Вы находитесь на странице: 1из 11

FASE 5

SEMANA LABORATÓRIO
4 DE ENSINO DA FILOSOFIA versão em preto e branco

Carga horária total: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos Página 1

As confissões de Agostinho - Exercício prático

Retomamos aqui o gênero literário “confissão” como modo criativa da imaginação. Uma abordagem completa acerca 1.1 Dentro do laboratório metodológico
de se fazer filosofia na Idade Média, mas desta vez a partir da teoria da memória deve examinar como Agostinho te-
do Livro X das “Confissões”, onde Agostinho faz uma análise matiza a formação das imagens mnemônicas, os processos Após a escolha e a leitura do texto selecionado – o
profunda da memória como grande receptáculo da consciên- da memorização e da recordação, o papel da vontade Livro X das Confissões– como objeto de exercício prá-
cia de si e do mundo. Reiteramos os mesmos procedimentos nesses processos, a relação entre imagem mnemônica e tico, é preciso situá-lo dentro do contexto mais amplo
metodológicos explicitados nas semanas anteriores para objetos percebidos, o fenômeno do esquecimento, com das Confissões, uma vez que o Livro X relata quem é
que o aluno possa ler e reler o Livro X detalhadamente e, todas as suas implicações sobre o indivíduo como sujeito (X,IV,6) Agostinho no momento da redação e não fala
dessa maneira, seja capaz de resolver as questões elaboradas consciente. Neste Módulo, porém, me limito a examinar mais quem ele era no passado, como foi justamente o
com base na compreensão do texto agostiniano. O exercício a concepção agostiniana da presença de Deus na mente caso da parte autobiográfica (Livros I-IX). Em seguida,
prático sobre um texto filosófico emerge com maior força humana ou da memorização dos objetos do conhecimento com base no tema principal – a memória (X,VIII,12-
nesta Semana acerca dos “vastos palácios” da memória. racional na primeira parte do Livro X (capítulo VI, § 8, linha XXVI,37)–, emerge claramente a relação entre Agosti-
1 até o capítulo XXVII,§38, linhas 1-20) das Confissões 1 . nho e suas fontes filosóficas – no caso específico, com
Aristóteles através das obras de Plotino e especialmente
1. A metafísica da memória no Livro Cícero. Nesse sentido, a compreensão do texto impli-
X (capítulos VI-XXVII) das LEITURA cará ver tanto as particularidades do texto como sua
temática fundamental. É assim que o aluno poderá
Confissões de Agostinho Agostinho de Hipona – Confessiones livros VII, X, XI
explicar, em princípio, um texto filosófico pertencente ao
Nos escritos de Agostinho de Hipona (354-430), a memória mundo medieval. Embora nos concentremos na primeira
exerce a função de elemento indispensável no processo do 1   Na versão portuguesa disponibilizada do Livro X das Confissões, o parte do Livro X, é necessário ler a obra como um todo
número do mesmo e o capítulo estão escritos em algarismos romanos
conhecimento seja em relação à percepção do continuum (X.I.1= Livro décimo, capítulo I, § 1 [em algarismos arábicos]). Para o
para visualizar com clareza o percurso metafísico de
espaço-temporal, seja em relação à atividade reprodutiva e texto latino das Confissões, ver http://www.augustinus.it/ Agostinho sobre a memória.
versão em preto e branco

Disciplina: Laboratório de Ensino da Filosofia     Carga horária: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos SEMANA 4 Página 2

