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110.
� CENTENÁRIO
DA REPÚBLICA
1910'2010

i�ii�!mi:�"-:�,'�"i€--IIIIIII
Aderente: 101, Desconto B4oo PARQU e SCOLAR
Para os republicanos, a aposta na educação do povo
constituiu um dos grandes vectores do seu ideário.
Entre os grandes desígnios da escola republicana,
contavam-se a educação laica, a educação para a cidadania,
o combate ao analfabetismo, a democratização da escola
e a adopção de novas metodologias em todos os níveis
de ensino. A aposta na educação como meio de formar
cidadãos livres e conscientes, capazes de intervir
civicamente, foi muito precoce na propaganda republicana.
Assim, ainda antes da República, essa acção educativa foi
desenvolvida pelos centros escolares republicanos, pelas \
universidades livres, pela Escola-Oficina n.º 1 e por uma
série de associações promotoras da educação.
EDUCAR. EDUCAÇÃO PARA TODOS.
A exposição
O ENSINO NA I REPÚBLICA pretende dar a conhecer
a obra republicana no .ensino. Ao longo das onze salas
que compõem o percurso, esta exposição pretende atingir
um leque diversificado de público, desde o público escolar
ao público em geral.
A exposição inicia-se por uma sala dedicada à obra educativa
dos centros escolares e organizações similares, ainda

7 B na Monarquia. Entrando na República, abordam-se assuntos


9 o relacionados com os grandes pedagogos e o ideário

� I UI'
educativo, a educação cívica e patriótica e os manuais

O· de ensino. Na sala cinco, procedemos à reconstituição


integral de uma sala de aula, de uma escola inaugurada

H I J em Outubro de 1910, a que se seguem aspectos


relacionados com o ensino liceal, o ensino técnico

B N
e profissional, a aposta no ensino científico e experimental,
a criação das novas universidades e a defesa de um novo
paradigma para o ensino superior. Dedicamos também uma
sala à importância do crescimento do ensino feminino
e terminamos com a sala da Festa da Á rvore, um dos
maiores símbolos das festividades cívicas da República.
CENTENÁRIO
r
........_ � -, DA REPÚBLICA
1910.2010

iiNCM
IMPRENSA NACIONAL CASA OA MOEOA

Apoio

PARQUeSCOLAR
l

A I República, implantada em 2010 e derrubada por um golpe militar em 1926, deu uma
grande importância à educação. E se nem sempre as boas intenções se concretizaram, muito por
causa da instabilidade política daquele período, houve avanços significativos em vários campos.
E constitui-se um legado de valores que ainda hoje são da maior relevância.
A I República colocou na linha de prioridades a alfabetização e o desenvolvimento da ins­
trução popular, a par da promoção de uma educação integral- abrangendo a educação cívica, social,
física e artística -, e de um ensino que contemplasse todos os ramos do conhecimento, pugnando
pelo desenvolvimento de uma cultura técnica e científica. A responsabilidade do Estado como ga­
rante do acesso livre e universal à Escola também ocupou o debate e as reformas levadas a cabo
durante esses anos.
Não foi por acaso: os valores educativos e pedagógicos da I República assentavam nos
princípios da cidadania, democracia e autonomia característicos do republicanismo. Por isso eles
mantêm-se actuais, cem anos depois. Embora a transição da I República para a Ditadura Militar, e
depois para o Estado Novo, viesse introduzir profundas alterações ao pensamento pedagógico e às
políticas de Educação, os valores de base promovidos pelo republicanismo, integrados no quadro da
democratização do ensino e de valorização da cidadania que lhes estiveram associados, constituem
boje uma preciosa herança para os princípios educativos que orientam a Escola actual e futura.
É tendo presente esta herança que o Programa do Centenário contempla um vasto con­
junto de iniciativas dedicadas à Escola, à Educação e ao Ensino, quer pelo convite à participação e
envolvimento das escolas de todo o País nas comemorações do Centenário da República, através
do eixo programático República nas Escolas, quer através de outras iniciativas associadas a diversos
programas temáticos, nomeadamente no âmbito das Exposições do Centenário.
A exposição EDUCAR pretende evocar o ideal educativo promovido pelo republicanismo por­
tuguês e tem por objectivo divulgar este legado histórico e patrimonial da I República, contribuindo,
deste modo, para a construção do conhecimento sobre a história do Ensino e da Educação em Por­
tugal.
O presente catálogo, que constitui também uma memória física desta exposição, reúne
importantes contributos científicos, com textos especializados dedicados à história do ensino e das
práticas educativas na I República, associando, assim, a memória desta iniciativa ao debate e à refle­
xão história sobre esta temática decisiva para o futuro do País.

Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República


Artur Santos Silva
Maria Fernanda Rollo
Raquel Henriques da Silva
Francisco Sarsfield Cabral
Rui Vieira Nery

Janeiro de 2011
12 ANTES DA REPÚBLICA
18 OS PEDAGOGOS DA REPÚBLICA
22 A EDUCAÇÃO cfVICA E PATRIÓTICA
26 OS MANUAIS DE ENSINO
30 O ENSINO PRIMÁRIO
34 O ENSINO SECUNDÁRIO
OS LICEUS
40 O ENSINO PROFISSIONAL
46 O ENSINO CIENTiFICO E EXPERIMENTAL
52 O ENSINO SUPERIOR
56 A MULHER E O ENSINO
60 A FESTA DA ÁRVORE

64 EDUCAÇÃO PARA TODOS.


O ENSINO NA I REPÚBLICA
Cândida Proença

70 O ENSINO PRIMÁRIO
Joaquim Pintassilgo

78 ENSINO TÉCNICO
UM ESPAÇO EDUCATIVO MARGINALIZADO
MAS "RESPONSÁVEL" PELO NOSSO ATRASO
Luís Marques Alves

86 O ENSINO LICEAL NOS ANOS DA I REPÚBLICA


Jorge Ramos do Ó
98 A REPÚBLICA E O LIVRO ESCOLAR
Justino Magalhães

112 O PROFESSOR PRIMÁRIO E AS SUAS IMAGENS


Margarida Louro Felgueiras

122 A UNIVERSIDADE E A REPÚBLICA


Luís Reis Torgal

130 CONSTRUÇÃO DE UMA EXPOSIÇÃO


EDUCAR.
EDUCAÇÃO PARA TODOS.
ENSINO NA I REPÚBLICA
Paulo Trincão

138 CRONOLOGIA COMPARADA

c
ll EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO MA I REPÚBLICA
ANTES DA REPÚBLICA

ANTES DA #

REPUBLICA
O discurso estratégico dos republicanos, sobretudo a partir de 1870, apresentava-os como
a alternativa credível, moderna e regeneradora da Pátria também do ponto de vista educativo.
Propunha reduzir o analfabetismo (cerca de 80% em 1890), criar instituições de educação pré-escolar
adequadas, uma rede de escolas primárias eficaz, gratuitas, de frequência obrigatória e neutras
do ponto de vista religioso, com planos de estudo individualizados, aliando teoria e prática, trabalho
individual e colectivo.
Cresceu o movimento associativo junto dos professores, bem como o número de Sociedades
Patrióticas e Centros Republicanos, instituições fundamentais para a divulgação não só do ideário
político e cultural, mas também do ideário educativo republicano, muitas vezes apoiadas pela
Maçonaria. Tinham habitualmente salas de jogos, bibliotecas, escolas infantis e primárias associadas
e ofereciam, por vezes, educação para adultos ou jovens fora da idade escolar, em aulas nocturnas,
com o novo método de ensino da leitura, na Cartilha Maternal de João de Deus.

r
rei rua raio raiva rijo rato ferro
jarro terra burro ira vara fera furo
jura puro ar ir vir for flor dar ver
verde perda pardo perto preto
prato bruto pobre irar virar
Edifício da escola d'A Voz
do Operário.
19... , Fotografia de Joshua Benoliel,
AML-AF, A8731. João de Deus,
Alunos da Escola Oficina n.º 1 Cartilha Maternal
e o seu cão, o ABC. ou Arte da Leitura.
Ilustração Portuguesa, n.• 219, Lisboa, Livraria Bertrand,
2 de Maio de 1910, p. 547, HML. 1876

JO!,O DE DEUS

CARTILHA MATERNAL

ou

ARTE DE LEITURA

J,I\.R:\Rl.\ BERTRAI"O
15 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
ANTES DA REPÚBLICA

- O Pedro, que é
do livro de capa verde,
que te deu o avô?
- Já o dei ao Jorge
a guardar.
- Vai lá pedil-o.
-Para quê?
-Para a tia Carlota ver
a gravura do caçador.
• •


OS PEDAGOGOS #

DA REPUBLICA
No plano educativo, estava em causa a regeneração da Pátria, fazer da utopia uma realidade,
alcançar a plena cidadania, a dignificação de um Homem crítico e livre.
Alguns pedagogos encaravam a escola como um templo cívico que desenvolveria um projecto
de formação integral, auto-regulada, orientando os cidadãos na construção do seu próprio futuro,
contribuindo para a formação de um Homem Novo. Outros defendiam a criatividade, a autonomia
e contrariavam a função moralizadora, social e integradora do ensino, a manipulação educativa
pelo poder.
Apesar dessas divergências, a maior parte dos pedagogos associou a modernidade pedagógica aos
valores da Educação Nova: o aluno devia conhecer a realidade, valorizar a experiência,
sair do espaço escolar, aprender um ofício.
Surgiram escolas pedagogicamente diferentes das tradicionais, tentando conciliar as descobertas
da psicologia do desenvolvimento cognitivo com os recursos pedagógicos proporcionados
pelo meio, a adequação ao nível etário, o aperfeiçoamento da aprendizagem prática a partir
das "lições de coisas".

FARIA DE VASCONCELOS JAIME CORTESÃO JOÃO SOARES LEONARDO COIMBRA


• • •

• BORGES GRAINHA ÁLVARO VIANA DE LEMOS ANTÓNIO AURÉLIO DA COSTA


• •

FERREIRA ANTÓNIO SÉRGIO ALVES DOS SANTOS ADOLFO COELHO LADISLAU


• • • •

PIÇARRA EMÍLIO COSTA ADOLFO LIMA JOÃO DE BARROS JOÃO DE DEUS


• • • •

RAMOS BERNARDINO MACHADO



A EDUCAÇÃO
#

CIVICA
E PATRIÓTICA
A legitimação social da República utilizou diversos símbolos:
Um professor e um aluno
uns representam a herança histórica de uma nação, uma identidade
do Instituto de Surdos-Mudos
construída e mantida com o esforço de homens e mulheres, heróis da Casa Pia de Lisboa fazendo
do imaginário português; outros pretendem associar o novo regime a uma alguns exercícios.

modernidade renovadora.
Ilustração Portuguesa, n.0 63,
6 de Maio de 1907, p. 545, HML.
A nova bandeira reúne elementos historicamente consensuais, relacionados
Alunas da Escola Normal
com a independência nacional e os Descobrimentos e, por outro lado, as de Lisboa.
cores da batalha, do sangue e da esperança na mudança. O hino, por sua 1910, Fotografia de Joshua Benoliel,
AML-AF, A8939.
vez, é um canto patriótico que invoca períodos nobres da história de
O Presidente da República,
Portugal, a combatividade e a independência. Também a nova moeda se
Bernardino Machado, na cerimónia
legitima na esfera armilar e no rosto de uma mulher com um barrete frígio, de lançamento da primeira pedra
símbolo de liberdade. da nova Escola Normal de Lisboa.
1916, Fotografia de Joshua Benoliel,
Educar civicamente os cidadãos, republicanizá-los, era para os mais
AML-AF, A4286.
radicais um dever. O Estado deveria interferir na escola, fazer a apologia Aula na aldeia em que a professora
dos velhos e novos heróis, dos mais importantes acontecimentos históricos, mostra a bandeira portuguesa aos

quer passados, quer recentes. seus alunos.


Ilustração Portuguesa, n.º 628,
Educar pela Pátria era o ponto de partida para transformar
4 de Março de 1918, p.175, HML.
a aprendizagem em cidadania. Rapariga a coser a bandeira
da República.
Ilustração Portuguesa, n.0 337,
5 de Agosto de 1912, HML.

(... )O REPUBLICANIZAR A ES<OLA, FAZER


EDUCAÇÃO REPUBLICANA, É IHSPIRAR A HOSSA
PEDAGOGIA HOS PRIH<íPIOS EDUCATIVOS
ABSOLUTAMENTE <OHTRÃRIOS ÀQUELES QUE Luís de Camões

DAHTES SEGUIA E ADOPTAVA A ES<OLA PORTUGUESA José Malhoa, Camões, 1907,


EP-MML.

E TAMBÉM EHSIHAR AO ALUHO O MAIS ARREIGADO


AMOR À SUA PÁTRIA.
João de Barros, A República e a Escola, 19 . . . , p. 13
Selos da série Ceres.
Desenho: Constantino de Sobral
Fernandes.Gravura: José Sérgio
de Carvalho e Silva. Impressão:
Tipográfica, Casa da Moeda.
Circulação: de 1912 a 1926,
algumas taxas até 1945.

D. Manuel li,
com sobrecarga "República".
Desenho e gravura: Domingos Alves
do Rego. Impressão: Tipográfica,
Casa da Moeda.
Circulação: de 1 de Janeiro de 1910
a 30 de Março de 1913. A sobrecarga
foi colocada a 1 Novembro de 1910.
Travessia aérea do Atlântico.
Data: 1923 I Autor não identificado.
Gravura e impressão: Litografado
na Waterlow & Sons, Londres.
Circulação: de 30 de Março a 1 de Abril
de 1923 e de 6 a 8 de Setembro de 1924.
Alunos do Jardim-Escola
João de Deus, em Coimbra.
O Ocidente, revista ilustrada de
A EDUCAÇÃO CíVICA, POIS QUE
Portugal e do Estrangeiro, n• 1243,
10 de Julho de 1913, p. 202, HML. É A EDUCAÇÃO DO CIDADÃO,
TEM DE SER IHFORMADA POR UM
ESPÍRITO DECIDIDAMEHTE REPUBLICAHO,
PROFUHDAMEHTE PROGRESSIVO,
E DEVE SER MIHISTRADA POR
UM PROFESSORADO AHTI-MOHÁROUICO
E AHTI-CLERICAL.
Lopes de Oliveira (relator), "Educação cívica na escola primária...",
in Relatórios do Terceiro Congresso Pedagógico, I 913, p. I 4·5
RUI>INt':�TOS DF. AGkiCl"o./URA 91

lhos Lnas �iras, os carros que levam as colheitas


e os testrumes. as nóras que tiram a agua de
rega, � etc .
Vemde para o açougue os bois, os carneiros
(fig. 918), os porcos (fig. 99) e os cabritos, depois
VII de os; ter e ng orda do. Das vaccas (fig. 100), das

OS ANIMAES DA AGRICULTURA

ss• Os anbnaes de pello. - O agri­


cultor niio pó_dc passar sem os animacs. Apro-

FlJ!'. 00 -Oc-:wallo.

o vel h n s c das cabras (fig. 101) lira o lcile, que


não só se bebe como alimento, mns sen•c lam­
j
bem pMa razcr os quei os e a mante iga . Tos qu ia
a l:i dns ovcllws e vende-a para o fabrico dos
patmos. Aproveita, por ultimo, os estrumes de
todos estes animaes, estrumes indispensaveis
Eíiquclelo: I a 8, caveirA; !l. ultima vcrtobra cervical; 10, cta..
para a terra e l'ia r bcn.1 plantas. ''icula; 11, Ottloplala; li, estc.rno; t3, pl'i10rir'a coatella: EII•JUUINo: I aS, ta•·cora: G, Jll'irnclr3 \'Oirlebra c.:: •· •· kal ; 7,
veita a força dos bois (fig 95), dos cavallos (fig. 96). O numero dos nnimaes que dc."e ter cada ag ri­ l
H. te ima costella ; Hi, duodecirna. costel111 ; 16. segunda ,·er­ �clilllll ·�·rlcbrn rcn•ct\1; 8,du01lccima \'erlebr a dorsal:
9. 1111in ta \'('rtcbra llm1hat·; 10, �llero ; 11, (•nccyx;: Je. osso
tchra dorsal; li. ctuinta ,·ertcbra lombar: 18, iii.Cro; 1\1, coccy�:;
das mulas e d os pondo-os illa.co : IJ, 11riml'ira co�tclla: U, duodecima (:o,td/4: IS, ela·
burros (fig. 97), a cultor dep ende de duas cous;.\s: das comidas que �. osso il laco ; !I. huruero; !!, cubito ; 23, rédio ; t-l a 16,
•·iculll: III, OlllOJllala; 17, hurncrf.J; !8, cuhilo; /9, ràdio;
puxar as charruas e as g 1·ade s na lavoura, os Lri- tenha para lhes dar, do estrume ncccssar io 10&.0; !7, Cé.mur; 28, rótula; !9, tibia; 30, perónco; 31, tarao.
e 20 a 22, coiio: !3, fécuur: 2i, U bia; :!:i, pcróncf.J. 26. tarso:
Jl, metatano; 33, phaJangea. !i, flu:tatou'\(1; 28, plt:�Jangus

12 TERCEIRO LIVRO DE LEITURA O MUNDO


.
QU E 0.\DITAIIIOS
18 RUDINENTOS DE AGRICULTtHU

parece lambem mai or do que os 'outros rlanetus


ainda pelo mesma razão: porque ó o plnneta que
se encontram de nós? OuYi. Uma bala de artilheria
l
nascem os cardos. as popoi a s e as urlig:ts, pe los raizes s:úo tenras e poucas grossas. No ulm'eíro e
le\•aria lO annos a chegar da terra ao sol : pois campos, pelos cuminbos e pelo s muros'/ Nascern na lnl'atttjcira. as raizes mais proximas do êaule
está mais porto do. terra. levaria 2 milhões d'annos a ch e gar da terra á
lambem de sementes : e, se não é o homem quem são mtuito_grossas e duras, como páu, e vão eu..
H a estreHos muito maiores que o sol, c planetas eslrclla mais proxima! Os sabiosludo leem estudado
as espal ha ou quem as semeia, encarregn·se grossan,do todos os annos. Na cenoira (fig. 9) e
d'esse trabalho ora o vento, ora a agua, levando· no nabo), a raiz tem pouct>s ramos e e g rossn . mas
as comsigo ; as aves c os � n imae s de pello tam... tenro. �por isso se póde comer.
bem lf·ansportam mu itas, qué se lhes agarram O CalUte lambem as mais das ''ezes Lem ramos .
aos bicos ou â hi.
Se as plantas são seres vivos.
como os animaes� como e11es Icem
um corpo. No corpo do animaJ ha
pariC:i dive1·sas : a cabeça, o tronco
e os membros, que silo os lu·aços
e as per nas. Pois nas plautas tum­
bem o corpo tem partes diffcrentea,
mas mio as m es mas do corpo do
animal.
FI;. ��-��:(J�IIes
Qua ntlo arrancàmos da terra.
com cuidado, uma papoila (fig. i}.
o
vêmos que t i ba uma parte debaixo da terra : {!
a rai z. Vemos a seguir a raiz o caule, que é a Flt;. ?. -A� r�IU�I
parte que se levan ta no ar, e onde estao presas, dasccnuir:!4.
para os lados, as folhas; no fim do caule, ou dos
Numas pl anlcls é. delga do c tenro , como no trigo
ramos em que elle se divi de, estão as ftores, ver·
ou no m ilho, c a ])la nla chama-se enlào uma
me.lhas nesta planta. As partes do corpo da
C:trl4 do cêo boreal (;nl'la do cro austral herva. Quando é tenro e compri do, não pódc
planta são, p
ois : a raiz, o caule, as folhas e · l
suster-se d irci o , e encosta-se ás outrds pla ntas,
as flores.
muito maiores que a lua. .. calculado i e tanta verdade ha nos seus ealculos,
�" ou ao s páus, ou ás paredes, que enconlrn .ao pé:
O sol 6 uma estrella de 5"' grandeza, o que é o A raiz Yitte quosi sempre dentro da terra; tem
que eUes chegam a dizer a hora, o minuto, o segundo, e assim se en rola o caule do feijoeiro. ou se prende
� de ordin ar io ramos e os seus ultimos r.unos,
mesmo que dizer que ha <i ordens de estrellas cada em que no céo se hao.de passar c rto s phenc>­
. com os seus abraços, do fe i ti o dt� saca-rolhas.
. mesmo n as raizes 'mais gn>ssas, s.-lo sempre del­
uma das <tuaes é maior do que o sol. menos. - Ainda não ha mu1to, os sabtos dtsseram o caule do mclocim ou das ervilhas ( fig . 10)•.
Quereis fazer ideia da dlstancl& a que as eslrellas que a uma certa hora, a um certo minuto, a um certo gadissimo>. No milho e uo tri go (llg. 8), todas as
Quando o caule é t eru·o e muito comprido, e não

O -MUNDO QUE HABITAMOS


::12 TERCEIRO UVRO DE L"E1TUR \ 258 LErnJRAS t.etTURMS
l
- Mercurio,a 15 mi hões de leguasde dislancia,dando 5,; satélJites) â distancia de 192 milhões de leguas.
u ma volta comt,lela á roda do sol em 88 dias; Venus. tldurando a sua volta ii roda do solll annos e 315dias;

a :24} milhões de leg uas, dando o sua \'Oil.o em alurno (com os se us 8 .salêHit�) á dislaoeia de
:lMS milhões de leguas•• Je\'8ndo a dor a volta ao sol Alexandre Herculano Alfredo Keil
2:13 dias; a Ttrro (com o �u saléllile, a Lua}, o
229 ao.nos e 167 dias; Ura.no {com os seus 4 satéJ­
Iilil.es) á distancia do i l O milhões de legoas, �s­
mr reímidus no
Pouc.'ls '\'("'/.OS se j)Odcr-Jo encont
Português d e antes quebrar que torcer, Alexan­ mesmo m1ist..'l osta:s lt'ês p1·cndas ado1·(m.:!is: poe­
t.aando no aeu glco á r<Kia do sol 8! auuos e 89 d•as ;
1\Nepluno(com o seu utêDile)dislanle do soliJ.liO mt ·
. u
dre Herc lano sustentou grandes lutas, defendendo sia, música e pint.ur;.l. Foi Alfredo 1\e.il. a êste res­
ll lboes de. lfJguas, isto é, 30 ,·ezes mais longe do sol corajosa e triunfantemente as suas opiniões. peito, um ,·erdadciro J)l'i·
d,Jo que n6$., e gas tando para dar a volla com pleta IÍ Como soldado, bateu-se pela libes-dade, tornando­ ,;Jegiado, J>OI'CJUC foi poe·
rtrOdo. do .sol 164. annos e 281 dias, o.u seja mais de -se um dos mais a aixonad p os adversários do regí­ ta, mú ico c pintor.
�·seculo e m�io dos nossos! Um anno de Neptuno é men absoluto. Como histo­ )las foi sobr-etudo nu
llJ6t veze& mais comprido do que o nosso : quando riador produziu grandiosos divina orte dos. sons que
Oecaba o anoo de Nepluno, já a lerra lem coutado monumentos. que «vieram t:le mnis 5e notabilizou.
pper to de l6S annos ; e Mercurio 68 .f, quasi i eeeulos! desvendar mistérios da vida e em que mais profun­
lao la
As velocidades dos p e s 6. roda do sol s.;iO antiga do seu país. e deSfa­ damente dci.xou gr::wado
!.� �� ; - .Uc/'Curio, 1 milhlo c J :.1 mil leg ues zer muitas lendas. que de hã o seu tino tcmpcmmento
wor dia ; l·enu.t, 750.000; a Terra, iJ()8.800; Narte. muito se su bstituiam à ver­ de tu'listo.
;))I .000; Jupiler, 'liS.i50 ; Saturno� :Z05.:!00; lJI'QIW, dad e». Foi tambêm poeta e 1\as suns mclodi:lS c
11-1 t.100; NepluJto, 1'16.000. . romancista, mas abandonou nas suas ópet-as., Wo in�
-me<h.das
.
Quem du,·tda de 'tUdo 'i&lo '!' Todas estas um dia a literatura, em que pirtldas, c por vezes liio originilis,�deixou·nos. o sau­
odos ddTe-
�:-S:io os re:Sllll.ados c:ovcol'de:s de 6 -me"JJ ocupou. entre nós, lah·ez o d�o maestro pág inns de nn\sica l;'io beb� l'(Ue o
1rcnles. S�is cnminbos di,·ersos 1C\'8rt\ffi lodoS ao primeiro lugar, e retirou-se mnis cons.."tgrado compositor niio desdeuh�tda snb­
cmes.mo ponto, signa1 de que s.io tão certos
a(1uelles
par·a Vol · d e -Lobos . sítio SCI"C'\Cr.
nnumero:;, como nós c�istirmos. O p der o
. meros
dos nu
l:rmo e triste nas proximidades do lugar de �-'\zóia E T<ell n�o errt só um grande músico; era um
' t:lo grande, <JUe fõram ettes� e s6 e ! les, que desc� de ·Baixo. a sete léguas de Santarêm. Aü, em sin­ grande nmigo da sua terra. era um poltu,guês de
l
l b rir-�m 0 p a neta Neptuno. Sem sau do
seu gabt­
os últimos anos.
gela habituçlio., deslisaram em paz lei. Apesar de Ute COJ'rer n as vc.i:t. s.sanguo eslron­
mc.le, e nem sequer olhar p a ra o céo, o aslrODOlllO
- não do ilustre historiador. �ciro, pois scn J>ai era a lemão, a nenhuma ou­
U.e Verrier - servindo-se apenas do cn lc ulo
Jaz no mosteiro dos Jerónimos, na antiga casa tl'a lel't•a dedicou mais arectos do que :10 no.::. -=.o
...
�só pre,riu que 1.ara além do pl�oeln Urano ou t ro
37 milhões de Jcguas, fazendo o seu t,�ro completo
to er.�cto on d6 caprtulo, ond e se erigiu um magnífico e arlfs­ querido Po1'tugal. que o viu nascer. ::\êle vh·eu.
em 365 dias ; 1\fo.rle (coro os seus 2 sotélliles) A )lllaneLa de,•ia existir, mas.determmou o p
tico mausoléu pata guardar as cinzas de tão '-ene­ às befezo.1s naturais pediu in spir.:u;-ão para os­
dislaocia de 56 milhões de lcguas, durando a sua o
tdo céo onde esse p la ela devia encontrar-se n um
�"lt:lS

- E momento, assos l.ado um rando ,,ulto. seus quadi'OS e para os seus ve1-so3, c foi ainda.
revolução t anno e 322 dias ; Jupit�r (com o seus ccerlO ·momento. o 'es!e

em obras·pa·inu\s da literatura naci ona l q ue pro-


Bernardino Machado
na escola do Sindicato
' #

O EN SI NO PRI MARIO
dos Catraeiros do Porto
de Lisboa.
1926, Fotografia de Ferreira
da Cunha, AML-AF,
8094114.

A Reforma da Instrução de 29 de Março de 1911 insistiu sobretudo no Ensino Primário. João de Barros e João
de Deus Ramos desejavam implementar uma reforma pedagógica revolucionária que não atendia, no entanto, aos
constrangimentos financeiros e até culturais do País.
Foi criado oficialmente o ensino infantil para os dois sexos, jardins-escolas em cada um dos bairros de Lisboa e do
Porto, nas capitais de distrito e nas sedes dos principais concelhos.
O Ensino Primário, em regime de co-educação, distribuiu-se pelos graus elementar, obrigatório, dos 7 aos 9 anos,
complementar, de dois anos, e superior, de três anos.
Pretendeu-se que os Municípios se responsabilizassem pela construção e equipamento das escolas, bem como
pelo recrutamento e pagamento aos professores, e consignou-se o aumento do ordenado do professor primário
(que só entraria em vigor em 1917).
A ideia de que era fundamental formar os professores numa instituição pedagógica apropriada e digna consolidou­
-se e, em 1918, a Escola Normal Primária de Lisboa passou do Calvário para Benfica.
BARBift,J TAS.
I CO.l'-""lthO

J>ol�p yll• fullo P1uuu!Crandidieri

Paris.

11 AIIIIYFE R OS
41

A formação profissional foi uma das áreas a que a República prestou maior atenção. Reformulou-se o ensino industrial
e comercial- o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa dividiu-se em Instituto Superior Técnico e Instituto Superior de
Comércio. Tentou regulamentar-se o ensino médio industrial e comercial e, em 1g14, surgiu a Escola de Construções,
Indústria e Comércio. Progressivamente, foram surgindo escolas para várias áreas do saber industrial, bem como escolas
para diferentes vertentes do ensino comercial. O objectivo era um ensino prático, centrado no "saber-fazer", mas que
fornecesse aos alunos uma cultura geral e contribuísse para a formação de um espírito empreendedor. Pretendia também
fornecer-se uma alternativa ao ensino liceal para quem, por razões diversas, não tinha possibilidades de frequentar o liceu.
Tentava reconhecer-se oficialmente as competências adquiridas naquelas escolas técnicas e, dessa forma, valorizar
socialmente aqueles profissionais.
( )O OBJECTIVO DOMINANTE
•.•

DO ENSINO, AO LADO DA
CULTURA MORAL DA NAÇÃO,
DEVE SER O AUMENTO DA
CAPACIDADE DE PRODUZIR, EM
TODAS AS ESFERAS DA DINÂMICA
SOCIAL; E QUE, PORTANTO,
COMO DIZIA HERCULANO,
SE DEVEM ��GENERALIZAR OS
INSTITUTOS DESTINADOS AO
APERFEIÇOAMENTO PARTICULAR
DAS CLASSES VERDADEIRAMENTE
PRODUTIVAS DA NAÇÃO".
Alves dos Santos, Um Plano de Reorgani:ação do Ensino Público, 1921, p. 10
Laboratório de Higiene e Tecnologia
do Instituto Industrial de Lisboa.
Ilustração Portuguesa, n.o 820,
5 de Novembro de 1921, p. 348, HML.

Alunos da Escola Prática de Comércio


em exercícios.
19 ..., Arquivo de Alberto Carlos Lima, AML-AF, A16283.

Alunos e professores da Escola Prática de Comércio.


19 ... , Arquivo de Alberto Carlos Lima, AML-AF, A16293.

Estudantes da Escola Prática de Comércio.


19..., Arquivo de Alberto Carlos Lima, AML-AF, A16296.

Uma aula de Ciências Naturais.


19..., Arquivo de Alberto Carlos Lima, AML-AF, A16291.

Aula de carpintaria da Casa Pia de Lisboa.


1900, Fotografia de Alberto Carlos Lima,
AML-AF, A15057.
Uma aula de dactilografia.
19 ..., Arquivo de Alberto Carlos Lima, AML-AF, Al6304.
Uma aula de línguas na Escola Prática de Comércio.
19..., Arquivo de Alberto Carlos Lima, AML-AF, A16292.
Vários alunos numa aula de inglês
na Escola Comercial.
19 ... , Arquivo de Alberto Carlos Lima, AML-AF, A16289.
47 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
O ENSINO CIENTIFICO E EXPERIMENTAL
EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
O ENSINO CIENTIFICO E EXPERIMENTAL

Laboratório de Ciências Biológicas


do Liceu Maria Pia.
AF-ESMA, Á lbum 06-38.
Laboratório de Física da Escola
Politécnica de Lisboa.
19 . .., Fotografia de Alberto Carlos Lima,
AML-AF, Al6076.
Laboratório de Química
no Instituto Industrial
e Comercial de Lisboa.
S.d., Fotografia de Augusto Bobone,
AML-AF, A76241.
Gabinete de Física do Instituto
Industrial e Comercial de Lisboa.
S.d., Fotografia de Augusto Bobone,
AML-AF, A76242.
Uma aula de Química Industrial.
S.d., Fotografia de Augusto Bobone,
AML-AF, A76247.
Gabinete de Física-Mecânica Gabinete de Física Uma sala de aula de Física. Aula de Química Um laboratório
do Instituto Industrial do Instituto Industrial 19 ..., Fotografia de Alberto do Instituto Industrial de Física.
e Comercial de Lisboa. e Comercial de Lisboa. Carlos Lima, e Comercial 19..., Fotografia
S.d., Fotografia S.d., Fotografia AML-AF, A16082. de Lisboa. de Alberto Carlos Lima,
de Augusto Bobone, de Augusto Bobone, S.d., Fotografia AML-AF, A16081.
AML-AF, A76244. AML-AF, A76246. de Augusto Bobone,
AML-AF, A76243.
51 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
O ENSINO CIENTIFICO E EXPERIMENTAL
A FESTA #

DA ARVORE
As ideias de solidariedade, afectividade, fraternidade
e regeneração foram centrais na República.
A "Festa da Árvore" associava-se simbolicamente à regeneração da
sociedade e tinha sido divulgada pela Maçonaria ainda antes de 1910.
No entanto, após a República, aquela festa-metáfora foi promovida
a nível nacional pel'O Século Agrícola, a partir de 1913, e permaneceu
uma constante, sobretudo até finais da I Guerra.
A Festa Nacional da Árvore realizou-se por todo o País e foi divulgada
como uma festa cívica e democrática, reunindo todos os grupos sociais.
Servia também para consagrar novos símbolos do regime, como
a bandeira e o hino, e para reafirmar a importância que a escola tinha
para a formação do carácter, no amor pela natureza e pela vida.

