Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Goiás/GO
2019
RAFAELA OLIVEIRA DE SOUZA
Goiás/GO
2019
Agradecimentos
Agradeço aos meus pais José Lúcio e Cristiane, pelo apoio, compreensão e amor
incondicional.
Agradeço a meus avós Maria Rita, José Hilário, Creuza e José, pelo amor e incentivo.
Agradeço aos meus irmãos José Antônio e Joaquim por serem luz e alegria na minha vida.
Agradeço ao meu amor Janiel pela compreensão, paciência e apoio, e por me acompanhar
ao longo da minha trajetória acadêmica e na conclusão deste trabalho.
Agradeço a minha orientadora Naná pelo esforço, dedicação e amizade, e a Catarina, que
alegrou nossos encontros de trabalho.
Agradeço aos meus tios Murilo e Dagmar, e a minha prima Rebeca, pelo apoio, amor e
paciência ao longo de todos esses anos, e especialmente, ao Murilo, pelo empenho e
contribuições para a pesquisa e a realização deste trabalho.
Agradeço as minhas amigas Sarah e Camilla pela força e companheirismo nessa trajetória.
Agradeço aos meus amigos e irmãos de alma, Anne, Geovana, Leticia, Pedro, Matheus,
Leonardo, Rodolfo, David e Bernardo, pelo apoio e carinho de sempre.
Agradeço às mulheres, companheiras e amigas, que fazem parte da minha vida, que me
inspiram e fortalecem.
The work of conclusion of the contest addresses the aerial spraying of pesticides that
occurred in the São José do Pontal Municipal Rural School, located in the Pontal do Buriti
settlement, in the municipality of Rio Verde/GO, in May 2013, from the perspective of
the environmental conflicts and injustices caused by agribusiness and the use of
pesticides, and of the judiciary in relation to such conflicts. The objective is to respond,
based on the analysis of the sentence pronounced in the public civil action proposed by
the Ministério Público Federal, on whether was effective or not access to justice and
protection of the right to health for the victims, considering the right as something
constant transformation and access to justice in a broad sense.
Keywords: São José do Pontal School; agrochemical; agribusiness; right to health; access
to justice.
Sumário
1. Introdução ..................................................................................................................... 7
2. Capítulo 1 – Contexto e histórico do conflito ambiental: a pulverização de agrotóxico
na Escola Municipal São José do Pontal enquanto violação de direitos humanos e
constitucionais ................................................................................................................ 11
2.1. Agronegócio: arena de conflitos ambientais ............................................ 11
2.2. A pulverização de agrotóxico na Escola Municipal São José do Pontal:
contextualizando os fatos e violações de direitos humanos ............................. 17
2.3. Atuação da mídia, do judiciário e do poder público frente ao conflito .... 23
3. Capítulo 2 – Conflitos e injustiças ambientais, a (in)efetivação do acesso à justiça,
retórica da ocultação e violência simbólica .................................................................... 28
3.1. Conflitos ambientais, injustiças ambientais e a distribuição desigual dos
riscos ................................................................................................................. 28
3.2. Direito, acesso à justiça e direitos humanos ............................................. 32
3.3. A retórica da ocultação e a violência simbólica como instrumentos de
legitimação do uso de agrotóxicos e invizibilização dos conflitos ambientais. 37
4. Capítulo 3 – Acesso à justiça como efetivação de direitos: a judicialização do
conflito ............................................................................................................................ 40
4.1. Litígios judiciais, poder e violência simbólica ......................................... 40
4.2. A ação civil pública e a sentença.............................................................. 43
4.3. Sentença favorável às vítimas como efetivo acesso à justiça, ou não? .... 50
5. Considerações finais .................................................................................................. 61
6. Referências ................................................................................................................ 63
7
1. Introdução
Nesse sentido, o estudo se desenvolve a partir de um objeto empírico que vai ser
(re)construído a partir dos seguintes instrumentos metodológicos: análise das entrevistas
realizadas com os sujeitos do conflito e de uma decisão judicial pertinente ao caso, que
demonstre de maneira se efetivou – ou não – o acesso à justiça para as vítimas da
pulverização de agrotóxico, permitindo uma compreensão do caso a partir das percepções
e vivências dos próprios sujeitos envolvidos.
1
Escola rural situada no Assentamento Pontal do Buriti, no município de Rio Verde, localizado no
Sudoeste de Goiás.
9
Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e a sentença prolatada pelo
Tribunal Regional Federal da Primeira Região, referente a pulverização de agrotóxico na
escola rural. Ao final do capítulo, busca-se demonstrar de que maneira a sentença
proferida não constituiu uma tutela efetiva do direito à saúde para as vítimas, mesmo
tendo o pedido sido julgado parcialmente procedente, e como representou um não acesso
à justiça, a partir da concepção alargada do acesso à justiça.
Portanto, objetiva-se compreender como o caso da pulverização aérea de agrotóxico
na Escola São José do Pontal se constitui enquanto conflito e injustiça ambiental e como
se efetivou (ou não) o acesso à justiça para as pessoas atingidas pela pulverização aérea
de agrotóxico na Escola São José do pontal, a parir da análise da sentença da Ação Civil
Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, referente ao caso de pulverização na
escola rural. Partindo de uma concepção alargada do acesso à justiça e da compreensão
do direito como forma de poder simbólico e instrumento da manutenção dos interesses
dominantes, busca-se demonstrar a ineficácia do sistema jurídico brasileiro em relação ao
uso de agrotóxicos, sendo o modelo de desenvolvimento econômico hegemônico no
campo – o agronegócio – cenário de vulnerabilização social.
