Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
filmes paraguaios “Ejercicios de la memoria” Guerra, a mais longa ditadura militar da América Latina
e “Fuera de Campo”: representação de
memórias e territorialidades e, em episódio recente, a Massacre do Curuguaty, que
em 2012 significou o assassinato de trabalhadores
Francieli Rebelatto campesinos e levou ao Golpe do Presidente Fernando
Docente em Cinema e Audiovisual da
Universidade Federal da Integração Latino- Lugo. Os cineastas Hugo Gimenez e Paz Encina, não
Americana, UNILA, Brasil alheios a necessidade de construção de memórias
Doutoranda em Cinema e Audovisual na imagéticas relacionados a estes eventos históricos,
Universidade Federal Fluminense, UFF, Brasil
narram em duas obras recentes do cinema paraguaio
Abstract a relação da memória/imagem, o percurso do (a)
realizador (a) e da câmera nos ‘escombros’ e nas
The territory of Paraguay is marked by the scars
of violence that have been going through paisagens do que foi um fragmento da Ditadura
generations since the Great War, the longest Strossner e da Massacre do Curuguaty por meio de
military dictatorship in Latin America and, in a
recent episode, the Curuguaty Massacre, which histórias familiares, nos apontando para um mundo
in 2012 meant the murder of workers and led to fora do campo, mais do que propriamente no campo
the coup of President. The filmmakers Hugo filmíco.
Gimenez and Paz Encina, not oblivious to the
need to construct image-memories related to Este ensaio especula a relação da direção de
these historical events, narrate it in two of their fotografia e da expressividade do quadro fotográfico na
recent works the relation of memory / image; and construção de fragmentos de uma memória e sua
camera in the 'rubble' and in the landscapes of
what was a fragment of the Strossner relação com o território nos filmes “Ejercicios de
Dictatorship and the Curuguaty Massacre Memoria” (2016) de Paz Encina e do telefilme “Fuera
through family histories, pointing us to a world
de Campo” (2015) de Hugo Gimenez. Uma tentativa
outside the countryside, rather than in the film
screen itself. This paper speculates the relation de pensar que o quadro fotográfico da imagem-
between the expressiveness of the photographic movimento nunca é portadora de um significado
frame in the construction of fragments of a
memory and its relation with the territory in the totalizante, mas em fragmentos de paisagens, da
films “Ejercicios de Memoria” (2016) of Paz relação tocante à luz, ilumina a esperança de não
Encina and the telefilm "Fuera de Campo" deixar espaços para o olvido1. Pensando na câmera
( 2015) by Hugo Gimenez. An attempt to discuss
that the photographic picture of the moving como o terceiro olho proposto por Deleuze (1992:72),
images is never bearer of a totalizing meaning, este olho do espírito, que permite ser girado como um
but in fragments of landscapes, of the relation to
the light, illuminates the hope of not leaving 1
Importante dizer que este artigo é resultado do exercício
spaces for olvido. de reflexão voltada para o outro lado da fronteira e da prática
cotidiana de convivência em um universo territorial entre
Keywords: Latin American Cinema; Brasil, Argentina e o Paraguay. Local de imiscuição, que nos
territory; Memory. possibilita mesclas cotidianas também na linguagem, por
isso, em muitos momentos o palavreado que corre nas veias
deste texto assinala a necessidade de se expressar também
Introdução com a língua do país vizinho: o espanhol. Importante dizer
que os próprios textos fílmicos analisados estão em um
O território do Paraguai - país hermano de extensa universo de imiscuição linguística trazendo o espanhol, o
guarani e o yopará. A palavra Olvido, portanto, traduzida
fronteira com o Brasil-, é demarcado por cicatrizes da para a língua portuguesa significa esquecimento.
