A Política Nacional de Resíduos Sólidos institucionalizada, procura recuperar um
grande déficit histórico.
Somos ainda um país onde, em linhas gerais, se enfrenta com grande deficiência a gestão em geral e a destinação em particular dos resíduos. Somos ainda um país de uma multidão de cidades sujas, de ambientes naturais degradados. Dentre as prioridades apresentadas pela Lei e pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos, encontram-se a eliminação dos lixões e a reabilitação dessas áreas, implantação de aterros sanitários, redução dos resíduos secos recicláveis e dos resíduos úmidos compostáveis dispostos nesses aterros, recuperação energética dos gases gerados em aterros sanitários e a inclusão, através de cooperativas, de 600 mil catadores de materiais recicláveis. Insta-se, entretanto, que por mais inovadoras e benéficas que sejam as diretrizes da PNRS, elas não serão cumpridas sem que haja a formação e a capacitação de mão de obra especializada – especialmente nas prefeituras municipais – capazes de coordenar e/ou trabalhar em equipes multidisciplinares, não só para a elaboração dos planos de gestão e o gerenciamento de resíduos, mas também para pôr em prática as metas de gerenciamento das coletas de todos os tipos de resíduos em conformidade com a lei. Isso porque a gestão e o gerenciamento de resíduos sólidos envolvem atividades que visam a redução da contaminação de solos, de corpos hídricos e a emissão de contaminantes atmosféricos que afetam, não só o clima global, como também alteram as condições da biota local e, por consequência, afetam positivamente os custos com a saúde pública. A atividade de gestão e gerenciamento também deve ser planejada com a premissa básica de gerar empregos, diminuindo a desigualdade social e, ao mesmo tempo, economizando a energia e os elementos da natureza explorados para a geração de produtos que ingressam na cadeia produtiva-comercial. Os Planos de Gestão e Gerenciamento Integrado de Resíduos deverão ser pensados de forma holística, uma vez que suas ações podem/devem reverberar no consumo mais eficiente de energia e matérias-primas, assim como no arrefecimento da contaminação do solo, de recursos hídricos e das emissões de gases responsáveis pelas alterações no efeito estufa e/ou pela chuva ácida.
HISTÓRICO
No dia 27 de outubro de 1989, o então senador da República Francisco
Rollemberg, eleito pelo estado de Sergipe, apresenta ao Senado um projeto de lei que assumiu a designação de PLS 354/89. O Projeto visava tratar de questões relativas aos resíduos hospitalares, pois nessa época, iniciavam-se as discussões polêmicas sobre a destinação dos resíduos sólidos gerados em estabelecimentos que desenvolviam atividades ligadas à saúde, então ainda designados Resíduos Hospitalares, hoje denominados Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde (RSSS). Até então o tema estava regulamentado por portarias e outras normas legais, mas não havia uma lei sobre o assunto, sendo que a discussão acabou suscitando a necessidade de o Brasil contar com um instrumento jurídico mais apropriado, sendo esta a justificativa para a apresentação do projeto de lei pelo Senador Rollemberg, que não deveria ter ideia do que viria a se tornar a sua proposta de projeto de lei. Em 04 de novembro de 1990, aproximadamente um ano após ser apresentado, o projeto foi aprovado pelo Senado, tendo, em 11 de dezembro, sido anunciado o seu ingresso na Câmara Federal, sob o número 203/1991. Nesse período, com o início da polêmica sobre a obrigação da incineração dos resíduos de serviços de saúde e a crítica aos lixões, na época tolerados, o tema dos resíduos sólidos passa a ser mais constante nas pautas políticas e midiáticas, mesmo nas associações que representam os técnicos do segmento. É nesse período que as entidades técnico-científicas passam a dar mais ênfase à área de resíduos sólidos, na Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), por exemplo, se consolidam os Seminários Nacionais de Resíduos Sólidos e também nos Congressos Nacionais, da mesma ABES, começam a aumentar o número de trabalhos técnicos apresentados sobre a temática. Também a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento de Água e Esgoto (ASSEMAE) altera seus estatutos, passando a representar os serviços de limpeza urbana, incluindo ainda a reserva de quatro cargos, no Conselho Deliberativo, para o segmento de resíduos sólidos. Os debates que ocorreram nesse período culminaram no surgimento de muitos projetos de lei, alguns tentando abordar o tema como um todo, ao passo que outros apenas se referiam a aspectos específicos, como a determinação de moratória para a instalação de incineradores de resíduos sólidos. Nos anos seguintes, ainda seria apresentada mais de uma centena de projetos de lei sobre o tema dos resíduos sólidos. Tendo em vista o grande número de projetos protocolados, em 14 de abril de 2000, a mesa da Câmara Federal resolve criar uma Comissão Especial para apreciar a matéria relativa a todos os projetos de lei sobre resíduos sólidos que ali tramitavam. Levando mais de um ano para a viabilização da primeira reunião desta Comissão, na espera de que os partidos apresentassem os nomes de seus representantes, sendo eleito, em 24 de maio de 2001, como relator o deputado federal de São Paulo Emerson Kapaz, que ao longo de mais de um ano realizou debates, com depoimentos de entidades e técnicos da área, ou na Câmara Federal ou espalhados pelo Brasil, através de Audiências Públicas da referida Comissão. Ao final do ano de 2002, pois já se aproximava o fim da legislatura, o deputado Emerson Kapaz apresentou uma minuta de projeto de lei, que, na visão de alguns técnicos do setor, estava muito aquém, dos debates que já ocorriam sobre o tema, para ser aprovado da forma como se encontrava. O tema foi, inclusive, pauta da Câmara Técnica de Resíduos Sólidos da ABES, durante o seu Congresso, onde foi votada e aprovada essa visão, sendo assumido que a ABES trabalharia pela rejeição do relatório/projeto apresentado. Cabe salientar que também