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A FALÊNCIA DO ESTADO

As manifestações de revolta no país, como espasmos, não cessaram e talvez permaneçam por
muito tempo entre nós. O aparato de repressão mostra-se incapaz de conter atos que passaram
a ser chamados pela imprensa, tacitamente, de vandalismo. Como escreveu Sebastião Nery em
“Grandes pecados da imprensa”, a arma que sempre resta ao poder é “a imprensa, velha
pistoleira das elites”. Afinal, vestais são figuras romanas e longe estão de muitas redações.
A menção a Nery, que sequer admiro, e ao desconforto que sinto com a palavra, não significa,
em absoluto, que concorde com vandalismo. Não compactuo com atos fascistas, seja lá quem os
protagonize. Mas minha discórdia em relação ao que chamam de vandalismo é menor pelos
estragos que ele gera do que pela estreiteza de ideias que o promove. É a inutilidade dos gestos
celerados que me aborrece e preocupa. Aqui um grupo faz barricada e interrompe uma rodovia,
lá adiante outra súcia queima ônibus e acolá um terceiro bando quebra caixas eletrônicos. É o
caos instalado, sem eira nem beira. Espasmos, como numa gastrite, a anteceder ulcerações.
Podemos nos surpreender com isto? Sim, segundo alguns, porque o brasileiro teria sangue de
barata e espírito de vaca de Presépio. Engole tudo, desde que tenha á disposição álcool, futebol
e sexo descompromissado. Se assim for, é difícil não entrever algum propósito narcotizante na
banalização do sexo, na vulgarização dos costumes, nas propagandas que associam bebida
alcoólica à alegria e nas moderníssimas arenas de futebol cercadas de miséria.
Há também quem diga que foi uma surpresa porque tudo começou com um simples reajuste de
passagens de ônibus nos grandes centros urbanos. Coisa pouca, aparentemente, para o barulho
que provocou. Como se um tímido espirro em Porto Alegre fosse capaz de derrubar um avião em
Uruguaiana. Algo impossível no mundo mecânico,mas uma possibilidade no universo das ideias.
Segundo outros, só se surpreende com o que está acontecendo quem desconhece o poder da
gota d´água que extravasa o copo, que na História se conhece como causa próxima. Na área
nuclear, por exemplo, é uma pequena fonte que deflagra a reação em cadeia. Depois que esta
começa ... Em usinas nucleares, em torno do reator existe a contenção, projetada para mitigar os
efeitos de acidentes, como a queda de um avião. Chernobil e Fukushima aí estão para mostrar
que as contenções têm limites, mas é indesmentível que no mais das vezes cumprem seu papel.
Também as sociedades têm sua contenção, que atende pelo nome de polícia e exército.
Enquanto refletia sobre o fenômeno social, eis que me cai nas mãos o opúsculo “A falência do
estado moderno”, de Plínio Cabral, autor de espírito aguçado, com apreciável poder de previsão.
Escrito anos à frente, sua leitura ilumina com clareza o que se passa no Brasil de agora:
“Objeto de especulações filosóficas e religiosas, nem todos estão assim preocupados
com os destinos gerais da humanidade, pois o problema marcante é o dia-a-dia e a
sobrevivência material. Isso implica, de certa maneira, uma limitação do futuro ou, pelo
menos, de sua antevisão. É que a imensa maioria vive, ainda, sob o impacto das
necessidades imediatas, levando o ser humano às fronteiras da animalidade, o que
explica a violência e a submissão. Um prato de comida paralisa a mente e transforma a
democracia apenas numa palavra vazia de sentido.”
Os espasmos que ora assistimos, para delírio de uns e pavor de outros, revela a falência do
estado, o que aliás já se mostrava nítido pela sonegação de tributos, colocando fora do alcance
dos governos uma economia informal incalculável. As maiorias acordaram. Sem comando,
porém, elas têm andar trôpego. Por isto gritam por tarifas de ônibus, mas desejam pão, paz e um
canto. As minorias, tanto as que estão no poder quanto as que pretendem empolgá-lo, estas
planejam. São elas que vendem o pão, controlam a paz e alugam ou vendem os cantos.
O que há de novo, portanto, em relação às revoltas de escravos? Sobretudo o fato de que as
maiorias, agora, clamam um pouco além das necessidades imediatas. Isto é novo. Sorte das
minorias que não haja um Ghandi no horizonte, que solape o poder transformando consciências.
Como balançar a bancocracia de nossos tempos? Quebrando caixas-eletrônicos? Ou retirando o
dinheiro das contas correntes? Enquanto a primeira via é burra, a segunda seria letal. Quanto ao
Estado, virou pó. Representa mais opressão que bem comum e seu apetite tributário, sem
contrapartida, faz dele apenas uma caixa registradora para remunerar a si mesmo. E aos seus.

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