caledescópio, e não só estar paralisado, se não que a cinematográficos contemporâneos do
câmera-olho deve estar em intenso movimento para Paraguai
transportar imagens jamais vistas a olho nu, pois “O “(...) as imagens não aceitam idéias tranqüilas,
olho já está nas coisas, ele faz parte da imagem, ele é nem idéias definitivas. Incensantemente a
imaginação imagina e se enriquece com novas
a visibilidade da imagem (...). O olho não é a câmera, imagens” (BACHELARD, 2000:19)
é a tela” (DELEUZE, 1992:72). Neste sentido, cabe a
câmera extrapolar as evidências do acontecimento Segundo Bazin (1991) talvez um dos principais
histórico e propor novas releituras. anseios humanos é “salvar-se da efemeridade da vida
Para Aumont “falar de um filme é, sempre, através da perenização dos instantes” e para isso
falar de um fantasma”1. Na releitura de Rubens estão, entre outras expressões da arte, o cinema e a
Machado Jr. na apresentação do livro “O olho fotografia. Neste sentido, este ensaio se propõe
interminável: Cinema e pintura” (2004), isto significa analisar o percurso de construção do olhar de dois
que podemos pensar tanto na articulação do fora de diretores de fotografia por meio das escolhas
campo que é característico do cinema, mas estilísticas para a representação de memórias
especialmente, no processo incensante do exercício familiares junto aos diretores dos filmes Ejercicios de
da memória, que ao compor um conjunto de imagens, Memoria (2016) de Paz Encina e Fuera de Campo
se transforma numa experiência particular de (2015) de Hugo Gimenez, mas também será a
percepção do espaço. E é justamente nesta aproximação para a tentativa de salvar-se da
construção do quadro fotográfico, de quando efemeridade da vida, pois esta é uma das evocações
marcamos suas bordas e delimitamos o campo, que dos filmes em questão, a partir da relação dos próprios
estendemos a possibilidade dada ao espectador de diretores com os acontecimentos históricos e com
transbordar para tudo que está fora do campo: “A suas memórias. Busco, assim, percorrer estas
borda é, em geral, o que limita a imagem, o que a escolhas estilísticas a partir da relação da câmera com
contém, no duplo sentido da palavra; e o toque do o espaço, com a apresentação/representação da
gênio aqui é ter, ao contrário, deixado a imagem paisagem territorial e com a construção da memória
transbordar” (AUMONT, 2004:39). O autor, ao falar, por meio da clara evidência da fotografia2 como
deste transbordar do campo remete a história da elemento de síntese de exercícios de reflexão
locomotiva dos Lumiére que aparentemente parece profunda dos cineastas sobre acontecimentos
extrapolar o espaço físico da tela de cinema. A borda dolorosos do seu país.
da imagem, para o autor, oferece a possibilidade de Mais do que a problematização da luz em si -
transformação incensante do espaço do (a) realizador matéria-prima fundante do processo criativo na direção
(a) e do (a) espectador (a). Evidenciamos aqui as de fotografia -, proponho uma reflexão sobre a função
bordas da imagem, a relação com o fora de campo e a essencial do enquadramento, dos limites do quadro
fragmentação da memória e do território nas narrativas 2
Evidente que a linguagem cinematográfica em todos os
analisadas. seus recursos expressivos - fotografia, som, montagem, etc
-, são fundamentais para o conjunto narrativo das duas
obras, no entanto, é a partir da relação câmera/espaço que
evidencio o papel fundante de escolhas estéticas que
1. Fora do campo fílmico e nos exercícios de reverberam a reconstrução da memória particular/íntima
memória: aproximações a dois relatos carregada de uma universalidade do episódio histórico.