As confissões de Agostinho - Exercício prático

A. Particularidades do texto selecionado: o Livro Confissões teriam apenas os Livros I a IX. Considerando Quando Agostinho inicia sua abordagem sobre os “vastos
X das Confissões de S. Agostinho a enorme repercussão do relato desses livros, Agostinho palácios” (lata praetoria) da memória na primeira parte do
estendeu suas intenções originárias ao acrescentar o Livro Livro X (capítulo VIII,12-13) das Confissões, o leitor mais
Se o conceito confissão já é bastante peculiar com base no
X para falar do momento presente. A exortação do Livro XI atento não terá dificuldades de encontrar suas fontes.
Módulo anterior consagrado ao Livro VII das Confissões,
(II, 2) anuncia uma terceira orientação: por falta de tempo, Certamente, Agostinho não leu os seguintes textos de
enquanto estilo de se fazer filosofia, por que ainda o Li-
Agostinho afirma que não pode “confessar” as dificulda- Aristóteles “Sobre a memória e a reminiscência”, “Sobre
vro X tem suas particularidades em relação às Confissões
des e o conforto de que derivam da pregação da Palavra Alma (III,7)”, “Segundos Analíticos (II,19)”. Além de ter lido
como um todo? Se compararmos o Livro X com os Livros
e da administração dos sacramentos. Nesse sentido, ele textos do filósofo neoplatônico Plotino (Enéadas IV, 3,25-
anteriores salta à vista a dissonância fundamental em
se limita nos Livros XI a XIII a “meditar” sobre a Escritura 32 – V, 4,1-17; Tratados 27-28) que retoma parcialmente
relação ao seu argumento central. Não se trata mais de
destacando, com base no primeiro capítulo do Gênesis, a Aristóteles, a principal fonte de Agostinho foi, porém, a
uma autobiografia na qual Agostinho narra “confessando”
ideia do tempo, da criação e da vida da Igreja na espera obra Tusculanae disputationes (I,24,56-25,61) de Cícero
suas fraquezas e seu louvor a Deus. Na verdade, o Livro X
do repouso em Deus. Portanto, as particularidades dizem (106 a.C.-43 a.C.). Estudando as faculdades específicas da
inaugura uma parte das Confissões, em que justamente
respeito novamente ao termo “confessio”, à unidade da mens, chamada animus, Cícero enumera, primeiramente,
encontramos o alargamento das intenções de Agostinho.
obra que está vinculada às intenções de Agostinho e ao a memória: “Em primeiro lugar, tem a memória, a memó-
Considerando o texto atual, perguntamos: qual fora a sua
conteúdo metafísico do conteúdo do Livro X consagrado ria infinita de inumeráveis coisas, que Platão afirma ser
intenção originária do ponto diacrônico? Se a intenção
à memória. A percepção dessas particularidades resulta reminiscência de uma vida precedente” 2 . Tendo recordado
inicial de Agostinho foi escrever os múltiplos e variados
de várias leituras da obra “Confissões”. Sem esta reiterada o célebre diálogo Ménon (81e) de Platão, Cícero apresenta
aspectos de sua experiência até sua conversão ao Cristia-
leitura do texto, a compreensão das intenções de Agostinho duas conclusões: 1a) a memória contém, impressas na alma,
nismo (Livros I-IX), a divulgação dessas experiências teve
permanecerá velada para o leitor de hoje. as noções, que chamamos de ejnnoiva, de tantas e tão
tal impacto no público em geral que, instado pelos seus
grandes coisas; 2a) o animus possui tais notiones antes de
diversos leitores (X, I-IV), viu-se obrigado a narrar quem
B. A temática do texto: os entrar no corpo; essas pertencem, de fato, à ordem das rea-
ele é (X, IV, 6) no momento da redação de suas Confissões.
“vastos palácios” da memória lidades imutáveis. Cícero fornece, portanto, a Agostinho não
Este é o argumento específico do Livro X. A partir desse
somente o esboço de uma análise especulativa da memória,
ponto, Agostinho discorrerá longamente o conhecimento de Se Agostinho dedica toda a primeira parte do Livro X das
mas também expressões como animus, notiones, species,
Deus, mesmo pressupondo que o acesso ao conhecimento Confissões à memória (X,VIII,12-XXVI,37) e, considerando
admiratio, vis animae. Longe de ser um mero repetidor
de Deus passe necessariamente pelo conhecimento de si suas fontes presentes no texto (Plotino e Cícero), a abor-
mesmo. Destaca-se na primeira parte do Livro a seção dagem da memória não parte do zero. Em outras palavras:
2   CÍCERO, Tusculanae disputationes I,24,56-25,61: Habet primum
dedicada ao fenômeno da memória, cuja abordagem vai Agostinho não inventou o discurso sobre a memória, mas
memoriam, et eam infinitum rerum innumerabilium, quam qui dem
do capítulo VIII até o capítulo XXVI. Diacronicamente, as inspirou-se em uma tradição anterior da qual ele é devedor. Plato recordationem esse vult vitae superioris.
versão em preto e branco

Disciplina: Laboratório de Ensino da Filosofia     Carga horária: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos SEMANA 4 Página 3

As confissões de Agostinho - Exercício prático

de suas fontes, Agostinho possui uma capacidade pessoal é uma espécie de lugar do qual se origina a felicidade
excepcional de reunir em um sistema todos os dados para humana”. Portanto, termos de derivação platônica, à luz adivinhação), assim como não há também lembrança
elaborar uma espécie de fenomenologia transcendental da da teoria da iluminação, podem ser um modo cômodo, e do presente, mas é isto o objeto da sensação. Por meio
memória. Agostinho manifesta uma admiratio inigualável “por assim dizer” simbólico, de falar do acesso da mente desta, com efeito, não conhecemos nem o futuro,
perante os vastos e recônditos campos da memória; tal às verdades a priori e do fato de que tais verdades devem nem o passado, mas somente o presente. A memória
admiração, porém, não se reduz a uma retórica, mas tem ser realizadas através do pensamento 3 . concerne ao passado.” (De Mem., I, 449 b 10-15);
uma ressonância metafísica. Em outras obras, Agostinho
3ª) Considere a seguinte questão: O que é espe-
utiliza a terminologia platônica da “memória” e do “es- Para compreeder bem o texto de Agostinho, voltemo-nos
cificidade objetiva da memória? Responda com
quecimento” para descrever os estados mentais relativos para a tradição antiga sobre a memória.
base no seguinte texto de Aristóteles:
à posse ativa ou latente do conhecimento. Neste sentido,
aprender significa recordar. Esta terminologia é mais explí- “Ninguém diria se lembrar do presente no momento
cita nos primeiros escritos, e quando Agostinho ainda vivia em que ele é presente, como desta coisa branca
EXERCÍCIO I – A memória e a reminiscência em
houve muitos equívocos a este respeito; por essa razão, nas no momento em que a olha, mas não se diria se
Aristóteles.
Retractationes dedicou-se à correção de sua terminologia. lembrar do objeto estudado no momento em que
Por exemplo, referindo-se à obra Contra Academicos 1,22 Com base no Tratato de Aristóteles “Sobre a memória se o está a estudar e a pensar; mas se diz somente,
na qual, falando da mente que procura a verdade, afirmara e a reminiscência”, que é comentado no artigo de no primeiro caso, que se sente e, no segundo caso,
que a verdade, uma vez encontrada, permite à mente “por Pierre-Marie Morel (“Memória e caráter – Aristóteles que se sabe” (De Mem., I, 449 b 15-18);
assim dizer, retornar ao lugar de onde veio e voltar, plena e a história pessoal”), responda às seguintes questões:
4ª) Considere a seguinte questão: Se admitimos
de serenidade, ao céu”, ele observa (Retr. 1,1,3) que se ti-
1ª) Exponha as principais características do pro- que, apesar de tudo, nos lembramos da coisa
vesse usado o verbo “ir” em vez de “voltar”, teria excluído
cesso da reminiscência; ausente, como explicar que nós tenhamos em
a interpretação, em si errônea, da encarnação como estado
nós a sensação de uma lembrança disto que,
de queda moral ou como punição pelos pecados cometi- 2ª) Considere a seguinte questão: Como é foma-
entretanto, nós não sentimos atualmente? Res-
dos. Todavia, não rejeita o termo utilizado (rediturus) e o dada a lembrança imediata? Responde com base
ponda com base no seguinte texto de Aristóteles:
justifica citando Eclesiastes, Paulo e Cipriano. A passagem no seguinte texto de Aristóteles:
do Contra Acadêmicos deve ser interpretada em sentido “Ocorre, com efeito, como para o animal desenhado
“Não é possível se lembrar do futuro, que é objeto
metafórico. A expressão “por assim dizer” indica claramente sobre uma tabuleta. Ele é, ao mesmo tempo, um
de conjectura e de previsão (existiria mesmo uma
uma metáfora, e este caráter metafórico é explicado em animal e uma cópia, e sendo uma só e mesma coisa;
ciência da previsão, como alguns o dizem falando da
Retratctiones 1,1,3: “Eu disse ‘no céu’ tendo em vista dizer ele é as duas coisas ao mesmo tempo, embora estas
Deus, seu criador [...] sem dúvida, portanto, Deus mesmo 3   Cf. AGOSTINHO, Conf. X, XVII, 26.
versão em preto e branco

