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AGRADECIMENTOS
PREFÁCIO — A MORTE: ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I — PALCO E CENÁRIO: MEDICINA SOCIAL E INSTITUIÇÕES MÉDICAS NO
BRASIL DO SÉCULO XIX
SABER E PODER NA MEDICALIZAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
MEDICINA, ORDEM POLÍTICA E ESTADO
INSTITUIÇÕES MÉDICAS DE ENSINO E SABER
CAPÍTULO II — NA ÓRBITA DAS DOENÇAS E DOS DISTÚRBIOS MENTAIS
LOUCURA E SUICÍDIO: HISTÓRIA, CAUSAS E EXPLICAÇÕES
MÉDICOS À PROCURA DE PERIGOS E DE ORIGENS PATOLÓGICAS
A REPERCUSSÃO DO PENSAMENTO MÉDICO FRANCÊS E SUA APROPRIAÇÃO
PELO DISCURSO MÉDICO BRASILEIRO
CAPÍTULO III — A RELAÇÃO ENTRE AS PAIXÕES E O SUICÍDIO
AS DIVERSAS CONCEPÇÕES ACERCA DAS PAIXÕES
O OLHAR MÉDICO BRASILEIRO SOBRE AS PAIXÕES: EXCESSOS, PERVERSÕES
E MORTE
A APROPRIAÇÃO BRASILEIRA DAS IDÉIAS DE ESQUIROL SOBRE A PAIXÃO
COMO CAUSA DE SUICÍDIO
CAPÍTULO IV — DIFERENCIAÇÕES SEXUAIS DO SUICÍDIO
DIFERENÇA SEXUAL: ORIGEM BIOLÓGICA E COMPORTAMENTAL
EDUCAÇÃO DIRIGIDA E DIFERENCIADA
CASAMENTO, CELIBATO E RELAÇÕES SEXUAIS
MULHERES SE SUICIDAM MENOS DO QUE OS HOMENS: UM PARADOXO DO
SÉCULO XIX
CAPÍTULO V — A LITERATURA VISTA COMO UM PERIGO À VIDA
A BUSCA AOS EFEITOS DESASTROSOS DA LITERATURA
A POSSÍVEL RESPONSABILIDADE DO ROMANTISMO
A FEBRE WERTHERIANA: O ALCANCE DO SOFRIMENTO E SUICÍDIO DO JOVEM
WERTHER
O VALOR DO SILÊNCIO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
Fontes
Livros, Teses e Dicionários
Obras Literárias
Periódicos e jornais
Sites da Internet
Bibliotecas e Arquivos
BIBLIOGRAFIA GERAL
Fábio Henrique Lopes
Edição Digital
Rio de Janeiro
2010
Copyright © 2008 Fábio Henrique Lopes
Nenhuma parte desta edição po de ser utilizada o u repro duzida — em qualquer meio o u fó rmula, seja mecânico o u
eletrô nico , po r fo to có pia, po r gravação e etc. — nem apro priada o u esto cada em sistema de banco s de dado s sem a
expressa auto rização da edito ra.
Revisão M. Cunha
Biblio tecária Respo nsável: Mara Rejane Vicente Teixeira CRB 775
Suicídio & saber médico : estratégias histó ricas de do mínio , co ntro le e intervenção no Brasil do século XIX / Fábio
Henrique Lo pes. — 1ª reimpressão — Rio de Janeiro : Apicuri, 2008.
ISBN 978-85-61022-02-0
1. Saúde e Estado — Brasil — Séc. XIX - Histó ria . 2. Suicídio — Brasil — Séc. XIX. 3. Saúde pública — Brasil — Séc.
XIX. I. Título .
614.0981
[2010]
Todos os direitos desta edição reservados
Editora Apicuri
Telefone/Fax (21)2533-7917
editora@apicuri.com.br
www.apicuri.com.br
AGRADECIMENTOS
Ao iniciar um trabalho como este, sabia que só seria possível concluí-lo com ajuda,
incentivo, colaboração e solidariedade de muitos. Conversas, e-mails, bate-papos, telefonemas
e cartas foram os meios pelos quais recebi palavras de apoio, dicas de livros e artigos que hoje
compõem o texto, além de pistas para responder minhas inquietações. Aproveitei ao máximo
os momentos de troca, diálogo e intercâmbio com intelectuais e amigos que, direta ou
indiretamente, provaram não ser necessariamente solitário o trabalho intelectual.
Cientes ou não, todos aqueles que receberão o muito obrigado já fazem parte da
minha história de vida, pois participaram dela como coadjuvantes, interlocutores, orientadores,
conselheiros e ouvintes. E por que não citar os analistas, se é por meio deles que penso e
construo minhas histórias?
Agradeço aos professores Ítalo Tronca, do Departamento de História do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Luzia Margareth Rago, livre-docente do
Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e
Gabrielle Houbre, da Université Paris VII — Denis Diderot.
O Prof. Ítalo Tronca permitiu o início do meu doutorado, em 1998, logo após defesa
da minha dissertação de mestrado. A Profª Margareth Rago, intelectual das mais brilhantes
que conheço, foi quem mais exigiu de mim e é a quem devo a realização do trabalho que
originou este livro. Agradeço a ela, na esperança de que um dia possa saber o quanto
acrescentou à minha formação intelectual. A Profª Gabrielle Houbre gentilmente recebeu-me
em Paris e orientou meu estágio na Université Paris VII, uma experiência que permitiu o
aprofundamento da pesquisa documental, das análises sobre o tema e mudou minha visão do
que é a universidade brasileira. O resultado foi positivo porque compreendi que, ao invés de
comparar as universidades brasileiras com as francesas, é mais útil perceber a “diferença”
entre elas, além de buscar constantes trocas e o necessário intercâmbio intelectual.
Às agências de fomento, CNPq e CAPES, por terem financiado, respectivamente, o
meu doutorado no Brasil e o doutorado-sanduíche com a Université Paris VII.
Aos colegas Andréa Delgado, Nanci Vieira de Oliveira e Benito Schmidt, entre outros,
que me ajudaram a (re)pensar o projeto, a pesquisa e eu mesmo — historiador da linha de
pesquisa História, Cultura e Gênero.
Aos amigos e amigas que conheci na Unicamp: Nádia, Flávia, Antonio Paulo, Ema,
Alexandra, Andréa Mara, Edmilson e, sem dúvida, Lucinete, por todo o apoio e por terem
compartilhado comigo muitas angústias e sonhos.
Aos amigos Raymond, Kleber, Aldo e Maryvonne, que me suportaram enquanto
estive em Paris.
Aos amigos-irmãos José Maria, Marcos, Renato, Miriane, Iara, Danilo, Ângela e
Paulinho, que compartilharam projetos e conquistas.
A Paulo César Longarini, amigo e companheiro em todas as estações, seja embaixo
de neve em Amsterdã ou no tórrido calor de Catanduva; nos momentos mais difíceis e nos
mais prazerosos; pela opção de estar ao meu lado mesmo quando eu parecia uma
metamorfose ambulante.
À minha querida família — pai, mãe, irmã, irmão, cunhada, cunhado, sobrinhos, tias,
tios e avó. Sei que tudo só foi possível pelo suporte e pela colaboração recebida, mesmo que à
distância. Sou feliz por ser Beck e Lopes.
Mais uma vez, agradeço a meu exemplo de vida: Evanir Beck Lopes. Mãe, mulher
forte, quase sempre incansável, batalhadora que dedicou voluntariamente sua vida aos filhos.
A ela devo minha existência, persistência e sonhos.
Emocionado por lembrar de tantos companheiros, agradeço e digo MUITO
OBRIGADO!
A abertura para o novo só é possível quando dispensamos toda idéia de essência;
universalidade; “realidade da coisa em si”; conceitos indubitáveis e incorrigíveis; verdade como
uma misteriosa “propriedade” das coisas e eventos “verdadeiros”, etc. Quando abrimos mão
desta herança do idealismo e do racionalismo filosóficos de épocas passadas, conseguimos
imaginar o “sujeito” ou as “subjetividades” como produto das práticas lingüísticas e de nossas
circunstâncias. A questão, então, não é a de saber como o “não-identificado” entra no leito de
Procusto, do familiar ou do já sabido; é a de saber como reagir à surpresa; ao inusitado; ao que
nos obriga a reinventar o que somos e o que os outros são.
Co m a mente e o co rpo sadio , mato -me antes que a impiedo sa velhice, que me tira um a um o s prazeres e as
alegrias da vida e me despo ja de minhas fo rças físicas e intelectuais, acabe po r paralisar minhas energias e
quebre minha vo ntade, fazendo de mim um peso para o s o utro s e para mim mesmo .
Há ano s pro meti a mim mesmo que não passaria do s setenta; marquei a épo ca do ano para minha partida da
vida e preparei o mo do de execução de minha reso lução : uma injeção hipo dérmica de ácido cianídrico .
Mo rro co m a alegria suprema de ter a certeza de que, num futuro pró ximo , a causa a que me dediquei durante
quarenta e cinco ano s triunfará. Viva o Co munismo . Viva o So cialismo Internacio nal.
Paul Lafargue1
Srs. juizes, negar a pro priedade privada de no sso pró prio ser é a maio r das mentiras culturais. Para uma cultura
que sacraliza a pro priedade privada das co isas — entre elas a terra, e a água — é uma aberração negar a
pro priedade mais privada de to das: no ssa pátria e reino pesso al, no sso co rpo , vida e co nsciência, no sso
universo .
De que valeria a o bstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição do s co nhecimento s e não , de certa
maneira, e tanto quanto po ssível o descaminho daquele que co nhece? Existem mo mento s na vida quando a
questão de saber-se se po de pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê é
indispensável para co ntinuar a o lhar a refletir.3
So nho co m um intelectual destruido r das evidências e das universalidades, que lo caliza e indica inércias e
co açõ es do presente o s po nto s fraco s, as brechas, as linhas de fo rça; que sem cessar se deslo ca, não sabe
exatamente o nde estará o u o que pensara amanhã, po r estar muito atento ao presente; que co ntribui, no lugar em
que está, de passagem, a co lo car a questão da revo lução , se ela vale a pena e qual ( quero dizer, qual revo lução
e qual pena). Que fique claro que o s único s que po dem respo nder são o s que aceitam arriscar a vida para fazê-
la.5
(...) quando esto u atrás do palco , as luzes se apagam e o ruído ensandecido da multidão co meça, nada me afeta
do jeito que afetava Freddie Mercury, que co stumava amar, se deliciar co m o amo r e ado ração da multidão — o
que é uma co isa que to talmente admiro e invejo . O fato é que não co nsigo enganar vo cês, nenhum de vo cês.
Simplesmente não é justo para vo cês e para mim. O pio r crime que po sso imaginar seria enganar as pesso as
sendo falso e fingindo que esto u me divertindo 100 po r cento . Às vezes acho que eu deveria adicio nar um
despertado r antes de entrar no palco . Tentei tudo que está em meus po deres para go star disso (e eu go sto , Deus,
acreditem, eu go sto , mas não o suficiente). Me agrada o fato de que eu e nó s atingimo s e divertimo s uma po rção
de gente. Devo ser um daqueles narcisistas que só dão valo r às co isas depo is que elas se vão . Eu so u sensível
demais. Preciso ficar um po uco mais do rmente para ter de vo lta o entusiasmo que eu tinha quando criança (...)
Obrigado do fundo de meu nauseado estô mago queimando po r suas cartas e sua preo cupação ao lo ngo do s
ano s. Eu so u mesmo um bebê errático e triste! Não tenhamo s mais a paixão , então lembrem, é melho r queimar
do que se apagar ao s po uco s.
Jovem, americano, sensível, rico e famoso, mas também triste, confuso, temeroso em
relação ao futuro da filha, angustiado pela falta de motivação, prazer e entusiasmo outrora
constantes, perseguido por ininterruptas dores de estômago e em conflito com a fama, Kurt
Cobain, aos vinte e sete anos, inventando-se e sendo inventando por meio de tantas
subjetividades, foi encontrado morto na garagem de sua mansão. Após investigações policiais
e averiguações médicas, concluiu-se e atestou-se que o roqueiro usuário de drogas suicidou-
se ingerindo alta dose de heroína.
O caso obteve destaque na imprensa mundial. Muito se falou a respeito do suicídio
de Cobain e das possíveis causas de sua morte, indicando assim que as observações de
Sabino sobre a polissêmica produção discursiva acerca das causas de suicídio são
recorrentes. A diversidade de possibilidades oferecidas para pensar o suicídio de Cobain,
porém, permite inferir: se é possível perceber uma tendência que busca impor o silêncio em
torno do suicídio, é observável uma outra que se dedica a tudo falar sobre o ato e suas
causas, simulando abordar o problema de uma forma séria e cuidadosa.
Várias razões que podem ter levado o famoso roqueiro ao suicídio foram divulgadas
aos quatro cantos: drogas, problemas com os pais, fama, depressão, casamento conturbado,
fortes dores de estômago, explícita falta de prazer no trabalho e, ainda, a sua indiscutível
genialidade. Assim, a própria imprensa envolveu-se numa campanha para encontrar e definir a
verdadeira causa do seu suicídio.
Por meio de variados discursos, Kurt Cobain — agora classificado e definido como o
suicida — foi apresentado como um jovem drogado, que desde os sete anos tomava
tranqüilizantes e antidepressivos. Para outros, ele era apenas fruto de lar desfeito; cresceu
infeliz, sendo empurrado de um parente para outro. De acordo com muitos, a causa deveria
estar relacionada com o incômodo provocado pela fama, que o desnorteava completamente.
Vários intérpretes de sua morte consideraram o fato de ele ter perdido o contato
com a maioria dos amigos de Seattle como a razão para o seu suicídio. Cobain ficara isolado e
sozinho em outro espaço de referências, diferente daquele do início de sua carreira. Disseram
que as constantes e fortes dores de estômago, após inúmeras e infrutíferas visitas aos
especialistas, poderiam também ser a causa de sua desistência.
Ampliando ainda mais o campo explicativo, sugeriram que a culpa por não sentir mais
prazer em fazer música, o que afetava tremendamente sua relação com o público, com a
imprensa e com as pessoas em geral, atormentava-o sobremaneira. Por fim, observaram que,
como muitos outros considerados gênios, Cobain sofria os reflexos de sua hipersensibilidade e,
por isso, como outros de mesma condição, preferiu partir, ir embora.
Essa polissemia, essa busca recorrente de causas e explicações para o ato suicida é,
como já sugerido, produzida historicamente visando atingir determinados fins e estratégias.
Isso, porque muito se fala sobre as causas de suicídio, muito se produz sobre as motivações,
mas não de maneira franca. Ao invés de centralizar os problemas no próprio indivíduo, na
pretensão de que a causa seja sempre ele mesmo, é necessária outra atitude: pensar que
todos nós somos, em parte, coadjuvantes de situações, pressões, cobranças, esperas e
anseios que podem ser, às vezes, causas, desculpas ou até mesmo aquela última gota que
falta para que pessoas ao nosso redor, ou até mesmo não tão próximas assim, desistam da
vida.
O refúgio nas evasivas da polissemia para evitar a discussão sobre o problema do
suicídio não é aceitável. Ainda que não tenhamos o objetivo de provar o que levou ou leva
alguém a optar pelo suicídio, e tampouco condenar todo desejo e ato de pôr fim à vida, penso
que, como várias outras pessoas que se suicidaram e que estão citadas ao longo deste
trabalho, Kurt Cobain pode ter se suicidado pelas razões expostas anteriormente, ou ainda por
nenhuma delas. Há também a possibilidade de ele ter produzido para si uma subjetividade
completamente diferente daquelas conhecidas e ligadas a ele.
É portanto necessário, e acredito ser urgente, encontrar formas plurais de
problematizar e pensar o suicídio. É preciso discutir, debater, estudar, analisar e interrogar o
ato para, em seguida, compreender o que leva uma pessoa ao suicídio, a não mais querer a
vida, pelo menos uma condição específica de vida, sem preconceitos e conclusões a priori.
Ao sermos confrontados com a multiplicidade oferecida pela alteridade, rompemos
com a abordagem que propõe a naturalização do social e criamos formas de pensar que não
negam a criatividade, a variabilidade e a imprevisibilidade da vida3, inclusive no que diz
respeito ao suicídio. Assim, no lugar de reunir identidades, encaixando todos os indivíduos que
se suicidam num mesmo rótulo — o de doente mental ou desequilibrado, por exemplo —,
devemos nos aplicar mais à alteridade.
O silêncio proposto sobre o tema é visto como meio de ocultar as fugas, ruptura de
ritmo de vida muitas vezes imposto, que poderia sugerir para uma sociedade medicalizada e
ordenada a possibilidade da descontinuidade, da finitude e da fragilidade da vida,
características abafadas pela medicalização.4
Decidi falar, ousei estudar e analisar o tema. Delimitei a tarefa central como sendo a
busca da experiência5 do suicídio no século XIX, focalizando a problematização do suicídio
pelo discurso médico produzido no Brasil.
Interroguei as formas com que esse tema foi problematizado no Brasil, e analisei
como se tornou objeto de conhecimento possível, desejável e indispensável. Centralizei toda a
atenção no discurso médico porque a pesquisa documental sugeriu que foi esse discurso
majoritariamente masculino que, durante a primeira metade do século XIX, possibilitou, pela
primeira vez no Brasil, a visibilidade do suicídio no campo do saber científico. Além do mais, a
medicina teve um dos principais papéis na configuração do suicídio como o vivenciamos
atualmente, ou seja, como um ato próprio de um sujeito desequilibrado, doente, desesperado,
atordoado, irracional — referências e imagens sempre ligadas aos distúrbios e desarranjos
mentais. Desse modo, o saber configurou-se como campo privilegiado de investigação.
O recorte temporal escolhido foi definido pela década de 1830 e pelo início do século
XX. A década de 1830 foi o período histórico de criação das primeiras instituições médicas de
ensino e pesquisa, que possibilitaram espaço institucional e elementos teóricos para o início
da tematização. O início do século XX foi o momento em que novas teorias — de Émile
Durkheim e Sigmund Freud, por exemplo —, conceitos e práticas começaram a alterar a visão
médica brasileira sobre o suicídio.
A baliza inicial é, portanto, marcada pelo surgimento das instituições onde foram
desenvolvidas as teses médicas brasileiras utilizadas como fontes. A baliza final — o início do
século XX — remete ao momento em que os médicos brasileiros começaram a mudar o viés
utilizado para pensar e estudar o suicídio. Essa mudança teórica, percebida em trabalhos
médicos do século XX, foi possibilitada pela difusão das teorias e conceitos do sociólogo
francês Durkheim, pelos desafios do fundador da psicanálise, Freud, e inspirada pela doutrina
eugênica.
Émile Durkheim escreveu, em 1897, um clássico da literatura sociológica, O Suicídio.
Por acreditar que os indivíduos são produtos de forças sociais complexas, e não podem ser
entendidos fora do contexto social em que vivem, ele concebeu o suicídio como um fato social.
Assim, no lugar de sugerir que o suicídio é um fenômeno psicológico ou patológico, tendência
recorrente entre os médicos do século XIX, o sociólogo propôs outra perspectiva analítica: a
de observá-lo e analisá-lo a partir de dados estatísticos para buscar as suas causas. Em suas
palavras, as causas de morte situam-se fora de nós muito mais do que em nós e só nos
atingem se nos aventuramos em sua esfera de ação.6
Segundo sua concepção, o suicídio é produto de um profundo conflito relacionado
com o meio social exterior ao indivíduo. Dessa maneira, cada sociedade possuiria uma
inclinação coletiva ao suicídio e suas causas situar-se-iam mais fora do que dentro dos
indivíduos:
Qualquer ruptura de equilíbrio , ainda mesmo que dela resulte um bem estar maio r e uma vitalidade geral, incita à
mo rte vo luntária. To das as vezes que se pro duzem no co rpo so cial graves mo dificaçõ es, sejam elas devidas a
um súbito mo vimento de crescimento o u a um cataclismo inesperado , o ho mem mata-se facilmente.7
Quanto mais o s grupo s a que pertence se enfraquecem, meno s o indivíduo depende deles, e po r co nseguinte,
mais depende apenas de si mesmo para não reco nhecer o utras regras de co nduta que não as que se baseiam
em seus interesses privado s. Se, po rtanto , co nviermo s chamar de ego ísmo esse estado em que o eu individual
se afirma excessivamente diante do eu so cial, e às expensas deste último , po deremo s dar o no me de ego ísta ao
tipo particular de suicídio que resulta de uma individuação desco medida.10
O suicídio ego ísta tem co mo causa o s ho mens já não perceberem razão de ser na vida; no suicídio altruísta,
essa razão lhes parece estar fo ra da pró pria vida; o terceiro tipo de suicídio (...) tem co mo causa o fato de sua
atividade se desregrar e eles so frerem co m isso . Po r sua o rigem, daremo s a essa última espécie o no me de
suicídio anômico.14
(...) já não é po ssível separar a verdade do s pro cesso s da sua pro dução , e que esses pro cesso s tanto são
pro cesso s de saber co mo pro cesso s de po der. Que não há po rtanto verdade(s) independente(s) das relaçõ es de
po der que a(s) sustentam e que ao mesmo tempo ela(s) reco nduz (em) e refo rça(m), que não há verdade sem
po lítica da verdade, que to da afirmação de verdade é indisso luvelmente peça, arma o u instrumento no interio r de
relaçõ es de po der.20
(...) nenhum aco ntecimento histó rico é intrinsecamente trágico ; só po de ser co ncebido co mo tal de um po nto de
vista particular o u de dentro do co ntexto de um co njunto estruturado de evento s do qual ele é um elemento que
go za de um lugar privilegiado . Po is na histó ria o que é trágico de uma perspectiva é cô mico de o utra (...).23
Uma análise detalhada dos suicídios publicados pela imprensa sugere que a maior
parte dos casos foram explicados a partir das imagens, representações e estigmas das
desordens mentais.1 A prática de relacionar as causas de suicídio com o universo mental —
distúrbios, alucinações, desarranjos e loucuras — pode ser detectada no início da tematização
médica brasileira sobre o suicídio, ocorrida na primeira metade do século XIX, quando os
médicos começaram a produzir saber e conhecimento sobre o ato. A partir daí, o suicídio e as
desordens mentais passaram a ser indissociáveis.
Foi sobretudo na segunda metade do século XIX que este fenômeno passou a ser
observado, noticiado e analisado pela imprensa e por outras instituições e discursos. Esteve
presente e visível em registros hospitalares, processos civis e criminais, romances, contos,
poesias, jornais e em vários pontos do tecido social.
O suicídio de homens e mulheres passou a ser percebido e concebido como um
perigo. Era passível de ocorrer em qualquer momento, sem respeitar hierarquia social, cor,
idade, sexo ou nacionalidade. Foi tornado tema e preocupação médico-científica no Brasil
quando a medicina começou a caracterizar-se como discurso da ordem e a desenvolver uma
prática de ordenação social, buscando identificar e normalizar os indivíduos considerados
portadores e transmissores da desordem e da desagregação.
Vêm à mente as análises desenvolvidas por Luis Antonio Baptista a esse respeito,
em especial essas palavras:
A Medicina So cial brasileira no século XIX nasce juntamente co m o fo rtalecimento do capitalismo . Objetivando a
prevenção e a higiene, esta no va ciência funda uma no va Ordem So cial. A grande co ncentração urbana
necessitará do apo io do saber médico para sua o rganização . Diferenciando -se das práticas médicas anterio res,
que tinham co mo o bjeto a do ença, esta no va ciência fabricará a saúde.
Este no vo o bjeto tem co mo principal ameaça o s hábito s que precisam ser co rrigido s.2
o s inimigo s do ‘co rpo so cial’; segundo estes médico s, eram o s ‘excesso s’ e ‘desvio s’; era preciso , po rtanto ,
disciplinar a so ciedade, incutir valo res, destruindo , desse mo do , o s ‘vício s’ e as ‘perversõ es’ que tanto
ameaçavam o s centro s urbano s.6
O ano de 1808 é referência obrigatória para todos que estudam e analisam a história
das instituições médicas brasileiras do século XIX. Foi a partir desse momento que algumas
delas começaram a ser planejadas, e outras procuraram um estatuto considerado mais
científico e moderno, ou seja, nos moldes das européias. Além disso, é claro, por ser essa data
um marco na produção e divulgação institucional do saber médico.
A vinda da corte portuguesa para o Brasil provocou, abruptamente, uma modelação
de várias cidades brasileiras — em especial do Rio de Janeiro — e de muitas instituições
sociais. Pode-se falar, em geral, que as cidades brasileiras não se encontravam aparelhadas
para receber aquele contingente de nobres e burgueses portugueses, de hábitos, costumes,
necessidades e padrões culturais consoantes com as cidades européias da época.14 Foi
preciso intervir no corpo social, nas cidades e em suas instituições, para que se efetivasse um
certo desenvolvimento do núcleo urbano, possibilitando melhores condições de vida para os
ilustres europeus abastados que, a partir de então, residiriam em terras tropicais.
Assim, analisei o papel e a importância de algumas instituições que sofreram essa
intervenção: Escolas de Cirurgia, Academia Médico-Cirúrgica, Sociedade de Medicina,
Faculdade de Medicina e Academia Imperial de Medicina, esta última transformada
posteriormente em Academia Nacional. Interrogo, desse modo, o processo de organização da
formação acadêmica que possibilitou a criação de uma medicina oficial.
Para adequar as cidades e suas instituições às novas exigências históricas, várias
medidas foram tomadas. Entre elas, destaco a criação, em caráter emergencial, de duas
Escolas de Cirurgia, uma delas na Bahia e outra no Rio de Janeiro. O objetivo central dessas
instituições era o de suprir a premente falta de médicos e, em especial, fazer com que esses
profissionais zelassem pela saúde da elite portuguesa e dos estrangeiros em missão
comercial. Madel Luz observou que para defender, em primeiro lugar, os interesses econômicos
do Estado português, foi preciso vigiar não só as condições sanitárias da cidade como também
dos portos, considerados portas do Brasil para a civilização. 15
Segundo Roberto Machado, a transferência da corte portuguesa para o Brasil
desencadeou transformações importantes para a relação entre o Estado, a sociedade e a
medicina. O poder central, ao instalar-se, atribuiu a si próprio determinadas funções, entre elas
garantir o enriquecimento, a defesa e a saúde do povo da nova terra. Seguindo essas metas,
D. João instalou em terras tropicais algumas instituições existentes em Portugal. Também
criou outras, que procuraram fazer do território brasileiro e de sua população objetos de
conhecimento e intervenção, além de se constituírem como focos de difusão de saber. Em
outras palavras, o Brasil tornou-se um local que encerrava milhões de objetos dignos de
observação e exame, passíveis de serem empregados em benefício do comércio, da indústria
e das artes. Conhecer e transformar seriam, a partir daí, os objetivos que passariam a orientar
a criação de instituições.16
Os cirurgiões praticavam os atos operatórios mais comuns da época, tais como
amputar, reduzir luxações e tratar ferimentos e fraturas. Ainda sangravam, sarjavam,
aplicavam ventosas e sanguessugas e extraíam dentes. Havia, entretanto, uma hierarquia a
ser respeitada entre os cirurgiões que atuavam no Brasil, o que possibilitava diferentes graus
de reconhecimento social e relações de poder entre tais profissionais. Uns começavam como
aprendizes ou ajudantes dos mais velhos, e depois de iniciados na Arte eram examinados e
recebiam a carta de cirurgiões-barbeiros. Os cirurgiões-aprovados seguiam um curso
teóricoprático em hospitais, submetiam-se a exame e obtinham uma carta que dava o direito
de exercer todas as cirurgias conhecidas e, em alguns casos, a própria medicina, onde não
houvesse médico ou físico. Muitos daqueles que praticavam a medicina nesse período
histórico eram conhecidos como físicos, não sendo, necessariamente, médicos diplomados.