cinematográfico e o que transborda destas imagens Goibirú, o maior adversário político do regime de
para fora do campo fílmico. O diretor de fotografia Alfredo Stroessner, que desapareceu em 1976, em
Nestor Almendros (1980), em seu livro Días de una Paraná, cidade argentina onde foi exilado. Os seus
cámara, logo em seu primeiro capítulo ‘Algunas filhos Rogelio, Rolando e Jazmin são provocados a
consideraciones sobre mi oficio’ expõe a necessidade voltar para o local de infância, que também
de ter o quadro, o marco e os limites postos pelo corresponde ao local do exílio da família na Argentina,
enquadramento como o elemento essencial de criação e narram o momento de suas vidas em que viviam
do fotógrafo: com medo e apreensão do ‘mundo dos adultos’ em
que até então as complexidades não lhes eram
En el arte, sin límites, no hay transposición reveladas.
artística. Creo que el cuadro fue un gran
descubrimiento (anterior, por supuesto, al cine). El O filme, que não segue uma estrutura linear e
hombre de la Edad de Piedra, en Lascaux o en
Altamira, no enmarcaba sus pinturas. Y lo que en nem pode ser considerado um documentário
las artes de dos dimensiones no es sólo lo que se convencional, nos apresenta uma câmera voadora que
ve, sino lo que no se ve, lo que se deja de ver"
(ALMENDROS, 1980:20) submerge nas águas, desvela cômodos de uma casa
antiga, percorre bosques com suas luzes bem
Ambos textos fílmicos aqui analisados
marcadas e desenhadas nos corpos das crianças em
apresentam recortes particulares de dois momentos da
espaços deixados pela mata por vezes mais densa,
história recente do Paraguai. Nestas obras, a partir da
em outras mais espaçada; a câmera-olho da obra
especificidade do relato fílmico, o que está posto é
Ejercicios de Memoria revela os tempos alongados da
muito mais o que não se pode ver sobre estes
convivência de três crianças em terras do Chaco
eventos, e por isso, o quadro é tão fundamental a
Argentino, na fronteira com o Paraguai. Temos a
partir das escolhas da câmera posta e em contato com
sensação de que o filme não passa de uma busca
a construção da memória e representação de uma
poética de desnudar um passado familiar, ligado à
determinada territorialidade. Deleuze, no entanto, nos
história do país, sem nada - ou quase nada -, poder
provoca a pensar que o enquadramento corresponde à
nos relevar. O discurso cinematográfico, por meio da
ideia de limitação:
articulação da linguagem encarnada na fotografia,
Mas, de acordo com o próprio conceito, os limites corrobora para que o espectador permaneça em seu
podem ser concedidos de dois modos, matemática exercício constante de imaginação, mais fora do
ou dinâmico: ou como condições para a existência
dos corpos cuja essência os limites vão fixar, ou campo do que no próprio campo cinematográfico.
como algo que se estende precisamente até onde
vai a potência do corpo existente (DELEUZE, O telefilme Fuera de campo do diretor Hugo
2004:27). Gimenez tem como sinopse: “Volver al lugar de una
Na obra de Paz Encina3 nos encontramos com masacre reciente en el campo paraguayo. Un viaje
um exercício cinematográfico de reconstrução de entre las imágenes, donde el dolor y la ausencia
fragmentos de memória da maior ditadura da América pesan; porque una imagen nunca es portadora de la
Latina que perdurou entre os anos 1954 a 1989. O totalidad de su significado”. O documentário narra a
filme narra as lembranças dos filhos de Agustín história de uma família vítima do massacre que
ocorreu no assentamento campesino “Marina Kue” no
3
distrito de Curuguaty, no Paraguai. No ocorrido, o etc) que, não estando incluídos no campo, são
contudo vinculados a ele imaginariamente para o
assentamento foi invadido por 300 policiais apoiados espectador, por um meio qualquer. (AUMONT,
pelo Grupo Especial de Operações (GEO) e foi um dos 2012:24, grifo meu)
maiores conflitos pela terra dos últimos tempos no Reforço, então, a existência destas duas
país, resultando na morte de onze campesinos e seis abordagens sobre o fora de campo - o fora de campo
policiais. Dias depois, em 21 de junho de 2012, o dos campesinos retirados dos seus territórios -, mas
presidente do Paraguai, Fernando Lugo, da Frente também um fora de campo na própria narrativa que
Guasu, foi derrubado por um “golpe constitucional”. opta por uma câmera fixa que de quadro em quadro
A partir da própria sinopse do filme recorta partes da paisagem onde se deu o Massacre
entendemos que o argumento principal da obra de de Curuguaty. Aos poucos, desvela-se pedaços das
Gimenez foi a de colocar dentro do campo fílmico as casas dos campesinos, sem nunca, no entanto, nos
vozes silenciadas e que foram retiradas dos seus mostrar as casas por inteiro, ao mesmo tempo que
campos agrícolas, pedaços de territórios onde isola dentro do quadro fotográfico os rostos dos
sobreviviam da agricultura familiar. No entanto, a personagens, sem associá-los diretamente às imagens
escolha do enquadramento e a rigidez da câmera fixa das paisagens, das casas e dos caminhos percorridos
do diretor de fotografia Martin Crespo deixa grande por aquele (a)s agricultore(a)s.