Disciplina: Laboratório de Ensino da Filosofia     Carga horária: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos SEMANA 4 Página 4

As confissões de Agostinho - Exercício prático

No início de sua análise, Agostinho utiliza uma série Desses elementos, destaca-se um dos significados do termo
não sejam idênticas, e podemos observar tanto de metáforas para designar a extraordinária riqueza da cogitare: a atividade desenvolvida pelo espírito sobre aquilo
como animal quanto como cópia. Da mesma forma, memória: “vastos palácios” (lata praetoria), “tesouros” que já possui para modificar os dados, e tal fato é indicado
também é necessário conceber a imagem que está (thesauri), “receptáculos secretos” (abstrusiora quaedam pelos termos no gerúndio: “aumentando” e “diminuindo”. Em
em nós ao mesmo tempo como alguma coisa por receptacula) (X, VIII,12), “imensa corte” (aula ingens), seguida, Agostinho descreve as facilidades e dificuldades no
si e como a imagem de algo outro. Enquanto que “amplo seio” (ingens sinus animi) (X,VIII,14), “santuá- exercício da memória: algumas vezes, o que se procura vem
ela é por si, ela é um objeto que se olha ou uma rio amplo e infinito” (penetrale amplum et infinitum) repentinamente; outras vezes, é preciso um esforço ingente
imagem, mas enquanto que ela é uma imagem de (X,VIII,15), “concavidades escondidas” (cavae abditores) para encontrá-lo; às vezes, surgem recordações desagradá-
algo outro, ela é um tipo de cópia e uma lembrança” (X,X,17), etc. Estas imagens enfatizam a imensidade, a veis que impõem a necessidade de afastá-las. Agostinho
(De Mem., 1, 450b 20-27). potência e sacralidade da memória, deixando entrever recorda especialmente o caso em que as recordações se
na mente de Agostinho uma admiratio. Esta nada mais apresentam em série ordenada, na ordem de sua sucessão, o
é do que uma confessio laudis. Neste sentido, a memó- que sucede somente “cum aliquid narro memoriter” (“quan-
ria representa o próprio espírito como uma fonte que do digo alguma coisa de memória”). A memória fornece
LEITURA
transborda de modo inexaurível, oferecendo assim uma as imagens das coisas no passado que são percebidas seja
Memória e caráter - Aristóteles e a história pessoal excelente proximidade com Deus em sua infinitude e em sua singularidade, seja distintas por gêneros, segundo
Um artigo de Pierre-Marie Morel potência criadora. Dois elementos do conteúdo imenso a ordem dos cinco sentidos: por exemplo: “a luz, as cores e
da memória são explicitados no parágrafo inicial: as ima- as formas dos corpos penetram pelos olhos; todas as espé-
gens impressas pela percepção de toda espécie de coisas cies de sons pelos ouvidos; todos os cheiros, pelo nariz...”.
O exame da memória no Livro X constitui apenas uma etapa e o “tudo o que cogitamos” (quidquid etiam cogitamus): Se através das imagens as próprias coisas se oferecem ao
na subida da alma para Deus. É necessário “transpor” a força “Chego aos campos e vastos palácios da memória, onde pensamento que as recorda, se é possível fornecer um juízo
(vis) com a qual infunde vitalidade ao corpo – “ultrapassarei estão os tesouros das inumeráveis imagens impressas pela acerca da diferença das qualidades sensíveis mesmo quando
esta minha força com que me prende ao corpo e com que percepção de toda espécie de coisas. Aí está escondido há trevas e silêncio, a memória se apresenta, de fato, como
encho de vida o meu organismo” 4 - e a força (vis) com a tudo o que pensamos, aumentando ou diminuindo ou grande receptáculo e instrumento da consciência do mundo:
qual infunde a este sensibilidade: “transporei também esta até modificando os dados que os sentidos atingiram” 6 . “Aí [no imenso palácio da memória] estão presentes o céu,
minha força; de fato, possuem-na também o cavalo e a a terra e o mar com todos os pormenores que neles pude
et hanc habet equus et mulus: sentiunt enim etiam ipsi per corpus.
mula, uma vez que também sentem por meio do corpo” 5 . 6   AGOSTINHO, Conf. X,VIII,12: Et venio in campos et lata pra- perceber pelos sentidos...” 7 .
etoria memoriae, ubi sunt thesauri innumerabilium imaginum de
4   AGOSTINHO, Conf. X,VII,11: Transibo vim meam, qua haero corpori cuiuscemodi rebus sensis invectarum. Ibi reconditum est quidquid
et vitaliter compagem eius repleo. etiam cogitamus, vel augendo vel minuendo vel utcumque variando 7   AGOSTINHO, Conf. X,VIII,14: Ibi enim mihi caelum et terra et
5   AGOSTINHO, Conf. X,VII,11: Transibo et istam vim meam; nam ea quae sensus attigerit. maré praesto sunt cum omnibus, quae in eis sentire potui.
versão em preto e branco

