Вы находитесь на странице: 1из 69

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - REGIONAL GOIÁS

UNIDADE ACADÊMICA ESPECIAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


CURSO DE DIREITO

RAFAELA OLIVEIRA DE SOUZA

Conflitos ambientais e acesso à justiça: a pulverização aérea de agrotóxico na


Escola São José do Pontal, em Rio Verde/GO.

Goiás/GO
2019
RAFAELA OLIVEIRA DE SOUZA

Conflitos ambientais e acesso à justiça: a pulverização aérea de agrotóxico na


Escola São José do Pontal, em Rio Verde/GO.

Monografia apresentada ao curso de Direito


da Universidade Federal de Goiás –
Regional Goiás, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Bacharel
em Direito.

Orientadora: Janaína Tude Sevá

Goiás/GO
2019
Agradecimentos

Agradeço aos meus pais José Lúcio e Cristiane, pelo apoio, compreensão e amor
incondicional.

Agradeço a meus avós Maria Rita, José Hilário, Creuza e José, pelo amor e incentivo.

Agradeço aos meus irmãos José Antônio e Joaquim por serem luz e alegria na minha vida.

Agradeço ao meu amor Janiel pela compreensão, paciência e apoio, e por me acompanhar
ao longo da minha trajetória acadêmica e na conclusão deste trabalho.

Agradeço a minha orientadora Naná pelo esforço, dedicação e amizade, e a Catarina, que
alegrou nossos encontros de trabalho.

Agradeço aos meus tios Murilo e Dagmar, e a minha prima Rebeca, pelo apoio, amor e
paciência ao longo de todos esses anos, e especialmente, ao Murilo, pelo empenho e
contribuições para a pesquisa e a realização deste trabalho.

Agradeço a família do meu companheiro, pelo carinho e incentivo.

Agradeço as minhas amigas Sarah e Camilla pela força e companheirismo nessa trajetória.

Agradeço aos meus amigos e irmãos de alma, Anne, Geovana, Leticia, Pedro, Matheus,
Leonardo, Rodolfo, David e Bernardo, pelo apoio e carinho de sempre.

Agradeço aos companheiros e companheiras levantinas da célula Goiás por me apoiarem


e compreenderem.

Agradeço às mulheres, companheiras e amigas, que fazem parte da minha vida, que me
inspiram e fortalecem.

Agradeço a comunidade do Assentamento Pontal do Buriti, em Rio Verde, por todas as


vezes que me receberam de braços abertos, e pelo exemplo de luta e resistência.
Resumo

O trabalho de conclusão de concurso aborda a pulverização aérea de agrotóxicos que


ocorreu na Escola Municipal Rural São José do Pontal, situada no Assentamento Pontal
do Buriti, no município de Rio Verde/GO, em maio de 2013, a partir da perspectiva dos
conflitos e injustiças ambientais causados pelo agronegócio e o uso de agrotóxicos, e da
atuação do judiciário em relação a conflitos como esse. Objetiva-se responder, partindo
da análise da sentença proferida na ação civil pública proposta pelo Ministério Público
Federal, de que forma se efetivou ou não o acesso à justiça e a tutela do direito à saúde
para as vítimas, considerando o direito como algo em constante transformação e o acesso
à justiça sob uma concepção alargada.

Palavras-chave: Escola São José do Pontal, agrotóxico, agronegócio, direito à saúde e


acesso à justiça.
Abstract

The work of conclusion of the contest addresses the aerial spraying of pesticides that
occurred in the São José do Pontal Municipal Rural School, located in the Pontal do Buriti
settlement, in the municipality of Rio Verde/GO, in May 2013, from the perspective of
the environmental conflicts and injustices caused by agribusiness and the use of
pesticides, and of the judiciary in relation to such conflicts. The objective is to respond,
based on the analysis of the sentence pronounced in the public civil action proposed by
the Ministério Público Federal, on whether was effective or not access to justice and
protection of the right to health for the victims, considering the right as something
constant transformation and access to justice in a broad sense.

Keywords: São José do Pontal School; agrochemical; agribusiness; right to health; access
to justice.
Sumário

1. Introdução ..................................................................................................................... 7
2. Capítulo 1 – Contexto e histórico do conflito ambiental: a pulverização de agrotóxico
na Escola Municipal São José do Pontal enquanto violação de direitos humanos e
constitucionais ................................................................................................................ 11
2.1. Agronegócio: arena de conflitos ambientais ............................................ 11
2.2. A pulverização de agrotóxico na Escola Municipal São José do Pontal:
contextualizando os fatos e violações de direitos humanos ............................. 17
2.3. Atuação da mídia, do judiciário e do poder público frente ao conflito .... 23
3. Capítulo 2 – Conflitos e injustiças ambientais, a (in)efetivação do acesso à justiça,
retórica da ocultação e violência simbólica .................................................................... 28
3.1. Conflitos ambientais, injustiças ambientais e a distribuição desigual dos
riscos ................................................................................................................. 28
3.2. Direito, acesso à justiça e direitos humanos ............................................. 32
3.3. A retórica da ocultação e a violência simbólica como instrumentos de
legitimação do uso de agrotóxicos e invizibilização dos conflitos ambientais. 37
4. Capítulo 3 – Acesso à justiça como efetivação de direitos: a judicialização do
conflito ............................................................................................................................ 40
4.1. Litígios judiciais, poder e violência simbólica ......................................... 40
4.2. A ação civil pública e a sentença.............................................................. 43
4.3. Sentença favorável às vítimas como efetivo acesso à justiça, ou não? .... 50
5. Considerações finais .................................................................................................. 61
6. Referências ................................................................................................................ 63
7

1. Introdução

As populações do campo têm vivenciado uma forma silenciosa de violência, que


tem como pano de fundo a atuação dessas empresas produtoras de agrotóxicos,
interessadas na apropriação de renda da terra no Brasil.
O caso concreto de pulverização aérea de agrotóxico na Escola São José do Pontal,
situada no Assentamento Pontal do Buriti, no Sudoeste Goiano, evidencia de que forma
a estruturação fundiária brasileira e a produção pautada no pacote agroquímico, resultam
em conflitos e injustiças socioambientais.
Os danos causados à saúde humana e ao ambiente, contaminação do solo, água,
plantas, alimentos, leite materno, pelo uso de agrotóxicos, tem se tornado recorrentes na
realidade brasileira, não sendo a pulverização aérea de agrotóxico na Escola Municipal
São José do Pontal um caso isolado, mas um dentre os vários conflitos causados pelo uso
de agrotóxicos.
Segundo estimativas do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Organização Mundial
da Saúde (OMS), a cada ano, cerca de 500 mil pessoas são contaminadas por agrotóxicos
e uma pesquisa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) revelou que 36%
das amostras analisadas de frutas, verduras, legumes e cereais continham substâncias
tóxicas proibidas no Brasil (CARNEIRO, 2015).
Larissa Mies Bombardi, em seu atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil
e Conexões com a União Europeia”, no mapa “BRASIL – Intoxicação por Agrotóxicos
de Uso Agrícola – Unidades da Federação”, traz os casos de intoxicação por agrotóxicos
no Brasil durante o período de 2007 a 2014. Segundo Bombardi, o Ministério da Saúde
contabilizou mais de 25 mil notificações de intoxicação por agrotóxicos nesse período, o
que significa a média de 3.125 casos por ano, ou 8 intoxicações por dia. Contudo, para
cada caso de intoxicação notificado, existem 50 outros não notificados, desse modo,
considerando as subnotificações, é possível que tenha havido 1.250.000 intoxicações por
agrotóxico nesse período. (2017).
Contudo, apesar dos impactos causados pelo uso/consumo de agrotóxicos, o Estado
tem se mantido omisso, visto que o agrotóxico, implemento trazido pela chamada
“revolução verde”, compõe a lógica do agronegócio, modelo de produção que tomou
proporções significativas em nosso país.
8

A pulverização aérea do agrotóxico Engeo Pleno, produzido pela Syngenta, por um


avião da empresa Aerotex em uma lavoura de milho próxima a Escola Municipal São José
do Pontal1, que derramou agrotóxico sobre a escola, em maio de 2013, resultando na
contaminação e intoxicação de crianças, adolescentes e adultos, compõe o cenário de
conflitos socioambientais a ser estudado e do ponto de vista do debate sobre injustiças
ambientais no Brasil evidencia de que maneira se concretiza (ou não) o acesso à justiça
em nosso país quando se trata dos impactos causados por agrotóxicos.
A presente pesquisa, de caráter qualitativo, se utiliza dos instrumentos da pesquisa
empírica no direito trazidos no livro “Pesquisar empiricamente o direito”, organizado por
Maíra Rocha Machado, partindo da seguinte conceituação feita por Rebecca Lemos
Igreja:

A pesquisa qualitativa se define por uma série de métodos e técnicas


que podem ser empregados com o objetivo principal de proporcionar
uma análise mais profunda de processos ou relações sociais. Seu uso
não objetiva alcançar dados quantificáveis, ao contrário, objetiva
promover uma maior quantidade de informações que permita ver seu
objeto de estudo em sua complexidade, em suas múltiplas
características e relações. (IGREJA, 2017, p. 14).

Nesse sentido, o estudo se desenvolve a partir de um objeto empírico que vai ser
(re)construído a partir dos seguintes instrumentos metodológicos: análise das entrevistas
realizadas com os sujeitos do conflito e de uma decisão judicial pertinente ao caso, que
demonstre de maneira se efetivou – ou não – o acesso à justiça para as vítimas da
pulverização de agrotóxico, permitindo uma compreensão do caso a partir das percepções
e vivências dos próprios sujeitos envolvidos.

De um ponto de vista sociológico, os processos judiciais, como adiantei,


são uma arena para os mais variados conflitos de interesse existente em
uma dada sociedade. É certo que, como também mencionei, nem todas
as disputas chegam a formalizar-se em processos judiciais. Mas é
justamente pelo seu exame que se pode identificar quais disputas,
provindas de quais estratos sociais e econômicos, acessam a Justiça. A
natureza e as características desses conflitos, as suas causas, as partes
envolvidas, as trajetórias prévias e posteriores à judicialização e a
solução institucional oferecida, entre outros dados, podem ser
encontrados – não facilmente, é verdade – nos processos judiciais
(SILVA, 2017, p. 283-284).

1
Escola rural situada no Assentamento Pontal do Buriti, no município de Rio Verde, localizado no
Sudoeste de Goiás.
9

Os processos judiciais oferecem um conjunto variado de informações ao


pesquisador ou pesquisadora, que irão se guiar acordo com o objetivo central da pesquisa.
A informação presente no documento judicial pode não ser imediatamente visível na
pesquisa, de forma que, “entre o dado ‘registrado’ no processo judicial e o dado ‘revelado’
pela pesquisa, há um caminho a ser percorrido pelo pesquisador” (SILVA, 2017, p. 307).
Segundo Fabiana Luci de Oliveira e Virginia Ferreira da Silva (2005, p. 256), um
dos elementos mais relevantes das pesquisas qualitativas em documentos judicias, é o
discurso dos autores dos processos e as representações sociais que estão envolvidas. Os
processos judiciais trazem narrativas de atores sociais e institucionais, que demonstram
as relações sociais e articulações de poder envolvidas nos conflitos (SILVA, 2017, p.
316).
Nesse sentido, no primeiro capítulo, o trabalho apresenta uma contextualização do
agronegócio enquanto modelo de desenvolvimento que se consolidou como hegemônico
no campo brasileiro, e como cenário de conflitos ambientais, em grande parte
relacionados ao uso de agrotóxicos. Ainda, o capítulo caracteriza a microrregião do
Sudoeste Goiano, o município de Rio Verde/GO e o assentamento Pontal do Buriti, local
onde ocorreu o conflito a ser estudado – a pulverização aérea de agrotóxicos na Escola
Municipal Rural São José do Pontal, em maio de 2013; constrói uma narrativa de como
se deram os fatos e traça um panorama da atuação da mídia, do judiciário e do poder
público frente ao conflito.
O segundo capítulo traz o referencial teórico articulado com determinados
elementos caracterizadores do caso da pulverização aérea sobre a escola rural,
apresentando os conceitos de conflito e injustiça ambiental, a partir da discussão de
Acselrad (2010; 2004), e vulnerabilização social, trazendo o autor Marcelo Porto (2011);
a concepção do direito enquanto instrumento de emancipação social e algo em constante
movimento, trazida por Lyra Filho (2006); a concepção do acesso à justiça, por
Cappelletti e Garth (1988) e Sousa Junior (2015); e a compreensão dos direitos humanos
enquanto processos resultantes das lutas sociais, a partir de Flores (2009) e Piovesan
(2015). Finalmente, o capítulo traz a retórica da ocultação (PETERSEN, 2015) e a
violência simbólica (FARIA, 1988) como instrumentos de legitimação do uso de
agrotóxicos e invizibilização dos conflitos ambientais.
Por fim, o terceiro capítulo introduz uma discussão sobre os litígios judiciais, e sua
correlação com o direito enquanto instrumento de poder e violência simbólica
(BOURDIE, 1989; e FARIA, 1988), em seguida traz os elementos que compõem a Ação
10

Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e a sentença prolatada pelo
Tribunal Regional Federal da Primeira Região, referente a pulverização de agrotóxico na
escola rural. Ao final do capítulo, busca-se demonstrar de que maneira a sentença
proferida não constituiu uma tutela efetiva do direito à saúde para as vítimas, mesmo
tendo o pedido sido julgado parcialmente procedente, e como representou um não acesso
à justiça, a partir da concepção alargada do acesso à justiça.
Portanto, objetiva-se compreender como o caso da pulverização aérea de agrotóxico
na Escola São José do Pontal se constitui enquanto conflito e injustiça ambiental e como
se efetivou (ou não) o acesso à justiça para as pessoas atingidas pela pulverização aérea
de agrotóxico na Escola São José do pontal, a parir da análise da sentença da Ação Civil
Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, referente ao caso de pulverização na
escola rural. Partindo de uma concepção alargada do acesso à justiça e da compreensão
do direito como forma de poder simbólico e instrumento da manutenção dos interesses
dominantes, busca-se demonstrar a ineficácia do sistema jurídico brasileiro em relação ao
uso de agrotóxicos, sendo o modelo de desenvolvimento econômico hegemônico no
campo – o agronegócio – cenário de vulnerabilização social.
11

2. Capítulo 1 – Contexto e histórico do conflito ambiental: a pulverização de


agrotóxico na Escola Municipal São José do Pontal enquanto violação de direitos
humanos e constitucionais

2.1. Agronegócio: arena de conflitos ambientais

A Revolução Verde configurou o processo de industrialização da agricultura,


iniciado durante a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento de substâncias
químicas testadas em insetos, para serem usadas na guerra. (CARSON, 1969). O
desenvolvimento desse processo resultou na produção de um pacote tecnológico
destinado ao uso agrícola, que trazia consigo sementes híbridas, agrotóxicos, fertilizantes,
novas técnicas de plantio, de adubação, mecanização para plantio, irrigação e colheita,
padronização dos campos, dentre outros elementos (FOLGADO, 2017).
Segundo Guilherme Delgado, no Brasil, na década de 1960 ocorre “o
aprofundamento das relações técnicas da agricultura com a indústria e de ambos com o
setor externo, processo fortemente subvencionado pela política agrícola e comercial do
período” (2001, p. 164), que incentivava a adoção de pacotes tecnológicos da Revolução
Verde, então considerados sinônimos de modernidade (2001).
Nesse período consolidou-se no Brasil um modelo de produção agrícola
desenvolvimentista que, conforme traz Guilherme Delgado, passa a receber incentivos
agrícolas voltados para a produção químico-dependente. O governo militar criou o
Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), que condicionava a obtenção de crédito
agrícola à obrigatoriedade da compra do pacote tecnológico que trazia consigo os
“insumos químicos” (agrotóxicos e fertilizantes), e a implementação de maquinário
(2013).
Conforme Delgado, “a agricultura brasileira completou, entre 1965 e 1981, um
ciclo de modernização técnica e crescimento, sem mudança na estrutura agrária” (2012,
p. 78), sendo que a partir de 1980 a economia brasileira passou por um período de relativa
estagnação, o que demandou uma participação excessiva do setor agrícola e das
agroindústrias na exportação de mercadorias (2012).
Segundo David (1997), enquanto a década de 1960 foi marcada pela contraposição
entre as reformas estruturais e as políticas de modernização agrícola; os anos 1970,
trouxeram o embate entre produção para exportação e produção de alimentos; e a década
de 1980 envolveu análises que reforçavam a ideia de industrialização da agricultura (ou
12

a emergência do complexo agroindustrial) em oposição àquelas que apontavam o caráter


anticíclico do setor. (LEITE, MEDEIROS, 2012).

No Brasil, o vocábulo agribusiness foi traduzido inicialmente pelas


expressões agroindústria e complexo agroindustrial, que buscavam
ressaltar a novidade do processo de modernização e industrialização da
agricultura, que se intensificou nos anos 1970. Outros termos também
foram utilizados para destacar o caráter sistêmico e não exclusivamente
setorial da produção agrícola: sistema agroalimentar, cadeia
agroindustrial, filière etc. (Leite, 1990). Desde os anos 1990, o termo
agribusiness começou a ganhar espaço, mas, já no início dos anos 2000,
a palavra agronegócio foi se generalizando, tanto na linguagem
acadêmica quanto na jornalística, política e no senso comum, para
referir-se ao conjunto de atividades que envolvem a produção e a
distribuição de produtos agropecuários (LEITE, MEDEIROS, 2012,
p.81-82).

