialmente, de outras instâncias do Estado e não das FA.
Colocar “novas ameaças” como encargo das FA é desviá-las da defesa da Pátria,
missão prioritária e identificadora dessas instituições. Se as instâncias encarregadas
não estão sendo efetivas, cabe aperfeiçoá-las e não substituí-las, pois FA não são
agências multitarefas. As potências têm respaldado sua ingerência internacional
nessas questões, como forma de camuflar interesses outros que não podem
declarar. Deve ser lembrada a campanha dos EUA, no início dos anos 1990, no
sentido de as FA sul-americanas se voltarem a essas questões, delegando àquela
potência a defesa do continente.

As “novas ameaças” têm a ver com a Amazônia brasileira, importante não só


pelos cobiçados recursos naturais, mas também por sua posição geoestratégica. A
bacia amazônica pode ser interligada às bacias do Orenoco e do Prata, gerando
uma hidrovia interior protegida desde a foz do Rio da Prata até a do Rio Amazonas.
A Amazônia brasileira é o elo de sete países da América do Sul, portanto o
amálgama da integração sul-americana, objetivo constitucional brasileiro (Art. 4º,
parágrafo único, da Constituição Federal). Se o País não tiver soberania plena sobre
a região, a integração não vai ocorrer, pois não é interesse das potências do Eixo
um bloco regional sob a liderança do Brasil nem, tampouco, ter um novo rival entre
seus membros. A defesa nacional deveria estar atenta ao fato de a OTAN ter
estreita ligação com a Amazônia, que é banhada pelo Atlântico Norte e tem a França
como um dos países condôminos. Da mesma forma, o Suriname e a Guiana têm
fortes laços com potências europeias da OTAN, cujo conceito estratégico, a partir de

35
2010, já não se atém ao Art. 6° do Tratado de Washington, que limitava sua atuação
global.

A ameaça à soberania na Amazônia brasileira é real por que, sendo uma


região rica em recursos e com posição geoestratégica importante, sempre despertou
a cobiça, diversas vezes manifestada, das potências do Eixo e países aliados e,
principalmente, por que o Brasil tem graves vulnerabilidades para defendê-la. As
vulnerabilidades são o vazio de poder em grande parte da região, o vazio
populacional, o baixo desenvolvimento e a má integração ao País. Em suma, a
ausência do Estado. A região é, por isso, motivo de exploração na mídia mundial
quando trata dos temas da agenda internacional, entre os quais os “espaços
comuns” e as “novas ameaças”, neste caso, principalmente as questões ambiental e
indígena. Para agravar o risco, o Brasil, um indigente militar, não tem a menor
condição de dissuadir potências do Eixo em caso de conflito armado, por melhores
que sejam os nossos combatentes de selva.

A figura 3 permite visualizar a “marcha da insensatez”, parafraseando


Barbara Tuchman, como se deve denominar o irresponsável processo de
demarcação de terras indígenas (TI) na Faixa de Fronteiras. Até 1991, não havia
nenhuma na faixa, quando foi demarcada a Reserva Ianomâmi. Naquela
oportunidade, militares que manifestaram desacordo com a medida foram chamados
de alarmistas. Hoje, pode-se ver que tinham razão, pois não são apenas as TI, em
si, que configuram uma ameaça. O Brasil votou a favor da Declaração dos Direitos
dos Povos Indígenas (ONU/2007), concordando que, em suas terras, os índios:
constituam autogoverno e determinem livremente a sua condição política
(autodeterminação); possuam instituições políticas e sistemas jurídicos próprios;
pertençam a uma “nação indígena”; vetem atividades militares; e recusem medidas
legislativas ou administrativas do governo Federal (extrato dos artigos 3, 4, 5, 9, 19,
30, 32 e 34 da Declaração). O Art. 42 prevê a intervenção internacional para obrigar
o cumprimento dos artigos da Declaração, tornando inócuo o Art. 46, que assegura
apenas a integridade e unidade política dos Estados, mas não a soberania nacional
nas TI. Ora, povo, território, nação e instituições políticas praticamente configuram
um estado-nação. Para agravar a ameaça, o Programa Nacional de Direitos

36
Humanos – 3ª edição – preconiza tornar constitucionais os instrumentos
internacionais de direitos humanos ainda não ratificados pelo Congresso Nacional
(p.27). Caso isso aconteça, tornar-se-ão letras mortas as 18 ressalvas constantes na
decisão do Supremo Tribunal Federal referente à demarcação da TI Raposa Serra
do Sol, que resguardam, ao menos parcialmente, as necessidades da defesa
nacional em todas TI do País. Por outro lado, os indígenas podem cobrar do governo
brasileiro o cumprimento da Declaração desde já. Não sendo atendidos, caso se
revoltem e haja repressão pelo governo, podem solicitar a intervenção das Nações
Unidas com base na Responsabilidade de Proteger, Resolução da ONU de 2005.
Seriam centenas de TI, em todo o Brasil, com autonomia maior que a dos estados
da Federação.