Disciplina: Laboratório de Ensino da Filosofia     Carga horária: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos SEMANA 4 Página 5

As confissões de Agostinho - Exercício prático

1.2 A retomada do texto de Agostinho elevá-lo à visão que Deus tem dele, purificando-o de toda de Deus corrigiria a liberdade e reforçaria a vontade do
mancha e pecado 9 . homem em direção ao seu verdadeiro bem 11 . Vejamos,
Esta nova retomada só será profícua se já tivermos lido
portanto, a estrutura do Livro X.
várias vezes o Livro X, ao menos, até o final da primeira
B. Preparando um plano de apresentação do Livro X
parte, isto é, até o capítulo XXVII, § 38 onde encontramos
ESTRUTURA DO LIVRO X
uma das passagens mais famosas de Agostinho: “Tarde Vos Com base em comentários às Confissões e na leitura con-
amei, Ó Beleza, tão antiga e tão nova, tarde Vos amei!” tínua do texto, é possível dividir o Livro X em duas partes
PRELÚDIO (I, 1,1-V, 7,13) 12
(X, XXVII). Com base nas considerações anteriores, o aluno principais 10 . A primeira parte versa sobre o conhecimento
deverá agora retomar a leitura da obra agostiniana focando de Deus e parte de uma certeza de amor que reverbera em 1. Esperança e alegria só em Deus (I,1)
sua retomada nos três tópicos seguintes: toda procura de Agostinho: “A minha consciência, Senhor, 2. Deus conhece as coisas ocultas, por que
não duvida, antes tem a certeza de que Vos amo” (X,VI,8). confessá-las? (III,2)
A. Quem é Agostinho agora no momento da re- Mas esta certeza está sob o signo daquilo que caracteriza 3. Com que frutos confessa Agostinho
dação? Ler o Livro X das Confissões de Agostinho a existência em sua dimensão dramática pelo sentido da
vida: “Que amo eu, quando Vos amo? (Quid amo, cum 11   Agostinho desenvolve a noção de uma liberdade propriamente dita que
Com base no que já foi dito no Módulo anterior, é possível
te amo?)”. A segunda parte trata do conhecimento de si se realiza unicamente na afirmação da origem dessa mesma liberdade (do
retomar a leitura das Confissões com mais facilidade, uma amor, que é Deus). Neste sentido, a liberdade de escolha não se identifica
mesmo e enfatiza que a vida humana no presente é uma com aquela genuína liberdade pela qual o homem refere-se a si mesmo e
vez que conhecemos o seu ponto de partida: a confessio
tentação contínua, mesmo que coloquemos toda nossa pode referir todas as coisas remetendo-as a Deus. Agostinho identifica a
dirigida a Deus, isto é, um confessar ao mesmo tempo os libertas – liberdade propriamente dita – com a relação do homem individual
esperança na misericórdia divina: “Não é a vida humana
próprios pecados e seu louvor 8 . Este é o duplo sentido do com seu Criador. Desde a queda de Adão no pecado, a perda da libertas é
sobre a terra uma tentação contínua?” (X,XXVIII,39,9-10; cf. irreparável por parte do pecador. Esta genuína liberdade permanece destruída,
termo confiteri. Como vimos no Módulo anterior sobre o pois, o homem, que não age (por amor) nem pensa já a partir de Deus e em
Jó 7,1). É aqui que aparece a célebre afirmação agostiniana:
Livro VII das Confissões, confissão e louvor, confundindo- ordem a Deus, age e pensa necessariamente a partir de seu próprio ego e
“Dai-me o que ordenais e ordenai-me o que quiserdes (Da em ordem a seu próprio ego; por essa razão, Agostinho diz que o pecador,
-se, significam que não se diga nada sobre Deus, ou, antes,
quod iubes et iube quod vis: X, XXVIII,40,2)”. Essa expressão mesmo no caso de que matérialiter faça algo bom, não age por amor (a
significam a Deus mesmo. Agostinho confessa a Deus, a partir de Deus e em ordem a Deus), mas por egoísmo (a partir do próprio
não significa absolutamente que a graça divina substituiria eu e em ordem ao próprio eu). Em suas Confissões, Agostinho descreve
quem procura incessante como sentido de sua existência
a vontade humana no sentido de que agiria no lugar do situações nas quais ele, contemplado externamente, fazia coisas boas, e, no
inquieta, e também reconhece suas fraquezas e seus erros. entanto, permanecia ligado ao pecado, porque agira por motivos egoístas:
homem. Na verdade, Agostinho acreditava que a graça
Agostinho confia no poder divino, pois só este poder pode por orgulho ou por ambição de honras. Cf. sobretudo K.-H. MENKE, Teología
de la gracia. El critério del ser Cristiano. Salamanca: Sígueme, 2006, passim.
9   A. SOLIGNAC, Libro decimo dele Confessioni, in CRISTIANI, M. & 12   Segundo a disposição latina do texto, o Livro X está dividido em ca-
SOLIGNAC, A. Sant’Agostino. Confessioni4: Libri X-XI. Milano: Fonda- pítulos e parágrafos. Leia-se a estrutura da obra assim: I, 1,1-2 (= capítulo
8   AGOSTINHO, Conf. I, I,1: “’Tu és Grande, Senhor, eminentemente zione Lorenzo Valla-Arnaldo Mondadori Editore,1996, 185. I [em algarismos romanos], § 1 [em algarismos arábicos], linhas 1 e 2). A
digno de louvor, grande tua virtude e tua sabedoria sem número’. E 10   Cf. A. SOLIGNAC, Libro decimo dele Confessioni, in CRISTIANI, divisão do prelúdio do Livro X deve ser lida do seguinte modo: I, 1,1-V, 7,13:
louvar-te, eis o que quer o homem, uma das parcelas de tua criação”. M. & SOLIGNAC, A. Sant’Agostino. Confessioni 4: Libri X-XI, 169-181. capítulo I, parágrafo 1, da linha 1 até o capítulo V, parágrafo 7, linha 13.
versão em preto e branco