Atualmente, o agronegócio representa os interesses políticos de uma classe


dominante no campo aliada ao capital financeiro internacional (empresas transnacionais
e grandes bancos), baseia-se na grande propriedade fundiária voltada para a produção de
commodities2, e encerra uma arena de conflitos ambientais (rurais e urbanos), dentre eles,
uma ampla gama relacionada ao uso de agrotóxicos, indo desde questões de saúde
ambiental e humana, até chegar na própria dimensão produtiva, que nos ditames legais
deve ser vinculada a um aproveitamento racional e adequado do solo. (DELGADO,
2013).
O agronegócio busca o aumento da produtividade e o desenvolvimento econômico,
em primeiro lugar, e provoca a intensa exploração do meio ambiente, com
desmatamentos, queimadas e intensificação do pacote técnico agroquímico, que
contamina os solos, água superficiais e subterrâneas, alimentos e principalmente pessoas.
Ainda, Delgado (2013, p. 66) traz que “as relações agrárias e trabalhistas criadas e
recriadas por esse estilo de expansão, promovem forte concentração da produção e da
propriedade e baixa densidade de incorporação do trabalho humano”, gerando

2
“O termo commodity, que em português significa mercadoria, tem longa tradição de uso tanto na economia
política quanto em sua crítica.[...] Assim, nas commodities primárias estão incluídos, além das chamadas
commodities agrícolas, produtos como cobre, alumínio, gás natural, petróleo bruto, peixes, madeira bruta
etc. O termo commodities agrícolas engloba produtos originários de atividades agropecuárias, vendidos em
quantidades consideráveis, no mercado internacional, em sua forma natural ou após passarem por um
processamento inicial necessário à sua comercialização. ” (DELGADO, 2012, p. 135, 136.)
13

desigualdades sociais e econômicas, que juntamente aos impactos ambientais e à saúde


humana, descumprem o princípio constitucional da função social da terra.
A Região Centro-Oeste, área de implantação agropecuária antiga, durante a década
de 1970, recebeu incentivos à pesquisa agrícola e a implantação de vários programas de
desenvolvimento, trazendo um conjunto de técnicas para o aumento de produção
(CALAÇA, INOCÊNCIO, 2011), que resultou no plantio de monoculturas, como a soja
e o milho, e em um processo de consolidação do mercado de terra e especulação fundiária.
Tais características conferiram à região um apossamento de caráter latifundiário, entenda-
se concentrador de terra e capital e superexplorador do trabalho e do meio ambiente.
O município de Rio Verde emerge nesse cenário de expansão do agronegócio no
Sudoeste do estado de Goiás, firmando- se como um dos polos de produção agropecuária
do estado, caracterizado pela presença de extensas áreas de monocultivos destinados à
exportação, produzidos com uso intensivo de agrotóxicos.
Nesse sentido, ocupando o 4º lugar no ranking de Produto Interno Bruto Municipal
(PIB) do estado de Goiás (IBGE, 2016), Rio Verde desponta como o pólo do agronegócio
no Estado de Goiás, mas em contrapartida está entre os dez municípios que mais
consumiram agrotóxicos em litros no Brasil, em 2015, contabilizando 7,3 milhões de
litros, que contaminam a água, a chuva, o ar, os alimentos, os trabalhadores e trabalhadoras, as populações
expostas, os animais, dentre outros. (PIGNATI et al., 2017).
Ainda que o agronegócio seja um modelo hegemônico, no Sudoeste Goiano
destacam-se projetos de reforma agrária, implementados pelo INCRA, a partir da
resistência dos trabalhadores em permanecer na terra, embora reproduzam o modelo
agrícola dominante. Nesse sentido, a microrregião predominantemente tomada por
latifúndios e pelo agronegócio, é formada por 40 assentamentos, totalizando 1.384
famílias. Desses 40 assentamentos, 9 encontram- se no município de Rio Verde (Mapa
1), dentre eles o Ponte de Pedra, formado por 113 famílias, e o Pontal do Buriti, formado
por 103 famílias (INCRA, 2017).
14

Mapa 1 - Projetos de Assentamento, Rio Verde/GO - 2017


15

Estes assentamentos vivem em função da produção agrícola, principalmente de soja


e milho, e o uso de agrotóxicos faz parte da realidade diária de cada uma dessas famílias,
reproduzindo a lógica de produção químico dependente e exportadora de commodities.

O agrotóxico eu sei que tem muita gente que é contra, mas na realidade
da região nossa aqui, nós não vivemo sem o agrotóxico, tem muito
predador, taí a lagarta, a lagarta falsa- medideira e várias outra
lagarta aí né, então ataca muito as pranta inclusive e não só as pranta,
como coisas mesmo, de verdura, desses tipo de prantação. Se a gente
não tiver o agrotóxico aqui, a gente não produz nada. [...] Sem dúvida
alguma ele é indispensável. A gente tem nem como prantar nada aqui,
até as laranja, ataca até as laranjeira, ataca tudo. Quem não usar o
agrotóxico aqui, não produz nada, praticamente (Informação Verbal,
Sr. I., Rio Verde/GO, novembro de 2014)3.

A oligopolização dos mercados pelos produtores do agronegócio acaba sobrepondo


também os camponeses4 da região, que buscam espaço para coexistir dentro da lógica de
mercado do agronegócio, cuja pretensão é alcançar alto rendimento, com maior rapidez e
menor custo, e se tornam reféns das corporações transnacionais que produzem e
comercializam insumos agrícolas.
O cenário desse modelo de desenvolvimento econômico hegemônico no campo traz
em seu bojo a manutenção dos interesses de uma classe dominante em detrimento dos
interesses coletivos, encerrando uma arena de conflitos entre os grandes produtores do
agronegócio e as populações que vivem em torno desse modelo de produção predatório,
em situação de vulnerabilidade social e econômica.
O projeto “Mapa de Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil”, organizado pela
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Federação de Órgãos para Assistência Social e
Educacional (Fase), em parceira com o Ministério da Saúde, traz uma síntese dos conflitos
socioambientais5 que existem no campo brasileiro e objetiva apoiar a luta das populações

3
Entrevistas realizadas pela autora com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal do Buriti, em
Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de Residência Agrária
(EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Sociais do
Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás. Em nov. 2014.
4
Camponeses são aqueles que, tendo acesso à terra e aos recursos naturais que ela suporta, resolvem seus
problemas reprodutivos – suas necessidades imediatas de consumo e o encaminhamento de projetos que
permitam cumprir adequadamente um ciclo de vida da família – mediante a produção rural, desenvolvida
de tal maneira que não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que se
apropriam do resultado dessa alocação (COSTA, 2000, p. 116-130).
5
O termo “socioambiental”, segundo Carlos Frederico Marés de Souza Filho, se entende como “tudo aquilo
que envolve a proteção da biodiversidade conjugada com a sociodiversidade, isto é, quando se entende que
o ser humano faz parte da natureza e só sobrevive junto com ela” (SOUZA FILHO, 2009, p.14).
16

que são atingidas pela destruição provocada pelo desenvolvimento insustentável. De


cerca de 300 casos de conflitos, 55 estão relacionados ao uso de agrotóxicos, base da
produção do agronegócio. (AUGUSTO et al., 2015)
A partir dos dados do Mapa de Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, percebe-se
que as regiões de monoculturas são onde ocorrem a maioria dos conflitos, pois o seu
modelo de produção entra em contradição com os povos que vivem próximos a essas
áreas de cultivo. A utilização de agrotóxicos acarreta um desequilíbrio do ecossistema,
degradando o solo, água e o ar, e consequentemente, afeta o modo de vida e de produção
das populações do campo: ribeirinhos, comunidades quilombolas, indígenas, boias-frias,
pescadores e camponeses.
Vários casos têm sido emblemáticos no contexto dos impactos à saúde e ao meio
ambiente causados pelo uso de agrotóxicos. Em 2006, no município de Lucas do Rio
Verde (MT), quando fazendeiros dessecavam soja para a colheita, com pulverizações
aéreas do agrotóxico Paraquat, o vento levou uma nuvem de veneno para a cidade, que
dessecou canteiros de plantas ornamentais e medicinais da cidade, além de chácaras de
hortaliças do entorno da cidade, além de desencadear um surto de intoxicações agudas
em crianças e idosos (PIGNATI, 2016).
No Vale do Jaguaribe (CE) onde há produção de fruticultura de exportação, a
política de irrigação permitiu a instalação de empresas de exportação de melão e abacaxi,
que fazem uso intensivo de agrotóxicos, ocasionando a contaminação do meio ambiente
e a intoxicação dos trabalhadores e da população da região. Em 2010, o agricultor e
ambientalista José Maria Filho foi assassinado em Limoeiro do Norte, por causa das
denúncias que fazia sobre pulverizações aéreas de agrotóxicos com voos rasantes na
região (PORTO, 2013).
Em Santa Cruz do Apodi (RN), o “Projeto de Irrigação Santa Cruz do Apodi”,
iniciado em 2012, desapropriou milhares de hectares para a implementação de um
programa de fruticultura irrigada, sendo utilizada grande quantidade de agrotóxicos, que
contaminam a água, os alimentos, o meio ambiente, os trabalhadores e a população da
região, causando doenças como dermatite alérgica, disfunções neurológicas e renais,
câncer e má formação de fetos (SOUZA et al., 2016).
17

2.2. A pulverização de agrotóxico na Escola Municipal São José do Pontal:


contextualizando os fatos e violações de direitos humanos

No dia 03 de maio de 2013, ocorreu uma pulverização aérea de agrotóxico na Escola


Municipal São José do Pontal, situada no Assentamento Pontal do Buriti, às margens da
GO-174, no Município de Rio Verde (GO), no Sudoeste Goiano, ocasião em que 92
pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos, foram intoxicadas. (BRASIL, 2016).
Os educadores e educandos, crianças e adolescentes entre 7 e 16 anos, estavam no
horário do intervalo, por volta das 9h15min, alguns brincando no parquinho, outros
jogando bola na quadra de esportes descoberta, dispersos pelo pátio, lanchando ou
conversando, quando um avião da empresa Aerotex Aviação Agrícola Ltda6 carregado de
Engeo Pleno7, veneno agrícola fabricado pela Syngenta Proteção de Cultivos Ltda., que
pulverizava uma lavoura de milho distante entre 15 e 20 metros da escola, sobrevoou a
escola fazendo manobras e derramou veneno sobre as pessoas que ali se encontravam
(FREITAS, 2016).
Ressalta-se que um agrônomo da Cooperativa da região, receitou o uso do referido
veneno, mediante pulverização aérea, para o assentado proprietário da pequena área de
plantação de milho onde ocorreu a pulverização, mencionando no relatório que se tratava
de uma cultura de soja, embora o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) houvesse
proibido a aplicação aérea de Engeo Pleno em milharais desde julho de 2012 (FREITAS,
2016).
No momento em que os educandos e educadores notaram a aproximação ruidosa da
aeronave e, seguidamente, receberam uma chuva de veneno8, tentaram avisar o piloto do
avião que o agrotóxico os estava atingindo, porém, a aeronave ainda passou uma segunda
vez, pelo menos, sobre a escola, que já havia sido contaminada. Pouco tempo após o
banho de veneno, as crianças, adolescentes e adultos começaram a manifestar sintomas

6
Empresa de prestação de serviços aero agrícolas, possui instalações operacionais no município de
Montividiu/GO e instalações administrativas na cidade de Rio Verde/GO.
7
Inseticida sistêmico de contato e ingestão, cuja composição é a junção de dois princípios ativos:
Tiametoxam, da classe dos Neonicotinóides, e Lambda-cialotrina, da classe dos Piretróides. O contato com
Engeo Pleno pode causar intoxicação aguda. Sintomas: irritação gastrintestinal, náusea e vômito;
pneumonite química; irritação do trato respiratório; formigamento e dormência em áreas expostas
(parestesia); irritação nos olhos; dor de cabeça; fadiga (SYNGENTA, 2018).
8
A expressão faz referência ao documentário “Pontal do Buriti: brincando na chuva de veneno”, produzido
por Dagmar Talga e Murilo Mendonça Oliveira de Souza no ano de 2013, que retrata a pulverização de
agrotóxico sobre a Escola São José do Pontal que intoxicou crianças, adolescentes e adultos (PONTAL DO
BURITI, 2013).
18

de intoxicação aguda: coceira, vômito, fortes dores de cabeça, falta de ar, ânsia,
formigamento, tontura e desmaios.

Nois tava no recreio né, nois tava no parquinho e nois tava lanchando,
aí passando o avião, todo mundo olhando, vendo que tava passando
baixinho, aí o diretor começou a passar mal e depois os alunos. Aí todo
mundo se coçando, vomitando, aí levaram nois pro hospital. [...]
Dentro do ônibus todo mundo chorando [...] os que tava mais passando
mal as ambulâncias encontrou no caminho e levo. E na hora que
chegou no hospital arrumaram lugar pra todo mundo, banhou, os que
tava mais ruim fico tomando soro [...] Eu tava sentindo vontade de
vomitar, coceira, dor de cabeça [...] (Informação Verbal, Aluna J. J. H.
A., Rio Verde/GO, novembro de 2014)9.

Os educadores e funcionários da escola acionaram o Serviço de Atendimento Móvel


de Urgência (SAMU), cuja equipe realizou os primeiros procedimentos de socorro aos
atingidos. Então, as vítimas foram encaminhadas para o Hospital Municipal de
Montividiu/GO, cidade mais próxima da escola, que se situa entre três municípios
goianos: Paraúna, Montividiu e Rio Verde.

Aí a gente foi pra cidade no carro de uma professora, né, levando e


ligando, pedindo socorro [...] A cidade mais próxima é Montividiu, a
gente foi pra socorro em Montividiu, e as outras crianças que ficou
aqui, a Karina, coordenadora, pegou um transporte, colocou essas
crianças tudo dentro e foi pra Montividiu também [...] Ficamos em
Montividiu, chegou lá eles fizeram injeção, eu lembro que eu tomei uma
injeção, era Fernegan e diz que Fernegan é antialérgico, não é pra
desintoxicar [...] Quando veio outras pessoas, que tinham
conhecimento como tratar intoxicação que a gente ficou sabendo que
não era o correto tomar Fernegan. Aí tomou banho, trocou roupa desse
povo tudo [...] Aí a gente ficou lá, e foi pra um colégio até juntar todo
mundo e foi pra Rio Verde, ficou uns três dias isolado numa escola em
observação. Aí passava mal, toda hora tinha um que passava mal.
(Informação Verbal, Sra. E., Rio Verde/GO, novembro de 2014)10.

9
Entrevistas realizadas pela autora com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal do Buriti, em
Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de Residência Agrária
(EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Sociais do
Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás. Em nov. 2014.
10
Entrevistas realizadas pela autora com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal do Buriti, em
Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de Residência
Agrária (EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direitos
Sociais do Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás. Em nov. 2014.
19

No hospital em Montividiu/GO, os atingidos relataram que tomaram Dipirona e


injeções de Fenergan11, tomaram banho e trocaram de roupa, e posteriormente, foram
encaminhados para um hospital em Rio Verde/GO, onde foram atendidos por uma equipe
médica organizada para recebe-los, pois, o número de pessoas intoxicadas era expressivo,
porém, não aforam atendidos por um médico toxicologista. Segundo relatos de um
médico que acompanhava as vítimas, aquela situação era nova e por isso precisavam de
maiores esclarecimentos para realizar um diagnóstico definitivo das causas do quadro
clínico apresentado e informado pelos pacientes (FREITAS, 2016).
Segundo relatos12 das pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
escola rural e de seus familiares, os médicos diziam que os sintomas apresentados pelas
vítimas não tinham relação com a intoxicação por agrotóxico, afirmando que passado
algum tempo do momento da intoxicação, caso a vítima não tenha ido a óbito, o veneno
não permanece no organismo. Nos hospitais os atingidos eram chamados de “os
envenenados” e recebidos com descaso pelos médicos e enfermeiros.
Os atingidos eram estigmatizados e seus relatos, deslegitimados, havendo uma
negação dos fatos narrados pelos próprios sujeitos do conflito. A palavra das vítimas em
relação à vinculação entre a intoxicação causada pela pulverização de agrotóxico e os
sintomas apresentados era questionada e os relatos e depoimentos dos atingidos sobre a
experiência vivenciada, eram negados (SOUZA, 2015).
Após o fato, as aulas voltaram normalmente na escola, exceto em alguns dias em
que a Polícia Civil realizou perícia e uma “lavagem” nas imediações. Na semana que
sucedeu o episódio, os educandos continuaram sentindo mal-estar, reclamavam de dores
de cabeça, irritação nos olhos, fraqueza, dentre outros sintomas, e os educadores lhes
davam Dipirona (SOUZA, 2015).

[...] Na segunda- feira a gente foi ter aula normal, normal assim, entre
aspas né. Mas os meninos ficavam o tempo todo reclamando de dor de
cabeça, não tinha tanto de dipirona e de remédio pra dar pra essas

11
Fenergan (cloridrato de prometazina) pertence a um grupo de medicamentos chamados anti-histamínicos,
os quais apresentam em comum a propriedade de se opor aos efeitos de uma substância natural chamada
histamina que é produzida pelo organismo durante uma reação alérgica, principalmente na pele, nos vasos
e nas mucosas (conjuntival, nasal, brônquica e intestinal) Disponível em:
<http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmVisualizarBula.asp?pNuTransacao=7556382015&pIdA
nexo=2822070>. Acesso em:13/03/2108.
12
Relatos obtidos a partir de entrevistas realizadas com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de
agrotóxico na Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal
do Buriti, em Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de
Residência Agrária (EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em
Direitos Sociais do Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás.
20

criança, porque toda hora um pedia, um pedia, um queria, era ligando


pro pai vir buscar, porque tava passando mal. Então assim, foi uma
semana muito difícil, com poucos alunos, e a gente não entendia bem
porque eles continuam passando mal, passando mal, sempre com as
mesmas coisas, os mesmos sintomas: dor de cabeça, irritação nos
olhos, vômito, fraqueza muscular, indisposição, uma coisa que a gente
percebeu bastante foi uma indisposição dos alunos, e essa indisposição
talvez um pouco por conta do susto, que eles ficaram um pouco
traumatizados, e talvez por conta do efeito colateral do veneno
(Informação Verbal, Sra. G. A. C., Rio Verde/GO, novembro de
2014)13.

Durante os dias que seguiram após o fato, as vítimas continuaram apresentando


sintomas de intoxicação, e retornaram ao médico várias vezes. Os médicos não aceitavam
que os sintomas apresentados pelos atingidos decorriam da intoxicação por agrotóxico, o
que caracterizou um total descaso com a situação das vítimas, as quais eram atendidas de
maneira lenta e precária.
Somente após a visita do Ministério Público Federal à escola, nos dias 25 e 26 de
junho, acompanhado por uma equipe de profissionais da ABRASCO (Associação
Brasileira de Saúde Coletiva), INCA (Instituto Nacional de Câncer) e Fiocruz (Fundação
Oswaldo Cruz)14, e do diálogo desses profissionais, médicos e toxicologistas com as
vítimas e com o Secretário da Saúde do município de Rio Verde, houve a orientação de
que as aulas fossem suspensas e a escola fechada para que fizessem uma desintoxicação
do ambiente escolar.
No relatório apresentado, os pesquisadores citaram que as vítimas ainda
apresentavam sintomas em decorrência da intoxicação, que havia forte odor de
agrotóxicos no interior das salas de aula e ressaltaram a probabilidade de contaminação
da água e do solo.
Cumpre pontuar as observações dos pesquisadores a respeito do despreparo dos
serviços de saúde locais no atendimento às vítimas, bem como, a omissão dos órgãos
federais em fazer cumprir a legislação de agrotóxicos existente e orientar a população e

13
Entrevistas realizadas pela autora com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal do Buriti, em
Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de Residência Agrária
(EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Sociais do
Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás. Em nov. 2014.
14
Os pesquisadores Wanderlei Pignati (UFMT e ABRASCO), Lia Geraldo da Silva Augusto (UPE,
ABRASCO e FIOCRUZ), Flávia Carvalho (INCA) e Karen Friedrich (UNRIO, ABRASCO e FIOCRUZ)
visitaram a Escola Municipal São José do Pontal para avaliar o caso de intoxicação e contaminação por
agrotóxico e fornecer informações para os atingidos que pudessem auxiliar no tratamento. Na ocasião, os
pesquisadores se reuniram com as vítimas, que relataram como o fato ocorreu e as ações posteriores.
21

os órgãos estaduais e municipais sobre como proceder em casos semelhantes à


pulverização aérea de agrotóxico na Escola São José do Pontal (FREITAS, 2016).
As vítimas continuaram sentindo os sintomas de intoxicação, algumas passaram a
ter problemas de pele, disfunções hepáticas, renais e hormonais e problemas respiratórios,
e chegaram a receber encaminhamentos para médicos especialistas, porém, as consultas
nunca foram agendadas.