Finalmente, havia também os cirurgiões-diplomados, formados em escolas européias e que,
por isso, gozavam de maior reconhecimento e respeito sociais.17
No Brasil, esses cirurgiões recebiam instrução e formação em algumas Santas Casas
da Misericórdia e em certos Hospitais Militares. Somente em 1808, em caráter emergencial, D.
João se preocupou em alterar ou criar, ou ambos, as instituições que coordenariam e
regulariam as práticas de cura, assistência e socorro. Entre aquelas que foram fundadas no
Brasil, logo após a chegada da família real, merecem destaque a Fisicatura — órgão do
governo encarregado de regulamentar e fiscalizar as práticas de cura no Brasil18 —, a Escola
de Cirurgia da Bahia e a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro.
As duas Escolas de Cirurgia, a baiana e a carioca, transformaram-se, alguns anos
depois, em Academias Médico-Cirúrgicas. Essas Academias concediam o diploma de cirurgião-
aprovado e cirurgião-diplomado aos alunos que, devidamente, cursassem as diversas cadeiras
obrigatórias.19
Segundo Nancy Stepan, a tradição médica, até a transferência da corte para o Brasil,
caracterizava-se pela escassez de médicos, pela ausência de instalações para o ensino no
país e, acima de tudo, pela alta incidência de moléstias epidêmicas, cujas causas eram
desconhecidas por cientistas médicos até o fim do século XIX. Além disso, fora das cidades
praticamente não havia organização de saúde particular ou pública, e a maioria dos brasileiros
vivia em condições de pobreza e doença.
Esse contexto histórico facilita a compreensão das razões de, somente no século
XIX, os médicos brasileiros terem começado a estudar o suicídio no Brasil. Segundo Stepan, o
principal estímulo ao estudo médico no Brasil antes de 1808 foi o desejo de compreender as
doenças e descobrir plantas com propriedades medicinais. Poucos médicos vieram ao Brasil
para estudar a doença de maneira sistemática, ou praticar a profissão. Ela ressalta que a
vastidão do interior, a escassez da população colonial e sua dispersão, pouco fizeram para
atrair médicos. Ao contrário das colônias hispano-americanas, o Brasil não possuía nenhuma
escola de medicina antes do século XIX. Assim, pode-se dizer que poucos médicos licenciados
com diplomas universitários praticaram na colônia.20
Apesar de terem sido criadas praticamente ao mesmo tempo, as Escolas de Cirurgia
e as Academias da Bahia e do Rio de Janeiro apresentavam diferenças importantes, não só na
proposta como na produção médico-científica. Diferenças que continuaram presentes nas
posteriores Faculdades de Medicina, instituídas em 1832. De recursos orçamentários às
instalações, da biblioteca à seleção dos alunos, da influência dos professores à aceitação
pública e social, essas diferenças eram sentidas cotidianamente.
A influência e o prestígio das Academias de Medicina européias e sua influência
sobre essas instituições eram provados pela hierarquia entre os médicos e baseados em
critérios de conhecimento acadêmico, que valorizavam aquele com formação mais próxima da
concepção acadêmica européia de medicina.21 De constantes viagens até assinaturas de
periódicos especializados, doutores e professores brasileiros iniciaram um intercâmbio com tais
Academias e Faculdades.
Diferentemente do que acontecia no Velho Continente, as Academias Médico-
Cirúrgicas brasileiras formavam nossos cirurgiões até 1832, quando a Regência as transformou
em Faculdades de Medicina de acordo com um projeto aprovado pela Sociedade de Medicina
do Rio de Janeiro.22 A mudança provocou uma reestruturação geral do ensino médico,
abrangendo novas matérias e cadeiras. No final dos estudos, após a defesa de uma tese, o
aluno obtinha o diploma de doutor em medicina. Algumas dessas teses foram dedicadas ao
estudo do suicídio.
Desse modo, foi a partir de 1832 que as Faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia
começaram a formar os primeiros doutores em medicina no Brasil, institucionalizando
concomitantemente o que passou a ser chamado de medicina oficial. A formação se dava
independentemente das precárias condições, tais como a inexistência do ensino prático e de
instalações apropriadas para as preleções. Foram esses médicos, nessas instalações, que
começaram a produzir saber sobre o suicídio no Brasil; um saber masculino, pois era produzido
pelos doutores brasileiros.
Mas qual seria o perfil do médico formado pelas primeiras instituições brasileiras? As
palavras do médico Ludnero Lapa sugerem algumas pistas:
O médico é, pela dignidade de sua pro fissão , o primeiro , e o mais necessário ho mem da so ciedade: ele
emparelha, se não so brepuja, co m o s indivíduo s revestido s do s mais brilhantes título s, quando une à extrema
habilidade na arte de co nhecer e curar as mo léstias (sic), no me já não vulgar senão respeitável po r seu gênio e
pro funda sabedo ria. Este tal médico , pelo muito que pro mo ve o s pro gresso s da ciência é o benfeito r da
humanidade, e pela espécie de império que tem so bre a mo rte, é co mo uma divindade na terra.23
Aos novos homens da ciência médica brasileira foi atribuída a tarefa de zelar pela
saúde da sociedade. Mas as duas Faculdades responsáveis pela formação dos benfeitores da
humanidade apresentavam profundas diferenças, não só estruturais. A Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro gozava de situação melhor, com maiores recursos orçamentários, por estar
situada na capital do Império e por agregar os mais expressivos professores do Brasil. Mas,
apesar de certos privilégios, segundo alguns médicos da própria Faculdade, muito precisava
ser mudado na instituição carioca. Principalmente instalações e aparelhagem, além da urgente
substituição da orientação teórica por uma mais prática.
Por agregar os profissionais de renome no país, por estar na capital e por
proporcionar intercâmbio com prestigiadas Academias, a Faculdade carioca seguia muitas das
doutrinas e princípios de outros centros, em especial os da medicina francesa, considerada por
muitos o modelo a ser seguido. A esse respeito, Madel Luz destacou que o ensino médico no
Brasil contava com uma bibliografia basicamente importada, em sua maioria francesa. Isso,
porque praticamente não existia, até então, literatura médica em português.24 Tal influência é
visível nas teses sobre o suicídio, onde há muitas citações e referências aos estudos e teses
de médicos franceses. A lei que criou as Faculdades de Medicina exigia o conhecimento de
latim e permitia ao aluno optar entre o francês e o inglês, provavelmente pelo fato de não
haver literatura médica em português naquele momento25, salienta Edler.
Ainda sobre as diferenças entre as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da
Bahia, Herschmann observou que a primeira tinha tradição clínica e influência francesa. A
segunda ingressou mais facilmente no campo experimental — patologia e bacteriologia — e
tinha como orientação as teses alemãs e italianas.26 De acordo com essa orientação, era
preciso implantar uma teoria que propusesse a fusão do saber médico e do jurídico. O médico
Nina Rodrigues é apresentado por muitos estudiosos como o responsável pela propagação
desse ideal e pela implantação de uma Medicina Legal no Brasil, via Faculdade de Medicina da
Bahia.27
A esse respeito, é possível perceber que as diferenças entre as Faculdades foram
reforçadas principalmente no início do século XX. No Rio de Janeiro, a ruptura da tradição
retórica e clínica, própria do século XIX, foi possibilitada principalmente pela influência e
trabalho de Oswaldo Cruz, além da fundação do Instituto de Soroterapia de Manguinhos. A
produção médica carioca passou a se concentrar sobre duas especializações: a Saúde Pública
e a Higiene. Por outro lado, no caso da Faculdade de Medicina da Bahia, é possível perceber,
segundo Herschmann, uma assimilação do discurso da Medicina Legal produzida na
Alemanha e na Itália.28
As implicações de tais diferenças foram claramente resumidas por Herschmann ao
observar que,
enquanto a tendência entre o s médico s cario cas (lo go em seguida à geração de Oswaldo Cruz e Carlo s Chagas)
é co mbater principalmente as do enças (as epidemias) e o s “maus hábito s” co tidiano s da po pulação , a tendência
entre o s médico s baiano s, tendo co mo referência a o bra de Nina Ro drigues (muitas vezes se o po ndo a alguns
de seus pressupo sto s), era a de co ncentrar-se so bre o do ente e as características transmissíveis de fo rma
hereditária.29
as auto ridades nacio nais e municipais, cujas respo nsabilidades pelo saneamento se superpunham em muitas
áreas, co mbinavam-se co m o s médico s da Esco la de Medicina e o s membro s da So ciedade de Medicina do Rio
de Janeiro para cuidar das epidemias quando elas surgiam.34
Na Idade Média, o s carrasco s se empenhavam em achar no co rpo das mulheres acusadas de bruxaria o po nto da
epiderme insensível à do r, cuja existência pro vava a relação das supliciadas co m Satã. Inútil dizer que, apó s
ho ras de to rtura, era fácil desco brir a famo sa marca da infâmia. Os médico s do século XIX, que destro çam o s
cadáveres do s suicidas, também acabam achando aquilo que pro curam, a marca, o sinal, a pro va. Gall co nsidera
o crânio do s suicidas mais espesso , Lo der o bserva um co rpo calo so e mo le, Cabanis percebe um teo r de
fó sfo ro superio r à média, Calmeil enco ntra marcas certas de amo lecimento cerebral. Jo usset, Bo urdin, Esquiro l
(este último reco nhece que suas dissecaçõ es não deram resultado ) declaram to do s que o suicídio é uma doença
mental ou um sintoma da doença. O suicídio não passa de uma categoria de loucura.1
O descrito pelos autores indica que na Europa, desde o final do século XVIII, era nos
corpos daqueles que se matavam que os médicos procuravam as respostas, os sinais e/ ou as
provas para as suas teorias sobre o suicídio.
Ao longo do século XIX, a maioria dos estudos médicos brasileiros sobre o suicídio
partiu da seguinte questão: o suicídio é um tipo de doença, moléstia ou distúrbio mental? Uma
tendência notada nos estudos é a de vincular o suicídio a um referencial patológico. Após
buscarem respostas e esboçarem conclusões, procuraram apontar as causas e os respectivos
sintomas do suicídio.
Para os médicos brasileiros, os indivíduos que se matavam — os chamados
“suicidas” — podiam ser alienados, loucos ou pessoas que não agiam de acordo com o livre
arbítrio. Em outras formulações, tratava-se de doentes que, sem necessariamente serem
loucos ou alienados, apresentavam algum tipo de alteração em suas faculdades mentais. Eram
vistos como portadores de vários tipos de perturbação mental, indivíduos sem instinto de
conservação, doentes que sofriam de algum tipo de neurose, como a histeria ou algo
semelhante.
Com essas referências, muitos médicos no século XIX afirmaram que os casos sem
nenhuma explicação ou causa aparente teriam sido produzidos por algum tipo de desarranjo,
distúrbio ou desequilíbrio mental. Direcionaram, assim, o olhar e a atenção para as dimensões
patológicas do fenômeno, e era nessa esfera que a resposta deveria ser formulada. Como
observou Herschmann, a medicina do século XIX em vez de anunciar a morte passou a cuidar
da ‘saúde dos corpos’; assim agindo foi possível buscar e encontrar o perigo, que não estaria
mais no clima e nem na saúde, em nós mesmos.2
Por ser o referencial patológico importante na tematização do suicídio, problematizei
o jogo de regras, os conceitos e as verdades produzidas pelo saber médico na investigação
desse ato, transformando-o, assim, em objeto de estudo e intervenção.
Apesar dessa tematização ter procedido da produção acadêmica e intelectual das
primeiras instituições médicas brasileiras do século XIX, a tendência de reconhecer no ato de
se dar à morte algum tipo de doença, moléstia ou sintoma mental, como por exemplo a loucura
ou a melancolia, era recorrente na Europa desde o século XVI, onde se localizavam as
principais Academias Médicas que influenciaram a produção médica científica brasileira.
LOUCURA E SUICÍDIO: HIST ÓRIA, CAUSAS E EXPLICAÇÕES
Vários estudos sugerem que a loucura foi, desde o século XVI, utilizada como causa
para explicar a morte voluntária.3 Contudo, essa “loucura” é diferente daquela outra que se
configurou na e pela medicina social, ou seja, entre o final do século XVIII e início do século XIX.
Até meados do século XVIII, e, portanto, anteriormente à modernidade, a loucura
ainda não tinha sido instalada na ordem das doenças que exigiam tratamento médico. Ela
ainda não era um objeto considerado “exclusivo” desse saber.4 A esse respeito, o historiador
Georges Minois foi taxativo, ao afirmar que um tipo específico de loucura foi utilizado em
grande escala para explicar a morte voluntária desde o século XVI, quando passou a ser
possível empregá-la como desculpa e fuga diante do pungente problema do pecado, que
nutria e fermentava o imaginário acerca da morte voluntária daquele período histórico.
Perseguida pela miséria, morte, obsessão do pecado e medo do inferno, a humanidade teria,
segundo Minois, embarcado na Nau dos Loucos.5
Após essa problematização inicial, os estudiosos do tema detectaram no crescente
domínio da razão sobre a loucura — característico do século XVIII — uma descontinuidade,
uma nova maneira de problematizar o ato de se dar à morte. A principal característica do
debate sobre a morte voluntária, no chamado século das Luzes, foi a abertura para novas
possibilidades de questões e respostas. Aos poucos, a morte voluntária tornou-se objeto de
calorosas discussões filosóficas, contribuindo desse modo para a sua desmistificação e
secularização. A partir do século XVIII, foram as explicações físicas, naturais, e até mesmo
sociais, que substituíram as antigas explicações sobrenaturais.
Como argumentou Peter Gay, por mais de um milênio a Igreja condenou o suicídio
como pecado, e no início do período moderno, seguindo essa orientação, o Estado colocou-o
na lista de crimes.6 Após a Reforma, a Igreja anglicana e as seitas protestantes também não
abriram mão de tal severidade: o impulso de autodestruição era uma tentação do demônio.
Assim, por muito tempo, negaram ao suicida os ritos religiosos e o enterro cristão a que os
mortais comuns, pecadores menores, tinham direito.
Em lugar da perseguição e do peso do pecado, dos demônios e das forças malignas,
a liberdade individual de decidir pela vida ou morte passou a encabeçar a lista das causas de
morte voluntária. O fato de uma existência não ser considerada digna, junto de considerações
em torno dos limites da liberdade humana, foram questões arduamente invocadas em diversos
trabalhos, principalmente os filosóficos, sobre o tema. Entre os pensadores que se dedicaram
ao estudo do suicídio no século XVIII, citados e/ ou criticados em teses médicas, destacaram-
se Charles de Secondat Montesquieu e François Marie Arouet, o iluminista dito Voltaire.
Montesquieu desenvolveu sua análise sobre o suicídio a partir de três questões
gerais. Em primeiro lugar, criticou a repressão jurídica, pois para ele o suicídio não era um
delito. Depois procurou apontar que esse tipo de morte não era uma falta cometida contra a
sociedade, e concluiu indagando se esse tipo de morte era ou não uma “perturbação” da
ordem divina, da Providência. Estas questões são encontradas em suas Lettres Persanes —
em especial a de número setenta e seis —, onde a crítica e o sarcasmo também estão
presentes para desmantelar todas as argumentações contrárias.7
O filósofo salientou que as leis da época que puniam o suicida eram injustas. A única
coisa que conseguiam fazer era matar pela segunda vez esses sujeitos, pois arrastavam os
cadáveres pelas ruas, infamavam o morto e confiscavam seus bens. Ficou explícito em
Montesquieu o uso que ele fez das indagações, para causar incômodo e interrogar os que
viam no suicídio um ato nocivo à sociedade, no lugar de apresentar certezas e respostas
prontas, racionais e acabadas: Por que querem que eu trabalhe para o bem de uma sociedade
que decidi abandonar e que eu cumpra, contra a vontade, uma convenção que nem mesmo
firmei? Respondeu ele: A vida me foi concedida como um favor; posso, pois, devolvê-la,
quando ela deixa de sê-lo. Dessa constatação, surgiu uma posição possível: cessando a
causa deve também cessar o seu efeito!
Finalmente, para indicar que o suicídio não perturbava a suposta ordem divina,
indagou:
Quando minha alma estiver separada do co rpo , haverá meno s o rdem e harmo nia no Universo ? Pensas que essa
no va co mbinação será meno s perfeita, estará meno s sujeita às leis gerais? Que co m essa mudança terá perdido
alguma co isa? E que as o bras de Deus serão meno s elevadas o u, melho r dizendo , meno s imensas? 8
Neste ponto da análise, pode parecer fora de lugar falar em Nietszche. Contudo, em
su a Genealogia da Moral, ele me intrigou ao analisar como são instituídos os valores, as
hierarquias e suas utilidades, além de sugerir uma maneira para questionar os modos por meio
dos quais as apropriações são possíveis. Suas palavras me auxiliaram a problematizar e a
entender os discursos médicos brasileiros sobre o suicídio e a ânsia por estudar, compreender
e intervir:
Fo ram o s ‘bo ns’ mesmo s, isto é, o s no bres, po dero so s, superio res em po sição e pensamento , que sentiram e
estabeleceram a si a seus ato s co mo bo ns, o u seja, de primeira o rdem, em o po sição a tudo que era baixo , de
pensamento baixo , e vulgar e plebeu. Desse pathos da distância é que eles to maram a si o direito de criar valo res,
cunhar no mes para o s valo res: que lhes impo rtava a utilidade! Esse po nto de vista da utilidade é o mais estranho
e inadequado , em vista de tal ardente manancial de juízo s de valo r supremo s, estabelecedo res e definido res de
hierarquias: aí o sentimento alcanço u bem o o po sto daquele baixo grau de calo r que to da prudência calculado ra,
to do cálculo de utilidade pressupõ e — e não po r uma vez, não po r ho ra de exceção , mas permanentemente. O
pathos da no breza e da distância, co mo já disse, o durado uro , do minante sentimento glo bal de uma elevada
estirpe senho rial, em sua relação co m uma estirpe baixa, co m um “so b” — eis a o rigem da o po sição “bo m”
“ruim”. (O direito senho rial de dar no mes vai tão lo nge, que no s permitiríamo s co nceber a pró pria o rigem da
linguagem co mo expressão de po der do s senho res: eles dizem “isto é isto ”, marcam cada co isa e
aco ntecimento co m um so m, co mo que apro priando -se assim das co isas).25
A alteração mais o u meno s pro funda do tecido do s principais ó rgão s de vida interio r, cujo s efeito s se fazem
especialmente refletir so bre a natureza e o caráter das idéias, no s o ferece também pro vas as mais evidentes da
ação que exercita cada um do s seus ó rgão s so bre o cérebro .27
é no predo mínio da sensibilidade, na qualidade das sensaçõ es e na ação do s princípio s vitaes e não no s
instrumento s das funçõ es nutritivas que reco nhecemo s a o rigem do suicídio . Para demo nstrar esta pro po sição
não iremo s ao cadáver; a abertura do s co rpo s em muitas circunstâncias indispensável para co nhecermo s a
natureza das mo léstias é quase inútil neste caso ; basta-no s para este fim a apreciação do sinto mas.34
(...) Quando no s ó rgão s submetido s à autó psia se não acham lesõ es que explique a causa da mo rte, mais
arbitrário é dizer que ela deve residir na textura de tal ó rgão , que po r delicada se to rna inacessível a no sso s
sentido s, do que fazê-las sentar em algum do s elemento s da vida, que pelo s seus efeito s não deixam duvidar de
sua existência.35
Para o autor, a análise dos sintomas testificou que a origem do suicídio devia ser
buscada nos elementos vitaes — em sua opressão ou aumento vertiginoso —, sugerindo que,
isoladamente, as causas físicas não seriam capazes de provar a origem do ato de se dar à
morte.
Depois de ter dissertado sobre o que era o suicídio e de apresentar o local da sua
sede — uma enfermidade com sede nas forças vitaes —, o passo seguinte foi enumerar as
diversas causas que afetavam e conduziam o indivíduo ao suicídio, entendido como ato
antinatural. Essas causas foram dividas em predisponentes36 e ocasionais.
As causas predisponentes — educação, diferenças entre os sexos, influência
hereditária e certos temperamentos —, como o próprio termo indica, dependiam de uma regra
que era geral nos estudos analisados: a predisposição individual. Quanto às causas ocasionais
— como a paixão, vista como causa de quase todas as moléstias mentais —, que receberam
mais atenção em seu estudo, também dependiam, em última análise, da predisposição de
cada um, mas não se limitavam a ela.
Por essas razões, pensei que o estudo do Dr. Rodrigues Torres possuísse uma
pretensão de inovar a tematização e de apresentar uma advertência aos estudiosos do
suicídio, mas observei que ele, assim como os demais autores, pensou todas as causas de
suicídio ligadas à e/ ou dependentes da predisposição individual. O autor em questão não
conseguiu escapar de uma tendência própria de seu tempo.
Mais de uma década depois da defesa da tese de Rodrigues Torres, um outro
médico, em outra instituição — a Faculdade de Medicina da Bahia —, discorreu sobre o ato de
se dar à morte. Para os doutores Freitas Albuquerque e Rodrigues Torres, o suicídio era uma
doença. Porém, ao contrário do médico carioca — que viu na relação com a força e com os
elementos vitaes a origem do ato suicida —, o Dr. Freitas Albuquerque detectou, entre os
vários tipos que podiam subitamente invadir o ser humano, a monomania suicida.
Segundo ele, também conhecedor das teses francesas sobre as doenças mentais e
sobre o suicídio, a monomania era um delírio da inteligência, com predomínio de uma idéia fixa,
de um sentimento ou de uma paixão. Ela podia ser raciocinante — quando o doente obrasse
com uma convicção íntima, sendo sua loucura evidente — ou instintiva — quando não fosse
encontrada ou observada nenhuma desordem das faculdades intelectuais. Nesse último caso,
o sujeito era levado a atos que ele mesmo reprovaria se estivesse em seu estado “normal”,
tendo sua vontade vencida pela idéia de roubo, incêndio, suicídio, entre outras.
De acordo com o Dr. Freitas Albuquerque, em ambos os casos de monomania o
conjunto de sintomas era muito variado, ampliando quase ao infinito a possibilidade de
ocorrência e dificultando os “necessários” diagnósticos. Quanto à identificação e definição dos
sujeitos suicidas, ao mesmo tempo em que os doentes podiam apresentar a face afogueada e
o olhar vivo e brilhante, também podiam apresentar a face macilenta, amarelada, lívida,
contraída e o olhar fixo, sombrio e “ameaçador”. Além do mais, se muitos eram loquazes,
expansivos e galhofeiros, outros tantos eram tristes, taciturnos e incomunicáveis.
Estabelecendo dois extremos, o olhar médico foi responsável por localizar e identificar os
suicidas, enquadrando praticamente a todos. Porém, nessa diferenciação estabelecida pelo
autor, que foi baseada em extremos, um detalhe devia receber atenção especial de todo
médico que se aplicasse a esse tipo de estudo: a apreciação da fisionomia, considerada como
“espelho d’alma”. Isso porque, de acordo com a sua concepção, ela adquiriria um tipo
característico — um “quê” indefinido, que feriria à primeira vista o observador atento, um
detalhe variável segundo a natureza da idéia delirante.37 No entanto, o autor não definiu o que
seria esse “quê” característico dos sujeitos suicidas. Ainda assim, afirmou ser observável e
distinguível, pelo menos para aqueles iniciados e educados pela ciência médica, constituindo
dessa maneira novas relações de saber-poder.
Da monomania suicida à erótica, passando pela religiosa, em todos os casos, de
acordo com o Dr. Freitas de Albuquerque, esse “quê” indefinível podia ser percebido. Os
tristes, os eufóricos, os audaciosos, os medrosos, entre tantos outros, independentemente da
monomania que os invadisse, apresentariam o mesmo sinal, que deveria ser percebido pelo
olhar experiente e sábio do médico.
Mas o que seria, segundo essa concepção, a monomania suicida? Segundo essa
teoria, nesta espécie de monomania, a idéia fixa e constante era o suicídio. Assim, o doente, o
monomaníaco suicida, derramava o seu próprio sangue por razões recorrentes: livrar-se de um
estado físico e moral a que se supunha reduzido e a que só a morte era preferível; gozar da
felicidade suprema após a vida; obedecer ao mandamento do Alto ou evitar uma morte
desonrosa e atormentada.
A monomania suicida ainda poderia ser raciocinante ou instintiva. A raciocinante foi
caracterizada, segundo o autor, pelo capricho dos doentes na escolha dos meios e do gênero
de suicídio. A instintiva foi caracterizada unicamente pelo desejo que o sujeito apresentava de
pôr fim a seus dias. Neste último caso, a escolha das técnicas, instrumentos e lugares não era
importante, pois o suicida era guiado exclusivamente pela vontade de morrer, caracterizando
assim o ato como “impensado”.
Há, ainda, outro ponto a ser considerado, e que se refere diretamente à classificação
acima. A monomania suicida podia ocorrer rápida ou lentamente. Em geral, as que ocorriam
rapidamente eram as instintivas. As que ocorriam lentamente, corroendo a vontade do
indivíduo, eram as do tipo raciocinante, porque os suicidas arquitetavam o melhor meio para
pôr fim à vida e renovavam periodicamente as tentativas e planos.
Quanto às causas das monomanias, elas foram divididas em predisponentes —
hereditariedade, idade, temperamentos e profissões — e determinantes. Segundo essa
concepção, as determinantes eram as principais causas e, por isso, foram subdividas em
físicas — temperatura, excessos de qualquer natureza, desordens, cessação da menstruação,
prenhez e parto38 — e morais — paixões, ódio, amor; todas utilizadas para explicar origem,
fonte e móvel da morte.
Por assim pensar, o autor não desenvolveu nenhuma crítica explícita ao suicídio.
