Вы находитесь на странице: 1из 16

N.cham.

94(469)8789
Autor: Boxer, Charles Iìalph
Título: O império marítimo português, 14

r ilililill
ililil ililI ililt illililil ililt ilt ilil
11708 Ac.4865
Ex3
Copyright O 1969 by Charles Ralph Boxer
Este livro foi originalmente publicado em 1969, na Inglaterra.

Título original
The Portuguese seaborne empire 1415-1825

Capa
Ettore Bottini O8
Foto da capa
Astrolábio português, 1555 (Museus e Galerias de Arte Dundee, Escócia)

Pesquisa iconográfica
Wladimir Araújo

Ínàice remissivo
Daniel A. de André

Preparação
Wladimir Araújo e Cláudia Canlarin

Revisão
Carmen S. da Costa
Ana Maria Barbosa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cn)


(Câmara BrasiÌeira do Livro, sp, Brasiì)

Borer, Charles
O império marítimo português 1415-1825 / Charles Boxer ;

tradução Anna OIga de Barros Barreto. São PauÌo:


Companhia das Letras, zooz.
-

Título original: The Ponuguese seaborne empire r4r5-


Ì825.
Bibliografia.
ÌsBN 85-359-0292-9

r. PoÌtugaÌ Colônias História 2. Portugal


- - -
Comércio exterior História 3. Portugal História 4,
-
Séculos r5-r9 r, Título.
-

cDD-946.9

indice para catálogo sistemático:


1. Império marítimo : Portugal : História 946.9

fzoozl
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA SCHWÂRCZ LTDÀ.
Rua Bandeira Paulista 7oz cj. 3z
o4532-oo2 São Paulo sp
Tel.:
-
(u) 3167-0801
-
Fax: (rr) 3ú7-c814
www. companhiadasletras.com.br
Prólogo:
A orla ocidental da cristandade

O cronista espanhol Francisco Lôpez de Gómara, na dedicatória de sua


Hìstória geral das Índias para o imperador Carlos v, escrita em 1572, descre-
veu os descobrimentos ibéricos das rotas (reâ,nicas das Índias ocidentais e
orientais como "o maior acontecimento desde a criação do mundo, depois da
encarnação e da morte Daquele que o criou". Âproximadamente dois séculos
mais tarde, o economista político escocês Adam Smith úrmava textualmen-
te o mesmo ao escrever:'A descoberta daAmérica e a da passagem para as Índias
orientais, através do cabo da Boa Esperança, são os dois maiores e mais im-
portantes acontecimentos de que se tem registro na história da humanidade".
Mesmo nesta era de viagens espaciais, muitos incluindo não-cristãos
-
podem pensar que López de Gómara e Adam Smith não estavam longe da
-verdade. Porque a característica principal da história da sociedade humana
antes dos descobrimentos de portugueses e espanhóis era a dispersão e o iso-
lamento dos vários ramos da humanidade. As sociedades humanas que flores-
ciam e declinavam em toda a América, e em grande parte da África e do Pa-
cífico, eram completamente desconhecidas dos que viviam na Europa e na
Ásia. Os europeus ocidentais, com exceção de alguns comerciantes empreen-
dedores, italianos e judeus, conheciam apenas rraga e fragmentariamente as
grandes civilizações asiáticas e norte-africanas. Estas, por sua vez, sabiam pou-