[...] Eles faz o maior pouco caso, eles não dá moral pra eles. E assim,
a gente queria assim um médico especialista próprio pra eles, pra
entender o que eles tem, pra eles explicar o que eles ta sentindo né [...]
A gente “vê” um filho assim, que tava de boa, daí numa hora quando
ve ta de boa e na mesma hora da um sintoma nela assim, que a menina
já embranquece, já fica ruim, já quer desmaiar, é o trem mais ruim que
tem, e dor de cabeça direto, ela é direto. Diretão dor de cabeça, é
remédio direto, “cê” “vê”, acaba com a pessoa. A gente queria assim
que eles olhasse mais por elas, por essas criança. [...] (Informação
Verbal, Sra. L. A. V., Rio Verde/GO, novembro de 2015)15.

Desde a pulverização de agrotóxico sobre a escola, crianças, adolescentes e adultos


saudáveis passaram a conviver com mal-estar frequente, tiveram perda em seu
rendimento escolar/profissional e contraíram traumas físicos e psicológicos. Os relatos
dos atingidos demonstram que sua saúde e dignidade foram afetadas, o que vai além da
intoxicação por agrotóxico, tem a ver com a omissão do Estado diante de conflitos como
este, que se consubstanciam em violações de direitos humanos.
Os direitos humanos, segundo Flávia Piovesan, são fruto de um espaço simbólico
de luta e ação social, na busca por dignidade humana. A Constituição Federal de 1988,
marco jurídico da transição ao regime democrático, alargou significativamente o campo
dos direitos e garantias fundamentais. (PIOVESAN, 2013).

À luz dessa concepção, infere-se que o valor da dignidade da pessoa


humana e o valor dos direitos e garantias fundamentais vêm a constituir
os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e
dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema
jurídico brasileiro. (PIOVESAN, 2013, p.90)

15
Entrevistas realizadas pela autora com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal do Buriti, em
Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de Residência Agrária
(EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Sociais do
Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás. Em nov. 2014.
22

Em seus artigos 1º e 3º, a Constituição Federal consagra os princípios norteadores


do Estado Democrático de Direito, “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”
(PIOVESAN, 2013).
A pulverização de agrotóxico que ocorreu sobre a Escola São José do Pontal,
consubstancia-se em uma violação dos direitos humanos, direitos fundamentais e direitos
sociais, tanto em relação à intoxicação de dezenas de pessoas, que lhes ocasionou diversos
danos à saúde, quanto à falta de tratamento médico adequado, não efetivação do acesso à
justiça e omissão do Estado perante a saúde pública, violando os direitos à saúde, ao bem-
estar, à liberdade, à segurança e à justiça, conforme previsto pela Constituição Federal e
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Neste conflito, evidencia-se uma série de violações de direitos humanos (danos à
saúde, poluição ambiental, ameaça à saúde pública e à segurança alimentar), que se
constituem em violação à dignidade humana. Casos como a pulverização de agrotóxico
sobre a Escola São José do Pontal não são acidentes ou acontecimentos pontuais, mas
condição de injustiça sistêmica, sustentada por políticas institucionais.
Ao falar em injustiça sistêmica, busca-se retratar que o que ocorreu na Escola São
José do Pontal não é um fato isolado, decorrente de um acidente ou deslize provocado
pelo piloto do avião. Tais fatos, que ocorrem de maneira expressiva e cotidiana em âmbito
nacional e internacional, se constituem em conflitos e injustiças ambientais, uma vez que
compreendem as disputas de territórios entre os grupos sociais e as formas como estes
grupos se relacionam com o meio ambiente, bem como, a distribuição desigual do poder
sobre os recursos políticos, materiais e simbólicos, entre os grupos sociais, que resulta na
distribuição desigual dos danos ambientais.

Ao impor sobre os interesses das populações locais as lógicas


econômicas e os interesses de países e elites de fora do território, os
processos subsequentes de desterritorialização produzem situações de
injustiça ambiental que vulnerabilizam as populações afetadas, não
somente por colocar sobre os seus ombros vários riscos e cargas, mas
por não reconhecer os seus direitos em temas tão fundamentais como a
saúde, a terra, os recursos naturais e a própria cultura, expressa na
relação material e imaterial com tais recursos (PORTO, 2011, p. 34).

Os impactos da lógica de produção capitalista, predatória e exploratória, destinam-


se a populações específicas, de forma que os conflitos ambientais ocorrem em áreas
23

marginalizadas, onde situam-se as populações vulnerabilizadas16 - pequenos agricultores,


indígenas, povos tradicionais, ribeirinhos, quilombolas - que são massacrados pelo
agronegócio e pelo mercado financeiro internacional. Desse modo, evidenciam-se as
contradições geradas por esse modelo desenvolvimentista, sendo as populações
vulnerabilizadas as atingidas diretamente pelos impactos causados por essa dinâmica
exploratória da vida humana e do meio ambiente.

2.3. Atuação da mídia, do judiciário e do poder público frente ao conflito

Os grandes produtores do agronegócio, detentores dos meios de produção e dos


meios políticos, econômicos, materiais e sociais, utilizam-se do aparato institucional,
estatal e governamental, e da mídia, para implementarem e fomentarem sua lógica de
produção desenvolvimentista, predatória e geradora de conflitos ambientais.
A propaganda “Agro é Pop”, veiculada nos grandes meios de comunicação e
produzida pelo complexo Rede Globo, constrói uma imagem do agronegócio como o
“progresso absoluto”, sinônimo de desenvolvimento, crescimento econômico, tecnologia
e modernidade, a serviço do bem-estar da população e produção de alimentos.
Contudo, essas falácias escondem da população as negações de direitos causadas
por essa lógica de produção desenvolvimentista. As propagandas midiáticas e a
(des)informação prestada pelas grandes corporações da comunicação, mascaram a
realidade e transmitem à populações notícias e informações buscando a promoção do
agronegócio e de suas técnicas de produção.
A mídia transmite influências maquiadas, e omite da população os impactos que os
agrotóxicos trazem ao meio ambiente, e os perigos à saúde humana, transformando os
milhares de casos de violações ambientais e violações de direitos humanos, provocadas
pela lógica desenvolvimentista através da dinâmica produtivista das empresas,
corporações e agroindústrias e da ação ou omissão do Estado, em acidentes ou catástrofes
naturais.
Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos diz que a industrialização é incapaz de
ver a relação entre a degradação da natureza e a degradação da sociedade que ela sustenta.

16
Segundo Henri Acselrad, compreender a condição de vulnerabilizadas das populações e comunidades é
importante para que possamos tanto resgatar a historicidade dos processos que dessa forma afetam grupos
sociais e lugares, como também para atribuir aos grupos sociais a condição de sujeitos portadores de
direitos que foram ou se encontram destituídos (ACSELRAD, 2010).
24

Assim o agronegócio constitui o seu discurso e fomenta as práticas que geram a destruição
do meio ambiente, e depois investe em modelos de desenvolvimento alternativo,
buscando corrigir ou amenizar os danos causados, em sua maioria irreversíveis, caindo
na enganação do seu próprio discurso.
Frente a situações de violações de direitos humanos como essas, percebe-se que os
direitos humanos, especialmente a partir do século XXI, passaram a ser vistos pelas
grandes empresas, pelo agronegócio e pelo próprio Estado, como obstáculos aos
interesses do mercado e do capital e à obtenção de lucro. Conforme o autor Herrera Flores
diz,

Em definitivo, entramos num contexto em que a extensão e a


generalização do mercado – que se proclama falaciosamente como
“livre” – fazem com os direitos comecem a ser considerados como
“custos sociais” das empresas, que devem suprimi-los em nome da
competitividade. (FLORES, 2009, p. 25).

Assim, os direitos são considerados pelo empresariado e pelo agronegócio como


“custos sociais”, que interferem na lógica de produção e acumulação capitalista,
prejudicando a eficiência e produtividade dos seus negócios, e nessa perspectiva, recebem
o apoio estatal, que se omite em relação a obrigação de zelar pelo cumprimento das
legislações e garantir a efetivação dos direitos e do acesso à justiça para as populações
vulnerabilizadas.
O direito legitima a ordem dominante, estabelecida pela lógica produtivista e
capitalista, que tem no agronegócio seu principal modelo de produção, utilizando-se do
aparato legislativo, executivo e judiciário para confirmá-la ou reprimir qualquer
movimento contrário a ela, que coloque em risco o seu poder e interesses econômicos,
sociais e políticos.
Desse modo, o direito, enquanto instrumento regulador dos conflitos, restringe-se a
atender às demandas de uma classe dominante, apresentando soluções paliativas que não
correspondem às realidades, necessidades e demandas do povo.
Isto evidencia-se no desenrolar processual das demandas jurídicas relacionadas a
conflitos ambientais e violações de direitos humanos. Nestes casos, ocorre uma mitigação
dos direitos fundamentais e sociais preconizados pela Constituição Federal e uma
deslegitimação dos relatos das vítimas, cujas histórias e vivências são negadas, buscando-
se soluções paliativas, que não interfiram na imagem e na ordem econômica da classe
dominante.
25

Em relação aos casos que envolvem contaminação e intoxicação por agrotóxico,


questiona-se o nexo de causalidade entre a intoxicação e os sintomas e problemas de
saúde decorrentes, negando-se às vítimas o direito à justiça e à saúde, a fim de não
responsabilizar as empresas e o Estado e omitir os malefícios causados pelos agrotóxicos
e legitimar o modo de produção químico-dependente.
O sistema jurídico brasileiro pauta-se na incerteza científica em detrimento da
certeza dos relatos das vítimas, proferindo decisões que não responsabilizam os culpados
pelas violações de direitos humanos, protegendo as grandes corporações e órgãos
municipais, estatais e federais.
Após a chuva de veneno que caiu sobre a escola, os atingidos continuaram sentindo
diversos sintomas decorrentes da intoxicação e alguns desenvolveram graves problemas
de saúde, como cânceres e disfunções renais, hepáticas, hormonais e conjuntivas (olhos
e narinas). As vítimas, dispondo de assessoria jurídica, passaram a reivindicar que o
Estado e as empresas Syngenta e Aerotex forneçam o acompanhamento médico
toxicológico, plano de saúde e custeio de despesas com os tratamentos.

No dia 09 de agosto de 2013, a Associação Cerrado Assessoria Popular,


ingressou com ação cautelar preparatório de ação civil pública, na
Justiça Federal, pedindo entre outras coisas, que a União, juntamente
ao Estado de Goiás e Município de Rio Verde, envidasse todos os
esforços possíveis para o atendimento adequado às vítimas,
notadamente, por óbvio, o acompanhamento por toxicologista. Para
surpresa geral, a ação foi julgada extinta sem se apreciar o mérito, ante
o argumento de que não havia “pertinência temática” da associação com
o tema da defesa da saúde. A magistrada sequer intimou o Ministério
Público Federal a se manifestar, mesmo diante da condição pública e
notória do envenenamento das pessoas. (FREITAS, 2016, p. 132)

O Ministério Público Federal propôs Ação Civil Pública cinco meses após o fato,
em desfavor das empresas Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. e Aerotex Aviação
Agrícola Ltda, objetivando a condenação das empresas por danos morais coletivos
suportados por toda a sociedade em razão de ilícito consistente na irregular pulverização
com o agrotóxico Engeo Pleno na escola, que provocou a intoxicação de educandos e
educadores. A liminar que pedia o atendimento médico às vítimas, foi indeferida
(FREITAS, 2016).
26

No dia 14 de março de 201817, quase cinco anos após o fato, o Juiz Federal do
Tribunal Regional Federal da Primeira Região proferiu sentença referente a Ação Civil
Pública, condenando as empresas Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. e Aerotex Aviação
Agrícola Ltda. ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$
150 mil, responsabilizando-as pela intoxicação das vítimas.
Algumas famílias ingressaram com ação cautelar, fazendo os mesmos pedidos que
a cautelar da Associação Cerrado Assessoria Popular, e cerca de seis meses depois,
somente a parte de determinava que o Município deveria liberar o acesso aos prontuários
médicos às vítimas, foi deferida. (FREITAS, 2016).
A Comarca de Rio Verde proferiu decisão obrigando a Aerotex Aviação Agrícola
Ltda. a pagar o tratamento médico a uma das educandas, tendo a defesa entrado com
agravo de instrumento na tentativa de reformar a sentença, contudo o Tribunal de Justiça
de Goiás negou o recurso. Ressalta-se que na defesa, a Aerotex alegou que não havia
relação entre a pulverização e a necessidade de tratamento médico especializado para o
que considerou como “duvidosas sequelas” que a menina disse sentir após o incidente.
Percebe-se que o Judiciário não possui informações e formação sobre agrotóxicos,
contudo, há uma visível mitigação dos direitos dos povos atingidos, consubstanciando-se
em argumentos de que as pesquisas científicas nesta área são insuficientes e ineficazes
para confirmar o nexo de causalidade entre as intoxicações e os sintomas e problemas de
saúde supostamente decorrentes.
A decisão proferida pelo Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da Primeira
Região sobre a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal, embora
tenha representado uma vitória para as vítimas, demonstra a ineficácia e morosidade do
judiciário brasileiro, na medida em que a sentença foi proferida quase cinco anos após o
fato, e a indenização a título de danos morais coletivos no valor de R$ 150 mil (cento e
cinquenta mil reais), a ser pago solidariamente pelas empresas, não garante às vítimas o
acompanhamento médico que necessitarão a médio e longo prazo, bem como, representa
um valor insignificante perante os danos físicos, psicológicos, emocionais e materiais
causados aos atingidos.
A omissão dos órgãos municipais, estatais e federais em relação à situação das
vítimas é evidente. A União, o Estado de Goiás e o Município de Rio Verde se omitiram

17
Notícia veiculada no site do Ministério Público Federal. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/go/sala-
de-imprensa/noticias-go/empresas-que-contaminaram-cerca-de-92-pessoas-com-uso-irregular-de-
agrotoxicos-sao-condenadas-por-danos-morais-coletivos>. Acesso em: 20/03/2018.
27

diante das violações dos direitos humanos à saúde, ao meio ambiente equilibrado e à
justiça. A Constituição Federal preceitua que o Poder Público não pode se omitir no
exame das técnicas e métodos utilizados em atividades que ensejem risco para a saúde
humana e o meio ambiente.

O risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente não é matéria


que possa ser relegada pelo Poder Público. A Constituição Federal foi
expressa no art. 225, § l 2. Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público: “V - controlar a produção, a
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.
A Constituição Federal manda que o Poder Público não se omita no
exame das técnicas e métodos utilizados nas atividades humanas que
ensejem risco para a saúde humana e o meio ambiente. (MACHADO,
2013, p. 109).

Embora a Constituição Federal não mencione expressamente o termo “agrotóxico”,


ao trazer a expressão “substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida
e o meio ambiente”, engloba os agrotóxicos no dever de controle do Poder Público, a fim
de garantir a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
essencial à qualidade de vida das gerações humanas. (MACHADO, 2013).
Ainda que o Poder Público deva ser responsável pela saúde da população, e primar
pela observação do ordenamento legal brasileiro, desde a Constituição Federal, até as
normas infraconstitucionais e seus regulamentos, o que acontece na prática é a
sobreposição dos interesses do agronegócio e das empresas multinacionais sobre os
direitos humanos e os interesses dos grupos sociais vulnerabilizados.
28

3. Capítulo 2 – Conflitos e injustiças ambientais, a (in)efetivação do acesso à justiça,


retórica da ocultação e violência simbólica

3.1. Conflitos ambientais, injustiças ambientais e a distribuição desigual dos riscos

A ideia de justiça ambiental representa uma ressignificação da questão ambiental,


cuja construção é revestida e disputada em diferentes sentidos. Um deles seria a razão
utilitária, que compreende o meio ambiente como um instrumento de acumulação de
riquezas, composto apenas de recursos materiais, e se preocupa com o meio ambiente
considerando que o seu comprometimento pode inviabilizar a produtividade; e o outro a
razão cultural, que considera o meio ambiente composto de qualidades socioculturais e
sujeitos, e dessa forma, a multiplicidade de culturas e realidades resulta em uma
distribuição desigual dos riscos ambientais, dada a capacidade diferente dos grupos
sociais de escaparem aos causadores de tais riscos. (ACSELRAD, 2010).
A distribuição desigual dos riscos ambientais evidencia que o ambiente no qual se
situam determinados sujeitos sociais, se sobrepõe ao ambiente de outros, ocasionando o
que se denomina conflitos ambientais. Estes conflitos são protagonizados por sujeitos
invisibilizados, que denunciam os danos ambientais aos quais são expostos em
decorrência das técnicas de produção e acumulação de riquezas.
A injustiça social e a degradação ambiental se originam da distribuição desigual de
poder sobre os recursos ambientais, que resulta na concentração dos riscos ambientais
sobre as populações pobres. Os detentores dos meios materiais e simbólicos de poder não
são expostos aos danos ambientais, e assim, mantem a lógica de produção de riquezas
que gera desigualdades.

A estratégia ancorada na noção de justiça ambiental, por sua vez,


identifica a desigual exposição ao risco como resultado de uma lógica
que faz que a acumulação de riqueza se realize tendo por base a
penalização ambiental dos mais despossuídos (ACSELRAD, 2010).