Disciplina: Laboratório de Ensino da Filosofia     Carga horária: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos SEMANA 4 Página 6

As confissões de Agostinho - Exercício prático

quem é, não quem foi? (III,3-4) b) O gosto


EXERCÍCIO II - O prelúdio do Livro X (I, 1,1-V, 7,13)
4. Grandes são os frutos deste gênero c) O odor
de confissão (IV,5-6) d) O ouvido Baseado na leitura dos cinco capítulos que iniciam o
5. O homem não se conhece inteiramente (V,7) e) A vista Livro X, responda discursivamente às questões abaixo:

PRIMEIRA PARTE 2. A “concupiscentia oculorum” QUESTÕES: Quais são as intenções de Agostinho


(VI, 8,1-XXVII, 38, 1-2) ou “curiositas” (XXXV,54-57) e os temas principais do Livro X? (A) No final
O conhecimento de Deus. 3. O “ambitio saeculi” ou do capítulo I encontramos a tradução “Quero
“superbia” (XXXVI,58-XXXIX,64) também praticá-la no meu coração, confessan-
1. A procura de Deus nas obras visíveis (VI,8-10)
do-me a Vós, e, nos meus escritos, a um grande
2. A procura de Deus nos sentidos e na CONCLUSÃO (XL,65-XLIII,70)
número de testemuhas”, referindo-se à verdade
memória (VII,1-XIX,28)
do texto bíblico do Evangelho de João (Jo 3,21).
a) A memória como receptáculo da
O original latino traz o seguinte: “Volo eam facere
experiência passada (VII,11-VIII,13)
C. Explicando a primeira parte do texto do Livro in corde meo coram te in confessione, in stilo
b) Memória e consciênciade si mesmo (VIII,14-15)
X: o conhecimento de Deus autem meo coram multis testibus”. Literalmente
c)Memória e disciplinas liberais (IX,16-XI,18)
Agostinho afirma: “Quero fazer a verdade no meu
d) Memória e saber matemático (XII,19) Com base na estrutura do texto explicitada anteriormente
coração...”. Qual é o sentido de “fazer a verdade”
e) Memória da memória (XIII,20) na edição portuguesa do Livro X, a explicação se inicia com
diante de Deus (coram Deo)? (B) Considerando
f) Memória das affectiones (XIV,21-22) a leitura e síntese dos conteúdos de cada parte. Caberá
a afirmação de Agostinho no capítulo III - “Que
g) Dúvidas sobre a memória (XV,23-XVI,25) então ao aluno um exercício prático de apropriação, a saber:
gente curiosa (curiosum genus) para conhecer
h) Memória e procura de Deus (XVII,26-XIX,28) retornar ao texto de Agostinho mais uma vez e a partir
a vida alheia e que indolente (desidiosum) para
3. A procura de Deus e a “vita beata” (XX,29-XXVII,38) dele deverá explicar discursivamente a primeira parte das
corrigir a própria [...]” – e o fato de que ele deseja
Confissões. A explicação discursiva, à semelhança de um
SEGUNDA PARTE “fazer a verdade diante dos homens”, pergunta-
arrazoado, resultará da junção concatenada e lógica das
(XXVIII, 39, 1-XXXIX, 64, 1-2) se: por que confessar-se aos homens? (C) A quem
respostas dadas para cada uma das questões elaboradas.
O conhecimento de si mesmo. na verdade Agostinho se dirige? Qual é a atitude
de Agostinho diante desses eventuais leitores?
1. A “concupiscentia carnis” (XXX,41-XXXIV,53)
(D). Qual é o sentido do capítulo V? (E).
a) A sexualidade
versão em preto e branco

Disciplina: Laboratório de Ensino da Filosofia     Carga horária: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos SEMANA 4 Página 7

