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Notas sobre a gênese da forma

Vinicius M. Netto e Caio Cacholas1

Resumo. Sabemos as razões econômicas para a criação da cidade, mas por que inventamos o
quarteirão? Como o quarteirão se estabeleceu como solução e elemento definidor da espacialidade
urbana? Este artigo investiga as razões pelas quais diferentes culturas produziram o quarteirão.
Explorando estudos de agregação espacial e registros arqueológicos, discutiremos os eventos na
morfogênese do quarteirão em diferentes culturas. Proporemos a hipótese do gênese do quarteirão
como um modo de intensificar mobilidade e interações, propriedades chaves em sociedades com
divisões crescentes do trabalho. Abordaremos ainda como o quarteirão leva a estruturas urbanas a
partir de processos como a tentativa e erro, aleatoriedade e reflexividade, contexto e contingência.
Essas análises nos levarão finalmente a rejeitar explicações evolucionistas para a criação da forma
urbana baseadas na ‘sobrevivência dos padrões adequados’. Diferentemente, proporemos o espaço
urbano como efeito da interação de atores reflexivos.
Palavras chaves: morfogênese, quarteirão, evolução urbana, interação social.

Abstract. We know the economic reasons for the creation of the city, but why did we invent the urban
block? How was the block established as a solution and as a defining element of urban spatiality? This
article investigates the reasons why different cultures produced the block. Exploring studies of spatial
aggregation and archaeological records, we will infer the events in the morphogenesis of the block in
different cultures. We propose the hypothesis that cell aggregation in block form is a way of enhancing
mobility and interactivity, key properties in societies with increasing divisions of work. We will
approach how the block leads to urban structures from vectors such as trial and error, randomness and
reflexivity, context and contingency. The analysis will allow us to reject evolutionary explanations for
the creation of urban form based on the 'incidental survival' of appropriate patterns. Instead, we will
propose urban space as the effect of the interaction of reflective actors.
Key words: morphogenesis, urban block, urban evolution, social interaction.

Introdução

Figura 1: A paisagem de Çatal Höyük, na primeira representação urbana da história (6000 A.C.)
Fonte: Autores, baseados em Mellaart (1967:133).

O título deste artigo é, naturalmente, uma referência ao livro de Christopher Alexander sobre
a criação de ambientes urbanos, Notas sobre a Síntese da Forma. Alexander está interessado
no “processo de inventar coisas físicas que exibem nova ordem física, organização, forma, em
resposta à função”, o processo de formação que leva, entre outras coisas, a edificações e
cidades (Alexander, 1964:1). Alexander considerou como a forma responde aos padrões de

1
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (PPGAU/UFF).
interação humana e como esses sistemas reagem à mudança.

Por sua vez, este trabalho busca explorar as implicações da forma espacial à medida em que
envolve nossas ações. Mas como esses traços podem ser encontrados? Para entender isso,
precisamos de um conceito mais rico de espaço, capaz de amarra-lo inerentemente à ação.
Também precisamos supor que essa presença do espaço na ação deva estar ativa já no
momento de produção do espaço – quem sabe motivando sua própria produção. Temos de
considerar a possibilidade da relação espaço-ação como ativa nos processos de formação do
espaço urbano. Precisamos de uma genealogia amparada no exame das condições materiais e
das demandas da interação para entender o surgimento das espacialidades que chamamos de
‘urbanas’. Uma hipótese inicial é que os efeitos da forma espacial sobre a interação social
seria parte das razões pelas quais diferentes culturas produziram espaço urbano, adotando
certas abordagens morfogenéticas entre tantas possíveis. Uma maneira de investigar esse
problema envolve as seguintes etapas:
(1) Abordar um elemento que parece ter definido historicamente a espacialidade
urbana: o quarteirão. Explorando os estudos sobre agregação espacial, pesquisaremos a
criação do quarteirão como uma potencial inovação material.
(2) Inferir os eventos na morfogênese do quarteirão e, usando registros arqueológicos,
investigar como eles aconteceram em diferentes culturas e regiões seguindo caminhos
particulares – alguns estabelecidos há milhares de anos, outros gerados recentemente.
Proporemos a hipótese de que a agregação de células na forma do quarteirão é um modo de
intensificar a mobilidade e a interatividade, propriedades fundamentais na emergência de
sociedades com divisões crescentes do trabalho.
(3) Inferir as forças que impulsionam a morfogênese e moldam a cidade como
expressão das demandas da interação em sociedades com divisões do trabalho complexas.
Como estruturas urbanas emergiram a partir da agregação de células em quarteirões? Como
sistemas de quarteirão evoluíram em direção a cidades parcialmente estruturadas? Esse
processo envolveria a ‘seleção de formas mais adequadas’, uma espécie de ‘evolução
darwiniana’? Abordaremos como a criação do quarteirão leva a estruturas urbanas a partir de
vetores como a tentativa e erro, aleatoriedade e reflexividade, interatividade e contingência.
Teremos então condição de rejeitar explicações exclusivamente evolucionistas para a
formação urbana, baseadas na ‘sobrevivência incidental’ dos padrões adequados. Em vez
disso, proporemos o espaço urbano como efeito da interação de atores reflexivos e criativos.

O impulso para a formação urbana não é desconhecido na economia espacial. Desde o início
do século XIX, a geografia econômica localizou as origens das cidades em aglomerações
geradas por forças centrípetas e por externalidades de processos de produção e troca (Fujita e
Thisse, 2009). No entanto, desejamos nos aproximar dos processos elementares na formação
urbana, frequentemente ausentes das análises econômicas e geográfica: a gênese da forma
urbana como parte de redes de interações.

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1. A invenção do quarteirão
Por que o quarteirão urbano foi criado em culturas diferentes? Por que se tornou tão
emblemático da forma da cidade? Ainda que formações protourbanas sem quarteirões possam
ser encontradas no registro arqueológico, o quarteirão é o elemento que diferencia as
espacialidades dos assentamentos não urbanos daquelas que vieram a ser chamadas ‘cidades’,
em regiões sem contato entre si. Mas primeiro, precisamos definir o que é um quarteirão
urbano. Uma definição inicial descreve uma agregação de edificações dentro de uma área
convexa, definida por canais especializados de movimento e acesso. Esta agregação é
organizada como um anel – e o princípio do anel de edificações cercado por canais de acesso
é mais importante que a forma precisa do anel.

