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INTRODUÇÃO

Todos nós gostamos de ser chamados de estratégicos. Ninguém


gosta muita de ser dito operacional. Operacional remete a uma visão
local, de curto prazo, uma perspectiva de algum modo limitada. Já o
estrategista trabalha com os olhos fitos no horizonte, vê longe no espaço
e antecipa o tempo, avalia as forças, fraquezas, ameaças e
oportunidades. O nosso mundo valoriza muito o belo, a “grande
tacada”, e não dá muita bola para as pequenas conquistas do dia a dia.
Quando pensamos retrospectivamente nas nossas vidas,
entretanto, observamos que muitas das decisões e escolhas mais
estratégicas que fizemos nasceram ou se desdobraram de movimentos
banais, cotidianos ou encontros que nem ao menos havíamos
pressentido. Em contrapartida, muitos dos nossos planos mais
brilhantes não conseguiram nem mesmo sair do papel.
A língua portuguesa nos faz associar diretamente os termos
Operações e Operacional. Quando falamos Operações, porém, estamos
implicitamente nos referindo a um conceito que, embora não pareça,
está umbilicalmente ligado ao campo estratégico.
Nesta disciplina, examinaremos algumas das principais
abordagens de gestão de operações, as quais permitem que essa ligação
se faça em alinhamento com a complexidade mundo contemporâneo.
Em particular, focalizaremos a Teoria das Restrições e o Pensamento
Enxuto no contexto da gestão integrada da cadeia de suprimentos.
SUMÁRIO
MÓDULO I – OPERAÇÕES E PROCESSOS ............................................................................................. 9

A ANALOGIA DA PONTE .................................................................................................................... 9


OPERAÇÕES ...................................................................................................................................... 10
OPERAÇÃO ........................................................................................................................................ 10
O QUE É PROCESSADO EM UMA OPERAÇÃO ............................................................................... 11
PROCESSOS ....................................................................................................................................... 12
SISTEMA ............................................................................................................................................. 13
CADEIA DE VALOR E REDE DE SUPRIMENTOS .............................................................................. 13
OS DIFERENTES NÍVEIS DE ANÁLISE .............................................................................................. 14
AS DIFERENTES PERSPECTIVAS DE ANÁLISE ................................................................................. 15
O CICLO DO PROCESSO E O TEMPO DE ATRAVESSAMENTO ..................................................... 15
GESTÃO DE OPERAÇÕES: UMA RESPONSABILIDADE BÁSICA DE QUALQUER GERENTE ........ 16
OPERAÇÕES E ESTRATÉGIA COMPETITIVA .................................................................................... 16
VANTAGENS COMPETITIVAS GERADAS PELAS OPERAÇÕES ....................................................... 17
FATORES GANHADORES DE PEDIDOS E QUALIFICADORES PARA A CONCORRÊNCIA ............ 18
OPERAÇÕES E GANHO ECONÔMICO ............................................................................................ 19
AS OPERAÇÕES E O LUCRO, A RENTABILIDADE E O FLUXO DE CAIXA ...................................... 19
OPERAÇÕES E SUSTENTABILIDADE ............................................................................................... 21
CONCLUSÃO DO MÓDULO ............................................................................................................. 21

MÓDULO II – O DESEMPENHO OPERACIONAL ................................................................................. 23

A ANALOGIA DO MÉDICO E DO DIAGNÓSTICO ........................................................................... 23


A EFICÁCIA E O APROVEITAMENTO DAS OPORTUNIDADES ....................................................... 24
A EFICIÊNCIA E A RACIONALIDADE NO USO DOS ATIVOS .......................................................... 25
A QUALIDADE E A SATISFAÇÃO DOS STAKEHOLDERS ................................................................... 26
A QUALIDADE EM SERVIÇOS........................................................................................................... 27
A QUALIDADE EM SERVIÇOS........................................................................................................... 28
A PRODUTIVIDADE E A RELAÇÃO CUSTO–BENEFÍCIO ................................................................. 29
TAXA DE PRODUÇÃO, CUSTO UNITÁRIO E GIRO DE ESTOQUES ............................................... 31
A RELEVÂNCIA DO GIRO .................................................................................................................. 32
O Caso Roda-Viva ..................................................................................................................... 33
A EFETIVIDADE E A SUSTENTAÇÃO DO RESULTADO ................................................................... 34
INDICADORES OPERACIONAIS E ECONÔMICOS .......................................................................... 36
CONCLUSÃO DO MÓDULO ............................................................................................................. 38

MÓDULO III – O GERENCIAMENTO DAS OPERAÇÕES COM BASE NA TEORIA DAS RESTRIÇÕES 41

A ANALOGIA HIDRÁULICA ............................................................................................................... 42


O RECURSO CRÍTICO ........................................................................................................................ 43
OS RECURSOS NÃO CRÍTICOS ........................................................................................................ 44
A CAPACIDADE DO SISTEMA É IGUAL À CAPACIDADE DO GARGALO ....................................... 44
A EFICIÊNCIA DE UM RECURSO NÃO GARGALO NÃO MELHORA A EFICÁCIA DO SISTEMA ... 45
O CICLO DE MELHORIA PRECONIZADO PELA TEORIA DE RESTRIÇÕES .................................... 45
EXPLORANDO A CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DO GARGALO EM SUA PLENITUDE ........ 46
PROTEGENDO A CAPACIDADE DO GARGALO .............................................................................. 47
SUBORDINANDO OS NÃO GARGALOS AO RITMO DE PRODUÇÃO DO GARGALO .......... 48
GERENCIANDO OS RECURSOS NÃO CRÍTICOS QUE ESTÃO ANTES DO GARGALO.................. 50
A PRODUÇÃO PUXADA E A PRODUÇÃO EMPURRADA ................................................................ 50
GERENCIANDO OS RECURSOS NÃO CRÍTICOS QUE SUPREM O FLUXO ORIUNDO DO
GARGALO .......................................................................................................................................... 50
GERENCIANDO OS RECURSOS NÃO CRÍTICOS QUE SEGUEM O GARGALO.................................. 51
DIVIDINDO A REDE DE SUPRIMENTOS EM REGIÃO CRÍTICA E REGIÃO NÃO CRÍTICA ............ 52
PROTEGENDO O FLUXO DE PRODUÇÃO ORIUNDO DO GARGALO .......................................... 53
TAMBOR, PULMÃO, CORDA ............................................................................................................ 54
INVESTINDO NO GARGALO............................................................................................................. 55
REESTRUTURANDO A GESTÃO DO SISTEMA DIANTE DO NOVO GARGALO ................................. 55
CONCLUSÃO DO MÓDULO ............................................................................................................. 56

MÓDULO IV – O GERENCIAMENTO DAS OPERAÇÕES COM BASE NO PENSAMENTO ENXUTO .. 59

A METÁFORA DA REFORMA E DA REVOLUÇÃO ............................................................................ 60


ENTENDER O VALOR DESEJADO PELO CLIENTE ........................................................................... 61
IDENTIFICAR OS DESPERDÍCIOS ..................................................................................................... 65
ESTABELECENDO O FLUXO CONTÍNUO ........................................................................................ 67
ESTABELECENDO O FLUXO PUXADO E NIVELADO ...................................................................... 71
MOBILIZANDO AS EQUIPES PARA A MELHORIA CONTÍNUA ...................................................... 72
O JIDOKA E A CÉLULA ...................................................................................................................... 75
CONCLUSÃO DO MÓDULO ............................................................................................................. 77

MÓDULO V – AS OPERAÇÕES COMO UMA REDE INTEGRADA DE GESTÃO .................................... 81

A METÁFORA DO DESFILE DO SAMBA ........................................................................................... 82


A FONTE DO VALOR GLOBAL.......................................................................................................... 82
AS PARCERIAS E AS RELAÇÕES GANHA-GANHA ........................................................................... 83
ESTOQUES: POR QUE TÊ-LOS E POR QUE NÃO OS TER .............................................................. 84
OS ESTOQUES DE SEGURANÇA: QUANDO, QUANTO E PARA QUÊ? ........................................ 85
TRADE-OFFS LOGÍSTICOS.................................................................................................................. 86
OS ESTOQUES DE FLUXO: QUANDO, QUANTO E PARA QUÊ? .................................................... 87
O CUSTO GLOBAL DE UMA COMPRA ............................................................................................ 87
OS ESTOQUES DE CICLO: QUANDO, QUANTO E PARA QUÊ? ..................................................... 88
FACILITAÇÃO LOGÍSTICA: REVISITANDO O LOTE ECONÔMICO ................................................ 89
OPERADORES LOGÍSTICOS ............................................................................................................. 90
OS ESTOQUES SAZONAIS: QUANDO, QUANTO E PARA QUÊ? ................................................... 90
COMO NIVELAR DEMANDA E CAPACIDADE SEM ESTOQUES: O CASO DOS SERVIÇOS .......... 91
OUTROS TIPOS DE ESTOQUES: QUANDO, QUANTO E PARA QUÊ? .......................................... 91
COMBATENDO AS CAUSAS DE TER ESTOQUES ........................................................................... 92
O PLANEJAMENTO DO QUANDO E QUANTO COMPRAR E ARMAZENAR ..................................... 93
O PLANEJAMENTO INTEGRADO DE MATERIAIS E CAPACIDADE ................................................ 94
A INTEGRAÇÃO DA GESTÃO EMPRESARIAL .................................................................................. 94
A MANUFATURA INTEGRADA PELO COMPUTADOR .................................................................... 95
A INTEGRAÇÃO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS COMO UM TODO ............................................ 95
AS NOVAS POSSIBILIDADES TRAZIDAS PELA CONVERGÊNCIA FÍSICO-DIGITAL ............... 96
FRONTEIRAS DE PESQUISA ............................................................................................................. 97
O NOVO PAPEL DA LIDERANÇA...................................................................................................... 98
CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 98

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 100

PROFESSOR-AUTOR ........................................................................................................................... 101


MÓDULO I – OPERAÇÕES E PROCESSOS

Este módulo examina como as vantagens competitivas geradas pela gestão de operações podem
fazer diferença no mundo de hoje, e como é pertinente ao gerente olhar o seu negócio com olhos
análogos ao de um médico que analisa o seu paciente. Com efeito, assim como em um organismo
humano, a saúde de um sistema de produção e serviços decorre da boa gestão de fluxos de materiais,
de informações e de trabalho ao longo de uma rede de operações e processos interligados.
Qualquer que seja a natureza do sistema, quase sempre é possível – e indicado – representar,
entender e aperfeiçoar esses fluxos por meio dos quais se dá a construção do valor entregue ao
cliente. Entendendo como esses fluxos se dão, pode-se identificar, por exemplo, o tempo total que
o cliente levou para obter o que desejava, e indagar: que parcela desse tempo foi de fato agregação
de valor para ele? Há um jeito melhor de atendê-lo, com melhor qualidade e menor custo? Há
algo que posse ser feito para que se perca menos tempo nesse processo?
A ideia deste primeiro módulo é estimular você a ver os sistemas de produção e serviços
como uma rede integrada de processos, e entender como as escolhas feitas no dia a dia da
operação alimentam – ou destroem – a estratégia competitiva da empresa e viabilizam – ou
impedem – um resultado econômico atraente.