As alunas que participaram


na Festa da Árvore em Cabrela.
Ilustração Portuguesa, n.• 372,
7 de Abril de 1913, p. 442, HML.
EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
A FESTA DA ÁRVORE

LEVEM AS CRIANÇAS AO CAMPO, DEIXEM-NAS CORRER, SALTAR,


TREPAR ÀS ÁRVORES, DEIXEM-NAS ENCHER-SE DE AR PURO E DE
IMPRESSÕES NOVAS, DEIXEM-NAS VER E FALAR, PENSAR: E ELAS
MESMAS VIRÃO COM IGUAL ANIMAÇÃO PROCURAR
O PROFESSOR PARA QUE LHES EXPLIQUE O QUE VIRAM
E LHES RESOLVA AS SUAS QUESTÕES.
Bernardino Machado, Introdução à Pedagogia, 1892, p. 20
&5

MARIA CÂNDIDA PROENÇA A República veio introduzir, em Portugal, inegáveis mu­


UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA danças qualitativas no ensino, que se traduziram numa
COMISSÁRIA
nova ideia de escola e em novas formas de pensar a
educação e a formação para a cidadania. Para os repu­
blicanos, educação e formação para a cidadania eram indissociáveis. Se, ao longo do século XIX, se
apresentaram diferentes projectos educativos visando a diferença entre a educação do indivíduo e a
educação do cidadão, para os republicanos não existia essa distinção porque a grande finalidade da
educação era formar cidadãos livres, capazes de compreenderem as novas instituições e de darem o
seu contributo à sociedade. Neste sentido, toda a educação deveria proporcionar a consciencialização
cívica do cidadão.
Do fim da separação educação do indivíduo/educação do cidadão, decorriam uma maior
-
aposta na educação integral e um maior investimento no ensino primário que se desejava universal.
Os republicanos pretenderam acabar com as distinções entre os cidadãos, embora sem levarem o
objectivo às suas últimas consequências, pois mantiveram afastados do regime eleitoral as mulhe­
res e os analfabetos (entre outros). Porém, há aqui uma acentuada diferença com o regime eleitoral
monárquico censitário porque, para o regime capacitário republicano, era a escola, e não a situação
económica, o verdadeiro critério do civismo, isto é, da participação cívica.
A acção republicana em prol da educação do povo iniciou-se muito precocemente Uá Henri­
ques Nogueira nos traçara um quadro educativo coerente) e intensificou-se à medida que a crise monár­
quica se acentuou, especialmente a partir da última década do século XIX. Nesta conjuntura, assistiu-se
a um vigoroso crescimento do Partido Republicano Português (PRP) que se traduziu na organização de
uma série crescente de agremiações (centros, grupos, associações, ligas, grémios, escolas, clubes... )
que desempenharam papel de relevo na difusão dos ideais republicanos. Um dos aspectos mais sa­
lientes da obra efectuada por estas associações foi, sem margem para dúvidas, o formidável impulso
concedido à causa da instrução.
Sendo a instrução do povo condição indispensável à sua consciencialização cívica e à sua
elevação moral e espiritual, estes objectivos não poderiam alcançar-se apenas pela divulgação do
ensino primário, embora este fosse a base inicial para o desenvolvimento de cidadãos mais instruídos
e mais conscientes, por isso, a par com as aulas que funcionavam em regra à noite, realizavam-se nos
centros republicanos sessões de divulgação cultural orientadas pelos mais prestigiados membros do
PRP: professores, escritores e artistas. As prelecções incidiam sobre história pátria, geografia, ciên­
cias naturais, literatura nacional, questões políticas nacionais e internacionais, além de outros temas
relacionados com a vida quotidiana das populações. No final da Monarquia, existia um total de 162
centros republicanos1, cerca de 40% dos quais se situavam nas cidades de Lisboa e Porto. Se, nestas
cidades, lhes juntarmos as associações existentes nos respectivos distritos, a percentagem sobe para
65%, o que é deveras significativo2. A acção escolar e cívica realizada pelos centros republicanos no
campo da educação foi acompanhada por outras iniciativas no âmbito da instrução popular, como a
criação da Academia de Estudos Livres, fundada em 1899, cujos estatutos foram aprovados em 1904,
com a designação de Universidade Popular3, e a fundação, em 1905, da Escola-Oficina n.º 1, fruto da
união entre republicanos, maçons e anarquistas. Há ainda a realçar a acção de outras instituições,
como a Voz do Operário e diversas Sociedades Promotoras. A meritória acção dos Centros Escolares
Republicanos manteve-se após a queda da I República, e alguns ainda chegaram aos nossos dias.
Em 2008, faziam parte da Comissão Permanente dos Centros Republicanos as seguin­
tes associações: Centro Escolar Republicano da Ajuda (Ajuda, Lisboa); Centro Escolar Republica­
no Alberto Costa (Lisboa); Centro Escolar Republicano Alferes Malheiro (Lisboa); Centro Escolar
Republicano Almirante Reis (Mouraria, Lisboa); Centro Escolar Republicano Fernão Botto Macha­
do (Lisboa); Centro Escolar Republicano Magalhães Lima (Lisboa); Centro Escolar Republicano
Tenente Valdez (Lisboa); Grémio de Instrução Liberal de Campo de Ourique (C. Ourique, Lisboa);
Centro Democrático de Instrução Latino Coelho (Coimbrões, V. N. Gaia); Centro Republicano e De­
mocrático de Fânzeres (Fânzeres, Gondomar); Associação Social Recreativa Republicana Guerra
Junqueiro (Porto); Centro de Estudos Republicanos Sampaio Bruno (Porto).
A nova escola republicana edificou-se apoiada nas propostas de muitos pedagogos que,
desde o período monárquico, vinham defendendo os seus ideais educativos. Alguns, como Ber­
nardino Machado, já mesmo antes de aderirem ao PRP lutaram por uma educação para todos.
Além dos seus profundos estudos de pedagogia, é de realçar que, mesmo nos seus textos mais
precoces, Bernardino Machado começou a travar o combate pela escola democrática4. No perío­
do republicano, destacaram-se, entre outros, Faria de Vasconcelos, porventura o maior vulto da
"Escola Nova", e os seus trabalhos de pedagogia experimental5, António Sérgio e a sua defesa de
uma pedagogia para o ressurgimento nacional6 apoiada no self-governement, como fundamento
de toda a educação cívica, Adolfo Coelho, pedagogo que muito contribuiu para a cientificidade
da educação na Monarquia e que a morte viria a encontrar, já no período republicano, à frente da
Escola Preparatória Rodrigues Sampaio7, João de Barros, ardente defensor da laicização da esco­
la8, e o grande ideólogo da escola republicana, defensor de novas metodologias e da obra do seu
grande amigo João de Deus Ramos, criador dos primeiros jardins-escolas. A educação integral
de pendor humanístico teve o seu defensor em Leonardo Coimbra. Muitos professores dedicaram
parte da sua obra ao estudo dos males e de propostas para o problema educativo português,
como Borges Grainha ou João Soares.
A pedagogia experimental teve também, na época, alguns representantes entre nós, como
Alves dos Santos, director da Sociedade de Estudos Pedagógicos, António Aurélio da Costa Ferreira,
que se viria a especializar na educação de deficientes, ou Álvaro Viana de Lemos, fervoroso adepto da
pedagogia Freinet9. Na pedagogia ligada aos meios anarquistas e operários, distinguimos Emílio Costa,
César Porto ou, num patamar mais teórico, Adolfo Lima, cujo nome ficaria indissociavelmente ligado
à Escola-Oficina n. º 1.
Nomes importantes da cultura portuguesa incluíram, entre as suas preocupações de in­
tervenção cívica, a defesa de modelos educativos democratizantes. Estão neste caso António Sérgio,
. Jaime Cortesão e Raul Proença que, em conjunto com outros intelectuais reunidos em torno da Seara
Nova, repensaram os problemas culto-mentais da pátria portuguesa, atribuindo ao ensino papel deci­
sivo no ressurgimento nacional, tantas vezes pensado e desejado, mas outras tantas adiado.
Servida por um ideário pedagógico de excelência, a política educativa republicana orientou­
-se por alguns vectores fundamentais. Entre eles, a educação laica foi uma das grandes e difíceis
conquistas dos pedagogos e legisladores, tendo em conta a tradicional ligação do povo português à
religião católica. Só com a legislação republicana foi possível implantar a escola laica em Portugal,
pois, durante a Monarquia Constitucional, os liberais não lograram avançar além da secularização da
escola, com alguns retrocessos a partir dos finais do século XIX.
&7 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
CÂNDIDA PROENÇA

Uma das características mais inovadoras da escola republicana residiu na criação de um


novo conceito de cidadão - o "homem novo" que era mister formar. A principal vertente da formação
desse homem novo republicano assentava na introdução de uma área de formação cívica na escola
primária com a qual se pretendia reforçar o aspecto laico e mesmo anticlerical do ensino10, apesar das
declarações de neutralidade presentes nos textos legais.
Outra das importantes vertentes da política educativa republicana foi o combate ao analfa­
betismo, cujas taxas rondavam os 75,1% em 1910. Perante esta realidade que nos afastava da maioria
dos países europeus, os republicanos optaram pelo recurso às chamadas Escolas Móveis que, entre
1913 e 1930, teriam sido frequentadas por 200 000 alunos, dos quais obtiveram aproveitamento cerca
de 100 00011. A par das Escolas Móveis, o Estado apostou na expansão da rede escolar primária, mas,
apesar de um relativo crescimento, não conseguiu atingir a desejada cobertura de todo o País. Do mes­
mo modo, também não lograram obter o cumprimento da escolaridade obrigatória. Assim, em 1910,
só se matricularam cerca de 43% das crianças em idade escolar, que frequentaram irregularmente, e,
em 1919, a percentagem de matrículas era ainda inferior- 25,6%
Além destas prioridades, a política educativa republicana orientou-se por uma maior valo­
rização do ensino técnico e profissional e por uma aposta no ensino científico e experimental. Nesse
aspecto, são de realçar os esforços para dotar liceus e universidades de laboratórios, teatros anatómi­
cos, jardins botânicos, etc. O ensino universitário foi completamente modificado na sua estrutura, desde
logo com a criação de novas universidades em Lisboa e no Porto. A crítica ao ensino universitário, até
então ministrado em Coimbra, foi demolidora. Pretendia-se um novo ensino em que o discípulo não se
limitasse a decorar e debitar as teses dos seus mestres presentes nas "sebentas". O ensino deveria ser
experimental e seguir o método científico.
Uma das grandes preocupações dos republicanos residiu na formação de um corpo docente
que pudesse transmitir os novos ideais políticos e educativos de acordo com as novas metodologias
didácticas, segundo os princípios pedagógicos da "Escola Nova".
No presente catálogo, os leitores poderão encontrar um conjunto de estudos de especia­
Listas que abordam os vectores fundamentais da política educativa republicana nos vários níveis de
ensino.
Com esta exposição, pretendeu-se divulgar a obra educativa da I República que, pela sua
dimensão e significado, merece ser conhecida dos portugueses. Por isso, foram considerados como
objectivos fundamentais: o reconhecimento do papel desempenhado pelo ideal educativo na forma­
ção e consolidação do republicanismo português; a divulgação, junto do grande público, da dimensão
educativa do regime republicano; a recuperação da memória da escola e da educação republicanas;
e o desenvolvimento do interesse pela defesa do património educativo e da investigação em História
da Educação.
Pelas suas características, esta exposição pretende atingir um leque diversificado de públi­
co, desde o público escolar ao público em geral. Neste sentido, não só o próprio percurso da exposição
proporcionará alguns espaços mais vocacionados para os mais jovens e para o público escolar, como
o evento será acompanhado de realizações científicas, como ciclos de conferências destinadas a um
público mais interessado e aos especialistas.
É comum referir-se a modéstia dos resultados no combate ao analfabetismo e no cumpri­
mento da escolaridade como indicativos do falhanço da política educativa republicana. Os resultados
foram efectivamente modestos, mas convém ter em conta as vicissitudes políticas do regime, a ques­
tão da Guerra e das suas graves consequências, além da grande crise económica e financeira dos anos
finais da República.
Entre alguns dos aspectos do legado educativo republicano, é importante realçar a escola
laica; o grande avanço dos estudos de pedagogia e psicologia experimentais que nos Legaram um me­
lhor conhecimento da criança, deixada de ser entendida como um adulto em miniatura; a introdução
de novas metodologias de ensino, ainda hoje utilizadas, como o papel conferido à compreensão em
detrimento da memória, a metodologia científica, as lições de coisas, o ensino ao ar livre, etc.
É importante, ainda, sublinhar o papel da formação para a cidadania. Com a República, essa
formação revelou-se próxima do endoutrinamento e da inculcação de valores, mas será precisamente
pela análise desses erros que devemos hoje pensar essa formação, porque a formação de um cidadão
consciente, livre e autónomo é algo que só se efectiva em democracia. Veja-se como o Estado Novo
fugiu da educação para a cidadania e como ela foi retomada depois do 25 de Abril. Estamos perante
um problema que ainda deve ser muito discutido, pois o exercício da cidadania no mundo actual é
complexo e exige múltiplas valências.
Outra das grandes conquistas da política educativa republicana foi a descentralização do
ensino e, até, a autonomia pedagógica em alguns níveis, aspectos que, já no fim do regime, quando
João de Barros se mostrava algo desiludido com a obra educativa realizada, não deixava de salientar:
"Quais são, de facto, as conquistas de que pode orgulhar-se a República em matéria de instrução?
Esta simplesmente: descentralização do ensino primário ( ... ); autonomia administrativa, e até certo
ponto pedagógica, dos estabelecimentos de ensino secundário, superior, especial ou normal; e maior,
muito maior difusão do ensino em todos os seus graus."12

MOTAS

Os Centros Escolares Republicanos. in Museu Virtual da Educação, Comemorações do Centenário da República, República
e Educação.
ln Oliveira Marques, Portugal da Monarquia para o Repúblico- Novo História de Portugal. vol.XI, Lisboa, Editorial Presença,
1991. O papel educativo dos centros republicanos, bem como o seu peso na alfabetização e na cultura cívica dos cidadãos,
ainda não foi estudado entre nós, e não será despiciendo realçar a importância de uma investigação sobre a actividade
cultural das diversas associações republicanas, nas duas últimas décadas do século X X
I , para a compreensão do fenómeno
do republicanismo e do papel da educação na formação do seu ideário.
Cf. Fernandes, Rogério, Uma Experiência de Formação de Adultos no 1. • Repúblico. A Universidade Livre poro o Educação
Popular 1911-1917, Lisboa. C ML,1993, p.10. Discorrendo sobre o assunto.o autor afirma: "Tratava-se de uma instituição cla­
ramente propagadora da ideologia republicana, com fortes conotações maçónicas, a atentar nos principais colaboradores."
Fernandes. Rogério, Bernardino Machado e os Problemas da Instrução Pública, Lisboa, Livros Horizonte, 1985.
Fernandes, Rogério, A Pedagogia Portuguesa Contemporâneo, Lisboa, Instituto de Cultura Portuguesa, Biblioteca Breve,
1979. pp.lll-120.
Idem, pp.43-llO.
Fernandes, Rogério, As Ideias Pedagógicas de Adolfo Coelho, Lisboa, Instituto Gulbenkian da Ciência. 1973.
Fernandes, Rogério, João de Barros, Educador Republicano, Lisboa, Livros Horizonte, 1971.
Veja-se Fernandes, Rogério, "O pensamento pedagógico em Portugal", op. cit., p.126.
10
Aeste respeito, veja-se, Pintassilgo, Joaquim, República e Formação de Cidadãos. A educação cívica nas escolas primárias
da Primeira Repúblico Portuguesa, Lisboa, Colibri, 1998.
11
Cf. Sampaio. José Salvado, "Escolas móveis (contribuição monográfica )", in Boletim Bibliográfico e Informativo, Lisboa, CI P
da Fundação Calouste Gulbenkian, n.2 9, 1969, pp. 9-28.
12
João de Barros, Atlântido, n.2 42/43, p. 740.
71

JOAQUIM PINTASSILGO O discurso pedagógico do período republicano conduziu a


UNIVERSIDADE DE LISBOA uma valorização extrema da escola primária, considerada
a base de todo o progresso e surgindo como uma
componente fundamental do projecto regenerador
subjacente ao republicanismo e parte integrante da utopia educativa, de fundo simultaneamente
iluminista e positivista, que o caracterizava. Oaí que não seja de estranhar a tendência com vista à
sacralização dessa mesma escola subjacente a alguma literatura pedagógica que a apresentava como
uma espécie de "templo" alternativo relativamente aos do catolicismo (Catroga, 1991).
Quais as razões que estavam na base da referida valorização? Acima de tudo, as escolas
primárias eram vistas como sendo, por excelência, as escolas do povo; por elas todos deveriam passar,
reduzindo-se a instrução de muitos, mesmo, aos seus ensinamentos (ou nem isso). As teses sobre a
chamada "escola única" só começaram a ser debatidas em Portugal mais para o final da I República,
em sectores restritos ligados à inovação pedagógica e social. As concepções dominantes continuavam
a articular os níveis e as vias de ensino com os destinos sociais e, nessa óptica, a escola primária
era mesmo a escola do povo, no sentido ambíguo e abrangente que esta palavra então possuía, com
conotações simultaneamente negativas e míticas.
Além disso, para a pedagogia republicana propriamente dita, juntava-se à anteriormente
apontada, e em íntima relação com ela, uma outra razão fundamental: a escola primária constituía
o local ideal para promover a formação dos cidadãos patriotas e republicanos idealizados pelo novo
regime. Era nela que se pretendia extirpar os vestígios do que se considerava ser uma educação jesuítica
e monárquica e, simultaneamente, se procurava implantar a República no espírito e no coração dos
portugueses. A escola primária era, nas palavras da época, a "oficina" donde sairia o "homem novo"
republicano (Araújo, 1997; Proença, 2008).
Em articulação com esta, surge-nos uma outra razão que tem por base a observação,
mais que não seja de natureza empírica, das características da psicologia infantil. Acreditava-se
que era na fase em que as crianças frequentavam a escola primária que era mais fácil e fecundo
exercer sobre a sua alma uma influência salutar, o que era explicado pela hipotética maleabilidade
do seu cérebro, que estaria receptivo a receber impressões duradouras. O professor encarregar-se­
-ia, nessa óptica, de modelar a inteligência e o carácter dessa "cera maleável". Esta concepção da
maleabilidade do espírito infantil é, note-se, um dos lugares-comuns da pedagogia da época e dá
conta da confiança então depositada no poder transformador da educação.
A importância atribuída à escola primária pode, ainda, ser articulada com a questão
do combate ao analfabetismo, que passava, em boa medida, ainda que não exclusivamente, por
essa escola. As estatísticas publicadas a partir da segunda metade do século XIX conduziram
à sua traumática descoberta pela minoria culta do País, ao mostrarem que a esmagadora
maioria do povo português nunca havia frequentado a escola, não sabendo ler nem escrever. O
discurso então difundido, em particular pelos republicanos, dramatizou ao limite esse problema,
pressupondo um olhar acentuadamente desvalorizador sobre a figura do analfabeto, colocado
na antecâmara da "civilização" e a quem era atribuída uma espécie de menoridade cívica.
O analfabeto, pela sua incapacidade de aceder à cultura escrita, não estaria em condições de ser o
cidadão-eleitor, consciente e participativo, almejado pela República (Nóvoa, 1988). Assim se explicam
o investimento simbólico nesse combate e o desenvolvimento de múltiplas iniciativas no campo da
alfabetização, tanto de crianças como de adultos, cujo exemplo mais emblemático é constituído pelas
Escolas Móveis pelo Método de João de Deus (Pereira, 1998).
O projecto de radical laicização da sociedade portuguesa fomentado pelo republicanismo,
implicando, no caso, a separação da igreja e da escola, expressava-se de forma visível também ao nível
do ensino primário. Um Decreto datado de 22 de Outubro de 1910 proíbe o ensino da doutrina cristã
nas escolas normais e primárias. Entre as razões apontadas, avultam as seguintes: o Estado não pode
obrigar as crianças a seguirem determinada crença religiosa; o ensino dos dogmas é incompatível com
as novas perspectivas pedagógicas. A reforma de 1911 é ainda mais explícita quanto aos propósitos do
novo regime, ao defender a neutralidade absoluta da escola em matéria religiosa; as crenças religiosas
pertencem, nessa óptica, ao domínio da consciência individual; a opção por um determinado culto
religioso é de cariz rigorosamente privado. Apesar de proclamar a neutralidade, o republicanismo
avança mais profundamente no sentido do laicismo. A escola laica assumia um papel mais activo e
militante no sentido de contribuir para a gradual extinção das crenças religiosas - católicas, neste
caso -, o que passava por restrições mais severas às práticas do culto e à difusão pública dos símbolos
religiosos (Catroga, 1991; Pintassilgo, 1998).
A primeira grande reforma educativa do período republicano é a consubstanciada no Decreto
de 29 de Março de 1911 relativo ao ensino infantil, primário e normal. A reforma divide o ensino primário
em três graus - elementar (3 anos), complementar (2 anos) e superior (3 anos). A obrigatoriedade
mantém-se nos 3 anos de escolaridade, correspondendo, pois, ao ensino primário elementar. O
preâmbulo da reforma de 1911 é um magnífico exemplo da retórica educativa do republicanismo,
e o seu articulado dá conta da presença de algumas das principais ideias e práticas inovadoras em
circulação no campo educativo, tanto em termos internacionais como nacionais.
No entanto, é preciso termos em conta o facto de boa parte do aí legislado não se ter chegado
a plasmar na realidade educativa, por razões várias que vão da ausência parcial de regulamentação
à incapacidade financeira, passando pela instabilidade governamental e pela ausência de vontade
política (Nóvoa, 1988). O ensino primário complementar, por exemplo, nunca chegou a ter existência
real, e o ensino infantil público também não passou praticamente de uma miragem, o mesmo
acontecendo em relação a muitos dos avançados e exigentes espaços escolares previstos no diploma.
O plano de estudos da reforma de 1911 representa um alargamento das perspectivas curriculares,
nele sendo incluídas, de forma mais visível, matérias que iam ao encontro das preocupações com a
consecução de um ideal de formação integral dos jovens alunos das escolas primárias e que vinham
a ser introduzidas desde o final do século XIX, como é o caso da higiene e da ginástica, dos jogos
educativos, dos trabalhos manuais e agrícolas e do desenho e modelação, entre outras. Mas, como os
programas para este plano de estudos não chegaram a ser publicados, na prática mantiveram-se em
vigor os programas vigentes na fase final da Monarquia, o que dá conta das prováveis continuidades
entre os dois momentos que terão prevalecido sobre a retórica reformista (Correia, 2005; Sampaio,
1975).
Outra das áreas em que a reforma de 1911 procurou inovar foi a relativa à administração
do ensino primário. Na tentativa de concretizar os ideais municipalistas, que eram parte da herança
ideológica do republicanismo, a reforma atribuiu às câmaras municipais amplos poderes, ainda que
partilhados com o Estado, ao nível da administração desse nível de ensino, designadamente no que diz
respeito à nomeação e pagamento dos professores e à criação, manutenção e equipamento das escolas.
7J EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
O ENSINO PRIMÁRIO
JOAQUIM PINTASSILGO

Nos anos subsequentes, o Governo foi procurando resolver, através de legislação complementar,
os problemas práticos colocados pela nova situação, mas foi confrontado, em permanência, com o
descontentamento da imprensa e das associações de professores, que não viam com bons olhos o
controlo mais próximo das câmaras e sofriam na pele os atrasos no pagamento dos vencimentos. Na
verdade, nem todas as vereações tinham a sensibilidade e a competência para lidar com os problemas
educativos. A República acabará por recuar relativamente a esta opção a partir de 1918 (Carneiro &
Afonso, 2008; Sampaio, 1975).
Data do ano seguinte a segunda grande reforma republicana do ensino primário,
concretizada por via do Decreto n.º 5787-A, de 10 de Maio de 1919. O respectivo regulamento
consta do Decreto n.º 6137, de 29 de Setembro de 1919. Merecedora dos maiores encómios, à
época como pela posteridade, esta reforma sofreu do mesmo mal da sua antecessora - parte
substancial do seu conteúdo não ultrapassou o mero registo retórico. A reforma alarga a
escolaridade obrigatória dos incumpridos 3 anos para uns ambiciosos 5 anos, correspondentes ao
agora chamado ensino primário geral, teoricamente em regime de co-educação. Mantém-se, na sua
continuidade, o ensino primário superior com 3 anos de duração, de vocação profissional e adaptado
às actividades regionais. Representando um dos projectos mais interessantes do período republicano
e uma das bandeiras de pedagogos inovadores, o ensino primário superior teve um percurso
acidentado, restrito aos últimos anos da República, não conseguindo generalizar-se e enraizar­
-se na realidade educativa do País. No que se refere à administração do ensino, a reforma opta
por uma solução intermédia, ainda que tendencialmente descentralizadora, entregando parte das
responsabilidades às chamadas juntas escolares, que incluem representantes dos municípios e
das freguesias, mas também professores e o inspector do círculo ou um seu delegado. Só as juntas
escolares de Lisboa e do Porto é que gozavam de autonomia financeira. Entre as suas competências,
estavam a construção, arrendamento, manutenção e equipamento das escolas e o pagamento dos
professores. Esta modalidade de descentralização já contou com o apoio habitual dos professores,
que passaram a ter um maior protagonismo, o que não obstou a que as juntas tivessem uma existência
também ela algo atribulada até à sua extinção nos alvores da Ditadura Militar (Carneiro & Afonso,
2008; Sampaio, 1975).
No âmbito da reforma de 1919, são, finalmente, publicados novos programas, os primeiros
do período republicano, através do Decreto n.º 6203, de 7 de Novembro, em correspondência com o
plano de estudos então definido. Os programas de 1919, claramente marcados pelas perspectivas da
Educação Nova, constituem, na óptica dos seus comentadores actuais, um documento de extrema
ambição e de grande qualidade pedagógica, embora a sua plena concretização fosse, à época,
virtualmente impossível, por via do provável desajustamento em relação às limitadas circunstâncias
(humanas, financeiras e materiais) da sua implementação. Este facto terá ditado o carácter efémero
dos programas de 1919. Dois anos após, o Decreto n.º 7311, de 15 de Fevereiro de 1921, publica novos
programas, mais comedidos na ambição retórica de que dão mostras e no radicalismo das observações
pedagógicas, para além de pragmaticamente simplificados nos seus conteúdos, ainda que mantendo
alguns dos traços inovadores dos seus antecessores, por exemplo no que se refere à presença das
novas áreas curriculares, como os trabalhos manuais, a música, a educação física (para ambos os
sexos), ou à sugestão de estratégias, como as lições de coisas, os passeios, excursões e visitas a
museus ou os trabalhos de horticultura e jardinagem (Correia, 2005; Sampaio, 1975).
Em 1923, foi publicado um documento mítico da história educativa portuguesa, a "proposta
de lei sobre a reorganização da educação nacional", apresentada ao Parlamento pelo ministro João
Camoesas e que não chegou a ser aprovada, apesar de não lhe terem faltado os elogios públicos de
muitos dos protagonistas do campo educativo, alguns deles, como Faria de Vasconcelos, colaboradores
na sua redacção. A proposta, que aspirava ser uma lei da bases da educação, tem como um dos seus
traços mais marcantes o ser portadora de um olhar de conjunto, articulado e harmonioso, sobre o
sistema educativo no seu todo, para além de sistematizar as principais ideias inovadoras difundidas
nos anos anteriores e dirigidas aos vários sectores do referido sistema. A proposta Camoesas ficou,
para a posteridade, como bandeira da inovação pedagógica, mas representa, simultaneamente, um
testemunho claro das contradições e fragilidades do período republicano, contraponto frustrante das
utopias então sonhadas e que tanto mobilizaram as vontades de homens e mulheres da educação
(Nóvoa, 1987; Sampaio, 1975).
No que diz respeito aos espaços escolares, como noutras áreas, a República situa-se
mais na continuidade do que na ruptura. Desde as últimas décadas do século XIX que vinham sendo
construídos edifícios próprios para serem escolas-escolas Conde Ferreira, escolas centrais, escolas
Adães Bermudes-e que as preocupações com a higiene, a adequação e a qualidade dos espaços, no
que diz respeito à localização, iluminação, circulação do ar ou equipamento, vinham sendo afirmadas,
apesar de persistir a utilização de muitos espaços sem condições para a função educativa. As novas
escolas do período deram continuidade, em particular, ao que vinha sendo feito a partir do projecto­
-tipo Adães Bermudes. Como documento mais marcante, pode destacar-se o diploma, publicado
em 1917, contendo um conjunto de normas técnicas, higiénicas e pedagógicas que deviam orientar
as construções escolares, o qual expressa, com maior acuidade, as referidas preocupações e, em
consonância com a forte presença do discurso médico-pedagógico no campo educativo, enfatiza as
condições ligadas à promoção de práticas higiénicas entre os alunos -banho, instalações sanitárias,
refeições, etc. - ou a necessidade de serem criados espaços próprios para actividades como a
educação física ou os trabalhos manuais. Os projectos de edifícios desenvolvidos tendo por base estas
normas só têm conclusão, mesmo assim parcial. nos primeiros tempos do regime ditatorial (Beja,
1987; Felgueiras, 2007).
Em relação à organização do tempo escolar, é possível darmos conta de idêntica continuidade.
Esta dimensão da forma escolar vinha sendo construída, na óptica da modernidade, igualmente desde as
últimas décadas do século XIX, implicando uma padronização e uma racionalização tanto do calendário
escolar como da organização dos horários lectivos (semanais e diários). As transformações mais
visíveis trazidas pela República, relativas ao calendário escolar, são, principalmente, as decorrentes
do processo de laicização, implicando a supressão dos feriados religiosos e a sua substituição por
feriados de cariz laico. A reforma de 1919 procura aperfeiçoar a articulação entre o tempo de trabalho
e o tempo de descanso, para além de pôr termo à tradição da pausa de 5.ª feira. Quanto ao horário das
actividades lectivas, para além da continuidade, podemos destacar a intensificação das preocupações
com a sua elaboração, tendo por base critérios de natureza científica, pedagógica e higiénica,
procurando evitar a sobrecarga e a fadiga do aluno e potenciar o rendimento escolar. No entanto, esta
atenção ao interesse do aluno e a uma "escola por medida" nem sempre foi facilmente conjugável
com as necessidades decorrentes da afirmação do modelo escolar, processo para o qual a República
contribuiu inquestionavelmente (Correia & Gallego, 2004; Pintassilgo & Costa, 2007).
Idêntica ambivalência podemos encontrar no que se refere às práticas pedagógicas de­
senvolvidas nas escolas. Nesse terreno, a vontade política e pedagógica de promover rupturas
confrontou-se, seguramente, com as rotinas estabelecidas no trabalho dos professores e na re­
gulação do quotidiano escolar. A República foi o período em que maior circulação tiveram em Por­
tugal as ideias e as práticas da chamada Educação Nova, tendo conduzido ao aparecimento de
experiências exemplares desse ponto de vista, muitas delas no terreno privado, como a Escola
-Oficina n.º 1, a Casa Pia de Lisboa, o Instituto Feminino de Educação e Trabalho ou os Jardins-Escola
João de Deus, entre várias outras, e à generalização de práticas educativas mais ou menos inovadoras,
como as "lições de coisas", os "métodos activos" ou o "self-government" escolar. Acentuou-se, igual­
mente, a vontade de aproximação em relação ao ideal de educação integral, implicando a valorização da
educação física, dos trabalhos manuais educativos, da educação estética ou de práticas educativas em
proximidade com a natureza. A crença na afirmação de uma ciência da educação trouxe, a par de um me-
75 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
O ENSINO PRIMÁRIO
JOAQUIM PINTASSILGO

Lhor conhecimento do aluno, uma intervenção mais profunda e um controlo mais apertado do seu quo­
tidiano, na conjugação dos olhares médico e pedagógico, por via dos testes mentais, da racionalização
da alimentação, da higiene e da saúde escolares. Embora os pressupostos da Educação Nova se tenham
tornado o discurso "politicamente correcto" dos especialistas da educação e dos professores, difundindo­
-se os seus Lugares-comuns amplamente pela imprensa pedagógica, mais discutível é a sua genera­
Lização pelo conjunto do tecido escolar, em confronto com a resistência da "cultura escolar" tida por
tradicional (Nóvoa, 1987; Pintassilgo, 1998; 2006).
Se há algo que dá mais especificidade à escola primária republicana e que impregna a sua
cultura, é o que decorre da implementação, no seu quotidiano, dos símbolos, rituais e festividades
de carácter cívico, surgindo como a alternativa Laica às práticas culturais católicas anteriormente
presentes no espaço escolar. Essas práticas, paralelas à presença da educação moral e cívica de
inspiração Laica no currículo formal da escola primária, procuravam contribuir para a formação dos
cidadãos republicanos e patriotas necessários à consolidação da nova ordem . O projecto republicano
assumia o patriotismo como a ideologia capaz de gerar o consenso e de contribuir para a interiorização
de uma memória colectiva que servisse de base ao fortalecimento da identidade nacional. Assim se
compreende a importância então assumida, designadamente no contexto escolar, por manifestações
como o culto da bandeira e do hino ou o culto dos heróis da pátria (Catroga, 1991; Pintassilgo, 1998).
Ao nível da escola primária, a principal de entre as festividades cívicas fomentadas pelo
republicanismo foi, no entanto, a festa da árvore, que retomava a tradição inaugurada pela Revolução
Francesa e institucionalizada, naquele país, pela III República. Em Portugal, as festas da árvore
começaram a ser celebradas nos últimos anos da Monarquia, tendo conhecido uma grande expansão
na sequência da proclamação do novo regime, atingindo a maior expressão na "Festa Nacional da
Árvore", celebrada em 1913 a partir da iniciativa de O Século Agrícola. Nos últimos anos da República,
a festa foi perdendo o seu dinamismo inicial. Celebrada na Primavera, a festa da árvore representava
o paralelismo entre a regeneração da natureza e a regeneração social então almejada. A árvore, tal
como era celebrada neste contexto, possuía um simbolismo complexo onde cabiam diversos valores
caros ao republicanismo, como pátria, Liberdade, solidariedade ou vida. Um elemento importante era o
cortejo cívico que percorria a Localidade, dirigindo-se para o Local de plantação das árvores, passando
pelos pontos centrais da toponímia republicana. Um outro aspecto a realçar é o que se refere ao papel
de destaque assumido pelos professores primários na organização da festa, o que nos remete para a
missão que a República Lhes atribuía como guias espirituais das comunidades. Protagonistas centrais
eram, igualmente, os jovens alunos das escolas primárias, o que decorria, porventura, da proximidade
entre a sua juventude e a ideia de regeneração. Apesar de organizada por essas mesmas escolas, a
festa da árvore extravasava o âmbito estritamente escolar, oferecendo-se como espectáculo cívico no
espaço público (Pintassilgo, 1998).
Uma outra estratégia, tendo em vista a formação de cidadãos republicanos e patriotas, foi
a representada pela instrução militar dos jovens alunos das escolas primárias. Vindo de França, o
exemplo dos batalhões escolares chegou a Portugal no final do século XIX, tendo um novo impulso após
a implantação da República. O Decreto com força de Lei de 26 de Maio de 1911 publicou o regulamento
e o programa da chamada Instrução Militar Preparatória. São editados, posteriormente, manuais de
apoio a esse programa. O plano de estudos do 1.º grau - que englobava a escola primária - incluía, para
além da preparação militar propriamente dita, a educação cívica e, significativamente, a ginástica e o
canto coral. Aspirava-se à formação do carácter, à aquisição de hábitos de disciplina e à "regeneração"
física da "raça portuguesa", juntamente com a interiorização do espírito patriótico. Como em França,
a instrução militar dos jovens alunos da escola primária tinha em vista, também, a sua participação
nas festas cívicas, através dos batalhões escolares. Não obstante a polémica desencadeada por este
projecto de militarização da juventude, em particular no campo pedagógico renovador, foi visível o
esforço, especialmente nos primeiros anos da República, para o difundir no seio das escolas primárias
portuguesas. Apesar de ter chegado a conhecer um relativo sucesso, o mesmo acabou por não ter
uma real continuidade. Convém não esquecer, no entanto, o contributo positivo que a iniciativa terá
dado para a difusão da educação física em Portugal, acabando esta por se libertar da tutela militar a
que surgiu associada na fase inicial (Pintassilgo, 1998).

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LUIS MARQUES ALVES Apesar de algum alheamento em relação ao Ensino Técni-
UNIYERSIDADE DO PORTO co, vários dirigentes republicanos pronunciaram-se sobre a
importância deste ensino (Brito Camacho, no relatório que
acompanha o Decreto de 23 de Maio de 1911, afirma que
"(... ) o nosso atraso provém, apenas, de insuficiência do nosso ensino técnico, insuficiência que ontem
era um mal e hoje é um perigo, dada a luta de competência que é preciso suportar na concorrência aos
mercados de todo o mundo"1) e defendem algumas alterações que consideram imprescindíveis a um
desenvolvimento adequado do País e como resposta às expectativas educativas de muitos alunos.
Defende-se, na sequência do que vinha sendo afirmado ao longo do século XIX, uma maior
interacção entre as escolas do ensino técnico elementar e o meio local, uma maior confiança dos em­
presários na formação veiculada pelas escolas, empregando os seus alunos, a necessidade de passar
os serviços do ensino técnico para a alçada do Ministério da Instrução Pública (estavam adstritos ao
Ministério do Fomento), um maior investimento em instalações e equipamento (nomeadamente nas
Oficinas), a necessidade de se desenvolver o ensino nocturno (embora adequando o seu currículo)
e, sobretudo, intervenções legislativas que procurassem adequar o ensino técnico às suas funções
sociais e económicas2.
O espaço legislativo onde se procuram equacionar todas estas necessidades ocorre quando,
a propósito do Decreto de 1 de Dezembro de 1918, se coloca uma série de questões relativamente ao
percurso do ensino técnico:
" ( .. . ) Qual tem sido o espírito que presidiu a toda a nossa extensa legislação sobre o en­
sino industrial e comercial? Há nela indícios reveladores duma infiltração progressiva e
metódica no seio das massas populares e da indústria e do comércio? Há elementos de­
monstrando que corresponde às necessidades sociais e lhe pertence papel importante nos
progressos da indústria e no desenvolvimento do comércio? Tem desempenhado missão
educativa e civilizadora? ( ... )"3

Estas questões, formuladas pelo secretário de Estado João Alberto Pereira de Azevedo
Neves no relatório de justificação de uma nova organização do ensino industrial e comercial, publicada
em 1 Dezembro de 1918 (Decreto n.º 5029), procuram enquadrar as mudanças efectivadas: desenvol­
vimento do ensino comercial através da criação de aulas e escolas comerciais; leccionação do ensino
industrial elementar em escolas de artes e ofícios, escolas industriais, escolas preparatórias, escolas
de arte aplicada; flexibilização dos programas dos cursos em função dos interesses das localidades;
maior ligação às corporações industriais; divisão em cursos de aprendizagem e de aperfeiçoamento.
Estas alterações sintonizavam com os interesses do patronato, representado no Conselho de Ins­
trução Industrial e Comercial, que defendia um ensino mais prático, com métodos experimentais e,
sobretudo, mais de acordo com as necessidades locais e regionais.
Em 1918-19, a rede escolar incluía 9 escolas de desenho industrial, 11 industriais, 10 industriais
e comerciais,3 elementares de comércio e 2 preparatórias (total: 35). A rede prevista no diploma de Aze­
vedo Neves é con stituída por 19 escolas de artes e ofícios, 9 industriais, 2 preparatórias, 7 comerciais e 7
aulas comerciais (total: 44). A maioria das escolas de artes e ofícios resultavam da conversão de escolas
de desenho industrial (7) e do desdobramento de escolas industriais e comerciais em aulas comerciais (e
escolas de artes e ofícios) (também 7). Em 1921, há alterações: 5 escolas de artes e ofícios são converti­
das em industriais; surge uma escola industrial e comercial, por fusão, apesar de este tipo de escola não
estar previsto na reforma de 1918. Em 1922, surgem mais 2 escolas industriais e comerciais por trans­
formação de uma de artes e ofícios e outra comercial; são criados vários cursos para operários da indús­
tria gráfica na Escola Industrial Infante O. Hen rique. Em1924, surgem mais 4 escolas industriais e co­
merciais a partir de 3 aulas comerciais, 1 escola comercial e 2 industriais. Uma de artes e ofícios passa a
industrial (criando-se só o curso de montador electricista), e uma aula comercial passa a escola. C ria-se
ainda uma escola industrial e comercial. Em 5 escolas, 2 industriais e comerciais, 2 industriais e 1 de artes
e ofícios, são criados novos cursos, destacando-se o de montador electricista, justificado pela crescente
utilização da energia eléctrica. Em Outubro e Novembro, um conjunto de diplomas decreta a criação de 8
escolas industriais e comerciais e 1 industrial. São convertidas 2 escolas de artes e ofícios em escolas in­
dustriais; surgem 2 industriais e comerciais, 1 de artes e ofícios, 1 industrial e 2 de artes e ofícios. A desac­
tivação, em certas localidades, de escolas do ensino primário superior (implementado a partir de 1919-
-20, apesar de criado desde 1911) permitiu que os edifícios e o pessoal passassem para o ensino técnico
elementar.

FREQUÊNCIA DO ENSINO TÉCNICO - INDUSTRIAL, COMERCIAL E AGRÍCOLA {1909-1930)4

Anos Ensino Ensino Anos Ensino Ensino


Lectivos lnd./Com. Agrícola Lectivos lnd./Com. Agrícola

1909-1910 6 409 110 1921-1922 9 120 288

(. )
.. ( . . .) ( . .)
. 1922-1923 9 861 344

1914-1915 8 085 85 1923-1924 10 507 370

1915-1916 8 652 122 1924-1925 12 179 358

1916-1917 9 673 138 1925-1926 13 436 370

1917-1918 16 787 155 1926-1927 14 964 413

1918-1919 18 172 169 1927-1928 16 319 447

1919-1920 9 061 241 1928-1929 17 016 490

1920-1921 9 215 261 1929-1930 16 971 550

Os fins da educação técn ica obrigarão necessariamente a reformular o topo, tornando-se


necessário equacionar o papel que os I n stitutos deveriam desempen har, numa perspectiva simulta­
neamente articulada com o ensino secundário e com o ensino superior. Neste novo quadro surgem
medidas, sempre justificadas através de esclarecedores relatórios apensos aos diplomas legais, que
importa agora equacion ar.
Logo a 22 de Março de 1911, é criada a U niversidade do Porto, pois ( ..) um dos primeiros
" .

deveres do Estado democrático é assegurar a todos os cidadãos, sem distinção de fortuna, a possibili­
dade de se elevarem aos mais altos graus da cultura ( .. .)"5. A nova escola surgia na sequência do papel
educativo desempen hado pela Academia Politécnica, desde meados do século XIX, e englobaria uma
Faculdade de Ciências com uma Escola de Engenharia anexa, e a Faculdade de Medicina com uma
81 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
ENSINO TÉCNICO
LUÍS MARQUES ALVES

Escola de Farmácia . Acabava assim a proximidade hierá rquica com o Instituto Ind ustrial e Comercial,
que chegou a justificar propostas de fusão (Instituto Politécnico d o Porto), embora se mantivesse a
proxi midade física pela partilha de instalações, que ainda se vai ma nter durante mais algum tempo.
No mesmo ano, a 23 de Maio, uma outra medida aj udará a clarificar o novo papel que a Re­
pública pretendia atribuir aos Institutos. A preocupação de justificar e esclarecer o novo espaço é clara
no Relatório do decreto que criará o Instituto Superior Técn ico:
" ( . . . ) Somos, na Europa, o país que conta o maior número de analfabetos, e não supor­
ta confronto o nosso ensino médio superior e técnico com ensino similar aos países que
trabalham e progridem. ( . . . ) No que diz respeito ao ensino técnico, considerado nos seus
diferentes graus, a nossa miséria é confrangente, a despeito da multiplicidade de institutos
em que tal ensino se faz, não obstante a farfalhice dos programas respectivos. As nossas
aptidões originárias revelam as dos povos que já Lograram atingir um alto desenvolvimento
i ndustrial, e que são, cumpre notá-Lo, os de mais Larga e mais intensa cultura científica. O
nosso atraso provém apenas da insuficiência do nosso ensino técnico, insuficiência que
ontem era um mal e hoje é um perigo, dada a Luta de competências que é preciso suportar
na concorrência aos mercados de todo o mundo. ( . ) ..