FIGURA 3 - Terras Indígenas na Faixa de Fronteiras.


“A MARCHA DA INSENSATEZ”
FAIXA de FRONTEIRA - 1991

TERRAS INDÍGENAS
2012
PRESSÕES
POLÍTICAS
ECONÔMICAS
PSICOSSOCIAIS
INFLUÊNCIA DE ONGs
ABDICAÇÃO VOLUNTÁRIA
NENHUMA
DE SOBERANIA AMEAÇA
MILITAR
Fonte: http://revolucaoinstitucional.blogspot.com.br/2012/07/revolucao-institucional-sociedade.html.
Inscrições e adendos a cargo do autor.

Os EUA mudaram seu voto e já aceitam a Declaração. Ao contrário do que


parece, a mudança de posição daquela potência deixa o Brasil ainda mais
vulnerável. Agora ela pode cobrar o cumprimento dos artigos da Declaração. Aqui,
diferente dos EUA, os índios não estão integrados, são segregados, estão sujeitos a
ONGs internacionais que os convencem a buscar a autonomia e são reconhecidos
pela comunidade internacional como povos e nações não brasileiras, com direito a
independência. Acresça-se que ONGs não têm o menor poder sobre os índios norte-

37
americanos e nem desejam criar áreas de atrito com os EUA e seus aliados, de
quem recebem recursos e apoio, uma vez que a limitação de soberania das nações
amazônicas é interesse do Eixo do Poder. Além disso, os EUA não têm, em seu
território, uma Amazônia onde a soberania seja contestada internacionalmente, por
não estar ocupada, desenvolvida e integrada.

Para um país emergente como o Brasil, as verdadeiras “novas ameaças”


são a projeção e a ingerência de potências globais, ampliadas com a queda da
União Soviética, sob os véus da globalização e dos princípios do Consenso de
Washington. Entre essas “novas ameaças” destacam-se: a acentuada
desnacionalização do parque industrial; a desindustrialização; a imposição de limites
à soberana exploração de recursos estratégicos; as restrições ao desenvolvimento
científico-tecnológico autônomo; a volatilidade do fluxo de capitais; a perda de
controle sobre as infraestruturas estratégicas; e a dificuldade para reduzir a pobreza,
não só pelas políticas equivocadas e injustiça social, mas também pela cobiça
internacional, globalização assimétrica e a própria vocação para fornecedor de
produtos primários. Porém, a responsabilidade por este quadro é tanto ou mais do
País e de sua liderança patrimonialista do que das potências globais.

A outra área de igual importância é o Atlântico Sul, que abarca parte da


região amazônica. No oceano, está a Zona Econômica Exclusiva, área rica em
minérios, e passam cerca de 90% do comércio exterior. No litoral, se encontram
centros econômicos fundamentais e áreas de grande importância para a defesa do
território e dos espaços aéreo e naval. Através do Atlântico se dá a projeção do
Brasil na África e qualquer atrito envolvendo potências no oceano terá reflexos para
a defesa do Brasil tornando difícil manter a neutralidade, mesmo se o País assim o
desejar como aconteceu na II Guerra Mundial. Da observação atenta dos mapas do
Brasil e da América do Sul, conclui-se que as áreas mais expostas do País estão no
litoral ou são muito ligadas a ele. As FA não desenvolvem um sistema de defesa
antiacesso que seja capaz de dissuadir ou impedir agressões ao litoral e ao território
nacionais, estando os seus sistemas de vigilância e operacional obsoletos,
inoperantes ou incompletos. Eis uma grave vulnerabilidade para defender um

38
espaço rico, vital para o País e para potências rivais necessitadas de recursos ou
dependentes de bases em terra no caso de conflito no Atlântico Sul.