Assim, o que está em jogo quando trata-se de injustiças e conflitos ambientais, é de


que maneiras se distribuem no espaço diferentes formas sociais de apropriação dos
recursos ambientais e como, nessa distribuição, uma atividade dotada de certas práticas
espaciais é afetada pela realização de outras práticas espaciais. Por exemplo, partindo do
nosso campo de estudo, como, para a produção e o uso de agrotóxicos em lavouras, os
trabalhadores e assentados perdem sua saúde pela intoxicação e contaminação.
29

A pulverização de agrotóxico sobre a Escola São José do Pontal evidencia o


processo de injustiça ambiental que ocorre no campo, em razão da lógica de produção –
o agronegócio – que tem com um de seus pilares o uso indiscriminado de agrotóxicos e
sementes transgênicas, gerando lucro e crescimento econômico para as empresas
transnacionais produtoras de agrotóxicos, bancos e latifundiários, e concentrando os
impactos negativos ao meio ambiente e à saúde humana nas áreas onde situam-se
assentamentos, terras de pequenos agricultores e escolas do campo, que acabam sendo
“engolidos” pelo agronegócio e sofrendo com os danos ambientais causados por este
modelo de produção.
Notadamente, as populações pobres, os trabalhadores rurais, pequenos agricultores
e comunidades tradicionais sofrem mais diretamente com os impactos do processo de
produção e acumulação agroindustriais mantidos por grupos sociais dominantes, que
pouco ou nada sofrem com as consequências e danos provocados pelo modelo de
desenvolvimento adotado por suas empresas e agroindústrias.
Desta relação de injustiça ambiental, surgem os conflitos ambientais, que além das
desigualdades socioeconômicas entre os grupos sociais, englobam suas disputas por
território e suas divergências quanto a forma de se relacionar com o meio ambiente. Para
os grupos sociais dominantes, o meio ambiente é matéria prima que se transforma em
mercadorias e sustenta o capital, enquanto para as populações vulnerabilizadas18, o meio
ambiente constitui-se como meio e fonte de vida. Assim, compreende-se que

[...] não é possível separar a sociedade e seu meio ambiente, pois trata-
se de pensar um mundo material socializado e dotado de significados.
Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras
quantidades de matéria e energia pois eles são culturais e históricos: os
rios para as comunidades indígenas não apresentam o mesmo sentido
que para as empresas geradoras de hidroeletricidade; a diversidade
biológica cultivada pelos pequenos produtores não traduz a mesma
lógica que a biodiversidade valorizada pelos capitais biotecnológicos
etc (ACSELRAD, 2004).

18
Populações que são vulnerabilizadas pelo processo de produção e acumulação de riquezas constituído
dentro do capitalismo, que se tornam vítimas das mazelas sociais e danos ambientais provocados por esse
sistema de produção, e passam a viver em situação de vulnerabilidade social, econômica e ambiental,
enquanto resistem e posicionam-se contrárias a esse modelo de desenvolvimento que não abarca seus
anseios e necessidades. A vulnerabilização das populações afetadas pelo modelo desenvolvimentista do
capitalismo tem a ver com os riscos e cargas suportados por elas e com o não reconhecimento dos seus
direitos em temas como a saúde, a terra, os recursos naturais e a cultura (PORTO, 2011).
30

As sociedades se organizam a partir de diferentes formas de uso e apropriação dos


recursos, sendo que essa distinção de projetos e finalidades está sujeita a conflitos e
processos de disputa em torno do acesso e exploração dos recursos ambientais. Se de um
lado figuram os interesses econômicos de um grupo social minoritário que monopoliza o
poder sobre os recursos ambientais, do outro, resistem os sujeitos que buscam o acesso
democrático e igualitário aos recursos ambientais, bem como, uma utilização desses
recursos que considere suas necessidades e práticas socioculturais, e a sua relação com a
natureza.
Essa distribuição desigual de poder sobre os recursos ambientais gera formas
distintas de apropriação do mundo material, que se configuram nos diversos modos de
uso, transformação e extração de materiais nos territórios, nas desigualdades sociais entre
os sujeitos, e nos diferentes significados atribuídos ao mundo material (ACSELRAD,
2004).
A partir dos distintos modos de apropriação do mundo material que integram os
modelos de desenvolvimento, surgem acordos entre os sujeitos, e um passa a ter interesse
em manter a existência do outro, ainda que no interior de inevitáveis relações de poder,
em razão da interação entre suas práticas. O rompimento desses acordos, em razão das
contradições inerentes aos modelos de desenvolvimento do qual fazem parte, provoca o
surgimento dos conflitos ambientais (ACSELRAD, 2004).
Desse modo percebe-se como o caso de pulverização de agrotóxico sobre a escola
São José do Pontal se constitui enquanto conflito ambiental, uma vez que a população
atingida é vítima da apropriação dos recursos ambientais pelas empresas produtoras de
agrotóxicos e pelos grandes proprietários de terras, que utilizam agrotóxicos em suas
lavouras, contaminando o meio ambiente e causando danos à saúde humana.
O modelo desenvolvimentista do agronegócio interage com os camponeses e
assentados por meio da monopolização do poder sobre os recursos ambientais,
econômicos e políticos, exerce domínio sobre os mesmos, condicionando-os ao seu
modelo de economia para sobreviver e gerar renda.
Contudo, a partir do rompimento desta relação, como no caso de pulverização de
agrotóxico sobre a escola São José do Pontal, ao perceber-se que os interesses econômicos
desse grupo social que exerce o monopólio do poder sobre os recursos ambientais, se
sobrepuseram à saúde, à vida, ao bem-estar e às necessidades dessa população do campo
socialmente vulnerabilizada, instala-se o conflito ambiental.
31

A população atingida mantém relação com a prática do uso de agrotóxicos, sendo


a principal fonte de renda das famílias no Assentamento Pontal do Buriti a produção e
comercialização de milho e soja19. Contudo, são os trabalhadores que manipulam esses
produtos e as pessoas que moram em regiões controladas pelo agronegócio, como o
Sudoeste do estado de Goiás, as populações mais expostas à vulnerabilidade e os riscos
desse modelo de produção.
Portanto, há uma diferenciação na forma como esses distintos sujeitos se apropriam
dos recursos ambientais, que se exprime nas desigualdades socioeconômicas entre os
mesmos e na própria dominação exercida pelo agronegócio e pelas empresas produtoras
de agrotóxico em relação às populações do campo socialmente mais desprovidas, sobre
as quais recaem os danos ambientais provocados pelo uso de agrotóxicos.
Desse processo de rompimento, portanto, pelo qual o caso em estudo se constitui
enquanto conflito ambiental, a partir das contraposições frente às diferentes esferas de
poder que negam os direitos dessa e de outras populações atingidas por agrotóxicos,
evidencia-se as contradições desse modelo de desenvolvimento que em favor dos
interesses econômicos dos grupos sociais detentores de poder, distribui os danos
ambientais desproporcionalmente sobre as populações socialmente vulnerabilizadas.

Os conflitos ambientais são, portanto, aqueles envolvendo grupos


sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do
território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a
continuidade das formas sociais de apropriação do meio que
desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo
solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas
de outros grupos (ACSELRAD, 2004, p. 16).

Enquanto para as empresas e agroindústrias produtoras de agrotóxicos e para os


latifúndios, a terra é somente um meio de gerar lucro, para as populações que vivem no
campo, a terra é seu lugar de moradia, subsistência, trabalho, lazer e convívio familiar,
portanto, o território assume significados diversos para esses grupos sociais, sendo que

19
O Sudoeste Goiano, microrregião onde se localiza o Assentamento Pontal do Buriti, caracteriza-se por
ter uma economia centrada no agronegócio – produção de monoculturas, utilização de agrotóxicos e
sementes transgênicas, maquinário de grande porte, latifúndio e comércio voltado para a exportação. Assim,
o agronegócio exerce um controle socioeconômico nos assentamentos situados no Sudoeste Goiano, onde
percebe-se que há uma mistura entre agronegócio e agricultura familiar, uma vez que as famílias assentadas
moram na terra, plantam alimentos para sua subsistência, o trabalho é familiar, ao mesmo tempo em
produzem commodities, utilizam agrotóxicos, e dependem do mercado financeiro internacional.
(FREITAS, 2016).
32

as práticas de desenvolvimento adotadas por uns geram impactos socioambientais que


ameaçam a vida e as formas de apropriação do mundo material dos outros.

3.2. Direito, acesso à justiça e direitos humanos

Para Roberto Lyra Filho, a partir dos conflitos sociais surge o Direito e sua
dialeticidade, sendo algo que está em constante movimento e que vai se (trans)formando
a partir da dialética presente no confronto entre os grupos sociais. O direito não é algo
estático e acabado, mas um vir-a-ser que se fortalece nas lutas emancipatórias dos povos
oprimidos, e se definha nas explorações que lhes atingem, mas que ressurge em suas
novas conquistas (LYRA FILHO, 1982). Para o autor, o direito

É a luta social constante, com suas expressões de vanguarda e suas


resistências e sacanagens reacionárias, com suas forças contraditórias
de progresso e conservantismo, com suas classes e grupos ascendentes
e libertários e suas classes e grupos decadentes opressores – é todo o
progresso que define o Direito, em cada etapa, na procura das direções
de superação (LYRA FILHO, 1982, p. 54, grifos do autor).

O direito e a justiça surgem das contradições e conflitos entre os grupos sociais, são
fruto das contraposições entre estes e das lutas sociais. Para Roberto Lyra Filho

Justiça é Justiça Social, antes de tudo: é atualização dos princípios


condutores, emergindo nas lutas sociais, para levar à criação duma
sociedade em que cessem a exploração e opressão do homem pelo
homem; e o Direito não é mais, nem menos, do que a expressão
daqueles princípios supremos, enquanto modelo avançado de legítima
organização social da liberdade. Mas até a injustiça como também o
Antidireito (isto é, a constituição de normas ilegítimas e sua imposição
em sociedades mal organizadas) fazem parte do processo, pois nem a
sociedade justa, nem a Justiça corretamente vista, nem o Direito
mesmo, o legítimo, nascem dum berço metafísico ou são presente
generoso dos deuses: eles brotam nas oposições, no conflito, no
caminho penoso do progresso, com avanços e recuos, momentos solares
e terríveis eclipses (LYRA FILHO, 1982, p. 56).

Contudo, nesta sociedade estruturada nos interesses do capital e em relações de


poder, a realização do direito e o acesso à justiça se mostram seletivos, desiguais, e
subservientes aos interesses da classe dominante, sendo que o Direito, enquanto
instrumento regulador dos conflitos sociais, apresenta resoluções pouco ou nada efetivas,
que não correspondem às realidades, necessidades e demandas das populações oprimidas.
33

Assim, “no contexto liberal”, embora a justiça acabe assumindo “uma feição axiológica
variável (igualdade, equidade, virtude, propriedade etc.) ”, ela, ainda assim, continua
integrando a superestrutura (expressa e atende interesses da classe dominante) “que
sustenta (é instrumento) a infraestrutura (relações sociais de produção). ” (RAMPIN,
2018).
Portanto, para que se efetivem os direitos das populações oprimidas e estas
realmente acessem à justiça, se faz necessário romper com a infraestrutura para, assim,
combater as injustiças legitimadas por esse sistema de normas que representa aos
interesses da classe dominante.

À injustiça, que um sistema institua e procure garantir, opõe-se o


desmentido da Justiça Social conscientizada; às normas, em que aquele
sistema verta os interesses de classes e grupos dominadores, opõem-se
outras normas e instituições jurídicas, oriundas de classes e grupos
dominados, e também vigem, e se propagam, e tentam substituir os
padrões dominantes de convivência, impostos pelo controle social
ilegítimo; isto é, tentam generalizar-se, rompendo os diques da opressão
estrutural. As duas elaborações entrecruzam-se, atritam-se, acomodam-
se momentaneamente e afinal chegam a novos momentos de ruptura,
integrando e movimentando a dialética do Direito (LYRA FILHO,
1982, p. 56).

Nesse sentido, assim como apresenta José Geraldo de Sousa Júnior, o acesso à
justiça deve ser compreendido para além do acesso ao judiciário e aos instrumentos
jurídicos de resolução de conflitos, sendo concebido como efetivação de direitos. O
acesso à justiça deve representar o alcance de resoluções que efetivamente atendam às
necessidades e realidades das populações atingidas e vulnerabilizadas. Sob essa
perspectiva alargada sobre acesso à justiça, José Geraldo considera que este se constitui
enquanto
[...] procedimento de tradução, uma estratégia de mediação capaz de
criar uma inteligibilidade mútua entre experiências possíveis e
disponíveis para o reconhecimento de saberes, de culturas e práticas
sociais que formam as identidades dos sujeitos que buscam superar os
seus conflitos, o que faz do acesso à justiça algo mais abrangente que
acesso ao Judiciário. Uma mediação que leva à criação de condições
para emancipações sociais concretas de grupos sociais concretos, num
presente cuja injustiça é legitimada com base num maciço desperdício
de experiências, práticas e concepções sociais e étnico-culturais de
soluções de conflitos, mas que buscam criar sentidos e direções para
práticas de transformação social e de realização de justiça, mediadas
por um direito que se pode dizer achado na rua, em que esta é
compreendida como metáfora do espaço público, político e social da
realização do direito (SOUSA JUNIOR, 2015, p. 20).
34

Nesta perspectiva, Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em uma abordagem que busca
compreender os problemas do acesso à justiça nas sociedades contemporâneas, afirmam
que

A expressão ‘acesso à justiça’ é reconhecidamente de difícil definição,


mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico
– o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou
resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema
deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir
resultados que sejam individualmente e justos. Nosso enfoque, aqui,
será primordialmente sobre o primeiro aspecto, mas não poderemos
perder de vista o segundo. Sem dúvida, uma premissa básica será a de
que a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas,
pressupõe o acesso efetivo (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p.3).

O acesso à justiça pressupõe um sistema de justiça que seja acessível a todos de


maneira igualitária, e que dê respostas justas e efetivas aos litígios, se constituindo, assim,
enquanto um importante direito a ser efetivado, afinal, de nada adianta a previsão de
determinado direito, se não há instrumentos que garantam sua efetivação.
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988). Portanto, o acesso à justiça pode ser compreendido
“como o requisito fundamental — o mais básico dos direitos humanos — de um sistema
jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos
de todos.” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 5).
Os direitos humanos, para Joaquín Herrera Flores, não se resumem às normas
positivadas, são processos que resultam das lutas travadas pelos seres humanos em busca
do acesso aos bens necessários para sua (sobre)vivência.

Os direitos humanos, mais que direitos “propriamente ditos”, são


processos; ou seja, o resultado sempre provisório das lutas que os seres
humanos colocam em prática para ter acesso aos bens necessários para
a vida. Como vimos, os direitos humanos não devem confundir-se com
os direitos positivados no âmbito nacional ou internacional. Uma
constituição ou um tratado internacional não criam direitos humanos
[...]. Os direitos humanos são uma convenção cultural que utilizamos
para introduzir uma tensão entre os direitos reconhecidos e as práticas
sociais que buscam tanto seu reconhecimento positivado como outra
forma de reconhecimento ou outro procedimento que garanta algo que
é, ao mesmo tempo, exterior e interior a tais normas (FLORES, 2009,
p. 28).
35

Os direitos humanos, portanto, são resultado de um processo contínuo de luta e


tensões para que novos direitos sejam reconhecidos e positivados, e para que aqueles que
já são reconhecidos e expressos em normas, sejam efetivados e cumpridos no plano
material. Desse modo, de acordo com Flávia Piovesan,

Se os direitos humanos não são um dado, mas um construído,


enfatiza-se que as violações a estes direitos também o são. Isto é, as
exclusões, as discriminações, as desigualdades, as intolerâncias e as
injustiças são um construído histórico, a ser urgentemente
desconstruído. Há que se assumir o risco de romper com a cultura da
“naturalização” da desigualdade e da exclusão social, que, enquanto
construídos históricos, não compõem de forma inexorável o destino da
humanidade. Há que se enfrentar essas amarras, mutiladoras do
protagonismo, da cidadania e da dignidade de seres humanos
(PIOVESAN, 2015, p. 14) (grifos nossos).

Sendo que, para enfrentar as violações de direitos humanos construídas


historicamente, é necessário contestar e disputar esse

[...] cenário jurídico-institucional que ainda se apresenta como freio ao


potencial das novas instituições democráticas, os novos direitos e novos
sujeitos coletivos de direitos autônomos e em franco movimento de
emancipação e realização de direitos historicamente sonegados à
grande maioria da população (SOUSA JUNIOR, 2015, p. 20).

Assim, o efetivo acesso à justiça, ao mesmo tempo em que se expressa como direito
humano e garantia constitucional, também se constitui enquanto instrumento que permite
a realização de outros direitos humanos e a reparação dos danos sofridos pelas vítimas de
violações de direitos e injustiças socioambientais.
A efetivação do acesso à justiça depende de que o sistema de justiça reconheça a
legitimidade das demandas que lhes são apresentadas e atue de maneira adequada
enquanto instrumento de efetivação/reparação de direitos, em sintonia com as garantias
fundamentais asseguradas a todos os cidadãos na Constituição Federal de 1988.
De acordo com Flávia Piovesan, no plano teórico e formal, a partir dos artigos 1º e
3º da Constituição Federal, percebe-se a preocupação da Constituição em assegurar os
valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana, como imperativos de justiça
social. Segundo a autora,
36

[...] o valor da dignidade da pessoa humana e o valor dos direitos e


garantias fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais
que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo
suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro (PIOVESAN,
2013, p. 90).

Nota-se que o valor da dignidade da pessoa humana, os direitos e garantias


fundamentais são os princípios constitucionais que norteiam o sistema jurídico brasileiro,
embora, no plano fático e material, a partir da análise de conflitos sociojurídicos, como a
pulverização aérea de agrotóxico na Escola São José do Pontal, perceba-se que a
positivação desses direitos não significa que eles sejam concretizados.
Segundo José Geraldo, os “modelos adjudicatórios do sistema legal e judiciário”
são

[...] presos às normas constituídas como unidade de análise das relações


de conflito e incapazes de realizar até mesmo as promessas
constitucionais de realização da justiça, entre outros fatores, pela
“resistência a trabalhar com o direito da rua”, pela “baixa sensibilidade
para as demandas da comunidade”, pelos “limites culturais para a
percepção de sujeitos e demandas inscritas nos conflitos sociais” [...]
(SOUSA JUNIOR, 2015, p. 24).

A Constituição Federal prevê o direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, e consagra, ainda, “o princípio da
obrigatoriedade da intervenção do Poder Público, em seus diversos níveis e instâncias,
impondo-se ao Poder Público a obrigação constitucional tanto de prevenir como de
reparar danos ambientais. ” (SANTILLI, 2005, p. 35).
Contudo, no campo material, os conflitos, em suas dimensões sociojurídicas,
expressam violações desses direitos e princípios constitucionais, em função das relações
de poder e interesses econômicos que estruturam a sociedade e influenciam seu sistema
de justiça.