Os institutos de ensino técnico médio preparam mal os seus alunos para as carreiras a que
se destinam, sendo notável a sua falta de cultura geral, não obstante a profusão de cadei­
ras e de exames a que os obrigam. O ensino técnico superior é uma sofismação grosseira
de que têm encargos as Politécnicas e os Institutos, estabelecimentos em que, na frase do
i lustre professor Lepierre, muito se ensina e muito pouco se aprende. O ensino da enge­
nharia química e o da engenharia electrotécnica não existe, e todavia a importância deste
ensino é hoje enorme, e de cada vez maior, industrial como é a fase ou ciclo de civilização
que vamos percorrendo ( . )
. . .

Carecemos de ter bons engenheiros, e não só é mau, por ser deficiente, o ensino que faze­
mos da engenharia, mas até alguns ramos e dos mais importantes, desta ciência aplicada,
não figuram no quadro dos nossos estudos (...)."6

O Instituto Industrial e Comercial de Lisboa dava origem ao Instituto Superior Técn ico e ao
Instituto Superior de Comércio, mas, mais do que o simples desmem bramento, im porta referir não só
a sua "vertente" su perior, como as justificações que são aduzidas para este acto Legislativo. T i n ha-se
u ltrapassado a fase de algum sincretismo profissional, e as escolas técn icas secundárias, implementa­
das a parti r de 1884, começavam a fornecer alunos com alguma am bição educativa. Criar um ensino
técn ico médio constitu ía uma necessidade, não só sob o ponto de vista de aspiração social, como
sobretudo económica. Nos Loca is onde não fosse possível a coexistência entre um I nstituto Superior e
uma Faculdade Técnica, as instituições que vinham de meados do século XIX dariam origem a escolas
de ensino médio, obrigatoriamente sem a "fa rfalhice dos programas" e tentando dotar o País de novos
técnicos - cond utores ou, de preferência, auxi liares de engenharia - num quadro profissional em efer­
vescência nos inícios da República?_
É neste âmbito que deve ser entendido um conj unto de outras medidas - aprovação das
bases do Instituto Superior de Comércio de Lisboa (1913) , criação da Escola de Construções, Ind ústria
e Comércio (1914), criação da Faculdade Técnica do Porto (1915), por exemplo - que de alguma forma
preparam e aj udam a entender as reformas de 1918 e 1919, estas já com incidência nas novas funções
destinadas ao Instituto Ind ustrial do Porto.
Regressemos então ao Decreto n.º 5029, de 1 de Dezem bro de 1918, e perscrutemos as
justificações e o a lcance das medidas relativas ao ensino industrial (e comercial}, agora na sua nova
vertente de ensino técnico médio.
A sua componente profissiona l tem que ser óbvia e imediata: " ( . . . ) Do ensino resu lta a profis­
são ( . . . ). A escola cria a profissão. O ensino, quando bem orientado, é o maior moralizador do povo (...).
É mister organizar o ensino técnico em moldes que o tornem essencia lmente prático e útil ( . . .}."8
A sua ligação à localidade ou ao espaço onde está inserida tem de ser "osmótica", não só
para facilitar eventuais a rticulações com as Associações comerciais e industriais, como para garantir
o "tirocínio" nas empresas: "(...) O sistema de ensino técn ico é uma linha recta parti ndo da nacionali­
dade e terminando no mundo. (...) É mister desenvolver as artes e as indústrias genui namente portu­
guesas a fim de não desnacionalizar a nossa terra (. ..).9"
'
O sentido prospectivo e profissional tem de garantir a possi bilidade de o País caminhar pró­
ximo das nações mais industria lizadas: "( . . . ) serão os países de orga nização escolar mais prática, os
que vencerão nas lutas da indústria e do comércio, os dois grandes e fundamentais elementos da
prosperidade d um povo. O país que possuir melhores operários, melhores engenheiros e melhores
comerciantes e que tiver a felicidade de organizar ra pidamente a sua indústria e o seu comércio fruirá
as glórias do triu nfo ( ... )"10.
Passando à pedagogia, à didáctica e aos conteúdos, o relatório transforma-se num ma­
nifesto d o papel do ensino e do espaço educativo técnico: ( ...) O ensino deve fazer-se na escola, no
"

laboratório e na oficina, recorrendo à lição, à demonstração e ao exercício; no museu, para o aluno


comparar os seus ensaios aproximando-os do exemplar perfeito, desenvolver o espírito no estudo da
génese dum processo, fi rmar o aprendido pelo confronto dos modelos isolados e sua conjugação no
trabalho, na execução, assistir ao desenvolvimento histórico dum método, dum aparelho, d um processo
mecânico; na bi blioteca, para a leitura dos mestres e dos clássicos; nas visitas e missões de estudo,
examinando obras de arte na sua realização utilitária e na sua função socia l, vendo e praticando em
oficinas cujo fim é produzir o objecto útil, o objecto que deve engrenar com outros, e ver a sua ligação,
o modo por que se utiliza; em viagens, aprendendo diversos modos de resolver o mesmo problema, co­
nhecendo métodos de ensino, processos de realização prática, para que no cérebro do aluno desperte
a sua individualidade própria, e a noção do modo mais perfeito por que pode utilizar-se. São estes os
meios a que se deve recorrer para ensinar, fazendo aprender ( . . . ) ." 1 1
O que se legisla, depois, é a simples explicitação dos pressupostos, aplicados às d iferentes
instituições, por exemplo aos Institutos Ind ustriais. Para a lém destes, o ensino industrial é "min istrado
em escolas de artes e ofícios, escolas ind ustriais, escolas preparatórias, escolas de arte aplicada e Ins­
tituto Su perior Técnico"12. Em particular, os Institutos Industriais "serão destinados a formar auxiliares
de engen heiros, chefes de indústria e condutores de tra ba lhos" 13.
Em relação aos cursos, prevê-se um curso geral em 2 anos e, depois, cursos especializados
com a mesma duração e distri buídos pelas segui ntes á reas: "construção civil e obras pú blicas, minas,
máq ui nas, electrotecnia e indústrias químicas"14. A articu lação com a localidade é assegurada pela
Comissão de aperfeiçoamento prevista no art.º 83 e que engloba o director, 2 professores e um dele­
gado da Associação Ind ustrial.
Em termos de funcionamento, é assegurada a autonomia admin istrativa (art.º 87) , apesar
de os d i rectores conti nuarem a ser nomeados pelo Governo e os orçamentos continuarem bastante
dependentes das disponibilidades financeiras do País.
O ensino industria l superior é remetido para o Instituto Su perior Técn ico e, nos Institutos que
vinham dos finais do século anterior, são separadas as suas vertentes comercial (passa ndo a I nstituto
Su perior de Comércio - art.º 287) e industrial (esta remetida à categoria de ensino médio - art.º 283
- e desaparecendo a possibilidade de se ministrarem cursos superiores, que tinha sido conferida pela
legislação de 3 de N ovembro de 1905) .
Esta reforma é, sobretudo, clarificadora dos objectivos para este grau de ensino:
"( ... ) N o que respeita ao ensino méd io, a reforma de Azevedo Neves e as medidas que se
lhe segui ram confirmam o movimento de redução da sua ambiguidade estatutária iniciado logo pelo
advento da I República. Desaparece a EC IC (Escola de Construções, Indústria e Comércio) e, em seu
lugar, su rgem dois Institutos, o Instituto Industrial e o Instituto Comercial de Lisboa. No Porto, sucede
o mesmo, mas aqui o li e o I C têm por origem o li C, cuja organização, oriunda da Monarquia, se manti-
81 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
ENSINO TÉCNICO
LUÍS MARQUES ALVES

vera e que sofre assim, agora, o mesmo processo de degradação estatutária de alguns a nos a ntes em
Lisboa. O Porto vê ainda a criação do seu ISC, uma escola que Levará u m a existência a rrastada até ser
extinta pelo Estado Novo."15
A regulamentação do Instituto Ind ustrial do Porto (Decreto n.º 6099, de 15 de Setembro de
1919) explicita e adapta um conju nto de aspectos, genericamente já referidos, mas agora adaptados
às suas funções educativas.
Sobre o ensino, ele devia ser "teórico", constituído sobretudo por prelecções dos professo­
res, " prático", em gabinetes, Laboratórios ou através de visitas, missões de estudo, trabalhos de campo,
ou outras actividades entendidas como convenientes, e "profissional" (art.os 9 a 12) , contando para isso
com as oficinas anexas ao Instituto (de carpi ntaria geral e moldes, de serralharia mecânica e de fundi­
ção e forja). Para complementar esta vertente profissional, estavam previstos "tirocínios" obrigatórios
(art.º 15) em estabelecimentos do Estado ou em particulares, contando-se aqui com a colaboração da
Associação Industrial.
Era visível uma grande preocupação em explicar a qualificação, mas tam bém a importância
social e profissiona l da certificação. O curso geral era correspondente ao curso com plementar dos
Liceus; os cu rsos especia lizados permitiam que os seus frequentadores pudessem ser professores das
escolas ind ustriais (nas especialidades correspondentes), habi litava-os para os Lugares de cond utores
(desig nação já u ltrapassada) ou engenheiros auxiliares de obras públicas e em minas, para profissio­
nais dos correios e telég rafos (o curso de electrotecnia e máquinas) e para chefes de oficinas, caso
frequentassem o curso de especialização de indústrias q u ím icas (art.º 17) . Acresce a esta explicitação
o facto de uma das finalidades da referida Comissão de Aperfeiçoamento do Ensino, prevista no art.º
90, ser " mostrar as vantagens para o país da existência de i ndivíduos d iplomados com os cursos mé­
d ios industria is". Daqui resultava a estreita Ligação à i mprensa diária, nomeadamente O Comércio do
Porto e O Primeiro de Janeiro, onde pu blicitavam cursos, in iciativas, alunos d iplomados, participação
em exposições, entre outras actividades.
U m dos aspectos a que os vários reg ulamentos deram sempre uma g rande importância foi
o espaço que neles aparece consagrado aos "estabeleci mentos a nexos". Por um Lado, é a corporização
de uma pedagog ia e de uma didáctica mu ito próprias; por outro, sign ifica o espaço privilegiado que
eles ocuparam no âmbito do Instituto, com os inerentes i nvestimentos em novos recursos, objectos
ou materiais; por outro ainda, e neste regulamento com particular ênfase, porque "os Laboratórios e
oficinas do Instituto, além da sua missão pedagógica, poderão executar também análises, ensaios
e trabalhos que forem solicitados por entidades oficiais ou particu lares" (art.º 46). Se associarmos
a estes Laboratórios, gabinetes e ofici nas a biblioteca e a incorporação no Instituto dos objectos do
exti nto16 M useu Industria l e Comercial do Porto (Lei n.º 445, de 25 de Abril d e 1914) , entendemos o
riquíssimo património que ficou ao serviço dos estudantes, do tecido empresarial e d a popu lação e m
geral, e que ai nda hoje pode constituir um espólio único, tanto no contexto do ensino técnico n acional
como até internacional.
As d ificuldades de instalações, a exigu idade dos recu rsos financeiros, a ausência d e mo­
deração nas negociações que se seg u i ra m à reforma, a i ntromissão dos governos na nomeação de
alguns di rectores sem receptividade j unto do corpo docente17 e, até, algumas tomadas de posição
políti cas18, no contexto da instabilidade da I República, tornara m particularmente difícil a vida do(s)
lnstituto(s) d u rante este período. As i ncom patibilidades provocaram m esmo a reu nião dos dois Ins­
titutos, novamente debaixo da desig nação de I ndustrial e Comercial, a partir de 1924 (31 de J u lho) .
Pelo menos a justificação é " politicamente correcta" - "( . . . ) considerando que esta j unção terá d e
su bsistir enquanto naquela ci dade não for possível possuir edifícios separados para o s dois institu­
tos, traz a vantagem pedagóg ica de uma di recção única para dois estabelecimentos d e ensino, que
aproveitam o mesmo material escolar e uma notável economia de pessoal, tanto docente como
admi n istrativo e menor" - mas quem conhece a vida atri b u lada d estes esta belec i me ntos, d u ra nte
este período, sabe que as razões eram mais profu ndas e mais graves do que o preâmbulo do Decreto
n. º 9951 fazi a entender.
Em 1925, através de novos diplomas (Decretos n.as 10 849, de 16 de Ju n ho, e 11 304, de 9
de Dezembro), dá-se corpo à nova orga nização dos cursos, do "velho" Instituto Ind ustrial e Comercial
do Porto. Paralelamente, merece referência a indefinição profissional dos diplomados nos Institutos
Industriais. A sua categorização, que era de "engenheiro auxiliar" pela Lei n.º 1638, de 23 de Julho de
1924, passou a "agente técnico de engenharia" em 1926 (Decreto n.º 11 988, de 29 de J u lho).
Nesse mesmo ano (em Maio) , a I República tinha chegado ao seu termo, institucionali­
zava-se a Faculdade de Engenharia do Porto (Dezembro) e suspirava-se pelo fim da provisoriedade
governativa instalada após o golpe de 28 de Maio.

NOTAS

Decreto de 23 de Maio de 1911, Diário do Governo, n.º 121, p. 934.


Em Novembro de 1912, é nomeada pelo ministro do Fomento uma Comissão (incluía Alfredo da Silva, Francisco Adolfo
Coelho e António José Arroio) para propor uma reforma.
Em 1913, surge uma nova Comissão, no âmbito do recém-criado Ministério da Instrução, cujo trabalho apenas será apro­
veitado em 1918.
Em Junho e Julho de 1914, é criado o curso complementar de comércio em 7 escolas industriais e de desenho industrial,
fora das principais cidades, que passam a escolas industriais e comerciais; é criada uma nova escola industrial em Lisboa
(que passa a ter 4 escolas industriais) e são criados novos cursos e oficinas. No Porto, é criada uma "escola de arte aplica­
da". Em Novembro, é modificado o quadro de disciplinas e cursos das escolas para se atender à criação dos cursos elemen­
tares de comércio. São ainda tomadas medidas para o provimento de mestres de oficinas e professores em 18 escolas. Com
estas medidas, aumenta-se claramente a capacidade de acolhimento do ensino técnico.
Em 1915 (Novem bro), regulamenta-se o ensino elementar comercial, fixando em 3 anos a duração do curso. Para o indus­
trial, em Janeiro de 1916, fixa-se a duração dos cursos em 4 anos.
O extenso decreto de Setembro de 1916 organiza o ensino técnico elementar, sistematizando legislação que foi surgindo de
forma avulsa: passa a ser ministrado em escolas de desenho industrial, industriais, industriais e comerciais, preparatórias.
elementares de comércio e de arte aplicada; os cursos são o de desenho industrial (para operários e aprendizes e com
desenho adaptado às profissões dos alunos), o profissional- um curso de formação desdobrado por várias profissões - e
o industrial, de aperfeiçoamento, nocturno e para operários e aprendizes de todas as profissões. Todos duravam 5 anos.
Havia ainda cursos preparatórios (4 anos em Lisboa e 3 no Porto), o elementar de comércio ( 3 anos) e cursos especiais (com
4 anos os de condutores de máquinas, de maquinistas automóveis, de empregados de escritório e de indústrias do livro;
com 5, o de lavores femininos e, com 2, os de arte aplicada). A aprovação no exame de instrução primária, ou no exame de
admissão à escola, era a condição para a matrícula em qualquer curso ou disciplina. Nesta altura, a rede escolar integrava
30 escolas. Em 1918, é encerrada a escola de arte aplicada do Porto devido à frequência reduzida.
Relatório do Decreto n.2 5029, de 1 de Dezembro de 1918, in Colecção Oficial da Legislação Portuguesa. ano de 1918, Lisboa,
Im prensa Nacional, 1919, vol. 11, pp. 821-822.
Anuário Estatístico de Portugal, anos de 1923. 1924, 1925, 1927, 1928, 1929. 1930 e 1931, Lisboa. Imprensa Nacional.
Santos, Cândido dos, Universidade do Porto- Raízes e memória da instituição, Porto, Reitoria da UP, 1996, p. 177.
Decreto de 23 de Maio de 1911, O.G. n.º 121, de 25 de Maio de 1911, pp. 234-239.
Grácio, Sérgio, Ensinos Técnicos e Política em Portuga/1910/1990. Lisboa, Instituto Piaget, 1998, sobretudo capítulo "Uma
luta sem quartel- tornar-se engenheiro: ao assalto do 1ST", pp. 19-30.
Relatório do Decreto n.2 5029, de 1 de Dezembro de 1918, in Colecção Oficial da Legislação Portuguesa, ano de 1918, Lisboa.
Im prensa Nacional, 1919, vol. 11, p. 810.
lbidem. p. 811.
10
lbidem.
ll
lbidem, p. 829.
12
Art.2 11 do Decreto n.º 5029, de 1 de Dezembro de 1918.
13
lbidem, art.º 77.
14
lbidem, art.2 78.
15
Grácio, Sérgio, ob. cit., p. 42.
16
A extinção data de 23 de Dezembro de 1899, mas nesta altura ainda não tinha sido resolvida a posse deste espólio.
17
Referência, por exemplo, numa altura extremamente atribulada em que se discutiam corpos docentes, instalações, etc., o
Governo decidiu nomear o deputado Américo da Silva Castro "em comissão gratuita de serviço público", sem ouvir o corpo
docente, e tomando o Conselho Escolar conhecimento desta nomeação através de O Comércio do Porto de 27 de Outubro
de 1923.
18
Refira-se, a título meramente exemplificativo, a adesão do di rector, Paulo Marcelino Dias de Freitas, ao movimento insur­
reccional da Monarquia do Norte nos inícios de 1919, que motivará a sua exoneração em Março.
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87

JORGE RAMOS DO 6 A dinâmica histórica do ensino liceal em Portugal (1836 -


UNIVERSIDADE DE LISBOA -1978) não é passível de se inteligibilizar a parti r de uma
cronologia decorrente da mudança dos reg imes políticos.
Na verdade, estamos face a um modelo de ensi no-apren­
dizagem que, após uma pri meira conjuntura de grandes indecisões, avanços e recuos, viria a ficar
solidamente estabelecido ainda no termo do século XIX; o crescimento total dos seus efectivos parece
tam bém constitu i r uma variável independente da solução de Governo adoptada, apresentando o con­
j unto dos liceus portugueses números assaz baixos durante mais de 100 a nos da sua história. J u lgo
que basta riam estas informações gerais para enunciar a tese segundo a qual será, funda mentalmen­
te, do debate em torno de princípios organ izativos e do apuramento de fórmu las curriculares traçadas
em momentos anteriores que se pode falar deste subsistema de ensino a partir da situação política
saída da revolução do 5 de Outubro de 1910.
Começo então pelos g randes objectivos. Por toda a Europa, a missão do ensino secundá rio foi
fabricar cidadãos para os novos Estados-nação, visando dar corpo ao projecto de formação das classes
dirigentes. E o mesmo aconteceu efectivamente entre nós com a criação dos liceus à semelhança da
experiência francesa (Nóvoa, Barroso & Ó, 2002: 17-18). Daqui decorreria um consenso, que o passar
do tempo aprofu ndaria, quanto aos diferentes fins deste ciclo interméd io de formação, traduzidos
numa aposta ora na educação gera l do aluno, e a sua correspondente entrada na vida activa, ora numa
formação especialmente desti nada ao ingresso no ensino su perior. Não obstante, o tema da educação
i ntegral do escolar terá ganho particular expressão no primeiro quartel do século XX. Vale a pena, a
respeito, escutar as palavras de Adolfo Coelho, produzidas em 1913 no quadro dos trabalhos de uma
comissão encarregue pelo Governo de elaborar um projecto de reforma deste g ra u de ensino:
"Em toda a vida Liceal estão imanentes os elementos da educação moral e cívica pelo
hábito ( . . ) . Assim, a organização Liceal põe termo à falsa distinção entre educação e en­
.

sino, entre ensino teórico e utilitário, dirigindo-se para a construção do homem completo,
considerando os germes da individualidade, no seu trabalho, que, dentro das duas divisões
capitais dos cursos, permite ainda diferenciações secundárias, para o que será proposto
um sistema de classificações especial, em oposição com a velha rotina" (Coelho, 1913).

O modelo de formação prevalecente no Liceu português, ao Longo do século XX, aprofun­


daria este pri ncípio li beral das virtudes éticas da autonomia e da responsabilidade pessoal, em vista
à produção de um novo modelo de i ndivíduo, activo, em preendedor e amante do progresso técnico­
científico. Ora, cumpre sublinhar que o período republicano viria a ser determinante na construção das
categorias e classificações pedagóg icas que Leg iti maram as novas identidades adolescentes nas dé­
cadas subsequentes em estreita relação com aq uele idea l ilumin ista. Médicos, psicólogos e hig ien is­
tas, entre outros especialistas do corpo e da alma, desenvolveram nesse período praticamente todas
as ferramentas necessárias para a construção de um vocabu lário ético destinado a produzir cidadãos
que não se colocassem na dependência de serem governados pelos outros. O discurso pedagógico do
primeiro quartel do século XX convergiu, com efeito, para a exploração e o aprofu ndamento das com­
petências de autocontrolo, autod isciplina e automotivação (Ó, 2003) .
E. quando se falou da internalização dos exercícios de introspecção, análise e j u lgamento,
defendeu-se sempre o isolamento e a imersão total do aluno. A máquina liceal teve subjacente, des­
de a sua criação formal em 1836 por Passos Manuel, o conceito de internato, em bora, d iversamente
da França, se encamin hasse no nosso País para uma solução de sem iclausura. Como conseq uência,
a defesa de um modelo de edifício próprio para os liceus, articulando no seu programa construtivo
requisitos pedagóg icos, curricu lares, higiénicos e disciplinares, em espaços amplos e totalmente se­
parados das "tentações e vícios" do mundo social, ocupou o centro das preocupações dos sucessivos
Governos. Mas, dura nte o regime monárquico, apenas seriam inaugurados seis novos estabelecimen­
tos (Avei ro, Leiria, Faro, Setú bal e dois em Lisboa, Camões e Passos Manuel), e quase todos eles entre
1908 e 1910. Pode, assim, afirmar-se que a vivência liceal, como correspondendo a uma modalidade
de integração do aluno no interior de uma instituição concebida de raiz para tal, dando resposta às
necessidades de organ ização curricu lar, de estruturação do tempo e de educação i ntegral, começou a
coincidir no tempo com a experiência republica na. Na cidade do Porto e até 1926, seriam ainda inau­
gurados mais dois ed ifícios, os dos liceus Alexandre Hercu lano e Rodrigues de Freitas. Foram ainda as
autoridades repu blicanas que baptizaram os liceus portugueses, tendo-se mantido a designação no
Estado N ovo ( Decreto n.º 5096, de 7 de Janeiro de 1919).
Este plano da realidade permite-nos começar a perceber como se prod uziu a experiência
do ensino secundário liceal no século XX. A primeira e também a mais forte imagem deve ser a de
uma classe, uma sala e um professor. E logo se terá de acrescentar que o agrupamento dos alunos
em classes sucessivas impôs, igua lmente, a graduação dos programas e o seu encad eamento por
n íveis de complexidade crescente. Sublinhe-se ainda que o moderno edifício liceal permitia responder
eficazmente a este dispositivo, dispondo os a lunos de forma compacta, tratando-os como popu lação
que de facto constituíam, mas, ao mesmo tempo, podia também diferenciá-los de acordo com os mais
variados preceitos, que iam do escalão etá rio ao n ível de conhecimentos individual. da realidade do
grupo até à singularidade de cada alma.
Legalmente, porém, o reg ime de classes ficou estabelecido na última g rande iniciativa da
Monarquia, a Reforma de Jaime Moniz de 1894-95 (Proença, 1997; Ó, 2006). que os dirigentes repu­
blicanos assumiriam e procuraram aperfeiçoar nas várias in iciativas legislativas que empreenderam.
A esse preciso respeito, vale a pena tomar nota das pri meiras linhas do Decreto n.º 858, de 11 de
Setembro de 1914, assinado pelo ministro da Instrução Pú blica, Sobral Cid: a Reforma de 1895 "veio
i ntroduzir no plano dos liceus o regime de classes, que é ainda hoje a pedra angular em que assenta o
ensino secu ndário de todos os países cultos". E vale a pena atentar, uma por uma, nas variáveis estrutu­
rais desta solução pedagógica porque elas ainda nos ati ngem em larga medida no presente. O regime
de classes começava por exigir que o ensino fosse min istrado por forma a que as relações entre cada
ramo de conhecimentos ficassem sempre fortalecidas. A missão de todos os professores consistia,
portanto, em fazer com que se desse sempre a aqu isição de uma parte do todo. O plano de estudo con­
templaria, ainda, blocos relacionados com a actividade física e de desenvolvimento da sensibilidade,
reiterando exemplos de uma moral positiva. Defendia-se a optimização das tarefas de aprendizagem,
salientando simultaneamente a necessidade de um ensino individualizado e activo, isto é, que tivesse
em conta as diferentes aptidões intelectuais, físicas ou afectivas de cada um dos educandos e onde a
aqu isição de conhecimentos se fizesse, nas várias disciplinas do plano de estudos, pela observação e
experimentação directa dos fenómenos e das realidades. A progressão nas classes far-se-ia, no termo
dos ciclos, por exames nacionais e, nos restantes anos, por resultados positivos na larga maioria das
d isciplinas. Os horários escolares, justificados pelo saber médico, apresentariam uma grande rigidez
89 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. EMSIMO MA I REPÚBLICA
O EMSIMO LICEAL MOS AMOS DA I REPÚBLICA
JORGE RAMOS DO Ó

no modo como distribu íam e escalonavam os vários saberes, tendo em conta os d iferentes índices de
fadiga intelectual. Por fi m, no capítulo disciplinar, condenava-se absolutamente o castigo e a repressão
corporal, em favor de regulamentos disciplinares positivos, isto é, dominados pelo princípio da auto­
regulação do aluno.
Para as autoridades republi canas foi-se trata ndo, no essencial, de Legislar e tomar outro
tipo de medidas no sentido de executar completamente o regi me de classes, aprofu nda ndo-Lhe tanto
a unidade científica e disciplinar, quanto a sua coerência pedagógica. Ainda em 1914, aq uela que surgia
como a "su perior" necessidade de subordinar todos os " métodos e processos de ensino" a uma mesma
concepção de ensi no-a prendizagem Levou à publicação de uma portaria que, no conspecto geral das
i niciativas de todos os executivos dos sécu los XIX e XX, se destaca pela mi núcia das recomendações
e pela força clarificadora do trabalho de professores e alunos. De facto, o documento apresenta u m
vasto conj unto de "instruções para o reg ime de classes", procurando melhorar o rendi mento d o ensino.
A ors pedagogica tomou então a dia nteira na regu lamentação do trabalho docente, e pode afirmar­
-se, sem exagero algum, que nem antes nem mesmo depois o leg islador se deteve de modo tão
circu nsta nciado neste tipo de consid erações que antecipam e prescrevem os sentidos da prática. A
" norma inflexível" ou o "dever mais proeminente" do mestre, aos quais se subord inariam totalmente
"as condições de ensi no", consistiria agora em "diligenciar para ser com preendido" e "verificar a todo
o instante" se efectivamente o fora. O Governo recomendava que camin hasse em passos lentos,
todavia seg uros, não olvida ndo, por um instante sequer, que a "qualidade" do ensino pri maria sempre
sobre a "quantidade". I m portava sobremaneira que o professor fosse claro. Além disso, todas as prá­
ticas de ensino deveriam submeter-se ao incontornável da modernidade, isto é, que o fim do ensino
secu ndário estava menos na "soma e variedade de conhecimentos adqui ridos" que no "desenvolvi­
mento das facu ldades do espírito". Desta maneira, "a elevação e proveito do ensino" dependeriam da
"forma" como ele era min istrado e não tanto da "sua própria essência". Dito de outra maneira: mais
"dos métodos adoptados e seguidos" que da "perfeição dos progra mas e excelência dos Livros". O
saber técnico-pedagógico sobrepujava defin itivamente todas as competências académicas do pro­
fessor. Se a aula era o "lugar por exce lência dos estudos", o mestre deveria, para esse fi m , " preparar
convenienteme nte a lição dos alunos, resolvendo-lhes todas as dificuldades e faci litando-lhes o es­
tudo". O "ensino das crianças e os modernos processos pedagógicos" demandavam, pois, em simul­
tâneo, uma " paciente d i ligência" e a pormenorizada " preparação em casa da lição do dia" (Portaria
n.º 230, de 21.9.1914) .
A forma de ensi no, fosse qual fosse a disciplina, tinha por "principal objectivo" cativa r a
"atenção da colectividad e", o que se comprovava repetidamente pelo i nterrogatório d i rigido à classe.
Com ele pretendia-se desenvolver o "espírito de i niciativa dos a lunos", considerado este pelo leg isla­
dor como um dos mais "brilhantes e proveitosos dotes do espírito". Enu nciando a pergu nta a todos e
cada um, o professor não visava apenas ampliar a "nítida compreensão da matéria ensinada"; estava
igua lmente a "habituar o aluno a dizer francamente" o que não com preendia ou a pedir, a esse res­
peito, "uma explicação suplementar". A educação dos espíritos devia ser dirigida a conseguir que eles
tivessem "a consciência do seu saber", a dizer "bem" o que pensassem e, sobretudo, a " pensar com
discernimento" tudo o que tivessem a dizer. Esta ponderação-explicitação pública da verdade do sujei­
to aprendente deveria mesmo ser premiada: as notas de aproveitamento dos alu nos não reflectiriam
apenas os trabalhos escritos dos alunos, mas igualmente a "série de perg untas e respostas dadas"
aos diferentes i nterrogatórios. De resto, considerava-se que era no interrogatório, "animado, guiado
passo a passo pelo professor", que os alunos exercitariam "especialmente as suas aptidões especiais",
aprendiam "a expor os seus conhecimentos" e a "servir-se dos seus recursos intelectuais". "Os erros
corrigidos e as deficiências am pliadas prontamente pelos condiscípu los", contin uava o leg islador, se­
riam "o melhor guia e o incitamento preferível para a boa direcção do estudo de cada aluno" (Portaria
n.º 230, de 21.9.1914) . Por aqui se depreende que todos os movimentos e intervenções do aluno liceal
passaram a estar em constante exame ou que a avaliação se un iversalizou no quotidiano escolar.
E não era tudo. Uma aula estruturada em torno do interrogatório teria o efeito de i nstaurar a nova
relação disciplinar, aquela cuja eficácia dependia do jogo da sedução e da emoção sensível, a única,
aliás, susceptível de resolver o desvario e outros defeitos de origem psicológica de alguns discípu los
de menor idade.
Como se verifica, as autoridades republicanas concebiam os professores como ga­
rante, em primeira instância, da coesão e uniformidade do tecido social, e os que trabalhavam
nos liceus não seriam também excepção. I mportava que tudo fizessem para que, na avaliação da
prestação dos seus discípulos, se não registassem grandes divergências ou variações. Todas as
classificações seriam "acordadas em conferência" dos docentes da classe. E cada um dos pro­
fessores i nvestidos de cargos de di recção do liceu deveria "tomar nota", caso a caso, de todos os
alu nos que revelassem "aplicação desigual nas diversas discipli nas", a fim de d iligenciarem fazê­
-los "aproveitar ma is" naquelas em que se mostrassem "atrasados". Mas esta responsabi lidade não se
ficava por ali, estendendo-se a todos os docentes. Era a Li nguagem normalizadora na sua expressão
pura que aqui de novo i rrompia. Era obrigação do docente diligenciar para que a classe progredisse
"com pacta e homogénea no ensino, sem deixar após de si retardatários". Logo que um desses fosse
" notado", deveria " investigar qual a natureza da deficiência" que dominava nesse aluno, para que pu­
desse ser "uti lmente aplicado" o processo de combate. Foi neste ponto, neste exacto instante de des­
coberta do que se afastava da norma, que novas formas de registo documental surgiram, implicando
todas as cadeias hierárqu icas da institu ição. Não era permitido aplicar uma nota de aproveitamento
"i nferior a suficiente", sem que o docente da disciplina tivesse "i nformado por escrito" o professor
nomeado responsável pela classe dos motivos - "não em termos indefi nidos e vagos, mas com espe­
cificação da causa su posta, ou seja, falta de atenção e aplicação, má compreensão e aplicação" - da
fa lta de rendimento. Por sua vez, esta segunda figura deveria transmitir a informação "num boletim" à
reitoria, documento esse em que relataria todos os meios e métodos que haviam sido accionados para
combater a "deficiência", bem como o balanço da sua "eficácia ou ineficácia". Nesta ú ltima situação, o
reitor informaria a família do aluno, "devendo ficar reg istada esta comunicação". Da mesma maneira
se procederia quando um estudante recebesse uma " nota inferior a bom em comportamento". Para
que as i nformações referentes a esse alu no-problema fossem efectivamente "completas", importava
que o professor conferenciasse "também com os professores da classe", procurando, "na opin ião" que
estes tivessem do mesmo discípulo, "completa r o seu próprio conceito". Tudo porque, na " moderna
orientação do ensi no", os sim ples esforços isolados eram "deficientes" (Portaria n.º 230, de 21.9.1914) .
Qualquer observador atento notará que esta problemática não mais saiu da agenda da formação de
professores do ensino secu ndário nos anos posteriores.
Em minha opinião, é apenas no que diz respeito às funções de administração e inspecção
propria mente do liceu que se pode defender que a impla ntação da República teve intenção de cortar
cerce com as experiências anteriormente ensaiadas. Desde 1836 que a principal fig u ra, o reitor, era
ou o "professor mais velho" (decano) , ou então o "chefe do liceu", nomeado pelo Governo de entre
professores de ensino su perior ou secu ndário, estranhos ao corpo docente da escola; na sua última
fase, isto é, depois da Reforma de Jaime Moniz, a Monarquia reforçou e centralizou o poder dos reito­
res, que se viram apoiados por um Conselho Escolar com posto por professores e com funções ape­
nas consultivas. Logo após o 5 de Outubro, todos os reitores foram demitidos e su bstituídos por um
professor efectivo do próprio liceu e eleito pelo Conselho de Escola, que continuava a ser com posto
por docentes. A medida, inicialmente tomada a título provisório - tratou-se de um "saneamento polí­
tico dos reitores nomeados no regime anterior" -, "foi regu lamentada em 1917, fica ndo estabelecido
que os reitores tinham um mandato de quatro anos, podendo ser reeleitos". Do mesmo modo, aq uele
órgão veria reforçadas as suas competências, passando a exercer "am plas funções deliberativas
em domín ios tão diversos como a nomeação do pessoa l, a organ ização dos horários, a avaliação de
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EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO MA I REPÚBLICA
O ENSINO LICEAL MOS AMOS DA I REPÚBLICA
JORGE RAMOS DO Ó