11
2
“O termo commodity, que em português significa mercadoria, tem longa tradição de uso tanto na economia
política quanto em sua crítica.[...] Assim, nas commodities primárias estão incluídos, além das chamadas
commodities agrícolas, produtos como cobre, alumínio, gás natural, petróleo bruto, peixes, madeira bruta
etc. O termo commodities agrícolas engloba produtos originários de atividades agropecuárias, vendidos em
quantidades consideráveis, no mercado internacional, em sua forma natural ou após passarem por um
processamento inicial necessário à sua comercialização. ” (DELGADO, 2012, p. 135, 136.)
13
O agrotóxico eu sei que tem muita gente que é contra, mas na realidade
da região nossa aqui, nós não vivemo sem o agrotóxico, tem muito
predador, taí a lagarta, a lagarta falsa- medideira e várias outra
lagarta aí né, então ataca muito as pranta inclusive e não só as pranta,
como coisas mesmo, de verdura, desses tipo de prantação. Se a gente
não tiver o agrotóxico aqui, a gente não produz nada. [...] Sem dúvida
alguma ele é indispensável. A gente tem nem como prantar nada aqui,
até as laranja, ataca até as laranjeira, ataca tudo. Quem não usar o
agrotóxico aqui, não produz nada, praticamente (Informação Verbal,
Sr. I., Rio Verde/GO, novembro de 2014)3.
3
Entrevistas realizadas pela autora com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal do Buriti, em
Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de Residência Agrária
(EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Sociais do
Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás. Em nov. 2014.
4
Camponeses são aqueles que, tendo acesso à terra e aos recursos naturais que ela suporta, resolvem seus
problemas reprodutivos – suas necessidades imediatas de consumo e o encaminhamento de projetos que
permitam cumprir adequadamente um ciclo de vida da família – mediante a produção rural, desenvolvida
de tal maneira que não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que se
apropriam do resultado dessa alocação (COSTA, 2000, p. 116-130).
5
O termo “socioambiental”, segundo Carlos Frederico Marés de Souza Filho, se entende como “tudo aquilo
que envolve a proteção da biodiversidade conjugada com a sociodiversidade, isto é, quando se entende que
o ser humano faz parte da natureza e só sobrevive junto com ela” (SOUZA FILHO, 2009, p.14).
16
6
Empresa de prestação de serviços aero agrícolas, possui instalações operacionais no município de
Montividiu/GO e instalações administrativas na cidade de Rio Verde/GO.
7
Inseticida sistêmico de contato e ingestão, cuja composição é a junção de dois princípios ativos:
Tiametoxam, da classe dos Neonicotinóides, e Lambda-cialotrina, da classe dos Piretróides. O contato com
Engeo Pleno pode causar intoxicação aguda. Sintomas: irritação gastrintestinal, náusea e vômito;
pneumonite química; irritação do trato respiratório; formigamento e dormência em áreas expostas
(parestesia); irritação nos olhos; dor de cabeça; fadiga (SYNGENTA, 2018).
8
A expressão faz referência ao documentário “Pontal do Buriti: brincando na chuva de veneno”, produzido
por Dagmar Talga e Murilo Mendonça Oliveira de Souza no ano de 2013, que retrata a pulverização de
agrotóxico sobre a Escola São José do Pontal que intoxicou crianças, adolescentes e adultos (PONTAL DO
BURITI, 2013).
18
de intoxicação aguda: coceira, vômito, fortes dores de cabeça, falta de ar, ânsia,
formigamento, tontura e desmaios.
Nois tava no recreio né, nois tava no parquinho e nois tava lanchando,
aí passando o avião, todo mundo olhando, vendo que tava passando
baixinho, aí o diretor começou a passar mal e depois os alunos. Aí todo
mundo se coçando, vomitando, aí levaram nois pro hospital. [...]
Dentro do ônibus todo mundo chorando [...] os que tava mais passando
mal as ambulâncias encontrou no caminho e levo. E na hora que
chegou no hospital arrumaram lugar pra todo mundo, banhou, os que
tava mais ruim fico tomando soro [...] Eu tava sentindo vontade de
vomitar, coceira, dor de cabeça [...] (Informação Verbal, Aluna J. J. H.
A., Rio Verde/GO, novembro de 2014)9.
9
Entrevistas realizadas pela autora com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal do Buriti, em
Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de Residência Agrária
(EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Sociais do
Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás. Em nov. 2014.
10
Entrevistas realizadas pela autora com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal do Buriti, em
Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de Residência
Agrária (EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direitos
Sociais do Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás. Em nov. 2014.
19
[...] Na segunda- feira a gente foi ter aula normal, normal assim, entre
aspas né. Mas os meninos ficavam o tempo todo reclamando de dor de
cabeça, não tinha tanto de dipirona e de remédio pra dar pra essas
11
Fenergan (cloridrato de prometazina) pertence a um grupo de medicamentos chamados anti-histamínicos,
os quais apresentam em comum a propriedade de se opor aos efeitos de uma substância natural chamada
histamina que é produzida pelo organismo durante uma reação alérgica, principalmente na pele, nos vasos
e nas mucosas (conjuntival, nasal, brônquica e intestinal) Disponível em:
<http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmVisualizarBula.asp?pNuTransacao=7556382015&pIdA
nexo=2822070>. Acesso em:13/03/2108.
12
Relatos obtidos a partir de entrevistas realizadas com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de
agrotóxico na Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal
do Buriti, em Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de
Residência Agrária (EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em
Direitos Sociais do Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás.
20
13
Entrevistas realizadas pela autora com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal do Buriti, em
Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de Residência Agrária
(EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Sociais do
Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás. Em nov. 2014.
