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O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

O ano da Morte de Ricardo Reis

Categorias do texto narrativo

Ação:

• Aberta – não tem um final explícito


• Fechada – conhece-se o final
• Principal – aquela que domina toda a obra
• Secundária – embora não sendo principal, é importante para a obra
• Organizada:
o Encadeamento (1…2…3…) – Uma após a outra
o Encaixe – uma história é encaixada na principal
o Alternância (1-2/1-2/1-2) – diferentes histórias vão sendo contadas
alternadamente.

Espaço:

• Físico – onde decorre a ação


• Social – ambiente social onde decorre; ex.: bairro pobre, de pescadores ou um espaço
da burguesia
• Psicológico – o que a personagem sente

Tempo:

• Histórico – época ou período da história em que ocorre a ação.


• Diegese – Tempo durante o qual se desenrola. Ex.: 20 anos
• Do discurso – modo como o narrador conta os acontecimentos; pode não ser igual ao
da diegese.
• Psicológico – como é sentido

Personagens

• Caracterização:
o Física – exteriormente, como é a personagem. Ex.: alta, magra.
o Psicológica – como está o seu interior. Ex.: contente, corajosa.
o Direta – caracterização feita diretamente. Ex.: Ela é linda.
o Indireta – os traços da personagem são deduzidos por outras descrições. Ex.:
Leonor, levantou-se lentamente e tarde. Indicia um certo cansaço da
personagem.
• Relevo:
o Protagonista – personagem principal
o Secundária – age ao lado da principal, mas não é à sua volta que gira a ação.
o Figurante – não participa nem pala na ação. Ex.: Os jogadores passaram atrás
da Rita, sem serem notados.

• Composição:
o Modelada – ela muda a sua atitude ao longo da obra.
o Plana – mantém a sua atitude desde o início até ao desfecho da obra.

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

o Tipo- representa um tipo social, com os seus traços específicos. Por norma é
também plana. Ex.: burguesia

Narrador:

• Presença
o Autodiegético – participa como personagem principal.
o Homodiegético – participa como personagem secundária.
o Heterodiegético – não participa na ação.
• Ciência
o Omnisciente – sabe tudo o que ocorre dentro e fora das personagens.
o Interna – relata sobre o ponto de vista de uma personagem.
o Externa – só sabe o que é observável pelo exterior.
• Posição:
o Objetiva – relata sem emoções, como se de um jornalista se tratasse.
o Subjetiva – relata, recorrendo a emoções.

Estrutura
O livro assemelha apresentar um encontro entre dois homens: Reis e Pessoa. Porém, à medida
que vamos lendo a obra, vamo-nos deparando com um Portugal e uma Europa que estão
oprimidos por regimes fascistas e nazistas. Já para não falar na relação amorosa de Reis com
Lídia e Marcenda, mulheres de odes ricardianas, que ganham aqui vida.

Esta obra começa com uma ideia de olhar, que aguarda a


chegada de Ricardo Reis, não o largando até ao momento em
que parte, com Fernando Pessoa, levando consigo um livro.
Compreende os anos 1935 e 1936.

A obra é tecida em forma de narração, cheia reflexões,


comentários, informações políticas, históricas, sociais e
culturais da época de Ricardo Reis.

O narrador discorre observações exteriores a Ricardo Reis, da mesma forma que o observa de
dentro para fora. A voz pode passar de uma primeira pessoa, para uma terceira, do presente
para o passado.

Nesta estrutura, existem duas ações fundamentais: a das relações amorosas do protagonista
com Lídia e Marcenda e a dos encontros entre Reis e Pessoa.

Estrutura Externa: 19 capítulos não numerados.

Estrutura interna:

• Chegada de Ricardo reis a Lisboa e aparecimento de Fernando Pessoa;


• Relação com Lídia e Marcenda;
• Desaparecimento de Ricardo Reis e Fernando Pessoa.