Segundo, ao falar de processos morfogenéticos, não estamos evocando a biologia como


modelo, mas sim procurando uma terminologia precisa para abordar o processo de criação da
forma urbana como ligada à interação humana. Surpreendentemente, poucos teóricos
abordaram a gênese da forma urbana diretamente. Um deles é Mike Batty, utilizando modelos
de agregação por difusão limitada (DLA). Com base em princípios de contiguidade física, as
formas complexas que emergem de tais modelos evocam as estruturas arbóreas
aparentemente encontradas nas cidades (Batty, 1989).

Mas, como diria Alexander (1966), “uma cidade não é uma árvore”. Essas representações não
conseguem capturar uma característica comum das cidades: a geração de redes de acessos
que ligam as células arquitetônicas. Isto demanda a consideração do surgimento de uma
formação crucial na agregação celular, um elemento marcante: os anéis de formas construídas
que chamamos ‘quarteirões’.

Hillier e Hanson (1984) abordam essa criação como restrições em um processo aleatório,
tendo a morfologia urbana como um sistema contendo regras sociais subjacentes
(‘genótipos’) ativas na geração de relações entre componentes, consideradas como
necessárias e não contingentes. A formação de assentamentos é um processo cumulativo, não
guiado por intenções conscientes. A estrutura dos assentamentos emerge de regras locais de
agregações cujas células – de casas a edificações maiores – têm pelo menos uma de suas faces
livres, ligada a espaços vazios contínuos (figura 2). Esse não é um processo simplesmente
aleatório – caso contrário, construiríamos células arquitetônicas sem acesso, ou espaços livres
totalmente desconectados uns dos outros.

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Figura 2 – A gênese de um assentamento: experimento com agregação celular (esquerda) e o assentamento Le
Petit Clements, na França (direita). Fonte: Autores, baseados em Hillier e Hanson (1984).

Hillier e Hanson reconhecem que esse processo pode ser moldado por (i) requisitos da ação
humana, baseados no acesso físico às células; (ii) diferentes níveis de ordem e desordem nas
agregações em diferentes culturas espaciais; (iii) uma dimensão social inerente expressa na
forma de padrões espaciais capazes de estimular ou restringir padrões de encontro. Esses
padrões estão associados a graus de acessibilidade internos à configuração dos assentamentos.
Essas forças materiais levariam a agregados e assentamentos a partir do ‘anel deformado’
(beady ring) dos espaços livres, gerando redes de ruas contínuas a partir da “lógica
fundamentalmente linear do espaço urbano” (Hillier, 1999:126). Essa visão da morfologia
inverte o foco para os canais entre quarteirões. Mesmo tendo chegado à agregação de células
no quarteirão, o foco no movimento levou Hillier a enfatizar os espaços entre edificações.

Vimos algumas das principais ideias sobre o surgimento da forma urbana como processo de
agregação celular. Dado que não temos uma genealogia da urbanização do espaço, registrada
historicamente ou recriada arqueologicamente, essas proposições enfrentam dificuldades de
verificação empírica, e não podem explicar processos históricos reais com absoluta certeza.
Explorando esta questão de pesquisa aberta, gostaríamos de investigar a gênese urbana
centrada no quarteirão como um elemento chave no surgimento das cidades como sistemas
de interação. Mesmo que nossa ênfase esteja nos processos materiais em jogo, precisamos
para tanto examinar os vestígios históricos de urbanização encontrados em diferentes regiões.

2. (Possíveis) eventos na morfogênese do quarteirão


Os registros arqueológicos mostram estruturas protourbanas próximas à formação do anel
característico do quarteirão de duas maneiras: (a) edificações relativamente dispersas dentro
de espaços convexos definidos por canais contínuos de acesso, e (b) agregações lineares de
células que formam anéis tangentes aos canais de acesso. Uma ilustração do primeiro caso é a
tradição maia, que produziu durante 2500 anos cidades como Chunchucmil na Península de
Yucatán (México). Chunchucmil tem espaços livres diferenciados para movimento e

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ocupação separados por muros baixos, ao contrário de outras cidades maias, que se estendem
do núcleo monumental à área residencial (Broekhoven et al, 2010). Mesmo sem a densidade
de cidades como Mayapan, estes sistemas de rua circunscrevem áreas convexas irregulares,
com unidades arquitetônicas compartilhando áreas internas comuns (figuras 3a e 3b).

Mas essa rede de acessos circunscrevendo áreas de ocupação não é encontrada em toda
cultura proto-urbana. Por exemplo, ela não aparece em Ur, cidade suméria fundada em torno
de 3800 A.C. atingindo seu pico em torno de 2000 A.C. na antiga Mesopotâmia (atual
Iraque). Em Ur, vemos um sistema de caminhos em forma de árvore, ao longo de bordas
contínuas de áreas densamente ocupadas – sem formar quarteirões em anéis completos em
uma rede de conexões generalizadas (figura 3c). O assentamento diferencia espaços públicos
(externos, axializados) dos privados pela borda das próprias edificações.

Figura 3 – (a) e (b) Padrões de ocupação e redes de acessos em Chunchucmil; (c) proto-quarteirões em Ur. Fonte:
Autores, baseados em Hutson (2012), Vis (2013) e Benevolo (1980).

Esses dois casos prototípicos oferecem insights sobre o processo de agregação de células
arquitetônicas circunscrita por canais de acesso, levando à principal característica do
quarteirão urbano. Mas como essas características do quarteirão surgiram? Vejamos os
eventos morfogenéticos que levariam ao quarteirão em diferentes culturas espaciais. A ideia é
reconhecer esses eventos à luz de dados arqueológicos recentes. O Pré-histórico tardio e
Proto-histórico no Oriente Médio (Jordânia, Turquia, Síria, Israel) do oitavo ao sexto milênio
A.C. trazem marcos na transição das aldeias para assentamentos proto-urbanos. Como a
evidência de processos de agrupamento é limitada pela impossibilidade de escavação em
grande escala, devemos evitar a adaptação de dados para um modelo específico (Cutting,
2005). Não temos intenção de oferecer poucos casos como demonstrações de um processo
universal. Essas descrições dos eventos morfogenéticos são antes hipóteses sobre processos
de formação que talvez não tenham ocorrido em todas as culturas urbanas.