14
Os pesquisadores Wanderlei Pignati (UFMT e ABRASCO), Lia Geraldo da Silva Augusto (UPE,
ABRASCO e FIOCRUZ), Flávia Carvalho (INCA) e Karen Friedrich (UNRIO, ABRASCO e FIOCRUZ)
visitaram a Escola Municipal São José do Pontal para avaliar o caso de intoxicação e contaminação por
agrotóxico e fornecer informações para os atingidos que pudessem auxiliar no tratamento. Na ocasião, os
pesquisadores se reuniram com as vítimas, que relataram como o fato ocorreu e as ações posteriores.
21
[...] Eles faz o maior pouco caso, eles não dá moral pra eles. E assim,
a gente queria assim um médico especialista próprio pra eles, pra
entender o que eles tem, pra eles explicar o que eles ta sentindo né [...]
A gente “vê” um filho assim, que tava de boa, daí numa hora quando
ve ta de boa e na mesma hora da um sintoma nela assim, que a menina
já embranquece, já fica ruim, já quer desmaiar, é o trem mais ruim que
tem, e dor de cabeça direto, ela é direto. Diretão dor de cabeça, é
remédio direto, “cê” “vê”, acaba com a pessoa. A gente queria assim
que eles olhasse mais por elas, por essas criança. [...] (Informação
Verbal, Sra. L. A. V., Rio Verde/GO, novembro de 2015)15.
15
Entrevistas realizadas pela autora com as pessoas atingidas pela pulverização aérea de agrotóxico na
Escola São José do Pontal, com seus familiares e com moradores do Assentamento Pontal do Buriti, em
Rio Verde/GO. As entrevistas foram realizadas no âmbito do Estágio Interdisciplinar de Residência Agrária
(EIRA), projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Sociais do
Campo da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiás. Em nov. 2014.
22
16
Segundo Henri Acselrad, compreender a condição de vulnerabilizadas das populações e comunidades é
importante para que possamos tanto resgatar a historicidade dos processos que dessa forma afetam grupos
sociais e lugares, como também para atribuir aos grupos sociais a condição de sujeitos portadores de
direitos que foram ou se encontram destituídos (ACSELRAD, 2010).
24
Assim o agronegócio constitui o seu discurso e fomenta as práticas que geram a destruição
do meio ambiente, e depois investe em modelos de desenvolvimento alternativo,
buscando corrigir ou amenizar os danos causados, em sua maioria irreversíveis, caindo
na enganação do seu próprio discurso.
Frente a situações de violações de direitos humanos como essas, percebe-se que os
direitos humanos, especialmente a partir do século XXI, passaram a ser vistos pelas
grandes empresas, pelo agronegócio e pelo próprio Estado, como obstáculos aos
interesses do mercado e do capital e à obtenção de lucro. Conforme o autor Herrera Flores
diz,
O Ministério Público Federal propôs Ação Civil Pública cinco meses após o fato,
em desfavor das empresas Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. e Aerotex Aviação
Agrícola Ltda, objetivando a condenação das empresas por danos morais coletivos
suportados por toda a sociedade em razão de ilícito consistente na irregular pulverização
com o agrotóxico Engeo Pleno na escola, que provocou a intoxicação de educandos e
educadores. A liminar que pedia o atendimento médico às vítimas, foi indeferida
(FREITAS, 2016).
26
No dia 14 de março de 201817, quase cinco anos após o fato, o Juiz Federal do
Tribunal Regional Federal da Primeira Região proferiu sentença referente a Ação Civil
Pública, condenando as empresas Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. e Aerotex Aviação
Agrícola Ltda. ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$
150 mil, responsabilizando-as pela intoxicação das vítimas.
Algumas famílias ingressaram com ação cautelar, fazendo os mesmos pedidos que
a cautelar da Associação Cerrado Assessoria Popular, e cerca de seis meses depois,
somente a parte de determinava que o Município deveria liberar o acesso aos prontuários
médicos às vítimas, foi deferida. (FREITAS, 2016).
A Comarca de Rio Verde proferiu decisão obrigando a Aerotex Aviação Agrícola
Ltda. a pagar o tratamento médico a uma das educandas, tendo a defesa entrado com
agravo de instrumento na tentativa de reformar a sentença, contudo o Tribunal de Justiça
de Goiás negou o recurso. Ressalta-se que na defesa, a Aerotex alegou que não havia
relação entre a pulverização e a necessidade de tratamento médico especializado para o
que considerou como “duvidosas sequelas” que a menina disse sentir após o incidente.
Percebe-se que o Judiciário não possui informações e formação sobre agrotóxicos,
contudo, há uma visível mitigação dos direitos dos povos atingidos, consubstanciando-se
em argumentos de que as pesquisas científicas nesta área são insuficientes e ineficazes
para confirmar o nexo de causalidade entre as intoxicações e os sintomas e problemas de
saúde supostamente decorrentes.
A decisão proferida pelo Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da Primeira
Região sobre a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal, embora
tenha representado uma vitória para as vítimas, demonstra a ineficácia e morosidade do
judiciário brasileiro, na medida em que a sentença foi proferida quase cinco anos após o
fato, e a indenização a título de danos morais coletivos no valor de R$ 150 mil (cento e
cinquenta mil reais), a ser pago solidariamente pelas empresas, não garante às vítimas o
acompanhamento médico que necessitarão a médio e longo prazo, bem como, representa
um valor insignificante perante os danos físicos, psicológicos, emocionais e materiais
causados aos atingidos.
A omissão dos órgãos municipais, estatais e federais em relação à situação das
vítimas é evidente. A União, o Estado de Goiás e o Município de Rio Verde se omitiram
17
Notícia veiculada no site do Ministério Público Federal. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/go/sala-
de-imprensa/noticias-go/empresas-que-contaminaram-cerca-de-92-pessoas-com-uso-irregular-de-
agrotoxicos-sao-condenadas-por-danos-morais-coletivos>. Acesso em: 20/03/2018.