professores e alunos, a aprovação do orça mento e as matérias do foro disciplinar" (Nóvoa, Ba rroso
& Ó, 2002: 52).
Se passarmos agora a nossa atenção para os alu nos, é mister começar pela análise da fre­
quência dos liceus. De imediato se verifica que os números alcançados em nada se ficaram a dever a
um esforço que possa ser visto como su plementar ou específico do poder republicano. No a no lectivo
de 1910-11, estavam inscritos 9740 alunos e, no de 1925-26, o número total ascendera a uns modestos
12 604. Cumpre ainda referir que o aumento de menos de 3000 efectivos atingido dura nte a I República
foi inferior ao obtido em igual período anterior- entre 1885-95 e 1909-10, passara-se de 3658 para
8691 inscritos - e idêntico ao que se registaria nos primeiros 16 anos do regime autoritário (Ó, 2009:
45-53). De todo o modo, o mais impressivo é imaginar um país onde os seus responsáveis concebiam a
formação e, sobretudo, a regeneração das classes dirigentes por intermédio de uma tão ínfima parcela
da sua população jovem. É um facto que os republicanos de todos os tem pos insistiram na tese segun­
do a qual a aristocracia se mostrara exemplarmente incompetente para d i rigir uma sociedade de carac­
terísticas modernas e progressiva, mas a verdade é que pouco ou nada fizeram para i nverter a herança
e construir condições objectivas no sentido da mobilidade social e de uma real substituição das elites.
A primeira experiência de reg ime democrático também ficaria con hecida, no campo educacional, pela
defesa do aumento do contingente de mulheres. Ora, também neste particular pouco ou nada se pode
registar. Somente nos chegam estatísticas com uma informação sobre totais de alunos por género a
parti r do ano lectivo de 1916-17, quando estariam matriculadas 2781 raparigas; 9 a nos depois, o total
elevara-se em apenas mais 179 alunas em todo o Continente e Ilhas.
Contudo, e à semelhança da instituciona lização do reg ime de classes, há a registar tam­
bém, no período republicano, um conti nuado trabalho de equipamento cívico do alu no, quer d izer, a
entender as questões da conduta e da disciplina essencialmente como uma prática. Para um número
crescente de pedagogos e educadores do primeiro quartel do século passado, urgia intervir sistema­
ticamente sobre as atitudes, disposições e comportamentos dos alunos. E o postu lado, que não mais
se abandonou até aos dias de hoje, era já então o de que o liceu teria de encontrar condições para
fabricar um tipo de actor social que devia, ele mesmo, ser sujeito da sua própria ed ucação. Em vez da
pregação e da inculcação livresca, começou a apontar-se para um quadro de acção em que se admitia
que os adolescentes só poderiam entrar num efectivo processo de aprendizagem quando tivessem a
capacidade de dominar internamente as várias experiências escolares em que se vissem envolvidos.
A educação secundária estruturou-se a partir desta conjuntura histórica como um trabalho sobre o
eu, sob a bandeira da autonomia dos educandos, numa desmulti plicação de actividades destinadas a
ocupar os jovens ao longo do dia. Mais do que a uma reflexão pedagógica ou a iniciativas de tipo legis­
lativo, esta questão deu lugar a uma di nâmica essencia lmente de tipo político-organizacional, que se
estruturou primeiro loca lmente, a partir dos anos 10, e a lastrou para o sistema no seu conjunto já no
apogeu do Estado Novo.
Se houve em Portugal um espaço institucional onde a transposição destes pressu­
postos viria a ser feita com pioneirismo, e também de forma mais criativa, através do desenvolvi­
mento de novas práticas de aprendizagem fora do plano de estudos, foi sem d úvida o do Liceu
Central de Lisboa (3.ª Zona Escolar) , criado em 20 de Janeiro de 1906 e que, mais tarde, tomou a
designação de Liceu Central de Pedro N unes. Vale a pena determo-nos um pouco sobre esta ins­
titu ição, posto que nela se foram estruturando as regiões que caracterizariam, depois, toda a pai­
sagem liceal. A imagem, tanto interna como externa, deste estabelecimento de ensino ficou in­
delevelmente associada à figura do seu primeiro reitor, António Sá Oliveira (1872-1954) , que
cumpriu dois longos mandatos, os quais cobriram as três experiências de governo político do
País que marcaram o século XX: a Monarquia, a República e o Autoritarismo. De facto, manteve­
-se na reitoria desde a fundação do Liceu até Setembro de 1919, numa primeira vez, e de Outubro de
1930 a Outubro de 1941, numa segunda.
O Liceu Pedro N unes assumiu a centralidade da dimensão comporta mental do alu­
no. O desenvolvimento de novas habilidades individuais, nos variados ramos em que a activi­
dade física e cultural se pod ia decom por, passou a andar de par com uma mi ríade de situações
destinadas ao pensar, respeitar, valorizar e viver. Tratou-se, pois, de institucionalizar o "circum­
-escolar", como então se dizia, emprestando-lhe um estatuto e uma formatação em nada disti nta do
ensino dos programas discipli nares. Como se a d i mensão socializadora, que a Reforma de 1894-95 já
havia consagrado, fosse então defi nitivamente ampliada, dando origem a uma i mensidão de acções
devidamente organ izadas dentro e fora da sala de aula, dentro e fora do território escolar.
Em 1915, o carismático reitor afirmava, peremptório: "O Liceu Pedro Nunes propõe­
-se realizar uma empresa difícil, quer su bstitu ir a escola-fiscal de trabalho doméstico pela escola-
-casa de ensino, casa de estudo, casa de trabalho, casa de educação." Era com org ulho que afirmava
que o seu liceu fora aquele que afastara "da rua" os seus alu nos e lançara a ideia de que as escolas
não se pod iam " reduzir ao papel insign ificante e inglório de fábricas de exames e de d iplomas" (Oli­
veira, 1915: 1) . Sá O liveira entendia que a consciência cívica individual só teria cond ições de se formar
se fosse acompanhada de uma educação social prática, e que esta com petia, em última análise, às
associações escolares. As tendências socializadoras que a escola procurava não tinham outra forma
de progressão que não através da diversificação de laços formais de solidariedade entre os alunos.
O associativismo escolar nasceu no ano lectivo de 1905-06, portanto com o próprio liceu,
dominado pela ideia de auto-educação, mas a sua implementação efectiva decorreria fundamental­
mente nas novas i nstalações que seriam inauguradas em 1911. Do primeiro relatório e contas, fica a
saber-se que fora Sá Oliveira quem promovera a sua criação - ainda que os cargos da Direcção, bem
como do Conselho Fiscal, fossem desempen hados por alu nos - e lhe apontara os primeiros grandes
objectivos. Se atendermos aos primeiros Estatutos publicados em 1914 pela Associação Escolar do
Liceu de Pedro N unes, de imediato verificamos que se encontrava em desenvolvimento um conj unto
inédito de práticas educativas, as quais configuravam a própria estrutura organizativa. Havia naquela
Associação 7 secções em funcionamento: de Excursões, cujo fim era organ izar "visitas de estudo,
podendo ter anexo um grupo fotográfico"; Desportiva, que promovia "a cultura física, tendo em vis­
ta a educação da vontade e a formação do carácter"; Literária e Científica, que promovia " leituras,
conferências, palestras científicas e pu blicações"; de Arte, que visava facilitar "a aprend izagem da
música, da dança e da declamação, do desenho artístico e pi ntura, a aud ição e execução de música
vocal e instrumental, a representação de pequenas obras de teatro"; de Cooperativa, que procedia
"dentro do liceu à venda de objectos de estudo e quaisquer outros artigos escolares"; de Jardinagem,
que desenvolvia no liceu "o gosto pelas flores e pela cultura da árvore"; de Trabalhos Manuais, que
facilitava "a sua aprendizagem". Havia, ainda, uma Caixa Económica, cujo fim era "cultivar a economia
como vi rtude". A sua admin istração pertencia à "Junta dos Delegados", a qual era composta de "só­
cios efectivos eleitos para esse fim no princípio de cada ano lectivo". Esta eleição era feita "pera nte o
professor d i rector de turma" e seria "de um delegado por cada turma das três primeiras classes, dois
por cada turma da qua rta e quinta classes, e três por cada turma dos cu rsos com plementares". A
Associação tinha por fim "promover a educação geral dos seus associados" e adoptava, naturalmente,
para "sua d ivisa 'nós nos educaremos'" (Associação Escolar do Liceu de Pedro Nunes, 1914: 3 e 7). Foi
todo um programa da virtude mora l moderna que deste modo se objectivou. Os Mandamentos do Bom
Aluno, postos a circular no Liceu no ano lectivo de 1912-13, constituem seguramente umas das peças
discursivas em que melhor se percebe a ligação fusional entre li berdade e obed iência, em ordem a
um perfeito governo de si mesmo, que caracterizaria a educação dos jovens liceais ao longo de todo o
século XX. Tomem-se exemplarmente alguns deles:
"O bom aluno do liceu ama a sua escola e contribui quanto pode para que ela se aperfeiçoe.
O liceu não é apenas um edifício, onde o a luno vem receber Lições que pode repetir pelos
livros. O liceu é uma corporação formada por alunos dirigidos por professores, tendo u m
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EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
O ENSINO LICEAL NOS ANOS DA I REPÚBLICA
JORGE RAMOS DO Ó

reitor por chefe e empregados por auxiliares. Cada uma destas entidades é, de per si, im­
potente para realizar os fins da escola; esta obra é ao mesmo tempo de todos, e todos são
solidários na sua execução.
O bom aluno respeita a casa do liceu como a sua casa. O edifício do liceu pertence ao
Estado, e o Estado cede-o à corporação Liceal, de que os alunos fazem parte, a fim de
que dele faça uso conveniente aos seus fins educativos. Assim, o aluno deve descobrir­
-se respeitosamente dentro do edifício do liceu, não deve sujar nem riscar ou deteriorar por
qualquer outra forma as paredes, os móveis ou o material de ensi no. Se o fizer, desfalca
os bens da corporação a que pertence, bens que representam o produto do suor dos que
trabalham, e constitui-se por isso no dever de pagar os estragos que fez.
O bom aluno sabe respeitar os seus mestres e obedecer-lhes sem su bserviência. Os
professores exercem uma função superior, uma espécie de direcção espiritual, que tem
de ser olhada com respeito. Os a lunos devem-lhe obediência, não uma obediência cega,
passiva, como de cadáver, mas uma obediência raciocinada que se funda no convenci­
mento de que obedecem para se conseguir a disciplina escolar. O espírito de insubm issão
é incompatível com a educação na escola. O espírito de su bserviência é uma baixeza
moral da pior espécie.
O bom aluno respeita a sua i ntegridade moral e a dos seus companheiros. Evita os vícios
e as más leituras e as más companhias e as más ocasiões que geram os vícios, e não
proporciona aos outros as más Leituras, nem as más companhias, nem as más ocasiões
de se perderem. O mau Livro é um veículo de veneno moral. Lê-lo é acção má, emprestá­
lo é acção pior. As más companhias são a principal fonte de perdição para a mocidade.
O bom senso, a inteligência e a bondade de cada um revelam-se na escolha que faz das
suas companhias. A principal ocasião de contrair o vício é a ociosidade.
O bom aluno respeita a sua saúde e procura ser forte e bem equili brado, sob o ponto de
vista físico. Carecemos de ser saudáveis e fortes por nós, pela família a que pertencemos,
pela família que poderemos constituir, pela Pátria que nos cumpre defender, pela Humani­
dade, para cujo aperfeiçoamento nos cumpre defender, pela Humanidade, para cujo aper­
feiçoamento nos cumpre contribuir, pela Natureza, com cujos altos intuitos nos devemos
identificar. Há vícios que arruínam a saúde. O uso do tabaco é particularmente funesto aos
rapazes novos, é para eles um tóxico, que lhes diminui a memória e enfraquece o cérebro.
O melhor meio de evitar os vícios da mocidade é a cultura física bem dirigida.
O bom aluno não mente, não denuncia, nem consente que a outrem sejam atribuídas cul­
pas que lhe pertençam a ele. A mentira é sempre uma cobardia, a denúncia inculca a alma
sem nobreza; grande cobardia moral é admitir alguém que um companheiro ou um grupo
de companheiros sofram castigo por delito que ele cometeu. A queixa contra um compa­
nheiro perseguidor pode ser indispensável à legítima defesa, mas o recurso a ela deve ser
cuidadosamente estudado por cada um, a fim de evitar que se use dela inconvenientemen­
te. Os que praticam furtos ou desonestidades estão fora de toda a solidariedade; ninguém
deve hesitar em queixar-se deles quando não se corrigem.
O bom aluno aproveita solicitamente todos os meios que o liceu lhe proporciona para se
educar. Acompanha as lições e revê-as em casa. Tem os seus livros bem limpos e asse­
ados. Completa os trabalhos das aulas com a observação de tudo quanto se lhe depara.
Concorre às visitas de estudo e às excursões escolares, que são o melhor meio de desen­
volver o espírito de observação e de alargar os seus conhecimentos práticos. Dedica-se
metodicamente a todo o género de cultura física compatível com a sua idade, como o
melhor meio de formar o carácter e fortalecer a vontade.
Dedica às boas leituras algum do tempo que lhe sobrar dos seus estudos ordenados e
adestra-se nas artes de falar e de escrever. Habilita-se a apreciar as manifestações artís­
ticas, e ele próprio se dedica a aprender alguma arte para que tenha aptidões. Aperfeiçoa
e educa os sentidos e aproxima-se mais da Natureza, amando os campos e os jardins, as
árvores e as flores ( . .. ) .
Estas e outras palavras, carecemos de as repetir. É que há um certo número de alunos
a quem é preciso recordar que eles vieram ao liceu para se educarem, a quem é preciso
recomendar que não percam de vista que a divisa dos alu nos deste liceu é nós nos edu­
-

caremos" (Anuário do Liceu Central de Pedro Nunes, 1913: 78-80).

A encerrar esta breve síntese, importa retomar a constatação de que a I República assumiu
abertamente o modelo educativo construído pelo regime que derrubara, mesmo que para o sucesso da
revolução muito tivesse contri buído o slogan de que a necessária mudança das mentalidades impunha
uma mudança radical da educação que estava em 5 de Outubro de 1910. Fácil é mostrar que, tam bém
em matéria de formação dos futu ros quadros e líderes, não foram conqu istados outros segmentos
sociais e que o País não assistiu, longe disso, ao aparecimento de uma nobreza de Estado entre aquele
dia e o de 28 de Maio de 1926. Julgo, assim, que não temos porquê continuar a inscrever na agenda da
nossa análise historiográfica as ambições republicanas como se de realidades se pudesse tratar ou, na
i nversa, a buscar em realidades de outro tipo - a instabilidade social, a crise, a guerra - as desculpas
habituais para os seus fracassos educativos. O que é histórico na história da escola, e que decorre da
história propriamente política, é a evidência de que em Portugal se fazia oposição agitando a bandeira
da captação de mais recursos do Tesou ro para a modern ização do sistema e para o a la rgamento da
oferta e que, am iúde, se leg islava na ilusão g randiloq uente que o futuro distante se encarregaria de
confi rmar, ou não. Eram características que acompanhavam o sistema público de ensino desde que,
em 1759, Pombal lançara as suas bases.
Mas seria um erro grosseiro olvidar que nesses anos se diag nosticaram e i nstituciona­
lizaram soluções cuja força operativa ainda sentimos na sua inteireza. A lóg ica curricular-racionalista
do regime de classes, bem como o modelo de produção identitária do adolescente sob a premissa
do autogoverno, são traves-mestras do presente e foram intensamente problematizados durante os
anos que coincidiram com a experiência repu blicana em Portugal, embora a sua ra iz esteja mu ito mais
ligada à ci rculação e à homogeneização do pensamento científico-pedagóg ico internacional do que a
um pensamento político indígena. A genealog ia da escola é bem mais complexa e desafiadora que os
governantes dela.

REFER�HCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Anuário do Liceu Central de Pedro Nunes: Ano escolar de 1912-13, Lisboa, 1913.
COELHO, Francisco Adolfo (1913), Relatório da comissão encarregada da elaboração do projecto de reforma do ensino secun­
dário (Primeira parte). Publicado no Diário do Governo n.Q 127, de 2 de Junho.
Colecção Oficial de Legislação Portuguesa.
NÓVOA, António, BARROSO, João & Ó, Jorge Ramos do (2003), "O todo-poderoso império do meio", in António Nóvoa & Ana
Teresa Santa-Clara, Liceus de Portugal, Porto, Asa.
Ó, Jorge Ramos do (2003), O Governo de Si Mesmo: Modernidade pedagógico e encenações disciplinares do aluno liceal {último
quartel do século X/X-meados do século XX), Lisboa, Educa.
Ó, Jorge Ramos do (2006), "A Reforma de Jaime Moniz (1894-95) e a construção do ensino liceal de características modernas
em Portugal", Estudos do Século XX, n.Q 6.
Ó, Jorge Ramos do (2009), Ensina Liceal (1836-19 75) , Lisboa, Secretaria-Geral do Ministério da Educação.
PROENÇA, Cândida (1997), A Reforma de Jaime Moniz: Antecedentes e destino histórica, Lisboa, Colibri.
95 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
O ENSINO LICEAL NOS ANOS DA I REPÚBLICA
JORGE RAMOS DO Ó

LEGISLAÇÃO COM I NCID�NCIA


NO ENSINO SECU NDÁRIO-LICEAL
DURANTE A I REPÚBLICA

Decreto de 17.10.1910 Circular de 27.2.1914 Decreto da Junta Revolucionária,


Extingue a Inspecção Recomenda a criação de Sociedades de 9.12.1917
de Sanidade Escolar. de Instrução Militar Preparatória em Suspende a execução dos decretos
Decreto de 25.2.1911 todos os liceus do País, à semelhança 3091 e 3592, sobre o ensino
Uniformiza as escalas das dos Liceus Pedro Nunes secundário, e manda abrir os liceus,
de classificação dos alunos. e Passos Manuel. abonar todas as faltas dadas por
Decreto de 21.5.1911 Decreto 503, de 20.5.1914 motivo da greve liceal e trancar os
Cria as escolas normais superiores Define as funções do reitor. processos instaurados em virtude
junto das Faculdades de Letras Decreto 858, de 11.9.1914 dessa greve.
e de Ciências da Universidade de Lisboa Cria os directores de divisão. Portaria de 21.1.1918
e da Universidade Decreto 859, de 11.9.1914 Nomeia várias comissões que
de Coimbra. Define a lotação dos liceus centrais apresentarão todas as necessidades
Decreto 2, de 26.5.1911 de Lisboa, Porto e Coimbra. dos vários ramos de ensino.
Organiza os Serviços da Sanidade Portaria 230, de 21.9.1914 Decreto 4650, de 14.7.1918
Escolar: Inspecção da Sanidade Dá instruções para o ensino em classe Reforma os Serviços da Instrução
Escolar; Médicos Escolares; nos liceus. Secundária.
Junta de Sanidade Escolar. Decreto 896, de 26.9.1914 Portaria de 14.7.1918
Decreto de 26.5.1911 Cria nos liceus cursos de trabalhos Na sequência do Decreto 4650, nomeia
Aprova o regulamento e o programa individuais educativos. uma comissão que proceda à revisão
da Instrução Militar Preparatória. Portaria 239, de 26.9.1914 dos programas das disciplinas do curso
Decreto de 2.8.1911 Dá instruções sobre os trabalhos dos liceus.
Aprova o regulamento individuais educativos. Decreto 4695, de 23.7.1918
dos Serviços de Sanidade Escolar. Decreto 1055, de 17.11.1914 Remodela os Serviços
Portaria de 24.2.1912 Institui uma secção feminina junto de Sanidade Escolar.
Considera atentados contra a disciplina de cada u m dos liceus do Porto Decreto 4799, de 8.9.1918
as agressões a autoridades escolares e de Coimbra. Aprova o regulamento de instrução
e empregados escolares, mesmo se Decreto 1212, de 23.12.1914 secundária.
praticadas fora dos estabelecimentos Autoriza os reitores a criarem Decreto 4961, de 11.11.1918
de ensino. trabalhos individuais educativos Aprova o regulamento do ensino
Portaria de 1.6.1912 em certas disciplinas da 6. � secundário feminino.
Aprova o regulamento das Sociedades e 7. ª classes. Decreto 5002, de 27.11.1918
de I n strução Militar e Cívica. Portaria 348, de 27.4.1915 Estabelece os novos programas
Decreto 93, de 26.8.1913 Relembra a importância do caderno dos liceus.
Suspende as aulas para levantamento escolar. Decreto 5054, de 29.11.1918
de médias dos alunos. Lei 410, de 20.9.1915 Fixa o quadro dos médicos escolares,
Circular de 1.11.1913 Cria no Porto um liceu feminino. para a execução do Decreto 4695,
Manda incluir trabalhos de natureza Decreto 3091, de 17.4.1917 que reorganiza os Serviços
pedagógica e trabalhos de alunos Insere todas as disposições existentes de Sanidade Escolar.
nos relatórios anuais de reitores. sobre o ensino secundário e modifica Decreto 5096, de 7.1.1919
Circular de 1.11.1913 a regulamentação Indica as designações que passam
Manda os reitores informarem de algumas dessas disposições. a ter os liceus do Continente e Ilhas.
anualmente sobre a proficuidade Decreto 3592, de 22.11.1917 Decreto 5168, de 6.1.1919
do ensino da ginástica no respectivo Modifica algumas disposições Aprova e manda pôr em execução
estabelecimento e competências do Decreto 3091. que regulamenta o Regulamento de Sanidade Escolar.
do professor. o ensino secundário, e manda reabrir Decreto 5371, de 4.4.1919
Portaria de 10.11.1913 as aulas de todos os liceus Dá nova organização à Repartição
Nomeia uma comissão para proceder do Continente no dia 26.11.1917. de Sanidade Escolar, que passa
a uma inspecção de carácter a denominar-se I nspecção-Geral
pedagógico aos 4 liceus da capital. de Sanidade Escolar e fica adstrita
à Secretaria-Geral do Ministério
da Instrução Pública.
Decreto 5372, de 4.4.1919
Promulga várias disposições
sobre serviços médico-escolares.
Decreto 5373, de 5.4.1919
Cria no Ministério da Instrução Pública
a Repartição de Construções Escolares.
Decreto 5617, de 10.5.1919 Decreto 8808, de 9.5.1923
Regulamenta os serviços Estabelece as condições para
do Ministério da Instrução Pública, o concurso para professores
reorganizados pelo Decreto 5627, de canto coral dos liceus.
de 6.6.1918. Proposta de lei sobre a reorganização
Decreto 5683, de 10.5.1919 da educação nacional, de 21.6.1923
Promulga várias disposições ("Reforma Camoesas").
relativamente à educação em comum Decreto 9321, de 18.12.1923
dos dois sexos. Aprova as alterações
Decreto 5684, de 10.5.1919 ao regulamento das provas
Autoriza o Governo a contrair com interescolares de educação física que
a Caixa Geral de Depósitos um constituem a Festa Nacional criada
empréstimo para a construção pelo Decreto 7662.
do novo edifício para o Liceu Sá Decreto 10 290, de 12.11.1924
de Miranda. Permite aos estudantes de ambos os
Decreto 6316, de 30.12.1919 sexos das universidades, liceus
Manda observar as instruções e escolas superiores o uso da capa
para a execução dos programas e bati na, segundo o modelo tradicional,
de distribuição das disciplinas como traje de uso escolar.
do ensino secundário. Decreto 10 723, de 29.4.1925
Decreto 6675, de 12.6.1920 Determina a iniciação, em todo
Aprova o regulamento o País, dos trabalhos necessários para
de instrução secundária. a realização, em Maio de 1925,
Decreto 6849, de 23.8.1920 da Festa Nacional de Educação Física.
Organiza em todas as capitais Lei 1783, de 25.5.1925
de distrito do Continente e Ilhas juntas Considera nacional a Festa
médicas delegadas da Junta de de Portugal, que se celebrará
Sanidade Escolar. no dia 10 de Junho de cada ano.
Instruções de 10.9.1920 Decreto 10 986, de 31.6.1925
Relativas à constituição, atribuições Cria o Instituto de Orientação
e competência das juntas médicas Profissional de Maria Luísa Barbosa
delegadas da J u nta de Sanidade de Carvalho.
Escolar. Decreto 11 176, de 24.10.1925
Lei 1068, de 18.11.1920 Aprova o regulamento do Instituto
Estabelece os exames de admissão de Orientação Profissional
às Universidades. Maria Luísa Barbosa de Carvalho.
Decreto 7558, de 18.7.1921 Circular de 25.5.1926
Aprova o regulamento de instrução Estabelece diversos preceitos para
secundária. a realização de festas escolares.
Decreto 7662, de 9.8.1921
Aprova o regulamento de provas
interescolares de educação física.
Decreto 7778, de 18.11.1921
Estabelece, a partir do ano lectivo
de 1922-23, exames de admissão
a todas as Faculdades
das Un iversidades, permite
aos professores do liceu o ensino
particular e critica o ensino
de classes.
Lei 1363, de 13.9.1922
Cria uma propina anual de trabalhos
práticos paga pelos alunos internos
dos liceus para reforço das verbas
destinadas à aquisição e conservação
do material didáctico dos
estabelecimentos de ensino
secundário.
Decreto 8559, de 3.1.1923
Aprova e manda pôr em execução
o regulamento das provas
interescolares de educação física,
que constituem a Festa Nacional
criada pelo Decreto 7662.
JUSTI NO MAGALHÃES Neste estu do, partirei do princípio d e que o livro é cen­
UNIVERSIDADE DE LISBOA
I. tra l na a lfa betização escolar e de que a regimenta liza­
ção da escola, inerente e necessária à República, teve
uma política concertada sobre a Leitura, o livro e, mu ito
particu la rmente, sobre o Livro escolar. Essa i nterve nção foi no sentido da actua lização, científica e
pedagógica, e d a conciliação de um i deário de progresso e patriotismo. Prosseguia assim a centra­
Lidade de uma escolarização e de uma aculturação asse ntes no Liv ro, revi sta com o I luminismo de
Estado e reg u lamentada pelos Liberais. Para a lém dos aspectos político- pedagóg icos, em v irtude
dos quais a Leitu ra e o Livro (particula rme nte o Livro es colar) estiveram i nseridos n a alçada do
.
Conselho Su perior de I n stru ção Pública, concretava-se, nas sucessivas Comissões técn icas que o
substitu íram, a i d iossi ncrasia entre a república das Letras e a re pública de cidadãos, cumprindo a
escola uma função pragmática e Legitimadora d a hi era rq ui a e d a constitui ção sociopolíti ca.

No Relatório do Ministério da Instrução Pública1 , em conclusão do mandato como ministro


l. da Instrução, Sobral Cid referiu-se ao Conselho Su perior de Instrução Pública como i nstituição que,
"quando eleito representativamente pelos diferentes corpos escolares, era adentro do ensino uma
institu ição organicamente republicana"2 . E prosseguia: "Mal se pode admitir que n uma democracia se
prive a administração do ensino do único órgão representativo das institu ições admi nistradas, síntese
de todas elas, funcionando como verdadeiro parlamento pedagóg ico livremente eleito."3 Desde que
fora criado por Decreto de 20 de Setembro de 1884 (e regu lamentado por Decreto de 10 de Novembro
de 1845) que o Conselho Su perior de Instrução Pública, não obstante ter sofrido a lgumas a lterações
e suspensões no seu funcionamento, teve como uma das prerrogativas fundamenta is o fomento da
autoria e da edição, a aprovação e a adopção de Livros para o ensi no. Esta acção abrangia a qualidade
e o rigor científicos, a adequação pedagógica e didáctica, a salvaguarda de ideolog ias e va lores, mu ito
particularmente o sentido patriótico.
A relevância do Livro na cultura, na administração e na normalização escolar ficou comprova­
da por ter constituído, ao Longo de toda a sua vigência, uma, senão mesmo a principal, prerrogativa do
Conselho Superior de Instrução Pública, para o que, além da Comissão Permanente, contava, quando
dos concursos, com a contribuição técn ica e especializada de comissões temporárias formadas por
membros oriundos das diversas instituições educativas e intelectuais, i ncluindo a Universidade e o
Ensino Su perior Técnico.
Quando da implantação da República, na sequência da Proclamação de 5 de O utubro de
1910, foi remetida para a posterior Reforma da Instrução uma política sobre os livros escolares para
o Ensino Primário. Nessa contingência, o Governo retomou as orientações políticas e as listagens de
1903, com as alterações introduzidas em 1907, mu ito embora salvaguardando que era uma delibera-
ção provisória: " Fica entendido que, visto tratar-se duma reforma q u e torne o ensino primário cond igno
da educação, o Governo da República deve preparar ao povo português, as aprovações agora decreta­
das são feitas sem prejuízo daquela reforma" (Decreto de 21.10.1910, art. 6º, § único).
De facto, havia motivos para não adiar as deliberações. O ano escolar estava a iniciar-se e, em
consonância com a deliberação de 1908, os Livros então aprovados deveriam ficar em vigor por cinco
anos, ou seja, até final do ano Lectivo de 1912-13. No entanto, a decisão política teria sido de ruptura,
caso não fossem reconhecidos o mérito e a actualidade da acção científica e de abertura à evolução
pedagógica e às melhorias editoriais, Levados a cabo pelo Conselho Su perior de Instrução Pública ao
Longo da década anterior, particularmente após a suspensão do Regime da Un iformidade do Livro Es­
colar. Em face desse recon hecimento, por Decreto de 21 de Outubro de 1910, o Governo republicano
retomou as Listas de Livros aprovadas em 1908, mandando que fossem introduzidas as alterações
circunstanciais, ordenadas pela Comissão Técnica, Livro a Livro4. Tratava-se, como se exemplificará,
de muda nças termi nológicas e de foro ideológ ico. Nos Livros de carácter técnico, como eram os de
desenho e de caligrafia, não foram introduzidas alterações. Si ntomático de que o texto historiográfico
escolar sobre Portugal era já do agrado do regime republicano é que também nos livros de Corografia
de Portugal foram apenas i ntroduzidas rectificações de terminolog ia.
A aproximação entre o educacional escolar e o elemento político variou de regime político
para regime político, mas, em qualquer circu nstância histórica, o regime republicano tendeu a exercer
controlo sobre a escola e a cultura escolar. A cidadania republica na, i nclui ndo a comunalidade de
ideais e a capacidade de comunicação, é inerente à própria constituição do regime. As modernas repú­
blicas europeias converteram a alfabetização escolar em cond ição ind ispensável ao exercício da cida­
dania, tendo ficado associadas a uma regimentalização dos sistemas escolares. No mesmo contexto,
ficara integrada uma nova política sobre o Livro escolar. Como comprova Antoine Prost para o caso
francês, uma das principais inovações da escola republicana foi, dando sequência ao princípio de for­
mar "hommes instruits des connaissances usuelles, des savoirs utiles", ter criado "un type d 'ouvrage
nouveau: Le manuel de Lecture moderne" 5. Ler era instruir-se, pelo que, no prolongamento da alfabeti­
zação escolar (que terminava com a capacidade de leitura expressiva), os novos leitores deveriam ter
à d isposição Livros realistas e com ensinamentos úteis6.

Dando curso a uma cidadania assente na a lfabetização escolar, um dos primeiros objec­
J. tivos da República Portugu esa foi pugnar por uma escola rização un iversal e combater as e leva­
das taxas de ana lfabetismo da popu lação a d u lta , em idade activa, posto que e ram um obstác u lo à
consolidação do ideário republicano e ao funcionamento da adm i n istração pública. A vu lgarização
e a un iversalização do leitor-escrevente seriam obtidas, em reg ra , j u nto das popu lações infantil
e j uven i l , através d a escola regular, e j u nto da popu lação adulta, pelo fomento d e M issões d e
Escolas Móveis, asseg uradas pelo erário público e pel a Associação de Escolas Móveis. Ainda que
destinadas a ad ultos e funcionando em horário nocturno, mu itas destas missões foram freq uen­
tadas, d e forma i n d iscriminada, por crianças e jovens.
No Relatório já referido, Sobral Cid, ministro cessante, não sem comentar a necessidade de
um relato pormenorizado, contendo "considerações de carácter económico e pedagógico que tão útil
i nstitu ição requer", reiterava:
"Em todos os distritos administrativos do continente e ilhas adjacentes se estabeleceram
escolas móveis, de preferência nas localidades cujas corporações administrativas se res­
ponsabilizaram pela sua instalação e fornecimento de expediente e luz ( . . . ). Das directa­
mente subsidiadas e pagas pelo Estado, que foram 226, somente 8 ministraram o ensino
em dois cursos [na generalidade, funcionou apenas o curso nocturno) . Das 31 Escolas
Móveis da Associação João de Deus, 29 ministraram o ensino, de dia, a crianças e, de noite,
a adultos, e 2 somente a adultos em cursos nocturnos." 7
101 EDUCAR
EDUCJ,ÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
A REPUBLICA E O LIVRO ESCOLAR
JUSTINO MAGALHÃES

A lóg ica destas m issões era a economia do tempo de aprendizagem, dando c u rso a
uma a lfabetização condicionadam ente política, pelo que era m o bj ecto de debates frequentes,
dentro e fora do Parlamento8. U m dos as pectos mais notórios da p rogressiva a p roximação entre
o elemento político e a in stru ção foi a defi nição e a esti lização de um a lfabetizado esco lar, leitor,
escrevente, con hecedor de u m noticioso básico sobre a origem e a evolução d a h istó ria pátrias,
e i nformado sobre aspectos funda me nta is da natureza e da agricultura. T in h a estad o em c u rso
uma m i n i m i zação curricular, i n stru mental, ideológica, pragmática. Como essa estilização cu rricu­
la r foi correlativa de uma melhoria cie ntífica de cada u m destes d o mínios, u m a vez obtida u m a
i nformação elementar no livro de leitura, o a l u n o deveri a prosse g u i r o s e u conheci mento lendo e
estu dando os livros das d iferentes matéri as.
Assim, a lista constante do Decreto de 21 de Outubro de 1910 conti nha títu los de livros de
leitura, livros de desenho, cadernos de caligrafia, compênd ios de agricultura e compêndios de coro­
grafia de Portugal. Os livros de leitura contin uavam a ser em maior qua ntidade, logo seguidos dos de
caligrafia. Havia livros de leitura para as 2.ª, 3.ª e 4.ª classes, e para algu mas destas classes estavam
aprovados mais que um livro. O mesmo suced ia com os livros aprovados para as restantes rubricas do
programa, onde também havia obras de mais de um autor aprovadas para os mesmos a nos. No que
respeitava ao ensino da caligrafia, a lista de livros e cadernos aprovados i ncluía quer a possibilidade
de uma prática de escrita d i reita (correspondendo a um movimento internacional, ao tempo mu ito em
voga), quer a man utenção dos métodos trad icionais.

O cotejo das listas de 1903 com as de 1910 revela que houve títu los e a utores que se man­
4. tiveram e revela ta mbém um au mento sign ificativo da quantidade de livros aprovados para cada d i s­
ciplina e para cada classe9. Há, não obstante e como foi referido, linhas de conti nu idade. O Livro de
Leitura, da autoria de O . João da Câmara , Maximi liano de Azevedo e Raul Bra ndão, foi um dos títulos
que se ma nteve da lista de 1903 para a de 1907 e que, na lista de 1910, foi a provado sob cond ição
"duma revisão m u ito cuidadosa como a Comissão indica". Todavia, o que a Com issão recomendou
foi tão-só uma revisão ortog ráfica, de acordo com a ortog rafia oficial da Língua Portuguesa em vigor
d esde 1908. Assim o y, em pa lavras como hygiene, passou defi nitiva mente a i; a generalidade das
consoantes duplas desapareceu - assim sucedeu com as palavras officioes, offlicto, em que passou
a existir apenas um f; a variação visinhonço/vizinhonço deu lugar à versão defin itiva vizinhonço10 .
A colecção de livros de leitu ra pu blicados por esta e q u i pa de a uto res foi ampliada nos
an os seg u i ntes. Na lista de 1908, foi aprovado o Livro de Leitura para o s Escolas d e Instrucção
Primária, paro a 4. ª classe e, em 1909, O Livro das Creanças Portuguezas e Brozileiras11. Este
ú ltimo título esta belecia um para lelo entre a h i stória e a geografia portuguesas e a h i stória e a
geografia do Brasil, propagando que ambos os países haviam tido heróis, tinham cidades, ti n h a m
u m m e s m o desej o de g ra ndeza: " Portuguezes e brazileiros s ã o irmãos, em bora nascidos e m p a i ­
z e s d i stantes; irm ãos pelo s a n g u e , pela língua e pelas aspirações. ( . . . ) Brazil e Portug a l hão d e
caminhar sem pre u n idos na mesma aspiração de grand eza." Com efeito, estes livros conti n h a m
u m noticioso h i stórico organizado n u m a perspectiva de evolução; m u itas referê ncias a cidades e a
reg iões; m u itas referências biográficas e i nformações sobre plantas, animais, efemérides. No caso
d o Livro de Leitura para os Escolas de Instrucção Primária, a a ctualização foi apenas n a ortogra­
fia e nos aspectos g ráficos, designadamente com a i nclusão d e fotog rafi as. As referências mais
explícitas em termos estritam ente ideológ icos iam para a noção d e pátria e para o org u lho de ser
portug uês: " Portu gal é m u ito pequeno. - Portu gal foi grande nação. - Sua h i stória é bri lhante. -
M u itos Portu guezes foram i llustres. - Foram g randes na terra . - Fo ram mai ores no mar. - Deram
exe mplo ao m u n d o. - Q u ero ser bom portu guez."12
De igual modo representativa do tipo de alterações i ntrod uzidas com a adequação ao novo
reg ime político é a comparação de duas versões da Corogrofia de Portugal, da autoria de Vicente Al-
meida d ' Eça. Na versão de 1897, o Ponto 51 i ncidia sobre a Bandeira Nacional e vinha ilustrado com o
Escudo da Monarquia:
"Toda a nação independente tem uma bandeira especial que a representa, usando-se d'ella
nas fortalezas e edifícios públicos, nos navios, nos regimentos, etc. A bandeira portugueza
é azul e branca, em partes eguaes, tendo ao meio as armas reaes de Portugal, formadas
pelos sete castellos e as cinco quinas em cruz. À bandeira nacional se deve todo o respeito,
porque ella representa a nação a que pertencemos, livre e independente" (p. 52).

Este era também o último item da parte do livro relativa à corografia de Portugal Continen-
tal. Ao estudá-la, o aluno ficava i nformado e mergulhado num sentido patriótico:
"Com isto tem o alumno estudado o que há de mais essencial em relação á chorographia
da parte continental da monarchia portugueza, tanto sob o ponto de vista physico como
sob o político. Chorographia é, pois, o estudo geographico d'uma região especial, de entre
essas tantas em que se repartem as terras, como neste caso Portugal. E adquirindo estes
conhecimentos o alumno deve também apprender a estimar a sua pátria e a esforçar-se
por bem a servir" (p. 53).

Organ izado sob a modalidade de uma viagem, no decurso do livro, o autor vai i nterpela ndo o
aluno, como se ambos estivessem em presença, e fecha com um item que designa de conclusão:
"Tendo chegado ao fim dos seus estudos, por enquanto, de geographia e chorographia,
vê o alumno que Portugal, alem da metrópole, na Europa, e das ilhas adjacentes, com­
prehende territorios muito extensos noutras partes do mundo, principalmente em Africa,
tão extensos que, sommados elles, teem umas poucas de vezes a superfície de Portugal
continental. Muitos d'esses territórios são ricos, n'elles podem os portuguezes d'hoje, des­
cendentes dos que os descobriram e conquistaram, encontrar campo para a sua fortuna
e para o engrandecimento do nome de Portugal, não devendo o alumno esquecer que o
domínio e desenvolvimento das províncias ultramarinas é uma condição para que a nossa
Pátria possa continuar a existir livre e independente" (p. 97).

Na contracapa vinha reproduzido o mesmo desen ho do escudo da Monarquia, que ilustrava a


informação sobre a Bandeira Nacional. A Chorographia de Portugal por Almeida d'Eça foi de novo apro­
vada na lista publicada em 3 de Setembro de 1903 e na lista de 23 de Abril de 1907. Ao ser integrado
na lista de 1910, ficou, como os restantes livros aí inclu ídos, sujeita a uma revisão dentro de 40 dias:
"Todos os livros que por este decreto são aprovados deverão ser sujeitos a uma muito cui­
dada revisão e autorizados segundo as novas Instituições Republicanas do Estado, dentro
do prazo de quarenta dias, passados os quais todos os livros poderão ser postos no merca­
do, depois de previamente aprovados pela inspecção médica."

Elaborado de acordo com o Programa para o Ensino Primário de 18 de Outubro de 1902, o


autor optou por manter o teor do texto praticamente intacto, na nova edição aprovada pelo Decreto de
21 de Novembro de 191013. Como explica na Advertência, decidiu, inclusive, manter o expediente dis­
cursivo de convidar o aluno a uma viagem, partindo do estudo da localidade que deverá "ser modificado
consoante as circunstâncias da povoação onde está a escola". Na sequência dessa revisão, a ortografia
foi rigorosamente actualizada, de acordo com a reforma ortográfica de 1908, e a edição passou a in­
cluir mapas a cores, desdobráveis e questionários no final de cada assunto. De igual modo, passou a
incluir fotografias, e a rubrica da representação foi enriquecida com desenhos, alçado de uma escola e
respectiva planta de andar, para além de outros recursos gráficos. Para facilitar a leitura e distinguir os
aspectos que o aluno deveria estudar, o autor manteve o negrito para os assu ntos e conceitos novos, e
o itálico para as defi nições, descrições, caracterizações ou explicações a que o aluno deveria dar parti­
cu lar atenção.
IOJ EDUCAR
EDUC�ÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
A REPUBLICA E O LIVRO ESCOLAR
JUSTINO MAGALHÃES

Em consequência da mudança de regime político, no Ponto 25, o a utor passou a incluir uma
i nformação específica sobre a República Portuguesa:
"Portugal é, pois, a nossa Pátria, a nossa nação, e o seu território está situado na parte mais
ocidental da Europa; é a parte continental da República ou o continente, à qual se junta,
para os efeitos administrativos, algumas ilhas do Oceano Atlântico que estão mais próxi­
mas do continente, e que por isso se chamam adjacentes. Mas, além desses territórios, a
República Portuguesa compreende outros situados na África e na Ásia, e que são as suas
colónias ou províncias ultramarinas."