As ameaças potenciais ao Brasil são em primeiro lugar os EUA e seus


aliados da OTAN, seguidos, sucessivamente, pela China, Rússia, Índia e Japão.
Todos têm necessidade de nossos recursos, alguns têm poder para explorar as
vulnerabilidades do Brasil; o País não tem poder para dissuadi-los; todos têm poder
para limitar nossa projeção global; podem fazer coalizões como fizeram contra a
China no século XIX; e podem ter respaldo de organismos internacionais. Quanto
aos vizinhos e ao entorno, o Brasil tem dissuasão natural, mais pela fraqueza militar
dos demais do que pelo próprio poderio bélico. A estratégia militar brasileira, em
relação ao primeiro grupo, é a da dissuasão e, quanto ao segundo, a da cooperação.
Porém, não se descartam possíveis alianças entre nossos vizinhos e potências do
Eixo, considerando os recursos daquelas para atrair parcerias no entorno estratégico
brasileiro, o que pode comprometer a coesão do MERCOSUL e da UNASUL.

6. ÁREAS SENSÍVEIS DE DEFESA E ALVOS PROVÁVEIS DE AMEAÇAS


Na figura 4, estão as áreas brasileiras prioritárias e secundárias para a
defesa nacional, classificadas sob ponto de vista da exposição a ameaças.
FIGURA 4 - Áreas críticas para a defesa da Pátria.
ÁREAS PRIORITÁRIAS SECUNDÁRIAS
DEFESA DA PÁTRIA
GUIANAS = “OTAN”

RR FOZ
AMZ

NE

HE

OBJETIVO NA AMAZÔNIA?
ATAQUE À AMAZÔNIA?

Fonte: mapa - http://cicibas.org/brasil, com inscrições e adendos do autor.

39
Um questionamento é se um conflito contra uma potência, em função de
disputa por interesses na Amazônia, levaria necessariamente à ocupação
temporária de parte daquela região. Seria uma campanha com muitas baixas do
oponente, de longa duração e com resultados incertos após evoluir da fase
convencional para a assimétrica. Tal desgaste seria evitado, por exemplo, mediante
uma operação aeronaval para bloquear a bacia petrolífera de Campos (RJ),
racionando ou impedindo o fornecimento de petróleo e gás para o continente até que
o Brasil concordasse com imposições que satisfizessem os desígnios do oponente.
Daí a necessidade de um sistema de defesa antiacesso, cujos mísseis lançados,
também, de plataformas terrestres móveis tornariam difícil a permanência de uma
esquadra ocupando a bacia petrolífera.

E uma ação militar contra o território nacional na Amazônia? Viria pelo


Pacífico e atravessaria os Andes, dependendo do consentimento de vizinhos de
origem ibérica e exigindo um tremendo esforço logístico para chegar a áreas
periféricas, sujeitando-se a uma guerra de guerrilhas? Ou viria pelo Atlântico direto
sobre Roraima e a foz do Rio Amazonas, com provável apoio imposto ou consentido
das guianas (uma delas é a França e as outras são ex-colônias da Holanda e do
Reino Unido), ocupando uma região mais fácil de acessar e estratégica por permitir
isolar Manaus? Além disso, a IV Frota e o Comando Sul dos EUA estão na Flórida,
não na Califórnia, e a OTAN e UE ficam no Atlântico, não no Pacífico.

O Brasil deve colocar a defesa como tema a ser discutido na Organização


do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que reúne todos os condôminos da
Amazônia, exceto a França. O objetivo da Organização, constante no Portal da
OTCA na Internet, é “a promoção do desenvolvimento harmônico da Amazônia, e a
incorporação de seus territórios às respectivas economias nacionais”. Por outro lado,
a atração da Guiana e do Suriname por meio da cooperação nos diversos campos
do poder criaria vínculos com possibilidade, no futuro, de diminuir ou neutralizar a
influência de suas ex-metrópoles europeias. Na figura 5, são mostradas as ações
mais prováveis de um agressor contra o território nacional.

40
FIGURA 5 - Ações prováveis de uma ameaça.

DEFESA DA PÁTRIA: AÇÕES DA AMEAÇA

INVASÃO Bloqueio ou Ocupação


AMPLA É Temporária de Área
IMPROVÁVEL Estratégica

Ataque Cibernético
aos Sistemas Críticos

DANOS À INFRAESTRUTURA

“MOEDA DE TROCA”
SOBERANIA COMPARTILHADA

Fonte: mapa - http://cicibas.org/brasil, com inscrições e adendos do autor.