r5
co ou nada da Europa que existia ao norte dos pireneus e da África ao
sul do
sudão (com exceção da faixa de povoados suaílis ao longo da costa oriental
africana), e desconheciam tudo acerca da América. Foram os pioneiros por-
tugueses e os conquistadores castelhanos da orla ocidental da cristandade
que
uniram, para o melhor eparao pior, os ramos enormemente diversificados
da
grande família humana. Foram eles, ainda que vagamente, os primeiros
a tor-
nar a humanidade consciente de sua unidade essencial.
É comum ouvir dizer que os povos da península Ibérica e em parti.
cular os portugueses -
estayam especialmente preparados para inaugurar a
-
série de descobrimentos marítimos e geográficos que mudaram o curso
da
história do mundo nos séculos xv e xvr. Entre essas vantagens em geral enu-
meram-se a posição geográfica na janela mais avançada da Europa sobre
o
Atlântico, e certas características nacionais desenvolvidas em oito séculos
de
luta contra os mouros. o famoso sociólogo brasileiro Gilberto Freyre e seus
discípulos salientaram que a longa dominação moura na penínsul a fez com
que muitos habitantes cristãos considerassem o mais escuro mouro
ou árabe
socialmente superior. A mulher moura) morena, também era vista como
tipo
invejável de beleza e de atrativo sexual, como comprovaria a duradoura
po-
pularidade das histórias da Moura torta, aprincesa moura encantada, entre
os
camponeses portugueses analfabetos. Daí à tolerância da mestiçagem
racial,
alegam esses sociólogos, só faltavaum passo. Estava assim explicada
a tendên-
cia dos portugueses e, em menor grau, dos espanhóis de não praticar a
segregação racial.
- - cristãos
como se sabe, os séculos durante os quais e muçul-
manos lutaram pelo domínio da península Ibérica não foram épocas
perma-
nentes de intolerância religiosa nem de guerras. Tânto o herói castelhano
El
cid campeador como seu equivalente português Geraldo sem pavor serviram
aos governantes cristãos e muçulmanos, conforme a ocasião. Houve
mesmo
um período, no século xrrr, em que os ritos cristãos, muçulmanos e judaicos
eram celebrados amigavelmente no mesmo templo a
Maria la Blanca, em Toledo. - mesquita de santa
É obvio que há algum fundamento nesses argumentos, mas em gerar
são
levados longe demais. Em primeiro lugar, muitoS €, em algumas regiões, a
maioria dos mouros que ocuparam por longo-tempo a península Ibérica
-
não eram mais escuros do que os portugueses, porque eram berberes
e não
árabes ou mouros negros. os povos do Norte da África eram brancos,
faziam

t6
parte da grande unidade mediterrânea. Em segundo lugar, se a luta ferrenha
pela hegemonia da península foi pontuada por intervalos de tolerância mú-
tua, essas tréguas já haviam terminado no século xv. Os anos em que os cre-
dos rivais eram celebrados em igualdade de condições, em Toledo, não tive-
ram resultado mais duradouro do que o obtido com o notável rapprochement
cristão-muçulmano realizado na Sicília, durante o governo dos reis norman-
dos e de seu sucessor Hohenstaufen, Frederico tt, Stupor Mundi, de 1130 a
1250. Seja como for, no século xv, o cristão ibérico médio, como seus contem-
porâneos franceses, alemães ou ingleses, raramente se referia às crenças mu-
çulmana ejudaica sem acrescentar algum epíteto injurioso. O ódio e a intole-
rância, e não a simpatia e a compreensão, pelos credos e raças alienígenas
eram a regra geral; e o espírito ecumênico, tão em moda hoje em dia, naque-
le tempo primava pela ausência. Mouros e sarracenos (como eram chamados
os muçulmanos), judeus e gentios eram considerados popularmente conde-
nados ao fogo do inferno no outro mundo. Conseqüentemente, não deviam
ser tratados com muita consideração neste.
É evidente que a intolerância religiosa não se limitava aos cristãos, em-
bora estivesse talvez mais profundamente enraizada neles do que na maioria
dos povos de outras religiões. Mas o muçulmano ortodoxo via com horror to-
dos os que "concediam associados a Deus", e era exatamente isso o que os cris-
tãos faziam com a Trindade, a Virgem Maria e, até certo ponto, com os san-
tos. A veneração aos santos e a crença em presságios, superstições e milagres
estavam bastante disseminadas no mundo muçulmano até o século xv, parti-
cularmente entre os adeptos das ordens sufis, ou das confrarias místicas, para
quem tais práticas exerciam grande atrativo. No entanto, a veneração aos san-
tos e a seus sepulcros nunca chegou a atingir no Islã os excessos que o culto
dos santos e de suas imagens muitas vezes proyocou na cristandade.
A Europa medieval era uma escola dura e rude, e as graçâs mais amenas
da civilização não eram mais cultivadas em Portugal do que em outro lugar
qualquer. Uma nobreza e uma fidalguia turbulentas e traiçoeiras; um clero ig-
norante e lasso; camponeses e pescadores trabalhadores mas imbecis; e uma
ralé urbana de artífices e empregados diaristas, como a plebe lisboeta descri-
ta pelo maior dos romancistas portugueses, Eça de Queiroz, cinco séculos de-
pois, como "beata, suja e feroz"; tais eram as classes sociais de que advieram
os descobridores e os colonizadores pioneiros. E quem duvidar disso basta ler