Foram suprimidas as referências à Bandeira Nacional, foi retirado o escudo da contracapa,


mas nenhum destes elementos foi su bstitu ído pelos novos símbolos da República. A conclusão foi
apenas ligeiramente alterada:
"Tendo chegado ao fim dos seus estudos de Geografia e Corografia na escola primária, vê
o aluno que Portugal, além da metrópole na Europa, e das I lhas adjacentes, compreende
territórios muito extensos noutras partes do mundo, principalmente na África, tão exten­
sos que, somados eles, teem umas poucas de vezes a su perfície de Portugal continental.
Muitos dêsses territórios são ricos, neles podem os portugueses de hoje, descendentes
dos que os descobriram e conquistaram, encontrar campo para a sua fortu na e para en­
grandecimento do nome de Portugal, não devendo o aluno esquecer que o domínio e de­
senvolvimento das províncias ultramarinas é uma condição para que a nossa Pátria possa
continuar a existir livre e independente" (p. 108).

A i nclusão de elementos republicanos não fo i determ inante na autorização de publicação


ou aprovação, como comprova o caso da Nova Selecta do Ensino Primário (2.º g rau)14, que, sa ída a
pú blico precisamente nesse ano, incluía episódios de diversa natureza, lições de moral, referências
a figuras históricas, episódios ed ificantes, mas não conti nha qualquer alusão explícita à República.
Tendo sido abolido o ensino da religião e moral católicas nas escolas (Decreto de 22 de O utubro de
1910, art.º 1.º), a partir desse ano os livros de moral e de religião não mais fora m incluídos nas listas
de livros aprovados.

O livro escolar foi assunto frequente nos debates pa rla menta res. Nos primeiros meses
5 •
de 1912, nomeadamente na sessão de 23 de Janeiro, esta ndo p rese nte o m i n istro da J u stiça, foi
trazida à colação uma C i rcular chegada às mãos dos adm in istrad ores dos concelhos para que
"vigiassem e fiscalizassem as escolas femeni nas, por forma que nelas não fosse m i n istrad o o
ensino da doutrina cristã". O deputado q u e i ntrod uziu a q uestão vi sava denunciar que estavam a
" i nterferir na vida do ensino primário e na sua fisca lização, as autoridades a d m i nistrativas", mas
q u e o mais g rave era que, após a proibição do ensino d a re lig ião cató lica nas escolas e após a
p ro m u lgação da lei da separação entre a I g reja e o Estado, contin uassem a poder ser adoptados
livros que conti nham a doutrina cri stã15. Nas sessões su bseque ntes, a po lítica d o livro escolar foi
abordada em vários aspectos, sendo u n â n i m e a p ressão para u m a maior co rrecção dos conteúdos
e d a linguagem. Em 1913, foi publicada nova lista de livros, posto que, como j á ficou referi do,
parte sign ificativa das alterações esperadas tinha ficado circunscrita às alterações i ntroduzidas
logo na revisão ed itorial de 1910.
O Decreto n.º 2603, de 1 de Setembro de 1916, foi publicado na convicção de que a adop­
ção de livros escolares " é melindroso assunto que requere cuidad osa atenção", para que não se
sobreponham outros i nteresses às "necessidades do ensino e às exigências dos progra m as" e para
" p revenir a desarmonia entre os livros escola res e os princípios e preceitos que reg em o ensino pú­
blico". No art. º 1. º desse Decreto, lia-se:
" É criada uma secção especial no Conselho d e Instrução Pública para apreciação de livros
escolares, ficando o mesmo Conselho a ser a entidade que aprecia e julga do merecimento
pedagógico de todos os livros apresentados, quer em concurso, quer em todos os casos em
que o respectivo Min istro entenda dever submeter qualquer livro à sua apreciação.''

Nos termos do Regulamento da Instrução Secu ndária, promulgado em 8 de Setembro de


'· 1918, sendo o ensino secu ndário destinado a " min istrar os elementos duma cultura geral e habilitar
para os estudos superiores", um dos assu ntos que mereceu um detalhado regulamento foi a ad opção
dos livros escolares - 42 em 244 artigos (cerca de 20% do texto legal). Nesse regulamento, foi revista
a tram itação do concurso: desde o elemento autoral à aprovação prévia por uma Com issão (formada
por 11 elementos, nomeados pelo Governo, todos professores do ensino liceal com mais de cinco anos
de bom e efectivo serviço), até ao processo de adopção pelos Conselhos Escolares, incluindo, por fim,
as condições de recurso por parte das entidades envolvidas. Foram introduzidas alterações face à re­
gu lamentação e à prática anteriores. Assim, passavam a ser "un icamente adm issíveis ao concurso as
obras portuguesas" (art.º 200.º). Podiam concorrer apenas "autores, proprietários ou ed itores [que es­
tivessem] no exercício dos di reitos civis", e as obras a concurso poderiam ser entregues "na secretaria
de qualquer liceu" (art.º 202.º). Uma outra alteração dizia respeito à com posição e ao funcionamento
da Comissão, que ficava constituída exclusivamente por professores do ensino liceal e seria presidida
por um dos seus membros, nomeado expressamente pelo Governo. Após uma apreciação g lobal das
obras a concurso, a Comissão dividir-se-ia em duas secções de 6 mem bros, uma vez que o presidente
faria parte das duas; cabia, à primeira , apreciar "as obras que tenham por objecto o estudo das línguas,
da história e da fi losofia" e, à segunda, "as obras relativas ao estudo das sciências matemáticas, das
físico-quím icas, das naturais e da geografia" (art.º 206.º).
Do articulado daquela lei ressaltam os principais parâmetros e, por consequência, também
os critérios em que recaía a aprovação de uma obra:
"Concluído na secção o exame de todas as obras que se destinem a cada disciplina, o rela­
tor lavra parecer que conclui pela deliberação tomada, a qual há-de consistir, em relação a
cada obra, na sua aprovação ou rejeição. Serão aprovados todos os livros que o mereçam
pela exactidão da doutrina, clareza e método de exposição, desde que estejam organizados
e redigidos em harmonia com as disposições legais, os programas e o carácter do ensino
secundário" (art.Q 16.º) .

Sendo cond ição que a organização e a redacção de cada obra estivessem em " harmon ia"
com "as disposições Legais", "os programas" e "o carácter do ensino secundário", a secção técnica de­
veria apreciar o parâmetro "doutrina", em função da "exactidão", e os parâmetros "clareza" e " método",
em função da "exposição".
Dando sequência à prática anterior, os livros escolares, uma vez aprovados pelas autorida­
des pedagógicas, "serão su bmetidos à apreciação da Repartição de Sanidade Escolar" (art.º 221.º).
Este órgão tinha sido reestruturado pelo Decreto n.º 4695, de 14 de Julho de 1918.
Publicado em 27 de Novembro de 1918, o Decreto n.º 5002 conti nha os programas das
d isciplinas do ensino secundário e i nstruções muito precisas quanto ao tipo de livros escolares, suas
composição e designação por disciplina. Assim, por exemplo, a disciplina de História vinha estruturada
do segu inte modo:
"Biografias,para todas as classes. Compêndio de História Universal, para as classes III, IV
e V. Compêndio de História de Portugal, para a classe I I I . Compêndio de História de Portugal,
para as classes VI e VIl.
Nota. - As Biografias serão distribuídas por pequenos tomos, contendo uma ou mais, con­
forme a sua extensão. Cada tomo será, quanto possível, i lustrado com o número máximo
105 EDUCAR
EDUC�ÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
A REPUBLICA E O LIVRO ESCOLAR
JUSTINO MAGALHÃES

de gravuras autênticas ou de reconstituições rigorosas. Os tomos podem ser de autores


diversos e serão sem pre vendidos separadamente, sendo apenas obrigatória para os alu­
nos a aquisição daqueles que o professor for lendo nas aulas.
O Compêndio de História de Portugal para a classe III terá um carácter muito sumário.
O Compêndio de História Universal será dividido em dois volumes, um para as classes III e
IV (história das idades média, moderna e contemporânea), e outro para as classes V (histó­
ria da antiguidade oriental e clássica)."

Estas determinações sobre cada uma das disciplinas (que davam sequência aos programas
respectivos) termi navam com uma observação gera l, sobre a abordagem da incerteza da actualidade,
nas disciplinas de Geografia e de H istória, e sobre a adopção dos livros pelos conselhos escolares.
"Observação geral. - Todos os livros vão designados pelos seus títulos. Todo o livro, de que
seja i ndicada divisão em volumes, deve ser obra do mesmo autor ou autores, não sendo
permitido aos estabelecimentos de ensino adoptar qualquer dos volumes dum livro com
exclusão dos outros ( ... ) . Os autores de livros de geografia ou de história apenas serão
obrigados a tratar dos assuntos relacionados com a guerra actual seis meses depois de
concluída a paz, ainda que daí resulte terem de suprimir volumes completos, como poderá
suceder em geografia. Quando se indique divisão de um livro em volumes, cada um destes
deverá ser vendido separadamente."

Ao contrário de alguns outros aspectos da legislação escolar, o assunto dos livros tendeu a ser
7. cumulativo e progressivamente mais rigoroso, nos planos pedagógico, didáctico e científico, i ndependen­
temente do ti po de Governo. As variações quedavam-se pelos aspectos programáticos e de funciona­
mento orgânico. No Diário do Governo de 30 de Março de 1921, foi publicado, com data de 15 de Fevereiro
de 1921 e relativo ao concurso aberto em 6 de Maio de 1920, o Relatório da Comissão de apreciação dos
livros para o Ensino Secundário. No preâmbulo, a Comissão justificava, de forma sumária, que "procurou
sempre evitar quaisquer considerações que, mal interpretadas, pudessem suscepti bi lizar os autores
ou entidades que vieram a este concurso". Justificou as suas decisões e houve casos em que, mesmo
estando as obras bem ordenadas, sendo "livros reconhecidamente dignos de figurar nas estantes de
todos os estudiosos, tiveram de ser rejeitados por não satisfazerem às exigências consignadas na lei".
Relativamente aos 5 livros de leitura apresentados, foi entendido que todos "oferecem aos
alu nos excelente leitu ra", devendo, no entanto, de um deles ser retirados dois textos "duma morali­
dade muito discutível" e dois de um outro, um dos quais, "A decadência da monarqu ia", por ser um
artigo de jornal "com gramática mu ito pouco modelar". Das cinco g ramáticas portuguesas, duas fo­
ram excluídas, pois que, em bora recomendáveis aos estudiosos, não estavam "em harmonia com os
programas e respectivas instruções". Das duas gramáticas de francês, foi rejeitada uma, por ser um
resumo, e aprovada outra.
Dos três livros apresentados para o ensino de Inglês, nenhum mereceu a provação. Dos dois
de Geografia, o primeiro não estava de acordo com o programa, nem com o método i ntuitivo, pelo que
foi rejeitado. Quanto ao segundo, a Com issão notou tais falhas que tornavam "impossível a sua adop­
ção nas escolas". Para a disciplina de Ciências Naturais, concorreram 4 livros, o primeiro dos quais,
Curso Elementar d e Botânica, da autoria de António Xavier Pereira Couti nho, mereceu o segu inte co­
mentário:
"( ... ) é um livro bem feito, obra de um autor consagrado e um dos nossos grandes mestres.
Está escrito em linguagem corrente, ao alcance da inteligência dos alunos a quem é des­
tinado; não abusa dos termos técnicos e evita o mais possível as definições. Merece ser
aprovado."
O segundo livro, "escrito por um dos nossos botânicos", embora merecendo i nteresse, não
estava "isento de defeitos (abuso de termos técnicos e dos questionários, revisão mal cuidada"); ficou,
no entanto, aprovado. O terceiro livro, também de Botânica, não foi aprovado, e o quarto, Primeiro Livro
de Zoologia, ainda que "tentativa digna do maior Louvor ( . . . ) , apresenta bastantes defeitos", pelo que fo i
igualmente rejeitado.
Dos cinco Livros apresentados para Matemática, os três primeiros e o ú ltimo foram apro­
vados. Quanto ao penúltimo, que " representa entre nós uma inovação cujos resultados a com issão
não pode prever", ficou também aprovado. Foram apresentados dois livros de Geometria, vindo a ser
rejeitado o primeiro e aprovado o segundo. Para a disciplina de Desenho, foram apresentados dois
compênd ios e dois atlas, não esta ndo os dois primeiros de acordo com os programas, pelo que foram
rejeitados.
A Com issão justificou, caso a caso, as suas decisões, de acordo com os princípios gerais que
enunciou no preâ mbulo e fazendo uma escru pu losa aplicação dos parâmetros e critérios em vigor
(com a cond ição de as obras estarem organizadas e redigidas em "harmonia" com as disposições
Legais e os programas; exactidão da "doutrina"; clareza e método da "exposição"). Deste tirocínio, re­
sultou a rej eição de cerca de 50% das obras admitidas a concurso. Com efeito, das 29 obras adm itidas,
foram aprovadas 15, das quais 6 foram aprovadas com indicações de melhoria. Para as disciplinas de
I ng lês e de Geog rafia, não foi aprovada, respectivamente, qualquer das 3 e 2 obras propostas.
Na seq uência da Reforma da I nstrução Secundária, promu lgada em 18 de Junho de 1921,
foram consideradas as mudanças em relação à regulamentação anterior. Assi m, a aprovação dos
Livros escolares mantinha-se centrada na Direcção-Geral do Ensino Secundário, sendo a Comissão
de apreciação dos Livros presidida pelo di rector-geral do Ensino Secundário (art.º 145.º); a segunda
secção apreciava também os compêndios de Desenho (art.º 146.º). Não se manti nha a obrigatoriedade
de os livros aprovados serem su bmetidos ao organismo de sanidade escolar. Em 21 de Setembro de
1921, foi constituída a Com issão encarregada da escolha de Livros para o Ensino Secundário. Na mes­
ma data, a Direcção-Geral do Ensino Secundário fazia publicar uma lista em que reunia, num só d iplo­
ma, "as o bras aprovadas para o ensino das disciplinas que constituem o ensino secu ndário". Incluindo
as que haviam sido aprovadas no Relatório de 15 de Fevereiro daquele mesmo ano, eram um total de
60 obras, que vinham agrupadas em quatro séries:
O b ras aprovadas para o ensino das disciplinas que constituem a 1.ª secção do ensino
secundário: Total 21, repartidas por: Português 8 (6 de leitura e 2 g ra máticas); Francês
3 (2 de leitura e 1 de gramática) ; Ciências Naturais 2; Matemática 6 (5 de aritmética e 1
geometria), Desenho 2.
O b ras aprovadas para o ensino das disciplinas que constituem a 2.ª secção do ensino
secundário: Total 22, repartidas por: Português 3; Latim 9 (5 de método e exercícios e 4
gramáticas); Francês 3; Geografia 1; Ciências Naturais 1; Química 1; Matemática 2; Dese­
nho 2 (1 atlas e 1 de história da arte).
Obras aprovadas para o ensino das d iscipli nas do cu rso complementar de Letras: Total
4, repartidas por: Alemão 1; Latim 1; História 1; Matemática 1.
Obras aprovadas para o ensino das disciplinas do curso complementar de Ciências: Total
13, repartidas por: Ciências Naturais 1; Matemática 11 (aritmética racional l; trigonome­
tria 4; álgebra 2; geometria analítica 3; cosmografia 1); Desenho 1.

Aberto o concurso em 21 de Abril de 1922, foi pu blicada pela D i recção-Geral do En­


sino Secundário uma nova lista com a " Relação das obras apresentadas ao concurso para
a escolha dos livros destinados ao ensino secundário e que deram entrad a nesta Direcção­
-Gera l até às dezasseis horas de hoje" [21 de Abril de 1922] . A nova lista era composta por 54 no­
vas obras que, fu ndamentalmente, i ncidiam sobre d isciplinas que não constavam da relação de 21
de Setembro de 1921. Para a d isciplina de Inglês, eram apresentadas 14 obras, d istribuídas pelas
107 EDUCAR
EDUC�ÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
A REPUBLICA E O LIVRO ESCOLAR
JUSTINO MAGALHÃES

diferentes classes: para a disciplina de Zoologia, 4 obras; M i neralogia 2 obras; Geolog ia 1; Física 3.
Das disciplinas j á existentes, foi para H istória e para a Geog rafia que fora m apresentados mais livros
novos, respectiva mente, 11 e 5 - ainda que já contassem com livros a provados.
Quando do Movimento de 28 de Maio de 1926, por Portaria de 8 de Junho de 1926, foi sus­
penso o concurso aberto em 3 de Setembro de 1925, e a Comissão, entretanto nomeada, foi igualmen­
te suspensa. Face aos interesses dos concorrentes e às necessidades d o ensino, o Governo assumiu a
adopção dum reg ime provisório para a escolha de livros:
"( . . . ) Artº. l.º É anulado o concurso de livros para o ensino secundário, aberto pela portaria
de 3 de Setembro de 1925, e d issolvida a comissão respectiva, nomeada por portaria de 15
de Agosto do mesmo ano.
Artº. 2.º Os conselhos escolares dos liceus, no início do próximo ano lectivo, escolherão
livremente os livros a adoptar para o ano de 1926-1927.
§ único. A escolha dos conselhos escolares deverá recair somente em obras de autores,
proprietários ou editores portugueses.
Art2. 3.º Fica revogada a legislação em contrário."

Ao findar a I República, foi adoptada para o Ensino Secu ndário uma medida semelhante
àquela que os republicanos tinham decretado em 1910: autorizar as escolhas de entre as listagens
aprovadas e confiar a adopção aos Conselhos Escolares. Ou seja, a matéria do livro escolar correu
sempre sob um quadro de rigor, vig ilância e controlo, pelo que nem a quebra do reg ime político forçou
a imediata suspensão de livros em vigor e consequente adiamento do i n ício do ano escolar. Os aspec­
tos formais e o funciona mento dos concursos tinham, entretanto, passado para a Direcção-Gera l d o
Ensino Secundário, que recorria a um corpo de professores em efectivo exercício de funções no ensino
liceal. Organ izados em Com issão Técnica, estes professores deliberava m, proteg idos pelo escru puloso
cumpri mento da legislação. A regi mentalização tinha feito o seu camin ho.

A criação do professor do Ensino Livre (de que dependia, em boa parte, a d isseminação de
8. M issões de Escolas Móveis, intensificada a partir de 1912) fez reacender a dualidade entre a lfabetiza­
ção escolar (leitu ra, escrita e contas) e instrução primária. O professor do Ensino Livre (ambulante)
ficava autorizado a definir o método e a escolher ou aceitar qualquer dos livros que estivessem oficial­
mente aprovados. No final da missão, os a lunos deveriam ser examinados perante o inspector da zona,
e o professor deveria fazer uma exposição local dos trabalhos dos a lu nos. Cabia ao professor, através
de palestras, chamar a atenção dos alunos para a conveniência de prossegu irem a sua formação, pra­
ticando a leitura de textos edifica ntes e portadores de um sentido patriótico.
Não obstante, como ficou su pra anotado, conti nuavam a ser utilizados, no Ensino Regu­
lar e mesmo no Ensino Livre, livros que conti nham i nformação não revista de acordo com o ideá­
rio republicano. O assunto foi objecto de recorrente debate no Parlamento, designadamente nos
anos de 1912 e 1913, sendo frequentes as propostas de uma revisão integral dos livros adopta­
dos, como protecção da diversidade. Por contraponto, não raro ressaltava a argumentação so­
bre a conveniência de um reg ime de uniformidade. Foi particularmente sobre o livro para a ins­
trução primária que, ora com base numa argumentação política, ora com base numa argumenta­
ção pedagógica, esta dualidade de posições se tornou mais notória. Nos termos do Decreto n.º
5787-A, de 10 de Maio de 1919, que conti nha o Regulamento do Ensino Primário, prom ulgado na
sequência da reorgan ização dos serviços de instrução primá ria levada a efeito pela Direcção­
-Geral do Ensino Primário e Normal, ficou determinado:
"Art.2 9.2 O ensino primário geral deve ser essencialmente activo, partindo sempre da con­
vivência do aluno com as realidades físicas e sociais.
§ 1.º Serão dispensados, quanto possível, os livros, especialmente os destinados ao ensino
do cálculo, da geometria, do sistema métrico, do desenho e das sciências naturais.
§ único A leitura deve porém fazer-se em mais de um livro."

No mesmo sentido se pronunciou, de forma recorrente, Faria de Vasconcelos, dando curso


ao ensino activo, para o que não bastava a experimentação, sendo fundamental que a criança apren­
desse de forma i ntuitiva e praticasse um cruzamento de informação, acedendo a uma variedade de
dados. Para ta l, era primeira condição que lhe fosse posta à disposição uma d iversidade de livros,
relatos, jornais:
"Dane livres en abondance, revues, magazines, journaux constituent de précieuses mines
de documents. Et tout cela est d'autant plus indispensable que naus n'avons pas de ma­
nuels à l'école. Naus n'en suivons aucun. C'est la guerre ouverte, franche et décidée aux
trésors d'immobi lité et d'uniformité du compendium. Et cela aussi bien pour des raisons de
programme, car il n'y a point de manuels élaborés en harmonie avec notre plan d'études,
que pour des motifs d'ordre spi rituel. Pour développer chez l'enfant l'esprit critique, l'esprit
de contrôle, et créer chez lu i des habitudes de documentation et de recherche, il faut abso­
lument le libérer de l'esclavage intellectuel et moral du manuel."16

De forma consequente e não contrariando o sentido de modernização subjacente à Escola


N ova, os assu ntos da Educação Escolar e do Ensino congregavam amplos sectores da sociedade por­
tuguesa, nomeada mente em movimentos de opinião, de que se destacou a Seara Nova. Associada a
este Grupo, foi apresentada no Parlamento, pelo deputado João Camoesas, em 22 de Junho de 1923,
uma Proposta de Lei sobre a reorganização da ed ucação nacional, que incluía o assu nto dos livros
escolares nas atribu ições da Inspecção Técnica de Ensino. Era esti pulado que o corpo técn ico
"( . . . ) organizará a cultura intelectual nas escolas a seu cargo segundo os princípios moder­
nos da pedagogia scientífica, tendo por objecto não só o desenvolvimento das faculdades
e aptidões dos alunos, mas também a criação de hábitos de trabalho pessoal, de iniciativa
mental e aquisição dos conhecimentos indispensáveis em cada disciplina e da sua técnica
( . . ) . A I nspecção Técnica elaborará instruções precisas e pormenorizadas, de harmonia
.

com a didáctica moderna para a redacção de livros destinados ao ensino."17

Seguramente, a inclusão do livro escolar no âmbito da Inspecção Técnica do Ensino trazia


um sentido pragmático, mas não deixava de abrir lugar à un iform ização e, porventura , à un icidade. Não
menos convergente com esta tecnologia pedagógica era a perspectiva de uma sociedade republicana
patriótica, h ierárquica e corporativa. Editado em 1922, a capa do Livro de Leitura para a 3. ª Classe, da
autoria de João G rave18, comprometia, agregadas pelo ra mo de oliveira, a República das Letras, em
cima, e o Mundo do Trabalho, em ba ixo19. Em primeiro plano, os fundadores da Pátria: um camponês­
serrano, logo encimado por Alexandre Herculano - a economia rural e a consciência nacional. Com­
punham a República das Letras: Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós e João de
Deus. Complementavam o quadro laboral: a camponesa (minhota ou beirã), um apanhador de arroz e
duas ceifeiras. Ci nco individualidades em cima, devida mente nomeadas e personificadas; cinco anóni­
mos cam poneses, etnograficamente acantonados, em baixo. Na página de rosto, aparece a figura da
República Portuguesa majestaticamente sentada, tendo, na mão direita, a espada e, na esquerda, o
ramo de oliveira; sob os auspícios desta fi gura, e dando curso ao lema da legenda ("Paz e Trabalho"), a
guerra cedia lugar à i nstrução - os cavaleiros rendiam-se aos escritores, a espada dava lugar à pena.
Desti nado ao terceiro ano da I nstrução Primária (ano terminal para a generalidade dos escolarizados),
o livro de João Grave conti nha a enciclopédia básica, inclu indo os modernos inventos, conhecimentos
úteis, i nformação histórica, com vincado teor patriótico; abria para as profissões; facultava uma série
de formulários e cálcu los úteis para, sob a modalidade de formas de trato, missivas ou contratos,
tornar a escolarização aplicável na resolução do quotidiano. Ler era instru ir-se.
109 EDUCAR
EDUC�ÇÃO PARA TODOS. EMSIMO MA I REPÚBLICA
A REPUBLICA E O LIVRO ESCOLAR
JUSTINO MAGALHÃES

Diversificar ou un ificar os livros escolares - eis duas pedagogias, duas perspectivas dis­
'· ti ntas sobre a escola: uma escola de alfabetização ou uma escola estruturante da cultura letrada;
uma cultura escolar que representa uma corporação social hierárquica do mundo do trabalho para a
República das letras ou, ao contrário, que prefigura a modernização como uma dia léctica entre dois
modelos e dois mu ndos, enfim, como construção sociocultural e não como configuração segmentada
resu ltante da assimi lação e da convergência dos elementos social e cultural. De novo a regi mentali­
zação, assimiladora e orgânica, tinha cumprido o seu caminho. Nada mais evidente para prová-lo que
verificar o destino histórico do livro escolar, cada vez mais retirado da sociedade e mais fechado numa
moldura técn ico-pedagógica. De facto, com chancela da Direcção-Geral do Ensino Primário e N ormal,
o Decreto n .º 10 597, datado de 28 de Fevereiro de 1925, elaborado sob uma atmosfera de urgência e
benignidade, consignava:
"Atendendo à necessidade e urgência de se fazer uma revisão dos programas do ensino
primário geral e primário superior, de modo a obter-se um maior rendimento do trabalho
produzido pelos respectivos professores e bem assim a ligação lógica e natural entre estes
dois g raus de ensino;
Convindo, simultaneamente, estabelecer as bases e consignar cuidadosamente os precei­
tos a que devem subordinar-se as obras d idácticas a adoptar nas escolas primárias; ( . . . ) Hei
por bem ( ... ) decretar o segui nte:
Art.º 1.º A fim de se proceder à revisão dos programas do ensino primário geral e primá­
rio superior, dos di plomas que regulam a distribuição dos serviços de regência nas várias
escolas, e bem assim à fiscalização e estabelecimento de normas a seguir para a adopção
dos livros de ensino, será nomeada pelo Governo uma comissão que funcionará junto da
Direcção-Geral do Ensino Primário e Normal.
Art.º 2.º Desta comissão, a que presidirá o respectivo d i rector-geral, farão parte os directo­
res das Escolas Normal Superior e Normal Primária de Lisboa, dois inspectores escolares,
um professor de ensino primário superior e dois professores de ensino primário gera l."

À semelhança do que já havia sido decretado, concentrando na Direcção-Geral do Ensino


Secu ndário a abertu ra de concurso, a aprovação e a ci rculação dos livros do Ensino Liceal, tam bém o
livro escolar do Ensino Pri mário e Normal ficava confiado à respectiva Direcção-Geral. O livro escolar,
que já tinha sido objecto de acesos debates na Parlamento e em que interferiam distintos sectores da
sociedade, ficava deste modo circunscrito ao quadro orgân ico-funcional da nomenclatura docente e
da burocracia estatal. Assim, pois, conclua-se: não foram as mudanças de regime político que trouxe­
ram as mais drásticas transformações à política e ao destino dos livros escolares.

NOTAS

J.M. Sobral Cid, Relatório do Ministério da Instrução, in Obras 1/. Outros Temos Psiquiátricos. Problemas· de Ensina e Outros
Temas, 1877-1941, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, pp. 363-400.
J.M. Sobral Cid, op. cit., p. 399.
ld., ibid.
Cf. Anexo.
Antoine Prost, "Quand savoir lire devient obligatoire, 2. Apprendre à lire pour les républicains", Le Monde de l'Éducotion,
Octobre 2008, pp. 64-65.
Para além das melhorias de carácter técnico, o manual republicano inseria-se num novo modo de ler, em que o tema era o
elemento organizador, quer quanto aos conteúdos, quer quanto à configuração do livro. Assim, ora o livro escolar remetia
para a complementaridade de informação e para a diversidade de opiniões, levando o leitor a circular de livro em livro, ora
congregava no mesmo livro diferentes tipos de texto referentes a u m mesmo assunto. No caso francês, ficou célebre a obra
escolar Tour de France, sucessivamente reeditada, que, organizada sob a modalidade de roteiro, continha todo o tipo de
informação útil para o viajante (escolar) conhecer e poder orientar-se em cada terra que visitava.
J.M. Sobral Cid, op. cit., p. 391.
Percorrendo os Debates Parlamentares do ano de 1915, verifica-se que a questão das Escolas Móveis foi recorrente nos
debates, quer por parte de deputados que entendiam dever ser mantida essa solução escolar, quer por parte de outros que
a denunciavam como precária e servindo conveniências políticas.
Cf. Anexo.
10
A versão aprovada foi a seguinte: Livro de Leitura para as Escolas de Instrucção Primária. Approvado por decreto de 4 de
Setembro de 1903 para a 2.ª e 3.ª classes e organizado por D. João da Câmara, Maximiliano de Azevedo e Raul Brandão,
Lisboa, Depósito Livraria Ferreira [Ferreira & Oliveira, Livreiros - Editores ] , 1904.
11
Cf. D. João da Câmara, José Antonio de Freitas, Maximiliano de Azevedo e Raul Brandão (orgs.), O Livro das Creanços Por­
tuguezas e Brazileiras, Lisboa, Livraria Ferreira Editora, 1909, pp. 5-6.
12
Livro de Leitura poro os Escolas de Instrucção Primária. Approvado por decreto de 4 de Setembro de 1903 para a 2.ª e 3.ª
classes e organizado por D. João da Câmara, Maximiliano de Azevedo e Raul Brandão, Lisboa, Depósito Livraria Ferreira
( Ferreira & Oliveira, Livreiros - Editores] , 1904, p. 5.
13
Vicente Almeida d'Eça (lente da Escola Naval), Corografio de Portugal. Noções elementares, nova edição, Porto, Companhia
Portuguesa Editora, s/d.
14
Francisco Veyrier e José Vicente de Freitas [professor] , Nova Selecta do Ensino Primário (2. 2 grau). Livro de leitura poro a
4. ª classe, Lisboa, Corrêa & Rapoza, Editora, 1910.
15
Cf. República Portuguesa, Diário da Câmara dos Deputadas, 39.ª Sessão, 23 de Janeiro de 1912. Na sequência, o deputado
referiu que continuavam a ser adoptados os antigos livros e leu a página 21 de um deles, onde constava "Padre nosso, que
estais nos céus, etc.".
16
Faria de Vasconcelos, Obras Completos, vol. 11, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2000, pp. 55-56.
17
Proposta de Lei sobre a reorganização da educação nacional (Base 16.ª), in Diário do Governo, n.º 151, l i Série.
18
João Grave, Livro de Leitura para o 3. ª Classe, Porto, Livraria Chardron de Lelo & Irmão, Lt. Editores, Lisboa­
-Paris, Livraria Aillaud e Bertrand, 1922.
19
Cf. Anexo l i - Gravura.

AIIEXO I
P R I M E I RA LI STA DE LIVROS APROVADA P E LA R E P Ú B L I CA
D I R ECÇÃO-GERAL DA I NSTR U ÇÃO P R I MÁRIA
2 . � R E PARTI ÇÃO

Nos termos do art2. 350.2 do regulamento de 19 de Setembro de 1902, foi remetido ao Conselho Superior de Instrução Pública o
processo sobre livros a aprovar, destinados ao ensino primário e normal, segundo os concursos abertos em 22 de Abril de 1909
e em 12 de Dezembro de 1908, e que são de leitura para a 4.ª classe, desenho, caligrafia, agricu ltura e corografia de Portugal.
Para cumprimento do §2.º do citado art2. 350.2, foi publicado no Diário do Governo o parecer geral da Companhia Técnica para
dentro de oito dias poderem reclamar os interessados;
Considerando que devem ser aprovados os livros que obtiverem parecer favorável da Comissão Técnica, fundamentado nos
pareceres especiais;
Considerando que devem ser aprovados os livros dos reclamantes que com boas razões fundamentaram o seu recurso;
Considerando que o Governo da República deve à memória de Trindade Coelho o reconhecimento do mérito dos seus trabalhos
sobre educação popular:
Hei por bem decretar o seguinte:
Artº. l."
São aprovados como Livro de Leitura para a 4.ª Classe das escolas primárias: O Terceiro Livro de Leitura, por Tri ndade Coelho;
as Leituras poro a 4. ª Classe, por José Bartolomeu Rita dos Mártires, José Nunes Baptista e António Francisco dos Santos, este
depois de satisfeitas as ind icações da Comissão Técnica; as Leituras do 4. ª Classe, por Filipe de Oliveira, este depois de também
haver satisfeito as indicações da referida comissão; o Livro de Leitura, por Amália L uazes dos Santos Monteiro Leite; as Leituras
Modernas, por um grupo de professores, este depois de suprimidos os trechos pela Comissão Técnica indicados; o Terceiro Livro
de Leitura, por Ulisses Machado, que deverá ser revisto conforme o parecer da mesma comissão; o Livro de Leitura, por D. João
da Câmara, Maximiliano Azevedo e Raúl Brandão, este depois de uma revisão muito cuidadosa como a Comissão Técnica indica;
o Livro de Leitura, por Júlio Brandão; o Livro de Leitura, por José de Carvalho e Silva, José Nunes da Graça e José Joaquim
Oliveira; as Leituras Escolares, por Fortunato Correia Pinto e José Nunes da Graça; o Livro de Leitura, por Manuel Pereira, este
depois de eliminados os trechos pela Comissão Técnica ind icados; a Nova Selecta, por Francisco Veyrier e José Vicente de
Freitas, com exclusão dos trechos indicados pela mesma Comissão.
Artº. 2.º
São aprovados para o ensino do desenho nas escolas primárias as segui ntes obras: Desenho, 1.ª, 2. ª e 3.ª Classes, por José
Vicente de Freitas; Desenho Escolar, por Manuel Antunes Amor; Elementos de desenho, por A F. Miranda Dinis e A Marinho da
Silva; Desenha escolar, por Emília Quintino Pinto; Exercícios graduados de desenho, por Albino Pereira Magno; Elementos de
desenho, por João de Avelar; Método racional de desenho, por Manuel Maria de Melo; Exercícios de desenho, por José Miguel de
Abreu; Desenho, por Augusto Ladeira; Desenho dos escolas primários, por  ngelo Vidal; Opúsculo de desenha destinado à 4.ª
classe, por José Vicente de Freitas.
Art2• 3.2
São aprovados para o ensino da caligrafia nas escolas primárias os Cadernos caligráficas n.0' 1-4, Pautas auxiliares n.o' 1-4,
Pautas elementares n.o s 1-4, Pautas de letras francesa e gótica, Trasladas de cursivo, Traslado de bastarda e modelos caligráficos,
de José Augusto Garcia Mourão, com a declaração de que à 3.ª classe se destinam os Cadernos caligráficos n.0' 1-4, as Pautas
auxiliares n.0' 1-4, as Pautas elementares n.0' 1- 4, e à 4.ª classe as obras restantes: A escrita das escolas primárias em cinco
III EDUCAR
EDUC�ÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
A REPUBLICA E O LIVRO ESCOLAR
JUSTINO HAGALHÃES

cadernetas, por  ngelo Vidal; o Método de escrita direita, por António Lopes do Amaral; o Método prático de escrita usual, por
Aillaud & Cª; O novo método de caligrafia, por J. Monteiro; o Método de caligrafia em sete cadernos, por José Nunes dos Santos;
os Cadernos de escrito, por J. Cruz; e os Exercícios caligráficos, de Raúl Dória.
Artº. 4.º
São aprovados, para o ensino da agricultura das escolas primárias, os Rudimentos de agricultura, por António Xavier Pereira
Coutinho; os Rudimentos de agricultura prática, por O. Luís de Castro, e as Lições elementares de agricultura, por João da Mota
Prego, ficando este autor obrigado a rever cuidadosamente o seu livro, segundo as indicações do parecer do relator.
Artº. s:
São aprovados para o ensino da Corografia de Portugal nas escolas primárias os livros Corografia portuguesa, por José Nicolau
Raposo Botelho; Primeiras lições de corografia portuguesa, por Acácio Guimarães; Corografia sumária de Portugal, por Eurico
de Seabra, e Corografia de Portugal, por Vicente de Almeida de Eça.
Artº. 6:
Todos os livros que por este Decreto são aprovados deverão ser sujeitos a uma muito cuidada revisão e autorizados segundo as
novas Instituições Republicanas do Estado, dentro do prazo de q uarenta dias, passados os quais todos os livros poderão ser
postos no mercado, depois de previamente aprovados pela inspecção médica.
§ único. Fica entendido que, visto tratar-se duma reforma que torne o ensino primário condigno da educação, que o Governo da
República deve preparar ao povo português as aprovações agora decretadas são feitas sem prejuízo daquela reforma.

Paços do Govêrno da República, em 21 de Novembro de 1910. - O M i nistro do I nterior, António José de Almeida.