A analogia da ponte
Quando estudamos Operações, o aspecto fundamental que está em jogo é compreender
como as decisões de curto, médio e longo prazo devem se articular para potencializar as escolhas
estratégicas e econômicas da corporação. É como se falássemos de uma “ponte” que interliga as
decisões e escolhas que fazemos no dia a dia com os diferenciais competitivos que pretendemos
reforçar para gerar valor competitivo e ganho financeiro.
Quando você ouvir falar de Operações, não pense em vértices situados em dois campos
opostos: o Estratégico e o Operacional. Pense na aresta que interliga essas duas dimensões.

Operações
O que é produzir? Bem, se essa pergunta fosse feita há 40 ou 60 anos seria natural ouvir
como resposta algo como: o processo pelo qual materiais são reunidos e transformados, fluindo
por meio de um sistema, de forma controlada, a fim de gerar bens e produtos para satisfazer
necessidades de clientes e atender a determinados objetivos empresariais.
Ora, não há nada de errado com essa definição! Mas, convenhamos, à luz dos tempos atuais
talvez ela esteja demasiadamente referida ao setor industrial e à produção de bens físicos. De fato,
diante da efervescência da sociedade contemporânea, com o ritmo de inovação intenso que assola
nossas vidas, é preciso entender o conceito de produção de forma bem mais ampla para incluir os
serviços dos profissionais liberais, os serviços públicos, o agronegócio, as operações financeiras, as
operações varejistas, de distribuição, armazenagem, entre outras que não vivem da transformação
primária dos materiais em si. Uma definição mais simples, abrangente e atual é mencionada por Costa
e Jardim (2017): “produzir é gerar ou aumentar a utilidade ou o valor de alguma coisa para alguém”.
A consolidação do termo Operações para designar esse campo de estudo, que será aqui nosso
principal foco de análise, tem a ver com essa mudança do mundo. Com efeito, à medida que a
sociedade foi adentrando essa nova era e percebeu-se que muito do aprendizado oriundo da
experiência com a gestão de fábricas poderia fazer sentido também para o aprimoramento dos
ambientes de prestação de serviços, a expressão Gestão de Operações se consolidou como talvez a
melhor expressão para revelar a amplitude do tema.
Adicionalmente, para que esse termo vingasse mais e mais, concorreu o entendimento
de que, além das atividades centrais da produção tradicional e mesmo para além das atividades
de prestação de serviços, também as operações de retaguarda nessas corporações – os serviços
internos e administrativos, como por exemplo, os exercidos pelas áreas comerciais, de
finanças, recursos humanos, compras, entre outras – constituem-se em processos para os
quais é inteiramente plausível se aproveitar o aprendizado acumulado na gestão fabril para
fazer valor e melhoria.

Operação
Portanto, ao falarmos em Operações estamos nos referindo a tudo o que gera valor para
alguém. Podemos ver esse fenômeno por diferentes lentes de aumento, por exemplo focalizando
apenas o core business da organização, incluindo em nossa análise os processos empreendidos pelas

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áreas administrativas, ou mesmo considerando toda a rede de colaboração desde a fonte de
suprimento até o consumo final.
Se esse conjunto de ações é denominado Operações, então podemos derivar daí a ideia de
Operação como sendo aquele elemento mínimo de agregação de valor feito por alguém para outro
alguém (este último podendo ser tanto um cliente externo quanto interno).
Uma Operação é uma “caixinha” elementar de processamento que é composta de recursos
de produção, tais como máquinas, equipamentos, softwares, trabalhadores, entre outros. Essa
“caixinha” recebe como Entradas três possíveis inputs – materiais, informações e pessoas –, e suas
Saídas são produtos com alguma utilidade adicional àquela dos itens que os conformaram,
informações mais valiosas do que as que foram originalmente colhidas ou clientes satisfeitos com
os serviços que lhes foram prestados.

O que é processado em uma Operação


Reforçando e detalhando o comentado na última seção: diz-se que na sociedade
contemporânea há quatro tipos de processamento realizados por uma Operação e três tipos de
coisas que são processadas.
As “coisas” processadas por uma Operação seriam: (i) materiais; (ii) informações e (iii) os
próprios clientes da operação.
Os tipos de processamento seriam: (i) a transformação, um processamento feito por uma
Operação no qual as características físicas, químicas (ou psicológicas) do item processado são
modificados para que um valor adicional seja produzido; (ii) o transporte, um processamento
feito por uma Operação no qual o valor adicional é produzido para o cliente pela mudança do
local onde está o item processado; (iii) a comercialização, um processamento feito por uma
Operação no qual o valor adicional para o cliente está relacionado à transferência de propriedade
sobre o item processado, do vendedor para o cliente; e (iv) a armazenagem, um processamento
feito por uma Operação em que o valor é adicionado pela manutenção das características
intrínsecas do item processado, de seu local e de sua propriedade.
A caracterização das Operações a partir de tais categorias, de fato, tem um resultado bastante
abrangente. Acredita-se que a vasta maioria dos empreendimentos de Produção e Serviços podem ser
aí classificados – desde os empreendimentos do setor primário e secundário, que caracteristicamente
tratam de Transformação de Materiais, até os de profissionais liberais e escritórios, normalmente
envolvidos com a Transformação de informações, passando por prestadores de serviço como parques
temáticos, clínicas médicas, salões de beleza, entre outros, que nesta perspectiva poderiam ser descritos
como operações dedicadas à Transformação de Pessoas.
Faça um exercício com as outras categorias! Você seria capaz de exemplificar sistemas de
produção à nossa volta que Transportam Materiais? Essa é fácil, não? E os que Transportam

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Informações ou Pessoas? E sistemas que Vendem Materiais, Informações ou Pessoas? Exemplificar
sistemas que vendem Pessoas já é um pouco mais difícil, mas eles existem. Uma dica para ajudar:
empresários de artistas ou de atletas de certa forma “vendem” pessoas, não? E sistemas que vivem
de Armazenar Materiais, Informações ou Pessoas?
A bem da verdade, na maioria das situações, todos os tipos de processamento e todos os
tipos de item processado são de algum modo simultaneamente “operados” pelos sistemas de
produção. Em uma escola, por exemplo: apostilas são impressas para os alunos (um
processamento de materiais); professores convertem os programas pedagógicos em materiais de
ensino (um processamento de informações); e na sala de aula os alunos desenvolvem seus
conhecimentos e talentos (um processamento de pessoas). O valor ofertado pelos sistemas de
produção é normalmente uma cesta de valor que pode incluir itens tangíveis e intangíveis.
Agora, pense em um sistema de produção ou serviços que você conhece bem. Qual dos
tipos de processamento citados é o mais representativo de seu negócio? Que tipo de “coisa” é
preponderantemente processado nesse seu sistema de produção?

Processos
A Operação é como o átomo para a substância, ou um gene para um ser vivo. Um processo
é uma sequência de operações conectadas e bem integradas.
Em um processo, a saída de uma operação é a entrada da operação consecutiva, de modo
que se configura, assim, por meio dessas interligações sucessivas, um fluxo de produção concebido
por alguém para satisfazer um objetivo determinado.
Em tese, praticamente tudo à nossa volta são processos (ou são projetos, que não deixam de
ser processos, embora aconteçam uma vez só). Às vezes não os percebemos porque são coisas do
cotidiano que fazemos rotineiramente, mas no fundo são processos. Acordar e sair de casa, sair do
trabalho e almoçar, por exemplo, são ações, escolhas, preparações, esperas, movimentos do dia a
dia que acontecem de forma sequenciada e integrada. Até mesmo os artistas, às vezes, referem-se à
sua atividade de criação como um processo artístico.
Aprender a ver o que fazemos ou estamos responsáveis por gerenciar como um processo é
um passo essencial para o aprimoramento dos sistemas de produção e serviços, pois boa parte do
valor percebido pelos clientes refere-se à gestão desse fluxo de atividades. Um fluxo mal gerido
leva à lentidão, impontualidade, inflexibilidade, custo alto, má qualidade e, consequentemente, à
perda de clientes e de dinheiro.

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Sistema
Processos frequentemente se comunicam, operando em um sistema integrado com outros,
para o alcance de um objetivo maior, mais abrangente. Assim como a conexão de operações
individuais configura um processo, também processos podem se conectar em uma cadeia
integrada de maior amplitude, formando assim um sistema de produção que configura um
perímetro de análise um pouco mais amplo.
Há aqui um paradoxo interessante, pois o nível que aqui optamos por denominar Sistema às
vezes também é substituído na literatura pelo termo Operação. Por exemplo: uma “operação
automobilística”. Nesse caso, o autor possivelmente não está se referindo apenas a uma etapa
produtiva, como uma etapa de soldagem de chapas, por exemplo, mas talvez esteja se referindo a
um sistema mais amplo – à própria fábrica de automóveis, quem sabe.
Por isso, fique atento, pois não há uma norma precisa estabelecendo o significado desses
termos. Não se surpreenda, assim, se você encontrar essa dubiedade em suas leituras. Use o
contexto para entender se o autor ao falar Operação está se referindo à ideia de operação elementar
ou a um sistema formado por uma cadeia integrada de processos.

