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A ascensao da insignificancia* OLIVIER MOREL: Eu gostaria primeiramente de evocar a sua trajetoria intelectual, ao mesmo tempo atipica e simbélica. Qual € hoje o seu julgamento a propésito dessa aventura que come- gou em 1946, com Socialisme ov Barbarie? CORNELIUS CASTORIADIS: JA descrevi tudo isso por pelo me- nos duas vezes;! sendo assim, serei muito breve, Comecei a me ocupar da politica ainda muito jovem, Descobri, ao mesmo tem- po, a filosofia ¢ 0 marxismo com a idade de 12 anos, e aderi a organizacdo Ilegal das Juventudes Comunistas sob a ditadura de Metaxas no ultimo ano do liceu, quando estava com 15 anos. Ao final de alguns meses, meus camaradas de célula (gos- taria de assinalar aqui os seus nomes: Koskinas, Dodopoulos € Stratis) foram presos e, ainda que torturados com selvageria, * Entrevista com Olivier Morel em 18 de Junho de 1993, difundi- da pela Radio Plurielle e publicada em La Republique Internationale des Lettres, em junho de 1994. 1. Na “Introduction générale” da Société bureaucratique, v. 1, Patis, 10/18, 1973, em “Fait et & faire”, epflogo a Autonomic et autotransfor- mation de la société, Ia philosophie militante de Cornelius Castoriadis, Pais, Droz, 1989. 95 KAIROS nao me entregaram. Perdi assim o contato com 0 partido, que s6 foi reatado durante o infcio da ocupacio alema. Rapida- mente descobri que 0 Partido Comunista nao tinha nada de revoluciondrio, e sim que era uma organizagdo chauvinista € totalmente burocrética (dirfamos hoje uma microssociedade totalitéria). Ap6s uma tentativa de “reforma”, junto com outros camaradas, tentativa que, evidentemente, bem depressa fracas- sou, rompi com o partido e aderi ao grupo trotskista de extre- ma-esquerda, dirigido por uma figura de revolucionério ines- quecivel, Spiros Stinas. Mas aqui, ainda em virtude até mesmo das leituras de alguns livros milagrosamente preservados dos autos-da-fé da ditadura (Souvarine, Ciliga, Serge, Barmine e, evidentemente, 0 préprio Trotski que, visivelmente articulava a,b,c, mas nao queria pronunciar d, e, f), logo comecei a pen- sar que a concepgdo trotskista ndo era capaz de dar conta nem da natureza da “URSS” nem da natureza dos partidos comunis- tas. A critica do trotskismo e minha prépria concepgéo toma- ram definitivamente forma durante a primelra tentativa de golpe de Estado stalinista em Atenas, no més de dezembro de 1944, Tomava-se evidente que o PC nao era um “partido refor- mista” aliado da burguesia, como queria a concepgao trotskista, e sim que ele visava apoderar-se do poder para instaurar um regime do mesmo tipo do que existia na Rtissia — previsdo confirmada com clareza pelos eventos que se seguiram, a par~ tir de 1945, nos pafses da Europa Oriental ¢ Central. Isto tam- bém me levou a rejeitar a idéia de ‘Trotski de que a Riissia era um “Estado operario degenerado” e a desenvolver a concep sao, que ainda considero justa, segundo a qual a Revolugéo Russa havia levado a instauragio de um novo tipo de regime de exploragéo e de opressio, no qual uma nova classe dominante, a burocracia, se tinha formado em torno do Partido Comunis- ta. Chamei este regime de capitalismo burocratico total ¢ tota- litério. Quando vim Franca no final de 1945, expus essas idéias ao partido trotskista francés e um certo mimero de cama- radas apoiou minhas idéias; formamos entéo um grupo com uma nova tendéncia, que ctiticava a politica trotskista oficial. No outono de 1948, quando os trotskistas enderecaram a Tito, 96 ‘A ASCENSAO DA INSIGNIFICANCIA que na época havia rompido oficialmente com Moscow, a pro- ‘posta ao mesmo tempo monstruosa ¢ irriséria de formar com ele uma Frente tnica, decidimos romper com 0 partido trots- Kista e fundamos o grupo e a revista Socialisme ou Barbarie, cujo primeiro niimero saiu em margo de 1949. A revista publicou quarenta niimeros, até o vero de 1965, € 0 grupo se dissolveu em 1966-67. O trabalho durante este perfodo consistiu primei- ramente no aprofundamento da critica ao stalinismo, trotskis- mo, leninismo e, finalmente, marxismo ¢ ao proprio Marx. Essa critica a Marx j4 pode ser encontrada em um texto meu, publi- cado em 1953-54 ("Sur la dynamique du capitalisme”), que cxitica a economia de Marx, nos artigos de 1955-58 “Sur le con- tenu du socialisme”, sua concepgdo da sociedade socialista € do trabalho, em “Le mouvement révolutionnaire sous Ie capi- talisme moderne” (1960) e, finalmente, nos textos escritos a partir de 1959, mas publicados em Socialisme ou Barbarie somen- te em 1964-65, sob o titulo “Marxisme et théorie révolution- naire’, que veio a constituir a primeira parte de Liinstitution imaginaire de la société (1975). Desde o fim de Socialisme ox Barbarie néo tenho mais me ocupado direta e ativamente da politica, salvo por um breve momento, em Maio de 68, Tento permanecer presente como uma voz critica, mas estou convencido de que a faléncia das con- cepgdes herdadas (seja 0 marxismo, o liberalismo ou as visdes