5
(i) Acesso pedestre e solar às células arquitetônicas
Arranjos urbanos são profundamente atrelados à forma arquitetônica. Dois dos fatores no
posicionamento das células arquitetônicas no território são o acesso pedestre (enfatizado por
Hillier e Hanson, 1984) e o acesso solar (enfatizado por Steadman, 1998). Os acessos
pedestre e solar requerem que pelo menos uma face da célula seja conectada a um espaço
aberto. Há diferentes soluções para esse requerimento, incluindo células arquitetônicas de
forma circular e retangular (figura 4a). Células com acesso pela frente e fundos são
tipicamente encontradas em culturas urbanas europeias, por exemplo. Um outro arquétipo
separa o acesso solar do acesso pedestre incorporando um espaço interno aberto (figura 4c),
como a casa-pátio encontrada em sítios arqueológicos do Neolítico cerâmico do Oriente
Médio, com os benefícios de permitir atividades domésticas, minimizar o calor solar e
permitir reservatórios de água como dispositivos de controle de umidade. 2

Figura 4 – (a) Células arquetípicas; (b) aglomeração por proximidade; (c) células retangulares; (d) aglomeração
por adjacência. Fonte: Autores.

(ii) Aglomerando por proximidade e por adjacência


A aglomeração espacial que gera assentamos inclui diferentes formas de associação das
células: a proximidade, onde as células são vizinhas mas separadas por espaços (figura 4b), e
a adjacência, permitindo agregação contínua (figura 4d). O primeiro caso permite arranjos
com células circulares, não favorável às associações por adjacência. Aparece em arranjos
mais dispersos, como as aldeias em diferentes culturas, onde o espaço construído tende a ser
dominado pelo espaço livre e pela distância entre células, onde membros são usualmente
relacionados por laços familiares, compartilhando trabalho. 3 O segundo caso arquetípico é a
célula retangular, permitindo adjacência: as edificações individuais são agregadas a partir de
suas paredes externas (veja Düring, 2006; Geel, 2006) (figura 5, à direita). Essas agregações
se relacionam com a criação de arranjos sociais que transcendem o parentesco em sociedades
do tipo doméstico. As tarefas passam a exigir a cooperação de um número maior de pessoas.

2
Sobre introdução do pátio, veja Garfinkel (2006) e Ben-Shlomo e Garfinkel (2009); sobre seu desempenho
térmico, veja Dunhan (1960).
3
Exemplos de assentamentos de células circulares são encontrados em Ain Mallaha na Jordânia, Tell Mureybit no
Eufrates, Nahal Oren em Israel, principalmente entre 9000-7000 A.C. (Bikoulis, 2013); em outras regiões, o
assentamento de Winnebago na América do Norte, Moundang nos Camarões e o Kraal Zulu no sul da África,
analisado por Hillier e Hanson (1984). Veja ainda o caso dos Bororo no Brasil, analisado por Levi-Strauss (2008).

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Figura 5 – Arranjo de habitações do Paleolítico europeu (a. Kostienki I, b. Mezin); Mesolítico europeu (c.
Bergumermeer) e Neolítico pré-cerâmico do Oriente Médio (D. Nahal Oren, e. Çayönü); à direita, Çatal Höyük
(assentamento neolítico cerâmico na Turquia). Fonte: Autores baseados em Kozlowski (2006) e Mellaart (1967).

Existem evidências de duas transições históricas concomitantes e extraordinárias nos


processos morfogenéticos: a mudança na forma da casa de estruturas circulares a
retangulares, e o uso de ângulos quase retos na agregação arquitetônica.4 Essas transições
foram observadas no argumento seminal de Kent Flannery (1972) sobre a relação entre a
forma arquitetônica, a estrutura do assentamento e a organização social em sítios localizados
no Levant sul e Iraque. Essas alterações espaciais indicam mudanças sociais. Mais
apropriadas para reduzir as distâncias entre as habitações, agregações por adjacência
admitidas pela célula retangular permitem a intensificação da produção, unidades econômicas
mais estáveis e a criação de vínculos supra-parentesco, tornando a habitação individual
subordinada a formações sociais e econômicas mais amplas. Assim, esses assentamentos
podem se expandir para além dos conjuntos de células circulares em termos de tamanho da
comunidade, bem como superar limites relacionados à divisão do trabalho e formas de
trabalho disponível. Cutting (2006) identifica o arranjo por adjacência como o principal nível
de organização social e uma das tradições mais importantes e duradouras no Neolítico da
Anatólia Central (Hacılar, Boncuklu Höyük, Çatal Höyük, hoje Turquia). Estes exemplos por
excelência da arquitetura de aglomeração5 também foram encontrados na Jordânia e Norte da
África (Düring, 2006).

4
A mudança de circular para retangular foi identificada em Tell Mureybit (7500 A.C.) no Eufrates; em Jarmo no
norte do Iraque (6750-6000 A.C.); Beida na Jordânia (6500 A.C.); Matarrah na Síria (5500 A.C.). Os sítios da
Anatólia Central (hoje Turquia) incluem Asikli Höyuk (8200-7400 A.C.) na Capadócia Ocidental, e Catalhöuyk
(leste) (7400-6200 A.C.). As escavações dos níveis de construção em Cayönü revelaram uma mudança clara de
estruturas circulares a retangulares (Schirmer, 1990). A fase retilínea de construção da ‘grelha’ em Cayönü
começou imediatamente após a fase da célula redonda (Bikoulis, 2013: 40). Uma mudança de habitações
arredondadas para retangulares também foi observada em Hallan Çemi (Rosenberg, 1999).
5
Bikoulis (2013) chama esses arranjos de ‘aglutinantes’, e eles incluem Asikli Höyük (8200-7400 A.C.) na
Capadócia Ocidental, Çatal Höyük (leste) (7400-6200 A.C.) e Can Hasan (5730-5660 A.C.). Cutting (2006)
identifica vinte e seis deles em Asikli Höyük e trinta e nove em Çatal Höyük, definindo ‘edificação’ como uma
forma construída coberta por um único teto, independente da partição interna.

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(iii) Alinhamentos de células emergem
Analisando aglomerações por adjacência, Hillier e Hanson (1984:60) observaram que certos
arranjos aleatórios (figuras 6 e 7a) poderiam impedir a continuidade do espaço aberto e o
acesso às formas construídas. Curiosamente, arranjos como este foram produzidos no período
proto-histórico no Oriente Médio. As edificações foram construídas diretamente adjacentes
umas às outras, levando a formações extensas, mas sem portas ou espaços livres que poderiam
ter servido como ruas. Há áreas abertas dentro das agregações, no entanto. Os quarteirões são
separados por ruas, pátios e becos (Düring, 2006). Mellaart (1967) identificou esses grandes
quarteirões em Aşıklı Höyük e Çatal Höyük (nível VIB). A ausência de passagens pode
derivar da ampliação de edificações invadindo as pequenas áreas do espaço aberto restante
deixado. O encerramento neste padrão pode ter levado a população a abandonar essa
aglomeração sem permeabilidade (Cutting, 2006).

