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Fevereiro 9, 2019
1. Naquela manhã de há dois mil anos algo de extraordinário aconteceu para que alguns
pescadores do lago da Galileia – o Evangelho de Lucas 5,1-11 destaca os nomes de Pedro,
Tiago e João – tenham abandonado as barcas, as redes, os peixes acabados de pescar em
grande quantidade, enfim, tudo, para seguirem mais de perto Jesus.
2. Pedro, sempre ele, diz-nos o porquê da revolução operada na sua vida: «Por causa da tua
Palavra, Mestre, lançarei as redes» (Lucas 5,5). Por causa da tua Palavra. Naquela manhã,
Jesus ensinava (edídasken) as multidões, sentado (kathísas) na barca de Pedro, que Jesus
tinha pedido a Pedro para afastar um pouco da praia para a água. Bela forma encontrada por
Jesus de obrigar Pedro a ter de escutar todo o seu ensinamento! E ensinava de forma
continuada: assim o indica o imperfeito do verbo grego. Sentado: é a posição do Mestre que
ensina na cátedra. É ainda sentado como Mestre na barca que Jesus ordena agora a Pedro:
«Afasta (a barca) para o mar profundo, e lançai as vossas redes para a pesca!» (Lucas 5,4).
Pedro mostrou a sua estupefação de pescador experimentado: tinham trabalhado toda a
noite e nada tinham pescado! Quanto mais agora, de dia, seria inútil fazê-lo! Lançou, porém,
as redes, e pouco depois caiu de joelhos aos pés de Jesus, sempre sentado como Mestre na
barca, e avançou um pedido: «Distancia-te de mim, Senhor, porque sou um homem
pecador» (Lucas 5,8). Mas Jesus diz para Pedro: «Não tenhas medo! Doravante serás
pescador de homens» (Lucas 5,10). E o narrador anota a fechar o episódio que «Tendo
conduzido as barcas para terra, tendo deixado tudo, seguiram-no» (Lucas 5,11).
3. Entenda-se bem que Pedro lançou as redes para a pesca, não baseado nas suas
capacidades de pescador experimentado, mas por causa da Palavra de Jesus ou sobre a
Palavra de Jesus. Palavra aqui diz-se rhêma, que tem o significado fortíssimo de «Palavra
que acontece» ou de «Acontecimento que fala». Entenda-se também então que a nova
missão de pescador de homens que Jesus lhe confia terá de ser também somente assente
nesta Palavra de Jesus. A missão de Pedro e a nossa!
5. Entenda-se ainda bem que este seguimento de Jesus a que Pedro e nós somos
convidados, não se destina a aprender uma doutrina ou uma ideia, mas a seguir de perto
uma Pessoa, Jesus de Nazaré, e a sua maneira concreta de viver. É a adesão a uma Pessoa
que está em causa para Pedro e para nós.
6. De Pedro e dos seus companheiros é dito que deixaram barcas, redes, peixes, tudo, para
seguirem Jesus (Lucas 5,11), decisão radical que o Evangelho de Lucas continuará a
salientar noutras passagens: «Se alguém quiser seguir-me, diga não a si mesmo, tome a sua
cruz todos os dias, e siga-me» (Lucas 9,23); «Vendei tudo o que tendes e dai-o em esmola»
(Lucas 12,33); «Aquele de vós que não renunciar a todos os seus bens não pode ser meu
discípulo» (Lucas 14,33); «Vende tudo o que tens e distribui-o aos pobres» (Lucas 18,21).
7. É assim que Pedro se faz pescador de homens, lançando as redes da Palavra criadora de
Deus até à sua morte, com o sangue, na cidade de Roma. Como memória eterna deste
«pescador», ainda hoje, em todos os dias 28 de Junho, véspera da Solenidade de São Pedro
e São Paulo, se coloca simbolicamente sobre a porta da Basílica de São Pedro, em Roma,
uma rede de ramos de buxo. Não uma coroa de louros, mas uma rede de louros!
10. A leitura semi-contínua do Apóstolo Paulo prossegue hoje com um texto de fundamental
importância (1 Coríntios 15,1-11), um «credo» cujo conteúdo é o Evangelho (euaggélion)
fielmente evangelizado (euaggelízomai) pelo Apóstolo e fielmente recebido (paralambánô) e
guardado (katéchô) pela comunidade cristã de Corinto. O Apóstolo enuncia os dois grandes
elos da genuína cadeia da Tradição: «Transmiti-vos (paradídômi) o que eu recebi
(paralambánô)». Transmitir e receber e de novo transmitir sem interrupção. Os conteúdos da
Tradição (parádosis) do Evangelho são: a) Cristo morreu pelos nossos pecados «segundo as
Escrituras»; b) foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia «segundo as Escrituras»; c) o
Senhor Ressuscitado fez-se ver a Cefas e aos Doze, depois a mais de quinhentos irmãos (a
maioria dos quais ainda estavam vivos quando Paulo escrevia, podendo, por isso,
testemunhar), depois a Tiago, depois a todos os discípulos, e, por último, ao próprio
Apóstolo Paulo que escreve e no qual opera a graça de Deus. Todos, o Apóstolo e os
Apóstolos, anunciam (kêrýssô) este Evangelho, e todos, o Apóstolo, os Apóstolos e os fiéis,
nós também, acreditámos (pisteúô) neste Evangelho e vivemos deste Evangelho, que é a
nossa vida verdadeira (Gálatas 2,20; Filipenses 3,21).
11. O Salmo 138, que hoje cantamos, é «o canto do chamamento universal», como o define
S.to Atanásio (séc. IV). O orante, voltado para o Templo (v. 2), como era usual fazer-se no
judaísmo tardio (o islamismo fá-lo-á mais tarde em relação a Meca), sente e sabe que a sua
oração não esbarra contra um céu cerrado, surdo e mudo, mas é registada e repercute-se no
coração de Deus, que em caso algum abandona a obra das suas mãos (v. 8). Grande Ação
de Graças deste orante (v. 1) e dos reis de toda a terra (v. 4). Nossa também.
Naquela manhã de há dois mil anos,
Ensina-nos, Senhor,
De ir contigo.
António Couto