Diório do Governo n. o 11, de 22 de Novembro de 1910


IIJ

MARGARI DA LOURO FELGU EIRAS Ao tenta r restitu ir imagens do professorado primário na


UNIVERSIDADE DO PORTO República, verificamos que elas reflectem mu itas das
esperanças, dificuldades, i m passes históricos e concreti­
INTRODUÇÃO
zações do novo modelo político. A i m agem da República
representou para o grupo profissional dos professores primários um horizonte de espera nça e pro­
gresso. Neste sentido, pretendemos ana lisar distanciadamente a República através da situação do
professorado primário, celebrando-a no aprofu ndamento do seu significado histórico, das promessas
e obras realizadas no seu contexto específico.
Na amálgama do movimento repu blicano do final d o século XIX, de onde i rá emergir,
cruzam-se a herança ilumin ista com o socialismo utópico, o a n arco-sindicalismo, o pensamento
maçónico e o movim ento sufrag ista. Todos recla maram por educação, para a co nstrução de um
novo tempo. A pesada rea lidade portuguesa, com uma população maioritariamente a n a lfa beta,
onde faltavam casas de escola e a formação de professores, e ra a i nda frágil, im p u n ha-se à consci­
ência repu blicana. Apesa r de esmagadoramente católica, a sociedade portuguesa desenvolveu um
espírito a nticlerical, sem este se trad uzir, contudo, em disciplina social e valorização pessoal, que
caracterizou os países de i ncidência protestante e fomentou a a lfabetização e escolarização das
massas popu lares. A incip iente ind ustrialização também não se assu m i u como m otor d a p rocura
educativa em Portugal, tendo sido o comércio, sobretu do as actividades exportadora e im portadora,
a promovê-la.
No período que vai de meados do século XIX ao início da República, a figura do mestre­
-escola é caricaturada como masculina, rude, pobre e mesmo miserável, representação que se en­
contra nas antípodas dos discursos políticos sobre a sua i m portância social. A breve trecho, a crítica
mordaz tenderá a suavizar a pobreza, a salientar um pretenso saber livresco e a acrescentar o epíteto
de "camarada primário". Esta representação reflecte toda uma mudança profissional e educativa, que
leva a burguesia e o poder político que a representava a colocar esta profissão sob suspeita política,
no preciso momento em que se afirma socialmente. O movimento de aproximação dos professores
pri mários ao sector operário, que se esboça no início dos anos vi nte, gera desconfia nça e temor face à
sua acção e revela uma mistura de animosidade e desprezo por um g rupo profissional, que se tornou
visível no espaço pú blico.
Na caracterização do professorado primário da Repú blica , procuraremos distinguir entre
estes profissionais os vários grupos que o constitu íam, restitu indo a d iversidade que co mpunha este
campo profissional: o/a professor/a público/a particular, das Escolas Móveis, do Ensino Primário Su­
peri or, das zonas rurais, das cidades. Os professores ou as professoras? Podemos dizer que "o cama­
rada" era j á maiorita riamente uma fig u ra femi nina no i n ício da República. Ora, toda esta d iversidade
tende a ficar su bsumida e a ser apresentada como uma realidade homogénea, ao fa larmos d o pro-
fessorado primário.
TORNAR-SE PROFESSOR NA REPÚBLICA
Nas últimas décadas da Monarquia Constitucional, organ izara-se finalmente um sistema de
formação de professores que se i ria afirmar, progressivamente, como a entrada exclusiva na profissão.
Simultaneamente, a freq uência das Escolas Normais, em alguns casos em regime de i nternato ou
residências de estudantes, permitiu, pela convivência, a formação de um ethos profissional constituído
pela partilha de saberes, experiências, crenças sobre a escola, a criança, a transformação social, a im­
portância da educação e do papel do professor na sociedade. Num certo sentido, foi a ideologia sobre
a escola e a educação que propiciou não só a aproximação ao ideário republicano, como ao movimento
sindical de carácter operário, já nos anos 20. Quando se dá a implantação da República, a entrada na
profissão exigia como habi litação o di ploma das Escolas Normais e era exercida maioritariamente por
mu lheres, apesar da entrada tardia destas no ensino oficial1. Mas ainda se poderiam encontrar na do­
cência professores/as formados/as num modelo de formação de ofício, de aprendizagem pela prática,
atestada por prova pública, que lhes dava, também, ingresso na profissão, ou mesmo professoras
formadas no ambiente familiar, de transmissão oral e prática dos saberes comuns ao género fem ini no.
E encontram-se na im prensa e nas reun iões de classe referências e protestos relativos à colocação de
pessoas no ensino sem habi litação, preterindo di plomados pelas Escolas Normais.
Se a existência de uma formação com um tem sido sublinhada na investigação como um ele­
mento que favorece um sentido de pertença ao grupo profissional e a construção de uma identidade
profissional2, ela não determ ina nem a unidade na acção nem o desa pareci mento de clivagens entre
professores e professoras. Apesar de na República o professorado ter ati ngido uma g rande u n idade
em torno de objectivos comuns, detectável entre 1918 (criação da U nião do Professorado) e o Con­
gresso de 1926, é possível discernir no seu seio clivagens de ordem geográfica entre áreas urbanas
e rurais, por sectores de ensino, de origem social, de género, e ideológico-educativas, que emerg iram
mais claramente no final da República e início da Ditadura (Congresso de Viseu de 1927) .
A afirmação do/a professor/a como profissional passou pela dign ificação da profissão,
com a re ivindicação de condições de vida e salário condignos, pela exigência de formação recon he­
cida através d e d i p loma, co nstituída por um saber específico - o pedagóg ico - que os d i sti n g u i a
de m u itos outros que ensinavam a l er e escrever e pelo vínculo ao Estado. A i m portância deste
vínculo para os professores é bem patente na desig nação que usam para se d iferenciarem dos
demais que podiam ensina r - a de " professores primários oficiai s". Assi m, em 1918, ao constitu í­
rem a estrutura sin dical, que iria conduzir todo o processo reivi ndicativo, ela é designada U n ião
do P rofessorado Primário Oficial Português. Era s i m u ltanea mente um elem ento d e coesão e d e
separação, de todos/as aqueles/as que exercitavam a liberdade de ensi nar sob diversas form as: a
título g racioso, precário, como profissio nal li beral, criando escola particular onde ensina, ou tra ba­
lhador depend ente, leccionando em casas de fa mília ao domicílio ou trabalhando e m colégios. Ser
professor oficial e ra exercer uma profissão a te mpo i nteiro, que tinha o estatuto de u m serviço, cuj a
q u a lidade é garantida pelo Estado e para a qual s e estava leg itimado p o r exame ou p o r d i ploma das
Escolas Normais, trabalho que se presta segundo u m código de obrigações e d ireitos, a dar forma
a uma ética d e serviço público que lhes conferia autoridade face às populações. Não se confu ndia
com uma actividade li beral q u e vi sasse o lucro, pautada pelas leis da oferta e da p rocura, nem a
especificidade da matéria-prima com qu e tra balham se poderia comparar a objectos/produtos.
Ficaram, assim, fora da U nião os docentes particulares, quaisquer que fossem os seus es­
tatuto e vínculo laboral, que no início do século XX ainda eram em número elevado. A escola pública
republicana, direccionada a todos, era de facto uma escola popular, embora não garantisse o acesso
de todas as crianças ao ensino. Atendia alguns sectores da classe média rural e urbana, dos meios
proletários citad inos e rurais, servida por u m funcionário do Estado, o "professor primário oficial". A
burguesia evitava o contacto com os estratos sociais subalternos e deles afastava os seus filhos e
filhas, para quem preferia os colégios e escolas particulares de vário tipo (de associações culturais
115 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. EMSIMO MA I REPÚBLICA
O PROFESSOR PRIMÁRIO E AS SUAS IMAGEMS
MARGARIDA LOURO FELGUEIRAS

e recreativas, de instituições de apoio social, particulares) que proliferavam sobretudo nas cidades.
Assim, os/as professores/as oficiais reclamam pelo vencimento e regalias de funcionário, de acordo
com a importância das suas habilitações, embora sublinhem a dimensão ética do seu trabalho. Fazem
valer nessas reivindicações a sua formação e a natureza específica do trabalho - instruir e educar as
crianças, futuros cidadãos da República. Em 1920, a República equipara o seu vencimento ao dos 3.05
oficiais das repartições públicas (Decreto n.º 7125, de 17 de Fevereiro)3. Com uma alta consciência da
sua missão social junto das populações analfabetas, o professorado defende um estatuto específico,
mas recusa o modelo de profissão liberal, ciente de que a educação era uma obrigação do Estado.
Nesse sentido, estes homens e mulheres viram-se a si mesmos como obreiros da República e das
suas promessas de igualdade e progresso social.
O professorado particular, cuja formação era muito variada, dependendo do estrato social
de origem, leccionava em escolas particulares, próprias ou de outrem (investidores, familiares), e ti­
nham geralmente um público-alvo bem definido. Muitas vezes assumia a forma de empresa familiar,
em que são mulheres que dirigem escolas em regime de internato e/ou externato, e os maridos ou
familiares masculinos assumem a direcção do negócio, tratando elas da pedagogia, do ensino e da
disciplina interna. Em alguns casos, essas mulheres associam-se para pôr a funcionar um colégio,
outras vezes, quando pensam em reformar-se, cedem as participações da empresa a alunas que
lhes foram próximas e se dispõem a seguir o mesmo modelo. A formação destas directoras, até aos
anos 20, não era certificada através de diplomas. Os colégios publicitam, nos jornais e através de
folhetos e brochuras, a abertura, fecho, actividades culturais que desenvolvem, como saraus, mas
são tardios a exibir as habilitações certificadas dos seus docentes. No Porto, referenciámos uma
família de professores em que o marido era professor oficial e a esposa dirigia um colégio, tendo
ainda a família a propriedade de uma livraria, e ele a direcção de um jornal para o professorado.
Apesar da tentativa de delimitação de professores oficiais e particulares, na realidade havia, mesmo
assim, aproximações a nível associativo e uma certa capilaridade entre estes dois modos de exercer
a profissão.

O PROFESSOR PRIMÁRIO FACE AOS PROFESSORES DE OUTROS NIVEIS DE ENSINO


O espírito de afirmação do professorado primário fazia-se na delimitação do seu campo de
actuação, em confronto com outros educadores, como os das Escolas Móveis, do Ensino Primário
Superior, do Liceu ou das Escolas Normais, sempre que viam no exercício desses docentes um cercear
do seu campo de actuação.
As Escolas Móveis (1882), surgidas durante a Monarquia pela acção de Casimiro Freire,
que fundou a Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus como instrumento de alfa­
betização popular e política, foram oficializadas pela República em 1913, tendo sido posteriormente
criticadas pelas organizações de professores e na imprensa pedagógica. Acusavam os Governos de
quase não incluírem professores primários oficiais, de as colocarem ao serviço do Partido Republicano
e serem constituídas por pessoas que mal saberiam ler. Acusam o poder de não pagar a tempo as
despesas com iluminação nas escolas com aulas nocturnas e gastar dinheiro com as Escolas Móveis,
de resultados duvidosos. Ora, uma análise aos nomeados a trabalhar nas Escolas Móveis revela a
existência de pessoas com habilitações literárias de nível secundário e superior, embora não fossem
portadores do conhecimento distintivo dos professores - o saber pedagógico -, pelo que as críticas só
eram parcialmente justas e evidenciam pouca abertura dos professores para aceitarem outras formas
de combate ao analfabetismo, que a República apoiou (Liga Popular Contra o Analfabetismo, 1914,
Universidade Popular Portuguesa, 1919). Sobretudo, manifestam um certo temor pela perda de influ­
ência no seu campo de actuação e perspectivam-na como uma desvalorização da própria formação,
que receberam e exigiram.
117 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TqDOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
O PROFESSOR PRIMAR lO E AS SUAS IMAGENS
MARGARIDA LOURO FELGUEIRAS

plementada a co-educação. Temiam, talvez, maior subordinação face aos professores. No Congresso,
questionaram a iniquidade da lei que as discriminava e o silêncio dos colegas homens perante uma
ofensa à sua competência como profissionais, incitando a que se demonstrasse que elas eram 'menos
capazes, menos responsáveis, menos cumpridoras, menos competentes que os seus colegas. Chega­
ram a fazer uma representação ao Presidente da República sobre a co-educação e defenderam a "edu­
cação da mulher pela mulher", desde o jardim-escola até à Universidade. Entre esse grupo figurava a
professora Amália Luazes, fundadora do Instituto do Professorado Primário Oficial Português, também
ela pertencente às primeiras levas de professoras formadas na Escola Normal Feminina-do Porto. Ain­
da que o Congresso se tenha solidarizado com o movimento das professoras e assumido a sua defesa,
notava-se que aos professores não agradava "a educação da mulher pela mulher" e eram, em grande
parte, defensores da co-educação. Mas as próprias direcções da União foram quase exclusivamente
masculinas, tendo encontrado apenas o nome de uma professora, apesar de elas participarem activa­
mente na organização e nos congressos. Era para "compor o ramalhete", como então e ainda hoje se diz.
A República, ao não reconhecer as mulheres como cidadãs de pleno direito no ensino, no
trabalho e na participação política, permitiu a afirmação de uma mentalidade patriarcal e conserva­
dora, que se propusera combater, ao afirmar a necessidade de construir "o homem novo". Há, porém,
uma medida positiva, de grande impacto social, que foi a dispensa de serviço docente às professoras,
casadas ou não, por dois meses, no último período da gravidez e a seguir ao parto, conservando todos
os vencimentos e subsídios (Decreto n.º 6820, de 18 de Junho de 1920, e Decreto n.º 7704, de 7 de
Setembro de 1921). De algum modo, a forma como as professoras foram tratadas pela República
espelha as contradições e os impasses em que ela estava mergulhada.

DAS ESCOLAS NORMAIS ÀS ALDEIAS: A VIDA DO PROFESSORADO RURAL


Se o saber especializado, adquirido através da formação nas Escolas Normais, contribuía
para a valorização simbólica do professorado, o estatuto da profissão, na sua dimensão concreta
do salário e do viver quotidiano, teve de ser feito através de reivindicações conduzidas pela orga­
nização associativa, pela acção junto da imprensa e pela pressão sobre as instâncias de Governo.
A preocupação com as condições de vida esteve sempre presente entre os professores, desde a sua
primeira organização (1813-21), e traduz um traço específico do professorado português ao longo de
toda a sua história, que se pode correlacionar com factores estruturais da sociedade. A República
elevou os salários dos "obreiros da civilização", principalmente no período entre 1919 e 19245. No
contexto devastador da Primeira Guerra Mundial, com a fome e a carestia de vida que acarretou, em
breve o aumento foi engolido pela inflação, tornando a situação extremamente precária, agravada
pelo atraso no pagamento dos salários.
Os salários e subsídios (de residência, de renda de casa, de exercício) que recebiam eram
diferenciados segundo a categoria das escolas. Estas estavam divididas em três categorias, segundo o
tamanho e a importância das localidades: as de 1.ª situavam-se em Lisboa, Porto ou Coimbra, as de 2.ª
em cidades e algumas vilas, e as de 3.ª em vilas, aldeias e lugares6. Havia a obrigatoriedade de os pro­
fessores começarem por concorrer para as escolas de 3.ª categoria e só ao fim de alguns anos pode­
rem confluir para as de escolas de 1.ª, as mais procuradas7. Defendiam que, nas cidades, o alojamento
e o custo de vida, em geral, eram mais altos. Estes argumentos foram refutados em assembleias e
congressos de classe, alertando para as dificuldades dos professores e professoras no meio rural.
A verba para a renda de casa, que integrava o vencimento, era dita insuficiente pelas associações, para
a totalidade dos docentes. A situação remuneratória, por si só, faz emergir a diferenciação entre zonas
do País, as cidades e as zonas rurais.
A situação nas regiões rurais tendia a ser um pouco esquecida, mesmo no discurso dos
professores, o que deu lugar a artigos e comunicações a Congressos sobre as dificuldades da vida dos
A implementação do Ensino Primário Superior em 1919, inicialmente aplaudida, foi alvo de
fortes críticas e denúncias dos professores, quando se aperceberam de que quem nelas pontificava
eram os professores liceais. Assim, assistiu-se nos congressos, na imprensa, em revistas e reuniões
públicas e oficiais a uma crítica aos professores do secundário, que estariam a usurpar o lugar dos pro­
fessores primários, e à reivindicação do direito de ensinar nesse nível de ensino. Para o professorado
primário, os 3 anos que constituíam o Primário Superior e cujo diploma equivaleria ao 3.º ano do curso
liceal eram um ciclo de continuação do ensino primário, logo a docência deveria ser assegurada por
eles, o que raramente aconteceu. Por outro lado, temeram que o apoio do poder local a esse nível de
ensino significasse cortes ao ensino primário geral. Na imprensa, muitos consideraram que se estava
a construir o edifício educativo pelo telhado, sem alicerces sólidos, e que seria preferível investir pri­
meiro em jardins-de-infância e no ensino primário geral, de que havia carência absoluta. A verdade é
que a República não conseguiu criar uma rede consistente de Ensino Primário Superior, pois carecia de
professores e de infra-estruturas, apesar do apoio dos concelhos e de uma pequena burguesia rural.
O estatuto deste nível de ensino permaneceu ambíguo - se de carácter mais técnico ou mais literário.
Aquando da sua extinção, no período da Ditadura Militar, as habilitações dos alunos e das alunas foram
equiparadas à frequência do 2.º e do 3.º anos dos liceus (se completo o ciclo de estudos).
A afirmação do poder e da competência dos professores primários fez-se mesmo à custa
de um certo distanciamento face aos professores das Escolas Normais, que respeitavam profissio­
nalmente, mas de quem não aceitavam ficar na dependência organizativa. A União do Professorado
constitui-se afirmando a autonomia face aos docentes das Escolas Normais, que só eram seus mem­
bros se professores primários, reclamando para si o ensino nas Escolas Móveis e nocturnas e a possi­
bilidade de exercer no Ensino Primário Superior.

A REPÚBLICA E AS PROFESSORAS
Com a nomeação das primeiras mestras régias no início do século XIX, as escolas femininas
foram progredindo lenta mas consistentemente. A criação das Escolas Normais femininas, já no úl­
timo quartel do século XIX, foi um momento decisivo para a conquista do espaço público de trabalho
por um número alargado de jovens mulheres. A experiência destas primeiras normalistas em escolas
dirigidas exclusivamente por mulheres deve ter contribuído para uma imagem de segurança no de­
sempenho da profissão e de autonomia face ao mundo masculino, que atraiu ao ensino as jovens da
pequena e média burguesias, elas que foram inicialmente recrutadas em asilos e nas camadas sociais
mais pobres4. A entrada na Primeira Guerra Mundial ajudou a abrir à actividade profissional das mu­
Lheres outros domínios sociais: telefones e telégrafos, enfermeiras militares, secretarias dos ministé­
rios, além da indústria e do sector dos serviços, como os seguros e a banca. O campo de trabalho que
se lhes abria exigia alguma formação académica. Para o ensino primário, passou a ser necessário o 3.º
ano do curso geral dos liceus, ou o Curso Primário Superior, a que se seguiam três anos de formação
nas Escolas Normais. Contudo, a República manifestou grande desconfiança face às opções políticas
das mulheres, não lhes reconhecendo o direito de voto e reservando lugares de alguma relevância
social para os homens. Na fusão a que se procedeu das Escolas Normais Femininas e Masculinas em
escolas mistas, esta deu-se sempre a favor dos homens, que ocuparam os cargos de chefia, excluindo
deles as professoras. Nesse momento, já as raparigas eram em maior número que os seus colegas
masculinos. Também, na tensão gerada pela rarefacção do emprego no final da Guerra, a República
arbitrou a disputa a favor dos homens, reservando-lhes lugares no aparelho do Estado. No caso das
professoras, já francamente maioritárias na profissão, a Reforma de 1919 confina-as à docência da
1.ª à 3.ª classes e retira-lhes os lugares de direcção das escolas mistas, onde os professores detinham
a preferência. Só os poderiam assumir nas escolas femininas. Contra esta discriminação se insurgiram
as professoras no Congresso de Coimbra de 1920, assim como contra a forma como estava a ser im-
professores nas aldeias. Pelo sistema de colocações, os professores deambulavam pelo País, com as
dificuldades que isso significava de alojamento (poucas escolas tinham residência do professor, e as
juntas de freguesia não garantiam a habitação), de transporte dos seus pertences e de abastecimento
em povoados, onde por vezes não existia uma loja ou venda. Apesar de a legislação facilitar a coloca­
ção dos professores nas suas terras de origem, no caso de os lugares estarem a concurso, pela apro­
ximação dos cônjuges, quando funcionários públicos, isso não abarcava a maior parte dos docentes.
No meio rural, o alojamento e os bens de consumo eram escassos, os/as professores/as deslocados/
/as viviam em situações precárias, tendo necessidade de tudo comprar. As próprias populações com­
preendiam as dificuldades dos professores enviando-lhes, através dos filhos, hortaliças e mercearia.
Em algumas povoações, permanecem até hoje festas de oferendas, cujo dinheiro daí resultante ou as
próprias oferendas eram destinados ao professor/a, como reconhecimento pelo seu trabalho e dedi­
cação, com o intuito de eles não abandonarem a escola.
Os/as professores/as dos centros urbanos, com vida igualmente difícil, rendas de casa mais
elevadas, podiam dedicar-se a outras actividades, como revisores de provas tipográficas, fazendo
escrituração comercial, trabalhando em jornais, administrando papelarias a cargo do cônjuge ou de
outros familiares, colaborando com a indústria nascente dos livros e cadernos escolares. Estavam
perto da informação e dos equipamentos sociais próprios do espaço urbano. Teriam mais facilidade
em educar os filhos e filhas, pela proximidade dos liceus e a existência de alguns transportes, o que é
demonstrado pela procura das escolas nos centros urbanos, no momento dos concursos.
A origem social muito diversificada do professorado acaba por dar origem a estratificações
dentro da própria profissão docente. A partir da candidatura ao Instituto do Professorado Primário
Oficial Português, instituição criada pela professora Amália Luazes, inaugurada em 1916, foi possível
uma primeira abordagem às condições de vida do professorado das zonas rurais. Equacionamos aqui
alguns aspectos que ajudam a caracterizar a vida destes professores, no contexto de um País de débil
industrialização, permanência de estruturas económicas e sociais arcaicas.
Na República, abalada pela Guerra e pela pneumónica, com efeitos devastadores sobre a
população e o tecido económico, a tuberculose era um espectro sempre presente. A iniciativa de Amá­
lia Luazes teve em conta a pobreza de muitos professores/as e a impossibilidade de educar os filhos e
filhas, sendo que a instrução das meninas era a primeira a ser sacrificada. A sua iniciativa mereceu o
apoio da classe. Nas lutas travadas para pôr em funcionamento o Instituto e pelo controlo da direcção,
verifica-se uma clivagem entre os professores: os mais carenciados, que queriam de imediato uma
instituição de apoio concreto; os que sonhavam uma instituição-modelo, com um projecto pedagógico
moderno, sem atender às condições reais do País e às possibilidades do professorado para o concreti­
zar. Quando o Instituto começou a funcionar, todos os testemunhos salientam a extrema pobreza em
que lhes chegam as filhas dos professores/as. Na década de 20, os professores representavam ainda
46,5% do total de docentes que recorriam ao Instituto, sendo que se localizavam mais a norte do que
a sul do Mondego. Apesar da forte presença de mães professoras entre as candidatas ao Instituto, o
que revela a importância que a docência tinha adquirido para as mulheres, não significou necessaria­
mente a afirmação feminina na esfera social. Esta conquista da docência é acompanhada de sintomas
reveladores da permanência da subordinação na esfera doméstica, com os maridos não-professores a
assinarem requerimentos que só elas podiam fazer, situação que se agrava nos anos da Ditadura.

A MORFOLOGIA DAS FAMILJAS E AS CONDIÇÕES DE VIDA


Nos anos 20, os/as docentes a residir nas zonas rurais apresentavam uma forte diferencia­
ção nas escolhas matrimoniais entre professores e professoras e uma taxa de homogamia baixa (de
15,1%)8. Na década de 20, a categoria que engloba todos os maridos que não são professores mas
cuja ocupação se desconhece está em primeiro lugar, aparecendo os patrões em terceiro9. As rapa­
rigas professoras, ora em virtude da sua própria origem social e magro salário, ora pela deslocação,
11? EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
O PROFESSOR PRIMÁRIO E AS SUAS IMAGENS
1'-!ARGARIDA LOURO FELGUEIRAS

ainda jovens, para zonas isoladas, viam os contactos sociais reduzidos e acabavam por relacionar-se
localmente, onde os homens dos ofícios, os proprietários rurais ou do comércio constituíam o campo
de recrutamento conjugal possível. Ainda que não se possa estabelecer uma relação mecânica entre
a origem social e as escolhas matrimoniais, emerge contudo uma certa articulação. Sinteticamente,
a evolução das profissões dos cônjuges destas mães professoras apresenta-se como se indica: nos
anos 20, eram maioritariamente não-professores, mas cuja profissão desconhecemos, seguindo-se
professores e patrões. Há uma ligação significativa, mais notória no Sul, aos proprietários, principal­
mente agrícolas e de comércio. A ligação com o sector operário e os artesãos figura em quarto lugar,
cerca de 9,5% nas décadas de 20 e 30, o que não reproduz este grupo de origem, o qual, nos anos 20
e30, representava, respectivamente, 28,6% e 17,5% dos alunos-mestres estudados por Nóvoa para o
período de 1918-36.
Apesar da especificidade dos dados com que trabalhamos, pode-se inferir a existência de
uma promoção social, relativamente ao grupo de professores com origem no sector operário, pois,
ao constituir família, procuram outras áreas sociais. Os dados parecem evidenciar um restringir nos
grupos sociais de pertença em relação aos grupos familiares de origem, pela forte incidência do par
professora/patrão agrícola, comércio e indústria. Encontram-se entre as professoras algumas que es­
colhem cônjuge com uma grande diferença de idade, o que por vezes pode ter ocasionado problemas
passionais, chegando até ao assassinato10. Relativamente ao estado civil do conjunto de pessoas con­
siderado, a maioria é casada (7 2,4%). seguida de viúvos/as com 18,6%. Os solteiros, ainda que sempre
presentes, não têm expressão estatística e tendem a diminuir, sendo as décadas de 20 e 30 aquelas
que registam mais casos. Os dados indicam que a maioria dos viúvos/as permanecem nesse estado.
Mesmo de baixo valor descritivo, encontrámos entre 1920 e 1940 registos (11%) em que as esposas
eram mais velhas que os maridos. A diferença de idade situava-se, nestes casos, até quinze anos e pa­
rece não alterar o calendário de casamento masculino, em meio burguês, identificado para o Porto1L
"casamento masculino mais tardio, a coincidência entre o casamento e o início da vida conjugal, uma
grande proporção de casamentos em que o noivo é mais velho que a noiva, um espaço mais vasto de
selecção do cônjuge e uma menor propensão para o recasamento feminino".
Na década de 20, cerca de 50% destas famílias têm três ou mais filhos. Mais notável é que
10% das famílias tinham sete ou mais filhos na mesma década, que passaram a 5 nos anos 30. Cru­
zando as profissões dos cônjuges com o número de filhos, observa-se que é no conjunto domésticas
ou não-professoras/professor primário que encontramos os casos de mais de 10 filhos e a maior
percentagem de famílias com cinco ou mais descendentes. Pelo contrário, nos casais de professores,
acima de cinco filhos a percentagem é já insignificante, inferior a 1%. Estes dados corroboram de
algum modo a retórica associativa, que fazia referência à existência de famílias numerosas. Este é
um conceito muito variável, significando mais de 5 filhos neste universo e na década de 20, o que são
valores elevados, se tivermos em conta os dados actuais e que as taxas nacionais ocultam variações
muito significativas, conforme as regiões de um mesmo país. Ora, até aos anos quarenta, 10% destas
famílias tinham mais de 5 filhos, o que é uma percentagem significativa. Estes casos parecem ter fun­
cionado como imagens-fantasma, que os docentes sentiam necessidade de exorcizar, tanto mais que
alimentavam a visão caricatural dos mestres. Era no Norte e também no Litoral que essas famílias
tinham algum peso numérico. Mesmo famílias com alguns rendimentos ficavam em situação difícil,
dado o número de filhos. Considerando o total das famílias, elas apresentam-se maioritariamente
como nucleares.
Defrontando-se com os seus baixos salários e os dos esposos, a precariedade de emprego, a
doença e a educação dos filhos, as professoras assumiam-se muitas vezes como a fonte de rendimento
da família. Muitas delas exerciam outras actividades, como dar aulas aos cursos nocturnos, explicações
e, mais tarde, também na edição de livros. Até aos anos 30, os únicos vencimentos de mães que apare­
cem declarados nas candidaturas ao Instituto são os das professoras. Isto prova a dificuldade de acesso
das mulheres ao mercado de trabalho e também a invisibilidade social do trabalho feminino, quando
elas eram possuidoras de rendimentos ou executavam tarefas que não eram reconhecidas publica­
mente. Verifica-se que, de um modo geral, os ordenados ou outros rendimentos dos maridos destas
professoras, que correspondem às profissões - desconhecida, trabalhador qualificado, patrões -, não
chegam para subir a média dos vencimentos do casal do índice 1 para o 2, até aos finais dos anos 50.
Deparámos com a existência de atestados de pobreza apresentados não por indigentes, mas por pro­
fessores e professoras que trabalhavam e viviam apenas dos seus vencimentos. Passados por juntas
de paróquia, por administradores de concelho, pelas repartições de finanças e também pelo superior
hierárquico - delegado ou mesmo inspector escolar-, comprovam a pobreza ou a impossibilidade de os
professores/as poderem educar os/as filhos/as, por viverem só dos seus vencimentos e serem pobres.
Analisando a distribuição temporal e geográfica destes atestados, verifica-se a sua maior incidência nas
décadas de 20 e 30. Parece haver uma correlação entre a pobreza e o número de filhos, mais do que
com a profissão do cônjuge. Mas, considerando as profissões do par conjugal, aqueles que apresentam
mais atestados de pobreza são, sem dúvida, os casais de professores (13%), o que parece confirmar
a existência de um estrato de docentes vivendo extremamente carenciados. Outro factor associado é
o falecimento de um deles, uma vez que 41% dos atestados são apresentados por famílias sem pai, e
19,5 % sem mãe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este conjunto de elementos indiciários e outros que a limitação de espaço não permite referir,
como a rede de relações sociais, etc., possibilitam restabelecer o quadro familiar dos/as professores/
as e suas famílias, como unidade de laços de parentesco, afectivos e de responsabilidade de sustento,
que trazem uma compreensão acrescida sobre as condições de vida, ajudam a explicar algumas das
suas práticas e a persistência das suas reivindicações. À frente de todas, sempre estiveram as ques­
tões económicas e de apoio social. De um modo geral, os documentos comprovam uma situação real
de pobreza, até com um certo ar de evidência, que não necessita de demonstração, quando a família é
numerosa, um dos progenitores faleceu, é idoso ou está incapacitado para o trabalho. Como súmula de
argumentos, as declarações finalizam a enu meração dos quesitos com a afirmação "que é professor".
O que parece significar: está tudo dito. Ora, a persistência de uma vida degradada, a que se juntou o
desemprego de milhares de professores nos anos 20, defraudou as expectativas dos professores na
República. Sim ultaneamente, a rede escolar era frágil, e as condições de muitas das escolas, miserá­
veis. O debate sobre as características dos edifícios escolares acompanhou o debate pedagógico, e a
República inclinou-se para a regionalização das construções, abandonando a edificação segundo uma
mesma planta. Muitas das construções projectadas, devido ao esforço de guerra, só se vieram a con­
cluir no período da Ditadura Militar. Assim, a República da década de 20 vivia a contradição de ter pro­
fessores desempregados, saídos das Escolas Normais, e ao mesmo tempo milhares de crianças sem
escola e um País em que cerca de três quartos da população era analfabeta. O regime republicano não
alterou o ritmo do crescimento económico, e o desenvolvimento educacional seguia as suas linhas12.
As constantes mudanças no Ministério e a consequente incapacidade governativa, as propostas irrea­
listas, que não passavam da legislação, os sinais de cedência aos sectores conservadores enredaram
a República na inoperância e lançaram no descrédito os seus defensores. Entre os professores, come­
çam a sentir-se divisões, que se vão afirmar no final da República (separação do Grémio de Lisboa da
União, 1924; organização dos professores católicos, com a separação de um grupo no Congresso de
Viseu, já em 1927). A divisão no seio dos professores vai facilitar a repressão que sobre eles se abateu.
O horizonte de esperança que a República representara desvanecera-se. Com a Ditadura, sobrevieram
dias de breu, ficando afinal na memória um tempo forte dos professores, do debate pedagógico, da sua
organização e resistência - a I República.
111 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TQDOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
O PROFESSOR PRIMARIO E AS SUAS IMAGENS
MARGARIDA LOURO FELGUEIRAS

REFER�NCIA.S BIBLIOGRÁFICAS

Cf. Araújo, Helena, Pioneiras da Educação. As professoras primários na viragem do século 1870-1933. Lisboa. li E, 2000,
Parte I, cap. 2; Nóvoa, A., Le Temps des Professeurs, Lisboa, INIC, 1987, vol. 11, p. 628.
Cf. Nóvoa, A., Os Professores. Quem São? Donde Vêm? Para onde Vão?, Lisboa, ISEF, 1989, pp. 43-55.
Na reforma dos vencimentos dos funcionários públicos de 1935, discorda-se das Leis de 1922 e de 1924, por terem
encurtado "a distância que devia normalmente separar as diferentes categorias de funcionários". Augusto Pires de Lima, em
1942, confronta os vencimentos dos professores com os dos funcionários camarários e verifica que um professor primário
agregado está equiparado aos contínuos de 2. � classe dos liceus, e um efectivo recebe menos que um aspirante da Câmara
e só ao fim de 30 anos atingirá o ordenado de 3.º oficial da Câmara. Cf. Sampaio, J.S., O Ensino Primário, vol. 11, p. 200.
Cf. Mogarro, Maria João; Martínez, Sílvia Alicia, "Os primeiros estudantes do ensino normal: origens sociais e formação de
professores na segunda metade do século XIX em Portugal", in Pintassilgo, J.; Serrazina, Lurdes (org.), A Escola Normal
de Lisboa e a Formação de Professores, Arquivo, História, fvtemória, Lisboa, Edições Colibri, 2009, pp. 64-70; Nóvoa, A. Le .

Temps des Professeurs, vol. I e 11, Lisboa, INIC, 1987.


Decreto n.º 5322, de 22 de Março de 1919; Decreto n.º 7125, de 17 de Novembro de 1920; Lei n.º 1452, de 20 de Julho de
1923, O Professor Primário, n.º 224, de 31 de Janeiro de 1924.
Cf. Sampaio, J. Salvado, O Ensino Primário, vol. 1, p. 137; Adão, A., O Estatuto Sócio-Profissional do Professor Primário
em Portugal (1910-1951), Oeiras, Instituto Gulbenkian de Ciência/Fundação Calouste Gulbenkian, 1984; Nóvoa, A., op. cit.;
Felgueiras, M.L., "Os professores primários das zonas rurais vistos através do Instituto do Professorado Primário Oficial
Português (1916-1926)", in Fernandes, R., Carvalhão Duarte - Uma vida de combate, Lisboa, CML, Pelouro da Educação e
da Juventude, 1998, pp. 55-62.
Cf. Sampaio, J.S., op. cit.; Adão, A., op. cit.; Nóvoa, A., op. cit.; Felgueiras, M.L.. op. cit., in Fernandes, R., op. cit., Lisboa, CML,
Pelouro da Educação e da Juventude, 1998.
Cf., a propósito de todo o ponto 5, Felgueiras, M.L.F., Para Uma História Social do Professorado Primário em Portugal no
Século XX. Uma nova família: o Instituto do Professorado Primário Oficial Português, Parte III, cap. I, Porto, Campo das
Letras, 2008.
Esta situaçãb advém do carácter lacunar e pouco sistemático das fontes, fruto também dos avanços e recuos na criação do
Instituto, que deve ter provocado perda de materiais e de informações.
10
Foi o caso de uma professora do concelho de Penalva do Castelo, distrito de V iseu, que na década de 30 foi assassinada
pelo marido, suicidando-se ele de seguida. O marido tinha uma diferença de idade de 13 anos. Cf. Secção Feminina do Porto,
Processos de Admissão 1936.
11
Pereira, G.M., Famílias Portuenses na V iragem do Século (1880-1910), Porto, Afrontamento, 1995, p. 265.
12
Fernandes, Rogério, "António Sérgio, Ministro da Instrução Pública", in Revista de História das Ideias, Coimbra. 1983, vol. V,
tomo 11, pp. 603-700.
LUiS REIS TORGAL As caricaturas portuguesas do fim da Monarquia e do
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
início da República (fins do século XIX-inícios do século
XX), uma delas de Rafael Bordalo Pinheiro, na famosa
O REPUBLICANISMO ANTES DA REPÚBLICA
série Álbum das Glórias, "Alma Mater. A Mamã dos
E AS CRITICAS À UNIVERSIDADE
Bacharéis" (de Novembro de 1882, ano do centenário
da morte do Marquês de Pombal), apresentam a Universidade ligada à Tradição e aos seus privilé­
gios corporativos, como se fosse o símbolo do "conservadorismo" (monárquico ou de "antigo regime",
para ser mais convincente), mas também como parteira fecunda e inútil de bacharéis. Dizia Ramalho
Ortigão, sob o pseudónimo de João Ribaixo, autor do texto que acompanha a caricatura de Bordalo:
"Depois de bebido todo o leite da sabedoria que a Universidade lhes propina, os bacharéis acabam por
via de regra estoirando de fome ou indo à sua própria custa aprender outro ofício menos estéril que o
de bacharelar."
A Universidade foi, todavia, evoluindo, assim como a mentalidade, com gerações que mar­
caram a história da cultura com as críticas ao tradicionalismo universitário, como sucedeu com as
gerações académicas dos anos sessenta (a geração de Antero de Quental) e dos anos oitenta/noventa
do século XIX (a geração de António José de Almeida ou de Afonso Costa) e como sucederá com a
geração do primeiro decénio do século XX, nomeadamente com a da greve académica de 1907, de
formação fundamentalmente republicana, se bem. que alguns dos seus mentores - que, como era
usual, atacaram sobretudo a Faculdade de Direito e o seu "despotismo" - haveriam de seguir por
vias políticas distintas, mesmo com adesão ao "fascismo" ou ao Estado Novo. Entretanto, as mulhe­
res entravam pela primeira vez na Universidade: Domitila de Carvalho, em 1891-92, inscreve-se nas
Faculdades de Filosofia e Matemática, vindo a entrar em Medicina em 1899-1900 e a formar-se em
1905. A partir daí subiu, naturalmente, o número de mulheres universitárias, havendo nas vésperas
da República, 1909-10, cinco mulheres matriculadas, contando-se por 23 (incluindo sete que frequen­
tavam o curso de parteiras) aquelas que cursaram a Universidade até ao 5 de Outubro, dia da vitória
republicana.
Nesse final do século XIX e inícios do século XX, em Portugal, verificou-se também, por sua
vez, uma nova luta dos professores "cientistas". Defenderam os seus intérpretes uma lógica de Univer­
sidade humboldtiana, apontando para a investigação, mas não perdendo o sentido de uma instituição
que teria de ser dinamizada pelo poder central, ainda que com autonomia no campo que lhe era pró­
prio. Porém, noutra variante, também se optou por uma lógica autonomista de tipo "neocorporativo",
com um grande dinamismo científico, numa concepção de modelo anglo-saxónico ou germânico, sem,
no entanto, esquecer a Universidade reestruturada francesa. Por outro lado, defendeu-se uma Univer­
sidade laica, afastada definitivamente da dogmática e dos rituais católicos e eclesiásticos.
Estas teses foram afirmadas num dos actos mais tradicionais dos rituais académicos de
Coimbra, as orações de Sapiência, ou, em latim, de Sapientia, por professores que nem eram propria-
mente militantes republicanos "históricos" (que os houvera também, como José Falcão): Bernardino
Machado, da Faculdade de Filosofia (Antropologia Física), que pertencera ao Partido Regenerador
monárquico e fora deputado, par do Reino e ministro do Governo regenerador de Hintze Ribeiro, só se
tornando republicano no final da Monarquia Constitucional, depois de ter defendido em algumas obras
de referência ideias avançadas do ponto de vista pedagógico; Sobral Cid, médico (um dos iniciadores
da Psiquiatria em Portugal). que pertencera também ao Partido Regenerador, de que fora deputado, e
que só igualmente no fim no Monarquia haveria de dissentir da maioria monárquica dos professores de
Coimbra, vindo depois a ser, durante a República, ministro da Instrução Pública do Governo de Bernar­
dino Machado; o matemático e militar Sidónio Pais, também chegado tardiamente ao republicanismo
militante, que haveria, em 1917-18, de representar na República a sua via presidencialista ("República
Nova"). com uma Ditadura odiada por todas as correntes partidárias da "República Velha"; Eusébio
Tamagnini, professor de Filosofia (Antropologia), que não teve propriamente (que se saiba) nenhuma
opção partidária, até que, certamente pela força das ideologias antropológicas eugenistas e racistas,
se veio a tornar defensor de teses de direita, aderindo ao nacional-sindicalismo e chegando a ser mi­
nistro da Instrução Pública de Salazar.
Bernardino Machado (na oração inaugural do ano lectivo de 1904-05) fez uma crítica geral
à Universidade e à falta de apoio que lhe era concedido pelo Estado, entendendo-a como uma escola
de cidadania e, numa lógica geométrica, relacionava os sistemas liberais com um ensino de qualidade
e formador de cidadãos, e um "governo despótico" com um "ensino despótico". Sidónio Pais (em 16
de Outubro de 1908) fez a defesa mais incisiva da Universidade laica, lutando contra o "clericalismo",
que caracterizava a tradição e os ritos ainda existentes. Mas Sobral Cid, ao invés, procurava, na sua
oração de 1907, encontrar nos sistemas inglês e americano, que mantinham uma universidade ligada
à tradição mas ciosa de uma cultura intelectual e física de modernidade, um dos seus paradigmas. O
outro era o sistema de W. Humboldt para a Universidade de Berlim, do início do século XIX, profunda­
mente ligado, como se disse, à ciência e que apelava, simultaneamente, para a autonomia universi­
tária e também para a responsabilidade do Estado. Assim, no seu pensamento, apareciam a Tradição
e a Modernidade juntas, sintetizadas nesta frase, a qual (segundo ele) caracterizava as instituições
universitárias alemãs: "Não existem no mundo mais formosos monumentos para celebrar a aliança
da tradição com os mais altos ideais da civilização moderna." Quanto a Eusébio Tamagnini, também
ele falou sobre a Universidade numa oração de sapiência proferida na Universidade de Coimbra em
Outubro de 1909, um ano antes da proclamação de República. Aí criticou o estado da Universidade
portuguesa, destacando, todavia, que idênticas críticas eram feitas em França e nos Estados Unidos
relativamente às suas próprias universidades. Falou, porém, como os demais, da falta de apoios à Uni­
versidade, não só do Estado como das Câmaras Municipais e dos particulares, tomando igualmente
uma posição idêntica a outros intelectuais e professores, que é transversal a todas as épocas. A falta
de interesse do País pela ciência e pela educação poderia resumir-se (como dizia) na seguinte con­
clusão:"... o que qualquer pai de família zeloso e fiel cumpridor dos seus deveres exige para os seus
filhos é um curso, o diploma final. O resto pouco importa. Ter um filho formado é a aspiração suprema
de todo o bom português". Mas as críticas de Eusébio Tamagnini não podem ser isoladas das posições
que veio a tomar, conforme atrás referimos, no tempo salazarista, inclusivamente noutra oração de
sapiência de 1934, em que chegou a elogiar a política populacional de Hitler.
Se, porém, a Universidade de Coimbra era a única existente até à República, depois da ex­
tinção da Universidade de Évora em 1759, o ensino superior ou "médio-superior" abrangia também
outros estabelecimentos. Entre eles, podem citar-se: a Escola do Exército e a Escola Naval; as Escolas
Médico-Cirúrgicas do Porto e de Lisboa, onde se revelaram médicos de grande significado, alguns de
tendência republicana, como Júlio de Matos, no Porto, e Miguel Bombarda, em Lisboa; a Escola Po­
litécnica de Lisboa e a Academia Politécnica do Porto (onde se formou e foi professor José Joaquim
Rodrigues de Freitas, o primeiro deputado republicano ao Parlamento monárquico, eleito pelo Partido
115 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS, EtoeSII'oeO l'oeA I REPÚBLICA
A UtoeiVERSIDADE E A REPUBLICA
LUÍS REIS TORGAL

Reformista); e o Curso Superior de Letras, onde foi professor, entre outros, Teófilo Braga, um dos
patriarcas do republicanismo e primeiro presidente do Governo Provisório, assim como, por inerência,
Presidente da República.