Figura 6 – Çatal Höyük, planos de construção de nível VI B e VII. Fonte: Autores, baseados em Mellaart (1967).

Os requisitos práticos de continuidade do espaço livre e conexão por adjacência são atendidos
através de alinhamentos parciais, permitindo a adição progressiva de células. Hillier e
Hanson apontam que células arquitetônicas não se conectam por seus cantos (veja figura 7a).
Isso resulta no surgimento de agregações lineares (figura 7b), reconhecíveis no proto-
urbanismo mesopotâmico (quinto milênio A.C.) (figura 7c) – mas também anteriormente,
como veremos.

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Figura 7 – (a) A agregação é dificultada pela associação na esquina e não produz um sistema de espaços livres –
elementos estes resolvidos nas agregações (b) e (c) em Ur. Fonte: Autores; figura (c) baseada em Benévolo (1980).

(iv) Dobrando as linhas de células


As agregações que reduzem as distâncias também reduzem o tempo e o esforço do
movimento: a importância de tais condições materiais na intensificação das interações
mediadas pelo corpo dificilmente pode ser negada. Percebida nas origens da geografia
econômica, esta condição parece ativa nas agregações elementares entre células
arquitetônicas em assentamentos proto-urbanos, com implicações que se estendem muito
além das interações instrumentais. Como Bürkin e Peterek (2008) apontam, linhas de
edificações em ambos os lados de um canal de acesso trazem vantagens, minimizando as
distâncias e aumentando a densidade. Mas haveria limites para a agregação linear? Há uma
razão crucial para que formações lineares não se estendam indefinidamente: assim elas
aumentariam as distâncias entre as formas construídas (figura 8a). Um evento-chave na
morfogênese envolve (incidentalmente ou não) dobrar ou bifurcar as agregações lineares
gerando novas linhas e canais (figura 8b), como em Heptonstall na Inglaterra do século XIX
(figura 8c).

Figura 8 – (a) agregação linear; (b) dobrar a linha em cruzes e formações em forma de árvore; (c) um estágio
mórfico interessante encontrado em Heptonstall. Fonte: Autores; figura (c) baseada em Hillier e Hanson (1984).

(v) Dobrando as linhas de células em torno delas mesmas


Mas ‘dobrar a extensão’ dessas agregações lineares também pode, se prolongado, gerar
problemas para a interação. Linhas ramificadas podem levar a uma formação em árvore
(figura 8c) que, quando suficientemente extensa, também impõe limites ao que podemos
chamar ‘generalização da proximidade’, a redução da distância em todas as direções. Com a
adição de novas células, é necessário mais permeabilidade para o movimento. A

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permeabilidade será conseguida se curvarmos mais as linhas, até que os canais de acesso se
conectem ou formem outros canais. A agregação se ‘dobra sobre si mesmo’, assumindo
progressivamente a forma do anel, assim como conjuntos arquitetônicos na forma de ‘ilhas’
cercadas por espaços livres. Esta notável realização morfogenética levou à criação do
quarteirão urbano (figura 9a).

Figura 9 – (a) A flexão sucessiva na agregação de células formando os anéis dos quarteirões; (b) seções escavadas
em Sha‘ar Hagolan (Vale do Jordão, Israel). Fonte: Autores; figura (b) baseada em Garfinkel (2006).

O registro arqueológico traz exemplos dessa agregação. De acordo com Ben-Shlomo e


Garfinkel (2009), a transição para a agregação de células em fileiras ao longo de ruas pode ser
encontrada no sítio Neolítico de Sha‘ar Hagolan (cerca de 6000 A.C.), que também
apresentou pela primeira vez na história um novo tipo de habitação: a casa pátio. Esses
arranjos foram construídos ao longo de ambos os lados de canais pavimentados, que se
estendiam em uma rede de ruas com larguras distintas. A rua é claramente um espaço
comunal, associada à infraestrutura (poços de água), exigindo manutenção e indicando
cooperação em larga escala. Esse é o sistema de ruas mais antigo encontrado (Garfinkel,
2006; Ben-Shlomo e Garfinkel, 2009) – e uma primeira materialização do sistema de
quarteirões (figura 9b).

A espacialidade do quarteirão oferece propriedades interessantes à ocupação humana. O anel


das formas construídas, contínuo ou não, tem alta capacidade de absorção de densidade e
atividade, como demonstraram Martin e March (1972). A agregação em anéis sucessivos gera
progressivamente conjuntos de quarteirões e condições para a mobilidade, enquanto preenche
o espaço disponível, permitindo a predominância de espaços construídos sobre os espaços
livres, e dos espaços axiais das ruas sobre espaços convexos (que viemos a chamar ‘praças’).
É aí que os sistemas de quarteirões e de ruas nascem inextricavelmente juntos, como

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características morfológicas encontradas em diferentes culturas e regiões. Este sistema dual
pode, naturalmente, conter espacialidades bastante diversas, do aparentemente caótico ao
visualmente ordenado.

(vi) Contornando o problema do tamanho dos quarteirões


Entretanto, o tamanho dos quarteirões pode interferir nessa estruturação. Como Jacobs (1961)
percebeu, eles não podem ser grandes ao ponto de reduzir permeabilidade e aumentar
distâncias (figura 10a). Nem devem ser pequenos ao ponto de gerar permeabilidade demais,
com baixa proporção entre forma construída e espaços abertos, levando a densidades baixas e
insustentáveis. Os estudos de Siksna (1997) em cidades americanas e australianas
identificaram efeitos benéficos de quarteirões de 60 a 80m e 80-110m de comprimento
(menos de 10.000m2) no movimento de pedestres. Hillier (1999) e Karimi (1997) mostram
que a acessibilidade está relacionada aos tamanhos de quarteirões: quarteirões menores
tendem a ser mais encontradas em áreas centrais e a aumentar a acessibilidade geral – não
apenas acessibilidade local, como Jacobs e Siksna supunham. Chiaradia et al (2012)
confirmaram em Londres a proposição de Jacobs (1961), mostrando que os tamanhos de
quarteirões menores aumentam a permeabilidade e reduzem tempos de viagem. Analisando
uma ampla amostragem internacional de casos, Porta et al (2014) encontraram evidências da
predominância de quarteirões menores ao longo de ruas comerciais. Considerados em
conjunto, esses achados sugerem que quando assentamentos crescem, criam um sistema mais
denso de quarteirões, com efeitos benéficos sobre a mobilidade.