Cadeia de valor e rede de suprimentos


Se estendermos nosso perímetro de análise até os limites da organização, incluindo aí as
fronteiras com fornecedores e clientes, e se incluirmos também no nosso escopo os muitos
processos administrativos que se realizam cotidianamente na retaguarda ou em suporte às
atividades core, chegamos à percepção de que uma organização pode ser vista como um grande
sistema, uma grande cadeia de processos integrados e vinculados a um mesmo objetivo global. A
essa rede, costuma-se dar o nome de Cadeia de Valor.
Já a ideia de Cadeia de Suprimentos estende o conceito de Cadeia de Valor citado acima para
abranger também os processos de produção dos fornecedores (e os fornecedores dos fornecedores)
e, em sentido ainda mais amplo, os processos dos clientes diretos (e dos clientes dos clientes).
Observe-se que conquanto o termo Suprimentos traga implícito, em uma primeira aproximação,
uma ideia física, aqui ele deve ser entendido de modo mais amplo, como uma entrega que pode ser
tangível e também intangível. Observe-se ainda que essas entregas se dão não apenas entre empresas, mas
também entre os processos internos de cada empresa que compõem o fluxo.
Vê-se assim que, nessa perspectiva da rede de suprimentos, amplia-se ainda mais a “lente”
usada para analisar o sistema, de modo a visualizar o fluxo global que nasce na fonte de material e
em seguida flui, por um conjunto articulado de processos que são executados por diferentes
sistemas, empresas e instituições até a geração de valor, de utilidade, para o cliente final. Nessa

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perspectiva, todos os processos são supridos por outros, sendo também supridores dos que os
seguem nessa cadeia.
Modernamente vemos também o uso da expressão Cadeia dar lugar ao termo Rede em
correspondência às dinâmicas do mundo que propõem novos arranjos produtivos a cada dia.
Nesses novos arranjos muitas vezes até mesmo competidores colaboram em fases do processo não
tão decisivas para as escolhas de seus clientes. Por exemplo, é comum vermos concorrentes
preferirem se localizar uns próximos aos outros para criar um polo de vendas impactante, ou
ainda terceirizarem para um mesmo fornecedor partes de seus processos, garantindo-lhe ganhos de
escala que o viabilizem economicamente para enfrentar o rápido processo de evolução tecnológica.
E há vários outros formatos que criam interseções entre elos de cadeias que, em tese, seriam rivais.
Nesse sentido, a ideia de uma rede colaborativa de suprimentos parece mais afinada com as
características do mundo contemporâneo no que toca a criação de valor.

Os diferentes níveis de análise


Examinando as várias definições acima descritas, observamos que todas são de algum modo
similares, quase redundantes, isto é, a diferença reside mais na “lente de aumento” que tomamos
ao analisar a cena. O que está em jogo sempre é a percepção de que a geração de valor advém de
operações encadeadas em processos.
Assim, do ponto de vista da gestão e do aprimoramento, o primeiro nível de análise é o
nível do processo. Aqui estamos atentos aos detalhes, buscando compreender as operações
elementares, analisando a relação primária de geração de valor – um material sendo transformado
por uma máquina; uma informação sendo tratada alguém; um cliente sendo tratado por um
prestador de serviço; um cidadão sendo atendido por um servidor público, etc.
Ampliando a “lente” chegamos ao nível da cadeia de valor. Tomamos aí como foco de
análise todo o conjunto de atividades-fim, ou de apoio, que ocorrem em uma corporação.
Abrindo ainda mais o olhar, alcançamos o nível da rede de suprimentos, no qual, além dos
processos internos, procura-se compreender e melhorar as conexões entre as diferentes empresas
que compõem o fluxo global que, no limite, vai desde a matéria-prima original até o consumo
pelo cliente final (podendo-se aí incluir até mesmo os processos ligados à logística reversa, cada
vez mais frequentes em um mundo desafiado pela sustentabilidade).

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As diferentes perspectivas de análise
Quando o nível de análise que está em pauta é o Nível da Operação, isto é, um recurso, um
prestador de serviço processando um material ou atendendo um cliente, tem-se uma facilidade: o
tempo que o material ou cliente leva para ser servido é o mesmo que o recurso ou o prestador de
serviço leva para atendê-lo.
Isso significa que o Ciclo do Processo (que é o intervalo entre dois clientes consecutivos
servidos pelo recurso) e o Ciclo do Produto, ou tempo de atravessamento (que é o tempo que o
cliente leva em seu percurso do momento em que chega ao sistema ao momento em que sai)
coincidem. Quando, porém, a análise se transpõe para o nível da cadeia de valor ou para o da rede
de suprimentos integrada, é importante ter-se em mente que essas perspectivas se distanciam.
Objetivamente: se o cliente, ao ser atendido, passa em vários processos sucessivos o Tempo de
Atravessamento será a soma do atendimento desse cliente nos vários processos, acrescido das esperas e
tempos de movimentação, certo? Entretanto, o ritmo de atendimento do sistema como um todo, o
Ciclo do Processo, será dado apenas pelo tempo de atendimento do mais lento desses processos.

O ciclo do processo e o tempo de atravessamento


O Ciclo do Processo e o Tempo de Atravessamento (ciclo do produto) são dois conceitos-chave
em Gestão de Operações. Se ainda não está clara para você a diferença entre esses dois conceitos,
pare um instante aqui e reflita mais sobre isso antes de seguir a leitura. Veja: uma coisa é o tempo
que você leva em uma estrada para ir de uma cidade a outra – esse tempo da viagem, que tem
muito a ver com a distância e a velocidade de seu carro, é o Tempo de Atravessamento, o Lead-time;
outra coisa bem diferente é o intervalo de tempo que decorre entre a passagem de dois carros
consecutivos no pedágio dessa mesma estrada – esse intervalo de tempo é o Ciclo do Processo.
Ambos são tempos de produção, mas revelam coisas completamente diferente, não é?
Desejamos que o Ciclo do Processo de um sistema seja pequeno, pois um intervalo pequeno
entre dois itens processados significa que faremos muitos produtos ou serviços na jornada de
trabalho. O ciclo do processo dialoga, portanto, com a vazão do sistema, com a quantidade
produzida, com o faturamento.
Também desejamos que o Tempo de atravessamento ou Ciclo de um produto seja o menor
possível, pois se o tempo total dispendido por ele dentro do sistema é pequeno estamos gerando
valor para o cliente com rapidez, pouco desperdício, pouco esforço. O Tempo de Atravessamento
ou Ciclo do produto dialoga, portanto, com esforço feito pelo sistema, com as despesas.
Observe ainda que, além desse impacto favorável na redução de custo de processamento,
um Tempo de Atravessamento pequeno produzirá provavelmente satisfação para o cliente,
vantagem competitiva e consequente ganho de faturamento futuro.

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Gestão de operações: uma responsabilidade básica de
qualquer gerente
Refletindo sobre essas diferentes expressões e conceitos examinados, emerge a ideia principal a
considerarmos aqui neste primeiro módulo, qual seja: toda geração de valor envolve operações e estas
operações se articulam em processos, estejamos nós falando de indústria, varejo, distribuição,
armazenagem, sistemas privados ou públicos, bens ou serviços, atividades core ou de retaguarda. Nesse
sentido todos os gerentes, sejam eles de produção, de marketing, de compras, de finanças, de
escritórios de advocacia, de arquitetura, de engenharia, de contabilidade, sistemas de saúde, de
educação, de recursos humanos, de serviços em geral, de repartições públicas, agroindústria…, todos
são, em última análise, gerentes de Operações, ainda que seu cargo não tenha essa nomenclatura.
Assim, refletir sobre as técnicas, conceitos e ferramentas de gestão de operações é de
interesse amplo na sociedade. É mesmo paradoxal que, com tão vasto acervo de tecnologias
disponíveis no mundo de hoje, nós consumidores ainda nos confrontemos com tanta desatenção e
baixa performance. Há sinais claros de que nossos sistemas seguem carentes de um entendimento
melhor sobre Gestão de Operações em praticamente todos os campos sociais, e mudar isso é um
grande desafio para nós que temos responsabilidades gerenciais.
Por isso, seja qual for sua atribuição gerencial, procure entender como o valor produzido
por você e sua equipe é criado. Mapeie como se conectam as operações feitas por seus
colaboradores, estude como elas se articulam umas com as outras em processos de geração de valor
e reflita sobre o que poderia ser feito para a excelência operacional.

Operações e estratégia competitiva


O primeiro desafio é enxergar a Operação que está sob nossa responsabilidade como uma
cadeia de processos. O segundo desafio é entender que a melhoria desses processos deve ser feita
tendo em perspectiva os objetivos definidos na estratégia competitiva da empresa.
Registre-se que ter uma perspectiva estratégica nas operações não significa apenas ter clareza
sobre os objetivos e vantagens competitivas a serem buscados. Trata-se na verdade de dar
coerência e intencionalidade a toda uma gama de decisões estruturais e infraestruturais que são
tomadas pela organização e que afetam diretamente a performance dos processos.
Há, por exemplo, decisões que são tomadas no momento em que se instala o sistema de
produção. Onde produzir? Qual a tecnologia de processo? Como distribuir a produção até o
mercado consumidor? Que parcelas do valor produzir em casa ou comprar pronto fora? Que
sistemas de gestão usar? Que nível de automação adotar? Qual estrutura de financiamento? Que
parcerias estratégicas? São decisões que se projetam no longo prazo, mas que precisam ser tomadas
com antecipação e que muitas vezes envolvem investimentos significativos.

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Há também outra gama de decisões que se situam em um nível mais tático. Trabalhar em
dois ou três turnos? Contratar ou reduzir a força de trabalho para o próximo período? Quanto
providenciar de cada produto acabado para a venda? E por aí vai.
E há decisões mais operacionais, como, por exemplo: qual ordem de produção deve ser feita
primeiro na máquina? Qual a sequência de processamento mais indicada? Em que máquina fazer
o serviço? Quanto e quando providenciar de cada produto, de cada componente, de cada
material? Como está a satisfação dos clientes? Como está a motivação e a segurança dos
colaboradores? E a relação com o meio ambiente?
São muitas decisões e de diferentes naturezas. Um olhar estratégico para a Gestão das
Operações significa procurar sintonizá-las de forma que todas essas escolhas afetas aos processos –
sejam elas de longo, médio ou curto alcance – guiem-se pela bússola da vantagem competitiva
desejada. Dessa forma, espera-se que a Operação não venha ao reboque das definições estratégicas
estabelecidas pelas áreas Comercial e de Finanças, mas que assuma um papel proativo no debate
interno, de modo a fazer com que a estratégia competitiva considere em suas prioridades os
potenciais instalados e as características e limitações do sistema de produção (ainda que para
removê-las ou superá-las).