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

O amor: Marcenda (platonismo) e Lídia (transgressão) 1

Embora nas suas odes Ricardo Reis viva as disciplinas do Estoicismo e do Epicurismo, nesta obra,
ele materializa esse amor e põe à prova esse amor. Dando vida à Lídia das Odes, Saramago,
transforma-a numa criada de hotel. Este amor é clandestino e transgressor, entre um hóspede
e a criada de hotel. Entre Lídia e Reis, a atração sexual é evidente, embora os episódios amorosos
sejam apresentados com uma certa timidez, delicadeza, moderação: «poucas palavras, muitos
silêncios, gestos afetuosos, indícios, olhares, entendimentos mudos.»2

Marcenda é outra personagem das suas Odes e também ela se envolve com Reis. Esta é uma
mulher submissa devido à sua condição social e física, uma vez que não mexe o braço esquerdo.
O nome Marcenda já significa “murchar”, denunciando desde logo um possível futuro de
submissão e enfraquecimento. Socialmente obediente, controla as suas emoções, não
ultrapassando as cartas escritas e o beijo apaixonado. Prefere não arriscar num novo estilo de
vida com Ricardo Reis, não casando com ele. A sua maior limitação emocional advém da sua
condução física, atribuída hipoteticamente a causas psíquicas.

Lídia é enérgica, corajosa e não renuncia o seu amor por Ricardo Reis. Antagonismo de
Marcenda.

Lídia representa o amor desinteressado, libertador e condicional. Marcenda, o amor imaterial e


impossível de se concretizar.

O desfecho é também ele diferente: Lídia fica grávida e abandonada, rejeitada perante o
progressivo apagamento de Reis; Marcenda impõe o seu afastamento radical.

1
Entre Nós e as Palavras, Santillana, Português 12 ano.
2
Maria Almira Soares, O ano da morte e Ricardo Reis- José Saramago, col. Ler os clássicos de hoje, Texto,
2017, p.22.
3
AA.VV., Mensagens, Português 12 ano, Texto.

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

O amor é ainda representado na conversa entre Reis e o ortónimo. A mulher surge como algo
enigmático, um quebra-cabeças e uma charada. A mulher é analisada sobre o ponto de vista
preconceituoso e machista: Lídia acaba por ter uma condição superior a uma criada do hotel e
Marcenda recusa-se a ser o que a condição de mulher culta, rica, socialmente bem inseria
poderia prometer.

Existem três estruturas principais, nesta obra 4:

4
Manual 12 ANO, Novo Plural 12

Liliana Vieira Conde


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Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

Dimensão simbólica e histórica

A cidade de Lisboa:

• Com chuva, triste, cinzenta, sem atração, deserta e imóvel;


• Esta situação surge como uma metáfora do Estado Novo, que cerca os seus cidadãos,
essencialmente súbditos, escravos, submissos, mas sem vontade de lutar, aceitando
abnegadamente a sua situação.
• Esta é uma cidade de contrastes:
o Os cafés históricos e os teatros eram opulentos; existia progresso;
o A burguesia era rica e a classe média estava remediada;
o Lisboa era suja, barulhenta; existiam bairros pobres degradados, em contraste
com os bairros ricos;
o Existia pobreza extrema: os bodos; os incómodos da sociedade, que era
necessário ocultar.
o As festividades como o Ano Novo, o Carnaval e a Páscoa, repletos de alegria,
esperança e festa, a riqueza e as festas da alta sociedade, em contraste com a
tristeza, o desalento, a fome e as vítimas de inundações.

Em Portugal existia:

• Ditadura presidida por Salazar, União Nacional e Estado corporativo;


• PIDE
• Relação próxima entre a Igreja Católica e o regime salazarista
• Nacionalismo do estado
• Mocidade portuguesa
• Legião portuguesa, que se revolta contra o Estado Novo.

Na Europa:

Espanha: golpe político chefiado pelo general Franco, com o objetivo de instalar a
ditadura; a democracia é derrubada.

Itália: ascensão política do fascismo Italiano, de Mussolini.

Alemanha: ascensão política de Hitler; a sua política é racista e nacionalista.

França: em 1936 ocorre uma grande agitação social por direitos sociais; a esquerda
sobe ao poder.