(vii) Mantendo a continuidade dos canais na escala urbana


Mas sistemas com quarteirões de tamanhos variados também podem ser organizados em redes
fragmentadas de rua. Quanto mais a continuidade dos canais de acesso for quebrada, mais
aumentam o comprimento médio das rotas urbanas, levando a menor mobilidade e redução no
potencial combinatório de novas interações, contrariando o efeito da generalização da
proximidade potencializado pelo sistema de quarteirões (figura 10b).

Figura 10 – (a) quarteirões grandes prejudicam a mobilidade ao aumentar o comprimento médio das rotas; (b) uma
rede fragmentada tem efeitos semelhantes, acrescentando dificuldades de orientação; (c) sistemas de quarteirão
com rede contínua criam condições melhores para as interações. Fonte: Autores.

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O efeito local dos tamanhos de quarteirão sobre a mobilidade precisa ser acoplado a
propriedades de escala maior, capazes de gerar estruturas amplas de acessibilidade amarrando
as partes da cidade.

Essas descrições podem sugerir um processo linear entre passos, em função do argumento
encadeado e seu caráter retrospectivo, mas a gênese do sistema de quarteirões não precisa
envolver essa linearidade. Se esses eventos ocorreram realmente em assentamentos proto-
urbanos e urbanos, não foram necessariamente em uma ordem específica e provavelmente
estiveram sujeitos a contingências locais e culturais. Essas hipóteses de momentos na gênese
do quarteirão oferecem uma interpretação dos processos por trás da espacialidade urbana
como expressão da interatividade. A implicação aqui é que os sistemas de quarteirões têm o
efeito de comprimir redes de interação, enquanto expandem exponencialmente as direções e
possibilidades de movimento, reduzindo riscos de controle e proporcionando ganhos
excepcionais no potencial de interação, um efeito crucial para sociedades com crescente
divisão do trabalho. As cidades que surgiam puderam assim generalizar densidade,
proximidade e conectividade entre os atores. Mesmo que não haja intenção consciente por
trás desse processo, estes fatores espaciais e sociais provavelmente estão associados em um
processo de causalidade circular.

Isso sugere que a relação entre morfologia, mobilidade e interatividade seja parte chave da
relação sociedade-espaço, embora subestimada na geografia humana, por exemplo. Sistemas
sociais complexos envolvem mais aleatoriedade nas interações, importante na criação de
novas relações. Ao mesmo tempo, precisam de recursividade nas interações (Giddens, 1984).
Essas relações também sugerem que a interatividade pode ser uma razão para a consistência
dos tamanhos de quarteirões observados em diferentes culturas espaciais. Finalmente, se a
‘generalização da proximidade’ é mesmo fundamental para sistemas de interação baseados na
copresença e na necessidade de movimentação de corpos e artefatos, a aglomeração por
adjacência é uma maneira mais intensiva de alcançá-la da que a aglomeração por
proximidade – estendendo as forças regionais que geram aglomerações urbanas identificadas
pela economia espacial até os processos morfogenéticos locais que escapam à ela. A
morfologia do anel e as possibilidades espaciais introduzidas pelo sistema de quarteirões,
independentemente de origem, intenção ou forma, permitiram níveis de ocupação, mobilidade
e interatividade sem precedentes.

Mas, lembrando Durkheim (1984), uma seleção de casos não corrobora uma hipótese. O
aprofundamento desta análise exige imersão sistemática nos registros arqueológicos – algo
que só pudemos introduzir aqui. O papel histórico do sistema de quarteirões como meio para
a intensificação e diversificação das interações e para a resiliência material nas sociedades
urbanas precisa de mais exploração e verificação empírica antes que possa ser determinado
como componente quintessencial do urbano. Além disso, precisamos evitar reduções

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teleológicas deste processo como estágios que levam necessariamente a um tipo de ordem
espacial. Algumas questões podem ajudar a evitar tais reduções. A formação do quarteirão
seria inevitável na urbanização do espaço? Como exatamente esse processo leva a estruturas
mais amplas nas cidades? Para responder a essas perguntas, precisamos identificar mais
detalhadamente como cidades expressam interações em sociedades com divisões do trabalho
mais complexas.

3. Intensificando a interação: as forças que moldam a estrutura urbana


Como o sistema de quarteirões se estabilizou em diferentes culturas espaciais? Esse processo
envolveu algum tipo de ‘seleção de formas mais adequadas’, como uma evolução
darwiniana? No processo de formação urbana, há um campo onde coisas como a
aleatoriedade, contingências e causalidades entram em jogo, e este campo precisa ser
esclarecido. Essas forças podem moldar a adaptação entre forma urbana e vida urbana, entre
espaço e interação – e podem se sobrepor, como partes e versões da mesma história.

a. Aleatoriedade e necessidade
Batty (1989; 2013) explica o surgimento de estruturas urbanas a partir da agregação de
módulos, que permitem que partes do sistema sejam combinadas eficientemente.
Propriedades como modularidade, auto semelhança, recorrência e hierarquia seriam
elementares para a forma urbana produzir e manter estrutura. Essas transformações afetariam
o sistema através de pequenas adaptações locais que vão gradualmente convergindo em
configurações amplas. Batty e Alexander lidam com processos de estruturação apropriados
para a vida urbana a partir de pequenas adições e mudanças. Ambos compartilham
entendimentos que podem ser vistos como teleológicos – isto é, com a finalidade da melhor
configuração – e evolucionistas. Mas a morfogênese não é um processo completamente
aleatório e, espelhando Schelling (1978) sobre consequências não intencionadas, não chega
necessariamente a boas soluções coletivas. Em primeiro lugar, as possibilidades inicialmente
infinitas de combinações de células são reduzidas pela necessidade prática de proximidade
entre atores interdependentes. Muitas possibilidades de combinação não seriam adequadas
para os requisitos da mobilidade e interatividade, como vimos. Em segundo lugar, elas são
limitadas pela própria extensão do espaço gerada por uma estrutura emergente, mesmo que
ela seja moldada em quarteirões que permitam interatividade.