As confissões de Agostinho - Exercício prático

QUESTÕES: Qual é o único lugar no qual Agos- mundo”? (VIII,14). Qual é a função da memória?
EXERCÍCIO III
tinho pode procurar o seu Deus? (A) O que signi- (A). Explique a afirmação de Agostinho: “E esta
Os “vastos palácios” da memória (VIII,12-XXVII,38)
ficam as duas afirmações com o verbo “trasibo” é a força do meu espírito e pertence à minha
1. A procura de Deus nas obras visíveis (VI,8-10) (atravessarei, ultrapassarei, irei além) no capí- natureza, e nem eu consigo captar o todo que
tulo VII? - “Irei além da minha força (Transibo eu sou” (VIII,15) (Et vis est haec animi mei
Com base na leitura do capítulo VI do Livro X,
vim meam), com a qual estou preso ao corpo e atque ad meam naturam pertinet, nec ego
responda discursivamente às seguintes questões:
encho de vida o seu organismo” [...] “Irei também ipse capio totum, quod sum). (B) O que evoca
QUESTÕES: Como enteder a expressão “Que amo além desta minha força (Transibo et istam vim para Agostinho a memória, considerando a sua
eu, quando Vos amo?”. Em sua resposta explique meam); pois também a possuem o cavalo e o admiração (admiratio) e o seu estupor (stupor)
de modo claro o sentido dos termos “luz”, “voz”, muar: também eles a sentem por meio do corpo” diante dela? (C).
“perfume”, “alimento”, “abraço” (A). A procura (B). O termo latino para a expressão “força” é
c) Memória e disciplinas liberais (IX,16-XI,18)
de Agostinho prossegue no § 9 do capítulo VI: “vis”: o que significa “vis” nas passagens citadas?
“Et quid est hoc? (= E que é isto?)”. A tradução (C). Como entender o termo “vis” na primeira Com base na leitura dos capítulos IX-XI do Livro X,
brasileira verteu assim a pergunta: “Quem é frase do capítulo VIII, § 12? - “Irei também além responda discursivamente às seguintes questões:
Deus?”. O que respondem as criaturas terrestres e desta força da minha natureza, ascendendo por
QUESTÕES: Como entender a afirmação de que
celestes? Por quê? (B). Como entender a resposta degraus até àquele que me criou (Transibo ergo
a memória contém os conhecimentos apren-
de Agostinho quando ele se volta para si mes- et istam vim naturae meae, gradibus ascendens
didos nas artes liberais? – “Aqui estão também
mo e pergunta: “E tu quem és”? Que estrutura ad eum, qui fecit me [VIII,12])” (D). Qual é o
todas aquelas que, tomadas das artes liberais,
antropológica é esboçada aqui? Por quê? (C). sentido das imagens utilizadas para designar a
ainda não se perderam, como que escondidas
“memória” (VIII,12,1-2)? (E).
2. A procura de Deus nos sentidos e num lugar interior, que não é lugar; e não levo
na memória (VII,1-XIX, 28) b) Memória e consciência de si mesmo (VIII,14-15) comigo as suas imagens, mas as próprias coisas
(sed res ipsas gero)”. O que são conservados?
a) A memória como receptáculo da experiência Com base na leitura do capítulo VIII do Livro X,
São as imagens, fruto da percepção sensível?
passada (VII,11-VIII,13) responda discursivamente às seguintes questões:
(A). O que significa a afirmação de Agostino
Com base na leitura dos capítulos VII-VIII do Livro QUESTÕES: O que significa afirmar que a me- “E guardei no fundo da memória não as suas
X, responda discursivamente às seguintes questões: mória como “instrumento da consciência do imagens, mas as próprias coisas” (et in memo-
versão em preto e branco

Disciplina: Laboratório de Ensino da Filosofia     Carga horária: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos SEMANA 4 Página 8

As confissões de Agostinho - Exercício prático

ria recondidi non imagines earum, sed ipsas) QUESTÃO: Considerando que no parágrafo há tristeza? Acaso a memória não faz parte do
(X,17)? (B). Como entender a noção de verdade em questão Agostinho reflete sobre a memória espírito?” (XIV, 21) (C). O que significa memória
na seguinte afirmação de Agostinho “Donde e através da própria memória, mas sem que tal das “perturbações da alma” (perturbationes
por onde entraram na minha memória? Não sei reflexão não exclua a intelligentia, o que é que animi) exemplificadas por Agostinho em XIV,
como. Pois, quando as aprendi, não dei crédito ele deve à memória em cada nova intelecção? 22 (desejo, alegria, medo, tristeza)? Como o
ao coração de outra pessoa, mas reconheci-as no homem adquire as “noções dessas mesmas
f) Memória das affectiones (XIV, 21-22)
meu, e admiti que eram verdadeiras e confiei- coisas” (rerum ipsarum notiones)? (D).
-lhas, como que depositando-as onde pudesse Com base na leitura do capítulo XIV do Livro X,
g) Dúvidas sobre a memória (XV,23-XVI,25)
ir buscá-las quando quisesse. Portanto, estavam responda discursivamente às seguintes questões:
lá, e já antes de as ter aprendido, mas não es- Com base na leitura dos capítulos XV-XVI do Livro
QUESTÕES: O que Agostinho entende por
tavam na memória” (X,17,14-15)? (C). Como X, responda discursivamente às seguintes questões:
“afecções do meu espírito (Affectiones animi
aprendemos as noções que não dependem das
mei) 13 ” nesta passagem (XIV,21: tradução por- QUESTÕES: As coisas que Agostinho nomeia
percepções sensíveis? O que é “cogitare” (pensar/
tuguesa: “as impressões do meu espírito”)? (A). (por exemplo, o nome de “pedra” ou de “sol”)
cogitar) para Agostinho? (XI,18, 1-8)? (D).
Do ponto de vista da linguagem corrente, há se encontram impressas na memória por meio
d) Memória e saber matemático (XII,19) uma identificação entre memória e animus de imagens ou por si mesmas? E o que dizer da
(espírito)? Por quê? (B). Explique a seguinte dor corporal? E o nome do números, onde está
Com base na leitura do capítulo XII do Livro X,
passagem: “Por que é que quando, estando presente? (A) Qual é a intenção de Agostinho
responda à seguinte questão:
alegre, recordo-meda minha tristeza passa- em XV,23 (“Nomeio a memória e reconheço
QUESTÃO: Como as noções das matemáticas da, o meu espírito sente a alegria, e a minha o que nomeio. E onde o reconheço senão na
(aritmética e geometria) e as suas mútuas re- memória a tristeza e, estando o meu espírito própria memória? Acaso também ela está pre-
lações (operações de cálculo, proporções, cons- alegre pelo fato de que nele há alegria, não está sente a si mesma por meio da sua imagem e
truções de figuras) estão presentes na memória? triste a minha memória, pelo fato de que nela não por si mesma?”) (B). Sobre a memória do
“esquecimento” (oblivio) (XVI,25), explique os
e) Memória da memória (XIII, 20)
13   O termo latino animus aproxima-se da expressão grega thymós, “órgão seguintes textos: 1º)“Mas, se conservamos na
Com base na leitura do capítulo XIII do Livro X, da interioridade, de onde nascem os pensamentos, os sentimentos, as vontades memória aquilo de que nos lembramos, e se
e as paixões do indivíduo”. O animus “é a alma inteira em relação ao corpo, é a
responda à seguinte questão: psychē, sede da inteligência, da vontade, da afetividade, da sensibilidade – e não nos lembrássemos do esquecimento, de
da própria vida do indivíduo”: verbete “Anima/Animus, alma”, in J-M. FONTA-
NIER, Vocabulário latino da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, 22-23.
versão em preto e branco