t7
as páginas pitorescas de Fernão Lopes "o maior cronista de todos os tem-
-
pos ou nações", como Robert Southey descreveu o historiador oficial do lon-
go reinado do rei dom João r (1385-1433) que testemunhou os primórdios
da expansão portuguesa.
-,
Com a conquista de Silves, o último baluarte mouro na província (ou
reino, como era tecnicamente chamado) mais meridional, o Algarve, em 1249,
Portugal definiu o que praticamente são suas fronteiras nacionais atuais. As-
sim, Portugal não só foi o primeiro dos estados-nações europeus modernos,
como expulsou os invasores muçulmanos de seu solo aproximadamente dois
séculos antes que a conquista da Granada moura) por Fernando e Isabel
(1492), confirmasse a predominância de Castela sobre o restante da penínsu-
la lbérica. Durante os últimos anos da Idade Média a maior parte da terra em
Portugal não estava cultivada, e grande quantidade dela ainda permanece in-
culta basicamente pelos mesmos motivos ecológicos. Dois terços do solo por-
tuguês são demasiado rochosos, íngremes ou pedregosos para serem cultiva-
dos, ou então o solo é tão pobre que produz apenas colheitas incertas e de baixa
qualidade. A extrema irregularidade das chuvas, com precipitações ora exces-
sivas ou imoderadas ora totalmente insuficientes, é outra das desvantagens
naturais. São poucos os rios navegáveis em toda a extensão, e as oscilações vio-
lentas do nível das águas (às vezes de quase trinta metros entre cheia evazan-
te) encontram-se entre as maiores do mundo. As estradas eram péssimas, mes-
mo para os padrões medievais; e as cidades e aldeias, em número relativamente
reduzido, eram afastadas umas das outras, situadas em cumes ou em clareiras
cercadas de vastas extensões de matagal, de charneca, de descampados ou de
florestas.
A população totalizava, no milximo, 1 milhão, no fìnal da Idade Média.
Em Portugal, como em outros lugares, a Peste Negra de 1348-9 provocou
enorme mortandade; e a longa guerra com Castela, de 1383 a l4lI, deve ter
acarretado efeitos adversos sobre as populações fronteiriças. Mas a resistência
humana a calamidades nacionais desse tipo está suÍìcientemente confirmada,
e a cifta de 1 milhão deve ter sido atingida e ultrapassada por volta de 1450.
As únicas cidades de alguma importância quanto ao tamanho, ao norte do rio
Tejo, eram Porto, Braga, Guimarães, Coimbra e Bragança, das quais a primei-
ra era de longe a maior, com população de cerca de 8 mil habitantes. A região
ao sul do Tejo, que fora mais densamente povoada nos tempos romanos e is-

r8
lâmicos, gabava-se de ter um número muito maior de centros
urbanos, em-
bora estes' na maioria, fossem muito pequenos. Lisboa, com cerca
de 40 mil
habitantes, era muito maior que as demais cidades do reino; as
outras cidades
e aldeias (com exceção do porto) contavam uma população
que oscilava en-
tre quinhentas e 3 mil almas. Apesar de Lisboa ser, em todos
os sentidos, a ca-
pital de Portugal, o rei e a corte nem sempre residiam ali. como
a maioria dos
monarcas medievais e renascentistas, os reis portugueses mudavam
freqüen-
temente de residência, e, até o fim da dinastia de Avis, em r5g0,
instalaram-se
muitas vezes em Évora.
No campo, a economia ainda se baseava significativamente na
troca, se
bem que a coleta de impostos e de rendas da terra, de preferência
em moeda
não em gêneros, viesse incrementando o uso do dinheiro. Entre
13g3 e 1435,
não se cunharam moedas de ouro em portugal, embora
tivessem circulado li-
vremente moedas de ouro estrangeiras, entre as quais "nobres',*
ingleses, no
tempo da ascensão de dom Fernando ao trono (r367),quando
o país gozava
de relativa prosperidade. As guerras subseqüentes com castela,
a revolução de
1383-5 e suas conseqüências, resultaram em numerosas e
sucessivas desvalo_
rizações da moeda durante o reinado de dom
|oão r, apesar dos protestos fre-
qüentes das cortes (parlamento representativo dos Tiês Estados),
que se reu-
niram 25 vezes durante esse reinado. A moeda de prata também
era rara; e a
cunhagem se fazia, sobretudo, com base num metal inferior
chamado bilhao
(o vellon espanhol), uma liga de prata e cobre em que este
predominava em
proporção bem maior. A esmagadora maioria da população
era constituíd.a
de camponeses' que plantavam cereais (principalmente trigo
e milho miúdo)
ou produziam vinho ou azeite de oliva, conforme a natvrezado
solo que cul-
tivavam, enquanto a pesca e a extração do sal davam emprego população
à do
litoral. um comércio marítimo modesto mas em crescimento baseava-se
na
exportação de sal, peixe, vinho , azeite,frutas, cortiça, favas e couros
para Flan-
dres, Inglaterra, o Mediterrâneo e Marrocos; e na importação
de trigo, teci-
dos, ferro, madeira e ouro ou prata em barra do Norte da
Europa e de moe-
das de ouro, do Marrocos.
os Três Estados representados nas cortes eram a nobreza, o clero
eo
povo; mas esta última categoria não incluía representantes
diretos das classes