Um terceiro ponto contra a ideia de um processo de urbanização totalmente aleatório é


baseado na lógica: a morfogênese do quarteirão com essas características e implicações
práticas não pode ser apenas uma feliz coincidência. Em um mundo definido só por
aleatoriedade, tudo seria incidental. As formas urbanas podem seguir caminhos
morfogenéticos radicalmente diferentes, levando a espaços urbanos impossíveis para as ações
sociais. Processos inteiramente aleatórios podem seguir qualquer direção sem precisar atender
a requisitos práticos específicos e não precisam encontrar estruturas consistentemente
reproduzidas na história, como os sistemas de quarteirões que surgiram de forma

13
independente em diferentes regiões do mundo. Mesmo que o quarteirão fosse produzido por
pura sorte e então replicado em diferentes contextos, a própria chegada a uma forma tão
específica é improvável – especialmente por ser uma forma capaz de responder de forma tão
fluida à mobilidade e à interatividade. Existem muitas possibilidades de formas para uma
coincidência dessa ordem. Dada a improbabilidade de um acaso dessa ordem, somos forçados
a admitir que existem razões materiais para as conjunções entre aspectos morfológicos e
modos de interação que encontramos empiricamente – razões como a necessidade de reduzir
distância, gerar aglomeração e mobilidade. Aleatoriedade e necessidade interagem: de todas
as estruturas possíveis, há motivos para que diferentes culturas chegassem independentemente
ao sistema de quarteirões.

b. Tentativa e erro
Se existe uma necessidade material decorrente das demandas de intensificação da interação
forte o suficiente para moldar a forma urbana? Como uma cultura espacial pode chegar às
decisões morfológicas ‘certas’ para tais níveis de interatividade? Certamente a criação da
forma urbana não foi algo racional e deliberado: cidades surgiram antes de qualquer design ou
planejamento, e provavelmente sem qualquer decisão autoconsciente para se criar certo tipo
de agregação ou efeito social positivo. Alexander sugere que, apesar de envolver
aleatoriedade, a formação espacial decorre da necessidade: tentativa e erro (Alexander, 1964).
Imaginemos um cenário em que um assentamento surge através da agregação de células
arquitetônicas. Células são posicionadas aleatoriamente em um território – algumas mais
distantes entre si, outras mais próximas. Durante esse processo, decisões sobre essas posições
são tomadas. Inicialmente, formas construídas tanto adequadas (o que Alexander chama de
fit) quanto inadequadas (misfit) para uma interação intensiva podem ser produzidas. Uma vez
em uso, este arranjo é testado na prática.

Casos inadequados são em um número praticamente infinito. Eles incluem arranjos que não
oferecem facilidade o suficiente para as pessoas em seus impulsos à interação. Se problemas
de adequação surgem, alterações sucessivas no assentamento podem ser implementadas no
tempo. Já as formas construídas que dão suporte adequado às interações podem seguir sendo
replicadas, e até mesmo servir de ‘guias’, atingindo estabilidade. O processo de tentativa e
erro envolve transformações contínuas. Alexander entende a adequação da forma urbana
como uma “ausência de inadequações”. Formas construídas que conseguem expressar,
suportar e estimular a interação sem muita fricção, continuariam a serem produzidas, talvez
sendo adaptadas ao longo do tempo de acordo com as mudanças nas práticas sociais e seus
requisitos. Tudo isso faz sentido. Mas pode não ser tudo o que está em jogo nesse processo.

c. Dependência do passado
A possibilidade que forças além da aleatoriedade, tentativa e erro possam ajudar a moldar a
forma urbana pode ser explorada através de um conceito da teoria econômica: ‘path
dependence’, a ‘dependência do caminho’ ou do passado. O economista W. Brian Arthur

14
introduziu esse conceito para entender processos em que um resultado acaba sendo
selecionado (conscientemente ou não) a partir de eventos de pequena escala – quando há
vários resultados possíveis a longo prazo. O processo dependente do caminho termina ‘se
encerrando’ (phase-locking) em uma das muitas configurações possíveis. Condições iniciais
idênticas não levam necessariamente à mesma solução. “A história pode decidir o resultado”
(Arthur, 1994: 14). Eventos acidentais ou escolhas contingenciais (inesperadas ou
dependentes da situação) podem desencadear uma sequência particular de novos eventos. No
caso da formação de cidades, esses eventos terminam sendo preservados em estruturas
duráveis, encerrando o processo em si mesmo ainda mais claramente.

Em outras palavras, tanto as condições iniciais quanto eventos acidentais ao longo do


caminho podem ter efeitos significativos no processo até ele atingir um certo estado ou
estrutura. Efeitos em cadeia ou em rede podem ampliar essas tendências. Assentamentos
urbanos oferecem exemplos impressionantes da força de dinâmicas dependentes do caminho
percorrido. Mesmo que um evento inicial seja meramente incidental – digamos, a decisão
sobre posicionar uma primeira edificação em um lugar qualquer sobre o território – pode
moldar o futuro das localizações, como se o passado tivesse influência nas decisões por vir.
Os caminhos morfogenéticos se desdobram tanto de forma aleatória quanto são ‘aprisionados’
por eventos e decisões (conscientes ou não) tomadas no passado.

Como entender o surgimento de quarteirões como um processo em que as decisões dos atores
tiveram um papel e podem influenciar umas às outras? Como as decisões iniciais influenciam
as decisões seguintes? Por mais influente que cada decisão ou evento possa ser, parece
impossível antecipar qual acontecerá. Fizemos um experimento de morfogênese para verificar
a emergência de padrões moldados por decisões dependentes do caminho. Trinta alunos de
início de segundo semestre de um curso de Arquitetura e Urbanismo, ainda sem
conhecimento teórico em urbanismo, participaram do exercício. Cada aluno posiciona
sequencialmente sua habitação (na forma de cubo 10x10cm) sobre um amplo território (um
pátio público). Simulamos duas situações com escolha livre da localização: uma situação (a)
livre de parâmetros, e uma (b) na qual atores são dependentes entre si (há uma divisão do
trabalho) e precisam estar ligados a um espaço de acesso (não prescrito).