Vantagens competitivas geradas pelas Operações


O que faz um cliente escolher a sua empresa ao invés da oferta de valor feita por um
concorrente? Bem, são muitos os fatores, não é? Coloque-se na posição do cliente e reflita sobre isso.
Muitas vezes o que nos leva a comprar optar por um produto ou serviço é alguma característica
específica dele, algo que o concorrente não nos oferece – o design, a durabilidade, etc.
Há outras situações em que a escolha é ditada por algum aspecto mais subjetivo, como a
imagem da marca, a indicação de um amigo ou a conveniência de compra. Por vezes, é a
condição de pagamento o aspecto que nos leva a fazer nossa escolha. Em suma: há muitas razões
que nos levam a comprar um produto. Algumas se referem a características intrínsecas dele, já
outras dialogam com ações de processos ligados ao Marketing, a Finanças, Pós-venda, por aí vai.
Mas aqui nos interessa o seguinte: quais dessas razões se relacionam diretamente com a excelência
na gestão de nossos processos?

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Segundo os estudiosos da “Estratégia de Manufatura”1, há pelo menos cinco grandes
vantagens competitivas que – para serem percebidas pelos clientes como diferenciais capazes de
orientar suas escolhas – dependem fundamentalmente de nossa capacidade de bem gerir e
aprimorar o fluxo de valor por meio de nossos processos. Descritas aqui à luz da percepção dos
clientes, são elas:
(i) a vantagem derivada de entregar certo aquilo que foi vendido, o valor pretendido pelo
cliente, sua expectativa, necessidade ou desejo (a qualidade do produto);
(ii) a vantagem derivada de vender a um preço atrativo (que é viabilizada por nossa
capacidade de produzir com um custo de produção baixo);
(iii) a vantagem de disponibilizar rápido, mais agilmente que os concorrentes (a velocidade
de produção e entrega);
(iv) a vantagem de ser pontual e confiável (a estabilidade da produção) e
(v) a vantagem derivada de aceitar e lidar bem com eventuais mudanças no desejo do
cliente (a flexibilidade).

Fatores ganhadores de pedidos e qualificadores para a


concorrência
Ao pensarmos a gestão de nossos sistemas de produção, é bastante importante ter uma
referência em pauta: o interesse do cliente. Parece simples, mas, como veremos ao longo desta
apostila, a dinamicidade dos sistemas atuais e a pressão por retorno econômico imediato
frequentemente deslocam nosso foco de atenção, e, com isso, acabamos ficando muito
concentrados na racionalidade do uso dos recursos que estão ao nosso lado.
A racionalidade é certamente uma necessidade do negócio, mas precisa ser sempre mediada
com a oferta de um valor distintivo para o cliente, sob pena de, em um mundo cada vez mais
competitivo, ficarmos com nossos recursos racionalmente bem usados, mas sem nenhum cliente.
Portanto, sempre considere também em suas decisões como gerente de um sistema de
produção esta perspectiva: o que posso fazer aqui na produção para ajudar minha empresa a se
destacar da concorrência? Tenha em conta quais aspectos são os ganhadores de pedidos.
Suponha, por exemplo, que você conclua que o fator ganhador de pedidos em sua empresa
é a rápida entrega do serviço. Então, suas Operações precisam estar minuciosamente voltadas para
isso. As pessoas, as máquinas, as ferramentas, o leiaute, os estoques, o modo de produção, tudo,
nesse caso, precisa ser pensado, projetado e desenvolvido para a rapidez. Repare que se o aspecto
ganhador fosse o preço, essas mesmas questões elencadas talvez tivessem respostas diferentes.
A conclusão é: não existe uma forma certa e racional para fazer algo! O que existe é a forma
mais racional para alcançar um objetivo estratégico definido. A racionalidade, como tudo na

1
Manufacturing Strategy, em inglês

18
gestão, depende do objetivo. Portanto, avalie seu negócio, reflita sobre que aspecto(s) entre os
cinco citados acima é(são) o(s) ganhador(es) de pedido(s). Avalie também que aspectos
secundários são relevantes para colocar seu sistema em condições de concorrência.
Sim, existem aspectos que são ganhadores de pedidos e outros que também são
importantes, mas não garantem a vitória na “briga” competitiva e apenas nos qualificam para a
concorrência. Ganhadores são os que decidem a escolha do cliente; qualificadores são os que
exigem de você um nível mínimo de performance para participar da luta.
Com essa referência na cabeça, pense em como (re)organizar seus processos para
potencializar essas vantagens.

Operações e ganho econômico


Se o desenho, a implementação e o aperfeiçoamento dos processos operacionais devem ser
entendidos e usados como uma “arma” estratégica, é também importante perceber como as
Operações afetam o resultado econômico do negócio.
Não é uma conta difícil. Afinal, o que espera o acionista que investiu seus recursos para
instalar aquela Operação? Certamente ele espera uma compensação por seu esforço ou, mais
especificamente, espera que, uma vez subtraídas as despesas incorridas por essa Operação, das
receitas obtidas em certo período, o lucro resultante proporcione uma rentabilidade atraente ao
capital ali imobilizado, certo?
Então, vejamos o que as Operações têm com isso e como podem ajudar o acionista a
alcançar o resultado desejado.

As operações e o lucro, a rentabilidade e o fluxo de caixa


Vamos tentar ser simples. O Lucro é, basicamente, a Receita menos a Despesa apurada em
certo período. A Receita por seu turno é limitada pelo volume de vendas oriundo do esforço
comercial. Por certo, como vimos, as Operações ajudam a ação de Vendas ao potencializar as
vantagens competitivas desejadas pela empresa, mas, uma vez que os pedidos tenham sido
colocados pelos clientes, a contribuição da Operação refere-se à EFICÁCIA no aproveitamento
dessa oportunidade. Isto é: o que a Operação pode fazer de melhor a esse respeito? Produzir na
forma e no tempo certos para garantir que o faturamento associado a essas vendas se realize
integralmente dentro do período planejado. Se as Operações atuarem mal, pedidos programados
para o período não se realizarão e o faturamento decairá (ou atrasará).
Por outro lado, se Vendas limita “pelo máximo” a possível contribuição da Operação em
favor da Receita, quem limita a contribuição da Operação com relação à redução de despesas
operacionais é “zero”. Em outras palavras, em tese, quanto mais EFICIÊNCIA tiver a Operação,

19
quanto mais racional for, menores serão as despesas operacionais. Se, por outro lado, as Operações
atuarem mal, os pedidos para o período terão um custo de execução superior ao padrão
econômico esperado, e o volume de despesas crescerá (ou será desnecessariamente antecipado).
Sumarizando, a contribuição das Operações para o Lucro é de duas naturezas: (a) eficácia no
atendimento do plano de vendas para garantir o faturamento planejado e sua pontualidade; e (b)
eficiência no processamento desses pedidos para garantir que as despesas operacionais não
ultrapassem os padrões econômicos tecnicamente previstos.
Além desses dois campos de ação, existe ainda uma terceira forma de as Operações
potencializarem o resultado econômico do negócio. Como mencionamos, o interesse maior do
acionista reside não apenas em obter Lucro em certo período mas também, e principalmente, em
obter Rentabilidade atraente no longo prazo.
Para que a Operação exista, o acionista precisa imobilizar um capital na aquisição de
instalações, recursos produtivos, estoques e capital de giro. Esse capital poderia eventualmente
estar rendendo juros em uma aplicação financeira alternativa. Então é natural que a expectativa
do acionista seja de que o Lucro operacional obtido a cada período traduza uma rentabilidade
sobre o capital investido mais atraente do que a que ele obteria em outra aplicação.
Assim, se a Operação já fez tudo o que podia para eficazmente cumprir o plano de vendas e
assim gerar receitas, se a Operação já fez tudo que podia para eficientemente respeitar os padrões
racionais de processamento e assim reduzir despesas, a terceira forma plausível de contribuir para
o resultado econômico do negócio é aprimorar a Operação a fim que o requerimento de recursos
produtivos, estoques, instalações e capital de giro seja menor. Note que, mesmo que a receita não
cresça e mesmo que a despesa não caia, a rentabilidade pode crescer se o investimento requerido
pela Operação cair.
Ainda um último ponto sobre a relação entre a Gestão de Operações e o Ganho
Econômico: o resultado financeiro de uma empresa tem um aspecto dinâmico ligado ao fluxo de
caixa, que deve ser também percebido e sublinhado. Veja: de que lhe serve ter mais receitas que
despesas programadas para certo período se as despesas chegam antes das receitas e você não tem
como financiá-las?
Além de potencializar as receitas, reduzir as despesas e a necessidade de investimentos, há
uma quarta forma de a Gestão das Operações contribuir para o resultado econômico do
empreendimento. Qual é? Não gastar antes da hora de necessidade – antecipando despesas que
poderiam (eticamente) ficar para mais tarde – e sempre que possível antecipar receitas (note que
não é produzir antes da hora do faturamento, mas antecipar a produção quando for possível
antecipar o faturamento).