27
diante das violações dos direitos humanos à saúde, ao meio ambiente equilibrado e à
justiça. A Constituição Federal preceitua que o Poder Público não pode se omitir no
exame das técnicas e métodos utilizados em atividades que ensejem risco para a saúde
humana e o meio ambiente.
[...] não é possível separar a sociedade e seu meio ambiente, pois trata-
se de pensar um mundo material socializado e dotado de significados.
Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras
quantidades de matéria e energia pois eles são culturais e históricos: os
rios para as comunidades indígenas não apresentam o mesmo sentido
que para as empresas geradoras de hidroeletricidade; a diversidade
biológica cultivada pelos pequenos produtores não traduz a mesma
lógica que a biodiversidade valorizada pelos capitais biotecnológicos
etc (ACSELRAD, 2004).
18
Populações que são vulnerabilizadas pelo processo de produção e acumulação de riquezas constituído
dentro do capitalismo, que se tornam vítimas das mazelas sociais e danos ambientais provocados por esse
sistema de produção, e passam a viver em situação de vulnerabilidade social, econômica e ambiental,
enquanto resistem e posicionam-se contrárias a esse modelo de desenvolvimento que não abarca seus
anseios e necessidades. A vulnerabilização das populações afetadas pelo modelo desenvolvimentista do
capitalismo tem a ver com os riscos e cargas suportados por elas e com o não reconhecimento dos seus
direitos em temas como a saúde, a terra, os recursos naturais e a cultura (PORTO, 2011).
30
19
O Sudoeste Goiano, microrregião onde se localiza o Assentamento Pontal do Buriti, caracteriza-se por
ter uma economia centrada no agronegócio – produção de monoculturas, utilização de agrotóxicos e
sementes transgênicas, maquinário de grande porte, latifúndio e comércio voltado para a exportação. Assim,
o agronegócio exerce um controle socioeconômico nos assentamentos situados no Sudoeste Goiano, onde
percebe-se que há uma mistura entre agronegócio e agricultura familiar, uma vez que as famílias assentadas
moram na terra, plantam alimentos para sua subsistência, o trabalho é familiar, ao mesmo tempo em
produzem commodities, utilizam agrotóxicos, e dependem do mercado financeiro internacional.
(FREITAS, 2016).
32
Para Roberto Lyra Filho, a partir dos conflitos sociais surge o Direito e sua
dialeticidade, sendo algo que está em constante movimento e que vai se (trans)formando
a partir da dialética presente no confronto entre os grupos sociais. O direito não é algo
estático e acabado, mas um vir-a-ser que se fortalece nas lutas emancipatórias dos povos
oprimidos, e se definha nas explorações que lhes atingem, mas que ressurge em suas
novas conquistas (LYRA FILHO, 1982). Para o autor, o direito
O direito e a justiça surgem das contradições e conflitos entre os grupos sociais, são
fruto das contraposições entre estes e das lutas sociais. Para Roberto Lyra Filho
Assim, “no contexto liberal”, embora a justiça acabe assumindo “uma feição axiológica
variável (igualdade, equidade, virtude, propriedade etc.) ”, ela, ainda assim, continua
integrando a superestrutura (expressa e atende interesses da classe dominante) “que
sustenta (é instrumento) a infraestrutura (relações sociais de produção). ” (RAMPIN,
2018).
Portanto, para que se efetivem os direitos das populações oprimidas e estas
realmente acessem à justiça, se faz necessário romper com a infraestrutura para, assim,
combater as injustiças legitimadas por esse sistema de normas que representa aos
interesses da classe dominante.
Nesse sentido, assim como apresenta José Geraldo de Sousa Júnior, o acesso à
justiça deve ser compreendido para além do acesso ao judiciário e aos instrumentos
jurídicos de resolução de conflitos, sendo concebido como efetivação de direitos. O
acesso à justiça deve representar o alcance de resoluções que efetivamente atendam às
necessidades e realidades das populações atingidas e vulnerabilizadas. Sob essa
perspectiva alargada sobre acesso à justiça, José Geraldo considera que este se constitui
enquanto
[...] procedimento de tradução, uma estratégia de mediação capaz de
criar uma inteligibilidade mútua entre experiências possíveis e
disponíveis para o reconhecimento de saberes, de culturas e práticas
sociais que formam as identidades dos sujeitos que buscam superar os
seus conflitos, o que faz do acesso à justiça algo mais abrangente que
acesso ao Judiciário. Uma mediação que leva à criação de condições
para emancipações sociais concretas de grupos sociais concretos, num
presente cuja injustiça é legitimada com base num maciço desperdício
de experiências, práticas e concepções sociais e étnico-culturais de
soluções de conflitos, mas que buscam criar sentidos e direções para
práticas de transformação social e de realização de justiça, mediadas
por um direito que se pode dizer achado na rua, em que esta é
compreendida como metáfora do espaço público, político e social da
realização do direito (SOUSA JUNIOR, 2015, p. 20).
34
Nesta perspectiva, Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em uma abordagem que busca
compreender os problemas do acesso à justiça nas sociedades contemporâneas, afirmam
que
Assim, o efetivo acesso à justiça, ao mesmo tempo em que se expressa como direito
humano e garantia constitucional, também se constitui enquanto instrumento que permite
a realização de outros direitos humanos e a reparação dos danos sofridos pelas vítimas de
violações de direitos e injustiças socioambientais.