parte da imensidão do território - agora tomada por
tratores e maquinarias de grande porte -, fora do O filme revelará, apenas em um momento, o
campo4 da imagem fílmica. Como aponta o título do contexto geral da localidade rural, quando apresenta
filme o fuera de campo pode ter dois sentidos para uma reunião de campesino(a)s que lêem uma carta
esta análise, correspondendo, primeiramente à história pública para a sociedade do Paraguai. No exercício de
dos campesinos desalojados de suas terras/campos imaginação, descoberta e entendimento sobre o
agrícolas, mas também, ao exercício consciente da episódio histórico, vemos na narrativa do filme Fuera
fotografia que mantém ausente do campo de campo um exercício consciente do diretor pelo jogo
cinematográfico a maior parte das informações gerais entre o campo e o fora de campo: “desse modo,
do evento histórico. Retomamos questões levantadas embora haja entre eles uma diferença considerável (o
por Jacques Aumont em sua obra “A estética do filme”: campo é visível, o fora de campo não o é), pode-se de
certa forma considerar que o campo e fora de campo
O fora de campo está, portanto, vinculado
pertencem ambos (...) ao espaço fílmico” (AUMONT,
essencialmente ao campo, pois só existe em
função do último; poderia ser definido como o 2012:25). O espaço fílmico inscrito nesta obra é
conjunto de elementos (personagens, cenários,
resultado de um apurado exercício de escolha de
4
Importante não confundirmos os conceitos de fora do planos - recortes de fragmentos da realidade da vida
campo, que consiste na possibilidade de expansão da
imaginação do espectador com associações ao que está no de uma família campesina -, que oportuniza o (a)
campo fílmico, com o conceito de fora de quadro também
atribuído por Jacques Aumont. Pois, fora de quadro é o local
espectador (a) ir costurando os fragmentos daquela
onde está a câmera, ambiente de captação da imagem, que memória impregnada na imagem-movimento.
nem sempre é o mesmo do ambiente ficional "lugar jamais
recuperável imaginariamente, lugar eminentemente
simbólico onde se maquina a ficção, mas onde não penetra"
(AUMONT: 2004:41)
Tentativa de uma análise fílmica: a câmera fixa seguiente pregunta: Qué nos hace sentir y qué nos
de Fuera de Campo versus a câmera ‘voadora’ hace pensar la forma presentada? (CERDA,
2015:23)
de Ejercicios de Memoria
O autor discorre sobre as três grandes
Como apontam VANOYE e GOLIOT-LÉTE
categorias analíticas Puesta en escena que
(1994) em sua obra Ensaios sobre a Análise Fílmica, o
corresponde a pergunta ‘o que se filma’, ou seja, tudo
primeiro contato com o filme, já nos coloca em um
que aparece em frente a câmera. Puesta en cuadro
atitude “analisante” apontando “profusão de
que nos abre a possibilidade de responder às
impressões, de emoções, e até de intuições”
inquietações de ‘como se filma’. E por último puesta
(1994:13). No entanto, não é possível apenas
en serie, relacionada as escolhas da montagem, onde
nos fixarmos a estas primeiras impressões, se não
se estruturam tempo e espaço na gramática
que:
cinematográfica. A partir desta categoria
Analisar um filme ou um fragmento é, antes de perguntaríamos ‘como se ordena o texto fílmico’.