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

Intertextualidades

Nesta obra, são visíveis outras obras de outros autores.

Camões: «Aqui, onde o mar se acabou e a terra espera»

Cesário Verde: surge implícito devido:

• Ao deambular de Ricardo Reis, pelos mesmos espaços da cidade;


• Na observação dos diferentes tipos sociais;
• Nas referências a Camões;
• No olhar para dentro (para terra) e não para o mar.

Fernando Pessoa: referências textuais com a poesia de Fernando Pessoa e com os seus
heterónimos. Viaja pelo território labiríntico e ambíguo da poesia pessoana.

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

Linguagem e estilo

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

O Ano da Morte de Ricardo Reis- Fichas

Lê o texto.

Ricardo Reis dissera ao gerente, Mande-me o pequeno-almoço ao quarto, às nove e meia, não
que pensasse dormir até tão tarde, era para não ter de saltar da cama
estremunhado, a procurar enfiar os braços nas mangas do roupão, a tentear os
chinelos, com a impressão pânica de não ser capaz de mexer-se tão depressa quanto
era merecedora a paciência de quem lá fora sustentasse nos braços ajoujados a grande bandeja
com o café e o leite, as torradas, o açucareiro, talvez uma compota de cereja ou laranja, ou uma
fatia de marmelada escura, granulosa, ou pão de ló, ou vianinhas de côdea fina, ou arrufadas,
ou fatias paridas, essas sumptuosas prodigalidades de hotel, se o Bragança as
usa, a ver vamos, que este é o primeiro pequeno-almoço de Ricardo Reis desde
que chegou. Em ponto, garantira Salvador, e não garantira em vão, que
pontualmente está Lídia batendo à porta, dirá o bom observador que é isso
impossível para quem ambos os braços tem ocupados, muito mal estaríamos nós de servos se
os não escolhêssemos entre os que têm três braços ou mais, é o caso desta vossa criada, que
sem entornar uma gota de leite consegue bater suavemente com os nós dos dedos
na porta, continuando a mão desses dedos a segurar a bandeja, será preciso ver para
acreditar, e ouvi-la, O pequeno-almoço do senhor doutor, foi ensinada a dizer assim, e,
embora mulher nascida do povo, tão inteligente é que não esqueceu até hoje. Se
esta Lídia não fosse criada, e competente, poderia ser, pela amostra, não menos
excelente funâmbula, malabarista ou prestidigitadora, génio adequado tem
ela para a profissão, o que é incongruente, sendo criada, é chamar-se Lídia, e
não Maria. Está já composto Ricardo Reis de vestuário e modos, barba feita,
roupão cingido, abriu mesmo meia janela para arejar o quarto, aborrece os odores
noturnos, aquelas expansões do corpo a que nem poetas escapam. Entrou enfim a criada, Bom
dia, senhor doutor, e foi pousar a bandeja, menos prodigamente oferecendo do
que se imaginara, mas mesmo assim merece o Bragança nota de distinção, não admira que
tenha tão constantes hóspedes, alguns não querem outro hotel quando vêm a Lisboa.
Ricardo Reis retribui a salvação, agora diz, Não, muito obrigado, não quero mais nada,

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

é a resposta à pergunta que uma boa criada sempre fará, Deseja mais alguma coisa, e, se lhe
dizem que não, deve retirar-se discretamente, se possível recuando, voltaras costas seria
faltar ao respeito a quem nos paga e faz viver, mas Lídia, instruída para duplicar
as atenções, diz, Não sei se o senhor doutor já reparou que há cheia no Cais do
Sodré, os homens são assim, têm um dilúvio ao pé da porta e não dão por ele,
dormiram a noite toda de um sono, se acordaram e ouviram cair a chuva foi como
quem apenas sonha que está chovendo e no próprio sonho duvida do que sonha,
quando o certo certo foi ter chovido tanto que está o Cais do Sodré alagado, dá a
água pelo joelho daquele que por necessidade atravessa de um lado para outro,
descalço e arregaçado até às virilhas, levando às costas na passagem do vau uma senhora
idosa, bem mais leve que a saca de feijão entre a carroça e o armazém.
SARAMAGO, José (2016). O Ano da Morte de Ricardo Reis . Porto: Porto Editora, pp.
61-63