nesse período o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) realiza essa discussão e aprova uma minuta de projeto de lei, mas como não cabe ao CONAMA enviar projetos de lei para o Congresso Nacional, o documento é enviado ao Governo Federal, via Ministério do Meio Ambiente, sendo ele arquivado. Porém, um outro, muito parecido a este, acaba sendo protocolado por um deputado, de forma que ele acabou ficando como mais um dentre os mais de cem projetos em tramitação. O relatório do deputado Emerson Kapaz acaba não sendo apreciado na Comissão Especial, e como seu mandato se encerrou no final do ano de 2002, o deputado Emerson Kapaz não pôde dar continuidade à tramitação do mesmo. No ano seguinte, com a nova legislatura, novos membros acabaram sendo indicados para a recomposição da Comissão Especial, devido ao desarquivamento do processo, solicitado pelo deputado federal Edson Duarte, em 18/02/2003, após novos requerimentos de vários deputados com o mesmo pedido, foi recriada a Comissão Especial em 16/10/2003, por ato do Presidente da Câmara Federal, deputado federal João Paulo Cunha. Nessa reedição da Comissão, os segmentos do setor de profissionais apostam no nome do deputado federal Luciano Zica, de São Paulo, para relator do processo, pois o mesmo já havia participado da discussão em grande parte desse período, como Secretário do Ambiente Urbano e dos Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Agora, na condição de deputado federal, poderia dar continuidade ao mesmo, com todo o conhecimento que ele já possuía do tema e de seu fácil diálogo com técnicos da área e suas Associações, mas quem acabou sendo designado como relator, após disputa interna na Câmara Federal, foi o deputado federal mineiro Pedro Ivo. Em 2004, o CONAMA realiza uma audiência pública sobre o tema. Nesta são enunciados os conceitos e diretrizes, que, podemos dizer, acabaram norteando o que veio a ser a proposta básica que deu origem à Lei 12.305/10. Dentre eles, temos a Logística Reversa e a Gestão Compartilhada, bem como o conceito de Gerador de resíduos. Quanto ao relato do deputado federal Pedro Ivo, feito em 2005, o segmento técnico assume o mesmo posicionamento que o relativo ao relatório anterior, pois também incide em posições contrárias ao entendimento dos técnicos, como, por exemplo, permitir a importação de sucatas de pneus, bem como fixar posicionamento sobre tecnologias. Ao final de seu mandato, o deputado consegue aprovar sua proposta na Comissão Especial. A partir de então, a tática das entidades técnicas passa a ser a de pressionar o Governo a apresentar uma proposta que viesse a incorporar os elementos discutidos na audiência pública do CONAMA, mostrando-se como a única alternativa viável para deter a continuidade da tramitação do relatório aprovado na Comissão Especial. Esta ação é realizada pela Articulação Nacional pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), formada no 1º Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, em 2001, e que teve em uma de suas oficinas, organizada pela ABES e pelo Instituto Polis, a PNRS como tema. Esta Oficina contou com a participação de organizações como o Greenpeace e outras reconhecidas nacionalmente. A Articulação passa a atuar fortemente pela aprovação de um projeto de lei que trouxesse a questão da inclusão dos catadores e de uma visão ambientalista para a lei, baseada nos 3 R’s (reduzir, reutilizar e reciclar), e noutros princípios como o não posicionamento referente a tecnologias específicas. Fundado em julho de 2001, o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCMR), vem a exercer forte poder de pressão e influência no Governo Federal, após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conseguindo pautar diretamente com o presidente da República a discussão do projeto de lei Como já estávamos numa nova legislatura, e o parecer tinha sido aprovado na Comissão Especial, então, em 28/10/2008, é aprovada a formação de um Grupo de Trabalho, coordenado pelo deputado federal paulista Arnaldo Jardim, Grupo que teria trinta dias para apresentar um parecer sobre o PL 203/91. Em 2009, o Governo envia ao Congresso Nacional um projeto de sua autoria, sendo anexado ao processo já existente. Finalmente, somente em 10/03/2010 acaba sendo aprovado na Câmara Federal o PL 203/1991. Retornando, dia 24/03/2010, para o Senado, tendo em vista a característica bicameralista brasileira, sendo relatado pelo senador César Borges, obtém a aprovação final em 07 de julho de 2010. Interessante lembrarmos que esse projeto de lei levou vinte e um anos tramitando no Congresso Nacional. Porém, tendo em vista a pressão da sociedade e a decisão do Governo de apoiar a sua aprovação, é sancionada na mesma data pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal e no Plenário. Ficando claro que, quando se tem a pressão e a devida decisão do governo em ter o projeto de lei aprovado, isto acontece rapidamente. Isso reforça argumentos à tese de que a aprovação não havia ocorrido antes por falta de um compromisso dos governos anteriores com a comunidade, que atuavam pela aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Em 02 de agosto de 2010, é aprovada a Lei 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, com a devida sanção presidencial sem vetos. Com a decisão de tornar a Lei 12.305/10 uma realidade, o MMA propõe dois decretos regulamentadores, os quais são assinados pelo presidente da República em 23 de dezembro de 2010, cumprindo o primeiro prazo estabelecido pela Lei 12.305/10, que determinava a sua regulamentação nesse mesmo ano. O Decreto 7.404/10 regulamenta a Lei 12.305/10, esclarece seu texto, permitindo melhor entendimento e aplicação da Lei. Já o Decreto 7.405/10 institui o Programa Pró-Catador e o Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis, que já existia com outra designação, reforçando- o e dando-lhe importância para que possa desenvolver ações concretas, como o monitoramento do Pró-Catador, programa do governo federal para políticas que atendam a população de catadores.