Algumas características atuais da ação pública, tanto dos Executivos,


quanto dos Legislativos e do Judiciário, preocupam. Na maioria dos
casos, as prioridades parecem ser as mesmas: crescimento antes de
tudo. Isso com muita frequência leva os agentes públicos a terem
comportamentos discricionários e arrogantes diante das populações,
principalmente nos casos dos empreendimentos nos quais alguma
instância de governo é mandante e/ou executora. [...] A fragilização da
legislação e das normas socioambientais e de saúde, assim como a
criação de regras que parecem diretamente inspiradas por interesses
37

privados, seja na área dos transgênicos, do uso de agrotóxicos, do


licenciamento ambiental ou, agora, do Código de Mineração,
preocupam sobremaneira os que buscam um futuro sustentável e justo
[...] (LEROY; PACHECO; PORTO; ROCHA, 2013, p. 292).

3.3. A retórica da ocultação e a violência simbólica como instrumentos de


legitimação do uso de agrotóxicos e invizibilização dos conflitos ambientais.

Segundo Marcelo Firpo Porto e Bruno Milanez (2009), a globalização do


capitalismo, que gerou uma noção de desenvolvimento economicista, produtivista e
consumerista, desrespeita a vida humana e o meio ambiente, ocasionando e intensificando
os conflitos ambientais.
O conjunto de vulnerabilidades socioambientais, além dos riscos e danos à saúde e
ao ambiente, “estão relacionados aos processos de produção e consumo que ocorrem nos
territórios em escala global, nacional, regional e local” (CARNEIRO; NETTO, 2013, p.
09).
Com base no Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil,
“a principal atividade produtiva geradora de injustiça ambiental no Brasil é a
monocultura”, seja a de árvores (produção de papel e celulose), a de insumos para a
produção de agrocombustíveis ou alimentação animal, como a soja, ou alimentos de uso
cotidiano, como arroz, feijão e laranja, produções estas, em sua maioria, voltadas para
exportação (PACHECO; PORTO; ROCHA, 2013, p. 56).
Ainda, os impactos negativos elencados em 33% dos conflitos mapeados são
provocados pelo agronegócio. Outras atividades correlatas, como o uso de agrotóxicos,
transgênicos, pecuária e a atividade madeireira, somam juntas 28% dos conflitos, e em
65,7% dos conflitos mapeados está presente o impacto intitulado “alteração do regime
tradicional de uso e ocupação do território”.
Quanto ao uso de agrotóxicos é sabido que gera impactos à saúde humana e ao meio
ambiente, contamina o solo, o subsola, a água da chuva, dos rios e dos lençóis freáticos,
as plantas, os alimentos, o leite materno, e provoca a intoxicação dos trabalhadores rurais,
dos trabalhadores da indústria agroquímica, das pessoas que consomem alimentos e água
contaminados, e das populações que vivem da/na terra, em áreas próximas às
propriedades do agronegócio.

Em decorrência desse modelo químico-dependente de agrotóxicos, a


cadeia produtiva do agronegócio se configura como um processo de
38

insustentabilidade ambiental, pois no seu espaço se cria um território


com muitas e novas situações de vulnerabilidades ocupacionais,
sanitárias, ambientais e sociais. Tais vulnerabilidades induzem eventos
nocivos que se externalizam em trabalho degradante e escravo,
acidentes de trabalho, intoxicações humanas, cânceres, más-formações,
mutilações, sequelas e ainda contaminação com agrotóxicos e
fertilizantes químicos das águas, do ar, da chuva e do solo em todos os
espaços ou setores da cadeia produtiva do agronegócio (AUGUSTO et.
al., 2015, p. 109)

Diante das crises mundiais – de comércio, ambiental e migratórias – o agronegócio


precisa se manter rentável na divisão internacional do capital, criando legitimamente as
condições para aumentar a exploração da força de trabalho e da natureza e incorporar
sempre mais terras e direitos privados sobre ela. Esta disputa jurídica e normativa tenta
ocultar os problemas ambientais e socioeconômicos, e violações de direitos humanos
gerados pelos empreendimentos econômicos que sustentam.
A atuação do poder judiciário vem representando os interesses econômicos da
classe dominante no campo brasileiro: produtores do agronegócio e da indústria
agroquímica, que se utilizam da “retórica da ocultação” (PETERSEN, 2015) para ocultar
os impactos provocados por esse modelo de desenvolvimento pautado no uso de
agrotóxicos ou justificar os efeitos colaterais do emprego dessa tecnologia apresentada
como indispensável; e do direito como instrumento para legitimar seus interesses.
Segundo Petersen,

designar os agrotóxicos como defensivos agrícolas é o artifício retórico


mais elementar para dissimular a natureza nociva desses produtos. Por
um lado, ele sugere que os agrotóxicos supostamente protegem os
cultivos; por outro, oculta os efeitos deletérios desses produtos sobre a
saúde humana e o meio ambiente (2015, p. 28).

As classes dominantes instrumentalizam o direito para pautar e legitimar seus


interesses econômicos, que se sobrepõem aos interesses público e coletivo, de forma que
o direito e os instrumentos jurídico-normativos são apropriados, por esses grupos, para a
realização do capital. Partindo de Bourdieu, as ideologias servem a interesses particulares
que tendem a se apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo, se
constituindo como instrumentos de dominação, poder simbólico (1989) e violência
simbólica (FARIA, 1988).
Os regimes políticos e sistemas legais constituem um universo simbólico em torno
dos direitos e imperativos normativos, como os de bem-estar e justiça, disfarçando e
39

invisibilizando a natureza dos conflitos (FARIA, 1988) e apropriando-se das categorias


para instrumentalizar os interesses das classes dominantes, que são detentoras de capital
financeiro, político e jurídico, e exercem seu poder através dos instrumentos legais e
políticos, para universalizar e legitimar seus discursos e suas práticas.

Em virtude desse processo de ajuste das opiniões individuais aos


repertórios de crenças generalizadas, através da retórica e pela
utilização de um amplo catálogo topoi, os regimes políticos e os
sistemas legais tidos como legítimos constituem um universo simbólico
em torno de certos lugares-comuns, como os de justiça ou bem-estar,
liberdade ou garantias individuais, fim social ou igualdade perante a lei,
apelando para valores solidamente enraizados, de um lado, e de outro,
disfarçam a natureza dos conflitos, individualizando-os e trivializando-
os, ocultando suas origens históricas à medida que os trazem para o
plano das conceituações, abstrações, generalizações e tipificações do
universo jurídico. Eis por que toda e qualquer pretensão de legitimidade
não se vincula necessariamente à resolução das contradições da
sociedade de classes, mas, geralmente, à conservação de sua identidade
normativa estabelecida (FARIA, 1988, p. 108).

Portanto, o modelo de desenvolvimento econômico pautado na lógica de mercado


e geração de lucro, representa interesses particulares que submetem os interesses
coletivos ao êxito de seus projetos políticos, econômicos e financeiros, convencendo-os
de que o fazem em prol do bem comum. Essa contraposição de interesses particulares aos
interesses coletivos se relaciona com a dicotomia do direito público e privado, sendo este
pautado e regulamentado desde a concepção do direito no Estado moderno, que se assenta
na realização dos direitos individuais (SOUZA FILHO, 2016). Dentro dessa lógica, havia
uma omissão dos direitos coletivos, que somente eram pensados como o conjunto de
direitos individuais, sendo o direito público aquele que organizava a estrutura do Estado,
enquanto pessoa jurídica.
Com o Estado de Bem Estar Social, o direito público avançou sobre o espaço
privado, limitando os direitos individuais como, por exemplo, o direito de propriedade,
que passaria a ser vinculado ao cumprimento de uma função social (SOUZA FILHO,
2016), contudo, ainda hoje, observa-se na atuação Estado – Legislativo, Executivo e
Judiciário – a sobreposição dos interesses particulares (direito privado) aos interesses
coletivos (direito público).
40

4. Capítulo 3 – Acesso à justiça como efetivação de direitos: a judicialização do


conflito

4.1. Litígios judiciais, poder e violência simbólica

Os litígios judiciais retratam aspectos do complexo jogo institucional de poder entre


atores públicos e privados, sendo que uma considerável parcela desses conflitos e relações
sociais e econômicas é regulada pelo Judiciário (SILVA, 2017). As pesquisas em
processos e decisões judiciais são necessárias para compreender como se dá essa
regulação, as estratégias utilizadas pelos atores envolvidos na busca de uma (não) solução
dos conflitos, a atuação dos juízes e tribunais, como se efetiva (ou não) o acesso à justiça
para os sujeitos dos conflitos, entre outros.
Segundo Fabiana Luci de Oliveira e Virginia Ferreira da Silva pesquisar processos
judiciais implica explorar metodologicamente as questões ligadas à interpretação e ao
poder.

“Interpretação” porque, ao lidar com os processos judiciais, trabalha-se


com o texto escrito, e não o acontecimento em si. “Poder” porque os
documentos judiciais são, ainda que indiretamente, um produto do
Estado (que “encobre a expressão de qualquer grupo social que esteja
contida no documento”). Os processos judiciais utilizam uma
linguagem específica, e “esta linguagem implica poder”. As
manifestações dos juízes representam ora o poder do discurso coletivo,
ora o poder do discurso individual que se contrapõe ao coletivo da lei
ou de outras decisões. (SILVA, 2017, p. 316)

Os processos judicias utilizam uma linguagem específica que implica poder. A


linguagem jurídica representa a exclusão dos próprios sujeitos do conflito, que ao ser
judicializado e tornar-se objeto da lide, distancia-se dos interessados na sua solução. Os
discursos emanados dos juízes e presentes nos processos e decisões judiciais são
carregados de poder e, embora busquem a imparcialidade, estão contaminados pelas
experiências e lugares de fala daqueles que o produzem.

É certo que a prática dos agentes encarregados de produzir o direito ou


de o aplicar deve muito às afinidades que unem os detentores por
excelência da forma do poder simbólico aos detentores do poder
temporal, político ou econômico, e isto não obstante os conflitos de
competência que os podem opor. A proximidade dos interesses e,
sobretudo, a afinidade dos habitus, ligada a formações familiares e
escolares semelhantes, favorecem o parentesco das visões do mundo.
41

Segue-se daqui que as escolhas que o corpo deve fazer, em cada


momento, entre interesses, valores e visões do mundo diferentes ou
antagonistas, têm poucas probabilidades de desfavorecer os
dominantes, de tal modo o etos dos agentes jurídicos que está na sua
origem e a lógica imanente dos textos jurídicos que são invocados tanto
para os justificar como para os inspirar estão adequados aos interesses,
aos valores e à visão do mundo dos dominantes. (BOURDIEU, 1989,
p. 241 e 242)

Há um confronto entre as normas jurídicas estabelecidas conforme os interesses, os


valores e a visão do mundo dos dominantes – que têm aparência de universalidade, e a
realidade e procura social, que é conflitante, complexa e contraditória.

Compreende-se que, numa sociedade diferenciada, o efeito de


universalização é um dos mecanismos por meio dos quais se exerce a
dominação simbólica, ou seja, a imposição da legitimidade de uma
ordem social. A norma jurídica, quando consagra em forma de
princípios práticos do estilo de vida simbolicamente dominante, tende
a informar realmente as práticas do conjunto dos agentes, para além das
diferenças de condição e de estilo de vida. (BOURDIEU, 1989, p. 246)

Portanto, partindo de Bourdieu, em sua análise sobre a força do direito, entende-se


o direito estruturado sobre determinados elementos como os poderes simbólicos de
domínio de linguagem específica, execução de procedimentos exclusivos a determinados
sujeitos do campo, poder de nominar-classificar-hierarquizar-excluir, dentre outros,
prevalecendo o uso do direito enquanto instrumento de dominação e não de emancipação.
Para José Eduardo Faria, a sociedade de classes confere uma força unificadora aos
códigos e normas, e eficácia ao governo, de tal forma que o Estado legitima suas decisões
pelo procedimento jurídico, independente do seu conteúdo e da sua efetividade.

Legítima assim é a ordem jurídica da sociedade de classes que, valendo-


se daqueles símbolos para dar aos códigos uma força realmente
unificadora e um significado retoricamente eficaz ao governo do
direito, como algo racional e acima do arbítrio dos dirigentes, torna-se
capaz de produzir uma espécie de “prontidão generalizada” para
aceitação de suas decisões, ainda indeterminadas quanto a seu
conteúdo, dentro de uma certa margem de tolerância. Mediante essa
“legitimação pelo procedimento”, na práxis política do Estado
intervencionista, as decisões produzidas em conformidade com os
procedimentos jurídicos vigentes acabam sendo aceitas
independentemente de sua substância ou teor. (FARIA, 1988, p. 103)

Conforme Faria e sua compreensão sobre o poder simbólico do direito, pode-se


aferir que o discurso jurídico produzido no âmbito institucional – do legislativo ao
42

judiciário – mais reproduz a violência simbólica da invisibilização dos conflitos sociais,


dos sujeitos de direitos e de suas demandas por justiça social. Esta violência simbólica
compromete diretamente a eficácia jurídica do ponto de vista das populações e povos
tradicionais que tem suas condições de vida comprometidas nos conflitos, e parece
fortalecer os sistemas legais e políticos cujos lugares de fala estão prévia e
hierarquicamente estabelecidos.
Assim, o direito é concebido como conjunto de ideais abstratos, omitindo-se do
povo que os códigos e normas são controlados para “[...] satisfazer os interesses em
conflitos do sistema social que servem” (FARIA, 1988, p. 110), fazendo com que decisões
contraditórias pareçam coerentes.

O direito é convertido, assim, num mecanismo indispensável às elites


modernizantes para a consecução de seus objetivos, quer de controle
político, quer de mudança econômica, tendo em vista a fixação de novas
estruturas de poder e de produção de riquezas. (FARIA, 1988, p. 111)

Partindo do pensamento de Pierre Bourdieu, segundo o qual as ideologias servem a


interesses particulares que tendem a se apresentar como interesses universais, comuns ao
conjunto do grupo, se constituindo como instrumentos de dominação e poder simbólico
(1989), infere-se que a atuação do poder judiciário tem representado interesses privados
que submetem os interesses coletivos ao êxito de seus projetos econômicos e financeiros,
convencendo-os de que o fazem em prol do bem comum.
Se vê no “direito e na jurisprudência um reflexo direto das relações de força
existentes, em que se exprimem as determinações econômicas e, em particular, os
interesses dos dominantes, ou então, um instrumento de dominação” (BOURDIEU, 1989,
p. 210).
Para Ranielle Caroline de Sousa, “o Judiciário, enquanto um dos três poderes da
república instituídos pela Constituição, tem a função precípua de dizer e aplicar o Direito
em última instância, e tem um papel central e fundamental para a solução dos conflitos
sociais” (2015, p. 10). Ao tomar decisões gera impactos, que podem legitimar violências
e violar direitos.
As decisões judiciais, quando o tema é agrotóxicos, “em geral, priorizam as
argumentações econômicas em detrimento das questões ambientais e de saúde pública”
(CHAVES; FOLGADO; OLIVEIRA, 2018, p. 224) tendo o judiciário, na maioria das
vezes, decidido em favor dos argumentos relacionados às questões econômicas, e se
43

omitido diante das violações de direitos, como o direito à saúde e ao ambiente


ecologicamente equilibrado.

4.2. A ação civil pública e a sentença

O Ministério Público Federal em Rio Verde/GO ajuizou Ação Civil Pública20


(ACP), em março de 2016, contra as empresas Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. e
Aerotex Aviação Agrícola Ltda., em razão da pulverização aérea do agrotóxico Engeo
Pleno, em maio de 2013, na Escola Municipal Rural São José do Pontal, situada no
Projeto de Assentamento Pontal do Buriti, no município de Rio Verde/GO, que resultou
na intoxicação de 92 pessoas, entre professores, funcionários e alunos (BRASIL, 2016).
O principal objetivo da ação civil pública era condenar as empresas Syngenta e
Aerotex a indenizar os danos morais coletivos suportados pela comunidade local de Rio
Verde e pela população brasileira, decorrentes da pulverização aérea de agrotóxico sobre
a escola, que provocou a intoxicação de quase cem de pessoas, colocando em risco a
saúde e o meio ambiente da comunidade (BRASIL, 2016).
Conforme narrado na ACP, a aeronave da empresa Aerotex sobrevoou as
imediações da escola rural ao pulverizar uma plantação de milho situada ao lado,
derramando o agrotóxico Engeo Pleno sobre a instituição de ensino e áreas adjacentes,
desrespeitando a Instrução Normativa nº 02/2008 do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA), que proíbe a pulverização a menos de 500 m (quinhentos
metros) de povoações. Ressalta-se que o Engeo Pleno, composto pelos princípios ativos
lambda-cialotrina e tiametoxam, em se tratando da cultura do milho, é indicado somente
para pulverização terrestre (BRASIL, 2016).
Ainda, consta nos fatos da ACP que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais (IBAMA) publicou um comunicado no Diário Oficial da União (DOU)
desautorizando a modalidade de pulverização aérea, em todo o território nacional, de
todos os agrotóxicos compostos por Imidacloprido, Tiametoxam, Clotianidina ou
Fipronil, sejam isolados ou em misturas com outras substâncias. Essa determinação
passou a vigorar em julho de 2012 (BRASIL, 2016).

20
Ação Civil Pública nº 0000984-24.2016.4.01.3503 ajuizada pelo Ministério Público Federal na 1ª Vara
da Comarca de Rio Verde/GO em 27 de março de 2016.
44

Ademais, fora publicada no DOU a Instrução Normativa Conjunta nº 01/2013, em


janeiro de 2013, pela Secretaria de Defesa Agropecuária e IBAMA, autorizando a
aplicação aérea dos agrotóxicos Tiametoxam ou Clotianidina, para as culturas de soja,
algodão, cana de açúcar, arroz e trigo, quando outras alternativas não forem viáveis.
Contudo, na bula do agrotóxico Engeo Pleno, publicada em março de 2015, constava a
permissão para a aplicação nas culturas soja, trigo, algodão e cana de açúcar, sem o alerta
de aplicação somente em último caso (BRASIL, 2016).
O Ministério Público Federal em Goiás considerou para ingressar com a ação civil
pública em desfavor das empresas Aerotex e Syngenta, os danos morais coletivos
causados aos seguintes objetos de proteção jurídica: o meio ambiente, o consumidor,
qualquer outro interesse difuso ou coletivo, e a ordem econômica, elencados no art. 1º da
Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) (BRASIL, 2016).
A ação civil pública considerou os danos morais coletivos causados a comunidade
local de Rio Verde e a sociedade brasileira, sob a ótica da saúde pública, do meio
ambiente, dos direitos do consumidor e da ordem econômica, considerando os riscos que
os agrotóxicos representam à saúde humana, ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, ao bem estar do consumidor e à justiça social.
A ACP argumentou pela responsabilidade das empresas Aerotex e Syngenta, tendo
a primeira pulverizado o agrotóxico Engeo Pleno sobre a plantação de milho e sobre a
escola, mesmo ciente da proibição da pulverização aérea do composto Tiatomexam nesta
cultura, e tendo a segunda, colocado produto nocivo em circulação sem a devida
advertência da ilicitude da pulverização aérea, contrariando o art. 9º do Código do
Consumidor (BRASIL, 2016), ressaltando-se que a responsabilidade das empresas não é
reciprocamente excludente.