1. Caracterize as duas personagens que surgem no excerto, justificando a sua


resposta.
2. Integre este excerto na estrutura interna da obra.
3. Lídia é malabarista. Justifique esta afirmação, evidenciando o recurso
expressivo que nos permite saber disso.
4. O narrador é muito peculiar nesta obra. Apresente a postura que ele
mantém neste excerto.

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

Lê o excerto

Ricardo Reis diz, Lá lhe ficou uma lembrança, o Pimenta responde, Muito
obrigado ao senhor doutor, quando quiser alguma coisa é só dizer, todas estas
palavras são inúteis, e isso ainda é o melhor que podemos dizer delas, quase
todas, em verdade, hipócritas, razão tinha aquele francês que disse que a palavra
foi dada ao homem para disfarçar o pensamento, enfim, teria razão o tal, são
questões sobre as quais não devemos fazer juízos perentórios, o mais certo é ser
a palavra o melhor que se pôde arranjar, a tentativa sempre frustrada para
exprimir isso a que, por palavra, chamamos pensamento. Os dois moços de fretes
já sabem aonde devem levar as malas, Ricardo Reis disse-o depois de se ter
retirado Pimenta, e agora sobem a rua, vão pela calçada para maior desafogo do
transporte […]. A meio da rua têm os moços de fretes de chegar-se para um
lado, e então aproveitam para arrear a carga, respirar um pouco, porque
vem descendo uma fila de carros elétricos apinhados de gente loura de cabelo e
rosada de pele, são alemães excursionistas, operários da Frente Alemã do
Trabalho, quase todos vestidos à moda bávara, de calção, camisa e suspensórios,
o chapelinho de aba estreita, pode se ver facilmente porque alguns dos elétricos
são abertos, gaiolas ambulantes por onde a chuva entra quando quer, de pouco
valendo os estores de lona às riscas, que irão dizer da nossa civilização
portuguesa estes trabalhadores arianos, filhos de tão apurada raça […].

Estamos perto. Ao fundo desta rua já se veem as palmeiras do Alto de Santa


Catarina, dos montes da Outra Banda assomam pesadas nuvens que são como mulheres
gordas à janela, metáfora que faria encolher os ombros de desprezo a Ricardo Reis,
para quem, poeticamente, as nuvens mal existem, por uma vez escassas, outra
fugidia, branca e tão inútil, se chove é só de um céu que escureceu porque Apolo velou
a sua face. Esta é a porta de entrada da minha casa, […] agora entremos todos, as duas
malas pequenas, a maior, repartindo o esforço, paga--se o preço ajustado, a
esperada gorjeta, cheira a intenso suor, Quando tornar a precisar da gente,
patrão, estamos sempre ali, não duvidou Ricardo Reis, se com tanta firmeza
o diziam, mas não respondeu, E eu sempre aqui estarei, um homem, se estudou,
aprende a duvidar, muito mais sendo os deuses tão inconstantes, certos apenas,
eles por ciência, nós por experiência, de que tudo acaba, e o sempre antes do
resto.

SARAMAGO, José, 2016. O Ano da Morte de Ricardo Reis . 22.ª ed. Porto: Porto
Editora (pp. 250-252) (1.ª ed. 1984)

1. Justifica os comentários do narrador nas linhas 2-3, considerando o


momento da ação.
2. Identifica o recurso expressivo presente em: « descendo uma fila de carros
elétricos apinhados de gente loura de cabelo e rosada de pele».
a. Evidencia o seu valor expressivo.

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

3. Interpreta as referências aos “alemães excursionistas” (l. 12).


4. De que forma a indumentária dos alemães permite auxiliar na sua
caracterização?
5. As nuvens surgem comparadas a um elemento específico. Identifica-o e
explica o seu valor expressivo.
6. Relaciona a caracterização de Ricardo Reis apresentada no
último parágrafo com os tópicos temáticos da sua poesia.