A efetivação do acesso à justiça depende de que o sistema de justiça reconheça a
legitimidade das demandas que lhes são apresentadas e atue de maneira adequada
enquanto instrumento de efetivação/reparação de direitos, em sintonia com as garantias
fundamentais asseguradas a todos os cidadãos na Constituição Federal de 1988.
De acordo com Flávia Piovesan, no plano teórico e formal, a partir dos artigos 1º e
3º da Constituição Federal, percebe-se a preocupação da Constituição em assegurar os
valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana, como imperativos de justiça
social. Segundo a autora,
36
20
Ação Civil Pública nº 0000984-24.2016.4.01.3503 ajuizada pelo Ministério Público Federal na 1ª Vara
da Comarca de Rio Verde/GO em 27 de março de 2016.
44
21
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 17, prevê a existência dos consumidores bystanders,
definidos como todos aqueles que apesar de não possuírem relação direta de consumo com o prestador ou
fornecedor do serviço, venham a sofrer dano devido ao mau funcionamento de um produto ou falha na
prestação de um serviço (BRASIL, 2016, p. 29).
46
A configuração do dano moral coletivo, para além dos danos causados às vítimas,
“reside, também, nos prejuízos causados a toda sociedade, em virtude da vulnerabilização
de crianças e adolescentes” (BRASIL, 2018, p. 12). A sentença consubstancia a existência
do dano moral coletivo a partir da violação dos direitos da criança e do adolescente,
previstos nos artigos 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que
repercutem na comunidade local e em toda a sociedade (BRASIL, 2018).
Em relação a existência de dano moral coletivo sob a ótica do meio ambiente,
embora a Aerotex tenha argumentado que se existisse dano ambiental o MPF teria pedido
a reparação in natura, tratando-se de poluição ambiental atmosférica por agrotóxico que,
em regra, não deixa vestígios, não há impedimento para que se reconheça a ocorrência do
dano ambiental (BRASIL, 2018).
A decisão afirmou que o que deve ser tomado em conta para aferir a ocorrência do
dano moral e reconhecer o dever de indenizar, é a conduta praticada, o evento danoso
(ação) e não suas consequências (resultado) (BRASIL, 2018).
Em relação à responsabilidade das empresas Syngenta e Aerotex, a sentença
argumenta que a pulverização aérea de agrotóxico sobre a Escola Municipal Rural São
José do Pontal é fato notório e incontroverso, e que o nexo causal da conduta da Aerotex
é sobretudo normativo, uma vez que “descumpriu o dever jurídico de não pulverizar
agrotóxico, por via aérea, nas proximidades de edificações ou escolas” (BRASIL, 2018,
p. 18), além de descumprir a determinação legal do IBAMA de não realizar pulverização
aérea de agrotóxico composto por Tiametoxam em lavoura de milho.
A Syngenta “contribuiu para o evento danoso com inobservância do dever de
cuidado”, deixando de “informar no produto por ela fabricado Engeo Pleno, que a
pulverização na via aérea tinha restrições e que, sobretudo, havia interdição absoluta para
pulverização de milho por avião” (BRASIL, 2018. p. 19).
evento danoso, pois o seu dever de informar decorre do princípio da boa-fé objetiva,
disposto no art. 422 do Código Civil (BRASIL, 2018).
Na sentença, o julgador afirmou que numa ação civil pública deve-se levar em
consideração a ocorrência do evento danoso e o nexo causal entre este e a conduta das
empresas, não sendo relevante aferir as consequências geradas. O julgador, embora tenha
considerado que a existência do dano moral coletivo independe da existência (ou não) de
sequelas às vítimas, bastando a configuração do evento danoso, pontuou que “a
inexistência de sequelas pode balizar a quantificação do dano moral coletivo” (BRASIL,
2018, p. 15).
Percebe-se que ao valorar os danos morais coletivos, mesmo considerando a
gravidade da conduta, qual seja a “pulverização de agrotóxico em escola rural – e os danos
ambientais e abalos psicofísicos causados aos alunos, funcionários e professores da
escola, respectivos familiares e a coletividade do assentamento Pontal do Buriti”,
considerou que não houve maiores sequelas à saúde física das vítimas” (BRASIL, 2018,
p. 30), utilizando-se desse argumento para valorar os danos morais coletivos, a serem
pagos solidariamente pelas empresas.
22
Anotações realizadas a partir da fala do Procurador do Ministério Público Federal Jorge Medeiros, no
Grupo de Trabalho (GT) Agrotóxicos: marco legal e estratégias de enfrentamento jurídico, no I Seminário
Internacional e III Seminário Nacional: Agrotóxicos, Impactos Socioambientais e Direitos Humanos,
realizado na Cidade de Goiás/GO, em dezembro do ano de 2018.
52
23
Rio Verde, pertencente à microrregião Sudoeste de Goiás, é um dos municípios mais antigos do estado,
criado em 1854. Com características favoráveis de relevo, solo e clima, suas atividades econômicas sempre
estiveram ligadas à agropecuária e, mais recentemente, à agroindústria. No processo de expansão da
fronteira agrícola, tornou-se expoente em Goiás e no Brasil na produção agropecuária e no agronegócio
(GUIMARÃES, 2010, p. 31)
53
advém desse modelo de produção, bem como, os impactos causados à saúde humana e ao
meio ambiente pelos agrotóxicos, refletem no descumprimento da função socioambiental
da terra.