20
Operações e sustentabilidade
A quem servem as Operações? Certamente, aos Clientes, pois os processos existem para
produzir e entregar a eles um valor útil.
Mas sejamos sinceros: quem monta e estrutura os processos o faz pensando de algum modo
em se remunerar. Então, correto será dizer que há um segundo e fundamental interessado nas
Operações. Estamos nos referindo aos Acionistas do empreendimento, que imobilizam seu capital
e esperam por certo aquela rentabilidade adicional que mencionamos há pouco.
Mas há ainda alguns outros interessados na Operação, além dos clientes e acionistas. Pense
bem: se os clientes de seu negócio estão satisfeitos, e também assim estão os acionistas, a
sustentação desse sucesso está garantida? Não necessariamente! Se, por exemplo, seus
colaboradores sentem-se explorados, se seus parceiros e fornecedores trabalham submetidos a um
nível de estresse não compensador, se a Operação cria problema ao meio ambiente ou não respeita
os princípios básicos de ética e governança, todo o resultado comercial e econômico obtido no
período pode ir por água abaixo no período seguinte.
Com efeito, é importante entender que os Colaboradores, os Fornecedores, o Governo e em
última análise a própria Sociedade são “stakeholders” absolutamente relevantes para a
sustentabilidade do negócio, e, portanto, uma boa Gestão de Operações deve considerar seus
interesses na busca da satisfação e motivação de todos.
Temas como a responsabilidade ambiental e interesse social (incluindo-se aqui aspectos éticos e
relativos ao trabalho) devem andar lado a lado com o interesse econômico do negócio nas
preocupações do gestor, formando-se assim o dito “tripé da sustentabilidade” (em inglês, triple bottom
line: people, planet and profit), pano de fundo que deve nortear uma boa gestão de operações.

Conclusão do módulo
Procure refletir sobre as vantagens competitivas que podem fazer a diferença no mundo de
hoje. Pense sobre os aspectos que definem a escolha do cliente e sobre aqueles que qualificam seu
negócio para a concorrência.
Examine, então, seu negócio com os olhos de um médico que analisa seu paciente. Tente vê-lo
como uma rede de processos interligados. Se puder, pegue uma folha em branco, um lápis e uma
borracha e faça um rascunho inicial como o da figura 1 (ali é apresentado, a título de exemplo, um
primeiro rascunho que busca representar o processo de “comer em um restaurante a quilo”).
Observe que selecionamos uma representação simples de um processo simples, para passar a
você a mensagem de que mais importante que o método de modelagem em si é sua garra para tomar
papel, lápis e borracha à mão e tentar enxergar seu sistema como uma rede de processos articulada.

21
Pois, mãos à obra! Tome a perspectiva do cliente e represente os processos pelos quais ele passa
em sua espera pelo valor que ambiciona obter. Se entre os processos houver alguma espera, represente
essa fila ou retenção. Depois, anote o tempo de que o cliente despende em cada etapa e o tempo
perdido com esperas. Avalie o tempo total que o cliente levou para obter o que desejava. E pense: que
parcela desse tempo foi de fato agregação de valor para ele? Haveria um jeito melhor de atendê-lo?
Haveria algo que pudesse ser feito para que se perdesse menos tempo nesse processo? Você terá aí um
primeiro “insight” de como podemos melhorar a “saúde” de seu “paciente”!
Observe que, no exemplo da figura, quem fez o desenho andou já refletindo sobre o valor
proporcionado ao cliente em cada etapa. Ele coloriu as caixas procurando diferenciar etapas que
de fato agregaram valor para o cliente (cor azul) de outras que só “roubaram” do cliente seu
precioso tempo de almoço (cor amarelo e cinza).

Figura 1 – Um evento simples de consumo rascunhado como um processo

Buscamos nesse momento estimulá-lo a ver seu sistema de produção e serviços como uma
rede de processos. Importante também é entender a conexão da gestão cotidiana desse sistema
com a estratégia competitiva da empresa e o com o resultado econômico.
No próximo módulo, discutiremos o que é uma gestão de operações virtuosa e veremos
quais são os ângulos da saúde operacional.
No terceiro e no quarto módulos, abordaremos tecnologias de gestão de operações que você
pode utilizar para aprimorar o desempenho de seu sistema. Seriam como os remédios – para ainda
utilizarmos a metáfora da consulta médica. Em particular, descreveremos os fundamentos da
Teoria das Restrições e do Pensamento Enxuto, respectivamente.
No quinto e último módulo vamos provocá-lo a olhar a cena com uma “lente” mais
ampla, observando as possibilidades e questões adicionais trazidas pela gestão integrada da
rede de suprimento.

22
MÓDULO II – O DESEMPENHO
OPERACIONAL

Neste módulo, analisamos as dimensões que devem ser consideradas – e equilibradas – pelo
Gestor de Operações no seu diagnóstico operacional.
Por exemplo: o cumprimento ou não das metas de venda e de produção é uma dimensão da
saúde em operações, mas enquanto esse aspecto se relaciona com as oportunidades identificadas no
mundo externo há limitações internas, ligadas, por exemplo, à capacidade de produção dos recursos,
que nos obrigam a usá-los racionalmente, evitando desperdícios. Correndo por fora, há também o
interesse dos vários stakeholders: clientes, acionistas, colaboradores e a própria sociedade, cujas
expectativas, necessidades e desejos precisam também ser considerados para garantir que a excelência
operacional e os seus ganhos competitivos e econômico sejam duradouros.
Interpretar a dinâmica do sistema de Produção e Serviços e definir os indicadores que
representam a “saúde operacional” desse sistema, eis aí a questão chave deste módulo, um desafio
cada vez mais decisivo nas organizações. A grande questão aqui não está em resolver contas, mas,
sim, em saber quais contas fazer.

A analogia do médico e do diagnóstico


O que caracteriza um sistema de produção e serviços bem gerido? O que seria uma gestão
de operações saudável?
Pense em você primeiro! O que faz com que se sinta feliz e saudável? Possivelmente você se
sente assim quando o seu organismo está funcionando bem, a sua mente está arejada e inspirada,
os seus projetos estão se realizando com sucesso, as pessoas ao seu redor estão animadas e
saudáveis, o seu entorno motiva e desafia.
Mas, se você fosse consultar um médico, como ele procederia para se certificar de toda essa
sua saúde? Provavelmente ele conversaria com você para observá-lo qualitativamente e faria
exames clínicos para, depois, diante de mais alguns exames laboratoriais, em uma análise
quantitativa, comparar seus números com os de referências tecnicamente aceitas como indicadores
de saúde perfeita.
Observe que o médico não procuraria expressar seu bem-estar ou seu mal em um único
indicador. Ele se valeria de vários exames e perspectivas para tecer um diagnóstico rico, usando
diferentes tipos de indicadores para capturar as diferentes dimensões da saúde.
Assim também ocorre de algum modo com o consultor ou o gerente de operações. Como o
médico, ele também precisa entender o que está se passando com o “paciente”, no caso o sistema
de produção e serviços. E, como a de um ser humano, a saúde de um sistema também deve ser
avaliada segundo diferentes ângulos e perspectivas.
Vejamos quais dimensões devem ser consideradas (e equilibradas) pelo Gestor de Operações
em seu diagnóstico.

A eficácia e o aproveitamento das oportunidades


Assim como parte da sensação de felicidade que temos no nível pessoal decorre do sentimento de
realização com o sucesso de nossos projetos e ideias, a competitividade e a lucratividade de uma empresa
também se relaciona com sua capacidade de aproveitar as oportunidades de mercado que surgem.
É uma dimensão original do ser humano e de qualquer sistema. Tem a ver com o ‘para
quê’ o sistema existe. No nível pessoal, quando pensamos em nossas vidas, fazemos essa pergunta
indagando aos céus, pois o universo de possibilidades é algo muito maior que nós (talvez mesmo
infinito) e nos impõe a necessidade de fazer escolhas, estabelecer planos e definir objetivos para
que possamos sair do lugar.
Também a empresa em sua reflexão estratégica – diante de oportunidades de negócio e
mercados (que tendem também a ser bem maiores do que ela) – faz escolhas sobre o que fabricar,
a quem servir, que diferencial competitivo promover para ser escolhido, em que mercado vender,
etc. Dessas escolhas, derivam o plano de vendas e o plano de produção, e, a partir daí, a
“felicidade” (ou pelo menos parte dela) passa a ser realizá-los.
Atingir as metas de venda e produção é uma dimensão da saúde em operações. A
quantidade certa, no tempo certo. Fazer o que era para fazer! No vocabulário de Gestão de
Operações, assim denominamos esse desafio de cumprir os planos, realizar os sonhos e faturar: o
senso da EFICÁCIA.
Observe que a EFICÁCIA não é exatamente uma conta. Mais precisamente é um tipo de
conta. Por exemplo: se era esperado fabricar e entregar mil peças no mês, ou atender mil pessoas
em uma clínica ou repartição, vender mil produtos, ou movimentar mil encomendas e,

24
entretanto, a realização foi respectivamente de 900 peças fabricadas, ou 900 pessoas atendidas, ou
900 encomendas transportadas, então a EFICÁCIA de todos esses sistemas foi de 90%.
Observe que o foco de análise aqui está no alvo, normalmente expresso em uma META,
que é a tradução quantitativa de um objetivo. Este, por seu turno, revela uma escolha feita diante
de um vasto universo de possibilidades.