Na simulação (a), um padrão inicial de dispersão surgiu a partir de localizações de habitações


distantes entre si. Novas adições ocorriam em torno dessas posições iniciais até que, a partir
da decisão de um aluno em torno de uma posição, alunos seguintes foram adotando aquela
posição até que ela passou a dominar o processo, surgindo como aglomeração sem ordem
aparente (figura 11, acima). Na simulação (b), também tivemos uma dispersão inicial até que
uma das posições ganhou mais aglomerações – mas com um diferencial: células passaram a
se alinhar em pequenos grupos com possível apoio das linhas dos paralelepípedos do solo, e
um dos grupos ganhou a forma de anel próximo a um quarteirão (figura 11, abaixo).

15
Figura 11 – Experimentos morfogenéticos: (a) estados inicial e final com escolha livre da localização da habitação,
sem parâmetros; (b) estados inicial e final com escolha baseada em dois parâmetros: dependência entre atores e
conexão a espaço de acesso. Fonte: Autores.

O experimento foi repetido em três turmas distintas nas mesmas condições (lugar, células,
parâmetros) com resultados similares, mas não aspira o status de demonstração empírica.
Entretanto, dado que não há registros históricos do processo de criação de um assentamento
urbano, o experimento é sugestivo quanto ao papel de decisões individuais no processo de
aglomeração espacial. Um raciocínio similar pode ser feito em relação às aglomerações no
território de acordo com (i) adjacência, ou de acordo com (ii) proximidade em relação a
outras células. Desde o trabalho do matemático George Polya em 1931, vários teóricos
estudam a probabilidade de determinados eventos seguirem eventos anteriores. Arthur (1994)
trata do papel do feedback, os efeitos que eventos e decisões geram sobre outros. Em casos
em que não há feedback ou feedback similar para eventos distintos, a seleção é definida ao
acaso. Em casos onde há feedback – digamos, vantagens da proximidade entre células
adjacentes para a interação – a probabilidade da seleção pode ser influenciada pela proporção
atual desse tipo no território. Em outras palavras, a proporção crescente de um tipo aumenta a
probabilidade de outra célula do mesmo tipo ser adicionada no território. Cada decisão a
favor de um padrão aumenta a probabilidade de que a próxima seleção também favoreça o
padrão. Em casos de feedback negativo, a maior proporção de um determinado tipo diminui a
probabilidade de adicionar mais células desse tipo. À medida em que células são adicionadas,
as proporções dos tipos disponíveis influenciarão as escolhas futuras.

16
Em cenários reais, as pessoas não têm uma visão completa da cidade para fazer decisões. Os
riscos de se encerrar em um padrão menos adequado aumentam. Nesses cenários de menos
informação, a influência das decisões anteriores pode se intensificar. Ainda, diferente de uma
economia, estruturas urbanas são duráveis: elas permanecem, estendendo essa influência no
tempo. Embora permeado por aleatoriedade, esse processo encontra mecanismos de auto-
reforço que podem fixar determinada morfologia. A alternativa é a mudança no caminho
morfogenético. De qualquer modo, esses processos de decisão na produção da forma vão
além da ‘tentativa aleatória e erro’: eles dependem de caminhos passados – e de agentes
capazes de conhecer propriedades espaciais e suas implicações práticas.

d. Materialidade e causalidade
Arranjos espaciais associados ao que quer que seja interpretado como vantajoso podem ser
favorecidos – como o controle da interação no espaço urbano em situações onde a segregação
é desejada, ou a abundância da interação quando ela é considerada importante. Mas como o
conhecimento dessas condições materiais de interação influencia nossas decisões? Que papel
a materialidade joga na definição do caminho que molda uma cultura espacial? As pessoas
lidam diariamente com propriedades materiais e seus efeitos. Alguns desses efeitos são
reconhecidos na economia espacial como ‘externalidades da aglomeração’. As pessoas
sentem fisicamente que uma maior distância significa mais esforço corporal; que
centralidades urbanas densas tendem a ser mais acessíveis, e a oferecer uma maior
diversidade de atividades, e assim por diante. Mesmo que não expressemos isso verbalmente,
sabemos tacitamente que essas condições materiais importam para que interações ocorram em
maior ou menor intensidade e diversidade, ou exigindo um esforço maior ou menor. Sabemos
tacitamente de muitas das causalidades fundamentais.6 E se podemos reconhecer que
diferenças em condições materiais como a densidade ou a acessibilidade importam para
nossas ações, temos de admitir que os atores podem moldar o espaço a partir desse
conhecimento espacial profundo, mesmo que não conscientemente.

e. Conhecimento e reflexividade
Diferentes culturas podem ter moldado suas espacialidades gradualmente e cumulativamente,
incluindo as ‘tentativas e erros’ – talvez até mesmo imersas em tentativas totalmente
aleatórias. A seleção de formas a partir das tentativas e erro de Alexander, evocada por Batty,
sugere um processo darwiniano, no qual as formas que respondem bem aos requisitos de
interação são reproduzidas, e outras, abandonadas. A morfogênese do quarteirão pode ter
mesmo esse contorno darwiniano. Mas, diferente de um processo biológico, atores com
conhecimento tornam o processo de morfogênese um caso à parte em relação aos processos
exclusivamente regidos por variação aleatória, tentativa e seleção. Aprendemos
(conscientemente ou não) sobre as propriedades materiais da forma e somos capazes de

6
Veja o conceito de ‘consciência prática’ (Giddens, 1984).

17
antecipar seus efeitos sobre nossas ações. Podemos inferir reflexivamente as conexões causais
entre certa formação espacial e prováveis resultados sobre nossas práticas e interações.
Podemos inferir sobre os motivos da adequação, para então encontrar formas específicas de
ajuste. Por exemplo, produzimos espaços adequados para situações sociais em que a
intensidade da interação é bem vinda, como centralidades acessíveis.