Hoje, uma invasão ampla do território nacional é muito improvável. Nem


mesmo as potências do Eixo teriam recursos para manter a ocupação prolongada de
um amplo espaço do território nacional. Os exemplos da Rússia e da China,
retirados da história, mostram que um país continental como o Brasil é
inconquistável, ao menos fisicamente. E se um governo brasileiro se rendesse, a
maioria da população apoiaria a guerra de resistência, certamente prolongada e
desgastante, mas que acabaria por forçar a saída do invasor. No entanto, o País
pode sofrer bloqueio, como já comentado, ou ocupação de áreas limitadas do
território, que seriam devolvidas se aceitasse imposições conformes com os
interesses do agressor.

Outra opção do oponente é ameaçar ou realizar ataques à infraestrutura


nacional, com vetores físicos ou meios cibernéticos. O propósito do agressor seria
usar estas ameaças, bloqueios ou ocupações como “moeda de troca” para impor
condições favoráveis aos seus interesses. Para dobrar a Sérvia na questão do
Kosovo, em 1999, a OTAN não invadiu a região. Optou por uma arrasadora
campanha aérea contra a infraestrutura sérvia até aquele país aceitar as imposições
da Aliança Atlântica. O Mandato da ONU (Resolução 1244/1999) que autorizou,
posteriormente, a missão de paz no Kosovo, garantia a integridade territorial da
Sérvia. A despeito dessa cláusula, cerca de dez anos depois, o Kosovo declarou
independência, reconhecida inclusive pelos membros da OTAN. O ensinamento a
41
ser extraído é que o direito é filho do poder, portanto, é vital ao Brasil se tornar uma
potência de primeira ordem e autônoma.

Cabe uma sintética conclusão parcial, evocando um dos mestres da arte da


guerra para respaldar as ideias levantadas até este ponto do trabalho:

“A arte da guerra nos ensina a confiar não na probabilidade de o


inimigo não vir, mas em nossa prontidão para enfrentá-lo; não na
eventualidade de ele não atacar, mas antes, no fato de tornarmos
nossa posição inexpugnável”. Sun Tzu.

7. O PODER NACIONAL DISSUASÓRIO NO CONTEXTO DAS AMEAÇAS

A presença de potências globais no entorno estratégico, com recursos e


propostas muitas vezes superiores às brasileiras, coloca em xeque a liderança
regional do País, bem como levanta dúvidas quanto ao apoio dos vizinhos e a
coesão da UNASUL e do MERCOSUL em torno de interesses nacionais nas
disputas previstas no futuro e anteriormente comentadas. O Brasil tem o propósito
de garantir uma inserção global pacífica, proativa e soberana, situação que implica
alcançar, no mínimo, o status de potência extrarregional, meta longe de ser lograda.

Os choques de interesses mais prováveis de traduzirem ameaças ao Brasil


se apresentarão sob duas formas. A primeira refere-se à defesa da soberania plena
e da integridade territorial contra a pressão de potências do Eixo seja para controlar
a exploração de recursos importantes ou vitais, seja para o uso político-militar de
áreas estratégicas nacionais. A segunda refere-se às prováveis reações à projeção
do Brasil em áreas de importância estratégica para a defesa de interesses nacionais.

A END preconiza o desenvolvimento da dissuasão extrarregional para o


Brasil garantir sua inserção global soberana. No entanto, ficou abstrata a proposta
de dissuasão, ao não serem estabelecidos com clareza e objetividade os efeitos que
a tornariam concreta. Ou seja, a END não disse o que entende como dissuasão
extrarregional, deixando livre a interpretação e, assim, dificultando a convergência
de esforços. Ao considerar as ameaças indefinidas, por não ter levantado as
potenciais, a END não estabeleceu um parâmetro de oponente a ser dissuadido,
comprometendo a objetividade das estratégias para concretizar a dissuasão. Em
42
função dessa indefinição, foi preconizado o preparo das FA por capacidades e não
em face de ameaças, tornando abstrato o conceito de capacidades, por não haver o
contraponto necessário para dimensioná-las. A END não deve nem precisa nomear
as ameaças, bastando defini-las como “uma potência global ou coalizão de
potências que empreguem o poder militar contra o Brasil num choque de interesses”.
Se desde 1990, as FA se preparassem por capacidades tendo em vista esse perfil
de desafios estariam menos defasadas e poderiam enfrentar, também, as chamadas
“novas ameaças”, pois aqui se aplica a máxima de que “quem pode mais pode
menos”. Ora, contra esse tipo de ameaças, para que ter blindados, mísseis, caças,
artilharia e submarinos? Ao considerar indefinidas as ameaças, além das estratégias
de defesa ficaram sem foco, não se desenvolveu um Projeto de Forças comum,
comprometendo a efetividade do poder militar, em termos de dissuasão, e a
racionalização no emprego dos recursos financeiros.