Não dissertou sobre o fato de ser ou não o suicídio um ato que acarretasse qualquer tipo de
responsabilidade social, moral ou legal. Afinal, os sujeitos suicidas eram vistos como doentes,
mesmo nos casos de monomania raciocinante. As causas apresentadas foram as mesmas
observadas em todo tipo de monomania, não só na suicida. Por estas razões, a singularidade
do discurso do Dr. Freitas Albuquerque baseou-se no fato de ele ter partido exclusivamente do
conceito de monomania para pensar e explicar o ato suicida. Ele utilizou um conceito e um
referencial próprios daqueles que se dedicaram ao estudo das doenças e distúrbios mentais
para pensar tal ato. Talvez tenha sido essa opção a causa dos limites históricos de seu
trabalho.
O Dr. Nicoláo Joaquim Moreira, assim como os doutores Rodrigues Torres e Freitas
Albuquerque, buscou reconhecer no ato suicida a porção ou grau de enfermidade ligado às
faculdades mentais.39 Seu trabalho apresentou uma novidade, pela maneira como abordou o
tema e os meios utilizados para buscar respostas. Sua principal tese foi a diferenciação entre
os dois tipos de suicídio: o “filho da loucura” e o “refletido”. O primeiro deles era cometido por
um louco, e o segundo, por alguém que gozasse de excelente estado da razão:
O suicídio , senho res, se uma vez é um ato filho da lo ucura, o utras vezes verifica-se co m a integridade da razão , e
a pro va enco ntramo s no co mbate travado entre o ho rro r da mo rte e o peso da vida, entre a deso nra e a miséria e
o instinto de co nservação ; nessa luta entre a existência e o aniquilamento , e cujo exame feito no tribunal da
co nsciência do infeliz o btém uma so lução co nfo rme seus sentimento s, suas crenças e o s hábito s de sua vida
inteira.40
As causas, po rém, do suicídio refletido são mais co nhecidas e po demo s mesmo dizer que são tantas quanto s
o s mo veis das paixõ es humanas; a má educação , a ausência de princípio s religio so s, o s co stumes, as crenças,
a leitura de livro s licencio so s, a po breza, o amo r co ntrariado , o s embaraço s financeiro s, o o rgulho , a vaidade,
enfim to das esses paixõ es que suscitadas pelo pró prio ho mem e nutridas em seu pró prio seio to rnam-se depo is
um veneno que ino culado em seu co ração , co rro e sua existência.43
Assim, as paixões que afetavam o homem, presentes e criadas nos e pelos grandes
centros, alimentadas pelos vícios e abusos, foram apresentadas como importantes causas de
suicídio.
Ao ressaltar a necessidade de diferenciar causas e tipos de suicídio — o cometido
por um doente mental e o cometido por um homem saudável, gozando do pleno uso das
faculdades mentais —, o Dr. Moreira dedicou atenção especial aos “refletidos”. Sua análise foi
guiada pela indignação e repúdio. Não considerava justificáveis os casos refletidos, de maior
número, e por isso pregava a necessidade de serem empregados todos os esforços, não só os
da classe médica, na luta contra o ato de se dar voluntariamente à morte. Esse ato seria sinal
de desrespeito às leis criadas e impostas para garantir o “bem viver”, ou seja, para garantir
uma vida ordenada, normatizada e medicalizada.
Segundo o autor, na luta travada no “tribunal da consciência” entre a existência e o
aniquilamento, duas soluções se apresentavam: continuar vivendo ou colocar fim à existência.
A segunda opção, se fosse fruto de um cérebro capaz, seria inaceitável. Contra tal opção,
governos, leis, moral, filosofias, religião, literatura, imprensa e medicina, unidos e devidamente
guiados pelos mais sábios e experientes no que diz respeito à temática, deveriam mostrar aos
homens a necessidade de não se deixarem abater pela adversidade e/ ou pelas paixões.
Sua posição é demonstrada na epígrafe de seu discurso: para conhecer o homem é
necessário estudá-lo em sua alma e não em seu envoltório material; o médico que se volta ao
serviço da humanidade deve unir a medicina, a moral, a filosofia, sem cujos conhecimentos
imperfeitamente preencherá sua missão.44 Assim, o Dr. Moreira sublinhou sua posição de
considerar o suicídio um erro, caso fosse “refletido”, ou uma doença, caso cometido por um
doente mental. Em ambos os casos, a vida não pertenceria ao sujeito transformado em
suicida.
A distinção elaborada por ele apresentava um importante fator, já analisado no
primeiro tópico deste capítulo: o de definir o grau de responsabilidade do ato suicida. Ficou
evidente que, nos casos de suicídio provocados por qualquer tipo de doença mental, como por
exemplo a monomania, o sujeito que o praticava não era visto como responsável por seu ato.
Em compensação, aquele que agisse seguindo um plano, devidamente arquitetado por uma
mente considerada “sadia e capaz”, era responsável direto e único e, por isso, visto como
transgressor. Por razões semelhantes, ele revelou uma certa nostalgia do período anterior ao
seu, quando o suicídio era visto como crime e delito, acarretando conseqüências e
responsabilidades àquele que ousasse praticar um ato tão grave. Segundo ele, era preciso, a
todo custo, impedir que o suicídio continuasse a ser praticado, mesmo que para isso fosse
preciso culpabilizar, incriminar e estigmatizar o sujeito que recusasse a vida em sociedade. Era
urgente que o médico, historicamente transformado em responsável pela saúde,
permanecesse vigilante diante do recorrente perigo à vida.
O discurso do Dr. Moreira sugere que, durante o século XIX, o saber médico foi
estruturado para pensar, agir e tratar o suicídio interpretando-o como fruto da loucura, pois
utilizava os mesmos parâmetros e teorias das doenças mentais. Ele indicou a necessidade de
observar atentamente o social, para completar a tarefa de impedir que atos como o suicídio
continuassem a perturbar a ordem e as leis que regiam a vida e foram criadas para garantir o
“bom funcionamento” da sociedade. Como em outros discursos apresentados, o do Dr. Nicoláo
Joaquim Moreira também utilizou as balizas do patológico. Afinal, muitos sujeitos estavam
inseridos e viviam em uma mesma sociedade, mas nem todos se suicidavam. Todos eram
influenciados pelas mesmas forças e pelos mesmos vícios, mas somente alguns se matavam.
Qual a razão disso? Depois de alargar o campo das causas de suicídio, o olhar do médico
voltou-se para as balizas do próprio pensamento médico, ou seja, o patológico, o individual e
as predisposições.
Depois do trabalho do Dr. Moreira, outros médicos seguiram o mesmo percurso. O Dr.
Nabuco de Araújo desenvolveu sua tese a partir da diferenciação entre o suicídio cometido
por um doente mental e o outro, seu oposto, “produto da reflexão”. Apresentou, assim, a
possibilidade de concebê-lo de duas maneiras, como ato voluntário ou involuntário.
Nos casos de suicídio voluntário, que receberam destaque no estudo do Dr. Nabuco
de Araujo, o suicida foi apresentado como um sujeito que dispôs de tempo e astúcia para
deliberar sobre a morte, de modo tal que se podia, segundo o autor, reconhecer em seu
procedimento uma perfeita aplicação do livre arbítrio. Nesse sentido, é importante esclarecer
que o facultativo relacionou “livre arbítrio” às faculdades mentais, à razão. Assim, “perfeita
aplicação do livre arbítrio” queria dizer, nesse contexto, a capacidade de raciocinar, de refletir
sobre os modos, os resultados e os desdobramentos do ato de se dar à morte. Em oposição,
havia aquele constituído pelo sujeito que praticava o suicídio tão subitamente que era
impossível deixar de pensar que o “infeliz” desvairou-se de repente e foi impelido a abandonar
a vida. Esses suicidas revelavam em suas escolhas o grau de enfermidade, desrazão e loucura
a que estavam presos. Feitos e transformados em sujeitos doentes, eram pessoas incapazes
de optar pela vida, por isso se suicidavam.
Como aconteceu com o Dr. Freitas Albuquerque (1858), para o Dr. Nabuco de Araujo
45
(1883) a monomania era uma das causas de suicídio, entendido aqui como ato involuntário.
Seu estudo também se aproximou muito da posição do Dr. Moreira, por reforçar a distinção e a
necessidade dos médicos estarem sensíveis à diferenciação do ato. Segundo ele, os médicos,
ao invés de ficarem vendo em todos os atos suicidas manifestações de algum tipo de doença
mental, deveriam analisar todos os casos para encontrar as causas dos dois tipos de suicídio,
e não somente o involuntário, produto de algum distúrbio ou anomalia mental. É interessante
destacar que todas as teorias médicas até aqui analisadas afirmaram a possibilidade dele
ocorrer entre os doentes mentais; em nenhuma obra esse pensamento foi questionado. Isso
demonstra a concordância do pensamento médico brasileiro do século XIX com a tese, muito
difundida nas Academias médicas francesas, de ser natural e óbvio o suicídio de um sujeito
doente e anormal.
A preocupação do Dr. Nabuco de Araujo com a diferenciação do suicídio tinha uma
justificativa. Para ele, na maioria dos casos, o suicídio era refletido e premeditado, e não um
ato involuntário. Por isso, era urgente um estudo detalhado que ultrapassasse os limites do
mental, que mostrasse o suicídio não necessariamente como moléstia, pois ele poderia ser, às
vezes, sintoma mórbido ou inconstante, até acidental, de estados de alienação. Além disso,
havia a possibilidade de ser um ato de livre arbítrio, próprio de um ser pensante. Já as causas
do suicídio voluntário seriam mais complexas, por serem exteriores ao indivíduo embora o
influenciassem sobremaneira: uma resolução deliberada e influenciada por erros, vícios,
excessos e publicidade do ato considerado criminoso, por negar, também, as conveniências
sociais. Evidentemente, o autor abordou o problema do suicídio alargando as possibilidades
dele ocorrer e ampliando o horizonte do olhar médico, ao rastrear as origens das suas causas.
Ato próprio de um ser pensante, o suicídio continuava sendo dilema, à medida que nem todos
os indivíduos se entregavam à morte, ainda que convivessem em um mesmo tempo,
participassem da mesma sociedade e fossem influenciados por situações idênticas.
Ainda que tentassem, parecia ser impossível que as teorias médicas utilizadas
fugissem das considerações e abordagens patológicas. Desse modo, ficou evidente o percurso
utilizado por esses médicos brasileiros, que apresentaram seus estudos e análises em
instituições cariocas — aqui e por mim privilegiadas —, além de algum outro estudo defendido
em outra instituição, e por mim encontrado durante a pesquisa feita nos acervos da Academia
Nacional de Medicina, antiga Academia Imperial.
Reunindo o que já foi apresentado, temos que inicialmente o suicídio foi
problematizado como uma alteração do juízo, um distúrbio das faculdades intelectuais. O
passo seguinte foi pensá-lo no predomínio da sensibilidade, na qualidade das sensações, na
opressão/ diminuição ou aumento/ perversão das forças vitaes. Nessa seqüência cronológica, o
estudo seguinte classificou-o como doença — a monomania suicida —, utilizando todo o
arsenal explicativo das doenças mentais. Já na segunda metade do século, a distinção entre
dois tipos distintos de suicídio — o refletido e o produto da loucura — norteou todos os
demais trabalhos e estudos sobre a temática. Essa distinção possibilitou uma mudança na
problematização do suicídio. Por isso, alguns pontos necessitam de reflexão.
Em primeiro lugar, todos os discursos aqui apresentados e analisados são unânimes
no que diz respeito às causas patológicas do suicídio. Todos, sem exceção, viram no ato de se
dar à morte alguma relação — doentia, anormal ou de desequilíbrio — com o mental, a razão.
Mas havia uma diferença entre os discursos. Se alguns problematizaram o suicídio
exclusivamente a partir das alterações patológicas, outros identificaram, também, as causas
exteriores ao próprio indivíduo, que afetavam o corpo influenciando-o a ponto de acarretar
mudanças comportamentais.
A partir do momento em que os médicos brasileiros começaram a explorar as causas
de suicídio consideradas “exteriores” ao indivíduo, o olhar do médico responsável pela
tematização foi redirecionado para o social. Lembro ao leitor que tal postura estava de acordo
com o tipo de medicina praticada no Brasil, principalmente durante a segunda metade do
século XIX, a medicina social. Mas também é preciso lembrar que este “social”, considerado
“exterior” ao indivíduo, podia perturbar, alterar e modificar o corpo, a esfera patológica.
Um dos únicos trabalhos que apresentou dados estatísticos sobre o suicídio foi o do
jurista Francisco José Viveiros de Castro, O suicídio na Capital Federal. Estatística de 1870 a
1890. Ele indicou 633 suicídios e 925 tentativas do ato, totalizando 1.558 casos registrados no
Rio de Janeiro, entre 1870 e 1890.46 Desse total, Viveiros de Castro destacou que 183 foram
devidos à loucura, 174 devidos aos desgostos domésticos — sem indicar o que seriam tais
desgostos — 133 à embriaguez e 92 às paixões, principalmente as amorosas. Observa-se
assim a necessidade, já citada, de explorar as causas de suicídio consideradas “exteriores” ao
indivíduo, mas sem esquecer das predisposições individuais. Saliento serem os casos devido à
loucura os de maior número. Como já afirmei, isso sugere a histórica tendência de conceber o
ato como naturalmente ligado aos distúrbios, desarranjos e desequilíbrios do mental.
Dois caminhos necessários à compreensão do suicídio foram sugeridos. No primeiro,
as alterações físicas/ patológicas foram analisadas como causas. No segundo, os doutores
brasileiros, seguindo uma tendência comum a trabalhos franceses sobre o tema, começaram a
observar e analisar outras causas, presentes e produzidas pelo meio no qual o indivíduo
estava inserido, do qual era produto e, também, produtor. Por essas razões, o olhar médico foi
obrigado a buscar nesse meio, passível de observação e alteração médica, tudo o que poderia
fazer um indivíduo se matar. Ampliavam-se, assim, as formas de problematizar o suicídio, o
sujeito e o próprio meio social. Contudo, essa ampliação foi limitada pela necessidade de
vincular direta ou indiretamente os casos de suicídio aos distúrbios, desarranjos e
desequilíbrios mentais. De acordo com essa posição, o sujeito que se matava poderia ser um
doente consciente das conseqüências e implicações de seu ato, ou um doente que colocou
fim à sua vida sem saber, ou melhor, sem poder avaliar com precisão os desdobramentos do
seu ato, por estar com as faculdades mentais e intelectuais em desordem, afetada por algum
tipo de doença ou distúrbio mental. O primeiro sujeito foi, portanto, considerado responsável, e
o segundo, irresponsável.
Um caso exemplar de tal concepção foi o suicídio de Manoel Teixeira Maciel, médico,
natural do Rio de Janeiro e residente na cidade de Amparo, em São Paulo, onde aconteceu a
morte. As primeiras notas acerca da morte de Teixeira Maciel foram publicadas na Tribuna
Amparense, no Diário de Campinas e na Gazeta de Campinas, em janeiro de 1878. Foi,
contudo, o Diário de Campinas que publicou todas as reações provocadas pelo suicídio do
ilustre facultativo.47 Ao ser noticiada, sua morte acabou produzindo um debate público sobre o
suicídio, que logo foi transformado em embate e jogo de forças, envolvendo diversos saberes.
Tal debate teve como meta principal a explicação daquele suicídio. Muitos amigos e
companheiros de profissão de Maciel tentaram preservar a memória do indivíduo e a do
médico, alegando que o suicídio dele tinha sido um ato de loucura. Por ser esclarecido e
talentoso, ele não poderia ter se suicidado sem nenhum motivo aparente e nem ter dado a
perceber o mal que supostamente o desnorteava. Preocupados com a imagem que seria
construída e divulgada pela imprensa, vários médicos negaram a responsabilidade do suicida
em relação ao ato.
Para reforçar a tese de irresponsabilidade, os escritos deixados pelo suicida foram
utilizados como prova, tendo em vista a construção do perfil e da personalidade de Maciel. A
imagem que pretendiam legar era a do médico alentado pelas mais ridentes esperanças, moço
alegre, satisfeito e prestimoso, mas que ocultava em seu cérebro — órgão onde estaria
depositada, segundo tais médicos, a razão, o pensar e o ponderar — uma fatal lesão. Criou-se,
assim, uma identidade para Teixeira Maciel, a do suicida louco. Afirmaram ser irresponsável o
ato do colega; afinal, se o cérebro estava lesado, como conseguiria raciocinar, pensar e
ponderar sobre as conseqüências de seu suicídio?
Por outro lado, a Igreja proibiu o sepultamento do cadáver no cemitério da cidade,
fazendo uso de um discurso exatamente oposto ao dos médicos amigos de Teixeira Maciel.
Para a Igreja, representada pelo vigário Antonio José Pinheiro, que também publicou sua
posição em jornais da região, o suicídio era considerado pecado imperdoável, se cometido com
a integridade da razão, pois somente a Deus pertencia o direito de dispor ou não da vida e da
morte.
Ao mesmo tempo em que o Dr. Bittencourt, amigo pessoal de Maciel, tentava
construir nos jornais uma realidade que explicasse o suicídio em questão através das
concepções médicas — indivíduo monomaníaco, louco e irresponsável por seu ato —, tentava,
também, construir uma outra, que pudesse servir de base ao confronto com a Igreja. O suicida
foi apresentado como uma pessoa esclarecida, homem bom, médico prestimoso e respeitado,
que manteve o coração sempre aberto aos mais delicados sentimentos da caridade. Desse
modo, como negar sepultura a um homem de virtudes cristãs, que por causa do estado
doentio do cérebro havia se suicidado?
Para justificar sua conduta, o vigário Antonio José Pinheiro encaminhou ao jornal as
suas explicações. Por meio de carta publicada no Diário de Campinas, em 1 de fevereiro de
1878, o vigário, após reiterar que a Igreja sempre negou sepultura em seu cemitério aos
suicidas não loucos, afirmou possuir contundentes informações de um outro médico, o Dr.
Caetano Monfort, que lhe teria dissipado toda e qualquer dúvida acerca do estado mental do
suicida.
Cabe ressaltar que o suicídio cometido em plena integridade da razão era um
pecado imperdoável. Nesses casos, o suicida não poderia gozar, após a morte, dos benefícios
oferecidos àqueles que sofreram, mas que, como Cristo, souberam carregar as suas cruzes.
Contudo, nesses argumentos, percebi a presença significativa do saber/ poder médico que
percorria a sociedade — como as práticas cotidianas — em busca do irracional e do anormal.
Note-se que, ao se deparar com um fenômeno que necessitava de uma explicação, a Igreja
utilizou o aval médico para se posicionar. Quem dissipou a dúvida sobre o estado mental do
suicida, quem definiu os critérios de normalidade, quem deveria saber se o sujeito suicida era
ou não um doente mental, era o médico — nesse caso, o Dr. Monfort —, portador do saber
necessário para elaborar tal diagnóstico. Assim, uma vez concluído pelo Dr. Monfort — amigo
íntimo do suicida e destinatário de uma das cartas por ele deixadas — que Teixeira Maciel
estava louco, a Igreja utilizou tal diagnóstico para proibir o enterro, não respeitando o
diagnóstico contrário do Dr. Bittencourt, para quem o ato havia sido cometido por um doente.
Com esse caso foi possível perceber, uma vez mais, que o saber assegurou o
exercício do poder, foi capaz de diagnosticar a normalidade e a anormalidade no tecido social
e estabelecer, inclusive, os limites entre elas.
Ainda expondo e analisando as duas possibilidades de suicídio — o refletido e o
irrefletido —, foi necessário sublinhar os casos daqueles que se mataram voluntariamente,
após refletirem sobre os meios, gênero de morte, lugar e conseqüências do ato e os daqueles
que gozavam da perfeita capacidade do raciocínio, vistos como desertores, fracos, perigosos e
até mesmo criminosos. O ato era considerado antinatural e repugnante, por ter como causas
certos fatores e influências presentes no próprio meio social, onde muitos outros também
viviam sem ao menos cogitar a idéia de suicídio. Era preciso, então, avaliar porque alguns
indivíduos submetidos a certos lugares e situações optavam pela morte e muitos outros, a
maioria, pela vida. Essa questão teve início no século XIX, mas muito tumultuou o século
seguinte. A resposta parecia estar em questões individuais, em predisposições.
Convém, todavia, ressaltar que o suicídio não foi considerado crime pela justiça
brasileira. O Código Criminal do Império do Brasil - 1830 ( Título II: “Dos crimes contra a
segurança individual”; Capítulo I: “Dos crimes contra a segurança da pessoa e vida”; Seção I:
“Homicídio”, Art.196), define ser crime ajudar alguém a se suicidar ou fornecer-lhe meios para
esse fim, com conhecimento de causa. A pena, neste caso, era a prisão por dois a seis anos.
No entanto, percebe-se que o ato em si não era considerado um ato criminoso, passível de
pena.
O novo Código Penal de 1890 alterou essa estrutura. Não havia mais um artigo sobre
o suicídio dentro do capítulo dedicado ao homicídio, mas um exclusivo (Título X: “Dos crimes
contra a segurança de pessoa e vida; Capítulo III: “ Do suicídio”, Art. 299). Assim, ficou definido
que era crime induzir ou ajudar alguém a se suicidar, ou para esse fim fornecer-lhe meios, com
conhecimento de causa. A pena para esse crime era de prisão celular por dois a quatro anos.
O suicídio continuou não sendo crime e a pena máxima para a indução ou ajuda foi reduzida
de seis para quatro anos.48
Apesar de alguns doutores defenderem a idéia de ser o suicídio um ato criminoso
contra a própria vida e, em certa medida, contra a sociedade, não conseguiram aplicar tal
posição no que diz respeito ao saber jurídico e suas normatizações. Se a justiça brasileira não
impôs pena a quem tentou o suicídio ou a quem se matou, outros discursos, como o médico,
encontraram formas de penalizá-lo, seja classificando o indivíduo como louco, incapaz,
desequilibrado e doente, seja como fraco, desgraçado, criminoso, perdido e entregue ao vício e
as paixões.
Prova disso era o fato de os jornais se referirem ao suicida como infeliz, desgraçado,
desesperado, louco, indivíduo que sofria das faculdades mentais, e ao suicídio, como ato de
loucura, triste acontecimento, ato de desespero:
SUICÍDIO
Em São Paulo suicido u-se, disparando co ntra si do is tiro s de revo lver o mo ço Gustavo B. de Salles Guerra,
victima ultimamente de pertinaz enfermidade.
O infeliz suicida, segundo narram seus íntimo s, algum tempo a esta parte dava claras demo nstraçõ es de so frer
das faculdades mentais.49
Mesmo naqueles casos em que não fosse relatada a causa do suicídio, essas
imagens ligadas ao universo do mental estavam fortemente presentes:
A 15 do co rrente suicido u-se, na sua fazenda do município de Atibaia, o fazendeiro Jo sé Amaro Leite.
Segunda-feira, depo is de minucio sas pesquisas, fo i enco ntrado nas matas do Jardim Bo tânico um cadáver já em
adiantado estado de putrefação , tendo a seu lado um revo lver. Verifico u-se ser o cadáver do mo ço que havia
desaparecido , Olympio Teixeira Leite. Olympio era um mo ço po ssuido r de regular fo rtuna; deixo u uma carta, na
qual segundo diz declarava que mo tivo s particulares o tinham levado à prática daquele ato de desespero.51
A tendência de buscar diferenças entre os dois tipos de suicídio foi observada no
Brasil durante a segunda metade do século XIX. Na França, país que muito influenciou a
medicina brasileira no período estudado, a busca já era evidente nos primeiros anos do mesmo
século. Pelo fato de muitos médicos brasileiros revelarem profundo conhecimento de teorias e
das obras francesas sobre o tema, penso ser importante apresentar e analisar o trabalho de
Esquirol, o mais citado em estudos médicos brasileiros do século XIX.
A REPERCUSSÃO DO PENSAMENT O MÉDICO FRANCÊS E SUA
APROPRIAÇÃO PELO DISCURSO MÉDICO BRASILEIRO
Uma idéia me perseguia. Depo is daquela mulher nada ho uvera mais para mim. Quem uma vez bebeu o suco das
uvas purpurinas do paraíso , mais nunca deve inebriar-se do néctar da terra... Quando o mel se esgo tasse, o que
restava a não ser o suicídio ? 3
EM MÔNACO
Durante o ano de 1897 suicidaram-se em Mô naco , apó s a perda de grandes quantias no Cassino daquele
principado , trinta e cinco pesso as, o u seja, quase uma média mensal de três indivíduo s que ali fo ram, buscar a
fo rtuna e enco ntraram a mo rte.6
SUICÍDIO
Suicido u-se anteo ntem em Santo s o alfaiate Hugo Harris. O infeliz freqüentava há tempo s assiduamente casas de
jo go , e presume-se que fo ram as perdas na ro leta que o co nduziu a tão desesperada reso lução .7
Esses casos sugerem em que medida a imaginação literária podia moldar e constituir
o imaginário social. Tanto em obras ficcionais, como em notas de “suicídios reais”, era possível
perceber uma sintonia de causas, motivações e meios. Não por acaso, esse foi o principal
medo dos médicos que estudaram o suicídio: a vida copiar a arte; pessoas reais imitarem os
heróis literários.8
Em 1900, anos depois de Tchaikovsky, o italiano Giacomo Puccini nos levou a Roma,
mas precisamente ao luxuoso Palácio Farnese e ao Castelo Sant’Angelo, com a ópera Tosca.
Neles desenvolveram-se a história e o romance entre a célebre cantora e grande diva da
época, Floria Tosca, e o pintor Mario Cavaradossi. Além desses personagens, outros dois, o
Barão Scarpia e o auxiliar Spoletta, envolveram-se na vida e na morte de Tosca e Cavaradossi.
Vítima de chantagem por parte de Scarpia, que a desejava ardentemente e havia
capturado Cavaradossi, Tosca suicidou-se ao descobrir que o acordo firmado com seu algoz,
para garantir a vida de seu amado, não tinha sido cumprido. Cavaradossi estava morto. Sem
razão para viver, preferiu saltar do parapeito do Castelo Sant’Angelo, recusando a vida sem o
seu amado.
Muitas outras histórias relataram como e porque homens e mulheres deixaram de
viver, preferiram a morte à vida. As diversas histórias sugeriram uma pluralidade de causas, de
concepções acerca das paixões. Uma gama quase infinita de possibilidades, para pensarmos
em que medida as paixões influenciavam e permitiam mortes por suicídio. Contudo, foi
possível observar uma tendência presente em tais possibilidades: a de identificar e analisar as
desordens provocadas pelas paixões, mentais e patológicas, mas também morais e sociais.
Essa mesma tendência também foi percebida nos trabalhos médicos brasileiros.
Antes de focalizá-los, o primeiro passo na tarefa de analisar os discursos médicos produzidos
no século XIX foi compreender quais as definições construídas e utilizadas para as paixões.