Disciplina: Laboratório de Ensino da Filosofia     Carga horária: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos SEMANA 4 Página 9

As confissões de Agostinho - Exercício prático

nenhum modo poderíamos, ao ouvir a pa- QUESTÕES: Como entender o seguinte para- ao longo do Livro X, reconheceremos como Deus
lavra esquecimento, reconhecer a coisa que doxo (XVII,26): deve-se encontrar a Deus, ao seja para o homem vida da vida: “Quando
ela significa: então memória retém o esque- mesmo tempo para além da memória e, no procuro a ti, Deus meu, procuro a vida feliz.
cimento (memoria retinetur oblivio)”; 2º) “E, entanto, nela e através dela mesma? (A). Em Procuro-te para que viva a minha alma” 14 .
no entanto, eis que não abarco a capacidade XVI, 28, Agostinho não trata mais da lembrança Leia todo o § 29 do capítulo XX: “Como é que
da minha memória, embora eu, fora dela, não de um objeto perdido, como foi justamente o eu te procuro, Senhor? Quando, te procuro, ó
me possa dizer a mim mesmo. Com efeito, o caso da mulher que perdera a dracma (XVII, meu Deus, procuro uma vida feliz. Que eu te
que hei de eu dizer, quando tenho a certeza 27), mas agora de um conhecimento esqueci- procure, para que a minha alma viva. Pois o
de que me lembro do esquecimento? Acaso do. Com base na análise de Agostinho, como meu corpo vive da minha alma e a minha alma
hei de dizer que não está na minha memória entender agora a nova ideia da relação entre vive de ti. Então como procuro eu uma vida
aquilo de que me lembro? Acaso hei de dizer memória-esquecimento? Através da consci- feliz? [...]”. Como Agostinho entende agora a
que o esquecimento está na minha memória ência de ter esquecido determinada coisa, ela questão do “como quero a Deus”?
precisamente para que eu não me esqueça?”; ainda está aí na memória. Então, o que dizer
3º) “Portanto, se é pela sua imagem e não por do esquecimento como “privatio memoriae”?
si mesmo que o esquecimento se conserva na (“Nem ainda nos esquecemos inteiramente Uma vez colocadas essas questões sobre o conteúdo da
memória (Si ergo per imaginem suam, non mesmo daquilo que nos lembramos de ter primeira parte do Livro X das Confissões, caberá ao aluno
per se ipsam in memoria tenetur oblivio), ele esquecido. Por conseguinte, não podemos revisitar a obra agostiniana para descortinar novas ideias
mesmo, sem dúvida, estava presente, para que procurar uma coisa perdida que tivermos es- sobre as “concavidades profundíssimas da memória”. No
a sua imagem fosse captada. Mas, estando quecido completamente”) (B). caso de Agostinho, enquanto convertido ao Cristianismo, é
presente, como é que registrava a sua ima- através da memória, mas simultaneamente além dela, que
gem na memória, dado que o esquecimento, 3. A procura de Deus e a “vita bea- Deus que se torna imanente ao homem permitindo-lhe o
com a sua presença, apaga mesmo aquilo que ta” (XX,29-XXVII,38) conhecimento de seu mistério. Só quem descortinou esta
encontra já registrado?”(C). verdade pôde proclamar esses célebres dizeres: “Tarde Vos
Com base na leitura dos capítulos XX-XXVII do
amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! (Sero
h) Memória e procura de Deus (XVII,26-XIX,28) Livro X, responda à seguinte questão:
te amavi, pulchritudo tam antiqua et tam nova...)” 15 .
Com base na leitura dos capítulos XVII-XIX do Livro QUESTÃO: Mesmo aceitando as flutuações da
X, responda discursivamente às seguintes questões: análise de Agostinho sobre o problema de Deus, 14   AGOSTINHO, Conf. X,XX, 29.
15   AGOSTINHO, Conf. X, XXVII, 38.
versão em preto e branco

Disciplina: Laboratório de Ensino da Filosofia     Carga horária: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos SEMANA 4 Página 10