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

Lê o excerto

Diga-me outra coisa, se os revoltosos tivessem ganho, o senhor teria ficado, ou


teria voltado, A razão do meu regresso, já lhe disse, não tem nada que ver com
políticas nem revoluções, aliás não foi essa a única revolução que houve no Brasil
durante o tempo que lá vivi, É uma boa resposta, mas as revoluções não são todas
iguais nem querem todas a mesma coisa, Sou médico, não sei nem quero saber
de revoluções, a mim só me interessam os doentes, Agora pouco, Voltarei a
interessar-me, Durante o tempo que viveu no Brasil teve alguma vez problemas
com as autoridades, Sou uma pessoa pacífica, E aqui, reatou relações de amizade
desde que chegou, Dezasseis anos bastam para esquecer e ser esquecido, Não
respondeu à pergunta, Respondo já, esqueci e fui esquecido, não tenho amigos
aqui, Nunca pensou em naturalizar-se brasileiro, Não senhor, Acha Portugal
diferente do que era quando partiu para o Brasil, Não posso responder, ainda
não saí de Lisboa, E Lisboa, acha-a diferente, Dezasseis anos trazem mudanças,
Há sossego nas ruas, Sim, tenho reparado, O governo da Ditadura Nacional pôs
o país a trabalhar, Não duvido, Há patriotismo, dedicação ao bem comum, tudo
se faz pela nação, Felizmente para os portugueses, Felizmente para si, o senhor
também é um deles, Não rejeitarei a parte que me couber na distribuição dos
benefícios, tenho visto que estão a ser criadas sopas dos pobres, O senhor doutor
não é pobre, Posso vir a sê-lo um dia, Longe vá o agoiro, Obrigado, mas se tal
acontecer volto para o Brasil, Em Portugal tão cedo não haverá revoluções, a
última foi há dois anos e acabou muito mal para quem se meteu nela, Não sei de
que está a falar, nem tenho mais respostas a dar-lhe a partir de agora, Não tem
importância, já fiz as perguntas todas, Posso retirar-me, Pode, tem aqui o seu
bilhete de identidade, ó Victor acompanha o senhor doutor à porta, o Victor
aproximou-se, Venha comigo, saiu-lhe pela boca o cheiro da cebola, Como é
possível, pensou Ricardo Reis, tão cedo, e com este cheiro, se calhar é o que come
ao pequeno-almoço. No corredor o Victor disse, Estava a ver que o senhor doutor
fazia zangar o nosso doutor-adjunto, apanhou-o de boa maré, Fazia-o zangar,
como, Recusou-se a responder, desconversou, isso não é bom, o que vale é que o

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

nosso doutor-adjunto tem muita consideração pelos senhores doutores, Eu ainda


nem sei por que é que me intimaram a vir aqui, Nem precisa saber, levante as
mãos ao céu por tudo ter acabado em bem

1. Identifique o tema e o assunto do texto.


2. Quem são as duas personagens principais?
a. Caracterize-as.
b. De que forma o cheiro a cebola permite caracterizar Victor e o
regime?
3. Distinga os seus comportamentos e o seu discurso.
4. O estilo saramaguiano é único. Comprove esta afirmação, com excertos do
texto.