Por assim pensar, me dediquei à apresentação e análise de algumas obras que tentaram
defini-las. O objetivo não foi buscar uma essência ou definição para “paixão”, mas sim
identificar a pluralidade de seus usos e significados, para compreender as formas de sua
construção nesses saberes, fornecendo elementos para historicizar o conceito.
AS DIVERSAS CONCEPÇÕES ACERCA DAS PAIXÕES
Palavra que designa múltiplos significados, conceito que denota atitudes, causas e
objetos variados, a paixão é invocada em referências também plurais. Nada nesse campo é
concreto, modelado, de simples definição e de fácil observação e análise. Mas, antes de tudo, é
importante estabelecer critérios ao trabalharmos com as chamadas “paixões”.
Segundo trabalhos recentes, como o Dicionário Aurélio, paixão é um sentimento ou
emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão; amor
ardente; inclinação afetiva e sensual intensa; afeto dominador e cego; obsessão; entusiasmo
muito vivo por alguma coisa; atividade, hábito ou vício dominador; desgosto, mágoa e
sofrimento; arrebatamento, cólera ou disposição contrária ou favorável a alguma coisa, e que
ultrapassa os limites da lógica.9 De acordo com o dicionário francês Le Petit Robert, paixão é
sofrimento; todo estado ou fenômeno afetivo; estado afetivo e intelectual muito forte que
domina a vida do espírito pela intensidade de seus efeitos ou pela permanência de sua ação;
uma viva inclinação a um objeto que se persegue e ao qual se dedica todas as suas forças;
afetividade violenta que anula todo o julgamento; opinião irracional, afetiva e violenta. São
relacionados como seus antônimos a calma, o desapego, a lucidez e a razão.10 O dicionário
enciclopédico Koogan Larousse define a paixão como sendo um movimento violento,
impetuoso do ser para o que ele deseja; atração muito viva que se sente por alguma coisa,
objeto dessa afeição; predisposição para ou contra; arrebatamento, cólera, afeição muito
forte.11
Essas três obras destacam o caráter intenso, violento e impetuoso das paixões;
atividade, movimento, tendência, afetividade e/ ou sentimento que domina, arrebata e subjuga
o homem; força que transgride os limites prescritos pela razão; em última instância, a distinção
entre paixão e razão.12 Essas definições e sentidos foram recorrentemente utilizados pelos
médicos brasileiros no século XIX. Para eles, fez sentido opor paixão a razão para explicar
como as paixões conduziam os homens ao seu fim, à morte, ao suicídio.
Segundo Delley, estudioso do tema, inclusive em seu aspecto histórico, as paixões
podiam representar a irrupção na alma do homem de qualquer coisa mais forte do que ele
mesmo, conferindo-lhe grandiosidade trágica, na medida em que o entregavam ao infortúnio
do impossível. Escapavam ao controle: vontade e razão nada podiam contra o seu poder
invasor.13 Em La passion, l’obstacle et le roman, Delley apresentou as paixões como força
contrária à razão.
Outra autora que estudou a temática e se aproximou da perspectiva de Delley foi
Geneviève Dewulf. Ela definiu a paixão como violenta e intensa, de uma força que se exprimia
literalmente por múltiplas metáforas, inconcebível sem o desejo, que se manifestava sob
múltiplas formas. Assim, a paixão era ebulição interior, mas se traduzia às vezes,
paradoxalmente, por uma dolorosa impotência de ação, excluindo toda possibilidade de
análise, inclusive a racional.14
Mériam Korichi advertiu para a complexidade, e mesmo para o problema do uso da
palavra e do conceito “paixão”. Desse modo, historicamente a instabilidade semântica da
“paixão” permitiria muitas nuanças, que seriam, para Korichi, algumas tonalidades diferentes
para a palavra: sofrimento, infelicidade, doença, desejo, comoção e afeto.15
Um outro aspecto a ser destacado é que essa riqueza semântica pode ter sido fator
de tensão no seio da própria noção. Como exemplo de tensão, o autor citou a observável
dimensão “erótica” que implica e é explicável por um engajamento, ao menos parcial, do sujeito
em seu movimento. Essa dimensão erótica parece ser dificilmente conciliável com outra,
também recorrente: a “designação de sofrimento”. Nessa perspectiva, o sujeito perece por
causa de uma ação que lhe é exterior.
Para salientar a historicidade da paixão, Korichi destacou, de início, que o importante
seria perceber que o passional se definia, em primeiro lugar, por oposição ao racional e lógico.
Essa observação é importante, pois foi permitida pelos médicos modernos — profissionais que
problematizaram “modernamente” as doenças mentais a partir do final do século XVIII —,
inclusive por aqueles que se dedicaram ao estudo do suicídio.
A oposição do pathos ao logos determina seus caracteres distintivos: o logos
corresponde ao campo da razão, da ordem, da harmonia, da claridade, da universalidade, da
vida; o pathos corresponde ao campo que é estritamente o negativo do primeiro, aquele do
irracional, da desordem, da desarmonia, da obscuridade, do variável, da particularidade, da
doença, da loucura e da morte. Segundo a sua concepção, essas linhas de divisão
encontravam-se até no uso contemporâneo, onde paixão no plural significava desordem e
violência, de uma irritação — cólera considerada contrária ao que era esperado do indivíduo,
ao que deveria ser “natural”. Note-se que, normalmente, o que se esperava do indivíduo era a
constante e quase diária luta pela vida, pelo continuar vivo e ativo e não o suicídio,
considerado, portanto, ato antinatural.
Segundo Jérome-Antoine Rony, sempre se chamaram “paixões” as agitações da
alma que escapavam à vontade. A história da noção nos moralistas, filósofos e psicólogos
europeus mostrava uma oscilação constante entre os sentidos da palavra: idéia fixa, intensa e
durável; inclinação exagerada; uma força semelhante ao instinto; uma das formas da vontade;
situação limite; refúgio criado num mundo imaginário; situação de incômodo e indisposição
consigo mesmo; violenta afetividade; obsessão ativa e voluntária; possessão; necessidade
imaginária e idealizada; estilo de vida; verdadeira combinação de elementos psicológicos e
morais. Mas havia ainda a vertente daqueles que descobriram nas paixões um elemento
vesânico, chegando a encará-la, como fez Kant, como doença da alma.16
Apesar da intrigante diversidade de definições e sentidos, as variadas interpretações
se aproximaram da relação entre as paixões e a razão. Em praticamente todas as
interpretações, a relação entre as paixões e o raciocinar, o refletir e o ponderar foram, de forma
explícita ou tênue, referência obrigatória.
A própria relação entre as paixões e a razão também seguiu um caminho marcado
por várias definições e diferentes posições. Assim, as paixões poderiam resultar do caráter e
das idéias do homem, mas também ser a causa da alteração dessas próprias idéias, ao
perturbar as faculdades do entendimento ou impedir a sua utilização. Resumindo, poderiam
ser fruto da razão tanto quanto a principal causa de sua perturbação, instabilidade, alteração,
enfraquecimento ou, até mesmo, anulação, de forma parcial, total e/ ou definitiva, muitas vezes
demonstrando uma certa “pitada” de loucura.
Nesse sentido, os objetos da paixão também eram variados: uma mulher, um homem,
um filho, um bem, uma necessidade, o ouro, a prata, a fortuna, o poder e o sucesso eram
objetos reais ou imaginários, em geral cultuados e transfigurados. De acordo com Jérome-
Antoine Rony, o objeto deixou de ser um meio e foi transformado em um propósito, fim, termo,
algo ou alguém a ser possuído, dominado e /ou conquistado.
Como o que interessava era indicar que, em muitos momentos, a paixão foi pensada
em relação direta ou não à razão, o passo seguinte foi a análise dos trabalhos médicos
brasileiros sobre o suicídio, que privilegiaram a paixão como causa de morte. Saliento mais uma
vez que as paixões foram invocadas para designar atividade, movimento, tendência,
afetividade e/ ou sentimento que domina, arrebata e subjuga o homem, além de perturbar,
confundir, enfraquecer ou anular a razão.
O OLHAR MÉDICO BRASILEIRO SOBRE AS PAIXÕES: EXCESSOS,
PERVERSÕES E MORT E
Os modos por meio dos quais somos levados a dar sentido e valor ao suicídio foram
influenciados, ou, poder-se-ia dizer, sugeridos, ou ainda, permitidos pelo discurso médico. Essa
influência, sugestão e/ ou permissão é nítida no que diz respeito às paixões e seus excessos
como causa de suicídio. Assim, “um amor desenfreado”, “um relacionamento louco e sem
limites”, “os prazeres ilícitos do jogo, do sexo e da fortuna”, entre tantos outros veredictos,
foram esboçados, desenvolvidos e divulgados por discursos normativos, principalmente o
médico, para pensar as causas de suicídio. Sobre essa questão, não poderia deixar de fazer
referências às palavras de Foucault, quando ele advertiu que:
A pretexto de dizer a verdade, em to do lado pro vo cava medo s (...) afirmo u perigo so s à so ciedade inteira o s
hábito s furtivo s do s tímido s e as pequenas e mais so litárias manias; no final do s prazeres insó lito s co lo co u
nada meno s do que a mo rte: a do s indivíduo s, a das geraçõ es, a da espécie.17
(...) Lo nge de excitar o s ho mens que se destinam à carreira das letras a abando ná-la, inspirando -lhes temo res
vão s o u exagerado s so bre o s perigo s, que lhes po ssam so brevir, nada mais farei que indicar o s meio s capazes
de co ntrabalançarem o s efeito s pernicio so s da meditação e o utro s exercício s habituais do espírito , subtraindo -
o s às numero sas enfermidades que deles lhes po ssam resultar, e co ntribuindo ao mesmo tempo para pro lo ngar
sua existência.20
Sem dúvida o ambicio so , que só cura de ho nras, que só de gló ria se alimenta, rasga co m mão de ho micida o
pró prio peito (...) Aquele que é vítima de amo r po rque suas o ferendas não são aceitas pela divindade que ado ra,
o u po rque má fo rtuna lhe põ e esto rvo s, mo rre fantasiando melho r vida. O avarento que respira a atmo sfera do
interesse mo rre asfixiado se lhe falta esse manancial de vida, mas po ndo -o em seu elemento , vereis que não há
vida que lhe baste.22
Enco ntrado mo rto . Fo i enco ntrado mo rto ho ntem às 4 ho ras da tarde, à rua do Ro sario , o allemão Guilherme
Winder, cujo cadáver fo i co nduzido à cadeia, a fim de a po licia pro ceder ao exame legal.
Suppõ e-se que a mo rte deste infeliz ho ntem teve po r causa a embriaguez, segundo no s info rmam, po is que elle
se dava em excesso ao uso de bebidas alco ó licas.23
De acordo com ele, o abuso de bebidas alcoólicas era de grande influência nos casos
de suicídio, e deveria estar devidamente relacionado a algum tipo de afecção moral. Da
mesma maneira, os excessos de uma paixão amorosa não correspondida, os perigos
provocados pelas grandes fortunas e o desejo de sempre estar ligado a elas, gozando de seus
frutos e regalias, eram exemplos daquilo que poderia ocasionar a morte voluntária, ao provocar
desequilíbrio e desarmonia das forças e dos elementos vitaes. É interessante observar que
para o médico nem mesmo a razão nada podia contra a força destrutiva das paixões.
Alguns casos noticiados pela imprensa, como o jornal Diário de Campinas, podem
exemplificar a concepção do Dr. Rodrigues Torres:
1) Ho ntem às duas ho ras da tarde tento u suicidar-se, to mando 40 gramas de arsenico disso lvido s em vinho ,
Jo ão Guimarães, mo ço empregado na co mpanhia do Gaz.
As seis ho ras declaro u o alludido mo ço que se achava envenenado , quando já sentia o s effeito s do veneno . Ha
esperança de salva-lo . Dera mo tivo à sinistra reso lução , segundo no s dizem, uma paixão amo ro sa.24
2) Suicido u-se ante-ho ntem disparando um tiro na cabeça, o allemão de no me Ado lpho Ro ther, o fficial de
to rneiro cuja pro fissão exercia.
O infeliz suicida mo rava no bairro de Santa Cruz segundo no s info rmam, o mo tivo que o levara a pô r termo à vida
fo ra ve-se ho je reduzido à necessidade pela perda de alguns bens de fo rtuna que po ssuía.25
Da mesma opinião, o Dr. Mello Moraes discorreu sobre a fisiologia das paixões.26
Segundo ele, o fato do homem ser um animal sociável fazia da sociedade o lugar onde ele
adquiriria mil padecimentos. Mas como se daria essa influência? Em que medida a sociedade
era, para o autor, um lugar privilegiado, onde se inflamam todos os tipos de paixões? Em suas
palavras,
(...) quanto mais simples é a so ciedade em que o ho mem vive, tanto mais feliz é a sua existência co mo indivíduo ;
e que o co ntrário sucede, quando as circunstâncias se invertem, po is é sempre inseparável das grandes e mui
po pulo sas so ciedades, a degeneração do s primeiro s hábito s singelo s e virtuo so s. Po vo ando -se cidades,
excessivamente po uco e po uco ficam ermo s o s campo s e nelas se ateia o fo go das paixõ es mais vio lentas.27
O Dr. Mello Moraes destacou o papel dos grandes centros na formação das paixões.
Sentimentos, desejos e ambições que proliferavam nesses centros afetavam diretamente a
vida de seus habitantes:
A insaciável ambição , o desmedido aferro às riquezas, as so lapadas intrigas, o luxo , a intemperança, tudo
alteram e tudo perturbam(...) O mesmo pro digio so aumento de habitantes das po pulo sas cidades pro duz
grandíssimo males físico s.28
Trata-se, po is, não de questão etno gráfica, mas, de grau de sensibilidade individual.
O campesino rústico , o trabalhado r das do cas, embrutecido s na dura faina muscular e sem cultivo intelectual,
aturam silencio so s uma do r física que, para o ho mem da cidade, da vida cerebral, to rnar-se-ia insupo rtável.
Defro ntam-se, po is, a duas sensibilidades do tadas de percepção inversa.30
Esse jogo de imagens e sensibilidades criava para as cidades uma atmosfera menos
sadia e, assim, propícia à desordem, ao excesso e às paixões. De acordo com essa concepção,
esses centros populosos e essas cidades permitiam e facilitavam a proliferação das paixões e,
como resultado, o aumento dos casos de suicídio entre os seus habitantes. Paixões essas
sempre consideradas violentas por agirem sobre o espírito, a imaginação e o coração de quem
estivesse exposto a elas.
De acordo com a posição do Dr. Mello Moraes, o homem era um ser racional e
sociável e, por viver em sociedade, estava vulnerável à degeneração de seus hábitos,
costumes e até mesmo de suas idéias, juízo e raciocínio. Nesse momento, ao encarar as
paixões como causa de desarranjos mentais, o médico redirecionou o olhar para aquelas que
cegavam o indivíduo e anulavam a sua capacidade de raciocinar. Para ele, a importância das
paixões como causa de desarranjos mentais não podia ser descartada. O eixo de seu trabalho
foi a força produtora que se originava do encontro dos grandes centros e dos excessos das
paixões. Assim, sua tese salientou a proposição: grandes centros possibilitando paixões,
paixões definindo e criando grandes centros. Dessa união paixões/ grandes centros resultaria
o aumento dos casos de suicídio.
Se a tematização do Dr. Mello Moraes foi discreta, a abordagem do Dr. Freitas
Albuquerque foi direta e explícita. Para ele, as paixões eram tematizadas como causa direta
de monomania, inclusive a suicida. Contudo, o autor advertiu para a necessidade de não
confundir o suicídio do monomaníaco — sujeito considerado doente — com aquele
perpetrado por um homem cuja paixão violenta o conduziu ao ato. Nos casos de suicídio
provocado por excessos e pela violência das paixões não se observavam, segundo ele,
afecções orgânicas, moléstias do encéfalo ou qualquer alteração “própria” do monomaníaco.
Um caso de suicídio que pode exemplificar essa abordagem foi noticiado pelo jornal
Diário de Campinas:
Jo sé Feliciano de Azevedo empregado na Padaria do sr. Anto nio Alves Pimenta, à rua Direita, tento u suicidar-se
ante-ho ntem disparando do is tiro s de revo lver em si mesmo . Uma das balas penetro u-lhe no peito ao lado
esquerdo e fo i extraida pelo sr. Dr. Germano Melchert.
Info rmam-no s que Feliciano so fria há tempo s a esta parte em suas faculdades metaes, po r causa de certa paixão
amo ro sa. No do mingo fo i ele à festa do Fundão e vo ltando para casa às 9 ½ ho ras da no ite um tanto
embriagado , reso lveu pô r termo à existência a essa ho ra(...) 31
A notícia parece relatar um quadro típico, recorrentemente descrito nas teses sobre
o suicídio que foram apresentadas nas instituições de ensino e pesquisa médica cariocas. A
paixão amorosa, possivelmente não correspondida, teria provocado, segundo informam, um
notável desarranjo ou o desequilíbrio das faculdades mentais. Para reforçar ainda mais o
quadro, o jovem Feliciano teria se embriagado antes de tentar se suicidar.
É preciso, contudo, indicar uma abordagem peculiar do Dr. Mello Moraes, que, ao
explicar a chamada “monomania erótica”, apresentou a resposta definitiva para entender
como as paixões causavam o suicídio. Segundo sua compreensão, se o homem se restringisse
aos limites impostos pela razão não seria dominado pela impetuosidade do amor, não se
entregaria sem freio à satisfação de sua necessidade “natural” de amar. Assim, o coração
despedaçado por um amor, principalmente o não correspondido, por não obedecer aos limites
impostos pela razão, permitiria o predomínio de uma paixão que poderia, inclusive, conduzir ao
suicídio. Em outras palavras, guiado pela razão, o homem estaria imune às paixões e, por
conseqüência, não se suicidaria.
O lugar ocupado pelas paixões não foi secundário entre as causas determinantes de
monomania. Os excessos de qualquer natureza, as paixões violentas, o ódio, o ciúme, a
vingança, o amor ferido, o desejo não satisfeito da união dos sexos e a exaltação da
imaginação produzida pelas sociedades foram causas consideradas e invocadas de
monomania, entre elas a suicida.
As paixões, consideradas causas morais determinantes de monomania e de suicídio,
tumultuavam a vida dos homens sem deixar lesões orgânicas. Sua intensidade, porém, era
comprovada pelo grande número de casos provocados em situações onde imperavam
absolutos os costumes da vida nas cidades, a exaltação dos sentimentos e dos desejos, a
libertinagem e todo tipo de excessos. Guiados por forças que anulavam o pensamento racional
e ordenado, os homens agiam segundo um sentimento ou uma paixão. Explicavam-se assim
muitos casos de suicídio:
As impressõ es mo rais, súbitas e vio lentas exercem uma influência imediata perturbado ra no tável so bre as
funçõ es nervo sas, cujo exercício elas mo dificam o u interro mpem co mpletamente. Sucumbe-se realmente de
terro r o u de alegria, pela suspensão abso luta da ação nervo sa, e isto muitas vezes aco ntece a indivíduo s
ro busto s, sem que a auto psia tenha permitido pro var lesão o rgânica.32
Os mó veis genio so s do suicídio refletido que acabamo s de apo ntar, se mo stram po r to das as cidades
euro peias, manifestando , po rém, seu império nas capitais do s países que se dizem mais civilizado s, e o nde se
reúne o que há de mais no bre e ilustrado , po rém também o nde se enco ntra a depravação , a licença, o o rgulho e a
vaidade to cando seu auge, e a estatística, esse precio so elemento , pro nuncia-se em favo r de no ssa o pinião
mo strando em Lo ndres 1 suicídio em 5,000 habitantes, em quanto no resto da Inglaterra a pro po rção é de 1:
15,000. Em Paris dá-se 1 suicídio em 2.175 indivíduo s, no s demais departamento s da França 1: 13,864.34
O próprio conceito de civilização foi questionado pelo autor. Segundo sua tese, em
lugar de permitir a proliferação de paixões violentas, imprevisíveis e nocivas, essa “civilização”
deveria proporcionar o bem-estar social, garantir a vida e ordenar os habitantes para o
progresso. “Infelizmente”, em lugar da ordem, o que o médico verificou nos centros civilizados
foi o desregramento. Mas qual foi a razão apontada pelo facultativo? Por que exatamente
esses grandes centros, sustentados pelas “melhores bases” — educação, ciência,
intelectualidade, bom gosto e requinte, entre outros citados —, apresentavam numerosos
casos de suicídio? Não deveriam essas bases sociais impedir o erro, a falta e a desordem,
freando assim o suicídio?
Segundo sua compreensão, o “falso brilho” desses grandes centros escondia
sociedades corroídas:
nunca as cifras falaram co m tanta elo qüência, nunca pro testaram tão catego ricamente co ntra essa má entendida
civilização , que apresentando no exterio r o brilhantismo do o uro pel, interio rmente se acha co rro ída pela
disso lução do s co stumes e po r to do s o s vício s e paixõ es imagináveis.35
Não é que nas capitais civilizadas a suscetibilidade do cérebro , aumentada pela exuberante atividade de suas
funçõ es dê lugar a esses desgraçado s fenô meno s; não é de certo a luta tenaz e muitas vezes terrível que em sua
evo lução o elemento liberal se vê o brigado a sustentar co ntra as idéias retró gradas; não , senho res; a causa
fundamental do aumento do s suicídio s, no s centro s o nde reina a civilização , é a falsa base em que esta se firma
(...) A felicidade material, tal é o pensamento do minante das naçõ es civilizadas, e a preo cupação de seus
go verno s.36
A do utrina do s interesses materiais tão nitidamente fo rmulada na frase - Chacun po ur so i et chez so i - é o maio r
do s o bstáculo s ao s no bres sentimento s e as mais genero sas açõ es; enraizando -se pro fundamente nas massas
po pulares, se até certo po nto ela po de ser co nsiderada a pro pagado ra das o peraçõ es industriais, também ao
mesmo tempo co nstitui o mais po dero so disso lvente da mo ralidade pública e o mais ativo pro genito r do o rgulho
e da vaidade.
O desenvo lvimento puro e simples do s interesses materiais, senho res, não é sem perigo para o s estado s, e,
muito pelo co ntrário , co ntribuindo para a decadência mo ral reage so bre as faculdades do s ho mens, arrastando
po r ultimo a decadência material.37
Segundo sua tese, as paixões entendidas como causa de suicídio eram observáveis
principalmente nos grandes centros. Esses ambientes, onde deveria imperar a ordem, a
educação bem dirigida, a ciência e os costumes regrados, exatamente por serem “centros do
mundo”, eram corroídos por erros, ambições, excessos, desregramento e desejos que
abalavam os alicerces sociais. Deterioradas por práticas nocivas e costumes torpes, as bases
dessas sociedades não podiam sustentar a moralidade pública e a ordem necessárias para
garantir a vida. Guiados por paixões descontroláveis e pela ânsia de satisfação individual, os
citadinos entregar-se-iam aos atos e comportamentos vis, entre eles o suicídio.
Estaria o facultativo discursando contra a marcha do progresso, contra os avanços
sociais e o estilo de vida urbano? Não, pois ele pretendia mostrar que era preciso buscar a
modernidade, mas com uma preocupação:
Não penseis, po rém, senho res que pro clamando estas idéias pretendemo s entravar o s esfo rço s da so ciedade
mo derna em favo r da so rte das po pulaçõ es. Venha, senho res, esse bem estar material, po is que ele favo rece o
instinto co nservado r, venha po rém temperado pelo s sentimento s mo rais, e nunca co mo o único fim a que fo ra
vo tada a criatura humana.38
É necessário sublinhar que o Dr. Moreira não era contra o “bem-estar material”, nem
tentava impedir a marcha do progresso, que considerava necessário para a modernidade. Ao
se posicionar, o médico reforçou sua condição favorável à ordem e ao controle. Seu lema era:
progresso e bem-estar material “temperados”. Criticou os elementos e as forças presentes
nas sociedades, que eram capazes de fazer proliferar as paixões, por ele entendidas como
disposições e sentimentos que se sobrepunham à razão podendo inclusive anulá-la.
Como fez ao definir o suicídio, ele estabeleceu uma relação direta entre o universo
de excessos, criado pelas paixões possibilitadas pelos grandes centros, e a razão. Era preciso,
segundo sua compreensão, que comungava com os ideais da medicina social, regular as
paixões pela via da razão. O homem racional não devia transpor o limite traçado pela linha do
dever:
As paixõ es em to do s o s entes animado s devem co rrespo nder ao s meio s que a natureza co ncedera para
satisfazê-las; o seu limite se acha traçado pela linha do dever; franquear este limite é caminhar para o abismo (...)
Quando no s pro nunciamo s po r tal mo do so bre as paixõ es, partilha inseparável da criatura, não queremo s dizer
que elas se devam aniquilar; não : basta so mente saber regulá-las, po r quanto estamo s co nvencido s de que as
paixõ es po dem ser co mo substâncias tó xicas, que preparadas po r um hábil farmacêutico to rnam-se pro veito so s
medicamento s.39
Pro curemo s, po rtanto , diminuir senão acabar esses ato s de desespero desenvo lvendo o co nhecimento do s
deveres do ho mem e do s seus direito s, fazendo co m que ele não se curve brutalmente a seus apetites, que a
sede das riquezas não sufo que sua co nsciência, que suas lo uváveis paixõ es, úteis auxiliares do gênio , fecundem
seu talento , que o amo r ao trabalho seja a co ndição da vida e que finalmente a emulação to rnando - se o aguilhão
da perfectibilidade venha a servir de ceifa, ao espírito e de alimento ao co ração .40
Isto posto, é fácil compreender a definição de felicidade esboçada pelo Dr. Moreira,
que atentava para a positividade dos seus efeitos, e sua negação da tendência, presente nos
grandes centros — produtores de paixões e suicídio —, a colocar na fortuna, nas altas
posições sociais e na satisfação desenfreada dos desejos — esses também inatingíveis — a
sede da felicidade e da satisfação pessoal:
para que se preserve a saúde de uma po pulação é necessário implantar uma so ciedade o nde não suscitem
paixõ es, o nde o cao s tenha sido desfeito , o nde reine a o rdem, o nde tudo funcio ne, o nde não existam mo nstro s e
o nde o s co stumes sejam do ces.42
Po r meio das relaçõ es de gênero do is tipo s de pesso as são criado s: ho mem e mulher. Ho mem e mulher são
apresentado s co mo catego rias excludentes. Só se po de pertencer a um gênero , nunca ao o utro o u a ambo s. O
co nteúdo real de ser ho mem o u mulher e a rigidez das pró prias catego rias são altamente variáveis de aco rdo
co m épo cas e culturas. Entretanto , as relaçõ es de gênero , tanto quanto temo s sido capazes de entendê-las, têm
sido relaçõ es de do minação .1
Para interrogar essa criação, utilizo o gênero como categoria de análise, para apontar
a não-naturalidade do feminino e do masculino na construção cultural e social dessas
identidades, desnaturalizando-as. Tal empreitada é possível, neste caso, a partir dos estudos
de Joan Scott sobre o gênero como “categoria útil de análise histórica”, de Rachel Soihet, Flax
e Margareth Rago, entre outros.