mais nada, no sentido científico do termo, assim Diante destes três caminhos analíticos seguimos para
como se analisa, por exemplo, a composição
química da água, decompô-lo em seus elementos a leitura das obras em si.
constitutivos. É despedaçar, descosturar, desunir,
extrair, separar, destacar e denominar materiais
que não se percebem isoladamente “a olho nu”,
uma vez que o filme é tomado pela totalidade.
(VANOYE e GOLIOT-LÉTE,1994:14, grifo meu)
Chaco, é relacionado com as memórias de infância Por meio da releitura de Deleuze (2007), entendemos
perdida pela perseguição política do(a)s filho(a)s de que o cinema tem como função o armazenamento da
Goibirú. memória em movimento e cabe a ele estabelecer esta
As eleições da diretora, expressas na relação entre passado e presente. Não somente no
fotografia, são poéticas e alusivas ao que a descrição sentido das imagens em movimento, mas da própria
parece fazer referência, ou seja, as imagens que memória que com o tempo vai modificando o seu olhar
vemos não são literais, nem a narração, nem os sobre este passado, mantendo uma certa imutabilidade
personagens fora de campo (nunca os conhecemos, na coerência dos fatos, mas possibilitando outras
por fim). Grande parte do filme é dedicado em mostrar releituras. Este passado mais estável apontado por
paisagens e lugares silenciosos, planos que Tarkovski e a fragilidade deste presente que corre
evidenciam um vazio territorial, mas também entre as mãos, quem sabe dos diretores, frente ao
emocional. As paisagens desnudadas pela narrativa desafio da articulação narrativa.
são em grande parte lugares onde viveram os Ancorado na concepção de “duração” de
protagonistas, no Paraguai e na Argentina. Bergson, Deleuze (2007) apresenta uma abordagem
Poderíamos pensar que Paz Encina, a partir das suas filosófica sobre o cinema e o tempo, sintetizada em
escolhas estéticas, tenta apontar para uma remota duas de suas obras: A Imagem-Movimento e A
sensação de ‘terra arrasada’ deixada pela ditadura Imagem-Tempo. O cinema é, assim, concebido como
mais longa da América Latina. um dos mecanismos modernos de expressão do
A diretora constrói uma narração elegíaca que pensamento - do movimento e do tempo -, por isso,
não foge das nuances políticas específicas do evento segundo o autor, apresenta dois regimes de imagem,
histórico, mas atravessa a tela mais como um percurso denominados como “imagem-movimento” e “imagem-
de imagens para contar um passado familiar difícil. Se tempo”. As grandes teses bergsonianas sobre o
trata também de uma construção autobiográfica, visto tempo se desvelam:
que a diretora tem na família envolvimento com este
O passado coexiste com o presente que ele foi; o
passado se conserva em si, como o passado em
geral (não-cronológico); o tempo se desdobra a O cinema paraguaio é muito pouco tematizado nas
cada instante em presente e passado, presente pesquisas acadêmicas da América Latina e isso se
que passa e passado que se conserva
(DELEUZE, 2007:103) deve, entre outros fatores, pelo grande
desconhecimento que temos da cinematografia do
O momento atual corresponde sempre a um
país vizinho, bem como às dificuldades que
dado presente, mas este presente muda ou passa.
enfrentam o(a)s realizadore(a)s paraguaio(a)s.