A função socioambiental da terra, embora não seja mencionada na Ação Civil
Pública e na sentença, constitui-se como elemento de pano de fundo no caso da
pulverização da escola rural por agrotóxico, uma vez que o evento danoso resultou no
descumprimento dos seguintes requisitos do cumprimento da função social da terra,
previstos no art. 186 da Constituição Federal: preservação do meio ambiente e exploração
que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Os danos causados ao meio ambiente e à saúde dos alunos, funcionários e
professores da escola rural devem ser considerados para se refletir sobre o
descumprimento da função socioambiental da propriedade onde localizava-se a lavoura
de milho, podendo esta questão ser trazida para dimensionar os danos morais coletivos
causados pela pulverização indevida de Engeo Pleno na escola.
O acesso a saúde é um dos elementos fundantes do presente caso, uma vez que as
vítimas, após a intoxicação provocada pela pulverização do agrotóxico Engeo Pleno na
escola rural, continuam sofrendo com as sequelas e danos à saúde, sem acessar aos órgãos
de saúde pública e obter o tratamento adequado, consubstanciando-se os danos morais
coletivos nos danos à saúde e ao meio ambiente ocasionado pela pulverização de
agrotóxicos na escola rural, agravada pelas condutas ilícitas das empresas Syngenta, que
se omitiu em seu dever se informação, e Aerotex, que realizou a aplicação indevida do
agrotóxico Engeo Pleno, por via aérea, na lavoura de milho e na escola rural,
desrespeitando a norma que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos a menos de 500
m (quinhentos metros) de áreas povoadas24.
As vítimas relatam25, cinco anos após a pulverização de agrotóxico na Escola São
José do Pontal, que os fatos ocorridos naquele dia deixaram sequelas à sua saúde física,
psicológica e alteraram sua vida e seu cotidiano. As pessoas atingidas apresentam
24
O art. 10 da Instrução Normativa nº 02, de 03 de janeiro de 2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA), prevê que “para o efeito de segurança operacional, a aplicação aeroagrícola fica
restrita à área a ser tratada, observando as seguintes regras: I - não é permitida a aplicação aérea de
agrotóxicos em áreas situadas a uma distância mínima de: a) quinhentos metros de povoações, cidades,
vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população [...]” (BRASIL, 2008)
25
Entrevistas realizadas pela autora, por Murilo Mendonça Oliveira de Souza e Janiel Divino de Souza
durante visita realizada ao Assentamento Pontal do Buriti e à Escola Municipal Rural São José do Pontal.
Em maio 2018.
54
A mãe de uma das crianças intoxicadas relata que cinco anos após a pulverização
de agrotóxico na escola, o caso caiu no esquecimento da população, da mídia e da justiça,
e nada foi solucionado, e que somente queria que dessem assistência ao seu filho, para
que ele fizesse os exames e o tratamento necessários.
26
Entrevistas realizadas pela autora, por Murilo Mendonça Oliveira de Souza e Janiel Divino de Souza
durante visita realizada ao Assentamento Pontal do Buriti e à Escola Municipal Rural São José do Pontal.
Em maio 2018.
27
Entrevistas realizadas pela autora, por Murilo Mendonça Oliveira de Souza e Janiel Divino de Souza
durante visita realizada ao Assentamento Pontal do Buriti e à Escola Municipal Rural São José do Pontal.
Em maio 2018.
55
Foi a saúde das crianças né, que foi prejudicada, só não as crianças,
os professor, as professora, e fiquemo magoado porque eu mesma não
tava lá, não vi, mas quem que tava lá com crianças passando mal,
morre não morre, que é vizinho meu, disse que eles foi muito, assim,
não sei porque, não sei se foi repórter o que que foi, eles foi muito
grosseiro com a mãe de um aluno que estava passando mal lá no UPA.
Aí eu fiquei muito magoada por causa disso, porque eles estavam
fazendo pouco caso né. É, eu tenho uma sobrinha minha também, que
essa sim, essa está prejudicada mesmo por causa desse acidente desse
veneno, e até hoje também nunca chamaram ela para fazer exame nem
nada, abandonaram a causa, ninguém nem fala mais nisso. [...] Foi
muito triste, mas triste mesmo, porque eu não tava na hora, mas logo
chegou a notícia para nois que foi muito pavor, muitos professor
desmaiando, crianças gritando e desmaiando. O que eu acho que
precisa ser feito é eles passar a saber, procurar das crianças que foi
atingido, ou os professor também, ou professora, porque não estava só
as crianças na sala de aula né, merendeira, zeladeira da escola, passar
a saber, passar a dar mais assistência né, às crianças e às pessoas que
foram atingidas pelo veneno (Informação Verbal, Sra. M. S., Rio
Verde/GO, maio de 2018).
O Sr. W. M., assentado no P.A. Pontal do Buriti e pai de dois alunos que estavam
na escola no momento da pulverização de agrotóxico e foram intoxicados, relata como os
fatos aconteceram no dia 03 de maio de 2013, e que seus filhos sofreram sequelas à sua
saúde física e mental que perduram até hoje e nunca tiveram apoio para a realização de
exames.
diretor teve problema, então foi uma catástrofe para nós aquilo lá.
Meus meninos, fiquei com dois filhos meu com problema, com sequela,
um passou a sofrer epilepsia e até hoje, desmaia, passa um mês, dois,
e quando cê vê o menino tá desmaiando, o rapaz, vai fazer 18 anos já.
E o outro passou a sofrer dor de cabeça, e foi num foi, saiu alergia e
falta de ar, ficou sequela nos meus filhos, com esses problemas. E a
gente nunca tivemo um apoio, pra fazer exame, um exame mais caro
eles não dá, eles dá exame de sangue, quando é pra você fazer um
exame que custa mais dinheiro, a secretaria não dá. Eu tenho um exame
protocolado lá tem dois anos, que o médico de São Paulo veio aí e
pediu, e nunca foi feito, do meu menino mais velho (Informação Verbal,
Sr. W. M., Rio Verde/GO, maio de 2018)28.