* No original,
nobles, antiga moeda de ouro inglesa. (N. T.)

r9
trabalhadoras, salvo nos casos em que as guildas estivessem presentes nas dele-
gações de algumas cidades. Qualquer dessas três categorias principais compreen-
dia muitas classes e subdivisões. A nobreza e o clero eram, em geral, classes
privilegiadas, gozando de vários níveis de imunidade em relação a impostos e
a prisão e encarceramento arbitrários. Tâmbém exerciam alguns direitos so-
bre o povo quando constituíam grandes potências territoriais, como era o
caso do duque de Bragança, que tinha o direito de jurisdição sobre seus vas-
salos e rendeiros, ainda que Pedro r (1357-68) tivesse estabelecido, com êxito,
que a Coroa fosse o último tribunal de apelação, forçando a submissão de
muitas jurisdições particulares e locais à autoridade real. Âbaixo da alta no-
breza, sucedia-se a fidalguia, isto é, cavaleiros e escudeiros. Durante os sécu-
los xrv e xv, a palavra "fidalgo" (literalmente, "filho d'algo"), que significava
indiúduo de sangue real ou pretensamente ilustre, tornou-se sinônimo de
nobre, assim como fidalguia tornou-se sinônimo de nobreza. o "cavaleiro",
originariamente um indivíduo que fora armado cavaleiro, também se tornou,
nesse período) uma categoria social meramente honorífica, apesar de ligeira-
mente inferior à de fidalgo. o "fidalgo-cavaleiro" era um cavaleiro de sangue
ilustre ou nobre, enquanto o "cavaleiro-fidalgo" era um indiúduo de sangue ple-
beu armado cavaleiro por serviços prestados à coroa. por volta de 1415, os
membros da nobreza eram menos cavaleiros feudais que tivessem conquista-
do sua posi@o por meio de proezas no campo de batalha do que indivíduos
que estavam'vivendo à lei da nobreza", isto é, em solares nas suas próprias
terras e com "servos, armas e cavalos" a seu dispor.
o clero tampouco constituía uma classe homogênea, uma vez que seus
membros variavam de bispos de sangue real a, algumas vezes, padres de aldeia
mal-e-mal alfabetizados. Havia também diferenças óbvias entre o clero regu-
lar das ordens religiosas e o clero secular, sendo o primeiro, em geral, consti-
tuído de indivíduos de nível social mais alto. como em toda a Europa nesse
período, os padrões eclesiásticos, em muitos casos, deixavam bastante a dese-
jar. o concubinato clerical era corrente, a julgar pelo fato de, entre 1389 e
1438, dois arcebispos, cinco bispos, onze arquidiáconos, nove deões, quatro
chantres, 72 cõnegos e cerca de seiscentos padres terem recebido permissão
oficial para legitima( seus fìlhos bastardos. Esses números não incluem os clé-
rigos de ordens menores nem aqueles que não se preocuparam em apelar. A
esse padrão de moralidade medíocre associava-se um ensino clerical de baixo
níveÌ. A universidade (studium Generale),fundada por dom Diniz em Lisboa,
em 1290, não conseguiu, durante mais de dois séculos, atingir os padrões de-
sejados. o papa Nicolau rv proibiu expressamente o ensino de teologia nessa
universidade, e, embora essa proibição não tivesse sido observada com rigor,
o papa clemente vrr, em 1380, negou aos teólogos formados por Lisboa a li-
cença costumeira para ensinar em qualquer lugar (facultas ubique docendi).
Muitos frades das ordens mendicantes, assim como os monges cistercienses
de Alcobaça, o mosteiro mais famoso de Portugal, por certo estudaram em
Lisboa, mas nenhum frade português era aceito pelos membros estrangeiros
de sua própria ordem como teólogo bem preparado, a menos que tivesse es-
tudado e se formado fora de Portugal. uma das razóespara esse estado de coi-
sas era a grande deficiência no conhecimento do latim entre padres, monges
e frades portugueses. conseqüentemente, as. ordens mendicantes mand.avam
seus frades mais promissores estudar (ou se graduar) em universidades es-
trangeiras, entre as quais a de oxford e a de Paris. As autoridades da univer-
sidade de Lisboa queixaram-se dessa práttica em l440,mas ela perdurou pelo