Isso torna o processo de gênese da forma urbana mais do que algo aleatório ou baseado em
tentativas: nossa capacidade de inferir efeitos e resultados e traduzir esse conhecimento
espacial intuitivo em ideias conscientes (incluindo explicações e teorias) traz uma dimensão
inteiramente nova para o processo. Nesta dimensão, soluções e seleções espaciais não
simplesmente acontecem – elas são criadas. Subestimada em abordagens anteriores à
morfogênese, nossa habilidade cognitiva pode definir padrões e mudar padrões, moldando
ativamente o caminho morfogenético. A morfogênese não pode ser equiparada à evolução
biológica guiada por tentativas cegas, achados baseados na sorte e na seleção meramente
incidental. Em convergência com as forças que vimos, a forma urbana também é ‘criação
intencional’ – especialmente em sociedades baseadas na cooperação e especialização.

f. Interação e divisão do trabalho


Jacobs (1969) argumentou que a intensificação da interação parece intimamente relacionada
ao aumento da especialização e do desenvolvimento técnico – estimulando a divisão do
trabalho. A visão anterior de Jacobs (1961) sobre o papel de quarteirões pequenos para a
diversidade microeconômica talvez apenas insinuasse a ideia de que o sistema de quarteirões
gera condições para uma massa crítica – a explosão combinatória de interações imprevisíveis
que leva a mais especialização e diversidade, na origem dessas formações espaciais. A
conexão entre a replicação de quarteirões e o aumento no potencial da troca e diversidade –
uma cultura de especialização mais extensa e complexa. Esta é uma hipótese radical que
coloca o sistema de quarteirões no centro da visão das cidades como força motriz da
complexidade social e técnica – uma proposição que estende àquelas de Jacobs (1969), Soja
(2003) e Bettencourt (2012) sobre o papel da cidade na produção das interações e inovações.
Esses autores falam sobre o papel da aglomeração no estímulo de interações aleatórias, mas
precisamos entender as condições espaciais detalhadas desses estímulos.

O fato de que o sistema de quarteirões está ausente dos assentamentos não urbanos é
certamente sugestivo. Mas o que a replicação de quarteirões implica na prática? Vimos que,
em primeiro lugar, o anel de células agregadas permite mais atividades na mesma área. Em
segundo lugar, a possibilidade de repetição aberta por sua forma revela uma tendência ao
aumento da escala: crescimento do número de famílias, de demanda e oferta de atividades –
uma microeconomia maior, com mais atores envolvidos. Esta possibilidade é interessante do
ponto de vista das abordagens à reprodução material, como a economia, muitas das quais
estabelecem um axioma da vida econômica: a profunda correspondência entre tamanho da
população, diversidade de atividades e especialização das ocupações. Estudos arqueológicos

18
de Ortman et al (2014) encontraram evidências da mesma correspondência nas cidades ao
longo da história. Se essa correspondência tem sentido empírico, o sistema de quarteirões
pode ser visto como uma indicação de culturas bem estabelecidas de especialistas
mutuamente dependentes. A diversidade de edificações dispostas em quarteirões conectados
por caminhos pode ser entendida como capaz de suportar uma maior variedade de
oportunidades de interação. Acidental ou não, a espacialidade do quarteirão se mostra como
uma resposta extraordinária à intensificação e diversificação das interações.

g. Estabilização e mudança
A configuração gêmea do sistema de quarteirões e do sistema de ruas torna a espacialidade da
cidade particularmente adaptável a mudanças ao longo do tempo, tanto nas suas atividades
quanto nas suas formas construídas. Células arquitetônicas são substituídas em resposta a
mudanças nas atividades e técnicas. O sistema de quarteirões é um meio de adicionar
adaptabilidade ao sistema de interação. Este processo de feedback e ajuste à demanda social
envolve tensão constante entre os esforços diários de realização das nossas ações e a rígida
materialidade do espaço. A relação entre interação social e forma urbana se dá na fricção
contínua entre as superfícies e extensão do espaço construído e os fluxos de movimento de
pessoas e artefatos: um espaço que se desdobra e molda de acordo com forças centrípetas da
associação, tensões que geram atração entre atividades e proximidade entre formas
construídas. Espaços mudam, amadurecem e são parcialmente substituídas em uma
morfogênese ‘reflexiva’. Em vez de um desenho inicial, há resposta constante – às vezes
através de confronto – às demandas materiais postas pela prática, em constante mudança.

h. Contingência e idiossincrasia
As cidades compartilham as mesmas entidades espaciais básicas: edificações e espaços
abertos. No entanto, uma grande variedade de características espaciais pode ser encontrada
mesmo dentro de uma mesma região ou cultura. Diferenças radicais podem ser feitas nas
formas construídas – mas seu arranjo ao longo de canais de ruas permanece. Contingências,
forças locais e divergências entre padrões urbanos produzem idiossincrasias e diferenças entre
cidades, levando a culturas espaciais distintas. Mas o fato de que ainda podemos reconhecer
características comuns entre cidades de diferentes culturas segue absolutamente intrigante.

Uma nota final: o espaço como efeito da interação


As descrições acima trazem vislumbres de processos que se entrelaçam na morfogênese. Essa
produção espacial deixa vestígios duráveis em paisagens: os resultados de decisões passadas
são acumulados e não são facilmente alterados. Micro decisões se acumulam em formações
visíveis. Como movimentos de causalidade circular (Myrdal, 1957) em contextos onde o
feedback das condições materiais e dos comportamentos dos atores é importante, elas levam a
formações urbanas moldadas parte pelo acaso, parte pela tentativa e erro, e parte por atores
conhecedores das propriedades materiais em jogo. Esse jogo pode gerar as variações que
definem culturas espaciais, ainda com elementos comuns o bastante para aproximar tais

19
formações, permitindo que elas tenham o mesmo nome: a cidade.

Esta série de especulações aborda o ciclo de geração, mudança e estabilização da forma


urbana, na medida em que ela inclui a criação do sistema de quarteirões, interpretado como
um evento notável no surgimento das cidades. Essas descrições buscam sugerir possibilidades
para a investigação sistemática da gênese da forma urbana. Buscam sugerir ainda que um
ponto de partida útil pode ser encontrado nas condições espaciais vitais para a interação.

Nosso argumento se centrou na improbabilidade de coincidências na relação entre interação e


formação espacial, entre o surgimento do sistema de quarteirões e as crescentes divisões do
trabalho. Em consonância com contribuições da economia espacial, este processo pode ser
pensado como expressão de um ‘fio teleológico’ único: a interatividade como a força
centrípeta original que impulsiona a urbanização do espaço – notavelmente, a partir de
agregações celulares que deram origem às cidades, em um processo que expressa e sustenta a
conectividade das ações e atores. Essa relação precisa ser explicada no nível das ações
mediadas pelo corpo, moldando e dobrando o espaço. Há certamente necessidade de mais
estudos sobre o papel do sistema de quarteirões no aprimoramento das condições da interação
em sociedades com maior demanda de cooperação material e informacional. Nossa sugestão é
que as questões da reprodução material não são uma parte menor na relação sociedade-
espaço. A própria cidade é a síntese dessa relação.

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