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Março 9, 2019
2. Batizado com o Espírito Santo, e declarado por Deus «o Filho meu», «o Amado» (Lucas
3,21-22), Jesus é conduzido pelo Espírito Santo através do deserto (Lucas 4,1), lugar
teológico e não meramente geográfico – com muita água (João 3,23) cumprindo Isaías 35,6-
7, 41,18 e 43,19-20, com árvores (canas) (Lucas 7,24) e relva verde (Marcos 6,39)
cumprindo Isaías 35,1 e 7 e 41,19 –, lugar provisório e preliminar, preambular, longe do que
é nosso, onde se está «a céu aberto» com Deus, onde troará a voz do seu mensageiro
(Isaías 40,3), de João Batista (Lucas 3,2-6), do próprio Messias segundo uma tradição
judaica recolhida em Mateus 24,26. O deserto é o lugar onde se pode começar a ver a
«obra» nova de Deus (Isaías 43,19). Sendo um lugar provisório, aponta para a Terra
Prometida e definitiva do repouso. O deserto é lugar de passagem. Sem pontos de referência
nem marcos de sinalização. Se o rumo não estiver bem definido, o viandante corre o risco de
se perder no deserto da vida e de nunca chegar à Vida verdadeira.
3. A liturgia deste Domingo I da Quaresma, neste Ano C, oferece-nos três textos sublimes
atravessados em filigrana pela profissão de fé. Comecemos pelo Evangelho com o texto
majestoso das chamadas tentações de Jesus (Lucas 4,1-13). Durante quarenta dias (40 é o
tempo de uma vida, a vida toda) Jesus jejuou (Lucas 4,2), isto é, perscrutou a «obra» nova
de Deus na história do seu povo, que o mesmo é dizer, saboreou as Escrituras, o outro
alimento (Deuteronómio 8,3; Mateus 4,4; cf. João 4,32 e 34-35: notável releitura em que
aos olhos atónitos dos discípulos saltam as estações do ano!), e meditou, sempre a partir
das Escrituras, na sua missão filial batismal. E é na sua condição de batizado, isto é, de Filho
de Deus, que ele é tentado. De facto, toda a tentação – a de Cristo como a nossa – começa
sempre da mesma maneira: «se és o Filho de Deus…». Atente-se em como se repete nos
mesmos termos sob a Cruz (Lucas 23,35-39). Portanto, sempre. Do Batismo até à Morte, a
tentação visa afastar-nos de Deus e da sua «obra», e pôr-nos ao serviço do «deus deste
mundo» (2 Coríntios 4,4; cf. João 12,31).
7. E a lição da Carta aos Romanos 10,8-13: na minha vida toda, no meu coração e na minha
boca – no coração a fé, na boca o testemunho – escorre o sabor da Tua Palavra, doce como
o puro mel dos favos!
8. O Salmo 91 é um poderoso grito de confiança em Deus, que vela por nós em todos os
momentos da nossa vida, sobretudo nos mais difíceis. A piedade popular tem este Salmo em
muito apreço. Basta ver, no Doutor Jivago, de Boris Pasternak, o soldado encontrado morto
numa batalha, que levava ao pescoço, cozidos num velho pedaço de pano, alguns versículos
deste Salmo. Os vv. 11-12: «Ele mandou aos seus anjos que te guardem em todos os teus
caminhos;/ eles sustentar-te-ão em suas mãos para que os teus pés não tropecem em
alguma pedra», são citados pelo diabo no Evangelho de hoje (Lucas 4,10-11), com colorido
mágico. O Salmo e Jesus propõem, claro, uma atitude de confiança, não mágica, mas
verdadeira, em Deus.
Beija-a.
A tua aragem,
A céu aberto.
António Couto