Destaque-se que a responsabilidade da AEROTEX e da SYNGENTA


não é reciprocamente excludente. Enquanto a SYNGENTA por
obrigação legal e dever de boa fé objetiva deveria ter alertado o usuário
de forma clara, expressa e inequívoca da proibição editada pelo IBAMA
de pulverização aérea do produto, a AEROTEX faltou ao seu dever de
diligencia ao pulverizar o produto Engeo Pleno sem autorização legal e
em local circunvizinho a escola e ao rio. (BRASIL, 2016, p. 17).

Conforme argumentos jurídicos apresentados na ação civil pública, restaram


demonstrados os requisitos para responsabilização por danos morais coletivos: a ação, a
existência do dano moral coletivo e o nexo causal, sendo a ação a pulverização aérea de
45

agrotóxicos na escola pela empresa Aerotex e a falha no dever de informação sobre a


proibição da pulverização aérea do produto, pela empresa Syngenta; o dano moral
coletivo consubstanciado na perturbação social, efeitos causados ao atingidos e
familiares, e riscos à comunidade local; e o nexo causal representado pela exposição
indevida das pessoas ao agrotóxico (BRASIL, 2016).
Na ACP salienta-se que o objeto de discussão não é a extensão e permanência dos
danos à saúde dos atingidos, mas o dano moral causado à coletividade pela pulverização
aérea de agrotóxicos na escola.
A ACP traz que o evento danoso (intoxicação de pessoas pela pulverização de
agrotóxico na Escola Municipal Rural São José do Pontal) teve origem na prestação de
serviço decorrente da relação de consumo entre Neilon, trabalhador rural e proprietário
da lavoura de milho sobre a qual ocorreu a pulverização indevida, e a Aerotex, empresa
que realizou a pulverização, sendo que as pessoas intoxicadas pelo agrotóxico se
enquadram como consumidoras bystanders21 (BRASIL, 2016).
Ainda, a empresa Syngenta falhou em seu dever de prestar informações adequadas
e completas ao consumidor, previsto no art. 31 do Código do Consumidor, e não deu o
devido suporte aos aplicadores, usuários e consumidores do produto tóxico por ela
fabricado, sendo que o dano teve origem na inobservância de um dever de cuidado das
empresas (BRASIL, 2016).
Por fim, a ACP trabalha com a teoria do diálogo das fontes, que tem sido inserida
na doutrina e jurisprudência brasileira para proteção dos sujeitos vulneráveis nas relações
jurídicas, sendo “necessária a comprovação de vulnerabilidade do sujeito para aplicar-lhe
todas as normativas do microssistema de proteção ao vulnerável do direito brasileiro”
(BRASIL, 2016. p. 37).

A vulnerabilidade no caso concreto pertence aos sujeitos atingidos pela


inadvertida pulverização aérea realizada pela AEROTEX, mas também
pode ser estendida a toda a comunidade local, que confiante na
segurança do trato jurídico enfrentado se vê impelida a situações
jurídicas das quais não tern clareza dos danos e consequências: 1)
consome produtos agrícolas contaminados com agrotóxicos
provenientes de pulverização aérea inadvertida; 2) tem danos a saúde
provenientes de intoxicação direta da pulverização de agrotóxicos; 3)

21
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 17, prevê a existência dos consumidores bystanders,
definidos como todos aqueles que apesar de não possuírem relação direta de consumo com o prestador ou
fornecedor do serviço, venham a sofrer dano devido ao mau funcionamento de um produto ou falha na
prestação de um serviço (BRASIL, 2016, p. 29).
46

tem bens da natureza como água e solo gravemente prejudicados.


(BRASIL, 2016, p. 37)

Diante da vulnerabilidade dos sujeitos envolvidos, do dano social causado e das


falhas na prestação de serviço e nos deveres de informação das empresas, levanta-se a
aplicação do Código de Defesa do Consumidor, normativas de proteção ambiental, regras
e princípios de defesa da saúde coletiva e princípios da ordem econômica no presente
caso (BRASIL, 2016).
A ação civil pública pediu a condenação das empresas Aerotex e Syngenta à
reparação dos “danos morais coletivos, em valor não inferior à R$ 10.000.000,00 (dez
milhões de reais) a serem aplicados em ações vinculadas à saúde nos municípios da região
de Rio Verde/GO, local onde ocorreram os fatos” (BRASIL, 2016, p. 44).
Mediante a proposição da ação civil pública, a Syngenta apresentou contestação
sustentando que após a publicação do comunicado do IBAMA sobre a proibição de
pulverização aérea de Engeo Pleno, e a orientação para fixar etiqueta com advertência no
produto, o MAPA e o IBAMA expediram, em outubro de 2012, ato que revogou o
comunicado, autorizando a pulverização aérea dos agrotóxicos que possuíam
Tiametoxam em sua composição, e dessa forma, a Syngenta não teria o dever de fixar
informação nas embalagens alertando sobre a proibição da pulverização aérea, não tendo
responsabilidade alguma sobre o evento danoso (BRASIL, 2018).
Ainda, a Syngenta sustentou a não ocorrência de danos morais coletivos, alegando
os danos à saúde se deram em âmbito individual e a ausência de danos morais coletivos
sob a ótica do meio ambiente, dos direitos do consumidor e da ordem econômica,
argumentando que não houve comprovação da ocorrência de danos ambientais, que o Sr.
Neilon não pode ser considerado consumidor por não ser destinatário final do produto, e
que a Syngenta não falhou com o suporte aos seus clientes (BRASIL, 2018).
A Aerotex, em sua contestação, argumentou que Neilon teria afirmado que somente
havia uma casa abandonada na área próxima à lavoura, que não houve comprovação dos
danos e do nexo causal pelo Ministério Público Federal, que não houve dano moral sob a
ótica da saúde, em razão da baixa toxicidade do agrotóxico e que não existiu dano moral
sob a ótica do meio ambiente, pois os prejuízos não foram especificados e comprovados
(BRASIL, 2018).
Ainda, a empresa de pulverização aérea alegou que não ocorreu dano moral sob a
ótica dos direitos do consumidor e da ordem econômica, pois não houve relação de
47

consumo entre o trabalhador rural e a empresa produtora do agrotóxico e não ocorreu


infração à ordem econômica, bem como, não se configurou o dano moral coletivo, pois o
fato não foi grave o suficiente para abalar a tranquilidade social da comunidade, sendo a
comoção provocada e aumentada pela mídia (BRASIL, 2018).
O Ministério Público Federal, em sede de impugnação, argumentou que o ato
conjunto nº 01 de 02/10/2012, expedido pelo MAPA e o IBAMA, não revogou a proibição
da pulverização aérea dos agrotóxicos com Tiametoxam, mas apenas autorizou
temporariamente, a aplicação destes nas culturas de arroz, cana de açúcar, soja e trigo,
permanecendo, portanto, a proibição de pulverização aérea na cultura do milho, e sendo
descabida a alegação de que a responsabilidade é exclusiva da Aerotex, uma vez que a
Syngenta descumpriu seu dever de informar. (BRASIL, 2018).
Ademais, o MPF alegou que restou comprovado o nexo causal e o fato, quais sejam
a pulverização ilícita que resultou na intoxicação de 92 pessoas, caracterizando-se o dano
moral coletivo pela ofensa à coletividade, além da alegada baixa toxicidade do agrotóxico
não eximir as empresas da responsabilidade decorrente da violação ao dever de segurança
(BRASIL, 2018).
O MPF requereu o julgamento antecipado da lide e a Aerotex juntou provas, tendo
a Syngenta informado não ter prova a produzir, então prosseguiu-se a prolação da
sentença (BRASIL, 2018).
No mérito, a sentença argumentou pela caracterização do dano moral coletivo,
conceituando o dano moral coletivo a partir de uma dimensão ampla, que compreende
violações de direitos e práticas de condutas ilícitas que atinjam a coletividade (BRASIL,
2018). Nesse sentido, considerou que “como no presente caso os direitos concernentes à
dignidade, tranquilidade, sossego, paz, respeito à família, proteção à criança, que
configuram desdobramento do direito à vida digna foram atingidos de forma coletiva,
impõe-se reconhecer o dano moral coletivo” (BRASIL, 2018, p. 11).
Dessa forma, a decisão traz que é inútil a discussão sobre a existência ou não de
danos morais coletivos sob a ótica do meio ambiente, dos direitos do consumidor e da
ordem econômica, uma vez que o “dano se caracteriza por violação à integridade
psicofísica da coletividade” (BRASIL, 2018, p.11).
A pulverização aérea de agrotóxico na Escola Municipal São José do Pontal violou
a integridade psicofísica das crianças, adolescentes e adultos atingidos, ocasionando
danos à sua saúde física, emocional e psicológica, que prejudicaram seu convívio em
sociedade e abalaram sua tranquilidade.
48

A configuração do dano moral coletivo, para além dos danos causados às vítimas,
“reside, também, nos prejuízos causados a toda sociedade, em virtude da vulnerabilização
de crianças e adolescentes” (BRASIL, 2018, p. 12). A sentença consubstancia a existência
do dano moral coletivo a partir da violação dos direitos da criança e do adolescente,
previstos nos artigos 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que
repercutem na comunidade local e em toda a sociedade (BRASIL, 2018).
Em relação a existência de dano moral coletivo sob a ótica do meio ambiente,
embora a Aerotex tenha argumentado que se existisse dano ambiental o MPF teria pedido
a reparação in natura, tratando-se de poluição ambiental atmosférica por agrotóxico que,
em regra, não deixa vestígios, não há impedimento para que se reconheça a ocorrência do
dano ambiental (BRASIL, 2018).
A decisão afirmou que o que deve ser tomado em conta para aferir a ocorrência do
dano moral e reconhecer o dever de indenizar, é a conduta praticada, o evento danoso
(ação) e não suas consequências (resultado) (BRASIL, 2018).
Em relação à responsabilidade das empresas Syngenta e Aerotex, a sentença
argumenta que a pulverização aérea de agrotóxico sobre a Escola Municipal Rural São
José do Pontal é fato notório e incontroverso, e que o nexo causal da conduta da Aerotex
é sobretudo normativo, uma vez que “descumpriu o dever jurídico de não pulverizar
agrotóxico, por via aérea, nas proximidades de edificações ou escolas” (BRASIL, 2018,
p. 18), além de descumprir a determinação legal do IBAMA de não realizar pulverização
aérea de agrotóxico composto por Tiametoxam em lavoura de milho.
A Syngenta “contribuiu para o evento danoso com inobservância do dever de
cuidado”, deixando de “informar no produto por ela fabricado Engeo Pleno, que a
pulverização na via aérea tinha restrições e que, sobretudo, havia interdição absoluta para
pulverização de milho por avião” (BRASIL, 2018. p. 19).

[...] observa-se que o uso de agrotóxicos consiste em atividade que


demanda conhecimentos específicos e de ordem técnico-científica, de
modo que suas regras e particularidades são desconhecidas da
população em geral. Justamente por isso cabe à fabricante informar e
esclarecer como se deve – e principalmente como não se deve – usar
o produto. (BRASIL, 2018, p. 20) (grifos do autor)

A sentença relatou que a configuração de relação de consumo entre as vítimas da


pulverização e a Syngenta não é relevante para aferir a responsabilidade da empresa no
49

evento danoso, pois o seu dever de informar decorre do princípio da boa-fé objetiva,
disposto no art. 422 do Código Civil (BRASIL, 2018).

[...] a empresa SYNGENTA falhou com o dever de informar a respeito


da proibição de pulverização aérea em lavoura de milho desde 19 de
julho de 2012, quando publicado comunicado do IBAMA
desautorizando a pulverização aérea do agrotóxico Engeo Pleno e
demais compostos a base de Imidacloprido, Tiametoxam, Clotianidina
e Fipronil.

Após a comprovação da existência do dano moral e a atribuição de


responsabilidade, passando para a valoração dos danos morais coletivos, a sentença traz
que

Dois pilares devem ser observados na fixação do dano moral:


moderação e razoabilidade. Assim sendo, é mister que a quantia
arbitrada não se afigure irrisória, esvaziando a função pedagógica de
inibir os causadores da ofensa a se absterem de reincidir em prática
socialmente reprovável, nem excessiva, a ponto de acarretar
enriquecimento sem causa da vítima.
Para tanto, deve-se buscar a consecução simultânea dos seguintes
desideratos: a) desestímulo do agente em praticar nova conduta de igual
natureza; b) conscientização da sociedade quanto à reprovação desse
tipo de comportamento lesivo; c) justa reparação da pessoa lesada
(BRASIL, 2018, p. 30).

O julgador considerou relevante ponderar sobre a gravidade da conduta e os danos


ambientais e abalos psicofísicos causados às vítimas, familiares e comunidade local, mas
considerou que não houve maiores sequelas à saúde física das vítimas, e assim, condenou
as empresas, de forma solidária, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos
no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), reconhecendo a quantia como
razoável e proporcional à lesividade da conduta e aos danos provocados à coletividade
(BRASIL, 2018).
Nas ações civis públicas, havendo condenação em dinheiro, a indenização será
revertida ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/1985
e regulamentado pelo Decreto nº 1.306/1994, devendo o mesmo ser “gerido por um
Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o
Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à
reconstituição dos bens lesados” (BRASIL, 1985).
50

Na sentença, o julgador afirmou que numa ação civil pública deve-se levar em
consideração a ocorrência do evento danoso e o nexo causal entre este e a conduta das
empresas, não sendo relevante aferir as consequências geradas. O julgador, embora tenha
considerado que a existência do dano moral coletivo independe da existência (ou não) de
sequelas às vítimas, bastando a configuração do evento danoso, pontuou que “a
inexistência de sequelas pode balizar a quantificação do dano moral coletivo” (BRASIL,
2018, p. 15).
Percebe-se que ao valorar os danos morais coletivos, mesmo considerando a
gravidade da conduta, qual seja a “pulverização de agrotóxico em escola rural – e os danos
ambientais e abalos psicofísicos causados aos alunos, funcionários e professores da
escola, respectivos familiares e a coletividade do assentamento Pontal do Buriti”,
considerou que não houve maiores sequelas à saúde física das vítimas” (BRASIL, 2018,
p. 30), utilizando-se desse argumento para valorar os danos morais coletivos, a serem
pagos solidariamente pelas empresas.

4.3. Sentença favorável às vítimas como efetivo acesso à justiça, ou não?

A sentença se fundou precipuamente nas condutas ilícitas das empresas Syngenta e


Aerotex, que descumpriram normas referentes ao uso e comercialização do agrotóxico
Engeo Pleno, contrariando o seu dever de cuidado e segurança em relação a atividade de
risco que desempenham, o que resultou na ocorrência do evento danoso – a pulverização
aérea do agrotóxicos Engeo Pleno sobre a Escola Municipal Rural São José do Pontal e
a intoxicação dos estudantes, professores e funcionários da instituição de ensino, fato que
repercutiu também no âmbito familiar e na comunidade do assentamento Pontal do Buriti,
onde se situa a escola.
A decisão não trouxe elementos sobre a toxicidade e problemas de saúde causados
por agrotóxicos; os impactos socioambientais provocados pelo uso de agrotóxicos; a
relação do evento danoso com o modelo de produção agrícola da região; a gravidade do
evento danoso aos atingidos, familiares e à comunidade; a lesividade da conduta das
empresas e os danos causados à coletividade; as consequências do evento danoso para a
saúde das vítimas.
Ainda, na fase de valoração dos danos morais coletivos considerou-se que não
houve grandes sequelas à saúde física das vítimas, de modo que fora definido um pequeno
valor, consideravelmente inferior ao pedido da ação civil pública proposta pelo Ministério
51

Público Federal, contrariando os objetivos a serem observados na fixação do dano moral,


elencados na própria decisão: “a) desestímulo do agente em praticar nova conduta de
igual natureza; b) conscientização da sociedade quanto à reprovação desse tipo de
comportamento lesivo; c) justa reparação da pessoa lesada.” (BRASIL, 2018, p. 30).
A condenação das empresas Syngenta e Aerotex ao pagamento do valor de R$
150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a título de indenização por danos morais
coletivos, tem um valor simbólico e político na luta dos movimentos sociais contra os
agrotóxicos, e representa, ainda que parcialmente, uma decisão favorável às vítimas.
Contudo, ao responsabilizar as empresas pelos danos causado às pessoas atingidas, a
decisão não considerou as questões da saúde pública e do meio ambiente, direitos
visivelmente violados na pulverização de agrotóxico sobre a escola, para argumentar
sobre os danos morais causados ao meio ambiente e a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo.
A sentença argumenta pela existência incontroversa do dano moral coletivo e da
responsabilidade da Syngenta e da Aerotex, mediante a ocorrência do evento danoso, fato
notório, e o nexo causal entre este a conduta ilícita das empresas, e considerando que os
danos causados atingem à coletividade, contudo, não considera a extensão dos danos à
saúde coletiva e ao meio ambiente, provocados pela pulverização de agrotóxico na escola,
e as violações de direitos que resultaram da atuação dos órgãos de saúde pública do
município de Rio Verde e das condutas das empresas envolvidas, que pouco ou nada
fizeram em relação ao seu dever de segurança em relação aos atingidos.
A pulverização aérea do agrotóxico Engeo Pleno, produzido pela Syngenta
Proteção de Cultivos Ltda., por um avião da Aerotex Aviação Agrícola Ltda., na Escola
Municipal Rural São José do Pontal, que resultou na intoxicação de 92 pessoas (BRASIL,
2016), envolve, além da responsabilidade das empresas, a responsabilização civil do
proprietário da lavoura de milho que estava sendo pulverizada, situada ao lado da escola,
e a omissão do município de Rio Verde e do estado de Goiás na prestação dos serviços
de saúde às vítimas (MEDEIROS, 2016)22.
Contudo, há poucas jurisprudências a respeito de danos à saúde coletiva e ao meio
ambiente causados por uso de agrotóxicos e uma certa dificuldade de se chegar na