Liliana Vieira Conde


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Le o excerto

Afasta-se Ricardo Reis em direcção à Rua do Crucifixo, atura a insistência de um


cauteleiro que lhe quer vender um décimo para a próxima extracção da lotaria, É
o mil trezentos e quarenta e nove, amanhã é que anda a roda, não foi este o
número nem a roda anda amanhã, mas assim soa o canto do áugure, profeta
matriculado com chapa no boné, Compre, senhor, olhe que se não compra pode-
se arrepender, olhe que é palpite, e há uma fatal ameaça na imposição. Entra na
Rua Garrett, sobe ao Chiado, estão quatro moços de fretes encostados ao plinto
da estátua, nem ligam à pouca chuva, é a ilha dos galegos, e adiante deixou de
chover mesmo, chovia, já não chove, há uma claridade branca por trás de Luís de
Camões, um nimbo, e veja-se o que as palavras são, esta tanto quer dizer chuva,
como nuvem, como círculo luminoso, e não sendo o vate Deus ou santo, tendo a
chuva parado, foram só as nuvens que se adelgaçaram ao passar, não imaginasse-
mos milagres de Ourique ou de Fátima, nem sequer esse tão simples de mostrar-
se azul o céu. Ricardo Reis vai aos jornais, ontem tomou nota das direcções, antes
de se deitar, afinal não foi dito que dormiu mal, estranhou a cama ou estranhou
a terra, quando se espera o sono no silêncio de um quarto ainda alheio, ouvindo
chover na rua, tomam as coisas a sua verdadeira dimensão, são todas grandes,
graves, pesadas, enganadora é sim a luz do dia, faz da vida uma sombra apenas
recortada, só a noite é lúcida, porém o sono a vence, talvez para nosso sossego e
descanso, paz à alma dos vivos. Vai Ricardo Reis aos jornais, vai aonde sempre
terá de ir quem das coisas do mundo passado quiser saber, aqui no Bairro Alto
onde o mundo passou, aqui onde deixou rasto do seu pé, pegadas, ramos
partidos, folhas pisadas, letras, notícias, é o que do mundo resta, o outro resto é
a parte de invenção necessária para que do dito mundo possa também ficar um
rosto, um olhar, um sorriso, uma agonia, Causou dolorosa impressão nos círculos
intelectuais a morte inesperada de Fernando Pessoa, o poeta do Orfeu, espírito
admirável que cultivava não só a poesia em moldes originais mas também a
crítica inteligente, morreu anteontem em silêncio, como sempre viveu, mas como

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

as letras em Portugal não sustentam ninguém, Fernando Pessoa empregou-se


num escritório comercial, e, linhas adiante, junto do jazigo deixaram os seus
amigos flores de saudade. Não diz mais este jornal, outro diz doutra maneira o
mesmo, Fernando Pessoa, o poeta extraordinário da Mensagem, poema de
exaltação nacionalista, dos mais belos que se têm escrito, foi ontem a enterrar,
surpreendeu-o a morte num leito cristão do Hospital de S. Luís, no sábado à
noite, na poesia não era só ele, Fernando Pessoa, ele era também Álvaro de
Campos, e Alberto Caeiro, e Ricardo Reis, pronto, já cá faltava o erro, a
desatenção, o escrever por ouvir dizer, quando muito bem sabemos, nós, que
Ricardo Reis é sim este homem que está lendo o jornal com os seus próprios olhos
abertos e vivos, médico, de quarenta e oito anos de idade, mais um que a idade
de Fernando Pessoa quando lhe fecharam os olhos, esses sim, mortos, não
deviam ser necessárias outras provas ou certificados de que não se trata da
mesma pessoa, e se ainda aí houver quem duvide, esse vá ao Hotel Bragança e
fale com o senhor Salvador, que é o gerente, pergunte se não está lá hospedado
um senhor chamado Ricardo Reis, médico, que veio do Brasil, ele dirá que sim

1. De que forma a cidade se relaciona com Ricardo Reis.


2. Apresente as motivações que levam a personagem a encontrar-se nesta
situação.
3. Integre este excerto na estrutura da obra, justificando.