menos até o século seguinte. Além disso, a tendência da coroa de transferir a
universidade de Lisboa para coimbra, e vice-versa, prejudicava a manutenção
de padrões acadêmicos consistentes e elevados. O nível intelectual dessa úni-
ca universidade portuguesa, que só em 1537 se fixou em definitivo em coim-
bra, era notoriamente inferior ao das universidades de paris, oxford, sala-
manca e Bolonha.
Abaixo do clero privilegiado, dos fidalgos, cavaleiros e escudeiros, mas
acima da grande massa de camponeses e artesãos desprivilegiados, havia clas-
ses intermediárias que incluíam comerciantes, advogados, médicos e funcio-
nários da coroa. Nenhum desses grupos era, ainda, numeroso, mas os comer-
ciantes alcançaram influência e importância consideráveis nas duas principais
cidades marítimas, Lisboa e Porto. os comerciantes portugueses tinham que
travar disputas com grupos privilegiados de mercadores estrangeiros nesses
dois lugares, especialmente em Lisboa, mas o faziam com bastante sucesso an-
tes do início do século xvr. Magalhães Godinho mostrou recentemente que
entre 1385 e 1456, de um total de 46 navios empenhados no comércio marí-
timo entre Portugal, Inglaterra e Flandres, capturados por corsários ou con-
fiscados em portos, 83olo pertenciam aos portugueses, l5olo aos estrangeiros, e
2o/o eram de propriedade mista. Dos vinte casos em que se conhece a origem
Portugal entre os séculos xvil e xvrr.
das cargas desses navios, 55olo pertenciam aos portugueses,20o/o aos estrangei-
ros, e 25o/o eram de portugueses e estrangeiros. Entretanto, é exagero afirmar
(como fez um autor recentemente) que Portugal possuía, em l415, "uma po-
derosa classe comercial bastante emancipada do controle feudal", a não ser
com a observação de que essa classe praticamente se limitava a Lisboa e ao
Porto.
Médicos, advogados, notários, jtizes, conselheiros municipais e funcio-
nários da Coroa de vários tipos não totalizavam, provavelmente, mais do que
um milhar de indiúduos no final do século xv, além da corte itinerante e seus
parasitas. Os funcionários da Coroa recebiam salário mensal ou anual, acres-
cido em muitos casos de certa quantidade de tecidos e de cereais. Suas horas
de trabalho naturalmente variavam, mas com freqüência eram bastante redu-
zidas. Os funcionários da Casa dos Contos, por exemplo, trabalhavam, no ve-
rão, das 6 às 10 da manhã, e, no inverno, das 8 às 1l da manhã. Nesse aspec-
to, como veremos, possuíam vantagem significativa sobre os artesãos.
Em Portugal, como nos demais países europeus, a grande maioria da po-
pulação compunha-se de camponeses. Estes se dividiam em várias categorias,
que iam desde indivíduos relativamente ricos que lavravam a própria terra e

contratavam trabalhadores, até o proletariado rural sem terras, dependente


do trabalho característico de cada estação e de biscates. Os que lavravam a
própria terra não eram numerosos, e a maioria dos camponeses trabalhavam
em propriedades alheias e pagavam o arrendamento em gêneros (ou em di-
nheiro) ao senhor da propriedade, que tanto podia ser a Coroa, algreja ou um
proprietário individual. Muitos desses camponeses viviam com relativa segu-
rança, visto que aterÍa que cultivavam lhes era arrendada a longo prazo; con-
tudo, mesmo assim, o arrendamento que tinham de pagar variava de um dé-
cimo à metade da produção anual. Além disso, não raro pagavam tributos
feudais ou semifeudais, e, sobretudo, o dízimo devido à Igreja, que tinha prio-
ridade sobre todos os outros pagamentos. Em alguns casos, o camponês po-
dia chegar a entregar 70o/o do que produzia. Outra imposição vexatória, que
só foi abolida em 1709, era a obrigação imposta às pessoas do povo de forne-
cer alimentação e alojamento gratuitos aos "poderosos" da terra. E, finalmen-
te, os camponeses eram muitas vezes (se bem que nem sempre nem em todo
lugar) obrigados a ceder um, dois ou mesmo três dias da semana de trabalho
à Coroa ou ao senhor da terra. Esse trabalho forçado poderia se dar de várias