O Sr. W. M. ainda relatou que contratou uma advogada e o caso está na justiça, mas
que gostaria de falar diretamente com o juiz sobre a situação dos seus filhos, que queria
que eles recebessem um tratamento adequado, e caso as empresas não possam arcar com
o tratamento, ao menos paguem a indenização para que ele possa cuidar da saúde de seus
filhos. O Sr. W. M. afirmou que tem gastado muito com as idas dos seus filhos ao
município de Rio Verde/GO para fazer exames, e que não tem condições financeiras de
custear todos os exames solicitados pelos médicos.
[...] Então sobre as crianças não foi feito nada até hoje. A causa tá na
justiça, já teve duas audiência, mas o juiz que intimou nós, foi a
advogada que deu o papel, mas o juiz não recebeu nois, nois fiquemo
no corredor lá do fórum, e ele só falou com os advogados. E a nossa
advogada, que é a Dra. L., a gente não sabe se ela fala do jeito que a
gente gostaria que falasse, a gente tem confiança nela, sabe que ela tá
fazendo o trabalho certo nosso né, mas a gente não sabe, a gente
gostaria de falar com o juiz, o caso do meu filho por exemplo né, que
nunca pude falar. [...]A gente queria que tivesse um tratamento pras
crianças da gente, e se foi pedido uma indenização, já que não fizeram
nada, se não pode fazer o tratamento, indeniza nois que nois trata dos
nossos filhos, só isso que nois queria, mais nada, não queremo
prejudicar ninguém não. A preocupação hoje é que os filho da gente
continua com essas sequela, igual meu filho, meu filho mais velho que
passou a sofrer epilepsia, desmaia, ele tá tomando remédio controlado,
e que esse trem continua, porque assim, o trem tem cinco anos, a gente
ta fazendo o tratamento do jeito que nois pode, eu acho que se nois
tivesse condição de fazer um tratamento melhor podia sarar né [...]
Então a preocupação nossa é da gente não ter recurso, ajuda deles né,
porque o culpado é ele né, quem é obrigado a cuidar dos filhos da gente
é a gente mas já que eles jogou esse veneno aí, alguém tinha que arcar
com isso né, os responsáveis tinham que arcar com isso. A gente já
28
Entrevistas realizadas pela autora, por Murilo Mendonça Oliveira de Souza e Janiel Divino de Souza
durante visita realizada ao Assentamento Pontal do Buriti e à Escola Municipal Rural São José do Pontal.
Em maio 2018.
57
gastou muito com viagem, a gente fica indo, porque daqui em Rio Verde
é longe né, a gente leva os meninos, de vez em quando vai lá para fazer
um exame, vai lá, as vezes só faz uma consulta, não faz o exame né, o
médico pede um exame, mas as vezes a gente não tem condição de fazer
o exame né [...] (Informação Verbal, Sr. W. M., Rio Verde/GO, maio
de 2018).
O Sr. W. M. relatou que às vezes fica nervoso, pensando “será que o piloto não
viu?”, e se sente discriminado por viver em um assentamento. Ainda, falou que a justiça
não está do lado dos assentados e já se passaram cinco anos e até hoje não teve resposta
efetiva da justiça em relação ao caso, que ouviu no rádio sobre a ação civil pública, mas
considera o valor da indenização pequeno diante da quantidade de pessoas atingidas.
[...] Da um pavor na gente, tem hora que a gente fica com raiva né, tem
hora que a gente fala será que foi acidente mesmo, será que eles não
viu, será que o piloto não viu? A gente fica com raiva né, fica nervoso,
a gente pensa assim que a gente tá discriminado, porque a gente é do
assentamento, aí ninguém quer fazer nada, a justiça não pende para o
nosso lado, pro nosso lado acho que a justiça tá meio devagar, não
ajuda nois não, porque o juiz fala que ta correndo esse caso na justiça,
mas não sei se é porque a gente fica com pressa, mas cinco ano não é
cinco dia né, até hoje não aconteceu nada. Fiquei sabendo, ouvi
passando no rádio essa ação, ainda falei assim, mas essa ação para
noventa e tantas pessoas, R$ 150.000,00, falei essa aí nois não precisa
nem de ir atrás, porque se for pagar, não dá nem pra pagar consulta
desses menino, isso não existe, uma indenização desse tamanho assim
não, isso aí acho que é uma brincadeira que foi feito (Informação
Verbal, Sr. W. M., Rio Verde/GO, maio de 2018).
Percebe-se a partir das falas destas pessoas, vítima e familiares, que as crianças,
adolescentes e adultos que estavam na Escola São José do Pontal no dia 03 de maio de
2013 e foram atingidas pela chuva de veneno29, derramada sobre a instituição de ensino
e nas pessoas que lá estudavam, brincavam e trabalhavam, sofrem com problemas
crônicos de saúde, ocasionados pela intoxicação por agrotóxico, e não receberam até hoje
o acompanhamento médico necessário.
29
Expressão retirada do filme “Brincando na chuva de veneno” dirigido por Dagmar Talga, lançado em
2013 e que retrata o episódio da pulverização aérea do agrotóxico Engeo Pleno na Escola Municipal São
José do Pontal, que resultou na intoxicação de alunos, professores e funcionários
58
30
Ver subtópico “Atuação da mídia, do judiciário e do poder público frente ao conflito” do primeiro
capítulo.
59
fundamental a uma ordem justa, não estando limitado ao simples acesso à Jurisdição e ao
processo” (SOUSA JÚNIOR, 2008, p. 154).