A eficiência e a racionalidade no uso dos ativos


Realizar os sonhos, os planos, ser eficaz é ótimo, não há dúvida! Mas a que preço? Pode-se
fazer algo de diferentes formas, e, às vezes, umas são mais onerosas ou desconfortáveis que outras.
Veja: ao escolher um caminho para seguir, você está diante do ilimitado, mas, quando se fala
dos recursos que você usa para atravessar o percurso, a palavra que “grita” é: limitação. Sim, todo
gestor de Operações é por definição um gerente de recursos escassos, limitados. Esteja você falando de
uma máquina, de uma equipe, do dinheiro ou do tempo disponível, seja qual for o recurso de
produção que você esteja considerando, a verdade é que você está diante de algo finito: máquinas têm
uma capacidade de produção limite; equipes têm competências e disponibilidades limitadas; o
dinheiro não deve ultrapassar o orçamento previsto; e o tempo… bem, o dia de todos nós acaba à
meia-noite, tanto o dia do rico quanto o do pobre, o do cidadão da cidade quanto o do trabalhador
rural, todos temos 24 horas para viver o dia. E não é uma escolha nossa, é um dado da realidade, uma
limitação que teremos que gerenciar quando tentarmos realizar nossos planos.
Assim, devemos perceber que a limitação dos recursos não é um problema, mas, na verdade,
um dado do problema de Gestão de Operações. Entender as restrições existentes e saber gerenciá-
las apropriadamente pode ser, como veremos adiante no módulo 3, um dos “pulos do gato” para
a saúde operacional.
Se os recursos de produção são limitados, se são caros, se são raros, então mister é saber usá-los
racionalmente, sem desperdícios. No vocabulário de Gestão de Operações, chamamos o bom uso dos
ativos, a ação de fazer a coisa do modo certo, o aproveitamento dos recursos disponíveis em sua
plenitude para rentabilizar o investimento do acionista e ser econômico de: senso da EFICIÊNCIA.
Mas observe: se para medir a EFICÁCIA precisávamos ter em conta alguma META, para
medir a EFICIÊNCIA de um sistema ou de um recurso de produção precisamos também de
alguma referência. Nesse caso, porém, a referência não é um desejo, uma interpretação da
realidade, uma meta de resultado que nos desafie – uma meta de resultado é algo que extraímos
de uma análise externa, das oportunidades que conseguimos divisar no horizonte, é algo que
queremos atingir ou até mesmo ultrapassar.
Para medir uma EFICIÊNCIA, necessitamos de uma referência também, mas aqui o que
queremos é saber dos nossos limites. Não se trata de “quanto quero fazer”, mas sim de “quanto
sou capaz de fazer”. É algo que caracteriza a capacidade de produção do sistema ou uma operação

25
ideal, em seu melhor caso de uso – o mais econômico. Preciso dessa referência para me guiar de
modo eficiente, para que eu não gaste mais do que o necessário ou submeta a máquina a uma
condição de exigência tecnicamente incorreta. A esse tipo de referência, chamamos de PADRÃO
TÉCNICO ou PADRÃO ECONÔMICO. Exemplos: o orçamento; a capacidade nominal de
uma máquina, conforme registrada no manual do fabricante; a capacidade técnica de uma equipe,
conforme calculada pela Engenharia; um recorde (no caso de um esportista); um benchmarking.
Veja, entretanto, que o PADRÃO deve expressar o limite, o uso ideal no que toca ao
aproveitamento dos ativos disponíveis.
Fazer com que os esforços, os gastos, contenham-se dentro dos padrões (ou bem perto
deles) é também uma dimensão da saúde em operações. O uso pleno e correto do ativo. Observe
que a EFICIÊNCIA, como a Eficácia, é um tipo de conta. Por exemplo: se a máquina era capaz
de fabricar mil peças no mês, se a equipe era capaz de atender mil pessoas em uma clínica ou
repartição, se a loja tinha atendentes com capacidade de vender mil produtos, se os veículos
disponíveis tinham capacidade de movimentar mil encomendas e, entretanto, a realização foi
respectivamente de 800 peças fabricadas, pessoas atendidas, encomendas transportadas, a
EFICIÊNCIA de todos esses sistemas foi de 80%.
Observe que o foco de análise aqui está na forma ideal de fazer, normalmente expresso em
um PADRÃO ECONÔMICO, que é, em última análise, a tradução quantitativa do que seria o
aproveitamento pleno e ideal de um ativo ou de um sistema.

A qualidade e a satisfação dos stakeholders


Seu sistema de produção está atingindo seus objetivos, realizando seus planos, e melhor:
tem feito isso sem desperdícios, com o melhor aproveitamento possível de tempo, dinheiro e
recursos. Pergunto a você: a competitividade e lucratividade desse sistema está garantida?
Falta alguma coisa, não é? Por exemplo: imagine que fizemos tudo direitinho, mas seu
cliente não gostou do que recebeu. Será que voltará a comprar? Ou então pense em outro cenário:
o cliente está feliz, mas seus subordinados sentem-se oprimidos, explorados. Será que estarão com
você amanhã? Será que o acionista ficou feliz com a resultado financeiro? Ou será que ele está
pensando em transferir seu rico dinheirinho para outra aplicação? E, se embora o cliente, o
colaborador, o fornecedor, o parceiro e o acionista estejam contentes, sua operação provocou um
dano ambiental e a sociedade local voltou-se contra você? E se as práticas básicas de governança
foram traídas e sua empresa agora é manchete nos jornais por uma infração ética ou corrupta?
Como é capaz de ver, para além da realização dos planos (EFICÁCIA) e da racionalidade
no uso dos ativos (EFICIÊNCIA), um gestor de operações precisa manter um sentido aguçado
para a satisfação dos vários stakeholders. A esse terceiro senso chamamos de QUALIDADE.

26
Para medir a QUALIDADE de um sistema, também necessitamos de referências, mas agora
o que queremos é algo que expresse as expectativas, as necessidades e os desejos dos clientes. Não
se trata de “quanto quero fazer” nem de “quanto sou capaz de fazer”, mas, sim, de: os clientes
estão gostando do que estou fazendo?
Perceba que a referência necessária aqui é algo que caracterize a vontade do cliente. A
utilidade dessa referência seria nos guiar na direção da qualidade por ele desejada, ainda que ele
não esteja a nosso lado para conferir o que está sendo feito. A esse tipo de referência, chamamos
de ESPECIFICAÇÃO.
Fazer com que os produtos, os serviços, atendam as ESPECIFICAÇÕES é a terceira
dimensão da saúde em operações. Observe que a QUALIDADE não é exatamente uma conta.
Trata-se também de um tipo de conta. Por exemplo: se a máquina produziu mil peças no mês, se
a equipe atendeu mil pessoas em uma clínica ou repartição, se a loja vendeu mil produtos, se os
veículos movimentaram mil encomendas e, entretanto, respectivamente, apenas 700 peças
estavam de acordo com a especificação, 700 pessoas ficaram satisfeitas com o serviço, 700
produtos receberam aprovação do cliente em uma pesquisa pós-venda e 700 das encomendas
foram entregues tendo o serviço sido bem avaliado pelos clientes, então a QUALIDADE de todos
esses sistemas foi de 70%.
Observe que o foco de análise aqui está na SATISFAÇÃO das expectativas, das necessidades e
dos desejos. Quando o produto do sistema é algo tangível ou há uma objetividade clara no desejo do
cliente, é mais fácil pensar em uma ESPECIFICAÇÃO, que é (ou deve ser) a tradução objetiva do
interesse do cliente. Entretanto, há situações em que a percepção do cliente é fortemente marcada pelo
sentimento, incluindo alto grau de subjetividade. Como proceder nesses casos?

A qualidade em serviços2
O fato de haver subjetividade na avaliação da qualidade não significa que se trata de um
processo inadministrável. É verdade, porém, que, na ausência de uma especificação objetiva para
parametrizar a performance, tudo fica um pouco mais difícil.
Com efeito, em uma grande quantidade de sistemas de serviços, a satisfação do cliente é
muito influenciada pelo “sentimento”. E é difícil modelar o “sentimento” de um cliente. Pode-se
dizer que, nesse contexto, há pelo menos três componentes aos quais deveríamos estar atentos: as
expectativas, as necessidades e os desejos.
Como se diferenciam esses três conceitos? Tomemos um exemplo! Um homem de
negócios vai a um hotel. Se alguém lhe pergunta o que é importante na hospedagem, talvez ele

2
Esta seção foi desenvolvida previamente e publicada pelos autores Costa e Jardim (2017).

27
responda coisas como: um sinal de internet rápido, um espaço de trabalho, boa iluminação. Isso
porque esses itens constituem a NECESSIDADE dele.
Entretanto, se, ao chegar lá, ele encontra bom espaço de trabalho, luz forte e a internet
rápida, mas, na hora de dormir, os lençóis estão sujos e as toalhas estão molhadas, isso o
desagradaria tremendamente. Com certeza, ele falaria mal do hotel para todo mundo e nem se
lembraria de mencionar, por exemplo, a boa condição de trabalho. Isso porque as
EXPECTATIVAS dele estariam feridas!
Meio cruel, não é? Sequer mencionamos as toalhas e os lençóis quando nos perguntam
sobre o hotel. Mas expectativas feridas deixam cicatrizes. Pesquisas indicam que um cliente
insatisfeito fala de sua insatisfação para entre 10 e 15 pessoas.
E os desejos? Bem, os desejos correspondem a demandas que temos, mas às vezes ainda nem
sabemos. Imagine que aquele homem de negócios chegou ao hotel tarde, depois de uma viagem
exaustiva cheia de problemas, e o restaurante estava fechado. Ele estava faminto, o gerente
percebeu seu cansaço e mandou levarem a seu quarto um chocolate quente e um sanduíche, sem
que ele nem mesmo houvesse pedido.
Uau! Ele não sabia que queria exatamente aquilo, naquela hora! Mas, que delícia! O
gerente endereçou o seu DESEJO e, segundo as estatísticas sobre serviços, ele comentará essa
experiência positiva com cerca de seis pessoas.

A qualidade em serviços3
Se, nem mesmo quando perguntado, o cliente nos diz quais são suas expectativas e
desejos, como então devemos fazer para gerenciar essas dimensões do sentimento, de forma
proativa e consistente?
Bem, vamos começar pelo mais fácil: as NECESSIDADES! Para conhecê-las, basta, em
geral, consultar os interessados. O que é um bom hotel? Um bom atendimento em um
restaurante? E em um hospital? Pergunte a seu cliente e você terá respostas diretas e objetivas. O
que não quer dizer que atendê-las seja uma questão trivial. Muitas vezes, mesmo sendo
conhecedores da necessidade do cliente, não estruturamos adequadamente os processos. Tomando
de novo o exemplo de um hotel: não adianta oferecer um espaço grande no quarto para trabalho
se junto à bancada não há tomada, se a luz é fraca, se o sinal de internet existente é ruim, e assim
por diante. É preciso desenvolver no projeto do sistema de produção e serviços as condições
objetivas que viabilizarão a satisfação do cliente. Não basta adquirir os meios, é preciso verificar
no “chão de fábrica” se as coisas acontecem como de fato imaginado pelo dono do negócio.