A dissuasão, em síntese, combina persuasão e intimidação para levar um


interlocutor a não adotar determinadas iniciativas e sim a agir conforme o interesse
do dissuasor. O seu propósito finalístico é concretizar a vontade própria evitando o
conflito armado, embora admita o emprego de violência pontual e limitada. A
dissuasão é efetiva quando um ator acredita que o oponente pode lhe causar danos
de custo insuportável em comparação aos ganhos possíveis caso escale o conflito.
A capacidade dissuasória pode ser de dano por resposta (dissuasão defensiva),
defendendo-se de uma agressão, ou dano por iniciativa (dissuasão ofensiva) contra
uma ameaça iminente, antecedendo ou revidando sua concretização, por meio de
ações ofensivas. Admite-se ainda combinar a dissuasão defensiva com a ofensiva.

Portanto, deveria ser estabelecido que o poder militar nacional, diante de um


conflito com adversário de poder equilibrado deveria ter capacidade de dissuasão
defensiva-ofensiva (combinando resposta e iniciativa), mediante o emprego de parte
das FA para a defesa do território (resposta) e de uma força de ação rápida capaz
de realizar ações ofensivas rápidas, letais, pouco profundas e de curta duração, sem
manter ocupação prolongada de território inimigo. Diante de um oponente muito
superior, a dissuasão seria defensiva, realizando a guerra convencional numa
primeira fase e passando à guerra de resistência em curto prazo. Caberia ao Brasil

43
aumentar o seu poder militar progressivamente para, ao menos, diminuir o desnível
atual e aproximar-se do que seria a capacidade de dissuasão defensiva-ofensiva.

As FA nacionais não estão com capacidade de cumprir a missão de defesa


da Pátria nem de compor força expedicionária com meios próprios. Têm restrições
para cumprir missões de paz e humanitárias. Quanto à estratégia da cooperação, o
País não tem maiores atrativos do que os intercâmbios de cursos, a realização de
parcerias em projetos de produção de material militar de tecnologia mais simples e a
participação em limitados exercícios de adestramento combinados. Sem uma
indústria de defesa nacional e capacidade de desenvolver projetos de pesquisa e
inovação, o Brasil continuará perdendo espaço para antigos e novos atores no
entorno estratégico. O País será dependente da vontade das potências quanto ao
fornecimento de produtos de defesa, inclusive em caso de conflito armado.

As três Forças estão sem equipamento moderno, o existente está


incompleto e, em sua maioria, ultrapassado não compensando os custos de
manutenção. Os projetos em andamento são de longo prazo e, pelo andamento, não
haverá redução do desnível com as potências do Eixo, mesmo as de menor poder
militar nas próximas duas décadas. Só a ruptura da tendência de gradual
modernização para um projeto de rápida transformação, de modo a elevar a defesa
nacional a um nível de alta prioridade na distribuição de recursos, colocaria o Brasil
no patamar das potências do Eixo por volta de 2042. A tendência, como mostra a
série histórica dos governos desde 1990, é de que isso não vá acontecer. Será
preciso, infelizmente é o mais provável, o Brasil sofrer sérias perdas morais e
materiais em um conflito, que certamente virá no futuro, para então criar a
mentalidade de defesa na sociedade e na liderança nacional.