Quer dizer, “ele se torna passado quando já não é,
Importante dizer que o Paraguai é um dos países
quando um novo presente o substitui”. Ainda,
latino-americanos que ainda não contam com Lei
conforme o autor, “o passado não sucede ao
específica do Cinema e Audiovisual, também não
presente que ele não é mais, ele coexiste com o
possui escolas de formação em cinema nas
presente que foi. O presente é a imagem atual, e seu
instituições públicas de Ensino Superior e tem baixa
passado contemporâneo é a imagem virtual, a
produção de filmes, se comparado com outros países
imagem especular” (DELEUZE, 2007, p. 99). Todos
latino-americanos com indústrias mais proeminentes
os momentos de nossa vida, neste sentido, oferecem
neste campo artístico, como é o caso da Argentina,
esses dois aspectos, sendo virtual e atual, por um
Brasil e México. No entanto, houve uma crescente
lado lembrança-pura, por outro imagem-lembrança.
produção e retomada da circulação de obras
Por isso, podemos dizer que o cinema representa o
cinematográficas paraguaias a partir do filme
arquivo de um tempo, como memória de um presente
Hamaca Paraguaia (2006), de Paz Encina, e mais
que também é pretérito, e se atualiza durante os vários
recentemente Siete Cajas (2012), de Juan Carlos
presentes em que se perpetua na narrativa. As obras
Maneglia e Tana Schémbori. Ainda, no mês de março
cinematográficas são como uma memória, pois o que
de 2018 foi aprovada a primeira etapa da Nova Lei de
vemos na tela já não existe mais, sendo que a fruição
Cinema e Audiovisual organizada pelas entidades do
do filme é a própria imagem-tempo de Deleuze (2007),
setor.
uma imagem fragmentada da duração, do descontínuo
Frente a este cenário, e como desafio de ser
dentro de uma determinada continuidade.
docente na Universidade Federal da Integração
No tocante às obras analisadas, tanto em Ejercicios de
Latino-Americana - na fronteira territorial com o
Memoria quanto em Fuera de Campo os realizadores
Paraguai -, me propus a encarar esta tentativa de
estão conscientemente colocando a linguagem
realizar uma análise de obras contemporâneas da
cinematográfica como este experimento de manuseio,
cinematografia paraguaia e que estão atravessadas
construção e fragmentação da relação
pela construção de memórias a partir de eventos
passado/presente. E é por meio da fotografia, no
políticos e históricos tão fundamentais àquele país.
quadro e nos seus limites e na extrapolação destas
Os filmes Ejercicios de Memoria, da diretora Paz
bordas, que são criadas as condições que levam o
Encina e Fuera de Campo, do diretor Hugo Gimenez
espectador a um fora de campo relacional com esta
permitem adentrarmos na especificidade do relato
concepção de imagem-tempo e imagem-movimento.
cinematográfico a partir do quadro fotográfico
territorialidades, são narrados na busca incessante Deleuze, Gilles. 2007. A imagem-tempo. São Paulo:
Brasiliense
dos realizadores de não serem alheios à feitura de
Nota de texto: (Deleuze 2007, 99 e 103)
textos fílmicos que, sem cair na falácia de serem
Tarkoviski. Andrei. 1998. Esculpir o tempo. São Paulo:
relatos totalizantes, revelam pormenores íntimos que
Martins Fontes
rememoram e dão novos sentidos aos eventos
Nota de texto: (Tarkoviski 1998, 66)
históricos/políticos recentes do Paraguai. Duas obras, Vanoye, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. 1994. Ensaio
que fora do campo, abrem ao espectador(a) novos sobre a análise fílmica. Trad. Marina Appenzeller.
mundos interpretativos da imagem-movimento. Campinas: Papirus.
Nota de texto: (Vanoye e Goliot-Leté 1994,.13-14)
Filmografia
EJERCICIOS de Memoria. Direção: Paz Encina. Paraguai.
2016. 81 minutos. Colorido.
FUERA de Campo. Direção: Hugo Gimenez. Paraguai.
2015. 52 minutos. Colorido.
Bibliografia