Segundo as pesquisadoras, o termo gênero tem sido usado para teorizar a questão
da diferença sexual, desafiando antigas concepções de que o biológico seria determinante. A
palavra indica rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou
diferença sexual. Além do mais, o gênero sublinha também o aspecto relacional entre mulheres
e homens, sugere que nenhuma compreensão pode existir considerando-os totalmente em
separado. Assim, é possível levar em conta a dimensão sexualizada ou “engendrada”
(engendered) das práticas sociais e das experiências em torno do suicídio.2
Desse modo interrogo as idéias, argumentos e conceitos, transformados em práticas
por meio dos discursos médicos para classificar determinadas atitudes como “próprias” do
referencial masculino e outras, do feminino. Evidencio também a construção da categoria
homem/ mulher como oposição binária, e a tendência a achar que ela se auto-reproduz,
estabelecida sempre da mesma maneira, universalmente. Exploro, ainda, a constituição do
campo masculino e do feminino, e quais os seus papéis na tematização do suicídio.
DIFERENÇA SEXUAL: ORIGEM BIOLÓGICA E COMPORT AMENT AL
Antes de tudo, é necessário retomar a idéia de que o suicido era, pelo menos no
século XIX, um tema masculino, pois foram os homens brancos e burgueses que se dedicaram
ao estudo do tema. Por conseqüência, as próprias diferenças sexuais que foram constituídas
em discursos médicos brasileiros sobre o suicídio, e que se expandiram social e culturalmente,
eram territórios masculinos, pois foram criados por homens, mais especificamente pelos
homens de ciência, conferindo status de verdade masculina e científica, ou melhor dizendo, de
verdade científica masculina.
Essa constatação sugere que todos os conceitos criados, os modos de pensar o
suicídio, as identidades construídas (e que deveriam ser respeitadas) e as diferenças sexuais
constituídas em tais trabalhos médicos eram, em primeiro lugar, excludentes, porque deixavam
de lado tudo e todos que lhes escapavam. São territorializantes, pois apresentavam uma
tendência que procurava cercar a multiplicidade de tipos e sujeitos que se suicidavam,
classificando-os e catalogando-os para criar territórios masculinos de produção de saber,
conhecimento e verdades. Por fim, eram criadores de identidades sexuais, porque procuravam
uma origem biológica para as diferenças sexuais, indicando a existência de uma possível
“essência biológica pré-determinada” para pensar “homem” e “mulher”.
Assim, o que se propõe saber é como os discursos médicos brasileiros — masculinos,
normativos, excludentes e territorializantes — construíram, fundaram e legitimaram as
diferenças sexuais a partir de estudos sobre o suicídio e buscaram naturalizar os campos do
“masculino” e do “feminino”.
Entre os estudos médicos consultados, o do Dr. Alexandre José de Mello Moraes, de
1854, é o que melhor desenvolveu as diferenças biológicas entre homens e mulheres.3 Por
esse motivo, é a partir dele que inicio a desconstrução da constituição biológica de tal
diferenciação.
Apesar de não se limitar exclusivamente ao estudo biológico das diferenças sexuais,
o autor propôs as seguintes considerações iniciais: as fibras orgânicas da mulher são
ordinariamente mais delgadas e suas formas mais bem torneadas que as do homem; os
órgãos da mulher são delicados, flexíveis, fáceis de excitar e ferir. Disso resulta que elas são
fracas, delicadas e prontas para ceder ao homem, considerado o sexo mais forte, composto
por músculos firmes e rígidos; a carne do corpo do homem é dura e grosseira, a da mulher é
branda e macia; as feições do homem são angulares e as da mulher arredondadas.
A partir dessas considerações, o Dr. Mello Moraes constatou que, em geral, a
constituição do homem é forte e a da mulher é fraca, e sugeriu que as diferenças biológicas
produzem “naturalmente” diferenças de sentimentos, comportamentos e hábitos. Isso se
dava, segundo ele, porque sendo as fibras orgânicas das mulheres mais delgadas e de formas
mais bem torneadas, permitiam sentimentos agudos e sensações internas mais delicadas.
Esta disposição natural seria a causa de preferirem os objetos sensíveis aos seres
metafísicos, as qualidades amáveis às essenciais, o brilhante ao sólido, o luxo e o fausto à
prosperidade. A impressão que nelas deixariam os objetos, não sendo assaz profunda, seria,
segundo o Dr. Mello Moraes, facilmente apagada por uma outra. As mulheres seriam doces e
dóceis, delicadas de espírito e de sentimentos e seriam guiadas pelo coração. Em suas
palavras:
(...) se o ho mem tem alguma vantagem, pelo lado do juízo e razão , vantagem que ele deve tanto à natureza,
co mo à educação , impo rta co nvirse, que o tracto das mulheres bem nascidas, tem para ele um encanto que o não
po de achar em o utro s o bjeto s, ainda mesmo no s ho mens o s mais bem educado s e o s mais amáveis. Este
encanto , que sempre e em to do o tempo se enco ntra na mulher está na do çura e na delicadeza do espírito e do s
sentimento s, que se no ta em to das às suas palavras, em to das as suas açõ es. (...) as mulheres se guiam pelo
co ração .4
Assim, dizia o médico, as mulheres possuiriam espírito em maior grao que os homens.
Elas o teriam naturalmente por receberem as idéias da impressão imediata dos objetos, pois
pensariam e raciocinariam após as sensações.
Por se relacionarem direta e intimamente com os homens, considerados seres de
razão e juízo, as mulheres deveriam adoçar a aspereza de seus costumes; animar e sustentar
os homens nos momentos de fraqueza, acalmar seus espíritos nos transportes mais violentos,
dissipar os desgostos e o mau humor, encantar os dias e espalhar flores nos caminhos mais
espinhosos da vida. Elas deveriam ser o adorno da vida do homem. Elas seriam, para ele, o
reflexo do homem, presas dele, feitas para serem submetidas, para consolá-lo em seus
desgostos e mitigar suas penas; seriam fracas e prontas para ceder ao sexo mais
empreendedor e forte.
As mulheres tinham esse papel porque eram naturalmente mais delicadas, ternas,
sensíveis e pacíficas, além de serem criadas para tornarem-se, necessariamente, esposas e
mães. A prova disso é que, para o Dr. Mello Moraes, todos os órgãos das mulheres seriam mais
delicados, flexíveis, fáceis de excitar e ferir do que os do homem. A ventura de toda mulher
deveria consistir em procriar e educar os filhos na fé, esperança e amor.
O autor concluiu sua incursão no campo das diferenças sexuais salientando, em tom
heróico, que o homem pensa e a mulher sente. A força do homem reside na reflexão e a da
mulher no sentimento. As mulheres, irritáveis por constituição, pouco acostumadas a pensar,
raciocinar e discernir, quando arrastadas por uma torrente de sentimentos tornam-se
fanáticas e nada é capaz de curá-las.
Cabe argumentar que as idéias desenvolvidas pelo Dr. Mello Moraes foram, alguns
anos depois, apropriadas por outros médicos em seus estudos sobre o suicídio. Por meio
delas, tentaram entender as diferenças entre os suicídios de homens e de mulheres.
Em 1858, um estudo do Dr. Freitas Albuquerque sugeriu algumas distinções entre as
causas de suicídio de homens e mulheres.5 Para o autor, os homens exercem profissões e
ocupam posições sociais que os expõem mais às vicissitudes sociais. Como exemplo, ele cita o
caso dos diplomatas — homens públicos, sábios, bem educados, de porte distinto,
representantes do Estado e, por isso, constantemente em contato com os mais variados tipos
de pessoas e diferentes culturas —, que, por estarem tão expostos e sofrerem muitas
influências, podiam ser acometidos por um dos vários tipos de monomania, inclusive a suicida.
Outro exemplo que convém ser retomado é o caso dos homens de letras, que, segundo ele, se
entregavam às meditações profundas sobre matérias metafísicas, possuíam imaginação
exaltada e tinham vida sedentária.
Assim, os homens, por viverem, circularem e participarem do espaço público e social
muito mais do que as mulheres, estariam mais propensos a serem monomaníacos, inclusive do
tipo suicida. As mulheres, por sua vez, por não estarem aptas à vida social e política, restringir-
se-iam “naturalmente” ao espaço privado da vida doméstica e, por isso, não sofreriam as
pressões, as vicissitudes e as influências a que estavam sujeitos os homens, suicidando-se em
menor número do que eles.
Da mesma opinião, o Dr. Geraldo Franco de Leão afirma que os homens, por se
distinguirem nas ciências, nas belas artes, na filosofia e no governo dos Estados,
apresentariam uma tendência inevitável à melancolia.6 Por estarem em tais cargos e
exercendo essas profissões — diferentemente das mulheres, que estavam no espaço privado
da vida doméstica — tornavam-se melancólicos. Por essas razões, ele propunha:
(...) demo -no s ao trabalho de examinar a bio grafia do s maio res sábio s, po etas, artistas, estadistas e veremo s
que a maio r parte deles co nfirmam o que dizemo s, e que maio r analo gia co m a alienação mental, do que um
estado que pelo s seus pro gresso s vai diretamente cair nele o u nesse toedium vitae, que a tempo s tem co nduzido
a atentarem co ntra o s seus pró prio s dias (...).7
A experiência quo tidiana mo stra que uma educação efeminada to rna o s menino s impertinentes, irascíveis e
imperio so s em seus desejo s: co stumado s desde a infância a ser prevenido s em to das as suas vo ntades e
satisfeito s em seus capricho s, quando adulto s, a meno r co ntrariedade, o mais insignificante info rtúnio o s to rna
suicidas.15
Por outro lado, o médico sugeria uma especial precaução com esses meninos, pois
não era por evitar excesso de cuidados e a satisfação dos desejos que se poderia agir de
maneira oposta, ou seja, com agressividade, sem prudência ou moderação. Ele defendeu que
os extremos deveriam ser evitados, como forma de impedir que os meninos, diante da
severidade extrema, se predispusessem à melancolia:
as repreensõ es amargas, o s castigo s desumano s e ameaças co ntínuas exasperam o caráter, pro duzem
inclinaçõ es perversas e levam não po ucas vezes a infeliz mo cidade à alienação mental, caracterizadas pela
tendência ao suicídio .16
Se os meninos deviam ser “sabiamente” educados para se afastar de tudo que diz
respeito ao campo do feminino, as meninas deveriam ser educadas, segundo o Dr. Torres, de
forma específica, pois
Mais digna de co mpaixão é ainda a so rte das míseras mulheres, e aqui não po demo s deixar de lastimar no ssas
jo vens patrícias, cujo s pais e marido s, descuidando -se de enriquecer-lhes a inteligência, pro curam-lhes músicas,
bailes, teatro s, danças co mo passa-tempo s o s mais pró prio s de excitar-lhes a vivacidade, e pro digalizando
nestas futilidades tempo e fo rtuna, deixam à sedução o cuidado de fo rmar-lhes o co ração . Nem se diga que
so mo s exagerado s quando asseveramo s que tal educação deve resultar de o utro s inco nvenientes a pro pensão
ao suicídio .17
(...) algumas vezes mesmo de uma educação sabiamente dirigida têm-se visto mo ças inflamadas de amo r,
cedendo em fim à impetuo sidade do s desejo s, que sem cessar as impo rtunam, cair em um estado de melanco lia
pro funda, pro curar a so lidão e o silêncio , para se entregarem livremente à sua do r e a seu desespero e no
excesso de sua perturbação levar so bre si mesmas a mão suicida.21
Recorrer a Peter Gay é útil, principalmente para elucidar questões sobre a educação
das mulheres. Isso porque, em vários momentos de sua obra, Gay analisou muitos discursos
que se dedicaram ao tema. Segundo ele, os argumentos daqueles que se posicionavam contra
a educação das mulheres, principalmente a universitária, iam da sutileza à grosseria, de uma
fala de tato condescendente à rejeição sumária e rude. Assim, argumentavam que as mulheres
não tinham necessidade de uma formação superior; não tinham como tirar proveito dela;
poderiam não sobreviver a ela.22
De acordo com Gay, médicos e intelectuais de várias áreas questionavam, no século
XIX, o que eles chamavam de abandono por parte das mulheres “da verdadeira vocação”. Mas
o autor destaca que, em sua maioria, eram os homens que colocavam em xeque a instrução
das mulheres. Eles lutavam pela manutenção de seus papéis e de seus espaços masculinos, e
contra um perceptível “clamor das mulheres”. É nesse sentido que tais discursos devem ser
analisados, porque afirmavam que a educação arruinaria a saúde das mulheres, principalmente
quanto à sua nobre capacidade de reprodução da espécie. Além do mais, acreditava-se que a
força vital e construtiva das mulheres deveria estar em seus “ovários e acessórios”, não no
cérebro.
Em lugar de pretender freqüentar as Universidades, exercer profissões consideradas
masculinas e estar presente em espaços públicos, também considerados como próprios dos
homens, a mulher deveria se preocupar com a vida conjugal, com a procriação, com a
educação dos filhos e com a manutenção do espaço privado. Uma educação que levasse a
mulher à esfera das práticas e comportamentos considerados como próprios do campo
masculino era vista como nociva à saúde, por não respeitar sua natureza biológica.
Com a mesma sensibilidade, Margareth Rago também observou que a educação
dirigida às mulheres visava prepará-las para exercer sua função essencial, ou seja, a carreira
doméstica.23 Mesmo quando as mulheres começaram a invadir o cenário urbano do trabalho, o
movimento operário — liderado por homens — tratou de fortalecer a intenção disciplinadora de
deslocamento da mulher da esfera pública do trabalho para o espaço privado do lar. Assim,
demandaram o seu retorno ao campo circunscrito pelo poder masculino: o espaço da atividade
doméstica e o exercício da “função sagrada” da maternidade.
A preocupação com a educação que deveria ser ministrada aos homens e às
A preocupação com a educação que deveria ser ministrada aos homens e às
mulheres permitiu que outros temas fossem privilegiados pelo discurso médico. O casamento,
o celibato e as relações sexuais foram focalizados, na tentativa de melhor compreender o
suicídio.
CASAMENT O, CELIBAT O E RELAÇÕES SEXUAIS
A maternidade era vista co mo a verdadeira essência da mulher, inscrita em sua pró pria natureza. So mente através
da maternidade a mulher po deria curar-se e redimir-se do s desvio s que, co ncebido s ao mesmo tempo co mo
causa e efeito da do ença, lançavam-na, muitas vezes, no s lodos do pecado. Mas para a mulher que não quisesse
o u não pudesse realizá-la — ao s o lho s do médico , um ser físico , mo ral o u psiquicamente incapaz — não haveria
salvação e ela acabaria, cedo o u tarde, afo gada nas águas turvas da insanidade.29
O Dr. Fonseca Vianna destacou que o celibato das mulheres solteiras influía, de tal
maneira, no desenvolvimento das alterações completas do órgão do pensamento que elas
poderiam, por isso, se entregar ao suicídio. Por não cumprirem suas obrigações de procriação,
e por não satisfazerem seus apetites sexuais, as mulheres solteiras estariam mais próximas
do suicídio do que os homens.
O Dr. Freitas de Albuquerque sugeriu que tanto o celibato como a viuvez, por não
possibilitarem a plena realização social e sexual, deveriam ser encarados como causas
predisponentes de monomanias suicidas.30 Classificado como determinante moral, o desejo
não satisfeito da união dos sexos, ao lado do ódio, ciúme e exaltação da imaginação produzida
por espetáculos, leituras, sociedades ou conversações, desgostos e contrariedades
domésticas, exerceria influência notável sobre as funções nervosas, dando lugar ao
desenvolvimento de várias monomanias. Note-se que esses dois médicos sugeriram que a
mulher, nessas condições, estaria arruinando sua saúde e colocando em risco o fim último de
sua existência: a reprodução da espécie.
Está muito próximo desta compreensão o estudo do Dr. Muniz Barreto sobre as
enfermidades dos homens de letras, já analisado anteriormente e com outros objetivos. Isso
sugere as várias possibilidades interpretativas e pedagógicas dos exemplos e indica, também,
que esses homens que se entregavam às vigílias, meditações, letras e, principalmente, à
solidão, precisavam tomar cuidado com as secreções e as excreções.
De uma maneira ímpar, o facultativo alertava que os homens não deviam reter por
muito tempo a urina e não podiam desperdiçar a saliva, necessária para uma boa e fácil
digestão. Quanto às “matérias fecais”, o ilustríssimo médico advertia que elas podiam produzir
duas espécies de males aos homens: a diarréia — que, se habitual, podia produzir
emagrecimento, frouxidão geral e enervação das forças físicas e morais — e a constipação —
motivo, segundo ele, de um grande número de incômodos provenientes da demora prolongada
das fezes no canal intestinal.
Seu passo seguinte foi analisar os efeitos da retenção do “licor espermático”, cuja
secreção, em suas palavras, oferece um grande número de males, ou quando retida, ou
quando feita freqüentemente. A retenção prolongada produz uma espécie de inflamação dos
órgãos geradores(...).31 Assim, os solitários homens das letras corriam riscos causados por uma
vida sexual não pautada pelos padrões “normais” e “naturais” que o casamento propiciava.
Mas os malefícios seriam maximizados em “pessoas ardentes”. Nelas, a retenção prolongada
poderia produzir espasmos, hipocondria e mesmo a mania erótica, por agir diretamente sobre o
cérebro. Por outro lado, a evacuação muito freqüente oferecia alterações físicas e morais. Isso
porque, segundo sua concepção, ela dispunha às afecções nervosas, permitia desarranjos das
funções cerebrais, tornava o pensamento tardio e lânguido, enfraquecia a memória e extinguia
a imaginação. Não conseguindo preservar a saúde, tais homens podiam apresentar tendência
terrível ao suicídio.
Assim, é possível observar que a masturbação, tanto a masculina como a feminina,
são apresentadas como nocivas à vida, porque alteravam o estado de saúde de seu
praticante, enfraqueciam a resistência física e moral; e à sociedade, porque pressupunham
relações sexuais sem finalidade reprodutora. Desse modo, o casamento era visto como
instituição higiênica, poderosa arma contra o suicídio.
Para o médico francês Achille Villette, em sua tese Du suicide, de 1825, o homem
casado tinha um coração que estava sempre aberto aos prazeres puros e inocentes, pois
encontrava satisfação nos braços de uma esposa casta e virtuosa, diferentemente do homem
solteiro, que se perdia na imoralidade.32 Este homem casado podia até ser abatido por
desgostos, tristezas e sérias dificuldades impostas pela vida, mas seria sempre amparado pela
esposa, fiel companheira que saberia com ele dividir os sofrimentos e as dificuldades. Mas, por
outro lado, por contar com a presença revigorante da esposa, deveria, a favor dela e de seus
filhos, permanecer vivo e nunca optar pelo suicídio. Dele, homem, dependia a sobrevivência de
sua família.
MULHERES SE SUICIDAM MENOS DO QUE OS HOMENS: UM PARADOXO
DO SÉCULO XIX
Da mo cidade o fo go revelavam!
Em princípio, a poesia apresenta um modo de vida masculino, mas não pautado pela
ordem desejada pelos saberes e instituições disciplinares. O rapaz era belo, frio, indiferente
aos encantos da vida e do mundo. Vivia por viver, meio de passagem pelo mundo, incrédulo,
conquistador de donzelas e, como se não bastasse, solteiro. Quando, afinal, se deu conta de
sua condição, de seu estado civil, resolveu casar-se. Não poderia mais continuar assim. Era
preciso tentar, e ele tentou! Escolheu uma noiva e casou-se. Aborrecido com sua nova
condição de homem casado, a mesma que o discurso médico apresentava como preventiva ao
suicídio, deixou a mulher e voltou à vida desregrada. Entregou-se aos encantos da morena
Cidalisa, na casa de quem resolveu, calmamente, pôr fim à sua vida com uma arma de fogo,
uma pistola. Quanto à esposa, a única coisa que sabemos é que ficou pranteando ao ver o
marido sair de casa.
Se Fagundes Varella apresenta um suicídio considerado masculino, Gustave
Flaubert, em Madame Bovary (1857), nos brinda com a história de Emma, uma mulher que
ousou ser diferente. Várias identidades foram criadas para e por Emma: filha instruída e
educada de um lavrador; esposa amada de um pacato médico; sonhadora que se entregava à
leitura, viajando por vários países imaginários, mas desprezando os heróis comuns; amante
que deslizava entre desgosto, tédio, mentira e infidelidade; pequena burguesa sentimental;
esposa infiel; mãe relapsa e ausente; por fim, suicida. Ao relacionar-se com o seu pai, seu
marido, seus amantes, seus comparsas e consigo mesma, ousou viver além do possível e
permitido a uma mulher de sua condição. Negando o modo de vida que lhe foi imposto, e que
todos esperavam que aceitasse, ou seja, o de esposa-dona-de-casa-mãe-de-família, Emma
sonhou e buscou realizar suas fantasias. Amou, decepcionou-se, revoltou-se, perdeu a razão e
teve medo de pagar o preço de uma vida desregrada, ilícita e considerada imprópria para uma
mulher casada. Suicidou-se ingerindo uma forte dose de veneno, meio de se dar à morte
considerado feminino na época, e sofreu cruéis torturas e dores antes de morrer. Como que
pagando por ter vivido de modo desregrado, como que expurgando seus desvios, padeceu:
Emma não tardo u a vo mitar sangue. Os lábio s apertaram-se-lhe mais. Tinha o s membro s crispado s, o co rpo
co berto de manchas, o pulso resvalava so b o s dedo s co mo um linha tensa, co mo uma co rda de harpa prestes a
quebrar-se.
Uma mulher que não seguia os modelos de conduta próprios das mulheres casadas
morreu no feminino. Lembrando o discurso médico, mesmo depois de morta Emma conseguiu
continuar bela; parecia estar dormindo. Vestida de noiva, sapatos brancos e uma coroa, a bela
e infortunada jovem não existia mais, não precisaria pagar suas dívidas, tampouco seria
condenada pela sociedade e menosprezada pelo marido que ainda a amava demasiadamente.
Dois suicídios, dois meios, um masculino e outro feminino. Diferenças usadas para
sugerir que, mesmo na hora de pôr fim à vida, os homens eram superiores às mulheres. O
poder masculino presente e exercido nos discursos reforçava os espaços e papéis que
deveriam ser respeitados por todos e todas.
De acordo com o médico francês Achille Villette, pode-se explicar a pequena
quantidade de suicídios de mulheres pelo fato de seus sentimentos serem menos duradouros
do que os dos homens. Elas eram pouco acessíveis à intemperança, gozavam de uma
excitação mais imediata e de uma sensibilidade mais delicada, abandonavam-se mais
facilmente às impressões vivas que recebiam. Por essas razões, Villette compreendia por que
elas se tornavam habitualmente melancólicas e não suicidas.44
O próprio Esquirol sugeriu que, apesar de as mulheres estarem mais expostas às
doenças mentais do que os homens, elas suicidavam-se bem menos.45 Tornavam-se
alienadas e loucas, mas não suicidas, em proporção aos homens, mais firmes em suas
decisões, tornando-se suicidas e não alienados.
O Dr. Petit, em 1850, indicou que entre os anos de 1835 a 1846 ocorreram 33.032
suicídios na França.46 Desse total, mais de 74% dos casos foram praticados por homens.
Algumas considerações foram apresentadas para se explicar os números e taxas que
apontavam o maior índice masculino de morte por suicídio. As mulheres se exaltavam
facilmente, agravavam seus males, exageravam suas dores, mas se agarravam à vida pelo
horror ao sangue. Quando encontravam no paroxismo de suas tristezas a força para se
suicidar, traíam as suas fraquezas, e num último instinto de coquetterie preferiam os meios
menos doloridos, que matavam sem desfigurar.
A divisão sexual dos papéis, que se baseia em caracteres naturais e biológicos,
possibilita e induz a constituição de suicídios considerados próprios aos homens e às
mulheres, bem como institui formas e maneiras de se suicidar por meios considerados
masculinos ou femininos. Mas isso não quer dizer que não havia possibilidade de se confundir,
não respeitar ou refazer a fronteira do masculino e do feminino.
Uma instigante história é relatada por Foucault sobre as dificuldades de se transpor
as fronteiras do masculino e do feminino. Indagando sobre a necessidade de um verdadeiro
sexo, ele inicia seu estudo sobre Herculine Barbin. O livro, apresentado como documento dessa
estranha história do verdadeiro sexo, utiliza as memórias deixadas por um desses indivíduos a
quem a medicina e a justiça do século XIX perguntavam obstinadamente qual era a verdadeira
identidade sexual.47
Criada como moça pobre e digna de mérito, num meio quase exclusivamente
feminino e profundamente religioso, Herculine Barbin, cognominada Alexina por quem lhe era
próximo, foi finalmente reconhecida como um “verdadeiro” rapaz, obrigado a trocar legalmente
de sexo após processo judiciário e modificações de seu estado civil. Incapaz de adaptar-se à
sua nova identidade, suicidou-se. Suas histórias, memórias, dúvidas, incertezas, dores e
obrigações tiveram como contexto as décadas de 60 e 70 do século XIX na França.
Se, como foi apresentado, por meio das relações de gênero dois tipos de pessoas
são criados — homem e mulher —, em categorias excludentes, só podendo pertencer a um
dos gêneros e nunca a ambos, como pensar o sujeito hermafrodita? Seria a falta de
identidades e territórios sólidos a causa, ou uma delas, de suicídio entre eles? São sujeitos
que mesclam e confundem as fronteiras e os significados de “masculino” e “feminino”, bem
como as conseqüências de terem sido atribuídos a um ou a outro gênero (mas esse é um
desafio para um futuro estudo). O que se percebe é a necessidade de apresentar a todos
como homens ou mulheres, nunca uma terceira possibilidade, mesmo que “anormal”.
No início do século XIX, em Paris, ocorriam quase cento e cinqüenta suicídios por
ano, em sua maioria por afogamento no Sena. O índice de suicídios dos homens é, segundo
Lynn Hunt, três vezes superior ao das mulheres.48 Em todos os casos, o Sena era considerado
lugar propício para o ato.
Littré, em seu Dictionnaire de Médecine (1884), também concordava com os
estudiosos do tema. Para ele, suicidavam-se três vezes mais homens do que mulheres.49 A
este respeito, Martin Monestier observou que três quartos de suicídios eram cometidos por
homens. Segundo ele, uma explicação satisfatória é que as mulheres geralmente não desejam
o suicídio no sentido de destruição, aniquilamento, pois o que elas querem é simplesmente
fugir, esquecer, escapar de sua vida presente, dormir. Dormir muito e por muito tempo. Dessa
maneira seria possível compreender as razões de não se disporem de meios considerados
radicais50, característica do suicídio masculino.