Ainda que houvesse a ruptura supramencionada, o desnível é tão acentuado


que, nem mesmo num longo prazo, o Brasil terá poder para dissuadir os EUA
isolados ou coligados. No entanto, Rússia, China e Índia embora tenham poder
militar para ameaçar o território nacional, não teriam aval dos EUA, exceto se fosse
do seu interesse. No norte da Amazônia e no Atlântico, aliados dos EUA na OTAN
têm poder para uma ação militar pontual contra o Brasil, o que nos leva ao seguinte
raciocínio. A França e a Grã-Bretanha estão entre as sete primeiras economias e as
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cinco grandes potências militares do mundo. O Brasil está entre as sete primeiras
potências econômicas, significando ter condições de fortalecer o seu poder militar
caso esta opção política fosse respaldada em ações consentâneas. Para chegar ao
nível daqueles países em poder militar, demandaria cerca de três décadas, pois
implicaria desenvolver uma possante indústria bélica autônoma e implementar um
crescimento significativo da expressão científico-tecnológica. Eis aí duas condições
para dispor de uma efetiva capacidade de mobilização de emergência, condição
básica para enfrentar conflitos armados modernos, de curta duração na fase de
guerra convencional, diferentes dos conflitos do século passado onde havia tempo
para a mobilização contínua durante o embate.

O Exército Brasileiro (EB) tem 27 brigadas, sendo uma de artilharia


antiaérea, todas elas inoperantes para a defesa da Pátria, pois nenhuma dispõe de
sistemas operacionais completos nem recebe recursos suficientes para instrução e
adestramento. Os Exércitos da França e da Grã-Bretanha, países cujo gasto com
defesa é muito superior ao brasileiro, têm de 10 a 12 brigadas operacionais, nem
todas em condições de emprego imediato, e dispõem, ainda, de tropas territoriais.
Se em três décadas o EB tivesse 13 brigadas operacionais, no mesmo nível em que
estarão as daquelas potências, seria um dos mais poderosos do mundo. As demais
brigadas seriam núcleos de mobilização, reduzidas em efetivo e em equipamento,
até que o Brasil tivesse condições de aumentar o número de brigadas operacionais.
No tocante à Marinha e à Força Aérea, o desequilíbrio a ser corrigido é bastante
acentuado em termos de fragatas, submarinos e caças.

O triste estado operacional dos meios existentes e seu estágio tecnológico


ultrapassado, a inexistência do sistema de defesa antiacesso, a indústria bélica
incipiente e o pífio desenvolvimento científico-tecnológico explicam o prazo de três
décadas para alcançar o equilíbrio, caso haja a ruptura de tendência como
anteriormente mencionada.

8. SÍNTESE DAS IDEIAS FUNDAMENTAIS PARA OS PRÓXIMOS VINTE ANOS

O mundo será multipolar assimétrico, com os EUA e a China como


protagonistas de um conflito central limitado, ao qual se juntarão outros periféricos.

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Os demais componentes do Eixo do Poder, junto aos dois principais, vão procurar
moldar a agenda internacional (globalização, segurança e governança
internacionais, recursos estratégicos, “novas ameaças”, espaços comuns e outros
temas) à feição de seus interesses, intervindo inclusive pela força, em conjunto, em
coalizões parciais ou isoladamente, quando houver consenso ou liberdade de ação.

O Brasil estará envolvido nesse jogo de poder, que chegou ao entorno


estratégico do País. EUA e China tentarão atrair o Brasil e seus vizinhos para a
esfera de influência de cada um, de modo a fortalecer suas posições na região. A
coesão do MERCOSUL e da UNASUL será de difícil consecução, uma vez que os
interesses de seus membros ficarão dispersos em função da ação dos dois gigantes
no subcontinente. O dilema para EUA e China é até que ponto vale a pena facilitar a
ascensão do Brasil à condição de potência, para tê-lo como parceiro, conscientes de
que poderia exercer autonomia e liderança no jogo do poder, tornando-se um rival
na América Latina. Os EUA sempre usaram a estratégia de impedir a ascensão de
potências proeminentes em qualquer região do globo. Dilema para China e EUA,
mas uma conclusão clara para o Brasil de que só sendo uma potência autônoma e,
para isso, equilibrada em todas as expressões do poder nacional o País terá
soberania e grandeza para decidir o próprio destino.

Não se pode descartar a possibilidade de escaladas de conflitos, levando ao


emprego indireto ou direto do poder militar para coagir pela ameaça ou impor pela
ação bélica a concretização de interesses que sejam vitais ao Eixo do Poder. Daí a
necessidade de o Brasil desenvolver FA potentes, na forma como propõem a PND e
a END – dissuasão extrarregional e cooperação regional – devendo estender a
cooperação para além do entorno estratégico, se for interesse da política exterior.