A REPÚBLICA E A GRA�DE REFORMA DO E�SI�O SUPERIOR


A I República Portuguesa (5 de Outubro de 1910), a terceira existente na Europa - depois da
tradicional Confederação Helvética e da República Francesa -, trouxe algumas convulsões e reformas
significativas na política universitária. Houve tumultos, em Coimbra, contra os símbolos da Monarquia
e da "universidade tradicional". Mas o Governo Provisório procurou de imediato a sua pacificação, no­
meando para reitor o republicano Manuel de Arriaga, que tomou posse em 19 de Outubro de 1910, com
a presença do ministro do Interior, António José de Almeida (formado em Medicina na Universidade
de Coimbra, onde se tornou um símbolo da Luta republicana e um crítico do tradicionalismo universi­
tário, Luta que continuou como deputado do Partido Republicano em 1906-07), que tinha então vastas
funções em muitas áreas, incluindo a Instrução Pública. Em seguida, António José de Almeida Levou
a efeito uma série de medidas consideradas urgentes: a nomeação de uma comissão para estudar e
propor ao Governo um novo plano geral da reforma dos estudos (2.11.1910); a supressão do exame
de Licenciatura e de conclusões magnas, a definição das provas para a obtenção do grau de doutor, a
obrigatoriedade da aposentação de todos os professores aos 70 anos e a extinção do culto religioso na
capela da Universidade de Coimbra e sua conversão num museu (21.1.1911); a reforma dos estudos
médicos (22.2.1911); a fundação das Universidades de Lisboa e do Porto e a criação de um fundo de
bolsas nessas escolas e na de Coimbra para subsidiar os estudantes pobres (22.3.1911); e a reforma
dos estudos jurídicos (18.4.1911).
Mas a reforma estrutural do ensino superior verifica-se em 19 de Abril de 1911, com a Lei de
bases da nova constituição universitária. Por esta Lei. a Universidade de Coimbra passaria a ter uma
Faculdade de Ciências (que resultava da fusão das Faculdades de Matemática e de Filosofia), uma
Faculdade de Letras (com im plícito desaparecimento da Faculdade de Teologia, cujos professores se
transferiram para a nova escola), uma Faculdade de Direito e uma Faculdade de Medicina Uá existen­
tes), uma Escola de Farmácia e uma Escola Normal Superior, anexas, respectivamente, às Faculdades
de Medicina e de Ciências e de Letras. Por sua vez, a Universidade de Lisboa deveria ter Faculdades de
Letras (derivada, na prática, do Curso Superior de Letras) e de Ciências (herdeira da tradição da Escola
Politécnica), uma Faculdade de Ciências Económicas e Políticas, uma Faculdade de Medicina e outra
de Agronomia, e uma Escola de Farmácia e uma Escola Normal Superior anexas, como em Coimbra,
respectivamente, às Faculdades de Medicina e de Ciências e de Letras. Finalmente, a nova Universi­
dade do Porto teria uma Faculdade de Ciências, uma Faculdade de Medicina e uma anexa Escola de
Farmácia e uma Faculdade de Comércio, prometendo-se que se completaria com a criação posterior
de Faculdades de Ciências Aplicadas ou Escolas Técnicas. Também o mesmo decreto com força de
Lei, de 19 de Abril. dava grande importância à autonomia universitária, considerando especialmente
que o reitor de cada universidade seria nomeado pelo Governo, de uma Lista tríplice sufragada em cada
uma das escolas.
O certo, todavia, é que esta Lei não teve aplicação completa, ficando por realizar certos
desideratos e criando-se outras estruturas não consideradas ali. É exemplo o facto de, em determina­
dos momentos, as universidades não manterem a sua autonomia, que constituía uma das bandeiras
da política republicana, sendo os reitores nomeados entre personalidades de inteira confiança dos
respectivos governos. Por outro Lado, a Faculdade de Direito acabou por ser criada em Lisboa, vindo
a transferir-se para ela professores de Coimbra, em busca de um novo estatuto político que a capital
Lhes daria ou poderia vir a dar. Foi o caso de Afonso Costa, seu director em 1913, ano da criação. E a
Faculdade de Direito de Lisboa pretendeu tornar-se uma escola de cariz republicano, embora para ela
se viessem a transferir também alguns mestres que passariam, mais tarde, a participar activamente
na política salazarista ou a entrar nos seus aparelhos de cultura e de poder. É o caso de José Caeiro
da Mata, transferido em 1919, de António Carneiro Pacheco, em 1921, e de Manuel Rodrigues Júnior,
já em 1928.
Voltando à magna reforma levada a efeito por António José de Almeida, nem sempre con­
cretizada em todos os pontos, data de 9 de Maio de 1911 o decreto de organização do plano de estudos
das Faculdades de Letras de Coimbra e de Lisboa, seguindo-se, pouco depois, o plano de estudos das
Faculdades de Ciências (12.5.1911) e o decreto da criação das Escolas Normais Superiores de Coimbra
e de Lisboa (21.5.1911). De 26 de Maio, é datado o decreto com força de lei que cria Escolas de Educa­
ção Física junto às Universidades de Lisboa e de Coimbra, e surge no mesmo dia o decreto da reforma
dos estudos farmacêuticos. São criadas também, nessa altura, as Escolas de Belas-Artes de Lisboa e
do Porto. Em 5 de Junho, são nomeadas duas comissões para estudarem as condições de instalação
das novas Universidades de Lisboa e do Porto...
Entretanto, no âmbito do Ministério do Fomento, de que era titular Brito Camacho, é formado
o Instituto Superior Técnico de Lisboa (1911). Proveio do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa que, por
decreto de 23 de Maio, deu origem a duas escolas autónomas: o 1ST e o Instituto Superior de Comércio.
Também outras escolas de natureza técnica se iam reformando, como a Escola de Medicina Veterinária e o
Instituto de Agronomia. Com nomes diferentes, hão-de vir a constituir, com outras escolas, a Universida­
de Técnica de Lisboa em 1930, que constitui a quarta universidade portuguesa. A Escola de Engenharia
do Porto (depois Faculdade Técnica), resultante em certa medida da Academia Politécnica, ficou anexa à
Faculdade de Ciências, só passando a Faculdade autónoma (Faculdade de Engenharia) em 1930.
Pode, pois, dizer-se que se tratou da mais importante reforma do ensino superior realizada
depois do Marquês de Pombal, procurando-se igualmente desenvolver os outros ramos de ensino,
pelo que António José de Almeida levou a efeito algumas reformas fundamentais no ensino primário,
o que o tornou, durante a sua vida, muito popular entre os mestres-escola. De resto, finalmente, em
7 de Julho de 1913, depois de duas experiências falhadas nos anos setenta e noventa do século XIX,
é instituído o Ministério de Instrução Pública. No plano republicano, ficou clara a intenção de que a
Universidade. de Coimbra ficasse confinada ao seu estatuto de "universidade clássica", que Lisboa,
como capital, comportasse todas as áreas e que o Porto se especializasse sobretudo na área técnica,
adequada à realidade económico-social que sempre caracterizou a cidade.
Todavia, Leonardo Coimbra, ministro da Instrução Pública no breve Governo do democrá­
tico Domingos Leite Pereira, em 10 de Maio 1919, procurou ainda criar uma Faculdade de Letras no
Porto, de sentido pretensamente mais moderno e prático, ao mesmo tempo que procurava extinguir a
mesma Faculdade na Universidade de Coimbra, que desejava adequar a uma linha menos "clássica",
criando ali, inclusivamente, uma Faculdade Técnica, que teria anexa uma Escola de Belas-Artes. A
Faculdade de Letras do Porto subsistiu cerca de dez anos, mas a de Coimbra, que se alegava ser "es­
colástica" e herdeira da Faculdade de Teologia, não foi extinta, devido ao protesto da Universidade e à
acção decisiva de um professor republicano, Joaquim de Carvalho.
Nos anos vinte (18 de Janeiro de 1921, no Governo do chefe do Estado-Maior da Guarda
Nacional Republicana, Liberato Pinto, estando na pasta da Instrução Pública o naturalista Augusto Pe­
reira Nobre), as Escolas de Farmácia, incluindo a de Coimbra, foram ainda promovidas a Faculdades.
Mas a de Coimbra foi episodicamente extinta em 1928, tornando-se no início do Governo de Salazar,
altura em que os estudos farmacêuticos foram remodelados, de novo uma escola anexa à Faculdade
de Medicina. Por sua vez, tal como sucedeu em Lisboa, a 27 de Julho de 1922 foi criado em Coimbra,
na Faculdade de Ciências, o curso de Engenharia Geográfica. Era ministro, outra vez, Augusto Pereira
Nobre, irmão do poeta António Nobre, mas já no Governo do democrático António Maria da Silva. Sub­
jacente a esta iniciativa estava a importância conferida então às colónias, num tempo marcado pelo
revivalismo e no contexto da comemoração da independência do Brasil e da viagem de Gago Coutinho
117 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS, ENSINO NA I REPÚBLICA
A UNIVERSIDADE E A REPUBLICA
LUIS REIS TORGAL

e Sacadura Cabral. António José de Almeida era ainda Presidente da República. Foi, por assim dizer,
o único curso técnico criado em Coimbra, dado que os cursos de Engenharia só foram introduzidos na
década de setenta do século XX, gorada que foi a proposta do deputado António Alberto Torres Garcia,
apresentada em 27 de Setembro de 1923, de instituir na Universidade de Coimbra um Curso Superior
de Agricultura que tivesse como base o Instituto Botânico.
Surgirão, entretanto, as "universidades livres" (ou populares), de que já falavam há muito os
republicanos (como Bernardino Machado, na sua oração de Sapiência}, que constituem o verdadeiro
modelo de uma concepção de cultura democrática, socializada, aberta a todos os cidadãos. Tratou-se,
porém, de um projecto generoso mas de pequena repercussão, praticamente limitado aos meios ur­
banos.

O EHSIHO SUPERIOR, AS COHTIHG�HCIAS E AS CONVULSÕES DA REPÚBLICA


A República caracterizou-se, pois, por medidas que se podem considerar modernas no âmbi­
to do Ensino Superior. Mas, como se disse, nem sempre a propagada autonomia das escolas - conside­
rada com insistência no plano legal, quer na presidência de Bernardino Machado (decreto de 16 de Ju­
nho de 1916), quer na presidência de Sidónio Pais (decreto de 6 de Julho de 1918, rectificado em 15 de
Julho) - foi cumprida, sobretudo depois da Lei n.º 861, de 27 de Agosto de 1919, que a aboliu. Para além
dos projectos legais, deve entender-se que o ensino, os movimentos académicos e a vida universitária
foram, obviamente, decorrendo em função das próprias vicissitudes da República, da acção e contra­
-acção de partidos e movimentos ideológicos.
Rómulo de Carvalho, que, com base nas estatísticas oficiais, analisou o número de alunos
em 1910 e em 1926 no Ensino Superior, pôde verificar um acréscimo considerável: de 3227 (conside­
rando os 1262 alunos da Universidade de Coimbra e os alunos das escolas e institutos superiores de
Lisboa e do Porto) para 4117. Além disso, notou um número significativo de estudantes dos cursos de
Ciências e de Medicina (2417), em confronto com os alunos de Direito (936). Apesar de se aceitar que
houve, realmente, um aumento de alunos da área científica (o mesmo se passou depois da Revolução
de 1820, numa lógica de "conflito de faculdades", para utilizar uma frase de sabor kantiano, actualiza­
da pelas investigações de Pierre Bourdieu), o certo é que tal não impediu que a sociedade portuguesa
mantivesse a sua característica fundamentalmente "juridista", ou seja, que os juristas continuassem
a ter um papel importante como elites políticas. Por outro lado, independentemente da existência de
nichos de investigação científica (que os houve, nomeadamente no campo da Medicina}, o certo é que
a pesquisa científica se saldou, com certeza, em níveis pouco elevados e, curiosamente, só se verificou
uma política organizada de investigação científica com a criação, em 1929, da Junta de Educação Na­
cional, que alargou sua esfera de acção, em 1931, à área das artes. É certo também que as mulheres
foram subindo de número durante a República (frequentaram então a Universidade de Coimbra, de
1910 a 1926, ano da revolução dita "nacional", 280 mulheres, segundo o cômputo de Joaquim Ferreira
Gomes), como subirão durante o Estado Novo. Contudo, se o aumento das mulheres na Universidade
significa sociologicamente um factor de evolução da mentalidade, também é certo que representou,
na prática, o aumento de um sector que, de uma maneira geral e durante largo tempo, correspondeu
a uma afirmação de conservadorismo. A confirmar o que se disse, basta olhar para o papel das mu­
lheres no Salazarismo, como Domitila de Carvalho, que foi uma das deputadas da União Nacional ao
órgão legislativo do Estado Novo. E será ainda na I República - em que o número de professores de
facto aumentou - que surgirá a primeira mulher professora universitária, a alemã por nascimento e
portuguesa por casamento e sensibilidade, Carolina Michaelis de Vasconcelos. Por outro lado, deve
salientar-se que regressaram à Universidade os seus usos tradicionais, com o retorno ou a reinvenção
dos rituais, à medida que os professores e os estudantes católicos e integralistas iam tomando posi­
ções. A uma geração "revolucionária" seguia-se uma geração "reaccionária", tradicionalista, conserva-
dora ou "revolucionária de direita", defendendo ambas, como sucederá com as gerações seguintes, a
sua identificação como "novas", como "vanguardas", mesmo como "modernas". Veja-se, neste sentido,
a acção do Centro Académico de Democracia Cristã (CADC), fundado em Coimbra em 1901, que se
tornará uma das forças de pressão contra o carácter Laicista do republicanismo, caracterizado, na
verdade, não tanto por uma separação do Estado das Igrejas, mas por uma situação de subordinação
da Igreja Católica ao Estado, conforme se pode facilmente verificar pela Lei de Afonso Costa de 20 de
Abril de 1911. Pela acção do CADC e do Centro Católico Português (CCP), fundado em Braga em 1917,
verificou-se uma acção contra o "republicanismo de 1910-1911", sendo o padre Manuel Gonçalves
Cerejeira, Diogo Pacheco de Amorim e Salazar, professores da Universidade de Coimbra, os seus prin­
cipais mentores. Oliveira Salazar chegará a ser eleito deputado por Guimarães em 1921, e também ele
e Fezas Vital, Carneiro Pacheco e Magalhães Colaço serão réus de um processo, presumivelmente por
terem participado no movimento da chamada "Monarquia do Norte". De seguida, será nomeado, em
18 de Março de 1919, como reitor interino da Universidade de Coimbra, Joaquim Coelho de Carvalho.
Governava José Relvas, sendo ministro da Instrução Pública o democrático Domingos Leite Pereira,
que ocupará a presidência do Governo em 30 de Março, sucedendo-Lhe no referido Ministério Leonardo
Coimbra. Será esse reitor a tentar pôr em prática a extinção da Faculdade de Letras, sem o conseguir.
Praticamente, teve a oposição total da Universidade, pelo que se demitiu das suas funções em 26 de
Junho de 1919.
Na transição da República para o Estado ��ovo, após a "Revolução Nacional" de 28 de Maio
de 1926, vão destacar-se dois paradigmas de sentido oposto:
Por um Lado, como seria óbvio, embora depois de uma efémera reafirmação de autonomia,
surgirá uma Universidade Ligada ao Estado. A partir dos anos trinta, trata-se de um Estado Corpora­
tivo, autoritário, de ideologia única, que não deixava de salientar o seu carácter tecnológico, adaptado
pragmaticamente às realidades do desenvolvimento, que foi sempre um dos pontos característicos da
dinâmica fascista. Aliás, depois da Universidade de Coimbra, várias vezes centenária, e das universida­
des de Lisboa e Porto, criadas no início da República, Portugal vai conhecer (como se disse) em 1930,
ano fundamental de arranque do processo do Estado N ovo, a quarta Universidade, a Universidade
Técnica de Lisboa.
Por outro Lado, nesse ano de 1930, foi publicada a famosa conferência proferida a convite da
Federación Universitaria Escolar de Madrid, de Ortega y Gasset, f'v1isión de la Universidad, que, com a
sua ideia de "Universidade cultural", vai influenciar e dar corpo a uma Linha de defesa da modernidade
crítica para que apontavam alguns intelectuais desiludidos com o demoliberalismo político da I Repú­
blica, mas que se opunham também ao nacionalista autoritário. É o caso do movimento da Renovação
Democrática, por assim dizer o último "partido" republicano surgido na transição da Ditadura Militar
para o Estado Novo, em 1932, que - na sequência do movimento da Seara Nova vai discutir a Uni­
-

versidade e a sua inércia, ao Lado de alguns, poucos, professores de formação republicana ou de uma
formação de esquerda não partidária.
Serão eles, na Universidade, as primeiras vítimas do Estado Novo. Assim sucederá com
Sílvio Lima, da área da Filosofia, da Pedagogia e da Psicologia, e com o botânico Aurélio Ouintanilha,
da Universidade de Coimbra, com o historiador da Literatura Manuel Rodrigues Lapa, da Universidade
de Lisboa, e com o médico Abel Salazar, da Universidade do Porto, demitidos em 1935. Entretanto, em
1934, era extinta a Imprensa da Universidade de Coimbra, administrada pelo filósofo e historiador das
ideias Joaquim de Carvalho, que se manterá discretamente, mas de forma sempre clara, como um
republicano Liberal, de oposição ao regime salazarista. E a Associação Académica, fundada em 1887,
deixará, em 1936, de poder Livremente escolher a sua direcção durante Largo tempo.
Encerrava-se, assim, o ciclo da I República, que o Estado Novo criticava ferozmente, embo­
ra, com habilidade, tivesse mantido constitucionalmente a "República" como regime ("Repúb�ica Cor­
porativa" ), respeitando mesmo os seus feriados, como o 5 de Outubro e até o 31 de Janeiro. E preciso
119 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS ENSINO NA I REPÚBLICA
•.

A UNIVERSIDADE E A REPUBLICA
LUÍS REIS TORGAL

não esquecer que alguns republicanos de 1910, mas sobretudo dos anos 20, entraram no movimento
"republicano corporativo" de 1930, aceitando mesmo a proximidade do novo regime a uma concepção
de fascismo "original" - o que se pode chamar um "fascismo à portuguesa".

CENTENÁRIO, UNIVERSIDADE E RES PUBLICA


Durante o Estado Novo, republicanos ditos "reviralhistas" - conjuntamente com outras for­
ças políticas - Lutaram contra o regime, em Portugal ou no exílio, e a Universidade conheceu movi­
mentações estudantis e a afirmação de professores oposicionistas. De tal modo que em 1947 foram
demitidos cerca de vinte professores e assistentes (embora, depois, readmitidos alguns). E a Luta
continuou até 25 de Abril de 1974.
Por isso a Democracia que se formou, com várias vicissitudes, depois desta data, se reclama
da "herança republicana de 1910". A Universidade, pesem embora as suas crises e as suas contradi­
ções, pôde afirmar a sua autonomia - com alterações que se foram processando ao Longo do tempo -,
"autonomia" que constituiu uma das mais significativas reivindicações republicanas, e pôde reclamar
um processo de democratização, em certos casos convertido numa "elitização" e numa massificação
inconsequentes. Por outro Lado, a Lógica "científica" e cultural que justificou a ideia da criação de uma
"Universidade nova" converteu-se, pela via neoliberal, numa concepção tecnocrática e capitalista. Ao
mesmo tempo, com base na simbólica afirmação da "Liberdade do ensino", foram-se criando muitos
estabelecimentos de ensino superior particular, nem sempre organizados com objectivos "públicos".
Eis algu mas das razões por que se fala hoje - neste Centenário da República e para além
dele - na ideia ou no ideal de reafirmar na Universidade, no Ensino Superior em geral, e em todas as
instituições, o espírito da Res Publico, que, mais do que um regime, pode ser encarado como uma
ética.

BIBLIOGRAFIA

Annuario da Universidade de Coimbra, anos de 1904-1905, 1907-1908, 1908-1909, 1909-1910.


Anuário Estatístico de Portugal, sobretudo referente aos anos de 1910 e 1926.
CARVALHO, Rómulo de (1986), História do Ensino em Portugal, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
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Lobo Vilela e a Polémica sobre a Universidade e o Ensino nos inícios do Estado Novo. Selecção, fixação de textos e notas de Antó­
nio Costa Lobo Vilela. Estudo introdutório de Luís Reis TorgaL. Prefácio de Eduardo Marçal Grilo. Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian - Serviço de Educação e Bolsas, 2009.
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TORGA L, Luís Reis (2004), António José de Almeida e a República, Lisboa, Círculo de Leitores.
DESENHAR PAULO TRINCÃO E tudo começa no objecto, sujeito omnipresente, que
PARA MOSTRAR UNIVERSIDADE DE AVEIRO de tão íntima convivência permanece, contudo, muitas
Num livro livro recentemente vezes desconhecido. A palavra objecto é de origem latina
publicado em Portugal, um O OBJEOO, O PATRIMÓNIO
dos personagens, perante (objectu, lançado adiante).
E A FIGURAÇÃO
a dificuldade em reconstruir a Do ponto de vista da Filosofia, o objecto é definido como
memória de um acontecimento, "aquilo cuja existência é considerada como independente do conhecimento que dele tem o sujeito
diz ao seu interlocutor que
a memória é como o vidro.
pensante". De um ponto de vista diametralmente oposto, poderemos perguntar: "Será que a Lua existe
Frágil, demasiado frágil, se não olharmos para ela?"
partindo-se a maior parte das Ao discutir a existência de objectos e os seus comportamentos à escala atómica, Niels Bohr
vezes, a memória - ao ser
questiona a objectividade da sua observação. Carlos Fiolhais, procurando clarificar as dificuldades
recuperada, estudada
e finalmente apresentada com que para o senso comum a mecânica quântica apresenta, questiona: "Haverá uma realidade objectiva
informação complementar­ independentemente dos observadores que nós somos e dos nossos aparelhos?"
nunca voltará a reconstruir Felizmente que as nossas interrogações não nos transportam para a escala atómica,
exactamente os
acontecimentos e as sensações deixando-nos ficar confortáveis a chamar simplesmente, ao objecto, "coisa material, corpo".
que foram vividos ou, mais Embora menos objectivo, é particularmente interessante, para quem trabalha com objectos,
difícil ainda, os pensamentos considerá-los como sendo "tudo o que afecta os nossos sentidos".
dos seus protagonistas que
nunca foram verbalizados
Foi jogando com estes conceitos, quase sempre de uma forma intuitiva, que o Homem,
ou registados. entenda-se Homo sopiens sopiens, foi olhando, questionando, recolhendo, guardando e preservando
Este é um dos principais objectos.
di lemas, não apenas dos
É difícil garantir as motivações que Levaram o Homem a iniciar a recolha de objectos, sendo a
historiadores, mas de todos nós
na nossa vida, quando tentamos mais óbvia a necessidade utilitária. Precisavam deles para fazer, ou melhorar, o que as suas mãos não
recuperar uma data ou uma faziam com a eficácia que eles gostariam. É muito provável que os primeiros objectos que fabricaram
morada, o que disse um amigo
tenham sido ferramentas de madeira, mas, devido à sua pouca resistência, tenham apodrecido e não
ou quem era o familiar de uma
dada estória. exista por isso registo fóssil. Algumas podem ter sido somente paus afiados, lanças, etc. Hoje existem
Como é que se dão a conhecer fortes indícios de que alguns australopitecos (Austrolopithecus gorhi) poderão ter feito objectos de
conteúdos quando os pedra1
interlocutores- que são
também leitores, ouvintes
Os seres humanos têm orgulho na habilidade das suas mãos. Dedicam uma parte do seu
e espectadores - são outros, tempo a cuidar delas. Dotadas de uma pele fina e delicada, a polpa dos dedos das mãos está dotada de
os contextos são inúmeras terminações nervosas extremamente sensíveis (de outra forma, não sentiria as teclas que
completamente diferentes
neste momento utilizo). Talvez seja por isso que intervêm tantas vezes nas relações com os outros.
e a vertigem de ver a uma nova
luz acontecimentos passados Só que estas mãos criadoras de objectos são comuns noutros primatas. Quando um chimpanzé saúda
exige um olhar de redobrada outro, coloca os lábios nas mãos do companheiro para que este o sinta. Por isto não surpreende que
atenção para que a adulteração eles também as utilizem para criar objectos, como fazem, entre outros, os Bonobos, os chimpanzés­
seja mínima e essa
interpretação possa conter - pigmeus (Pon poniscus) .
novas propostas A atitude de criar, seleccionar, guardar e expor objectos não é exclusiva dos primatas.
de abordagem? Existem várias espécies de pássaros que constroem meticulosamente jardins cheios de objectos
(sementes, palhas, paus, musgo, objectos antropomórficos) devidamente organizados em círculos e Na reprodução das imagens,
corredores para incentivar a visita das fêmeas. Existe mesmo uma espécie que constrói a sua casinha quanto menos "gerações"
de reprodução tivermos, mais
colorida com frutos e conchinhas. Outras espécies de pássaros, como a Amblyornís ínornata, cercam "próximos" do original
as suas casas de um jardinzinho artificial, feito com musgo disposto em tabuleiros e decorado com estaremos. Menos gerações,
flores constantemente renovadas, bem como frutos de matizes fortes, seixos e conchas brilhantes. menos perda de qualidade.
Sabemos que na vida não
São as aves jardineiras da Nova Guiné. é assim.
Saímos pela porta menos esperada (a dos pássaros) em busca da outra razão central que O tempo, o cruzamento
sempre levou o Homem a seleccionar objectos: o seu poder de atracção. A utilização de objectos, de opiniões e um olhar
normalmente distanciado
amuletos (trabalhados ou não), durante a vida e post mortem, acompanha quase de uma forma
trazem mais isenção e mais
paralela a evolução humana. A transformação simbólica de alguns deles em símbolos de poder ou ponderação no calibrar das
de perpetuação da memória dos seus possuidores está na origem daquilo a que nós, hoje, chamamos variáveis. Estamos menos
"património". próximos, logo menos
"quentes". Por um lado,
Património é uma palavra igualmente de origem latina (patrímoníu). Significa "herança o risco é menor porque
paterna, bens de família" e não tem que ser necessariamente um bem material. os interlocutores não estão
A ideia que o Homem consolidou de que determinados bens (assumido o direito à proprie­ presentes para exercerem
o contraditório; por outro lado,
dade, conceito que, como é sabido, tem variado muito no tempo de existência dos hominídeos) devem confronta-se o resultado de um
ser transmitidos aos seus descendentes ou a quem ele, ou a sociedade onde se insere, determinar está trabalho com outras memórias,
na base da transmissão intergeracional de objectos. muitas vezes diferentes
e contraditórias, nos mais
O conceito de património é, hoje, utilizado muito para além do âmbito familiar, invadindo
diferentes suportes
a esfera do colectivo. A palavra património começou a ser igualmente utilizada para referenciar um e guardadas nas mais diversas
vasto leque de valores materiais e imateriais que as sociedades entendem como relevantes para a sua sedes.
identificação como grupo, sendo, por isso mesmo, frequente a responsabilidade da sua preservação, A recuperação de todos
os aspectos de uma memória
entregue ao Estado. será, porém, sempre
O património pode dividir-se e classificar-se de muitas maneiras (quanto à materialidade, impossível.
natureza, mobilidade, origem temporal, etc.), mas, para concretizar o objectivo que persigo, centremo­ Podemos recuperar, como aqui
se mostra, os quadros
-nos nos objectos patrimoniais. parietais, os bibes, o mobiliário
Chegamos então à situação em que determinados objectos, pela sua história, podem, por da sala de aula ou, ainda,
uma classificação pessoal ou colectiva, adquirir um valor distintivo em relação a objectos similares. imagens de como era ensinar
e aprender há um século, mas
A importância que aqueles que assim os classificam lhes dão leva, mais cedo ou mais tarde,
nunca conseguiremos guardar
ao ponto em que é inevitável a sua apresentação para além da esfera do privado. o feixe de sensações de
Está, então, aberto o caminho da exposição. professores e alunos quando
habitaram esses espaços ou
É nesta base que se coloca a criação desta exposição: Ed ucar. Ed ucação para todos. Ensino
usaram aqueles artefactos.
na I República. Depois, a forma de mostrar
Desde o início, colocaram-se dois tipos de questões estruturantes: qual era o público a que se a tradução do programa inicial
dirigia; e que tipo de relação se estabeleceria com os objectos que possuíam o estatuto de património. - o design está em mudança
-

permanente, não sendo


A resposta à primeira questão foi sendo construída à medida que se foram definindo os permitidas "receitas". A lógica
temas-base a tratar. Foi uma opção clara que se deveria encontrar um equilíbrio entre o rigor dos pode ser similar porque fruto
conteúdos e a atractividade e a clareza com que eram apresentados. A procura da diversidade de de um percurso, mas nunca
uma reprodução mecânica.
formas e propostas expositivas, associada a uma consciente escolha de aprofu ndamentos distintos Expõe-se muita ou pouca
dos temas tratados, visando motivar públicos infanta-juvenis, foi sendo materializada nas propostas informação? Torna-se o espaço
expositivas para as diversas salas. Procurava-se criar um circuito onde o visitante fosse encontrando, num "contentor" monolítico
com a luz, a cor e o som
alternadamente, desafios de complexidade distinta. Esta preocupação da procura de públicos infanta­
completamente domesticados
-juvenis está bem patente na Sala da Bandeira. ou dialoga-se com o edifício,
Atendendo à natureza efémera da exposição e às condições físicas e estruturais do espaço, permitindo que ele intervenha
embora com alguma pena da equipa, foi sendo afastada s inclusão de objectos com valor patrimonial, através de uma janela que se
utiliza no discurso expositivo?
restando a presença de alguns objectos coevos sem valor patrimonial significativo. Este facto fez Recorre-se exclusivamente à
ganhar força comunicacional aos materiais figurativos e à cenografia, que se tornou envolvente em interactividade contemporânea
todos os espaços expositivos. ou funde-se esta com
EDUCAR
EDUCAÇÃO_PARA TODOS. E""SI""9 ""A I REPÚBLICA
CO.,.STRUÇAO DE UMA EXPOSIÇAO
PAULO TRINCÃO

imagens e textos dispostos A comunicação em suporte de imagens (projectadas ou impressas), complementada com
estaticamente e em escalas
informação em texto (sempre reduzido ao mínimo), são formas comunicacionais permanentemente
diversas? As possibilidades
são infinitas. presentes na exposição.
É por isso que organizar uma
exposição como esta, desafio
similar a muitas outras, não
é simples e exige a atenção, METODOLOGIA DE TRABALHO E ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS
o método, o talento Encontrados os grandes temas considerados significativos de momentos, políticas e acções
e a dedicação de muitos referentes à Educação na I República, optou-se por dar grande ênfase ao ensino primário e secundário,
especialistas, de que
os historiadores
como pilares das alterações estruturais que o novo regime pretendia implementar. O facto de a
e os investigadores ocupam exposição ocupar um edifício com forte passado histórico como escola reforçou esta opção.
o Lugar central. A organização dos conteúdos e dos percursos foi sendo construída em colaboração directa
É a partir de um programa
com a equipa de arquitectura e design, sendo materializada com esboços interpretativos que permitiam
nuclear, por eles construído,
que se desdobram abordagens a toda a equipa visualizar as propostas apresentadas.
complementares mas A divisão em salas de pequena a média dimensão (em média, com cerca de 40 m2)
convergentes - propor uma condicionou a organização dos conteúdos, sendo reforçada a sua identidade, pela separação física das
nova abordagem sobre
uma época, sobre uma área diversas salas. Este facto obrigou a os conteúdos de cada sala possuírem autonomia discursiva em
do saber ou sobre as pessoas relação aos dos outros espaços.
que protagonizaram os A exposição inicia-se de uma forma gradual. A escadaria de entrada alberga elementos da
acontecimentos. Tudo isto -
conjugado com outras variáveis
história do edifício, apresentando igualmente uma proposta de ocupação futu ra.
cruciais como o espaço, Antecede o início formal da exposição uma zona de pré-show cujo objectivo é introduzir os
a Luz e o som, a Legibilidade, visitantes no espírito da exposição, servindo igualmente de zona-tampão na organização dos grupos
a mobilidade e a acessibilidade,
de visitantes. Alguns dos conteúdos apresentados serão retomados no interior da exposição.
o orçamento, a produção, quem
a realiza e o calendário - torna Não pretendendo apresentar uma descrição sistemática das propostas expositivas
uma operação como esta escolhidas, julgamos ser importante comentar, do ponto de vista comunicacional. algumas soluções
complexa, mas única encontradas.
e irrepetível.
Aprende-se muito na sua A procura da imersão total dos visitantes nos conteúdos é apresentada na Sala da Bandeira,
organização para que se possa, claramente vocacionada para um público juvenil onde o sobredimensionamento do estandarte (6 x 4 m),
também, aprender o máximo colocado como tecto da sala, envolve totalmente o visitante. O karaoke, com base no Hino Nacional,
possível quando se visita.
À medida que os novos gadgets constitui um forte apelo a uma interacção com o visitante.
surgem todos os dias Com a mesma lógica, embora com efeitos mais claros no público adulto, é apresentada
e a informação se fragmenta uma sala de aula de época, onde os materiais expostos são originais (Outubro de 1910, pertencentes
a uma velocidade difícil
à escola de Válega, Ovar).
de acompanhar, mais exigente
se torna o rigor nos conteúdos, A exposição apresenta igualmente, condicionadas pela naturezas dos conteúdos, algumas
sob pena de sermos engolidos salas mais contemplativas, embora as cenografias procurem criar ambientes que façam realçar o
pelo vazio. A atenção âmago das mensagens.
do visitante, bombardeado
na sua vida com milhares A Sala dos Manuais, com as suas quatro estantes forradas de livros, serve de cenografia para
de solicitações quotidianas enfatizar a importâncias dos manuais, apresentados em posição de destaque. Processo semelhante
e com uma progressiva perda é utilizado na Sala do Ensino Técnico, onde o sobredimensionamento e a envolvência cromática
de concentração, pode não ser
ganha se os dispositivos
procuram introduzir o visitante num ambiente claramente oficinal.
empregues não forem eficazes Embora apelando a outros elementos expositivos, a Sala da Árvore procura induzir o visitante
na comunicação. na temática a tratar (a importância da árvore na política educacional republicana), sem que ele tenha
Como mostrar, então, um
necessidade de ler qualquer texto.
espólio riquíssimo, como
é o do ensino no período da
I República, neste fantástico
espaço da antiga escola Veiga CONCLUSÕES
Beirão, que visitei tantas vezes
sem sequer sonhar que, um A exposição Educar. Educação para todos. Ensino na I República está organizada de forma
dia, iria desenhar para aqui esta a poder servir como introdução e factor de motivação para aprofundamento desta temática para todos
exposição? os públicos.
A visita de grupos escolares deve ser precedida de um trabalho de preparação, de forma a Como instalá-la sem agredir
a recuperação parcial que já foi
retirar as máximas potencialidades dos conteúdos apresentados. feita e que terá a sua conclusão
Os materiais apresentados são de natureza figurativa, não constituindo património perecível. quando a exposição for
A organização funcional do espaço foi fortemente condicionada pela natureza estrutural do desmontada?
Os esquissos que aqui se
edifício e pela natureza efémera da exposição.
publicam, selecção de tantos
A informação apresentada em suporte informático deve ser complementada com a existente que foram produzidos no
no conjunto de exposições comemorativas do Centenário da República. desenvolvimento deste
projecto, mostram que o traço
rápido procura agarrar a ideia
NOTAS dada por u m dos presentes nas
inúmeras reuniões de trabalho
1 Hominídeos e hominídeos. o família presumido, exposição temporária, Domus, Corunha. ou fruto dos habituais
desenvolvimentos de projecto.
Depois de uma primeira fase
em que o espaço global
disponível é dividido pelos
"capítulos" desta narrativa,
e de dar a cada um o seu peso
específico no quadro geral,
estuda-se e trata-se cada
momento de per se,
procurando nunca perder u m
f i o de Ariadne que dê ao
visitante uma história com
diferentes motivos de interesse
que provocarão tempos de
leitura e de pausa, sempre
diferentes também.
Não havendo dois visitantes
iguais, diversas serão também
as suas pausas ou a sua
atenção, tanto numa vista geral
de uma sala, como na leitura
da legenda de uma imagem.
Depois, o edifício, o espaço
e a informação da exposição
terão de ser fruídos pelo
visitante individual ou integrado
num grupo, especialmente de
estudantes, tornando possível
o diálogo entre o professor e os
alunos que o acompanham.
Sem discriminação no que
à acessibilidade diz respeito.
Por último, há que ter
a percepção de que estes
conteúdos terão, em
simultâneo, de migrar, com
outros tratamentos, para um
catálogo - este que tem agora
nas suas mãos -, outros
suportes impressos ou
os multimédia onde mais
informação poderá sempre ser
adicionada.
Aí, sim, poder-se-á conservar
como uma memória perene,
porque a exposição que lhes
deu origem será sempre
efémera.