3
Também esta seção foi extraída de Costa e Jardim (2017).

28
E quanto às EXPECTATIVAS? Se o cliente não as explicita, como podemos fazer para
gerenciá-las? Vamos pensar! Por que não digo que quero lençol limpo no hotel? Porque em todos
os hotéis a que vou os lençóis estão limpos. Logo, não digo isso porque presumo, e presumo
porque a concorrência assim pratica.
Se você quer gerenciar as expectativas (sugerimos fortemente que o faça, pois elas estão na
raiz do sentimento que se associará à experiência do consumo), trate de conhecer o paradigma
vigente em seu negócio. Visite a concorrência, estude as ofertas de valor que seu cliente tem como
alternativas. E, principalmente: não se esqueça de treinar sua equipe de linha de frente, aquela que
interage diretamente com a entrega desse valor ao cliente. Quem coloca a toalha e o lençol no
quarto? O camareiro? Pois então você, como gerente, precisa desenvolver a percepção dele sobre a
importância que o lençol limpo tem na fidelização do cliente.
Por fim, como endereçar os DESEJOS? Aí de fato é um pouco mais difícil. Mas não
impossível! Que tal vivenciar a experiência de consumo com o coração do cliente? Coloque-se no
lugar dele e fique atento aos desejos que lhe ocorrem. Talvez você possa dessa forma ter insights
ricos e decisivos que não apenas fidelizem seus clientes, mas, mais que isso, faça com que eles
indiquem seu negócio aos amigos.
Uma observação: quando desejos passam a ser consistentemente ofertados por vários
provedores em determinado mercado, há a tendência de esses desejos se transformarem em
necessidades e, mais adiante, é provável que se tornem expectativas. Veja a internet, por exemplo.
Há dez anos nos surpreendíamos ao encontrá-la disponível para uso em um hotel. Há cinco anos,
passamos a contar com essa disponibilidade. Atualmente, se o hotel não oferece uma boa internet
no quarto e nossa jornada é de trabalho, já nem o consideramos para nossa escolha.

A produtividade e a relação custo–benefício


O aproveitamento das oportunidades (e a busca de EFICÁCIA), a racionalidade no uso dos
ativos (e a busca de EFICIÊNCIA) e a satisfação dos stakeholders (e a busca de QUALIDADE).
Essas três dimensões da “saúde operacional” que tratamos até aqui embutem desafios muito
relevantes, mas que por vezes conflitam entre si.
Por exemplo, é muito frequente, diante de uma crise de mercado, as atenções da empresa
voltarem-se obstinadamente para reduções gerais de custo, em busca de rentabilidade imediata,
em detrimento de uma oferta de valor distintiva que, diga-se de passagem, exatamente na crise,
deveria ser protegida para garantir que a empresa não perdesse oportunidades para os
concorrentes. Explicando melhor essa atitude que vemos com frequência à nossa volta: no afã de
tornar o sistema rentável imediatamente, a empresa economiza cortando seus custos em nome da
EFICIÊNCIA, mas não percebe que, ao fazer isso sem muita consciência do impacto estratégico
das operações, ela subtrai do cliente itens aos quais ele atribui grande valor comparativo. Com

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isso, o impacto econômico positivo, embora apareça no curtíssimo prazo, leva a empresa à
INEFICÁCIA e traz danos à venda futura e ao negócio que são, por vezes, irrecuperáveis em
médio e longo prazos.
Outra situação é a reversa: aflita com a queda de rentabilidade, a empresa lança-se
açodadamente em busca de qualquer oportunidade que surja, perseguindo a EFICÁCIA sem foco
e alternando prioridades sem haver tempo para a consolidação dos processos. Nesse caso, embora
a empresa siga por rumos opostos ao do caso anterior, a consequência acaba sendo a mesma: o
resultado imediato é alcançado, mas o médio e o longo prazos se perdem, – agora, por
INEFICIÊNCIA, falta de aprendizado e aperfeiçoamento.
Essa percepção de que os objetivos de curto prazo precisam ser mediados por embutirem
em si propósitos por vezes conflitantes dá sentido e interesse ao conceito de PRODUTIVIDADE.
Com efeito, a característica de qualquer conta de PRODUTIVIDADE é a ponderação entre
RESULTADOS ALCANÇADOS (uma variável que o senso de EFICÁCIA procura maximizar) e
os ESFORÇOS REALIZADOS (uma variável que o senso de EFICIÊNCIA procura minimizar).
Ao quociente da divisão desses dois fatores, dá-se o nome de PRODUTIVIDADE.
Novamente, aqui deve-se observar que a PRODUTIVIDADE não é um único indicador,
mas também uma classe de indicadores. Qualquer fração cujo numerador expresse os resultados
obtidos e o denominador expresse os esforços feitos para alcançá-los merece esse nome. Para usar
uma frase de efeito: “fazer certo a coisa certa”!
O propósito da PRODUTIVIDADE é a avaliação do custo–benefício. O conceito ressalta a
importância do quociente na conta de dividir (que deveria ser óbvia, mas frequentemente se perde
na agitação dos dias e complexidade dos sistemas). Isto é, com o benefício do olhar retrospectivo
pode-se, por meio de uma conta de produtividade, avaliar o resultado de um período passado e
confrontar o resultado alcançado com o esforço feito, para ver se o desempenho valeu ou não a
pena. A análise pode ser feita localmente, avaliando-se um recurso, ou globalmente, comparando-
se os resultados e esforços obtidos pelo sistema como um todo. E o período de acumulação de
resultados pode ser compreendido em horas, dias meses, ou mesmo horizontes mais extensos.
Note-se que, no cálculo de um indicador de PRODUTIVIDADE, não cabem METAS,
PADRÕES nem ESPECIFICAÇÕES. Trata-se aqui do confronto de dois desempenhos do
sistema: o de resultados e o de esforços. Por exemplo: se uma empresa produziu mil peças no mês
com 10 máquinas trabalhando em paralelo, se uma equipe formada por 10 servidores atendeu a
mil pessoas em uma clínica ou repartição, se uma loja com 10 vendedores vendeu mil produtos e
se 10 veículos foram usados para movimentar mil encomendas, a PRODUTIVIDADE de cada
um desses casos seria, respectivamente, de: 100 peças por máquina; 100 clientes atendidos por
servidor; 100 produtos vendidos por vendedora; e 100 encomendas movidas por veículo.
Observe que, diferentemente da EFICÁCIA, da EFICIÊNCIA e da QUALIDADE, que são
conceitualmente percentuais (pois numerador e denominador sempre devem necessariamente dizer de
grandezas mensuradas pela mesma unidade de medida), a PRODUTIVIDADE pode ser (e

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comumente é) dimensional. Assim, o numerador pode quantificar o volume de peças fabricadas,
clientes atendidos, serviços prestados, qualquer medida que expresse resultado. E o denominador
pode descrever algo como quantas pessoas foram utilizadas para prestar o serviço, quantas máquinas
foram usadas, quanto dinheiro foi gasto, quanto material foi consumido, quanta energia foi
dispendida, ou seja, qualquer medida que expresse um esforço relevante pelo sistema.
Qual a melhor medida de PRODUTIVIDADE? Isso só você pode responder! Você deve
analisar seu sistema e refletir sobre qual unidade expressa melhor sua produção e qual recurso é o
mais relevante na composição de esforços para merecer um acompanhamento minucioso.

Taxa de produção, custo unitário e giro de estoques


Toda relação de custo–benefício é conceitualmente uma medida de Produtividade.
Algumas formas de medir esse tipo de desempenho são particularmente usadas e relevantes para
nossas discussões. Nesta seção, destacaremos três delas.
A primeira é a Taxa de Produção. Esse indicador de Produtividade contrapõe a Quantidade
Obtida por um certo sistema ao Tempo Gasto por esse sistema para realizá-la. Como o tempo é
um recurso escasso para todo mundo, quase todas as empresas de algum modo mantêm esse
indicador sob controle, a isso se deve o fato de esse indicador ser muito citado.
Cabe observar que a Taxa de Produção revela na essência a mesma ideia do Ciclo do Processo,
conceito que já comentamos no primeiro módulo. Reflita: a Taxa de Produção é obtida dividindo-
se a Quantidade Produzida pelo Período de Trabalho. Enquanto isso, obtém-se o Ciclo do Processo
dividindo-se o Período de Trabalho pela Quantidade Produzida. São, portanto, exatamente as
mesmas parcelas, tratam do mesmo fenômeno; um indicador é simplesmente o inverso
matemático do outro.
Um segundo indicador de Produtividade que vale a pena comentarmos aqui é o Custo
unitário de um produto. Observe que o custo unitário é conta de dividir, não de somar. E a
relação que está em pauta nesse cálculo é claramente uma contraposição dos esforços (medidos
pela soma de custos incorridos) com o resultado (medido pelos produtos vendidos).
Às vezes, confundimos o custo unitário com os custos totais. Mas isso é como confundir
Eficiência com Produtividade. Claro que é bom diminuir o custo total, mas se consegue também
impacto muito positivo no custo unitário pelo aumento de vendas e pelo ganho de escala.
Comentaremos mais detalhadamente sobre essa afirmação no módulo 4, quando formos
aprofundar conceitos propostos pelo Pensamento Enxuto.
Uma terceira medida de produtividade muito relevante no contexto da gestão de operações
é o giro de estoque (ou rotatividade de estoques). Essa é uma medida que captura de certa forma a
velocidade do fluxo logístico na cadeia de operações.

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O giro é calculado dividindo-se a quantidade (ou o custo de aquisição) dos materiais que
diretamente estiveram associados ao volume de vendas obtido em certo período pela quantidade
de materiais (ou seu custo de aquisição), mantida em média no sistema sob a forma de estoques
ao longo desse período.
Por exemplo: se um sistema produz 1.200 unidades de certo produto em um ano e, para
viabilizar essa produção, imobiliza 300 unidades como investimento médio em estoque ao longo
desse mesmo ano, então o quociente 4, que resultaria da conta do giro nesse caso, indica que o
estoque se renova quatro vezes no ano, ou que o estoque “gira” quatro vezes nesse período. Esse é
o significado físico do giro ou da rotatividade de estoques.
Repare que implícita nesse cálculo está a noção do tempo de renovação, pois se algo gira
quatro vezes no ano é porque leva 3 meses para se mover pelo sistema. Ou seja: o tempo médio
que um produto leva para percorrer um sistema com funcionamento estável, em regime, é dado
pelo inverso do giro.
À propósito, perceba que também o Ciclo de Produto, ou Tempo de Atravessamento, conceito
para o qual chamamos sua atenção já no primeiro módulo, é também nesse sentido uma revelação
da produtividade de um sistema. Com efeito, como mostra a conta feita no parágrafo anterior, o
tempo específico de passagem de um produto por uma rede de operações pode ser estimado a
partir de um valor de permanência média, calculado como sendo o inverso do giro.
Se você gerencia operações de serviços, não se assuste com o nome de giro de estoques.
Entenda que os estoques são, para a fábrica, como os processos que transitam nas mesas de um
escritório ou repartição pública, ou ainda como pessoas “estocadas” em filas de espera. O cálculo
que serve para estimar o tempo de atravessamento de um produto serve também para estimar o
tempo que um caso leva em média para ser resolvido por um processo administrativo, ou o tempo
que um cliente leva para ter seu atendimento realizado.