23
formas, desde a colaboração em obras públicas e a produção ou o transporte
de mercadorias até a prestação de serviço agricola ou doméstico. Havia tam-
bém uma obrigação geral (e, em grande parte, teórica), que abrangia todos os
camponeses e artesãos fisicamente aptos, de atender à convocação da Coroa
para prestar serviço militar caso o reino fosse invadido. Tâl obrigação era uma
das características que distinguiam o feudalismo português do que estava em
vigor no resto da Europa Ocidental.
Em parte como conseqüência da devastação causada pela Peste Negra, os
trabalhadores rurais diaristas ficaram em condições de exigir e de garantir sa-
lários mais altos. A Coroa, bem como os pequenos e grandes proprietários
que exerciam funções nos conselhos municipais e rurais, e que fixavam as ta-
belas de salários locais, empenhavam-se em mantê-los baixos, quer estabili-
zando preços e salários locais, quer amarrando legalmente o trabalhador à
terra. Essas restrições eram constantemente burladas, e os camponeses tendiam
a emigrar do campo para as cidades sobretudo para Lisboa e para o Porto.
-
Os que permaneciam na terra preferiam muitas vezes ser empregados por se-
mana ou por mês a aceitar contratos anuais, que constituíam o sistema tradi-
cional. No entanto, o princípio da livre negociação acerca das condições de
trabalho e de emprego ainda não era aceito, em teoria, fora de Lisboa e de seus
arredores mais próximos.
No fìm do século xrv, os artesãos e os trabalhadores urbanos encontra-
vam-se agrupados numa hierarquia profissional de corporações, com os ou-
rives no topo da escala social, e os sapateiros na base. Os carpinteiros, os tra-
balhadores de estaleiros e os tecelões, por exemplo, estavam em posição social
mais elevada do que os armeiros, os alfaiates e os açougueiros. Conforme era
prâtica comum na alta Idade Média, os artesãos, os lojistas e os barraqueiros
freqüentemente se agrupavam em ruas ou bairros, segundo as respectivas
profissões. Daí os nomes de "rua dos Ourives", "rua dos Tânoeiros", "rua dos
Sapateiros", "rua dos Padeiros" etc., que ainda sobrevivem em muitas cidades.
Esse agrupamento de artes, ofícios e mesteres (no português medieval ,"mes-
teiraes") em corporações satisfazia a todos os interessados. Artesãos, artífices
e comerciantes podiam vigiar mutuamente os preços e a qualidade das mer-
cadorias oferecidas, além de manter um sentimento de solidariedade e prote-
ção mútua contra possíveis violências e abusos. Os compradores sabiam onde
encontrar o que estavam procurando, e podiam comparar preços e qualidade