Henrique Cayatte
Designer
EDUC.A.R
EDUCAÇÃO]'ARA TODOS. ENSIN9 NA I REPÚBLICA
CONSTRUÇAO DE UMA EXPOSIÇAO
PAULO TRINCÃO
IJ7 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
CRONOLOGIA COMPARADA

EDUCAÇÃO FACTOS POLITICOS ECONOMIA, SOCIEDADE


E CULTURA

14 DE FEVEREIRO 5 OUTUBRO José Malhoa pintou O Fado,


1,10 Regu lamentação do I nstituto Proclamação da República. óleo sobre tela.
Comercial de Lisboa. A Carta Constitucional foi substituída OUTUBRO
por decretos com força de lei Desequil1brio orçamental elevado:
OUTUBRO
aprovados pelo novo Governo. 10 vezes o orçamento das receitas.
População liceal feminina: 11,2%.
Presidente do Governo Provisório:
Matricularam-se apenas 43% 85% da população vivia em zonas
Teófilo Braga.
das crianças em idade escolar. rurais.
22 OUTUBRO 8 OUTUBRO
Média da idade de casamento:
Extinção das ordens religiosas.
A doutrina cristã deixou 26 H / 24 M .
Expulsão dos Jesuítas. Os seus bens
de se m i nistrar nas escolas
ficavam para o Estado. Território inculto ou i mprodutivo:
primárias e normais primárias.
cerca de 53%.
3 NOVEMBRO 3 NOVEMBRO
Publicação da Lei do Divórcio. Existiam cerca de 1 6 000 km
Foi nomeada uma comissão para
de estradas construídas.
estudar e propor um plano & DEZEMBRO
Foi oficializado o d i reito à greve. Produzia-se pouca electricidade,
de reorganização dos estudos.
e a maior parte d o carvão consumido
l5 DEZEMBRO
era importado.
Leis da Família: o casamento foi
definido como um contrato civil. 14 NOVEMBRO
"Lei do In q u ili nato": as rendas
passavam a pagar-se ao mês e não
ao trimestre. Protestos dos senhorios.

I DEZEMBRO
Inauguração da nova Bandeira.

António Carneiro pintou Contemplação,


1,1 1
69,6% de analfabetos registados lO FEVEREIRO
no Censo. Lei do Registo Civil. óleo sobre tela.

ll MARÇO 14 MARÇO JANEIRO


Primeira Festa da Á rvore realizada Primeira Lei Eleitoral republicana. Greve geral d o pessoal ferroviário.
durante o regime republicano. ? JANEIRO
lO ABRIL
14 MARÇO Lei da Separação da Igreja e do Estado. Decretado o descanso semanal ao
Criação das Universidades de Lisboa Domingo para todos os assalariados.
I? JUNHO
e do Porto. 15 MAIO
1 . ª sessão da Assembleia Nacional
l9 MARÇO Constituinte. Nova Lei d a Assistência. Foi criada
Reforma da instrução, incidindo Foi aprovado o Hino "A Portuguesa". a Direcção-Geral d e Assistência.
especialmente no ensino primário. 17 MAIO
li AGOSTO
l ABRIL Promulgada a Constituição. Protecção à infância. Criou-se a Tutoria
Inauguração, em Coimbra, do primeiro da Infância e a Federação Nacional dos
l4 AGOSTO
Jardim-Escola João de Deus. Amigos e Defensores das Crianças.
Primeiro Presidente eleito da República
Foi criada a 1.ª maternidade,
MAIO Portuguesa: Manuel de Arriaga.
em Coimbra.
Criação dos " Batalhões Escolares".
3 SETEMBRO Progressão notável do movimento
A instrução m ilitar preparatória para
Primeiro Governo Constitucional.
jovens foi fortemente criticada por associativo.

alguns pedagogos.
11 SETEMBRO 17 JULHO
Reconhecimento internacional
li MAIO Ezequiel d e Campos propôs
da República.
Criação de Escolas Normais Superiores na Assembleia Nacional um Projecto

junto das Universidades de Lisboa


5 OUTUBRO de Lei de Utilização dos Terrenos
Incursão monárquica. I n cultos. Batalhou também pela
e de Coi mbra.
17-30 OUTUBRO criação de uma ind ústria hidroeléctrica
U MAIO
Congresso do PRP. Eleito um directório para suprir a falta de carvão.
Nova Constituição Un iversitária:
afecto a Afonso Costa. No Boletim do Trabalho Industrial
apareceram as "Faculdades
O partido passa a ser conhecido por de 1911, conclui-se que o operário
de Ciências Aplicadas" como
Partido Democrático. António José português se alimentava pior que
o Instituto Superior de Comércio
de Almeida e Brito Camacho os outros povos civilizados europeus.
ou o I nstituto Superior Técnico.
abandonam o partido.
Ensino Superior e Médio separaram-se.

l& MAIO 7 NOVEMBRO


Formação da União Nacional
Reorganização das Escolas
Republicana.
de Belas-Artes de Lisboa e do Porto.

SETEMBRO
Reforma da ortografia.
EDUCAÇÃO FACTOS POLÍTICOS ECONOMIA, SOCIEDADE
E CULTURA

18 JANEIRO 14 FEVEREIRO António Carneiro pintou Praia do Boa


1 9 11 Inauguração da Universidade Livre António José de Almeida funda Nova, óleo sobre tela.
de Lisboa. o Partido Evolucionista. Intensificou-se o movimento
ABRIL 17 MARÇO associativo rural.
3.º Congresso Pedagógico de I nstrução Brito Camacho funda o Partido Portugal utilizava 0,161 kg de adubos
Primária e Popular (os primeiros foram da União Republicana. químicos por hectare; na Europa, abaixo
antes da implantação da República). J-7 JULHO deste valor só os países balcânicos.
O? JUNHO E 14 NOVEMBRO Novas i ncursões monárquicas. O peso da indústria têxtil, no conjunto
Inauguração das Universidades da exportação industrial portuguesa,
Populares do Porto e de Coimbra baixou para 32-35% do seu valor.
Greve geral.

Amadeo de Souza-Cardoso pintou


191J
? MARÇO JULHO
Realização da Festa Nacional Foram quebradas as relações Cabeça, Cozinho da Casa de /11anhouce
da Á rvore, promovida por di plomáticas com a Santa Sé. eProcissão Corpus Christi, óleos sobre
O Século Agrícola. tela, entre outros.
J JULHO
7 JULHO Nova Lei Eleitoral (foi retirado o direito ll FEVEREIRO
Criação do M i nistério da Instrução de voto aos analfabetos). Tentou reclassificar-se as estradas
Pública. macadamizadas e autorizar a sua
li OUTUBRO
Para além de uma Secretaria-Geral. reparação ou conclusão.
Revolta monárquica ou "primeira
havia u m Conselho de Instrução outubrada". ABRIL
Pública e seis Repartições - Instrução Novo Congresso dos Trabalhadores
Primária e Normal; I n strução Rurais, que lutavam por melhores
Secundária; Instrução U niversitária; salários e menos horas de trabalho.
Instrução Ind ustrial e Comercial;
MAIO
Instrução Agrícola e Instrução Artística.
Em Lisboa, comício para protestar
J OUTUBRO contra o aumento das rendas de casa.
Criação das Escolas Móveis.
lO AGOSTO
Afonso Costa anuncia um superavit
para 1912-1913.

1 1 SETEMBRO Amadeo de Souza-Cardoso pintou


1 9 14
lO MAIO
Foi dada maior autonomia pedagógica Partida de m i litares portugueses para Dom Quixote.
aos liceus para a constituição Angola e Moçambique. Greves e revoltas por causa da
de turmas, horários, cum primento lO OUTUBRO escassez de alimentos. Grande greve
dos programas, avaliações. Revolta monárquica ou "segunda do pessoal ferroviário.
7 JULHO outubrada", na região de Mafra e Torres MARÇO
Reforma do Ensino Normal Primário. Vedras. 1. º Congresso Nacional Operário,
lO SETEMBRO OUTUBRO-DEZEMBRO em Tomar.
Os reitores dos liceus com instalações Massacres de Cuangar e Naulila, Foi constituída a U n ião Operária
e materiais adequados podiam instituir em Angola. Nacional. dividida em 2 secções
"cursos de trabalhos individuais (Sul e Norte), que procurava unificar
educativos" em "física, q u ímica, o movimento operário.
ciências biológicas e geológicas A dívida pública baixou para menos
e geografia". de 30%.
17 NOVEMBRO Carência de metais e corrida à prata.
Reorganização das secções femininas O entesouramento d i m i n u i u a
em liceus do Porto e Coimbra. quantidade de moeda em circulação.
As raparigas frequentavam os liceus
Mau ano agrícola: baixou a colheita
em regime de co-educação.
cerea lífera e houve m á colheita de
azeite. Escassez de pão. O Governo
impôs a manutenção dos preços,
tabelando o preço máximo.

A Guerra fez baixar as importações


de adubos químicos. Foram
substituídos por orgânicos.
Aumentou o surto migratório do campo
para as cidades.
139 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
CRONOLOGIA COMPARADA

EDUCAÇÃO FACTOS POLITICOS ECONOMIA, SOCIEDADE


E CULTURA
6 FEVEREIRO
1,15 Abertura da Escola Técnica
l1 JANEIRO
"Movimento das Espadas",
l1 JANEIRO
Decretado o número de horas
Secundária de Agricultura, insubord i nação m i litar que levou de trabalho: 7 para empregados
em Santarém. à instauração da ditadura de Pi menta de escritório e bancários: 8-10 para
de Castro. operários fabris e oficinas: 10 para
14 MAIO empregados d e lojas, com i ntervalo

Revolta armada e fim do Governo de 2 h para almoço.

ditatorial de Pimenta de Castro. As disposições não se cumpriam.

I JUNHO O s camponeses muito pobres,

Lei Eleitoral q u e mantinha princípios com terras registadas em seu nome,

de 1911 e 1913, embora com constituíam 58% de proprietários.


alterações. Localizavam-se princi palmente
a Norte d o Tejo.
Os que vendiam normalmente a sua
força de trabalho mig ravam sobretudo
para Sul - Alentejo, Ribatejo,
Estremadura.

A i n dústria têxtil ocupava o valor


cimeiro da produção e exportação.

1'1'
4 SETEMBRO ? MARÇO António Carneiro p intou Pinheiros,
Reorganização do ensino técnico A Alemanha declara guerra a Portugal: e Amadeo de Souza-Cardoso pintou
ind ustrial e comercial nas Escolas entrada de Portugal na Grande Guerra. Par.Ímpar, óleos sobre tela.
I ndustriais, Escolas de Arte Aplicada, 16 MARÇO
IS MARÇO
Escolas de Artes e Ofícios e Escolas Criação do M i nistério do Trabalho
Governo da "União Sag rada", presidido
Comerciais.
por António José de Almeida. e Previdência Social. alargando

ABRIL os serviços de assistência prestados


pelo Estado.
Quionga, no Norte de Moçambique,
esteve debaixo de fogo alemão. Os in dustriais requeriam uma pauta

JULHO aduaneira mais proteccionista que


travasse as importações de artigos
Constituído em Tancos o Corpo
manufactu rados ou manufacturáveis
Expedicionário Português (CEP)
em Portugal.
- 30 DOO homens comandados
por Norton de Matos. A CUF tinha 2000 operários.
A ind ústria q u ímica desempenhava
7 AGOSTO
um papel cada vez mais i m portante
O Parlamento português aceita
na economia.
a participação de Portugal na Guerra.
As condições de vida do operariado
28 SETEMBRO
fabril continuavam a ser muito difíceis.
Revisão da Constituição de 1911.

1 , 17 As m ulheres eram 60,9% do total


de professores primários.
26 JANEIRO
O Corpo Expedicionário Português
Columbano Bordalo Pinheiro retratou
Teófilo Braga, óleo sobre tela.
(CEP) partiu para a Flandres. Grave escassez de moeda.
S DEZEMBRO J MARÇO
Revolução do major e professor Reuniu pela primeira vez um outro
de Matemática, Sidónio Pais. órgão consultivo, o Conselho
Bernardino Machado foi preso Económico Nacional, que incluía
em Belém, destituído pela Junta representantes das associações
Revolucionária e exilado. comerciais, agrícolas e industriais
d e Portugal e colónias. Foi legalizado
a 18 de Abril, mas logo votado
desfavoravelmente na Câmara
dos Deputados.
EDUCAÇÃO FACTOS POLITICOS ECONOMIA, SOCIEDADE
E CULTURA

14 ABRIL
" U ltimatum futurista às gerações
portuguesas do século XX" - 1. �
Conferência Futurista de José de
Almada Negreiros, no Teatro República.

19 ABRIL
Linhas gerais d e um plano de obras
h i d ráulicas de iniciativa estatal.
Existiam 39 centrais eléctricas, quase
todas de alimentação térmica.

IJ MAIO
Aparições de Fátima (até Outubro).

l7 NOVEMBRO
Decreto que favorecia o
aproveitamento dos terrenos incu ltos
pertencentes a particulares,
estimulando a criação de associações
de agricultores para esse efeito.

5 DEZEMBRO
Onda de saques e assaltos.

9 DEZEMBRO
Comício da União Operária Nacional
proclama a utilização dos terrenos
i ncultos.

Estímulo à produção conserveira


de pescado, frutas secas e compota.

1918 JULHO 11 FEVEREIRO José Malhoa pintou Outono, óleo sobre


Inauguração da Escola Normal Alteração à Lei da Separação da Igreja madeira.
de Lisboa, em Benfica. e do Estado. Só à Casa da Moeda era permitido
emitir cédulas. Não chegavam,
ll J ULHO 9 MARÇO
no entanto, para as necessidades,
Extinção da experiência Criação do M i nistério da Agricultura,
e as emissões privadas continuaram.
descentralizadora do ensino: os Ministério das Subsistências
serviços de i n strução primária voltaram e Transportes. 9 DE MARÇO
a ser administrados pelo Governo. Criação do M i ni stério da Agricultura:
11 E JO MARÇO
extin g u i u-se a J unta de Crédito
14 J ULHO Decretos sidonistas alterando o regime
Agrícola e fundou-se a D irecção
Reforma do Ensino Secundário. de sufrágio, que passou a ser u niversal.
do Crédito e das Instituições Sociais
11 NOVEMBRO 5 ABRIL Agrícolas.
Regulamentação do ensino feminino. O Batalhão do CE P revoltou-se
Alteração dos programas de ginástica, e recusou-se a continuar na Linha
ABRIL
Congresso Rural: propunham-se
acrescentando-Lhe danças e jogos. da frente.
medidas de aproveitamento dos
Os trabalhos manuais passaram 9 ABRIL
terrenos incultos para as associações
a incluir costura, Lavores e trabalhos
O CEP foi destroçado pelas tropas
de trabalhadores.
de arte aplicada.
alemãs na Batalha de La Lys.
l7 NOVEMBRO MAIO
IJ JULHO Ezequiel de Campos defendeu
Pu blicação dos programas Liceais.
A Direcção-Geral de Saúde
a cedência da terra a braços que
I DEZEMBRO e a Direcção-Geral dos Hospitais Civis
a arroteassem, a expropriação pelo
Reforma do Ensino Ind ustrial de Lisboa passaram para o M i nistério
Estado e a abertura de um concurso
e Comercial. O ensino i n dustrial passou do Trabalho.
de povoamento para que gente
a ser m i n i strado nas Escolas de Artes
Reataram-se as relações com do Noroeste viesse a ocupar terras
e Ofícios, Industriais, Preparatórias
a Santa Sé. do Sul.
e de Arte Aplicada.
141

EDUCAÇÃO FACTOS POLITICOS ECONOMIA, SOCIEDADE


E CULTURA

14 DEZEMBRO JUNHO
Atentado contra Sidónio Pais, de que Grande agitação social. Diversas
resultou a sua morte. Dirigia-se ao greves.
Porto para tentar disciplinar a Junta ? J U LHO
M i litar do Norte, restauracionista. Criada a Obra de Assistência
I& DEZEMBRO 5 d e Dezembro para administrar
O Congresso colocou de novo em vigor as "sopas económicas": criaram-se
a Constituição de 1911 na sua forma 33 "cozinhas económicas", também
original. O novo Presidente foi Canto chamadas "sopas dos pobres", que
e Castro. serviam uma média de 4000 refeições
diárias.

AGOSTO
Gripe Pneumónica, também conhecida
como "gripe espanhola" (surto que se
fez sentir de Agosto de 1918 a Ju n h o
de 1919). Morreram cerca d e 60 000
pessoas, entre elas Amadeo d e Souza­
-Cardoso.

I? SETEMBRO
Autorização dada às Câmaras
M u n icipais e às Juntas de Freguesia
para parcelarem os baldios e cedê-los
temporariamente a quem os cultivasse.

18 NOVEMBRO
Greve geral, muito censurada
e reprimida.

18-11 NOVEMBRO
Trabalhadores rurais ocuparam terras
no Vale de Santiago, concelho
de Odemira. A Associação dos
Trabalhadores Rurais seria encerrada,
e os implicados perseg uidos e presos.

1919 MARÇO
Criação de quatro D i recções-Gerais -
I? JANEIRO
Restaurou-se a Monarquia do Norte,
MARÇO
Promulgou-se legislação que concedia
Ensino Primário e Normal; Ensino no Porto, com Paiva Couceiro: o reino crédito para a construção de bairros
Secundário; Ensino S uperior; d a "Traulitândia", como ficou conhecido. operários.
e Belas-Artes. 11 JANEIRO 17 ABRIL
17 ABRIL Monsanto foi alvo dos monárquicos. Nova Lei do In q u ilinato. Proibiu-se
Inauguração da U n iversidade Popular Ficaram isolados pelos republicanos. o aumento das rendas e permitiu-se
Portuguesa. FEVEREIRO a sublocação aos inquilinos.

? MAIO Restaurou-se a República no Norte. 7 MAIO


Reforma do ensino da música. Paiva Couceiro fugiu e refugiou-se Obrigatoriedade das 8 horas
Dividiu-se em três graus: elementar, em Espanha. de trabalho diárias foi alargada
complementar e superior. 1 1 MAIO a operários e empregados de comércio.

lO MAIO Eleições. Reposição da Constituição Só entrou em vigor a 1 d e Novembro.

Reforma do ensino primário. de 1911. lO MAIO


15 SETEMBRO AGOSTO Decretada a obrigatoriedade de seg u ro

Aprovação do regulamento do Instituto António José de Almeida foi eleito contra acidentes de trabalho em todas

Ind ustrial do Porto. Presidente da República. as profissões.


Criado o seguro social obrigatório
J OUTUBRO 11 SETEMBRO
na doença, invalidez, velhice
Regulamentação das Escolas de Artes Revisão constitucional. E m caso
e sobrevivência.
e Ofícios. de necessidade e com a consulta

I? DEZEMBRO do Conselho Parlamentar, o Presidente


da República podia dissolver
Reg ulamentação das Escolas
Comerciais. as Câmaras Legislativas.
EDUCAÇÃO FACTOS POLITICOS ECONOMIA, SOCIEDADE
E CULTURA

lO MAIO
Criação de uma Inspecção-Geral dos
Serviços de Protecção a Menores.

A União Operária Nacional (Federação


de Sindicatos) transformou-se em
Confederação Geral do Trabalho.

JULHO-AGOSTO
Grande agitação social. Várias g reves
que se prolongaram no tempo.

17 OUTUBRO 7 AGOSTO Início do declínio da taxa


1 920 Novo regulamento do Instituto Criação do regime de mortalidade (23,9%o), valor
Comercial do Porto. de Altos-Comissários para que se aproximava de outros países
as Colónias, designação que substituiu europeus.
Taxa de analfabetismo: cerca de 66%.
a de "Províncias Ultramarinas". A esperança média de vida era
de 35 anos para os homens
e de 36 para as mulheres.
Intensificou-se a campanha
em prol da utilização de máquinas
na agricultura. São compradas
charruas, debulhadoras, semeadoras,
ceifeiras, m u itas vezes não
rentabilizadas devido à falta de
preparação dos próprios agricultores.

O "pão político", barato consoante


as tabelas oficiais, era de péssima
qualidade.

OUTUBRO-NOVEMBRO
Grande agitação social.
Diversas greves.

18 JANEIRO 15 OUTUBRO
1 92 1
MARÇO
Escolas Su periores de Farmácia Surgimento do Partido Comun ista Aparecimento da Seara Nova, como
transformadas em Faculdades Português. As linhas gerais do seu resposta dos intelectuais republicanos
de Farmácia. programa foram publicadas em ao clientelismo em que tinha caído

6 OUTUBRO O Comunista. a política portuguesa.

Regulamentação do I n stituto Superior Fundação da Acção Tradicionalista 10 DEZEMBRO


Técnico. Portuguesa, de adeptos monárqui cos Continuou a insistir-se

5 DEZEMBRO discordantes da Causa Monárquica. no a proveitamento dos baldios.


Criação do Instituto I ndustrial 17 OUTUBRO Muitos bancos e lojas fecharam.
e Comercial de Coimbra. Movimento revolucionário exigiu
Tentativa de greve geral.
a dissolução do Parlamento e a revisão
da Constituição. A GNR ocupou
o Terreiro do Paço, e António José
de Almeida recusou-se a entregar
o poder aos revoltosos.
Depois deste episódio revolucionário
seg u i u-se a "Noite Sangrenta".
António Granja, chefe do Governo
demissionário, foi sequestrado por
u m grupo de marinheiros, soldados
da GNR e civis armados e morto a tiro
no Arsenal da Marinha. Carlos da Maia,
oficial da Marinha, Freitas da Silva
e Botelho de Vasconcelos foram
mortos. Machado Santos, herói
do 5 de Outubro, também foi levado
pela "camioneta-fantasma".
143

EDUCAÇÃO FACTOS POLiTICOS ECONOMIA, SOCIEDADE


E CULTURA

DEZEMBRO JO MARÇO
1 911 O m i nistro da I nstrução Pública, I n ício da primeira travessia aérea
Leonardo José Coimbra, propôs do Atlântico Sul por Gago Coutinho
que fosse possível a reintrodução e Sacadura Cabral.
do ensino religioso em li SETEMBRO
estabelecimentos particulares. Reforma tributária. Criação de novos
A proposta não foi aprovada. i m postos, aumentando alguns
consoante o valor transaccionado.

07 JUNHO Surgiu o novo Partido Republicano Do ponto de vista da produção ag rícola,


1 91J Realização do 1. º Congresso d a s Nacionalista de Cunha Leal, Ginestal foi um bom ano: farta produção
Escolas Industriais, em Lisboa. Machado e Á lvaro de Castro. de trigo, vinho e azeite.

"Reforma de João Camoesas", projecto O Ministério da Agricultura instituiu


inovador de remodelação do ensino. subsídios para obras d e h i d ráulica
agrícola e para i m portação
d e maquinaria agrícola.

Actualização da pauta proteccionista


que impunha encargos aos produtos
estrangeiros, de forma a d im in u ir
as i m portações.

JANEIRO 7 JANEIRO lJ MAIO


1 ,14 António Sérgio foi m i n i stro da Instrução Foi extinta a Direcção-Geral Remodelação do sistema monetário.
Pública. Extinguiu as escolas primárias da Segurança Pública. A desvalorização da moeda era
superiores, o que levou a protestos de 156$50 em relação à Li bra,
da opinião pública. 30 vezes o valor d e 1911.
Ol MAIO Os operários industriais eram já
Realização do Congresso Fem inista 217 000, o dobro dos existentes
e da Educação, em Lisboa. em 1912.
04 JUNHO 28 SETEMBRO
Aprovação das bases para Constituiu-se a União dos Interesses
a reorganização do Ensino Primário Económicos, que integrava associações
Superior. comerciais e industriais, e a Associação
Central da Agricultura Portuguesa.
04 NOVEMBRO
Reorganização do Ensino Primário Multiplicaram-se as bombas
Superior. e os atentados.

14 FEVEREIRO
1 915
MAIO IS ABRIL
Suprimidas as J u ntas Escolares, com Conspi ração no Exército. Mais de 16 000 ha d e baldios foram
muitos protestos do professorado. 17 J U LHO partilhados.
Seriam restabelecidas um ano depois. Outra conspiração, desta vez liderada Ezequiel de Campos (ministro

25 NOVEMBRO por Mendes Cabeçadas. da Agricu ltura) propôs que passassem


para o domínio público terras mal
A Di recção-Geral de Saúde passou para
aproveitadas, abandonadas ou em
o Ministério da I nstrução Pública devido
pousio. Os seus sucessores recuaram.
à extinção do M i nistério do Tra balho.
Agravara-se a dependência do País
em relação aos mercados do Noroeste
europeu (forneciam 65,2% do que se
i m portava e absorviam 61,2% d o que
se exportava).
MARIA CÂNDIDA PROENÇA
Doutora em História Cultural e das Mentalidades dos Séculos XIX e XX, com agregação em Ciên­
cias da Educação, especialidade de Didáctica da História. Professora universitária aposentada, é ac­
tualmente investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
Últimas obras publicadas: O. fvlanuel/1 (Lisboa, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2008), A Questão
Colonial no Parlamento -1910-1926 (Lisboa, Assembleia da República/O. Quixote, 2008) e História de
Portugal (7 volumes, Lisboa, Círculo de Leitores, 2009/2010).

JOAQUIM PINTASSILGO
Doutor em Geografia e História pela Universidade de Salamanca. Integrou a Comissão Instaladora do
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, sendo, actualmente, um dos seus Subdirectores,
para além de Presidente do Conselho Pedagógico. Autor de numerosas obras de História da Educa­
ção, entre as quais A História das Disciplinas Escolares de fvlatemática e de Ciências (Escolar Editora,
2010).

JORGE RAMOS DO Ó
Professor Associado do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e Professor Convidado da
Universidade de São Paulo-Brasil, instituições onde lecciona temáticas relacionadas com a história da
educação, história da cultura e análise do discurso. Tem escrito sobre história política, histórica cul­
tural e das mentalidades, especialmente durante o período do Estado Novo, e também sobre história
da educação e da pedagogia, num período mais Longo e que se estende de meados do século XIX a
meados de Novecentos.

JUSTINO MAGALHÃES
Historiador da Educação, Professor Catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa,
Coordenador da Área de Investigação e Ensino de História e Psicologia da Educação, Coordenador do
Doutoramento em História da Educação. Autor de, entre outros, Ler e Escrever no fvlundo Rural do An­
tigo Regime (1994), Alquimias da Escrita (2001) e Tecendo Nexos: História das Instituições Educativas
(2004).
147 EDUCAR
EDUCAÇÃO PARA TODOS. ENSINO NA I REPÚBLICA
NOTAS SOBRE OS AUTORES

L U ÍS MARQ U ES ALVES
Professor Associado com Agregação no Departamento de História - FLU P/UP. Autor de Ensino Téc­
nico (1 756-1 9 73) (2009), ISEP - 150 anos: fvlemória e Identidade (2005) e O Porto no Arranque do
Ensino Industrial (1851-1910) (2003).

LUÍS REIS TORGAL


É Professor Catedrático Aposentado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Coordena­
dor de Investigação do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra
(CEIS20). Tem-se dedicado, ultimamente, à investigação sobre a I República e o Estado Novo, sendo
também autor de estudos sobre História da Universidade. Últimas obras publicadas: António José de
Almeida e a República (Lisboa, Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2004 e 2005, duas edições) e
Estados Novos, Estado Novo (2 volumes, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2009, duas edições).

MARGARI DA LOU RO F E LGU E I RAS


Doutora em Ciências da Educação. Investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Educativas
- CIIE da F PCE/UP. Autora, entre outros, de Para uma História Social do Professorado Primário em
Portugal no Século XX ( Porto, Campo das Letras, 2008).

PAU LO RENATO TRI NCÃO


É professor de Comunicação em Ciência no Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro.
Investigador do CIDTFF (Centro de Investigação Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores).
Foi Comissário da Coimbra Capital Nacional da Cultura (2003) e fundador do Centro de Ciência Viva,
em Aveiro (2004). Entre 1999 e 2001, tentou recuperar a obra do Prof. Mário Silva no Museu Nacional
da Ciência e da Técnica, então transformado no Instituto de História da Ciência e da Técnica.
 
14?

EXPOSIÇÃO
DIRECÇÃO E PRODUÇÃO SiTIO WEB
Comissão Nacional para as Comem orações
do Centenário da República - CNCCR COORDENAÇÃO
CNCCR com Sofia Macedo
COMISSÁRIA
Maria Cândida Proença DESIGN
Henrique Cayatte Design com Pedro Gonçalves
TEXTO E PESQUISA DOCU M ENTAL
Raquel Pereira Henriques DESENVOLVI M E NTO E I MPLEMENTAÇÃO
CNCCR com João Canas
PESQUISA ICONOGRÁFICA
Ângela Salgueiro F I LM ES
Cine mateca Portuguesa - Museu do Ci nema
MUSEOLOGIA Zoomofoco
Paulo Trincão
EDIÇÃO DE F I LM ES
COORDENAÇÃO GERAL A Fundição, com João Cayatte (realização
CNCCR com Cátia Carvalho, Mafalda Gouveia e produção), Flávio Matos e Ricardo Martins
e Maria Inês Queiroz (edição vídeo e áud io)
C N C C R com Zoomofoco
ARQUITECTURA
Daniela Ermano e João Carrasco VOZES DOS PEDAGOGOS
Manuel Wiborg
DESIGN Paulo Pinto
Henrique Cayatte Design com Ana Machado, Pedro Gil
Cristina Viotti, Manuel Cluny e Rita M ú rias
REVISÃO DE TEXTOS
AUDIOVISUAL E M U LTIMÉDIA António Massano

COORDENAÇÃO PRODUÇÃO E MONTAGEM DA EXPOSIÇÃO


CNCCR com Paulo Soares e Sofia Macedo
COORDENAÇÃO
DESIGN CNCCR com Mafalda Gouveia e Luís Marreiros
Henrique Cayatte Design com Pedro Gonçalves
EXECUÇÃO
PRODUÇÃO E EXECUÇÃO Eurostand, Stands e Decoração d e Interiores, Lda.
CNCCR com Ângela Salgueiro
A Fundição CENOGRAFIA
A D LC C i n e Set - Construção de Cenários, Uni pessoal. Lda.
Eticadata
Lisbon Labs PROJ ECTO DE ILUMI NAÇÃO
Neari nteraction A Fu ndição, Oficina de Espectáculos, Lda.
On The Road
Optivisus PRÉ-I MPRESSÃO
Vectrlab Big Book - Comunicação Visual, Lda .
Via byte
Webeffect I M PRESSÃO
Eurostand, Stands e Decoração de Interiores, Lda.

I NSTALAÇÃO ELÉCTRICA
Eurostand, Stands e Decoração de I nteriores, Ld a .

FOTOGRAFIA
José Manuel Vasconcellos
PLANO DE SEGURANÇA AGRADECIMENTOS E CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
EPPE, SA Antonieta Calvelas
Carlos Guerreiro
APOIO JURIDICO Cristina Oliveira
CNCCR com Adelaide de Andrade Silva Filomena Lobo
e Maria João Lamy José Baptista
José Neiva Vieira
DIVULGAÇÃO José Pereira Nunes
CNCCR com João Sacchetti, Fernanda Ribeiro Maria Francisca Amaral
e Mafalda Jardim Maria Helena Corrêa
Miguel Rodrigues
GESTÃO DA EXPOSIÇÃO Pedro Tamen
Rui Rosmaninho
COORDENAÇÃO
CNCCR com Luís Marreiros Agrupamento de Escolas Nuno Gonçalves, Lisboa
Arquivo Fotográfico da Escola Secundária Maria Amália
ASSISTENTES Vaz de Carvalho: AF-ESMAVC
Complet'Arte Arquivo Fotográfico da Escola Secundária
Maria Amália: AF-ESMA
Arquivo Municipal de Lisboa- Arquivo Fotográfico: AML-AF
Biblioteca da Universidade Católica Portuguesa
do Centro Regional do Porto
Biblioteca Histórica da Secretaria-Geral
do Ministério da Educação
Biblioteca Nacional de Portugal: BNP
Centro Escolar Republicano Almirante Reis: CERAR
Cinemateca Portuguesa- Museu do Cinema
Direcção-Geral de Arquivos- Arquivo Nacional
da Torre do Tombo: DGARQ-ANTT
Exército Português- Museu Militar de Lisboa: EP-MML
Grande Oriente Lusitano- Museu Maçónico: GOL-MM
Hemeroteca Municipal de Lisboa: HML
Grémio de Instrução Liberal de Campo de Ourique: GILCO
Ministério da Educação: ME
Museu Escolar de Marrazes: MEM
Museu Escolar Oliveira Lopes, Válega: MEOL
Museu Nacional da Ciência e da Técnica: MNCT
Parque Escolar, EPE
Teatro Nacional O. Maria 11: TNDM 11
Unidade de Gestão Florestal do Centro Litoral: UGFCL
ISI

CATÁLOGO
DI RECÇÃO E PRODUÇÃO AGRADECI M ENTOS E CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
Comissão Nacional para as Comemorações Antonieta Calvelas
do Centenário da República - CNCCR José Baptista
José Neiva Vieira
COORDENAÇÃO CI ENTIFICA Maria Helena Corrêa
Maria Cândida Proença Pedro Tamen
Rui Rosm a n i n h o
TEXTOS
Joaquim Pintassilgo Agrupamento de Escolas N u n o Gonçalves, Lisboa
Jorge Ramos do ó Arquivo Fotográfico da Escola Secundária Maria Amália
Justino Magalhães Vaz de Carvalho: AF-ESMAVC
Luís Marques Alves Arquivo Fotográfico da Escola Secundária
Luís Reis Torgal Maria Amália: AF-ESMA
Margarida Felg ueiras Arquivo Mun icipal de Lisboa - Arquivo Fotográfico: AML-AF
Maria Cândida Proença Biblioteca da U n iversidade Católica Portuguesa
Paulo Tri ncão (com notas de Henrique Cayatte) d o Centro Regional do Porto
Biblioteca Histórica da Secretaria-Geral
EDIÇÃO do M i n istério da Educação
Comissão Nacional para as Comem orações Biblioteca Nacional de Portugal: BNP
d o Centenário da República - CNCCR Centro Escolar Republicano Alm i rante Reis: CERAR
C i nemateca Portuguesa - M u seu do Cinema
COORDENAÇÃO EDITORIAL D i recção-Geral de Arquivos - Arquivo Nacional
Maria Inês Queiroz da Torre do Tombo: DGARQ-ANTT
Exército Português - Museu M i litar de Lisboa: EP-MML
REVISÃO DE TEXTOS Grande Oriente Lusitano - Museu Maçónico: GOL-MM
António Massano Hemeroteca M u nicipal de Lisboa: HML
Grémio de Instrução Liberal de Campo d e Ourique: G I LCO
DESIGN M i n istério da Educação: ME
Henrique Cayatte Design Museu Escolar de Ma rrazes: MEM
com Ana Machado, Cristina Viotti, Museu Escolar Oliveira Lopes, Válega: MEOL
Manuel Cluny e Rita Mú rias M u s e u Nacional da Ciência e da Técnica: MNCT
Parque Escolar, EPE
I M PRESSÃO E ACABAMENTO Teatro Nacional O. Maria 1 1 : TNDM 1 1
I m p rensa Nacional-Casa da Moeda U n i dade de Gestão Florestal do Centro Litoral: UGFCL

ISBN
978-972-27-1840-0

DEPÓSITO LEGAL
305203/10

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