Liliana Vieira Conde


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Lê o excerto

Quer que mande fazer outras torradas, aquecer outra vez o café, Não é preciso,
fico bem assim, o apetite também não era grande, entretanto levantara-se e para
sossegá-la pusera-lhe a mão no braço, sentia a cetineta da manga, o calor da pele,
Lídia baixou os olhos, depois deu um passo para o lado, mas a mão acompanhou-
a, ficaram assim alguns segundos, enfim Ricardo Reis largou-lhe o braço, e ela
agarrou e levantou a bandeja, as porcelanas tremiam, parecia que se estava dando
um abalo de terra com o epicentro neste quarto duzentos e um, mais
precisamente no coração desta criada, e agora afasta-se, tão cedo não vai serenar,
entrará na copa e pousará a louça, a mão pousará no lugar onde a outra esteve,
gesto delicado que há de parecer impossível em pessoa de tão humilde profissão,
é o que estará pensando quem se deixe guiar por ideias feitas e sentimentos
classificados, como talvez seja o caso de Ricardo Reis que neste momento se
recrimina acidamente por ter cedido a uma fraqueza estúpida, Incrível o que eu
fiz, uma criada, mas a ele o que lhe vale é não ter de transportar nenhuma bandeja
com louça, então saberia como podem tremer igualmente as mãos de um
hóspede.

1. Caracterize a relação entre Reis e Lídia.


2. Caraterize o estado psicológico de ambos.

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

Lê o excerto

Marcenda sobe o último lanço, só então ele repara que não acendera a luz da
escada, vai recebê-la quase às escuras, e enquanto hesita sobre o que deve fazer,
acender, não acender, há um outro nível do pensamento em que se exprime uma
surpresa, como foi possível aparecer tão luminoso o sorriso dela, visto cá de cima,
diante de mim agora, que palavras irão ser ditas, não posso perguntar, Então
como tem passado, ou exclamar plebeiamente, Ora viva quem é uma flor, ou
lamentar-me, romântico, Já não a esperava, desesperava, por que tardou tanto,
ela entrou, eu fecho a porta, nenhum de nós disse ainda uma palavra. Ricardo
Reis pega-lhe na mão direita, não para a cumprimentar, apenas quer guiá-la neste
labirinto doméstico, para o quarto nunca, por impróprio, para a sala de jantar
seria ridículo, em que cadeiras da comprida mesa se sentariam, um ao lado do
outro, defronte, e aí quantos seriam, inúmeros ele, ela decerto não única, seja
então para o escritório, ela num sofá, eu noutro, entraram já, estão enfim todas as
luzes acesas, […]

Ricardo Reis avançou um passo, ela não se mexeu, outro passo, quase lhe toca,
então Marcenda solta o cotovelo, deixa cair a mão direita, sente-a morta como a
outra está, a vida que há em si divide-se entre o coração violento e os joelhos
trémulos, vê o rosto do homem aproximar-se devagar, sente um soluço a formar-
se-lhe na garganta, na sua, na dele, os lábios tocam-se, é isto um beijo, pensa, mas
isto é só o princípio do beijo, a boca dele aperta-se contra a boca dela, são os lábios
dele que descerram os lábios dela, é esse o destino do corpo, abrir-se, agora os
braços de Ricardo Reis apertam-na pela cintura e pelos ombros, puxam-na, e o
seio comprime-se pela primeira vez contra o peito de um homem, ela
compreende que o beijo ainda não acabou, que neste momento não é sequer
concebível que possa terminar, e voltar o mundo ao princípio, à sua primeira
ignorância, compreende também que deve fazer mais

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

alguma coisa que estar de braços caídos, a mão direita sobe até ao ombro de
Ricardo Reis, a mão esquerda está morta, ou adormecida, por isso sonha, e no
sonho relembra os movimentos que fez noutro tempo, escolhe, liga, encadeia os
[…]

Marcenda, pela primeira vez abraçada e beijada por um homem, no entanto


percebe, percebe-o todo o seu corpo dentro e fora da pele, que quanto mais o
beijo se prolongar maior se tornará a necessidade de o repetir, sofregamente, num
crescendo sem remate possível em si mesmo, será outro o caminho, como este
soluço da garganta que não cresce e não se desata, é a voz que pede, sumida,
Deixe-me, e acrescenta, movida não sabe por que escrúpulos, como se tivesse
medo de o ter ofendido, Deixe-me sentar.

1. Caracterize a atitude de Marcenda tendo em atenção a sua classe social.


2. Indique e explique a função dos recursos estilísticos sublinhados no texto.
3. Insira este excerto na estrutura interna da obra, revelando o desfecho da
obra.