Não é preciso se tornar um império global, pois esse nível de poder não
parece levar a um futuro pacífico, ao criar necessidades que obrigam a agir em
escala mundial, provocando constantes e estressantes conflitos para uma nação. O
Brasil tem recursos de toda ordem que, se explorados e desenvolvidos de forma
sustentável, proporcionarão grande independência, por não ser necessário obtê-los
em outros países em grande quantidade, motivo dos permanentes contenciosos das

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potências globais. No campo militar, especificamente, bastaria ao País ter FA que,
embora convencionais e menos poderosas relativamente, tivessem a capacidade de
causar danos por iniciativa e resposta, a um custo elevado para o oponente, fator
dissuasório a ser considerado por uma potencial ou real ameaça.

Existem muitos óbices para alcançar esses propósitos, não só pelas reações
dos rivais alienígenas, alguns do próprio entorno, mas principalmente pela alienação
da Nação e da liderança nacional com relação aos assuntos de defesa. A falta de
visão desta última põe em risco o porvir do País e a segurança das próximas
gerações ao priorizar interesses imediatistas, atendendo a pressões internacionais,
como se constata na Amazônia - questões indígena e ambiental -, ao se dobrar a
imposições relativas ao desenvolvimento do poder militar, pela incúria com a defesa
nacional e pela ausência de política industrial e científico-tecnológica autônoma. O
discurso é nacionalista, mas ilusório, pois a prática é servil.

A END pecou ao não levantar as ameaças potenciais e não impor a


elaboração de um só Projeto de Força, que daria foco e objetividade ao
desenvolvimento das FA para dissuadir ameaças e projetar poder. A verdade é que
o Ministério da Defesa ainda não conseguiu integrar as FA no nível estratégico,
embora tenha apresentado progressos no nível operacional. No Ministério, se
verificam dois conflitos danosos. Um envolve o preconceito de civis do órgão,
alimentado por setores externos poderosos, que pretendem restringir a atuação dos
militares aos temas de nível operacional, paulatinamente apartando-os dos
estratégicos. Não é lúcido desprezar um universo de cidadãos, preparados e
experientes, em quem a Nação investiu durante mais de três décadas para conhecer
e planejar defesa desde os escalões básicos aos de nível superior. Por outro lado,
também existe um conflito entre as Forças por posições de poder, prioridade na
implantação de projetos singulares e recebimento de recursos para investimentos e
custeio. Eis um óbice que praticamente inviabiliza um Projeto de Força Conjunto,
com o desenvolvimento do sistema de defesa antiacesso, que seria fundamental
para a defesa nacional e a capacidade de projetar poder.

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Finalizando, nada será possível se não houver a mudança de mentalidade
da liderança e da Nação, de modo a conferir alta prioridade ao investimento na
defesa propriamente dita, ou seja, descontando a parcela do orçamento para
pagamento de pessoal (cerca de 80% do total). Como isso não deverá ocorrer,
mantida a tendência histórica de descuido com as FA e considerado o tremendo
hiato com as potências globais, ampliado nas duas últimas décadas, o Brasil não
desenvolverá a dissuasão extrarregional com relação ao Eixo do Poder e pagará um
preço elevado em algum momento até 2032, por ser uma potência secundária e
dependente.

Porém, a Nação esteja ciente de que seus militares de mar, terra e ar jamais
deixarão de cumprir o dever para com a Pátria, mesmo diante dos maiores desafios
e sacrifícios, pois a ela todo soldado é – em coração e mente – leal e dedicado.

“A Nação que confia mais nos seus direitos do que em seus


soldados, engana a si mesma e cava sua ruína”. Rui Barbosa.

Brasília, 20 de novembro de 2012.

_____________________________________________
LUIZ EDUARDO ROCHA PAIVA

O autor possui Doutorado em Aplicações, Planejamento e Estudos Militares na Escola de


Comando e Estado–Maior do Exército; Pós Graduação Lato Sensu MBA Executivo do Exército
Brasileiro – Especialização, na Fundação Getúlio Vargas; foi Observador Militar das Nações
Unidas em El Salvador – América Central; possui o Curso de Estado-Maior na Escola Superior
de Guerra do Exército Argentino; comandou o 5º Batalhão de Infantaria Leve (Regimento
Itororó), em Lorena (SP); e comandou a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. É
Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, membro da Academia
de História Militar Terrestre do Brasil e pesquisador do Núcleo de Estudos Prospectivos do
Centro de Estudos Estratégicos do Exército.

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BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS

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