Uma vez estabelecido que as mulheres não teriam força necessária para o suicídio,
pois, fracas, tornavam-se loucas e não suicidas, e que os homens, fortes e mais decididos,
tornavam-se suicidas por meios mais violentos, no que diz respeito à tematização do suicídio,
as imagens de força, intelecto, razão e coragem foram direcionadas ao campo do masculino.
Por outro lado, e em segundo lugar, as imagens de fraqueza, debilidade, emoção, docilidade,
inferioridade física, mental e intelectual delimitaram o campo do feminino.
Os discursos que se entrecruzam, na tarefa de definir as razões de os homens se
suicidarem mais do que as mulheres, classificam os atos, os meios e as possíveis causas como
próprios de determinado sexo. Ao estudar e analisar o suicídio de homens, chegava-se a um
grupo específico: o suicídio masculino, a formas de se suicidar do masculino. Chegava-se a
outro grupo ao se estudar e analisar os casos de suicídio de mulheres: o suicídio feminino, a
formas de se suicidar do feminino.
Os discursos médicos, que assim classificaram os atos de se dar à morte,
construíram as diferenças entre o suicídio masculino e o feminino, entre aquele cometido por
homem e o outro cometido por mulher. Essa diferenciação ajudou a reforçar a ótica masculina
sobre as diferenças sexuais, a assegurar os espaços masculinos de manipulação e controle.
Muitos desses discursos, com constantes críticas e denúncias contra os efeitos
nocivos da literatura, também permitem pensar um outro aspecto da problematização médica
sobre o suicídio. A literatura, considerada por muitos médicos brasileiros como responsável por
suicídios, por narrar histórias de homens e mulheres que se suicidaram, por fornecer em
detalhes os móveis e meios para suas morte, foi objeto de análise, crítica e até mesmo
censura.
CAPÍTULO V
Ultimamente enfo rco u-se, em Paris, na rua Bruxel, uma criança de 13 anno s, po r entrever que não tinha meio s de
sair de sua co ndição de o perária, que a leitura co ntinuada de to da so rte de ro mances lhe tinha feito co nsiderar
co mo desprezível. Enfo rco u-se co m um lenço preto que co m instancia pedira a uma de suas amigas, po r ser co r
de luto .3
(...) a desenvo lverem uma atividade prematura, superio r ao seu desenvo lvimento , faz nelas desenvo lverem-se
desejo s, para o s quais ainda não estão elas preparadas, desperta-lhes idéias de uma perfeição imaginária e que
não enco ntrarão senão no s ro mances; a grande freqüência de espetáculo s, de círculo s, abuso de música, e a
falta de o cupação fazem aumentar em França o número das alienadas.10
Seu discurso sugere que o tipo específico de literatura emergente na Europa, no final
do século XVIII, permitiu a invasão da dúvida, do cepticismo e da imoralidade na alma dos
homens. Contra essa funesta influência, a ciência deveria agir imediatamente, possibilitando e
garantindo a vida. Criticou, também, todos aqueles que se deixavam apoderar pelo desespero,
almejando a morte como um termo fatal e consolador de todos os sofrimentos que os
oprimiam.
Com as mesmas preocupações, e de acordo com o pensamento médico brasileiro
produzido até então, o Dr. Nabuco de Araújo, em 1883, afirmou que a cada dia notícias de
suicídio eram lidas e divulgadas, sendo que seus autores mostravam ter tido pleno tempo para
deliberar sobre seu ato. Nisso, segundo ele, podia-se reconhecer uma perfeita aplicação do
livre arbítrio, ou seja, um refletir sobre as conseqüências do ato. Estes casos compõem o que o
médico classifica de acto voluntário — produto de reflexão.13
Os suicídios refletidos e premeditados eram, para o autor, os de maior número. Por
isso, sentiu-se obrigado a lutar contra a falsa idéia e a prática, divulgadas pelas notícias dos
jornais e pelas obras literárias, de que temos o direito de pôr fim à própria vida. Tais canais de
publicação deveriam, antes de tudo, apresentar em suas páginas o que ele chamava de
algumas ponderações morais que deixassem patente o horror de tal ação.14 Em lugar de
permitir a proliferação do suicídio, a imprensa e a literatura deveriam se unir ao saber médico
para, guiados por ele, garantir uma vida ordenada e controlada.
É possível dizer que o principal apelo incidia sobre a nocividade do exemplo.
Acreditava-se que os exemplos presentes nas páginas dos jornais e nas histórias românticas
— de como, quando, em quais circunstâncias se suicidar e que meios utilizar para provocar
esse fim — ajudavam a multiplicar os casos de suicídio. Pensava-se que vários leitores —
muitos dos quais considerados débeis — seriam induzidos pelo gênio e pelas mãos hábeis e
ardilosas do autor, se colocariam no lugar das pessoas e dos personagens ficcionais, sofreriam,
desejariam, temeriam e se angustiariam com e como esses personagens a ponto de, seguindo
os exemplos que proliferavam devido à literatura romântica, se suicidarem.
Com os mesmos objetivos e temores, o legista Francisco José Viveiros Castro, em
1894, concordou com essa tendência desenvolvida no século XIX. É interessante observar
que, para ele, esses romancistas, ao ligarem as paixões amorosas ao ato de se dar à morte, ao
apresentarem-nas como causas diretas de morte, forneciam, por meio de inspiração poética,
contingente à estatística do suicídio.15 Do total de 1558 casos na cidade do Rio de Janeiro,
entre os anos 1870 e 1890, ele detectou 133 devidos à embriaguez, 183 à loucura e 174
devidos aos desgostos domésticos. Segundo ele, a paixão amorosa, a causa tão poética que
inspira os dramaturgos e os romancistas, fornece o contingente de 92 casos.16 Assim, homens
e mulheres que se suicidavam por causa de decepção amorosa, de um amor impossível, de
inumeráveis complicações do jogo da conquista amorosa e das dificuldades comuns e
peculiares do relacionamento a dois — 6% dos casos registrados pela polícia do Rio de
Janeiro —, inspirariam poeticamente dramaturgos e romancistas, que utilizariam casos reais
para continuar escrevendo sobre esse hediondo tipo de morte. Por outro lado, muitos leitores
encontrariam nas páginas dos romances situações e dificuldades parecidas ou, até mesmo,
idênticas às suas. Espelhando-se nos atos de seus heróis ficcionais, os leitores poderiam pôr
fim à dor, ao sofrimento e ao impossível de ser vivido cometendo suicídio, prática recorrente
em várias obras literárias.
Muito foi escrito pelos médicos brasileiros sobre a influência nociva dos romances nos
casos de morte por suicídio, e não apenas por eles. Várias obras francesas, muitas delas
conhecidas pelos facultativos brasileiros, também sugeriam a mesma influência.17 Séverin
Icard, em sua obra De la contagion du crime e du suicide par la presse, de 1902, considerou
irrefutável a existência de um contágio moral permitido pela grande publicidade que a mídia e
a literatura davam aos casos de suicídio. Segundo ele, todos e quaisquer meios de publicidade
— peças teatrais, livros, canções e imagens — exerciam uma funesta influência quando
dirigidos às crianças e aos espíritos menos cultivados, ou seja, mais impressionáveis.18
Outro aspecto muito importante de sua crítica dizia respeito à utilidade dessas
obras. Segundo sua compreensão, seria muito mais útil, para as conveniências sociais, que o
espaço concedido aos casos de suicídio fosse ocupado por discursos que deixassem patente
o horror de tal ação — como fazia o discurso médico. Era preciso, de acordo com ele, indicar os
perigos de introduzir ou despertar predisposições, vontades e idéias oriundas da leitura
pormenorizada de histórias que terminavam em suicídio.
Esquirol também sugeriu que a leitura de obras que elogiam o suicídio é causa
observável de morte.19 Segundo ele, justamente a partir do momento em que os livros se
tornaram acessíveis pelo baixo preço, começaram a oferecer proposições contra as crenças,
os laços da família, os deveres sociais, inspirando, assim, desdém pela vida. Como
conseqüência direta, ele sublinha a multiplicação dos casos de suicídio na França. Ainda de
acordo com ele, a morte era apresentada como uma saída segura contra as dores físicas e os
sofrimentos morais; imagens e valores eram oferecidos pelas páginas dos romances, alguns
vendidos em grande escala e sem nenhuma censura. Dessa maneira, a leitura das obras que
louvam o suicídio era, nas palavras dele, tão funesta que Madame Staël assegura que a leitura
de Werther, de Goethe, produziu mais suicídios na Alemanha que todas as mulheres daquele
país.20
O abade francês Maupoint, em 1843, advertiu que o amor profano, falso, contrariado
e desesperado era causa das mais influentes de suicídio.21 Os romances seriam a verdadeira
fonte desses amores e, conseqüentemente, de suicídio. Além do mais, as produções da
imprensa francesa, consideradas imorais, teriam leitores que devoravam esses livros perigosos
e condutores de morte. Como se não bastasse, eles continuavam a ser publicados sem
nenhum tipo de restrição por parte das autoridades e, ao se multiplicarem ao infinito,
produziam incomparáveis malefícios aos segmentos sociais e à vida. Por assim pensar, ele
propôs que esses autores, que envenenavam e matavam, ao mesmo tempo, corpo e alma,
fossem tratados com mais severidade do que os envenenadores públicos, que envenenavam
o corpo mas não tinham poder sobre a alma.
Mas, não pensem que para Maupoint a censura e o controle das obras literárias
deveria ser prática natural ou recorrentemente observável em todas as sociedades. Segundo
ele, somente após longa reflexão seria possível descobrir se a causa dos suicídios, produzidos
pela paixão amorosa desregrada, estava nos romances. Assim, como fruto das leituras desses
romances, surgiria o chamado suicide romanesque22, um tipo específico, que só poderia ser
controlado se houvesse censura das obras românticas.
A POSSÍVEL RESPONSABILIDADE DO ROMANT ISMO
O amo r ro mântico é fruto de uma co ncepção da privacidade e da auto no mia individuais po uco co nhecida em
perío do s anterio res. Além disso , requer a idéia de que as ‘emo çõ es po r si mesmas’ devem ser cultivadas co mo
fo nte de prazer e a no ção , também imprescindível, da unidade entre sexualidade e sentimento , escassamente
enco ntrada em o utras fo rmas histó ricas de amo res o cidentais. Po r fim, o amo r ro mântico pressupõ e a idéia de
‘eu interio r’ que pro curava se expandir para incluir o o utro . Essa função do eu dificilmente enco ntraria lugar em
so ciedades ‘meno s psico lo gizadas e mais fo rmadas para a criação so cial de mentalidades’.39
A constatação de que o amor romântico tem condições de existência sugere que foi
preciso aprender a amar romanticamente, que foi constituído e/ ou permitido pelas obras
literárias românticas e por determinadas características. Entre as características mais
importantes, pelo menos em relação ao suicídio, estão a inconfundível disposição ao
sofrimento, um modo trágico, heróico e dramático de amar, e a inviabilidade da relação
amorosa.
A respeito da inviabilidade, Costa argumenta que, para os praticantes do amor
romântico, ela é sempre justificada por meio de argumentos ad hoc que validam a lógica
emocional do romantismo. Esse procedimento nada tem de excepcional. É assim que nos
comportamos, na maioria das vezes, em face das crenças religiosas, filosóficas, psicológicas ou
científicas que adotamos. Se algo falha, o defeito não é imputado ao modelo, e sim à
incapacidade do sujeito. Com o amor, sugere o autor, acontece o mesmo. Se não conseguimos
amar, a culpa ou responsabilidade é nossa, do mundo ou do destino, jamais das regras do jogo
amoroso.40 Dessa maneira, amar torna-se, no Romantismo, a finalidade da vida: amar sem
limites, desejando o inalcançável, de maneira total, sem limites nem freios. Essas relações
amorosas podem ser resumidas com as seguintes palavras: aventuras em orgasmos e
sofrimentos sem remédio à vista.41
O último tema desenvolvido pelos literatos, poetas e artistas românticos foi a
chamada valorização da morte. Assim, no afã de se afastar do mundo, incompleto e
desajustado, o romântico opta pela morte como algo glorioso, gesto definitivo e radical a
revelar uma profunda indisposição com a sociedade. 42
Antonio Candido argumenta que a atração pela morte, a autodestruição dos que não
se sentem ajustados ao mundo, está presente entre aqueles que escolheram as veredas mais
perigosas, como quem experimenta com o próprio ser. Um verdadeiro “complexo de
Chapeuzinho Vermelho”, que leva a tomar o pior caminho para cair na boca do lobo, com um
arrepio fascinado de masoquismo.43 Antes de morrer, os poetas românticos davam,
continuamente, asas ao desespero, ao pessimismo. Inspirados pela “beleza da morte”,
escreviam sobre sonhos, desejos, dores, frustrações, medos, morte e suicídio. Por assim agir,
fundaram uma perspectiva para pensar o suicídio, que rompia e não respeitava as fronteiras
do possível e do verdadeiro sobre o ato criadas e sugeridas pelo discurso médico, por
excelência normativo, moralista e científico.
De fato, a crítica dos médicos brasileiros fazia sentido, pois a literatura romântica,
tanto nacional como a estrangeira, divulgava casos, histórias, vida e morte de homens e
mulheres que se suicidavam pelos mais variados meios e causas. Por esse motivo, por divulgar
um ato considerado condenável se praticado com o pleno uso da razão, e por não respeitar as
verdades científicas sobre o suicídio, esses literatos deveriam ser responsabilizados como
indutores de morte não natural. Ainda a esse respeito, é necessário destacar algumas
considerações.
Em primeiro lugar, convém observar as interdições culturais e sociais ligadas à morte.
Para esclarecer essa questão, retomo a análise de Philippe Ariès, para o qual a morte já não
causava medo apenas por causa de sua negatividade absoluta; provocava náuseas como
qualquer espetáculo repugnante. Foi feita inconveniente como os atos biológicos do homem,
as secreções do corpo. Dessa maneira, tornada repugnante, passou a ser indecente torná-la
pública, o que acontecia tanto na imprensa como na literatura. Ariès salienta que, nesse
contexto, uma nova imagem da morte foi se constituindo. Por ser feia e suja, passou a ser
escondida; interditou-se a alusão pública a ela. No que diz respeito ao suicídio, morte
considerada não natural, os modos de pensar, conceber e perceber esse tipo de morte foram
exacerbados, pois ele acarretava os fardos da irracionalidade, antinaturalidade e
anormalidade.44
Cabe observar as análises de João José Reis acerca da considerada boa morte —
idéia contrária ao tipo de morte violenta praticada pelos suicidas. De acordo com ele, as
atitudes diante da boa morte e dos mortos foram tomando novas formas e novos sentidos ao
longo do século XIX. As concepções sobre o mundo dos mortos e dos espíritos, a maneira
como se esperava a morte, o momento ideal de sua chegada, os ritos que a precediam e
sucediam, o local da sepultura, o destino da alma e a relação entre vivos e mortos eram
questões sobre as quais muito se pensava, falava, escrevia e em torno das quais se
realizavam ritos, criavam-se símbolos, movimentavam-se devoções e negócios.45
As últimas palavras do trecho selecionado, sobre a proliferação de falas e textos
sobre a morte — e eu, particularmente, incluiria a abundante tematização do suicídio —,
permitem-me buscar entre os literatos brasileiros do século XIX aquele que, com seus poemas,
aderiu aos temas selecionados.
Casimiro de Abreu exprimiu por meio de seus versos muitos temas já analisados e
criticados pelos médicos brasileiros. Em seu Livro Negro — note-se que o próprio título sugere
o grau de obscuridade da obra — escreveu sobre elementos de desordem que tanto
incomodavam o normativo e moralizante discurso médico: dores que o tempo cicatrizava, mas
que deixavam marcas indeléveis; amores presentes, mas passageiros; o rapaz que sofria por
amor, entregue à paixão, sendo cativado por outros olhos e permitindo-se arder noutra paixão;
independentemente das estações do ano, primavera ou inverno, os corações palpitando e
sofrendo; a existência que definhava pouco a pouco, pela dor que murchava o viço do verdor
dos anos; a dor que se afogava no fervor dos vinhos consumidos nos leitos dos bordéis,
produzida por excessos que contaminavam os espaços perigosos e que exalavam vícios; a dor
sem cura, dor que matava, que apagava d’alma as crenças, que profanava o santo, que
entregava a alma ao desalento e que encaminhava ao único ato possível, o suicídio.
Ou suspeita sequer!
De lábio s de mulher!
Suspira o co ração ;
A alma no s desfaz!
No s leito s do s bo rdéis,
A febre do prazer:
É do ce então mo rrer!48
Wilhelm, que seria do no sso co ração em um mundo inteiro sem amo r? O mesmo que uma lanterna mágica
apagada! Assim que se põ e lá uma lâmpada, imagens de to das as co res surgem na tela branca... E mesmo se
fo sse apenas isso — fantasmas —, ainda assim co ntinuará fazendo a no ssa felicidade, sempre que no s
po starmo s diante deles, co mo crianças extasiadas co m aquelas apariçõ es maravilho sas!49
Ah, se vo cê pudesse exprimir tudo isso ! Se pudesse passar para o papel tudo o que palpita de vo cê co m tanto
calo r e plenitude, de mo do que essa o bra se to rnasse o espelho de sua alma, co mo sua alma é o espelho de
Deus! (...) Mas esse arrebatamento me faz desfalecer e sucumbo so b a fo rça dessas visõ es magníficas. 50
Atravessei o pátio que co nduz a uma bela casa e, ao pisar a so leira, deparei co m um do s quadro s mais
encantado res jamais visto em minha vida. No vestíbulo , seis crianças, de do is a quinze ano s, se alvo ro çavam
em to rno de uma jo vem bem pro po rcio nada, de estatura média, trajando um singelo vestido branco ado rnado de
laço s co r-de-ro sa nas mangas e no co rpete. Ela co rtava um pão em fatias circulares, entregando -as co m
amabilidade a cada criança, de aco rdo co m sua idade e apetite.52
Ela me ama! E quanto eu me sinto cada vez mais, quanto ... eu po sso dizer isto a vo cê, que saberá co mpreender-
me... quanto eu me ado ro a mim mesmo , depo is que ela me ama! Será presunção ? Será o sentimento do meu
verdadeiro estado ? ... Não co nheço ho mem nenhum de quem po ssa temer qualquer interferência capaz de
diminuir-me no co ração de Lo tte. E, no entanto , quando ela, co m tanto calo r e afeto , fala do seu no ivo ... é co mo
se eu fo sse um ho mem destituído de to da a ho nra e dignidade, e ao qual arrebatassem a pró pria espada.55
Não o bstante, não po sso recusar minha estima a Albert. Sua calma exterio r co ntrasta co m o meu caráter inquieto ,
que não co nsigo o cultar. Ele é bastante sensível e co nhece o valo r de Lo tte. Parece que nunca está de mau
humo r, que co mo vo cê sabe é de to do s o s defeito s do gênero humano o que mais abo mino .56
O intenso sentimento do meu co ração pela natureza, sentimento que tanto me deliciava, transfo rmando em
paraíso o mundo à minha vo lta, to rno u-se para mim to rmento into lerável, um espírito que me to rtura e persegue
po r to da a parte. (...) Nada mais vejo senão um mo nstro sempre esfo meado e devo rado r.57
Werther não conseguiu mais disfarçar sua dor e angústia. Para ser feliz, precisava do
amor de Lotte, amor esse que o dominava:
(...) nenhuma o utra imagem, a não ser a dela, está em minha mente, e o mundo que me cerca só o percebo
quando de algum mo do se relacio na co m ela. Só assim co nsigo ter ho ras felizes... até o mo mento em que é
preciso que me afaste dela! Ah, Wilhelm, se vo cê so ubesse até o nde me leva o co ração ! Quando fico junto dela
duas o u três ho ras, alimentando -me da sua presença, das suas maneiras, da expressão celestial das suas
palavras, po uco a po uco to do s o s meus sentido s se dilatam, meus o lho s deixam de enxergar, mal co nsigo o uvir,
sinto co mo se a mão de um assassino apertasse-me a garganta. Batendo deso rdenadamente, meu co ração
pro cura amenizar a angústia do s meus sentido s, mas apenas co nsegue aumentar a minha perturbação .58
Para pôr fim ao seu sofrimento, ele optou por deixar seu antigo paraíso. Decidiu
buscar sua tranqüilidade e sossego em outros cantos. Perturbado pelo amor não
correspondido, tomou a decisão de partir para nunca mais ver sua amada, responsável por sua
felicidade e também por seu pesar.
Ele se retirou, não aceitando manter as relações estabelecidas entre eles e
recusando o trio formado. Concretizou o que havia anunciado na carta do dia 08 de agosto,
isto é, não se resignou, porque considerou insuportável as pessoas que exigem de nós uma
resignação ante o inevitável. Tentando tomar as rédeas de sua vida, partiu, entregando-se ao
trabalho que não o agradava e para viver em um meio totalmente diferente daquele que
outrora foi pintado como o paraíso. Agora estava rodeado de pessoas rudes, que disputavam
posição social e ficavam o tempo todo à espreita para ficarem à frente do outro — sociedade,
mentalidade, hábitos e desejos que insultavam a sensibilidade de Werther. Havia saído do seu
antigo paraíso para acalmar as tempestades do seu coração, contudo, ficou em um meio onde
fervilhavam hábitos empertigados.
Sua situação foi descrita em carta endereçada a Lotte, datada de 20 de janeiro, ou
seja, quase três meses depois de sua partida:
Se me visse, minha amiga, naquele turbilhão de distraçõ es! Se vo cê pudesse ver co mo tudo em mim se to rno u
árido e seco ! Nem po r um só mo mento experimentei a plenitude do co ração , nem uma ho ra de felicidade! Nada,
nada! Pareceu-me que estava diante de um teatro de mario netes vendo desfilar o s pequeno s bo neco s so bre o s
seus cavalinho s, e cheguei, po r vezes, a perguntar-me se tudo aquilo não era uma miragem (...) à no ite,
pro po nho -me go zar o raiar do so l, e acabo não saindo da cama; durante o dia, espero rejubilar-me co m o luar e,
afinal, permaneço no meu quarto . Não sei po rque me levanto e nem po rque vo u do rmir.59
Nem o casamento de Charlotte e Albert pôde entristecer ainda mais os seus dias.
Agradeceu a notícia a Albert, em carta do dia 20 de fevereiro. Em tom de total franqueza,
disse:
(...) havia reso lvido que, nesse dia (do casamento ), o retrato de Lo tte seria so lenemente retirado da parede e
guardado co m o utro s papéis. E ago ra, já casado s, o retrato ainda está aí! E já que é assim, ali co ntinuará! Po r que
não ? Sei que vivo também junto de vó s, e no co ração de Lo tte, sem que isso po ssa prejudicar vo cê; sei, mesmo ,
que tenho ali o segundo lugar e quero , devo co nservá-lo . Oh! Ficaria furio so se ela viesse a me esquecer... Albert,
esse pensamento é um inferno (...).60
Descontente com seu emprego, com o meio social em que vivia, ou tentava viver, e
ante a possibilidade de ser esquecido pela amada, resolveu voltar, seguindo as ordens do seu
coração. Seu sonho — pois não passava disso, afinal, Lotte já estava casada — era sentir
seus corações baterem novamente em perfeita harmonia, como sempre havia acontecido com
Lotte e Werther. Apesar de seu retorno, sentiu estar no outono de sua vida, pressentindo a
morte:
Sim, é isso mesmo ! Assim co mo a natureza pende para o o uto no , também o o uto no co meça em mim e em to rno
de mim. As fo lhas da minha alma vão amarelecendo , enquanto as fo lhas das árvo res vizinhas caem.61
Mas voltou, e estava de novo com Charlotte e Albert. A situação era outra, sua
amada estava casada, mas os seus sentimentos continuavam os mesmos, e seus desejos
também. Charlotte estava ciente do amor de Werther, mas confiou no bom senso do amigo.
Acreditou que ele não seria capaz de nenhuma atitude inconseqüente, que pudesse prejudicar
sua amizade e honra.
Aos poucos, a dor passou a ser insuportável e ele não conseguiu mais visualizar um
futuro, uma esperança. Dominado pelo desespero de não realizar seu sonhos, de ver tantos
encantos e não poder tocá-los, escreveu:
Só Deus sabe quantas vezes vo u do rmir desejando nunca mais despertar; e pela manhã, quando abro o s o lho s e
to rno a ver o so l, sinto -me um desgraçado (...) Que desgraçado so u: sei perfeitamente que so u o único culpado ...
Não exatamente culpado , mas é em mim que está a fo nte de to do s o s meus males, co mo o utro ra a fo nte de
minha felicidade (....) Meus o lho s, ago ra seco s, não se refrescam mais de lágrimas benfazejas, e a angústia abafa
o s meus sentido s e enruga a minha fro nte. So fro ainda mais ao verificar que perdi aquilo que dava encanto à vida,
sagrada e tumultuo sa fo rça graças à qual po dia criar mundo s a meu redo r. Essa fo rça acabo u.62
O desânimo e o desalento fo ram criando raízes cada vez mais pro fundas na alma de Werther e acabaram po r
to mar co nta de seu ser. A harmo nia da sua inteligência fo i co mpletamente aniquilada. Um fo go interno , vio lento e
intenso , mino u to das as suas faculdades, pro duzindo o s mais funesto s resultado s, e só lhe restando o
abatimento mais peno so e co mpleto , pio r do que to do s o s males co ntra o s quais havia até então lutado . A
angústia do seu co ração co nsumiu as faculdades do espírito , a vivacidade, a intuição penetrante.63
Esse era o Werther dos últimos dias, abatido, mostrando-se cada vez mais sombrio e
infeliz, mergulhado em sua dor e apatia. Nas palavras do editor, ou seja, do próprio Goethe:
Naquele tempo , a reso lução de deixar este mundo já havia se fo rtalecido e radicado na alma de Werther. Depo is
que regresso u para perto de Lo tte, não deixo u mais de co nsiderar a mo rte co mo um recurso que não falharia.
Pro meteu a si mesmo , po rém, que isso não po dia ser um ato precipitado , impensado . Só daria esse passo co m
a maio r co nvicção e a mais serena determinação .64
É vo cê anjo do céu, que favo receu meu pro pó sito ! Vo cê mesma, Lo tte, fo rnece o instrumento que vai co nsumá-lo !