24
com facilidade, segundo seu ponto de vista.
As autoridades municipais e go_
vernamentais também achavam mais fácil
coletar impostos e determinar as
tributações apattir desse princípio. Um decreto
real de l3g5 registrou de ma-
neira aprobatória essa prática,que redundava
na..boa administração e ainda
maior beleza e nobreza da cidade" de Lisboa.
cada local de trabarho era inde_
pendente, com aprendizes e artifices trabalhando
sob a vigilância de um ofi_
cial qualificado ou de um mestre. Trabarhavam
muitas horas, desde o nascer
ao pôr-do-sol, havendo, em muitos casos,
apenas um intervalo de meia hora
para a refeição do meio-dia. porém, o
número elevado de horas de trabalho
era contrabalançado pela quantidade de
dias santos e feriados; além disso, em
geral (mas não invariavelmente) guardava-se
o domingo como dia de descan_
so' Em Portugal, como em outros rugares,
os camponeses e os artesãos que
compunham o povo suportavam o maior quinhão
da cargados impostos.
Apesar do êxodo do campo para as cidades,
os artesãos e os trabalhado-
res urbanos constituíam uma porcentagem
muito pequena da popuração em
comparação com os lavradores. Lisboa detinha
um florescente comércio marí_
timo em meados do século xv, mas não havia mais
do que cinqüenta ou ses-
senta calafates nesse período. Em Guimarães,
cidade relativamente importante
no terceiro quartel do século precedente, eram
menos de cinqüenta os arte_
sãos qualificados e outros profissionais.
Em cidades menores, a proporçao en_
tre trabalhadores e camponeses era provavermente
da ordem d.e 5o/o a r0o/o.
Devido ao importante papel desempenhado pelos
trabalhadores urbanos de
Lisboa e do Porto na revolução de l3g3-5, as
corporaçÕes tornaram-se muito
mais poderosas e influentes nessas duas cidades,
e, em menor escara, nas da
província também. os judeus e os mouros,
em arguns rugares, formavam gru-
pos minoritários, mas eram menos numerosos
e tinham menos importância
do que na vizinha Espanha. Durante a alta Idade
Média, em portugar e em ou-
tros lugares, os judeus eram obrigados a usar
marcas distintivas na roupa, a
viver em guetos e a pagar impostos mais elevados
do que os cristãos. Estavam
sujeitos a pogroms ocasionais e em pequena
escala, mas sua situaEo era rela_
tivamente melhor ali do que na maioria dos
demais países europeus. os co-
bradores de impostos, médicos, matemáticos
e cartógrafos judeus eram pro-
tegidos pelos reis portugueses apesar dos
protestos periódicos apresentados
pelo Terceiro Estado (o povo) nas cortes.
os artesãos e os artífices judeus pre-
dominavam em alguns offcios e ramos de comércio;
esse era o caso dos alfaia-

25
tes, ourives, ferreiros, armeiros e sapateiros. Havia poucos judeus campone-
ses, marujos e homens de armas e estaYam espalhados pelo país; no entanto,
em 1439, um ourives judeu de Évora reclamou e recebeu uma recompensa
por ter tomado parte na captura de Ceuta e na abortada expedição a Tânger
"com seu cavalo, suas armas e dois peões". Nas ocasiões muito raras em que
judeus se convertiam voluntariamente ao cristianismo' eram absorvidos e as-
similados pela comunidade cristã sem nenhuma dificuldade. Até a imigração
em massa de judeus da Espanha, conseqüência da decisão de Fernando e Isa-
bel de expulsá-los em L492, os filhos de Israel não constituíam problema maior
para Portugal. Os mouros, àquela altura, haviam sido absorvidos na massa da
população, exceto uma peqgenaparcela capturada nas guerras com o Marro-
cos que fora usada como mão-de-obra escrava.
SePortugal nunca teve um problema mourisco depois da conquista final
do Algarve (1249),ao contrário da Espanha que o teve por mais de um sécu-
lo após a conquista de Granada (1492), ainda assim a influência árabe em
Portugal por celto não foi menos evidente em vários aspectos culturais e ma-
teriais. Muitas das palavras usadas para designar utensílios, técnicas, pesos e
medidas agrícolas, que são de origem românica, no norte de Portugal, provêm
do árabe no sul. Os mouros também introduziram novas plantas e intensifi-
caram enormemente o cultivo de outras que encontraram na península: a al-
farrobeira, o limoeiro, a laranjeira e (talvez) o arroz. Desenvolveram sobrema-
neira o cultivo da oliveira, como demonstra o fato de que, embora o nome da
árvore seja de origem latina (oliveira), o nome do fruto e do óleo dele extraí-
do é de raiz árabe (azeitona, azeite). Muitos termos econômicos, militares e
administrativos possuem igualmente origem ârabe, sem mencionar os nume-
rosos topônimos da região Sul do país, onde a ocupação mourisca-berbere
durou muito mais tempo. Essa diferença entre o Norte e o Sul reflete-se ain-
da na arquitetura doméstica regional, campo em que as influências mouras
são claramente perceptíveis na região Sul, em particular no AlgarYe, a "terra
do poente", último baluarte do Islã.
As diferenças entre o Norte e o Sul de Portugal refletiam-se (e refletem-
se) em outros aspectos além do clima e da etimologia. Os minifundios predo-
minavam na fértil e superpovoada província do Minho' ao norte, caractetiza-
da por uma anedota segundo a qual um homem põe sua Yacapara pastar
se