Segundo Boa Ventura de Souza Santos, o modelo ideológico construído em torno
da questão da mediação dos conflitos pensa o mundo por meio de uma concepção
normativista, considerando a lei como elemento central para a análise da realidade,
perdendo a possiblidade de uma leitura pautada na experiência e tendo como elemento
analítico o conflito em si (SOUSA JÚNIOR, 2008), de forma que na análise da realidade,
as normas prevalecem sobre o conflito e as necessidades dos sujeitos envolvidos, e por
diversas vezes, a lei e as decisões judiciais acabam se distanciando do direito e da justiça.
José Geraldo de Sousa Junior (2015, p. 22) considera que há pelo menos dois níveis
de acesso à justiça: um limitado, que reafirma o sistema judicial; e outro, mais amplo, que
se consolida em espaços de sociabilidade que se localizam fora ou na fronteira do sistema
de justiça (RAMPIN, 2018, p. 130).
Portanto, para que as populações atingidas e vulnerabilizadas nos processos de
mediação de conflitos, alcancem o efetivo acesso à justiça, faz-se necessário alargar o
entendimento sobre acesso à justiça, que corresponde a compreendê-lo enquanto
5. Considerações finais
familiares retratam as sequelas deixadas pela intoxicação causada pela pulverização aérea
de agrotóxico na escola. As vítimas apresentam problemas crônicos de saúde, e até hoje
– cinco anos depois – não receberam o acompanhamento médico adequado. Os atingidos
pela pulverização de agrotóxico são invisibilizados pelo poder público e pela justiça.
63
6. Referências
ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais: o caso do movimento por justiça
ambiental. São Paulo: Estudos Avançados, 2010.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Ação Civil Pública nº 0000984-
24.2016.4.01.3503, da 1ª Vara da Comarca de Rio Verde-GO, Rio Verde, GO, 14 de
março de 2018.
CARSON, Raquel. Primavera silenciosa. Tradução de Raul de Polillo. 2. ed. São Paulo:
Edições melhoramentos, 1962.
FARIA, José Eduardo. Eficácia jurídica e violência simbólica: o direito como instrumento
de transformação social. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.
FREITAS, Cleuton César Ripol de. A pulverização aérea na Escola Rural São José do
Pontal: uma abordagem dos fatos e suas circunstâncias. In: SOUZA, Murilo Mendonça
Oliveira de; FOLGADO, Cleber Adriano (org). Agrotóxicos: violações socioambientais
e direitos humanos no Brasil. Anápolis: Editora Universidade Estadual de Goiás, 2016.
IGREJA, Rebecca Lemos. O Direito como objeto de estudo. In: MACHADO, Maíra
Rocha (org.). Pesquisar empiricamente o direito. São Paulo: Rede de Estudos
Empíricos em Direito, 2017.
66
LEROY, Jean Pierre; PACHECO, Tânia; PORTO, Marcelo Firpo; ROCHA, Diogo.
Mapeando alternativas para o futuro. In: PORTO, Marcelo Firpo; PACHECO, Tânia;
LEROY, Jean Pierre (org). Injustiça ambiental e saúde no Brasil: o Mapa de
Conflitos. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013.
LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 1ª Edição, Coleção Primeiros Passos, São
Paulo: Brasiliense, 1982.
MEDEIROS, Jorge Luiz Ribeiro de. Procurador do Ministério Público Federal, em Rio
Verde/GO.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21ª ed., rev., ampl. e
atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.
PETERSEN, Paulo. Um novo grito contra o silêncio. In: Dossiê Abrasco: Um alerta
sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro/São Paulo: Escola Politécnica
de Saúde Joaquim Venâncio/Expressão Popular, 2015.
PIOVESAN, Flávia. Direito humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed., rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
Firpo; PACHECO, Tania; LEROY, Jean Pierre (org). Injustiça Ambiental e Saúde no
Brasil: o mapa de conflitos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013.
RAMPIN, Talita Tatiana Dias. Estudo sobre a reforma da justiça no Brasil e suas
contribuições para uma análise geopolítica da justiça na América Latina. Brasília:
UnB, 2018.
SILVA, Paulo Eduardo. Pesquisas em processos judiciais. In: MACHADO, Maíra Rocha
(org.). Pesquisar empiricamente o direito. São Paulo: Rede de Estudos Empíricos em
Direito, 2017.
SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Direito como Liberdade: O Direito Achado na Rua
Experiências Emancipatórias De Criação do Direito. Brasília, 2008.
SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Uma concepção alarga de acesso e democratização
da justiça. In: FILHO, Antonio Escrivão; MEDEIROS, Érica de Lula; FRIGO, Darci;
PRIOSTE, Fernando Gallardo Vieira; PIVATO, Luciana Cristina Furquim (org). Justiça
e direitos humanos: perspectivas para a democratização da justiça. Curitiba: Terra de
Direitos, 2015.
SOUZA, Ariane Kalinne Lopes de; SOUZA, Danielle Freitas de; MEDEIROS, João
Paulo do Vale de; MARINHO, Isamara da Silva. Dialética da resistência: o perímetro
irrigado de Santa Cruz do Apodi. In: SOUZA, Murilo Mendonça Oliveira de;
69
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Os Direitos Invisíveis. In: FERREIRA,
Heline Sivini; FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra (org). Direito Socioambiental e
Sustentabilidade: Estado, sociedades e meio ambiente. Curitiba: Letra da Lei, 2016.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Prefácio. In: WANDSCHEER, Clarissa
Bueno. Patentes e Conhecimento tradicional. Uma abordagem socioambiental da
proteção jurídica do conhecimento tradicional. 1ª ed. 2004. 1ª reimpressão 2009.
Curitiba, Paraná: Juruá Editora, 2009.