As confissões de Agostinho - Exercício prático

passado se distingue do presente, e, no seio do ato de memória, -se” 19 . A expressão “gehaltlich abfallend” indica sem dúvida
2. Agostinho e a memória: é possível distinguir a questão do “o quê?” da do ‘como?’ e da a concepção grega platônico-aristotélica da memória 20 :
apropriação contemporânea do ‘quem?’”: sem realizar, porém, um “esboço fenomenológico esta seria simplesmente a retenção do passado, ou seja,
da memória” a exemplo do que fez Paul Ricoeur em A me- fundamentalmente sensível. Os diversos conteúdos da
A importância da memória em Agostinho é inegável, e suas
mória, a história, o esquecimento 17 , Heidegger se interessa, memória “existem nela à maneira de um ‘ser degradado”’.
análises de cunho teológico e existencial repercutiram em
não pelo aspecto epistemológico, mas sobretudo pelo seu Nesse sentido, Agostinho seria devedor da ótica grega de-
vários pensadores contemporâneos, dos quais destaco de
alcance fenomenológico assim compreendido: exibir o modo cadente que privilegiava o sentido de conteúdo: segundo
modo exemplificativo Martin Heidegger, que, no semestre
do conhecer na experiência fática da vida, que se distingue Aristóteles, “a memória é do passado”, e nesta fórmula o
de verão de 1921, ministrou o curso intitulado “Agostinho e
do modo de conhecer teorético: a experiência religiosa no futuro seria colocado entre parêntesis: diferentemente de
o Neoplatonismo”, dedicado a uma análise fenomenológica
cristianismo das origens não é um experienciar objetivo e, Agostinho que tem no presente o princípio organizador da
ao Livro X das Confissões 16 . À guisa de conclusão, vejamos
portanto, irracional e não científico. Enquanto o modelo temporalidade, em Heidegger a ênfase recairá no futuro
o esboço dessa análise fenomenológica da memória.
da subjetividade pertence já ao rememorar, no viver não se com base na nova maneira de ordenar a tripartição da
dá jamais um sujeito distinto do objeto do experienciar: “A experiência temporal: a temporalidade fundamental, intro-
Para demarcar os diferentes modos do conhecer – dos objetos
maneira pela qual as afecções são possuídas na memória é duzida pela orientação para o futuro e estará especificada
e de Deus –, Heidegger percorre toda a seção que Agostinho
muito distinta daquela pela qual são possuídas na experiência pelo “ser-para-a-morte”; a historicidade, que transcorre
dedica ao tema da memória, “santuário vasto e infinito”. O
atual, ‘cum patitureas’ [quando ela as padece]. A maneira é entre nascimento e morte, período marcado de certo modo
que caracteriza o fenômeno da memória é, portanto, seu
correspondente à essência mesma da memória” 18 . pelo passado donde emergem a história e a memória; a
caráter objetual: lembramo-nos de alguma coisa. Na memória
intratemporalidade ou ser-no-tempo, onde prevalece a
estão presentes todas as sensações, as imagens, as noções e
Segundo os suplementos de Oskar Becker, Heidegger teria preocupação que remete para a dependência das coisas
os princípios de modo caótico e confuso, mas não podemos
observado o seguinte: [Em Agostinho] a “memória não é presentes e manipuláveis “junto” das quais existimos no
esquecer o seguinte: são todas experiências vivenciadas pelo
qualquer coisa que se realiza de modo existencial (existen- mundo. Entretanto, no limiar de sua abordagem sobre
sujeito concreto ou, na linguagem agostiniana, pelo sujeito
ziell) radical, mas na ótica grega, seu conteúdo degrada-se a memória, Heidegger observa: “O que Agostinho alega
interior que se lembra também de si mesmo. Se a memória
(gehaltlich abfallend), não como ‘foi’ com ele e ‘é’ num como fenômenos concretos, mesmo do ponto de vista dos
remete para alguma coisa de múltiplo de nossa experiência
‘era’, mas de maneira desligada, o que está presente aqui conteúdos [isto é, seu Gehalt ou o Was], e sobretudo como
passada, é preciso distinguir então a memória como visada
como tal, toda vez que a verdade invariavelmente possui explicita os fenômenos, em seus nexos e determinações
e a lembrança como coisa visada. Assim devemos falar de
‘consistência’, em direção da qual ele projeta-se e classifica-
memória-lembrança: com base nesta memória-lembrança, o
19   M. HEIDEGGER, Fenomenologia da Vida Religiosa, 233.
17   P. RICOEUR, A memória, a história, o esquecimento. São Paulo: 20   Sobre esta herança grega, ver P. RICOEUR, A memória, a história,
16   Cf. M. HEIDEGGER, Fenomenologia da Vida Religiosa. Petrópolis: Editora Unicamp, 2002, 40-70. o esquecimento, 27-40 (“Platão: a representação presente de uma coisa
Vozes, 2010 (22014), 141-288. 18   M. HEIDEGGER, Fenomenologia da Vida Religiosa, 168. ausente”; “Aristóteles: ‘A memória é do passado’”).
versão em preto e branco

Disciplina: Laboratório de Ensino da Filosofia     Carga horária: 105 horas – 18 semanas     Professor: Jorge Augusto da Silva Santos SEMANA 4 Página 11

As confissões de Agostinho - Exercício prático

fundamentais [isto é, seu Vollzugou o Wie], transborda tem o poder de ocultar, reocultar e desocultar a verdade” 22 . uma reflexão total e dão lugar a uma hermenêutica de
o quadro a estrutura do conceito usual” 21 , a saber: uma Seja como for, os fenômenos de memória, com todas suas nossa condição histórica, como desenvolveu brilhantemente
determinação conceitual objetiva. Acontece, porém, que polaridades possíveis, escapam ao domínio do sentido de Paul Ricoeur: “os fenômenos de memória, tão próximos
Heidegger concebe “a memória como estrutura ontológica do que somos, opõem, mais que outros, a mais obstinada
22   M. MANUELA BRITO MARTINS, A leitura heideggeriana do livro X
presente a ela mesma (‘aquilo que está presente aí’), que das Confissões de Santo Agostinho, in Actas do Congresso Internacio- resistência à hybris da reflexão total” 23 .
nal As Confissões de Santo Agostinho: 1600 anos depois: presença e
21   M. HEIDEGGER, Fenomenologia da Vida Religiosa, 164. actualidade. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2002, 391. 23   P. RICOEUR, A memória, a história, o esquecimento, 43.

Вам также может понравиться