Desejei receber a mo rte de suas mão s: é de vo cê que a recebo ho je! Interro guei meu criado , e ele co nto u-me que
vo cê tremia ao entregar-lhe as pisto las, e não me envio u um adeus!... Ai de mim, ai de mim, nem um adeus!...65
Querendo colocar um ponto final a tudo o que sentia e causara, Werther suicidou-se
com um tiro na cabeça. Em suas últimas palavras, escritas em cartas devidamente
endereçadas, pediu que o seu corpo fosse enterrado no cemitério, bem ao fundo, no canto que
dava para o campo, onde havia duas tílias. Para sua amada, deixou uma das cartas relatando
seus últimos desejos, seus propósitos. Era preciso, segundo ele, que um dos três
desaparecesse, e foi ele quem, aos moldes do Romantismo, sacrificou-se por e para Lotte.
Nas últimas páginas do livro, Goethe relatou que primeiro a casa, depois a vizinhança
e por último a cidade inteira foram sacudidas pela emoção provocada pelo suicídio de Werther.
A mesma perturbação e comoção se espalhou por toda a Europa, após a publicação do livro. A
vida, o amor, os sofrimentos e o suicídio de Werther emocionaram não só os personagens
ficcionais, como os seus leitores.
A esse respeito, Marcos Veneu, que no Brasil analisou cuidadosamente o chamado
suicídio romântico, destacou o fato de o nome de Goethe não constar na primeira edição da
obra. A decisão de ocultar a autoria, por trás de um fictício editor das cartas deixadas pelo
personagem, revelou muita prudência, já que as autoridades de Leipzig, onde o livro foi
publicado, logo proibiram sua venda. Alegaram imoralidade, pois, a seu ver, a obra fazia
apologia ao suicídio. A proibição, porém, não impediu que o livro se tornasse um formidável
sucesso, projetando definitivamente o seu autor para a celebridade. Pouco tempo depois, foi
traduzido para o francês e em seguida para outros idiomas. Começou assim a chamada febre
wertheriana.66
O VALOR DO SILÊNCIO
Juntai ago ra, senho res, ao eu humano enso berbecido po r suas co nquistas materiais o po dero so auxílio do s
licencio so s dramas da esco la mo derna e dessa leviana literatura ro mântica, em cujas páginas Ro usseau,
Go ethe, Chateaubriand, Lamartine e o utro s pro clamam o eno jo da vida e o desprezo da mo rte pela bo ca de S.
Preux, de Werther, de René e de Raphael e co mpreendereis facilmente co mo o s membro s das so ciedades
mo dernas, engo lfado s no s prazeres e so lapado s pelo individualismo , sem co nfiança em seu destino , sem
certeza de um futuro , semelhantes ao s Ro mano s da épo ca da decadência se deixam apo derar pelo desespero e
almejam a mo rte, co mo um termo fatal e co nso lado r de to do s o s so frimento s que o s o primem.81
Go ethe abala pro fundamente as imaginaçõ es co m o s so frimento s de seu Werther. O suicídio de seu heró i se
to rna co ntagio so entre o s estudantes alemães. Esta fidelidade tão escrupulo sa de imitação é uma pro va singular
do perigo do s ro mances para as mentes po uco só lidas.85
aquele o nde eu reco nheço o mundo e o s incidentes co muns no meu círculo de relaçõ es, to rnando a histó ria tão
interessante e terna co mo a minha vida do méstica, que, embo ra não seja um paraíso , é para mim fo nte de
felicidade inexprimível.88
Era esse, exatamente, o perigo detectado pelos médicos em tais obras literárias: o
oferecimento de uma possibilidade nefasta, a do reconhecimento de sentimentos, amores,
paixões, excessos, tristezas e morte. O próprio Werther, antes de se suicidar, assinalou várias
vezes o que pensava da morte e do suicídio. Alguns trechos são reveladores. Em carta do dia
16 de junho, ele escreveu a seu amigo e sugeriu que o simples fato de ver sua amada valsando
com outro seria suficiente para pôr fim a seus dias:
ter no s braço s a mais encantado ra das criaturas, vo ar co m ela co m a rapidez de um tempo ral, vendo tudo se
desvanecer ao redo r... Para ser sincero , Wilhelm, jurei a mim mesmo que, se amasse uma jo vem e tivesse
qualquer direito so bre ela, preferia fazer-me matar a co nsentir que ela valsasse co m o utro .89
Nada que o s antigo s co ntam so bre o po der so brenatural da música me parece ago ra invero ssímil. Co mo esse
pequeno canto to ma co nta de mim! E co mo ela sabe fazer-se o uvir a pro pó sito , sempre no mo mento em que me
sinto tentando a meter uma bala na cabeça!... O delírio e as trevas se dissipam na minha alma e respiro
livremente.90
Depois de pensar em se matar, por ter de ver sua amada dançando com outro, ele foi
salvo de seu desejo de morte pelo poder mágico de um anjo, que, com simplicidade musical,
tocou sua alma. Mais uma vez, o trágico uniu-se ao sublime encantamento amoroso.
No dia 08 de agosto, Werther mudou de tom sobre o suicídio. O foco agora estava
direcionado para as desgraças e sofrimentos causados pelas doenças. Nesse sentido, ele
perguntava:
Po de-se, acaso , exigir de um desgraçado , cuja vida se extingue po uco a po uco so b a ação surda e lenta, mas
irresistível, da do ença, que po nha termo imediatamente ao s seus so frimento s co m um go lpe de punhal? O mal
que co nso me as suas fo rças não lhe retira ao mesmo tempo a co ragem para se libertar dele? 91
O fardo que cada um carrega só é realmente conhecido por ele mesmo. Essa idéia é
fortemente retomada em discussão de Werther e Albert sobre o suicídio. As contradições das
convicções sobre o ato são claras. Para Albert: Não posso imaginar como um homem possa
ser tão insensato para se dar um tiro. Só em pensar nisso sinto repulsa.92 Para Werther:
Po r que vo cês ho mens não po dem falar de uma co isa sem lo go declarar: “isto é insensato , aquilo é razo ável,
aquele o utro é bo m, isso aí é mau”? De que servem to das essas palavras? Vo cês já co nseguiram, graças a elas,
penetrar as circunstâncias o cultas de uma ação ? Sabem co m rigo ro sa certeza as causas que a pro duzem, que a
to rnaram inevitável? Se assim fo sse, não enunciariam co m tanta rapidez o s seus julgamento s.93
Co nta-se que há uma no bre raça de cavalo s que, perseguido s, quando se vêem demasiadamente encurralado s
têm o instinto de abrir uma veia co m o s dentes para facilitar a respiração . Muitas vezes sinto vo ntade de fazer o
mesmo : abrir uma veia e co nquistar assim, para sempre, a liberdade.94
(...) sinto -me co mo o s desgraçado s que parecem estar po ssuído s po r um espírito maligno . Isso me aco ntece
muitas vezes. Não é um medo nem desejo ... é uma fúria desco nhecida, que me sufo ca e ameaça dilacerar-me o
peito .
(...) fui invadido de um súbito tremo r e de um desejo intenso . Ah! Inclinado so bre o abismo , o s braço s estendido s,
tive um desejo ardente de atirar-me a ele. Entreguei-me ao delicio so pensamento de precipitar naquele turbilhão
meus to rmento s e so frimento s, de me deixar arrastar pelas o ndas revo ltas!95
Não conseguindo ficar em casa, sufocado pelos tormentos e sofrimentos causados
pelo amor não correspondido, Werther se sentia ainda mais abatido, ao perceber que o degelo
característico daquela ocasião fizera o rio e os riachos transbordarem, inundado todo o vale,
paraíso de suas delícias. Como acontecera com sua vida e com o seu amor, uma tempestade
revoltosa inundou seu paraíso, levou consigo toda a beleza, serenidade e paz que outrora
havia sentido e de que havia gozado. Mergulhado em sua dor, e invadido de um desejo
intenso, refletiu sobre a doce possibilidade de finalizar, definitivamente, o que prolongava sua
triste existência. Mas sua decisão final ficaria para um outro dia, utilizando outro meio para
alcançar sua morte.
Como indiquei, as intenções de Werther, de recorrer ao suicídio para deixar este
mundo, estavam presentes muito antes da execução do ato fatal. A idéia estava presente em
várias cartas endereçadas a Wilhelm, mas, como já expliquei, a obra de Goethe é constituída
pelas cartas de Werther e não pelas respostas de seu amigo. Contudo, além de Wilhelm, as
idéias do jovem suicida eram conhecidas por Lotte e Albert; logo, seus melhores amigos
sabiam o que ele pensava sobre o ato. Neste trecho da obra, nota-se o que estou sugerindo:
Uma circunstância particular junto u-se às perplexidades de Lo tte. Werther, nó s o vemo s po r suas cartas, nunca
fez mistério do seu pro pó sito de deixar este mundo . Esse so mbrio desígnio , que tantas vezes Albert co ntesto u,
fo i também muitas vezes o bjeto de co nversas de Lo tte co m o marido ; e este, a quem semelhante ato inspirava
decidida repulsa, e uma irritação de o rdinário estranha ao seu caráter, havia dado a entender que não to mava a
sério tal reso lução . Permitira-se mesmo fazer gracejo s a tal respeito , chegando a fazer co m que Lo tte acabasse
partilhando da sua incredulidade.96
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sexualidade... In: PARKER, R. e BARBOSA, Regina M. (org.) Sexualidades brasileiras. Rio de
Janeiro: Relume Dumará: ABIA: IMS/UERJ, 1996.
WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a crítica da cultura. Trad. Alípio Correia
de Franca Neto. São Paulo: Edusp, 1994.
Prefácio
1. Paul Lafargue. Direito à Preguiça. Rio de Janeiro: Kairós,1980. Cubano, nascido em 1842
de mãe francesa, estudou na França onde mais tarde aderiu à Internacional dos
Trabalhadores. O manifesto foi escrito em 1883, conclamando os trabalhadores do mundo
para se unirem não pelo direito ao trabalho, pois isso eles já tinham em demasia, mas pelo
direito à preguiça: “preguiçosos em tudo, menos no amor e no beber, menos na preguiça”. No
seu casamento com Laura Marx teve como testemunha Engels. Foi um militante que muito
incomodou Marx, como este declararia em carta para sua filha Laura, em 1866: Este maldito
Lafargue me aborrece com seu proudhonianimo e ele não me deixará tranqüilo até que eu
tenha quebrado sua cara de crioulo.
2. Sua história foi transformada em filme: Mar Adentro. Direção de Alejandro Amenábar.
Espanha, 2004. Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
3. FOUCAULT, Michel. O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984, p.13.
4. FOUCAULT, Michel. O nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1994.
5. FOUCAULT, Michel. Não ao sexo rei. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979,
p. 242.
Int rodução
1. SABINO, Mário. A extrema dor. Veja. Rio de Janeiro, Ano 28, n° 46, pp. 112-113,
15/11/1995.
2. Tradução da nota de suicídio de Kurt Cobain. Disponível em:
http://nirvanalternative.tripod.com/tradnota.htm
3. Conforme COSTA, Jurandir Freire. In: Luis Antonio dos S. Baptista. A fábrica de interiores:
a formação psi em questão. Prefácio de Jurandir Freire Costa. Niterói: EdUFF, 2000.
4. Segundo Foucault, a regra do silêncio, a regra do não-dizer, é correlativa ao mecanismo
da enunciação: você tem de enunciar tudo, mas só deve enunciar em certas condições, no
âmbito de certo ritual e a certa pessoa bem determinada. Ver: FOUCAULT, Michel. Os
anormais: curso Collège de France (1974-1975). (trad.) Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, p. 257.
5. Apropriando-se do conceito de Foucault, entende-se “experiência” como a maneira pela
qual a sociedade num determinado momento, século XIX, constitui suas verdades — sobre o
suicídio — e as formas de vivê-las e representá-las. Dessa maneira, torna-se possível buscar
os modos através dos quais o suicídio foi construído nesse momento por determinadas
práticas discursivas e como ele foi vivido. A esse respeito, Ver: FOUCAULT, Michel. Dits et
écrits. vol. IV. Paris: Gallimard, 1994; RAGO, Margareth. Libertar a História. In: RAGO, Margareth;
ORLANDI, Luiz B. Lacerda; VEIGA-NETO, Alfredo (orgs.) Imagens de Foucault e Deleuze:
ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002 e ORTEGA, Francisco. Amizade e
Estética da existência em Foucault. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1999.
6. DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo sociológico. (trad.) Monica Stahel. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 12.
7. DURKHEIM, Émile. O Suicídio. (trad.) L. Cary, M. Garrido, J. V. Esteves. Lisboa: Presença,
1992, p. 282.
8. DURKHEIM, Émile, (2000). Op.Cit., pp. 19-10.
9. Para Durkheim, não é a descrição de casos particulares que mostrará quais são os de
caráter sociológico. Para saber de que confluências resulta o suicídio considerado fenômeno
coletivo, ele deve ser analisado sob forma coletiva, isto é, através de dados estatísticos. O
objeto de análise é a t axa social; deve-se caminhar do todo para as partes. Ver: DURKHEIM,
Émile, (2000), op. cit, p. 169.
10. DURKHEIM, Émile, (1992). Op.Cit., pp. 258-259.
11. Idem, pp. 274-275.
12. Sobre características do suicídio anômico, ver: DURKHEIM, (1992). Op.Cit., cap. V.
13. Idem, p. 320.
14. Idem, pp. 328-329.
15. Segundo Roland Jaccard, o instinto de morte, diferentemente do instinto de destruição,
é dirigido contra si mesmo e o segundo, que dele resulta, contra o mundo exterior. Ver:
JACCARD Roland. Freud. (trad.) Vítor Ribeiro Ferreira. São Paulo: Ática, 1990, p. 61. Ver,
também: LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J.B..Vocabulário da Psicanálise. (trad.) Pedro Tamen, 9ª
ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1986.
16. O surgimento da eugenia, bem como seu desenvolvimento e divulgação, são
detalhados por: STEPAN, Nancy Leys. The Hour of Eugenics. Race, gender and nation in Latin
América. Itjaca and London: Cornell University Press, 1991, pp. 35-62; MARQUES, V.R.B.. A
medicalização da raça: médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas: Editora da
Unicamp, 1994, pp. 48-60; REIS, José Roberto Franco. Higiene Mental e Eugenia: O projeto de
“regeneração nacional” da Liga Brasileira de Higiene Mental (1920-30). Dissertação (Mestrado
em História), IFCH, Unicamp, 1994; LOPES, Fábio Henrique.O suicídio como alvo: discurso
médico e relações de poder. In: Revista Educação, Subjetividade & Poder. Porto Alegre, v. 6, n.
6, pp. 32-41, agosto/1999.
17. REIS, José Roberto Franco. Op.Cit., p. 24.
18. Ibidem, pp. 24-25.
19. Devo fazer uma justa referência a certos espaços institucionais que permitiram
encontros e aos orientadores que me ajudaram a conhecer e fazer uso das propostas de
Foucault. Em especial, a linha de pesquisa “História, Cultura e Gênero”, hoje chamada “Gênero,
Identidade e Cultura Material”, da área História Cultural, os encontros e debates com os
integrantes do “Grupo Foucault”— no IFCH, Unicamp —, as conversas, indicações e
discussões com o Prof. Dr. Ítalo Tronca e Profª. Drª. Margareth Rago.
20. EWALD, François. Foucault A Norma e o Direito. (trad.) António Fernando Cascais,
Lisboa: Veja, 1993, p. 21.
21. Sobre a forma insidiosa de poder, ver: LEBRUN, Gerard.Passeios ao léu. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1983, p. 81.
22. A esse respeito, ver: MARTINS, Carlos José. Michel Foucault: Filosofia como
diagnóstico do presente. Dissertação (Mestrado em Filosofia), IFCH, Unicamp, 1998.
23. WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a crítica da cultura. (trad.) Alípio
Correia de Franca Neto. São Paulo: Edusp, 1994, pp. 100-101.
24. Por exemplo: CASSORLA, Roosevelt M. S. O que é suicídio. São Paulo: Brasiliense, 1984;
CASSORLA, Roosevelt M. (coord.) Do Suicídio: Estudos Brasileiros. Campinas: Papirus, 1991;
MELLO, M.F.M. Observações e reflexões sobre a conduta suicida de pacientes internados em
uma enfermaria psiquiátrica. Dissertação (Mestrado) Hospital do Servidor Público Estadual,
1991; MIOTO, Regina Célia Ramaso. Famílias de jovens que tentam suicídio. Tese (Doutorado
em Ciências Médicas), F.C.M., Unicamp, 1994; FEIJÓ, Marcelo. Suicídio entre a razão e a
loucura. São Paulo: Lemos Editorial, 1998; RAPELI, Claudemir Benedito. Tentativas de suicídio
com risco de vida: intencionalidade suicida, letalidade médica e análise de agrupamentos.
Tese (Doutorado em Ciências Médicas), F.C.M., Unicamp, 2001.
25. Sobre a História “efetiva”, ver: FOUCAULT, Michel. “Nietzsche, A Genealogia e a
História”. In: Microfísica do poder. Op.Cit., p. 27 e 28.
26. WHITE, Hayden. Op.Cit., p.53.
27. Segundo MACHADO, Roberto. Op.Cit., p.XVI.
Capít ulo 1
1. Ver: LOPES, Fábio Henrique. Suicídio: teia discursiva e relações de poder na imprensa
campineira, final do século XIX. Campinas: UNICAMP/CMU, 2006.
2. BAPTISTA, Luis Antonio dos S.. A fábrica de interiores: a formação psi em questão.
Niterói: EdUFF, 2000, p. 85.
3. MACHADO, Roberto et alii. Danação da Norma: a Medicina Social e Constituição da
Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978.
4. HERSCHMANN, Micael. “Entre a insalubridade e a ignorância. A construção do campo
médico e do ideário moderno no Brasil”. In: HERSCHMANN Micael, KROPF, Simone e NUNES,
Clarice. Missionários do Progresso: médicos, engenheiros e educadores no Rio de Janeiro -
1870-1937. Rio de Janeiro: Diadorim, 1996, pp.16-18.
5. A normatização proposta à família será retomada ao longo do capítulo IV, sobre as
diferenças entre o suicídio masculino e o feminino.
6. HERSCHMANN, Micael. Op. Cit., p. 17.
7. Há uma vasta produção historiográfica sobre o processo de “medicalização da
sociedade”. Ver: STEPAN, Nancy Leys. The Hour of Eugenics. Race, Gender and Nation in
Latin America. Itjaca and London: Cornell University Press, 1991; Maria CUNHA, Clementina
Pereira. O espelho do mundo - Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1986; COSTA, Jurandir Freire. Ordem Médica e Norma Familiar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Graal,
1989; RAGO, Margareth. Do Cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985; STEPHANOU, Maria. Tratar e educar: discursos médicos nas
primeiras décadas do século XIX. Tese (doutorado em Educação). Faculdade de Educação,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999.
8. LUZ, Madel Terezinha et alii. Medicina e ordem política brasileira: políticas e instituições
de saúde (1850-1930). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982.
9. Idem, pp. 17-18.
10. LUZ, Madel. Op. Cit., pp. 13-14.
11. Para um olhar sobre as instituições médicas que preconizavam a medicalização,
biologização e controle/planejamento da sociedade no século XX, ver também: GONÇALVES,
Adilson José. SPES. Saúde Pública, Educação e Comunicação: Estratégias de
Sedição/Sedução (1938-1969). Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, 2001.
12. HERSCHMANN, Micael. Op. Cit., pp. 24-26. Segundo o autor, a medicina desempenharia
também um papel moral, pois teria como objetivo último o equilíbrio dos indivíduos. Nesse
sentido, talvez, ressalta Herschmann, possamos entender como se articulou a relação entre
Igreja e medicina. Os médicos reivindicavam um espaço junto ao Estado, uma medicina de
Estado, não em substituição à Igreja mas desempenhando um papel complementar à mesma.
Enquanto a Igreja “cuidaria das almas”, a medicina “cuidaria dos corpos”, da “vida terrena”.
13. Sobre as aproximações entre o campo médico brasileiro e o positivismo ver:
STEPHANOU, Maria. Op. Cit., pp. 53-56.
14. A esse respeito, ver: LUZ, Madel. Op. Cit., pp. 108-109.
15. Ibidem.
16. MACHADO, Roberto. Op. Cit., pp. 159-162.
17. Para uma análise detalhada das responsabilidades, práticas e formação dos cirurgiões
brasileiros, ver: Ibidem, pp. 32-34.
18. Para saber mais sobre a Fisicatura, principalmente sobre as práticas de curar no
começo do século XIX através de documentação dessa instituição, ver: PIMENTA, Tânia
Salgado. Artes de Curar: um estudo a partir dos documentos da Fisicatura-mor no século XIX.
Dissertação (Mestrado em História). IFCH, Unicamp, 1997.
19. Segundo Lycurgo Santos Filho. História Geral da Medicina Brasileira. vol. I. São Paulo:
HUCITEC, 1977,pp. 76-77, recebia o diploma de “cirurgião-aprovado” o aluno que em cinco
anos cursasse as diversas cadeiras de anatomia, química, fisiologia, higiene, etiologia,
patologia, terapêutica, operações, obstetrícia e clínica médica. Recebia o título de “cirurgião-
diplomado”, o candidato que repetisse em mais um ano as disciplinas lecionadas nas duas
últimas séries.
20. STEPAN, Nancy. Gênese e Evolução da Ciência Brasileira. Oswaldo Cruz e a política
de investigação científica e médica, pp. 53-56.
21. Para maiores detalhes sobre a questão, ver: PIMENTA, Tânia Salgado. Op. Cit., p. 68.
22. Segundo EDLER, Flávio. As Reformas do Ensino Médico e a Profissionalização da
Medicina na Corte do Rio de Janeiro, 1854-1884. Dissertação (Mestrado em História). FFLCCH,
USP, 1992, p. 16, um dos objetivos da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro - criada 03
anos antes das Faculdades de Medicina e embrião da Academia Imperial de Medicina - era a
elaboração de uma doutrina nosográfica de conotação nacional.
23. LAPA, Ludnero da Rocha Ferreira. Breves considerações acerca do médico. Rio de
Janeiro: Typografia de J. E. S. Cabral, Impressor do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
1841, p. 05.
24. LUZ, Madel. Op. Cit., p.107; a esse respeito ver também: HERSCHMANN, Micael. Op. Cit.,
p. 17-18.
25. EDLER, Flávio. Op. Cit., p. 43.
26. HERSCHMANN, Micael. Op. Cit., p. 17-18.
27. Idem. Herschmann salienta que da mesma forma que Oswaldo Cruz é considerado
patrono da Medicina Higienista e Sanitarista, Nina Rodrigues o é para a Medicina Legal. Ambos
constantemente são retomados nos discursos médicos enquanto “mitos fundadores”. A
construção desses “mitos” sugere uma estratégia de afirmação de uma categoria profissional
que procura legitimar-se, ou por assim dizer, construir uma “tradição científica”. Ver nota de
rodapé número 18, p. 18; Ver também: CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade: a Escola
Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 2001.
28. HERSCHMANN, Micael. Op. Cit., pp. 17-19.
29. HERSCHMANN, Micael. Op. Cit., pp. 18-19.
30. LUZ, Madel. Op. Cit., p. 111.
31. Ver: LUZ, Madel, pp. 103-106.
32. Sobre os problemas, descrédito e limitações da Academia Imperial de Medicina no
decorrer dos anos 50 e 60 do século XIX, ver: EDLER, Flávio. Op. Cit., pp. 93-100.
33. Ver: SAMPAIO, Gabriela. Nas trincheiras da cura: médicos e curandeiros no Rio de
Janeiro do século XIX. 1995. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual de
Campinas, pp. 06-08.
34. STEPAN, Nancy. Op. Cit., pp. 58-59.
Capít ulo 2
1. Claude Guillon e Yves Le Bonniec. Op. Cit., p.117. (grifos meus).
2. HERSCHMANN, Micael. Op. Cit., p. 26.
3. Entre as obras, destaco: VENEU, Marcos Guedes. Ou Não Ser. Um estudo sobre a
desincriminação do suicídio no Ocidente. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social).
Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1992; MONESTIER , Martin.
Suicides. Histoire, Techniques et bizarreries de la mort volontaire. Des origines à nos jours.
Luçon: Le cherche midi éditeur, 1995; MINOIS, Georges. Histoire du suicide. La société
occidentale face à la mort volontaire. Paris: Fayard, 1995.
4. Ver: FOUCAULT, Michel. História da Loucura Na Idade Clássica. (tad.)José T. Coelho
Netto. 5ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1997; MORON, Pierre. Le suicide. Que sais-je. 45ª
ed. Corrigée, France: Imp. Des Presses Universitaires de France, 1999.
5. MINOIS, George. Op.Cit., p. 96 e FOUCAULT, Michel (1997). Op.Cit., pp. 7-17.
6. GAY, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. O Cultivo do ódio. (trad.)
Sergio Góes de Paula e Viviane de Lamare Noronha. São Paulo: Companhia das Letras, 1995,
p. 213.
7. Ver: MONTESQUIEU. Cartas Persas. (trad.) e Apresentação Renato Janine Ribeiro. São
Paulo: Paulicéia, 1991.
8. apud, MINOIS, Georges. Op.Cit., pp. 265-268.
9. Ver: MINOIS, Georges. Op.Cit., pp. 268-272.
10. Ver: VOLTAIRE. “Commentaire sur le livre des délits et des peines par un avocat de
province” Chapitre XIX. Du Suicide In: Mélanges. Belgique: Gallimard, 1981, p. 798-799.
11. Cabe salientar que foi no século XVIII, como bem destacou Marcos Veneu. Op.Cit., pp.
81-83, que suicide é utilizado pela primeira vez em francês, pelos abades Prévort e
Desfontaines, nas páginas do periódico francês Le pour e le contre. A palavra vem do latim sui,
‘de si’ + -cídio; por sua vez – cídio significa cortar, matar.
12. MINOIS, Georges. Op.Cit., pp. 257-259.
13. MINOIS, Georges. Op.Cit., pp. 263-264.
14. GAY, Peter. Op.Cit.,p. 214.
15. As questões que envolvem a compreensão do suicídio como delinqüência, crime e
perversidade serão desenvolvidas ao longo do terceiro capítulo desta tese.
16. A esse respeito, ver: MINOIS, Georges, pp. 274-275. Ver também as obras de Diderot: “
La marquise de Claye et Saint-Alban” e “Essai sur les règnes de Claude et de Néron” in:
OEuvres complètes. ed. Assézat et Tourneux, 1875-1877.
17. Idem, p. 258.
18. Segundo Foucault, o que caracteriza a loucura nesse período histórico é a permanência
de um duplo relacionamento com a razão: a loucura é diferença imediata, negatividade pura,
aquilo que se denuncia como não-ser, numa evidência irrecusável; é uma ausência total de
razão, que logo se percebe como tal. Mas ela é também individualidade singular cujas
características próprias, a conduta, a linguagem, os gestos, distinguem-se uma a uma daquilo
que se pode encontrar no não-louco; em sua particularidade ela se desdobra para uma razão
que não é termo de referência, mas princípio de julgamento. Ver: FOUCAULT, Michel (1997).