22
Anotações realizadas a partir da fala do Procurador do Ministério Público Federal Jorge Medeiros, no
Grupo de Trabalho (GT) Agrotóxicos: marco legal e estratégias de enfrentamento jurídico, no I Seminário
Internacional e III Seminário Nacional: Agrotóxicos, Impactos Socioambientais e Direitos Humanos,
realizado na Cidade de Goiás/GO, em dezembro do ano de 2018.
52

responsabilização do proprietário da fazenda ou das empresas produtoras do agronegócio,


em razão, da atuação do agronegócio, modelo de desenvolvimento hegemônico no campo
brasileiro, nas esferas do poder público: legislativo, executivo e judiciário (MEDEIROS,
2018).
No estado de Goiás, em especial na microrregião do Sudoeste Goiano, onde situa-
se o município de Rio Verde/GO23, região onde o agronegócio é o modelo de produção
hegemônico, há uma resistência ao controle do uso de agrotóxicos e resistência do poder
público em atuar contra os proprietários e produtores do agronegócio, de forma que o
mesmo tem se mantido omisso diante de casos como a pulverização de agrotóxico na
escola São José do Pontal (MEDEIROS, 2018).
Os danos causados às vítimas pela pulverização do Engeo Pleno na escola rural
persistem até hoje e não foram abarcados pela sentença da ACP proposta pelo Ministério
Púbico Federal, que somente fora prolatada 05 (cinco) anos após a ocorrência do fato. O
valor da indenização a ser pago solidariamente pelas empresas Syngenta e Aerotex será
revertido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, o que, embora represente um ganho
social e político para as populações atingidas por agrotóxicos e para a saúde da
comunidade local, não representou uma efetiva reparação para as vítimas, que ainda
convivem com os danos causados à sua saúde física, psicológica e emocional.
O processo judicial acaba sendo visto como um fim em si mesmo, cujo objetivo é
a prolação da sentença, e desse modo, esvazia-se da tutela efetiva dos direitos violados,
resultando em decisões distantes das realidades e necessidades das pessoas envolvidas
(MEDEIROS, 2018). A sentença da ACP referente à pulverização aérea de agrotóxico na
escola São José do Pontal, tendo como rés as empresas Syngenta e Aerotex, embora
favorável às vítimas, se mostrou ineficaz e omissa em relação aos danos causados à saúde
daquelas pessoas.
O modelo de desenvolvimento econômico hegemônico que se consolidou em Rio
Verde/GO, assim como em outras cidades brasileiras, – o agronegócio, pautado na
“produção de monocultivos; do uso de maquinário de grande porte; do latifúndio; da
produção voltada para exportação e; do uso indiscriminado de agrotóxicos e sementes
transgênicas” (FOLGADO, 2017 p. 12), e as questões sociais, políticas e jurídicas que

23
Rio Verde, pertencente à microrregião Sudoeste de Goiás, é um dos municípios mais antigos do estado,
criado em 1854. Com características favoráveis de relevo, solo e clima, suas atividades econômicas sempre
estiveram ligadas à agropecuária e, mais recentemente, à agroindústria. No processo de expansão da
fronteira agrícola, tornou-se expoente em Goiás e no Brasil na produção agropecuária e no agronegócio
(GUIMARÃES, 2010, p. 31)
53

advém desse modelo de produção, bem como, os impactos causados à saúde humana e ao
meio ambiente pelos agrotóxicos, refletem no descumprimento da função socioambiental
da terra.
A função socioambiental da terra, embora não seja mencionada na Ação Civil
Pública e na sentença, constitui-se como elemento de pano de fundo no caso da
pulverização da escola rural por agrotóxico, uma vez que o evento danoso resultou no
descumprimento dos seguintes requisitos do cumprimento da função social da terra,
previstos no art. 186 da Constituição Federal: preservação do meio ambiente e exploração
que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Os danos causados ao meio ambiente e à saúde dos alunos, funcionários e
professores da escola rural devem ser considerados para se refletir sobre o
descumprimento da função socioambiental da propriedade onde localizava-se a lavoura
de milho, podendo esta questão ser trazida para dimensionar os danos morais coletivos
causados pela pulverização indevida de Engeo Pleno na escola.
O acesso a saúde é um dos elementos fundantes do presente caso, uma vez que as
vítimas, após a intoxicação provocada pela pulverização do agrotóxico Engeo Pleno na
escola rural, continuam sofrendo com as sequelas e danos à saúde, sem acessar aos órgãos
de saúde pública e obter o tratamento adequado, consubstanciando-se os danos morais
coletivos nos danos à saúde e ao meio ambiente ocasionado pela pulverização de
agrotóxicos na escola rural, agravada pelas condutas ilícitas das empresas Syngenta, que
se omitiu em seu dever se informação, e Aerotex, que realizou a aplicação indevida do
agrotóxico Engeo Pleno, por via aérea, na lavoura de milho e na escola rural,
desrespeitando a norma que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos a menos de 500
m (quinhentos metros) de áreas povoadas24.
As vítimas relatam25, cinco anos após a pulverização de agrotóxico na Escola São
José do Pontal, que os fatos ocorridos naquele dia deixaram sequelas à sua saúde física,
psicológica e alteraram sua vida e seu cotidiano. As pessoas atingidas apresentam

24
O art. 10 da Instrução Normativa nº 02, de 03 de janeiro de 2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA), prevê que “para o efeito de segurança operacional, a aplicação aeroagrícola fica
restrita à área a ser tratada, observando as seguintes regras: I - não é permitida a aplicação aérea de
agrotóxicos em áreas situadas a uma distância mínima de: a) quinhentos metros de povoações, cidades,
vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população [...]” (BRASIL, 2008)
25
Entrevistas realizadas pela autora, por Murilo Mendonça Oliveira de Souza e Janiel Divino de Souza
durante visita realizada ao Assentamento Pontal do Buriti e à Escola Municipal Rural São José do Pontal.
Em maio 2018.
54

problemas crônicos de saúde, decorrentes da intoxicação por agrotóxico, e enfrentam a


falta de acesso à saúde pública e aos tratamentos especializados de que necessitam.

O J. P. estava na quadra, jogando bola, na educação física, quando


aconteceu o fato, e ele, depois disso, começou com problema na
respiração, e foi até surgir bronquite, e juntou tudo, e direto fica
doente, tem que ficar fazendo exame, levando pro hospital, comprando
remédio, e assim está até hoje, ele foi uma das crianças que nunca foi
chamada para fazer o tratamento, nem exame, nem nada (Informação
Verbal, Sra. R., Rio Verde/GO, maio de 2018)26.

A mãe de uma das crianças intoxicadas relata que cinco anos após a pulverização
de agrotóxico na escola, o caso caiu no esquecimento da população, da mídia e da justiça,
e nada foi solucionado, e que somente queria que dessem assistência ao seu filho, para
que ele fizesse os exames e o tratamento necessários.

Nada, porque do lado deles esquecerem do assunto, ninguém tem


solução de nada, ninguém fala mais nada, o caso foi abafado, e é isso.
Eu queria que eles dessem assistência para estar fazendo exame, nem
tanto por causa de indenização não, preocupo mais com a saúde do
meu filho, isso que eu queria, ajuda deles para estar fazendo exame,
levando no hospital, porque igual ele deu esse problema, agora tem que
ficar levando direto, qualquer coisa tá doente, então eu queria isso,
queria esse tipo de ajuda [...] Porque tem muito gasto com remédio,
coisa de R$ 200,00, R$ 300,00, coisa que ele não tinha, porque ele era
um menino sadio, e agora é direto, tá com esse problema de respiração,
dessas coisas, junta tudo, tem que ficar levando no médico, então a
gente anda gastando muito, então a gente queria esse tipo de ajuda,
nessa parte da saúde, de estar fazendo exame, estar dando assistência
para nós, não é só questão de indenização, eu quero é saúde para o
meu filho, porque eles estavam na escola estudando (Informação
Verbal, Sra. R., Rio Verde/GO, maio de 2018).

O filho de R. e vítima da pulverização aérea de agrotóxico relata “que eles deviam


ajudar nois, fazer exame, levar no hospital, quando eu fico doente, eu quase não consigo
respirar direito, tossindo muito, o peito fica carregado” (Informação Verbal, J. P., maio
de 2018)27.

26
Entrevistas realizadas pela autora, por Murilo Mendonça Oliveira de Souza e Janiel Divino de Souza
durante visita realizada ao Assentamento Pontal do Buriti e à Escola Municipal Rural São José do Pontal.
Em maio 2018.
27
Entrevistas realizadas pela autora, por Murilo Mendonça Oliveira de Souza e Janiel Divino de Souza
durante visita realizada ao Assentamento Pontal do Buriti e à Escola Municipal Rural São José do Pontal.
Em maio 2018.
55

A Sr. M. S., assentada no P. A. Pontal do Buriti contou sobre o descaso em relação


às vítimas que foram atendidas no hospital, no dia dos fatos, e que sua sobrinha até hoje
apresenta problemas de saúde e nunca foi chamada para fazer exames ou receber qualquer
atendimento.

Foi a saúde das crianças né, que foi prejudicada, só não as crianças,
os professor, as professora, e fiquemo magoado porque eu mesma não
tava lá, não vi, mas quem que tava lá com crianças passando mal,
morre não morre, que é vizinho meu, disse que eles foi muito, assim,
não sei porque, não sei se foi repórter o que que foi, eles foi muito
grosseiro com a mãe de um aluno que estava passando mal lá no UPA.
Aí eu fiquei muito magoada por causa disso, porque eles estavam
fazendo pouco caso né. É, eu tenho uma sobrinha minha também, que
essa sim, essa está prejudicada mesmo por causa desse acidente desse
veneno, e até hoje também nunca chamaram ela para fazer exame nem
nada, abandonaram a causa, ninguém nem fala mais nisso. [...] Foi
muito triste, mas triste mesmo, porque eu não tava na hora, mas logo
chegou a notícia para nois que foi muito pavor, muitos professor
desmaiando, crianças gritando e desmaiando. O que eu acho que
precisa ser feito é eles passar a saber, procurar das crianças que foi
atingido, ou os professor também, ou professora, porque não estava só
as crianças na sala de aula né, merendeira, zeladeira da escola, passar
a saber, passar a dar mais assistência né, às crianças e às pessoas que
foram atingidas pelo veneno (Informação Verbal, Sra. M. S., Rio
Verde/GO, maio de 2018).

O Sr. W. M., assentado no P.A. Pontal do Buriti e pai de dois alunos que estavam
na escola no momento da pulverização de agrotóxico e foram intoxicados, relata como os
fatos aconteceram no dia 03 de maio de 2013, e que seus filhos sofreram sequelas à sua
saúde física e mental que perduram até hoje e nunca tiveram apoio para a realização de
exames.

O agrotóxico é o seguinte, a gente tinha conhecimento que é um


produto perigoso, até que nois trabalha um pouco com ele nas
lavouras, mas não deixa perto das casa, e o agrotóxico foi jogado, e
quando a gente ficou sabendo, a gente tava em casa, meus meninos
estavam aí, a gente ficou sabendo que tinha criança desmaiando,
passando mal, e a gente ficou apavorado, foi saber qual o veneno, o
veneno era o tal de Engeo Pleno, é um produto para matar lagarta do
cartucho, matar percevejo, esse tipo de coisa assim, pulgão, é um
veneno forte, sabe, é um produto que não poderia nem ser jogado
aéreo, é proibido por lei jogar ele aéreo, mas o agrônomo que receitou
da Comigo autorizou ele jogar o veneno aéreo. Aí jogaram, passaram
em riba da escola, diz que não sabia que era escola, o que eles
alegaram foi isso, mas o cara sabia, porque onde tava aquele tanto de
menino brincando, no pátio, aí as crianças contaminou, e não foi só
menino, teve mais gente que contaminou, teve professor, inclusive o
56

diretor teve problema, então foi uma catástrofe para nós aquilo lá.
Meus meninos, fiquei com dois filhos meu com problema, com sequela,
um passou a sofrer epilepsia e até hoje, desmaia, passa um mês, dois,
e quando cê vê o menino tá desmaiando, o rapaz, vai fazer 18 anos já.
E o outro passou a sofrer dor de cabeça, e foi num foi, saiu alergia e
falta de ar, ficou sequela nos meus filhos, com esses problemas. E a
gente nunca tivemo um apoio, pra fazer exame, um exame mais caro
eles não dá, eles dá exame de sangue, quando é pra você fazer um
exame que custa mais dinheiro, a secretaria não dá. Eu tenho um exame
protocolado lá tem dois anos, que o médico de São Paulo veio aí e
pediu, e nunca foi feito, do meu menino mais velho (Informação Verbal,
Sr. W. M., Rio Verde/GO, maio de 2018)28.

O Sr. W. M. ainda relatou que contratou uma advogada e o caso está na justiça, mas
que gostaria de falar diretamente com o juiz sobre a situação dos seus filhos, que queria
que eles recebessem um tratamento adequado, e caso as empresas não possam arcar com
o tratamento, ao menos paguem a indenização para que ele possa cuidar da saúde de seus
filhos. O Sr. W. M. afirmou que tem gastado muito com as idas dos seus filhos ao
município de Rio Verde/GO para fazer exames, e que não tem condições financeiras de
custear todos os exames solicitados pelos médicos.

[...] Então sobre as crianças não foi feito nada até hoje. A causa tá na
justiça, já teve duas audiência, mas o juiz que intimou nós, foi a
advogada que deu o papel, mas o juiz não recebeu nois, nois fiquemo
no corredor lá do fórum, e ele só falou com os advogados. E a nossa
advogada, que é a Dra. L., a gente não sabe se ela fala do jeito que a
gente gostaria que falasse, a gente tem confiança nela, sabe que ela tá
fazendo o trabalho certo nosso né, mas a gente não sabe, a gente
gostaria de falar com o juiz, o caso do meu filho por exemplo né, que
nunca pude falar. [...]A gente queria que tivesse um tratamento pras
crianças da gente, e se foi pedido uma indenização, já que não fizeram
nada, se não pode fazer o tratamento, indeniza nois que nois trata dos
nossos filhos, só isso que nois queria, mais nada, não queremo
prejudicar ninguém não. A preocupação hoje é que os filho da gente
continua com essas sequela, igual meu filho, meu filho mais velho que
passou a sofrer epilepsia, desmaia, ele tá tomando remédio controlado,
e que esse trem continua, porque assim, o trem tem cinco anos, a gente
ta fazendo o tratamento do jeito que nois pode, eu acho que se nois
tivesse condição de fazer um tratamento melhor podia sarar né [...]
Então a preocupação nossa é da gente não ter recurso, ajuda deles né,
porque o culpado é ele né, quem é obrigado a cuidar dos filhos da gente
é a gente mas já que eles jogou esse veneno aí, alguém tinha que arcar
com isso né, os responsáveis tinham que arcar com isso. A gente já

28
Entrevistas realizadas pela autora, por Murilo Mendonça Oliveira de Souza e Janiel Divino de Souza
durante visita realizada ao Assentamento Pontal do Buriti e à Escola Municipal Rural São José do Pontal.
Em maio 2018.
57

gastou muito com viagem, a gente fica indo, porque daqui em Rio Verde
é longe né, a gente leva os meninos, de vez em quando vai lá para fazer
um exame, vai lá, as vezes só faz uma consulta, não faz o exame né, o
médico pede um exame, mas as vezes a gente não tem condição de fazer
o exame né [...] (Informação Verbal, Sr. W. M., Rio Verde/GO, maio
de 2018).

O Sr. W. M. relatou que às vezes fica nervoso, pensando “será que o piloto não
viu?”, e se sente discriminado por viver em um assentamento. Ainda, falou que a justiça
não está do lado dos assentados e já se passaram cinco anos e até hoje não teve resposta
efetiva da justiça em relação ao caso, que ouviu no rádio sobre a ação civil pública, mas
considera o valor da indenização pequeno diante da quantidade de pessoas atingidas.

[...] Da um pavor na gente, tem hora que a gente fica com raiva né, tem
hora que a gente fala será que foi acidente mesmo, será que eles não
viu, será que o piloto não viu? A gente fica com raiva né, fica nervoso,
a gente pensa assim que a gente tá discriminado, porque a gente é do
assentamento, aí ninguém quer fazer nada, a justiça não pende para o
nosso lado, pro nosso lado acho que a justiça tá meio devagar, não
ajuda nois não, porque o juiz fala que ta correndo esse caso na justiça,
mas não sei se é porque a gente fica com pressa, mas cinco ano não é
cinco dia né, até hoje não aconteceu nada. Fiquei sabendo, ouvi
passando no rádio essa ação, ainda falei assim, mas essa ação para
noventa e tantas pessoas, R$ 150.000,00, falei essa aí nois não precisa
nem de ir atrás, porque se for pagar, não dá nem pra pagar consulta
desses menino, isso não existe, uma indenização desse tamanho assim
não, isso aí acho que é uma brincadeira que foi feito (Informação
Verbal, Sr. W. M., Rio Verde/GO, maio de 2018).

Percebe-se a partir das falas destas pessoas, vítima e familiares, que as crianças,
adolescentes e adultos que estavam na Escola São José do Pontal no dia 03 de maio de
2013 e foram atingidas pela chuva de veneno29, derramada sobre a instituição de ensino
e nas pessoas que lá estudavam, brincavam e trabalhavam, sofrem com problemas
crônicos de saúde, ocasionados pela intoxicação por agrotóxico, e não receberam até hoje
o acompanhamento médico necessário.