gerais sobre a sociedade, a histéria, etc.) torna necesséria uma reconsideraggo de todo o horizonte de pensamento no qual situou-se, ha séculos, o movimento politico de emancipacio. E é a este trabalho que venho me dedicando desde entio. ©. M.: A dimensao politica e militante sempre foi primordial para o senhor? A postura filoséfica seria o ponto silencioso que predetermina a posigéo politica? Ou se trata de duas atividades incompativeis? c, : Certamente que ndo. Mas, primeiramente, devo escla- recer que para mim, desde o inicio, as duas dimensdes nao esta- vam separadas, mas também considero hé muito tempo que nao 97 KaIRos ha passagem direta da filosofia 8 politica. O parentesco entre filosofia e politica consiste no fato de que ambas visam a nossa liberdade, a nossa autonomia — enquanto cidadaos e seres pen- santes — € no fato de que, nos dois casos, hé de inicio uma von- tade — refletida, Iticida, mas ainda assim vontade — que visa a esta liberdade. Contrariamente aos absurdos que atualmente esto de novo em curso na Alemanha, nao existe fundamento racional da razdo, nem fundamento racional da liberdade. Nos dois casos hé, com certeza, uma justificagdo racional, mas ela vem em contracorrente, ¢ apéia-se sobre 0 que somente a auto- nomia tora possivel para os seres humanos. A pertinéncia polf- tica da filosofia deve-se ao fato de que a critica e as elucidagies filosoficas permitem que se destruam precisamente os falsos pressupostos filoséficos (ou teoldgicos) que tdo freqiientemente serviram pata justificar os regimes heteron6micos. ©, Ma: Logo, 0 trabalho do intelectual € um trabalho critico, na medida em que ele quebra as evidéncias, em que est pre~ sente para denunciar 0 que parece ser evidente. E nisto que, provavelmente, 0 senhor pensava quando escreveu: “Bastaria ler seis linhas de Stalin para compreender que a revolucdo nao podia ser isso” ¢.C: Sim, mas devo mais uma vez precisar que o trabalho do intelectual deveria ser um trabalho critico, e freqilentemente cle 0 foi na Histéria, No momento do surgimento da filosofia na Grécia, por exemplo, 0s fil6sofos questionaram as representa- Ges coletivas estabelecidas, as idéias sobre 0 mundo, os deuses, a boa ordem da cidade. Mas, bem depressa, ocorre uma degene- rescéncia: os intelectuais abandonam, traem o seu papel critico € comegam a racionalizar o que existe, transformam-se nos jus- tificadores da ordem estabelecida. O exemplo mais extremo, € também sem diivida o que melhor exprime a questo, ainda que seja porque ele encarna um destino e um fim quase necessério da filosofia herdada, é Hegel, que proclama no final: “Tudo o que € racional é real, € tudo 0 que é real € racional”. No perfodo recente, temos dois casos flagrantes: na Alemanha, Heidegger € 98 ‘A ASCENSAO DA INSIGNIFICANCIA sua adesio profunda, para além das peripécias ¢ anedotas, a0 “espirito” do nazismo; na Franga, Sartre que, desde 1952 pelo menos, justificou os regimes stalinistas ¢, 20 romper com 0 co- munismo ordinério, passou a apoiar Castro, Mao, etc. Essa situagdo néo mudou muito, sendo em sua expressio. Apés 0 desmoronamento dos regimes totalitérios e a pulverizagio do marxismo-leninismo, a maioria dos intelectuais ocidentais passa seu tempo a glorificar os regimes ocidentais como regimes *democraticos", talvez ndo ideais (ndo sei o que esta expresso significa), mas os melhores regimes humanamente realizéveis, ¢ a afirmar que toda a critica desta pseudodemocracia conduz dire- tamente a0 Gulag. Temos assim uma repeticio intermindvel da critica ao totalitarismo, que esta chegando com um atraso de se- tenta, sessenta, cingiienta, quarenta, trinta ou vinte anos (varios “antitotalitérios” ainda apoiavam 0 maofsmo no infcio dos anos de 1970), e que permite silenciar os problemas ardentes do pre- sente: a decomposigao das sociedades ocidentais, a apatia, a cor- rupgio e 0 cinismo politicos, a destruigéo do meio ambiente, a situagdo dos pafses miseréveis, etc. Ou entéo, e trata-se de um caso semelhante, se retiram em suas torres de poliestireno e cui- dam de suas preciosas produgdes pessoais. ©. M: Haveria, em suma, duas figuras simétricas: o intelec- tual responsavel, assumindo responsabilidades que culminam na irresponsabilidade assassina, como nos casos de Heidegger € Sartre que o senhor acabou de denunciar, ¢ 0 intelectual fora do poder, que culmina na ndo-responsabilidade perante os crimes. Podemos formular as coisas dessa forma? E onde o senhor situa © papel correto do intelectual e da critica? C. G Precisamos, simultaneamente, deixar de superestimar € de subestimar o papel do intelectual. Houve pensadores ¢ escri- ores que exerceram uma enorme influéncia na Histéria — nem sempre para o melhor, diga-se de passagem. Plato € certamente © exemplo mais surpreendente, pois ainda hoje todo o mundo, mesmo sem saber, reflete em termos platénicos. Mas em todos esses casos, a partir do momento em que alguém pretende se 99

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