Op.Cit., pp. 184-185.
19. FOUCAULT, Michel (1997). Op.Cit., p. 36.
20. GAY, Peter. Op. Cit., p. 214.
21. A esse respeito, ver: VENEU, Marcos. Op.Cit., pp. 74-76.
22. MINOIS, Georges. Op. Cit., p. 370.
23. Ver: FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. (trad.) Laura Fraga de Almeida Sampaio.
3ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996, pp. 8-9 e 36-40.
24. Idem, p. XIX.
25. NIETSZCHE, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad., notas e posfácio
Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 19.
26. MUNIZ BARRETO, José de Assis Alves Branco. Considerações sobre as principais
enfermidades dos homens de Lettras e meios geraes de Hygiena, que lhes dizem respeito.
Tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1841.
27. MUNIZ BARRETO. Op. Cit., p. 13-14.
28. Idem, p. 14.
29. VIANNA, Antonio da Fonseca. Considerações Hygienicas e Medico-legaes sobre o
casamento relativamente a mulher. Tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, 1842. Este trabalho será retomado e analisado no capítulo III.
30. Em relação às análises sobre as implicações de uma educação “sabiamente dirigida”,
ver capítulo IV.
31. Bernardino José Rodrigues Torres. Op. Cit., pp. 01-02.
32. Relembro o leitor que, como indicou Luz, o ensino médico no Brasil contava com
bibliografia basicamente importada, em sua maioria da França, porque praticamente não
existia, até então, literatura médica em português.Ver: LUZ, Madel. Op. Cit., p.107.
33. Bernardino José Rodrigues Torres. Op. Cit., p. 01.
34. TORRES, Rodrigues. Op. Cit., p.12-13.
35. Idem, p. 07.
36. Quanto à hereditariedade, ver: LOPES, Fábio Henrique (1998). Op. Cit., pp. 89-91.
37. Ver: ALBUQUERQUE, Francisco Julio de Freitas. Monomania - tratamento das moléstias
mentaes. Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Bahia, 1858, p. 2.
38. As causas de suicídio ligadas às diferenças entre os sexos serão apresentadas
detalhadamente e analisadas no quarto capítulo deste livro.
39. MOREIRA, Nicoláo Joaquim. Considerações gerais sobre o suicídio. Discurso
pronunciado perante Sua Majestade o Imperador e Sua Alteza o Senhor Conde d’Eu, na
sessão solene da Academia Imperial de Medicina, em 30 de junho de 1867.
40. Para maiores detalhes sobre as diferenças entre esses dois tipos de suicídio, ver:
LOPES, Fábio Henrique (1998). Op. Cit., pp. 36-38.
41. MOREIRA, Nicoláo Joaquim. Op. Cit., p. 02.
42. MOREIRA, Nicoláo Joaquim. Op. Cit., p. 07.
43. Idem.
44. Idem, p.01.
45. ARAÚJO, Pedro A. Nabuco de. Suicídio. Tese, Gymnasio Acadêmico. Rio de Janeiro:
Typ. De Fernandes, Ribeiro & Cia, 1883.
46. CASTRO, Francisco Viveiros de. O suicídio na Capital Federal. Estatística de 1870 a
1890. Publicação Oficial. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894.
47. Ver: LOPES, Fábio(1998). Op. Cit., pp.11-18 ou Suicídio: teia discursiva e relações de
poder na imprensa campineira(...). Campinas: UNICAMP/CMU, 2006, p. 21-28.
48. LOPES, Fábio Henrique (1998). Op. Cit., pp. 23-27.
49. Diário de Campinas, 01/10/1892, p. 2. (grifos meus).
50. Diário de Campinas, 19/03/1887, p. 2. (grifos meus).
51. Diário de Campinas, 12/12/1889, p. 1. (grifos meus).
52. ESQUIROL, Jean-Étienne-Dominique. Des maladies mentales. Paris: Frénésie Editions,
1989.
53. Para maiores detalhes e explicações sobre as paixões como causa de suicídio, ver
capítulo III.
54. Sobre esses exemplos e para os demais citados, ver: ESQUIROL. Op. Cit., p.322.
55. Um dos textos de Foucault que apresenta essa discussão e que ajuda a pensar esse
esforço de disciplinarização e normalização é: Poder-Corpo. In: Microfísica do poder. Op. Cit.,
pp. 145-152.
Capít ulo 3
1. AZEVEDO, Álvares. Noite na Taverna. Apresentação Hildon Rocha, 5ª ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1991.
2. Idem, p. 78.
3. Idem, p. 107.
4. Ver: FILHO, Zito Baptista. A Ópera, pp. 557-560 e KOBBÈ. O livro da Ópera, pp. 300-303.
5. Ver: FILHO, Zito Baptista. A Ópera, pp. 523-525 e KOBBÈ. O livro da Ópera, pp. 498-500.
6. Diário de Campinas, 26/07/1898, p. 1.
7. Diário de Campinas, 08/05/1895, p. 1.
8. A influência da literatura nos casos de suicídio e a crítica médica às obras literárias serão
analisadas no capítulo V.
9. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Século XXI. O dicionário da Língua Portuguesa.
3 ª ed. Totalmente revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1474.
10. Ver: Le Nouveau Petit Robert. Dictionnaire alphabétique et analogique de la langue
française. Nouvelle édition du Petit de Paul Robert. Paris: Dictionnaires Le Robert, 2000, p.
1801-1802.
11. Ver: Pequeno Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse. Direção de Antônio Houaiss.
Rio de Janeiro: Editora Larousse do Brasil, 1980, p. 615.
12. Para um aprofundamento sobre “as paixões do amor”, em especial sobre o debate
“realista”que reprova as paixões por fazerem sofrer e, sobretudo, por serem sinais de
desgoverno e de perda da autonomia moral do sujeito, ver: COSTA, Jurandir Freire . Sem
fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, pp.165-175.
Sobre a possibilidade de condução voluntária e racional das paixões ser possível, ver: pp. 176-
177.
13. DELLEY, Raymond. La passion, l’obstacle et le roman. Berne: Peter Lang, 1993, pp. 16-
33.
14. DEWULF, Geneviève et alii. La Passion Amoureuse. Nancy: Presses Universitaires de
Nacy, 1991. pp. 90-98.
15. KORICHI, Mériam. Les passions. Paris: GF Flammarion, 2000, pp. 12-14.
16. RONY, Jérome-Antoine. Les Passions. Paris: Presses Universitaires de France, 1994, pp.
07-13.
17. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. (trad.) Maria Thereza
da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, p. 54.
18. JAIME, Manoel Ignacio de Figueiredo. Considerações sobre as paixões, e affectos
d’alma em geral, e em particular sobre o Amor, Amizade, Gratidão, e Amor da Patria . Tese
apresentada e defendida na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1836, p. 01.
19. MUNIZ BARRETO, José de Assis Alves Branco. Op. Cit., p. 07.
20. Idem, p. 10.
21. TORRES, Bernardino José Rodrigues. Op. Cit., p. 07.
22. TORRES, Bernardino José Rodrigues. Op. Cit., pp. 02-03.
23. Gazeta de Campinas, 06/08/1879, p. 2.
24. Diário de Campinas, 15/02/1877, p. 2.
25. Diário de Campinas, 12/02/1878, p.2.
26. MELLO MORAES, Alexandre José de. Physiologia das Paixões e Affecções precedida
de uma noção philosophica geral e por um Estudo aprofundado e descripções anatomicas do
Homem e da Mulher. Rio de Janeiro: Dous de Dezembro, 1854.
27. Idem, pp. 18-19.
28. Idem.
29. Conforme Raymond Williams. O campo e a cidade. Na história e na literatura. (trad.)
Paulo Henrique Britto. 1ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 11.
30. Idem.
31. Diário de Campinas, 10/05/1877, p.2
32. ALBUQUERQUE, Francisco Julio de Freitas. Op. Cit., p. 16.
33. Alguns trabalhos e estudos médicos do século XX que apresentaram as paixões como
causa de suicídio foram analisados em: LOPES, Fábio Henrique. Dissertação de Mestrado,
1998. Op. Cit., capítulo III. Ver também CORRÊA, Mariza. Os crimes da paixão. São Paulo:
Brasiliense, 1981, pp. 44-48, que estuda os considerados crimes passionais do início do século
XX, analisando, inclusive, a tentativa de suicídio, normalmente de homens.
34. MOREIRA, Nicoláo Joaquim. Op. Cit., pp. 08-09.
35. Idem.
36. MOREIRA, Nicoláo Joaquim. Op. Cit., pp. 08-09.
37. Idem.
38. Idem.
39. MOREIRA, Nicoláo Joaquim. Op. Cit., p. 12.
40. Idem, pp. 12-13.
41. Idem.
42. Segundo Roberto Machado. Op. Cit., pp. 194-197.
43. Ver, sobretudo: É Littré. Dictionnaire de Médecine, de Chirurgie, de pharmacie de l’art
vétérinaire et des sciences qui s’y rapportent. 15ª ed. Paris: Librairie J.-B. Baillière et Fils, 1884,
pp. 1524; Dictionnaire Encyclopédique des Sciences Médicales. Directeur: A. De Chambre.
Tome treizième, SUE-SYM, Paris, 1884, pp. 242-347.
44. FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia. (trad.) Lilian Rose Shalders. 5ª ed. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994. (Biblioteca Tempo Universitário, 11), p. 80.
45. ESQUIROL. Des passions, considérées comme causes, symptômes et moyens curatifs
de l’aliénation mentale. Paris: Librairie des Deux-mondes, 1980, pp. 14-16.
Capít ulo 4
1. FLAX, Jane. “Pós-modernismo e relações de gênero na teoria feminista”. In: HOLLANDA,
Heloisa B. de. (org.) Pós-modernismo e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1992, pp. 227-228.
2. SCOTT, Joan.“Gênero: categoria útil de análise histórica”. In: Educação e Realidade. p.
05-22; Rachel Soihet. “História das Mulheres” In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS,
Ronaldo (org.) Domínios da História. Ensaios de teoria e metodologia. pp. 277-279; VILLELA,
Wilza Vieira e BARBOSA, Regina Maria. “Repensando as relações entre gênero e sexualidade”
In: PARKER, Richard e BARBOSA, Regina Maria (org.) Sexualidades brasileiras. pp. 189-199;
FLAX, Jane.“Pós-modernismo e relações de gênero na teoria feminista”. In: HOLLANDA,
Heloisa Buarque de. Pós-modernismo e política. pp. 217-250; MATOS, Maria Izilda S.
de.“Estudos de Gênero: Percursos e Possibilidades na Historiografia Contemporânea”. In:
Cadernos Pagu. Trajetórias do gênero, masculinidades... Publicação do Núcleo de Estudos de
Gênero/UNICAMP, pp. 67-75; RAGO, Margareth. “Descobrindo historicamente o gênero”. In:
Cadernos Pagu. Trajetórias do gênero, masculinidades... Publicação do Núcleo de Estudos de
Gênero/UNICAMP, pp. 89-98.
3. MORAES, Alexandre José de Mello. Physiologia das paixões e affecções precedida de
uma noção philosophica geral e por um estudo aprofundado e descripções anatômicas do
Homem e da Mulher. Rio de Janeiro: Dous de Dezembro, 1854.
4. MORAES, Alexandre José de Mello. Op. Cit., p. 22.
5. ALBUQUERQUE, Francisco Julio de Freitas. Op. Cit., p. 15-16.
6. LEÃO, Geraldo Franco de. As analogias entre o homem são e o alienado e em particular
sobre a monomania. Tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 06 de
dezembro de 1842.
7. Idem, p. 15.
8. Francisco Júlio de Freitas Albuquerque apresenta como causas determinantes de
monomania, inclusive a suicida, as desordens e a cessação da menstruação, a prenhez e o
parto. Ver: Op. Cit., p. 15-16.
9. J. B. Petit. Recherches statistiques sur l’étiologie du suicide. Tese de doutorado em
Medicina, Faculté de Médecine de Paris, 28 de junho de 1850, pp. 25-27.
10. ENGEL, Magali. “Psiquiatria e Feminilidade”. In: Mary Del Priore (org.) História das
mulheres no Brasil. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2001, p. 333-334.
11. Idem, p. 334. E ainda, de acordo com o pensamento de Esquirol, as mulheres que têm
impulso suicida devem ser vigiadas durante as époques menstruelles. Ver: Op. Cit., pp. 291-
292.
12. RIPA, Yannick. Le ronde des folles. Femme, folie et enfermement au XIXe siècle (1838-
1870). Paris: Aubier, 1986, pp. 62-63.
13. RIPA, Yannick. Op. Cit., pp. 65-66.
14. STEPHANOU, Maria. Op. Cit., p. 129.
15. TORRES, Bernardino José Rodrigues. Op. Cit., p. 05.
16. TORRES, Bernardino José Rodrigues. Op. Cit., p. 05-06.
17. Idem, p. 05.
18. A esse respeito, ver: TORRES, Bernardino José Rodrigues. Op. Cit., p. 05.
19. Segundo Le Nouveau Petit Robert. Dictionnaire alphabétique et analogique de la
langue française. Nouvelle édition du Petit de Paul Robert. Paris: Dictionnaires Le Robert, 2000,
p.1228, o adjetivo Hommasse é definido “qui ressemble à um homme par l’allure, les manières,
en parlant d’une femme”.
20. VIANNA, Antonio da Fonseca. Considerações Hygienicas e médico-legaes sobre o
casamento relativamente a mulher. Tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, 05 de dezembro de 1842.
21. Idem, p. 16.
22. Ver: GAY, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória à Freud: a educação dos
sentidos. (trad.) Per Salter. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 158-159.
23. RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. 3ª
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, pp.63-64.
24. VIANNA, Antonio da Fonseca. Op. Cit., p. 09.
25. D’INCAO, Maria Ângela. “Mulher e Família Burguesa”. In: Mary Del Priore (org.) História
das mulheres no Brasil. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2001, pp. 224-225.
26. A promoção de um novo modelo de feminilidade, a “esposa-dona-de-casa-mãe-de-
família” foi analisado por Margareth Rago. Op. Cit., capítulo II, sobre a “colonização da mulher,
pp. 61-116.
27. Sobre as diferenças entre as atividades que caberiam exclusivamente aos homens e às
mulheres no que diz respeito à manutenção da família, ver: Maria Ângela D’Incao. Op. Cit., pp.
229-237. Ver também: HAUVILLER, Paul. Du suicide. Unité de son etiologie – son traitement.
Paris: Jouve et Boyer, 1899.
28. ENGEL, Magali. Op. Cit., p. 338.
29. Idem.
30. Conforme ALBUQUERQUE, Francisco Julio Freitas de. Op. Cit., pp. 15-16.
31. Ver: BARRETO, José de Assis Alves Branco Muniz. Op. Cit., p.27-28.
32. VILLETTE, Achille. Du suicide. Tese de doutorado em Medicina apresentada à
Faculdade de Medicina de Paris, 27 de janeiro de 1825, pp. 15-22.
33. DAUMAS, Félix-Casimir. Op. Cit., pp. 18-26.
34. RAJCHMAN, John. Foucault: a Liberdade da Filosofia. (trad.) Álvaro Cabral. Rio de
Janeiro: Zahar, 1985, p.64.
35. G. F. Étoc-Demazy. Op. Cit., pp. 92-97.
36. AZEVEDO, Aluísio de. O Cortiço. São Paulo: FTD, 1993, p. 229.
37. Ibidem.
38. Idem, op. cit., p. 230.
39. Ibidem.
40. DE CHAMBRE, A. Dictionnaire Encyclopédique des Sciences Médicales. Tome 13,
SUE-SYM, Paris: 1884, pp. 274-277.
41. Ibidem.
42. VARELLA, Fagundes. Obras completas. São Paulo: Archetypo, 1861, pp. 197-198.
43. FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. (trad.) Araújo Nabuco. São Paulo: Círculo do
Livro, s/d, pp. 301-302.
44. VILLETTE, Achille. Op. Cit., pp. 16-17.
45. ESQUIROL, Jean-Étienne-Dominique, (1989). Op. Cit., p. 287.
46. PETIT, J.-B. Op. Cit., pp. 13-15.
47. FOUCAULT, Michel. Herculine Barbin: o diário de um hermafrodita. (trad.) Irley Franco.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.
48. HUNT, Lynn. “Revolução Francesa e vida privada”. In: Michelle Perrot [et al.] História da
vida privada, 4: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. (trad.) Denise Bottman e Berbardo
Joffily. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 44.
49. É. Littré. Dictionnaire de Médecine, de Chirurgie, de Pharmacie de l’Art vétérinaire e des
sciences qui s’y rapportent. 15ª éd.Paris: Librairie J.-B. Baillière et Fils, 1884, p. 1524.
50. MONESTIER, Martin. Op. Cit., p. 159.
Capít ulo 5
1. Em trabalho anterior, analiso o papel da imprensa campineira na divulgação dos suicídios
ocorridos não só em Campinas como em outros estados e países. A esse respeito ver: LOPES,
Fábio Henrique (1998).
2. A tensão e o conflito entre os discursos sobre o suicídio são constituídos pelo jogo de
forças entre eles. Não estamos estabelecendo nenhuma relação de anterioridade entre esses
discursos. Não partimos da hipótese de que o suicídio foi constituído primeiramente pelo
discurso médico e em seguida pelo literário ou vice-versa.
3. Diário de Campinas, 15/04/1877, p. 2.
4. JAIME, Manoel Ignácio de Figueiredo. Op. Cit., p. 01.
5. Idem, p. 03.
6. BARRETO, José de Assis Alves Branco Muniz. Op. Cit., p. 07.
7. Idem, p. 10.
8. LEÃO, Geraldo Franco de. Op. Cit., p. 15
9. FIGUEIREDO, Agostinho José Ignácio da Costa. Suicídio. Rio de Janeiro: Typ. De J. E. S.
Cabral, 1847, pp. 03-05.
10. Idem, p. 05.
11. ALBUQUERQUE, Julio de Freitas. Op. Cit., pp. 01-03.
12. MOREIRA, Nicoláo Joaquim. Op. Cit., p. 09.
13. ARAÚJO, P. A. Nabuco de. Op. Cit., p. 08.
14. Idem, p. 12.
15. CASTRO, Francisco José Viveiros. Op. Cit., p. 10.
16. Idem.
17. Conforme, PETIT, J.-B. Op. Cit., p. 27; Dictionnaire Encyclopédique des Sciences
Médicales. Directeur: A. Dechambre. 1884. Tome treizième – SUE-SYM, pp. 269-270; ROMI.
Technique du suicide. Paris: Aux dépens de l´auteur, 1953, p. 106.
18. ICARD, Séverin. De la contagion du crime et du suicide par la presse. Paris: Nouvelle
Revue, 1902, pp. 05-07.
19. ESQUIROL, Jean-Étienne-Dominique. Op. Cit., pp. 289.
20. Idem.
21. Idem. R. MAUPOINT. Antidote contre le désespoir, ou nature, causes et remèdes du
suicide. Angers: Imprimerie de Launay – Gagnot, 1843, p. 148-149.
22. Idem. Idem, pp. 148-155.
23. Idem. CITELLI, Adilson. Romantismo. São Paulo: Editora Ática, 1986, pp. 5-6.
24. Idem. Ver: CANDIDO, Antonio. Op. Cit., p. 161 e BOSI, Alfredo. História Concisa da
Literatura Brasileira. 36ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1999. Segundo Bosi, no Brasil a
correspondência, via Romantismo, faz-se íntima na poesia dos estudantes boêmios, que se
entregam ao spleen de Byron e ao mal du siècle de Musset, vivendo na província uma
existência doentia e artificial(...) Como os seus ídolos europeus, os nossos românticos exibiram
fundos traços de defesa e evasão, que os leva a posições regressivas: no plano da relação
com o mundo e no das relações com o próprio eu. Para eles, caberia a palavra do Goethe
clássico e iluminista que chamava a esse Romantismo de “poesia de hospital”.
25. Idem. CITELLI, Adilson. Op. Cit., pp. 68-69. Cabe ressaltar que para o autor o problema
do individualismo não é unicamente o resultado do momento de expansão do liberalismo
econômico, ou seja, produto da vitória da idéia da acumulação do capital, nem mesmo tão-
somente a fixação de um princípio ético que valoriza a mentalidade concorrencial e triunfalista.
O individualismo é também a resultante de um processo de despersonalização a que o mesmo
jogo concorrencial condena os homens. Trata-se, segundo ele, de um protesto contra o fato
de o homem ter sido separado de suas vocações, de seus desejos, e se transformado em
mero comprador de mercadorias.
26. Idem. CANDIDO, Antonio e CASTELLO, J. Aderaldo. Presença da literatura brasileira:
história e antologia. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp. 157-159.
27. Idem. BOSI, Alfredo. Op. Cit., p. 93.
28. Idem. CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. Momentos decisivos. 2°
volume (1836- 1880), 8ª ed., Belo Horizonte-Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 1997, pp. 22-24.
29. Idem. BOSI, Alfredo. p. 110.
30. Idem. CITELLI, Adilson. Op. Cit., p. 9.
31. Idem, p. 72.
32. Ver, a esse respeito as análises desenvolvidas no capítulo III desta tese.
33. Idem, p.73. Apesar da afirmação acima, o autor aponta a necessidade de examinarmos
diferentes autores românticos a fim de aferir os graus de maior ou menor equilíbrio entre a
razão e emoção. Contudo, para ele é inegável que o plano da sensação, da subjetividade,
estaria em larga vantagem.
34. CANDIDO, Antonio e CASTELLO, J. Aderaldo. Op. Cit., p. 158.
35. CITELLI, Adilson. Op. Cit., p. 75.
36. Idem, p. 81.
37. COSTA, Jurandir Freire (1998). Op. Cit., p. 12.
38. Idem, p. 202.
39. Apud, COSTA, Jurandir Freire (1998). Op. Cit., pp. 202-203.
40. COSTA, Jurandir Freire (1998). Op. Cit., p. 195.
41. Idem, p. 21.
42. Idem, p. 77-78. Segundo Citelli, a morte tornou-se um tema comum a quase todo o
romantismo, revestindo-se de maior ou menor dose de lirismo, ora remetendo a uma visão de
crueldade quase demoníaca.
43. CANDIDO, Antonio (1997). Op. Cit., pp. 134-135.
44. Ver: ARIÈS, Philippe. O Homem diante da morte. (trad.) Luiza Ribeiro. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1990, pp. 622-637.
45. Mais maiores detalhes, ver: REIS, João José . “O cotidiano da morte no Brasil
oitocentista”. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.) História da vida privada no Brasil: Império.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 95-141.
46. ABREU, Casimiro de. As Primaveras. Introdução Domingos Carvalho da Silva. São Paulo:
Livraria Martins Editora, 1955, p. 226.
47. Idem, p. 230.
48. Idem, pp. 230-231.
49. GOETHE. Os sofrimentos do jovem Werther. (trad.) Pietro Nassetti. São Paulo: Martin
Claret, 2002, p. 41.
50. Sobre as descrições da cidade que recebe Werther e que o aproxima da amada
Charlotte, ver: GOETHE. Op. Cit., pp. 14-15.
51. Idem, p. 17.
52. GOETHE. Op. Cit., pp. 24-25.
53. GOETHE. Op. Cit., p. 26.
54. GOETHE. Op. Cit., pp. 102-104. Nestas páginas assinaladas, um trecho primoroso
evidencia a ambigüidade dos sentimentos de Charlotte em relação a Werther.
55. GOETHE. Op. Cit., p. 40.
56. Idem, p. 44.
57. GOETHE. Op. Cit., p. 52-54.
58. Idem, p. 56.
59. GOETHE. Op. Cit., p. 65 e 66.
60. GOETHE. Op. Cit., p. 68.
61. GOETHE. Op. Cit., p. 77. É necessário explicar que a carta citada é do dia 04 de
setembro, ou seja, escrita nos últimos dias do verão europeu.
62. Idem, p. 84.
63. GOETHE. Op. Cit., p. 92.
64. Idem, p. 98.
65. GOETHE. Op. Cit., p. 116.
66. Sobre as análises de Marcos Veneu, ver: Op. Cit., pp. 105-111.
67. ROMI. Technique du suicide. Paris: Aux dépens de l’auteur , 1953, p. 106.
68. A esse respeito, ver: VENEU, Marcos. Op. Cit., pp. 109-110.
69. AGARD, Brigitte et alii. Le XIX siècle en littérature. France: Collection Perspectives et
confrontations. Hachette, s/d, pp. 20-21.
70. Idem, p. 22.
71. Segundo GAY, Peter (1988-1990). Op. Cit., pp. 146-148.
72. Ver: COSTA, Jurandir Freire (1998). Op. Cit., p. 70.
73. A. ALVAREZ. Le dieu sauvage. Essai sur le suicide. (trad.) Leo Lack. Paris: Mercure de
France, 1972. pp. 240-246.
74. STAËL, Germaine de. Réflecions sur le suicide. Paris: èdition de l’Opale, 1983.
75. STAËL, Germaine de. Essai sur les fictions suivi de De l’influence des passions sur le
boneur des individus et des nations. Presente par Michel Tournier. Paris: Éditions Ramsay,
1979.
76. Idem, pp. 39-40. (grifos meus)
77. STAËL, Germaine de (1979). Op. Cit., p. 137.
78. PETIT, J.-B.. Recherches statistiques sur l’étiologie du suicide. Tese apresentada à
Faculté de Médecine de Paris, 1850, p. 27.
79. Idem.
80. MOREIRA, Nicoláo Joaquim. Op. Cit., p. 09.
81. Idem.
82. GAY, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud: a paixão terna. (trad.)
Peter Salles. São Paulo: Companhia das Letras, 1988-1990, p. 144-145.
83. Ver: DAUMAS, Félix-Casimir. Op. Cit., p. 23.
84. N. EBRARD. Du suicide considéré aux points de vue médical, philosophique, religieux et
social. Avignon: Seguin Ainé, Imprimeur Libraire, 1870, pp. 180-181.
85. Idem.
86. Dictionnaire Encyclopédique des Sciences Médicales. Directeur: A. De Chambre. Tome
Treizième – SUE – SYM, Paris, 1884, pp. 269-270.
87. GOETHE. Op. Cit., p. 16.
88. Idem, p. 26.
89. GOETHE. Op. Cit., p. 28.
90. GOETHE. Op. Cit., p. 41.
91. GOETHE. Op. Cit., p. 45-46.
92. Idem, p. 48.
93. Idem.
94. GOETHE. Op. Cit., p. 71.
95. GOETHE. Op. Cit., p. 97.
96. GOETHE. Op. Cit., p. 114.
Considerações Finais
1. COSTA, Jurandir Freire (1998). Op. Cit., p. 131.