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

Lê o excerto

Ligou Ricardo Reis o Pilot, o ponteiro do mostrador está no Rádio Clube


Português, […] é então que a locutora do Rádio Clube lê um telegrama
enviado por antigos legionários portugueses da quinta bandeira do Tércio,
saudando os seus antigos camaradas que estão no cerco de Badajoz,
arrepia-se-nos a espinha com a marcial linguagem, o fervor ocidental e
cristão, a fraternidade das armas, a memória dos feitos passados, a
esperança num porvir radioso para as duas pátrias ibéricas, unidas no
mesmo ideal nacionalista.
[…]
Lembra-se de que Lídia está grávida, de um menino, segundo ela de cada
vez afirma, e esse menino crescerá e irá para as guerras que se preparam,
ainda E cedo para as de hoje, mas outras se preparam, repito, há sempre
um depois para a guerra seguinte, façamos a contas. virá ao mundo lá para
Março do ano que vem, só lhe pusermos a idade aproximada em que à
guerra se vai vinte e três, vinte e quatro anos, que guerra teremos nós: em
mil novecentos e sessenta e um, e onde, e porquê, em que abandonados
plainos, com os olhos da imaginação mas não sua, vê-o Ricardo Reis de
balas traspassado, moreno e pálido como é seu pai, menino só da sua mãe
porque o mesmo pai o não perfilhará. Badajoz rendeu-se. Estimulado pelo
entusiástico telegrama dos antigos legionários portugueses, o Tércio obras
maravilhas, tanto no combate à distância como na luta corpo a corpo,
tendo sido particularmente assinalada, levada à ordem, a valentia dos
legionários portugueses da nova geração, quiseram mostrar-se dignos dos
seus maiores, a isto se devendo acrescentar o efeito benéfico que sempre
tem nos ânimos a proximidade dos ares pátrios de Badajoz rendeu-se.
Posta em ruínas pelos continuados bombardeamentos, partidas as
espadas, embotadas as foices, destroçados os cacetes e mocas, rendeu-se.
O general Mola proclamou, Chegou a hora do ajuste de contas, e a praça
de touros abriu as portas para receber os milicianos prisioneiros, depois
fechou-se, é a fiesta, as metralhadoras entoam olé, olé, olé, nunca tão alto

Liliana Vieira Conde


O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago

se gritou na praça de Badajoz, os minotauros vestidos de ganga caem uns


sobre os outros, misturando os sangues, transfundindo as veias, quando
já não restar um só de pé irão os matadores liquidar, a tiro de pistola, os
que apenas ficaram feridos, e se algum veio a escapar desta misericórdia
foi para ser enterrado vivo. De tais acontecimentos não soube Ricardo Reis
senão o que lhe disseram os seus jornais portugueses, um deles, ainda
assim, ilustrou a notícia com uma fotografia da praça, onde se viam,
espalhados, alguns corpos, e uma carroça que ali parecia incongruente,
não se chegava a saber se era carroça de levar ou de trazer, se nela tinham
sido transportados os touros ou os minotauros. O resto soube-o Ricardo
Reis por Lídia, que o soubera pelo irmão, que o soubera não se sabe por
quem, talvez um recado que veio do futuro, quando enfim todas as coisas
puderem saber-se. Lídia já não chora, diz, Foram mortos dois mil, e tem
os olhos secos, mas os lábios tremem-lhe, as maçãs do rosto são labaredas.
Ricardo Reis vai para consolá-la, segurar-lhe o braço, foi esse o seu
primeiro gesto, lembram-se, mas ela furta-se, não o faz por rancor, apenas
porque hoje não poderia suportá-lo.

1. Refere o acontecimento histórico referido no texto.


2. Faz um levantamento dos recursos estilísticos e indica o seu valor
expressivo.
3. Integre este excerto na estrutura interna da obra.
4. Caracterize a relação de Lídia e Ricardo Reis.
5. Caracterize as personagens presentes e referidas neste excerto.

Liliana Vieira Conde

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