29
Expressão retirada do filme “Brincando na chuva de veneno” dirigido por Dagmar Talga, lançado em
2013 e que retrata o episódio da pulverização aérea do agrotóxico Engeo Pleno na Escola Municipal São
José do Pontal, que resultou na intoxicação de alunos, professores e funcionários
58

Embora diversas ações judicias tenham sido propostas30, objetivando a condenação


das empresas Syngenta e Aerotex ao pagamento de indenização por danos morais
coletivos ou colocando a União, o Estado de Goiás e o Município de Rio Verde como
pólo passivo, diante das omissões em relação ao caso e do seu dever de garantir a saúde
e o bem-estar das pessoas atingidas, garantido o atendimento e tratamento adequado, as
ações não surtiram efeitos na vida das vítimas, sendo estas julgadas extinta, sem
apreciação do mérito, ou parcialmente procedente.
A ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, embora tenha sido
julgada parcialmente procedente, e condenado as empresas Syngenta e Aerotex ao
pagamento de indenização a título de danos morais coletivos no valor de R$ 150.000,00
(cento e cinquenta mil reais), a serem revertidos ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos,
não representou uma tutela efetiva do direito à saúde das pessoas atingidas.
No decorrer dos argumentos apresentados na sentença, o julgador não tratou sobre
a questão da saúde das vítimas e do acesso à saúde pública, e na fase de valoração dos
danos morais, a sentença considerou que não houve sequelas graves à saúde física das
vítimas, quando nos relatos dos sujeitos envolvidos resta demonstrado a permanência e
agravo dos problemas de saúde decorrentes da intoxicação ocasionada pela pulverização
aérea do agrotóxico Engeo Pleno na escola.
O papel das ações coletivas, segundo Dany Cohen, além de garantir a reparação dos
danos a todas, ou pelo menos grande parte, das vítimas, buscando cessar o dano e mudar
a postura nociva à sociedade, permite obter-se um ganho pela mudança de postura das
empresas, que considerando o valor significativo de indenização às vítimas, acabam
compelidas a não repetirem as mesmas condutas (MENDES; SILVA, 2015).
Contudo, a ação civil pública, além de não garantir a reparação dos danos às vítimas
da pulverização aérea de agrotóxico, que continuam sofrendo com os danos à saúde
decorrentes da intoxicação, não valorou a indenização de maneira suficiente a compelir
as empresas Syngenta e Aerotex a não repetirem as mesmas condutas.
Diante das falas dos sujeitos, questiona-se se houve (ou não) efetivo acesso à justiça
para os mesmos, embora o conflito tenha sido judicializado e obtido um resultado
favorável através da ação civil pública, compreendendo-se o acesso à justiça, a partir do
conceito defendido por Francisco das Chagas Lima Filho, “como um direito de caráter

30
Ver subtópico “Atuação da mídia, do judiciário e do poder público frente ao conflito” do primeiro
capítulo.
59

fundamental a uma ordem justa, não estando limitado ao simples acesso à Jurisdição e ao
processo” (SOUSA JÚNIOR, 2008, p. 154).
Segundo Boa Ventura de Souza Santos, o modelo ideológico construído em torno
da questão da mediação dos conflitos pensa o mundo por meio de uma concepção
normativista, considerando a lei como elemento central para a análise da realidade,
perdendo a possiblidade de uma leitura pautada na experiência e tendo como elemento
analítico o conflito em si (SOUSA JÚNIOR, 2008), de forma que na análise da realidade,
as normas prevalecem sobre o conflito e as necessidades dos sujeitos envolvidos, e por
diversas vezes, a lei e as decisões judiciais acabam se distanciando do direito e da justiça.

Direito e Justiça caminham enlaçados; lei e Direito é que se divorciam


com frequência. Onde está a Justiça no mundo? -, pergunta-se. Que
Justiça é esta, proclamada por um bando de filósofos idealistas, que
depois a entregam a um grupo de ―juristas, deixando que estes
devorem o povo? A Justiça não é, evidentemente, esta coisa degradada.
Isto é negação da Justiça, uma negação que lhe rende, apesar de tudo, a
homenagem de usar seu nome, pois nenhum legislador prepotente,
administrador ditatorial ou juiz formalista jamais pensou em dizer que
o ―direito deles não está cuidando de ser justo. Porém, onde fica a
Justiça verdadeira? Evidentemente, não é cá, nem lá, não é nas leis
(embora às vezes nelas se misture, em maior ou menor grau); nem é nos
princípios ideais, abstratos (embora às vezes também algo dela ali se
transmita, de forma imprecisa): a Justiça real está no processo histórico,
de que é resultante, no sentido de que é nele que se realiza
progressivamente. (LYRA FILHO, 1982, p. 55).

José Geraldo de Sousa Junior (2015, p. 22) considera que há pelo menos dois níveis
de acesso à justiça: um limitado, que reafirma o sistema judicial; e outro, mais amplo, que
se consolida em espaços de sociabilidade que se localizam fora ou na fronteira do sistema
de justiça (RAMPIN, 2018, p. 130).
Portanto, para que as populações atingidas e vulnerabilizadas nos processos de
mediação de conflitos, alcancem o efetivo acesso à justiça, faz-se necessário alargar o
entendimento sobre acesso à justiça, que corresponde a compreendê-lo enquanto

[...] procedimento de tradução, uma estratégia de mediação capaz de


criar uma inteligibilidade mútua entre experiências possíveis e
disponíveis para o reconhecimento de saberes, de culturas e práticas
sociais que formam as identidades dos sujeitos que buscam superar os
seus conflitos, o que faz do acesso à justiça algo mais abrangente que
acesso ao Judiciário. (SOUSA JUNIOR, 2015, p.20).
60

O espaço jurídico deve se renovar constantemente e estar atento às mudanças dos


contextos sociais e políticos (IGREJA, 2017). A justiça deve estar atenta às novas
demandas de direitos e às necessidades dos sujeitos que se inserem no campo de mediação
de conflitos.
61

5. Considerações finais

Conflitos ambientais como a pulverização aérea de agrotóxico na Escola Municipal


Rural São José do Pontal, situada no assentamento Pontal do Buriti, que resultou na
contaminação do meio ambiente e na intoxicação de 92 pessoas, são expressão das
injustiças ambientais que compõem o cenário dos modelos de desenvolvimento
produtivistas, economicistas, exploratórios e desiguais.
O agronegócio, modelo de desenvolvimento econômico hegemônico no campo, traz
em seu bojo a manutenção dos interesses de uma classe dominante em detrimento dos
interesses coletivos, encerrando uma arena de conflitos entre os grandes produtores do
agronegócio e as populações que vivem atreladas a esse modelo de produção, em situação
de vulnerabilidade social e econômica.
A pulverização aérea de agrotóxico na Escola São José do Pontal se constitui como
conflito e injustiça ambiental, neste cenário de distribuição desigual dos recursos
ambientais, vulnerabilização social e violações de direitos humanos.
As classes dominantes instrumentalizam o direito para pautar e legitimar seus
interesses econômicos, que se sobrepõem aos interesses público e coletivo, de forma que
o direito e os instrumentos jurídico-normativos são apropriados, por esses grupos, para a
realização do capital.
Isto evidencia-se no desenrolar processual das demandas jurídicas relacionadas a
conflitos socioambientais e violações de direitos humanos. Nestes casos, ocorre uma
mitigação dos direitos fundamentais e sociais preconizados pela Constituição Federal e
uma deslegitimação dos relatos das vítimas, cujas histórias e vivências são negadas,
buscando-se soluções paliativas, que não interfiram na imagem e na ordem econômica
das classes dominantes.
Partindo da análise da sentença referente à ação civil pública proposta pelo
Ministério Público Federal, que condenou as empresas Syngenta e Aerotex ao pagamento
de danos morais coletivos decorrentes da pulverização aérea de agrotóxico na Escola São
José do Pontal, percebe-se que os conflitos, ainda quando judicializados e as decisões
prolatadas forem favoráveis às vítimas, podem obter uma resolução que represente um
não acesso à justiça para as pessoas atingidas.
A decisão não tratou sobre a questão da saúde das vítimas e o acesso à saúde
pública, e na fase de valoração dos danos morais, considerou que não houve sequelas
graves à saúde física das vítimas. Contudo, as falas das pessoas atingidas e de seus
62

familiares retratam as sequelas deixadas pela intoxicação causada pela pulverização aérea
de agrotóxico na escola. As vítimas apresentam problemas crônicos de saúde, e até hoje
– cinco anos depois – não receberam o acompanhamento médico adequado. Os atingidos
pela pulverização de agrotóxico são invisibilizados pelo poder público e pela justiça.
63

6. Referências

ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais: o caso do movimento por justiça
ambiental. São Paulo: Estudos Avançados, 2010.

ACSELRAD, Henri. Conflitos Ambientais: a atualidade do objeto. In: ACSELRAD, H.


(org). Conflitos ambientais no Brasil, Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.

ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental: ação coletiva e estratégias argumentativas. In:


ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. Justiça ambiental
e cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.

AUGUSTO, Lia Giraldo da Silva et al. Insustentabilidade socioambiental do agronegócio


brasileiro. In: CARNEIRO, Fernando Ferreira; AUGUSTO, Lia Giraldo da Silva;
RIGOTTO, Raquel Maria; FRIEDRICH, Karen; BÚRIGO, André Campos (org). Dossiê
Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV;
São Paulo: Expressão Popular, 2015.

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. FENERGAN


(cloridrato de prometazina), Sanofi-Aventis Farmacêutica Ltda. Disponível em:
<http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmVisualizarBula.asp?pNuTransacao=75
56382015&pIdAnexo=2822070>. Acesso em: 13 março 2018.

BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 0000984-


24.2016.4.01.3503, da 1ª Vara da Comarca de Rio Verde-GO, Rio Verde, GO, 27 de
março de 2016.

BRASIL. Ministério Público Federal. Página Inicial, Sala de Imprensa, Notícias.


MPF/GO ajuíza ação contra empresas que contaminaram cerca de 92 pessoas com
uso irregular de agrotóxicos. Goiânia, 29 abril 2016. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/go/sala-de-imprensa/noticias-go/mpf-go-ajuiza-acao-contra-
empresas-que-contaminaram-cerca-de-92-pessoas-com-uso-irregular-de-agrotoxicos>
Acesso em: 04 jan. 2019.
64

BRASIL. Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Ação Civil Pública nº 0000984-
24.2016.4.01.3503, da 1ª Vara da Comarca de Rio Verde-GO, Rio Verde, GO, 14 de
março de 2018.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 1989.

CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio


Antonio Fabris Editor, 1988.

CARNEIRO, Fernando Ferreira; NETTO, Guilherme Franco. Prefácio. In: PORTO, M.


F; PACHECO, T E LEROY, J. P (Org.). Injustiça ambiental e saúde no Brasil: O
Mapa de Conflitos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013. p. 10 – 11.

CARSON, Raquel. Primavera silenciosa. Tradução de Raul de Polillo. 2. ed. São Paulo:
Edições melhoramentos, 1962.

CHAVES, Carlos Eduardo Lemos; FOLGADO, Cleber Adriano Rodrigues; OLIVEIRA,


Mirna Silva. O papel da advocacia popular no enfrentamento aos agrotóxicos. In:
SOUZA, Murilo Mendonça Oliveira de; FOLGADO, Cleber Adriano Rodrigues (org).
Agrotóxicos e agroecologia: enfrentamentos científicos, jurídicos, políticos e
socioambientais. Anápolis: Editora UEG, 2018.

COSTA, F. A. Formação agropecuária da Amazônia: os desafios do desenvolvimento


sustentável. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal
do Pará, 2000.

DELGADO, Nelson Giordano. Commodities agrícolas. In: CALDART, Roseli Salete;


PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio (org).
Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
65

DELGADO, Guilherme Costa. Do “capital financeiro na agricultura” à economia do


agronegócio: Mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2012.

DELGADO, Guilherme Costa. Economia do agronegócio (anos 2000) como pacto do


poder com os donos da terra. In: Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária
– ABRA. Campinas, 2013.

DELGADO, Guilherme Costa. Expansão e modernização do setor agropecuário no


pós-guerra: um estudo da reflexão agrária. Estudos avançados, 2001.

FARIA, José Eduardo. Eficácia jurídica e violência simbólica: o direito como instrumento
de transformação social. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

FLORES, Joaquín Herrera. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação


Boiteux, 2009

FOLGADO, Cleber Adriano Rodrigues. Sistema Normativo de Agrotóxicos:


Elementos de Contextualização Histórica e Reflexão Crítica. In: Direito e Agrotóxico:
Reflexões críticas sobre o sistema normativo. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2017.

FREITAS, Cleuton César Ripol de. A pulverização aérea na Escola Rural São José do
Pontal: uma abordagem dos fatos e suas circunstâncias. In: SOUZA, Murilo Mendonça
Oliveira de; FOLGADO, Cleber Adriano (org). Agrotóxicos: violações socioambientais
e direitos humanos no Brasil. Anápolis: Editora Universidade Estadual de Goiás, 2016.

GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em


Ciências Sociais. 8ª Edição, Rio de Janeiro: Record, 2004.

IGREJA, Rebecca Lemos. O Direito como objeto de estudo. In: MACHADO, Maíra
Rocha (org.). Pesquisar empiricamente o direito. São Paulo: Rede de Estudos
Empíricos em Direito, 2017.
66

INOCÊNCIO, Maria Erlan; CALAÇA, Manoel. ESTADO: o articulador do processo de


modernização territorial no Cerrado. Espaço em Revista, 2011.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Rio Verde no


Estado de Goiás. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/go/rioverde>
Acesso em: 08 de maio de 2018.

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA.


Blog do Incra Goiás, A Reforma Agrária em Goiás. 2017. Disponível em:
<https://incragoias.wordpress.com/distribuicao-dos-assentamentos-no-estado-de-
goias/#sudoeste> Acesso em: 08 de maio de 2018.

LEITE, Sergio Pereira; MEDEIROS, Leonilde Servolo de Medeiros. Agronegócio. In:


CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo;
FRIGOTTO, Gaudêncio (org). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São
Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.

LEROY, Jean Pierre; PACHECO, Tânia; PORTO, Marcelo Firpo; ROCHA, Diogo.
Mapeando alternativas para o futuro. In: PORTO, Marcelo Firpo; PACHECO, Tânia;
LEROY, Jean Pierre (org). Injustiça ambiental e saúde no Brasil: o Mapa de
Conflitos. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013.

LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 1ª Edição, Coleção Primeiros Passos, São
Paulo: Brasiliense, 1982.

MEDEIROS, Jorge Luiz Ribeiro de. Procurador do Ministério Público Federal, em Rio
Verde/GO.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21ª ed., rev., ampl. e
atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

PACHECO, T; PORTO, M. F. S; ROCHA, D. F. Metodologia e resultados do Mapa: uma


síntese dos casos de injustiça ambiental e saúde no Brasil. In: PORTO, M. F; PACHECO,
67

T E LEROY, J. P (Org.). Injustiça ambiental e saúde no Brasil: O Mapa de Conflitos.


Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013. p. 35 – 71.

PETERSEN, Paulo. Um novo grito contra o silêncio. In: Dossiê Abrasco: Um alerta
sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro/São Paulo: Escola Politécnica
de Saúde Joaquim Venâncio/Expressão Popular, 2015.

PIGNATI, Wanderlei Antônio. Agronegócio, agrotóxicos e saúde. In: SOUZA, Murilo


Mendonça Oliveira de; FOLGADO, Cleber Adriano (org). Agrotóxicos: violações
socioambientais e direitos humanos no Brasil. Anápolis: Editora Universidade
Estadual de Goiás, 2016.

PIGNATI, Wanderlei Antônio et al. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no


Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Revista Ciência e Saúde Coletiva,
2017.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo


dos sistemas regionais europeus, interamericano e africano. 6. ed. rev.; ampl., e atual. São
Paulo: Saraiva, 2015.

PIOVESAN, Flávia. Direito humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed., rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

PONTAL DO BURITI: brincando na chuva de veneno. Produção de Dagmar Talga e


Murilo Mendonça Oliveira de Souza. Direção de Dagmar Talga. Cidade de Goiás:
GWATÁ, 2013.

PORTO, Marcelo Firpo de Souza. Complexidade, processos de vulnerabilização e justiça


ambiental: um ensaio de epistemologia política. Revista Crítica de Ciências Sociais, n.
93, 2011.

PORTO, Marcelo Firpo de Souza. Injustiça Ambiental no Campo e nas Cidades: do


agronegócio químico-dependente às zonas de sacrifício urbanas. In: PORTO, Marcelo
68

Firpo; PACHECO, Tania; LEROY, Jean Pierre (org). Injustiça Ambiental e Saúde no
Brasil: o mapa de conflitos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013.

PORTO, Marcelo Firpo de Souza; MILANEZ, Bruno. Eixos de desenvolvimento


econômico e geração de conflitos socioambientais no Brasil: desafios para a
sustentabilidade e a justiça ambiental. Ciência e Saúde Coletiva, 2009.

RAMPIN, Talita Tatiana Dias. Estudo sobre a reforma da justiça no Brasil e suas
contribuições para uma análise geopolítica da justiça na América Latina. Brasília:
UnB, 2018.

SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: proteção jurídica à


diversidade biológica e cultural. Editora Peirópolis, 2005.

SILVA, Paulo Eduardo. Pesquisas em processos judiciais. In: MACHADO, Maíra Rocha
(org.). Pesquisar empiricamente o direito. São Paulo: Rede de Estudos Empíricos em
Direito, 2017.

SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Direito como Liberdade: O Direito Achado na Rua
Experiências Emancipatórias De Criação do Direito. Brasília, 2008.

SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Uma concepção alarga de acesso e democratização
da justiça. In: FILHO, Antonio Escrivão; MEDEIROS, Érica de Lula; FRIGO, Darci;
PRIOSTE, Fernando Gallardo Vieira; PIVATO, Luciana Cristina Furquim (org). Justiça
e direitos humanos: perspectivas para a democratização da justiça. Curitiba: Terra de
Direitos, 2015.

SOUSA, Ranielle Caroline. Direito e agrotóxicos: efeitos agudos e crônicos no


Constitucionalismo brasileiro. Brasília, 2015.

SOUZA, Ariane Kalinne Lopes de; SOUZA, Danielle Freitas de; MEDEIROS, João
Paulo do Vale de; MARINHO, Isamara da Silva. Dialética da resistência: o perímetro
irrigado de Santa Cruz do Apodi. In: SOUZA, Murilo Mendonça Oliveira de;
69

FOLGADO, Cleber Adriano (org). Agrotóxicos: violações socioambientais e direitos


humanos no Brasil. Anápolis: Editora Universidade Estadual de Goiás, 2016.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Os Direitos Invisíveis. In: FERREIRA,
Heline Sivini; FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra (org). Direito Socioambiental e
Sustentabilidade: Estado, sociedades e meio ambiente. Curitiba: Letra da Lei, 2016.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Prefácio. In: WANDSCHEER, Clarissa
Bueno. Patentes e Conhecimento tradicional. Uma abordagem socioambiental da
proteção jurídica do conhecimento tradicional. 1ª ed. 2004. 1ª reimpressão 2009.
Curitiba, Paraná: Juruá Editora, 2009.

SOUZA, Rafaela Oliveira de. Agrotóxicos: questão agrária, movimentos sociais e


saúde pública. Cidade de Goiás, 2015. Não foi publicado.

SYNGENTA. Engeo Pleno S. 2018. Disponível em: <


https://www.syngenta.com.br/sites/g/files/zhg256/f/engeo_pleno_2.pdf?token=1535666
544> Acesso em: 08 maio de 2018.

Вам также может понравиться