em seu próprio pasto, o excremento dela cai no terreno do vizinho. A presen-

z6
ça de grandes propriedades e de latifúndios era comum nas planícies e nos
descampados escassamente habitados da província meridional do Alentejo.
As diferenças geográficas entre o Norte e o Sul desse país também se refletiam
no uso de materiais de construção distintos. Enquanto a pedra predominava
no Norte pedregoso e montanhoso, casas de taipa e de argila eram mais co-
muns no sul. os pobres, claro, moravam em casebres simples ou choças; ou
em habitações de pedra solta, com telhados de ardósia (bu de colmo) nas re-
motas serranias de Tïás-os-Montes, como ocorre ainda hoje com alguns de
seus descendentes. Era nessas habitações humildes que o cronista Gomes Ea-
nes de zurara pensava quando descreveu o espanto dos invasores portugue-
ses diante dabeleza e da riqueza das mansões mouriscas que saquearam em
ceuta, em agosto de 1415, "pois nossas pobres casas parecem pocilgas em com-
paração com estas".
Além das divisões contrastantes muito elementares que se costumam fa-
zeÍ em Portugal Norte e Sul, ou românico e árabe-mourisco, ou atlântico
-
e mediterrânico (do ponto de vista climático) subdivisão eviden-
-,hâoutra
te: litoral e interior. Diz-se com freqüência que portugal era uma nação pre-
dominantemente marítima. Em certo sentido, isso é verdade, tendo em yista
que Portugal é que abriu o caminho "por mares nunca dantes navegados",
como dizem os versos famosos de camões. Mas, em outro sentido, essa afir-
mação é mais contestável. veremos no decorrer deste livro que os marinhei-
ros de alto-mar eram poucos em Portugal, e que houve longos períodos em
que foi gÍave a escassez desses marujos. Há muito poucos portos naturais na
costa portuguesa; Lisboa e setúbal são os dois únicos de dimensões convenien-
tes. Não há ilhas ao longo das praias para cortar a força dos ventos do Atlân-
tico, nem estuários, rios, enseadas ou riachos, abrigados e profundos, de fácil
acesso e onde a construção de barcos possa ser facilmente desenvolvida. o li-
toral é muitas vezes baixo, arenoso e varrido pelos ventos, ou então existem
rochas ameaçadoras e escarpas abruptas. As aldeias de pescadores localizam-
se quase sempre em angras abertas, de onde as pequenas embarcações utiliza-
das na pesca não podiam se fazer ao mar a não ser quando o vento, a maré e
o tempo fossem realmente favoráveis.
como se sabe, o mar que banha a costa portuguesa é rico em peixe, e des-
de a alta Idade Média os portugueses pescavam ao largo da costa do Marro-
cos' Mas é quase certo que a indústria da pesca ocupa hoje porcentagem mui-
to mais significativa da população do que na maior parte dos quatro séculos
que nos interessam. Em anos recentes, cerca de 38 300 homens, ou seja, cerca
de 0,5o/o da população ativa, dependiam total ou principalmente da pesca.
Com efeito, esse número chama muito mais atenção do que aqueles de que
dispomos para o período que vai do século xvr ao xvrrr, como veremos no
momento apropriado.
De todo modo, como frisou Orlando Ribeiro' as ocupações marítimas,
por mais importantes que fossem (ou parecessem ser) no contexto da econo-
mia nacional portuguesa, podem apenas ser consideradas limitadas, fragmen-
tadas e intermitentes em comparação com o permanente trabalho agrícola
dos campos. Mesmo a poucos quilômetros da costa, muitos permanecem bem
pouco influenciados pela proximidade do mar. O habitante do Alentejo, a
maior província de Portugal, não depende de modo algum do mar, nem no
que diz respeito à alimentação nem ao trabalho. O camponês dos arredores de
Lisboa passa a ter consciência do oceano Atlântico somente quando tenta pro-
teger suas vinhas das fortes brisas marinhas e das partículas de sal por elas tra-
zidas. Em alguns aspectos, sem dúvida o mar desempenhou um papel mais
importante na história de Portugal do que qualquer outro fator isolado. Isso
não significa todavia que os portugueses fossem uma raça de aventureiros ho-
mens do mar mais do que de camponeses ligados à terra. Há três ou quatro
séculOs, a porcentagem de homens que "foram ao mar em navios" em busCa de
sua subsistência era por certo muito menor em Portugal do que nas regiões
de Biscaia, da Bretanha, da Holanda setentrional, da Inglaterra meridional e de
algumas regiões bálticas.

z8

Вам также может понравиться