A relevância do Giro
Por que o Giro é relevante? Reflita sobre nosso objetivo: fazer mais com menos! Como
podemos fazer isso? Só há um jeito: acelerando o fluxo. Um fluxo rápido é valor, produz riqueza.
Uma fila empobrece o sistema. Pense na quantidade de filas a que você é submetido em um único
dia, pense na quantidade de esperas, em quanto tempo e valor são perdidos, em quantas coisas
você deixou de fazer, produzir e aproveitar por conta disso. A má gestão do fluxo logístico é uma
causa central das carências que temos em nossa sociedade.
Analise o caso abaixo. Nós o construímos a partir de uma publicação anônima que
encontramos na internet. Leia-o com calma e, em seguida, reflita sobre a quantidade de valor que
o sistema gerou. Pense no valor gerado inicialmente pelas galinhas do Seu José, personagem
principal da história, e compare isso com o valor global relacionado às várias necessidades que

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foram atendidas no dia, a partir dos ovos. Por fim, reflita de onde vem a riqueza de um sistema de
produção (ou de uma sociedade) e pense sobre a importância do giro para a saúde operacional (ou
o PIB de uma nação).

O Caso Roda-Viva
Seu JOSÉ já está aposentado e mora no campo. Passa os dias em seu sítio, onde tem frutas
no quintal, colhe legumes frescos e possui uma criação de galinhas. Ali, ele extrai da natureza tudo
o que consome.
Outro dia, porém, não se sabe bem explicar o porquê, suas galinhas puseram bastantes ovos,
bem mais do que o normal – mais inclusive do que Seu José precisava para sua subsistência. Ele,
então, resolveu vender o excedente de ovos na cidade.
Na venda do seu BOSCO, após fazer negócio por R$ 200,00, seu JOSÉ cogitou voltar para
casa e guardar o dinheiro embaixo do colchão, mas de repente lhe veio a vontade de desfrutar de
uma tarde e de uma noite especiais. Então foi até a Pousada de seu VALDOMIRO e lhe pediu
um quarto para descansar e dormir.
– Mas é claro seu JOSÉ, o senhor é de casa. Veja: suba lá no segundo andar, onde estão
nossos melhores quartos, deite-se um pouquinho em cada um e escolha o que melhor lhe convém.
Escolha com calma, todos custam R$ 200,00 por noite, disse-lhe seu VALDOMIRO.
Seu JOSÉ então pegou seus R$ 200,00, deixou-os sobre o balcão e, depois, calmamente,
subiu ao segundo andar para escolher seu quarto.
Vendo os R$ 200,00 sobre o balcão, seu VALDOMIRO lembrou-se de que ficara devendo
justamente esse valor a seu BOSCO quando fora à venda naquele dia, pela manhã, a fim de
comprar mantimentos para a Pousada. Então, atravessou a rua rapidamente e quitou sua dívida
com seu BOSCO, dono da venda.
Tendo recebido em mãos os R$ 200,00, seu BOSCO lembrou-se de que mais cedo fizera
fiado no Açougue de seu UBIRAJARA e, pedindo a sua encarregada que tomasse conta do
mercado, foi ao Açougue pagar seu débito.
Seu UBIRAJARA, quando recebeu os R$ 200,00, ficou bem feliz e pensou consigo: isto
bem vem a calhar, pois, no dia anterior, o Dr. CABRAL, fazendeiro que lhe vende as carnes,
andou lhe cobrando uma dívida de R$ 200,00 que já se arrastava havia uma semana. Tomou
então os R$ 200,00 na mão e foi lá ter com o Dr. CABRAL, para deixar logo tudo quite.
Satisfeito com os R$ 200,00 recebidos, Dr. CABRAL lembrou-se da festa da véspera, os
quinze anos de sua filha, para quem ele organizara uma bela festa no restaurante da Pousada do
seu VALDOMIRO, e deu-se conta de que também acabara se esquecendo de pagar pelo bolo que
gentilmente seu VALDOMIRO mandara fazer. Então, Dr. CABRAL dirigiu-se à Pousada para
pagar a cortesia.

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Chegando lá, o Dr. CABRAL não encontrou ninguém no balcão. Chamou por seu
VALDOMIRO, mas este devia estar ocupado com algo lá dentro. Dr. CABRAL, então, pegou
lápis e papel e escreveu um bilhetinho: “Olá, seu VALDOMIRO! Agradeço por ontem e
aproveito para deixar aqui os R$ 200,00 do bolo que fiquei lhe devendo”. Feito isso, juntou ao
bilhete os R$ 200,00, pôs ambos sobre o balcão e foi-se, pois estava cheio de pressa.
O saguão da Pousada ficou por um instante vazio até que, por coincidência, acorreram ali
no mesmo instante seu VALDOMIRO, vindo da cozinha lá dentro, e seu JOSÉ, que passara esse
tempo a ver e testar os quartos, descendo as escadas.
– Olá seu José, viu lá os quartos? Afinal, qual deles mais lhe apeteceu? Disse gentilmente
VALDOMIRO.
– Olhe lá, seu VALDOMIRO, muito lhe agradeço toda a gentileza. Ocorre que, para um
velhinho como eu, o melhor lugar do mundo para dormir é minha caminha lá do sítio. Então, não
me leve a mal, os quartos são ótimos, mas mudei de ideia: acho que volto já hoje mesmo para casa.
– Ora, não há de que, seu JOSÉ! O senhor é sempre bem-vindo.
E, tomando, os R$ 200,00 que o Dr. Cabral acabara de deixar sobre o balcão, disse-lhe:
– Olhe, tome seus R$ 200,00 de volta e vá tranquilo. Boa viagem!

A efetividade e a sustentação do resultado


Por que precisamos de referências como a META, o PADRÃO e a ESPECIFICAÇÃO?
Ou, em outras palavras, qual a importância de o gerente estabelecer essas referências e criar
indicadores de EFICÁCIA, EFICIÊNCIA, QUALIDADE e PRODUTIVIDADE?
Ora, o que se busca em última análise é a saúde global do sistema, e não a excelência em
uma dessas dimensões isoladas. O que se quer em último grau é a competitividade, a rentabilidade
e a utilidade social, no nível corporativo – o que equivale à felicidade no nível pessoal.
Mas esses são objetivos muito grandes e complexos para serem constantemente avaliados no
curto prazo. Não dá para acordar de manhã e a cada passo se perguntar se aquele movimento lhe
fará feliz. Você precisa seguir. É por isso que o Gerente de Operações tenta lidar com esse
“grande desafio” orientando o curto prazo a partir de metas, padrões e especificações que, ele
espera, irão inspirar melhor Eficácia, Eficiência e Qualidade e, por decorrência, provavelmente
trará felicidade mais adiante.
Há, porém, alguns riscos. Primeiro: as metas podem ter sido mal estabelecidas, já que
metas são revelações das oportunidades que a realidade nos oferece e nós podemos falhar ao
interpretá-las. Segundo: padrões racionais, embora revelem limites técnicos das tecnologias
instaladas, podem também envelhecer em face do aprimoramento de processos e à evolução
tecnológica. Terceiro: especificações podem também envelhecer e ficar para trás rapidamente,
sensíveis que são à concorrência e ao ritmo de inovações frenético que move o sentimento dos

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clientes no mundo de hoje. Quarto: mesmo que nossas referências estejam boas e atualizadas,
podemos, sim, falhar na mediação entre elas, enfatizando, por exemplo, a eficiência local em
detrimento da eficácia global – ou da qualidade –, e vice-versa.
Por esses fatos, entende-se que, em um diagnóstico operacional equilibrado, além de
indicadores que revelem a Eficácia, a Eficiência, a Qualidade e a Produtividade, devemos incluir
alguma medição (a ser feita retrospectivamente) para verificar se o sistema está mesmo indo na
direção que desejávamos. Referimo-nos aqui à relevância de o gerente de operações criar e
monitorar avaliações de pós-venda, ou verificações econômicas de mais longo termo, capazes de
verificar se o sistema está mesmo cumprindo a missão para o qual foi criado.
Daremos a esse tipo de indicador o nome de indicadores de EFETIVIDADE. Tomando
uma vez mais o exemplo pessoal é como se, em seu processo decisório íntimo, você guiasse seus
passos cotidianos pela agenda, mas, no dia do Réveillon, uma vez por ano, fizesse uma reflexão
retrospectiva avaliando se sua vida está caminhando mesmo na direção que você desejava.
Um exemplo objetivo: você coordena um curso de pós-graduação e, após cada disciplina,
você passa um questionário perguntando aos alunos se gostaram. Se 20 dos 25 alunos respondem
que gostaram, você tem aí um indicador de qualidade na faixa dos 80% de satisfação. Mas, para
uma avaliação de efetividade, você precisará não de um questionário no fim da aula, mas de um
contato com os alunos alguns anos após a conclusão do curso. Para perguntar, por exemplo:
como está sua vida? Acredita que o curso contribuiu para o seu progresso profissional ou pessoal?
Se dos 20 egressos 15 confirmam que sim você teria uma indicação de que a efetividade de seu
programa é da ordem de 75%.
Qual a importância de um indicador desse tipo? Ora, no mundo de hoje, com a informação
circulando rapidamente, produtos e processos ofertados pelos diferentes concorrentes tendem a ficar
muito semelhantes. É provável que os diferenciais advindos da experiência de uso e sentimento
ganhem mais e mais força em nossas escolhas de consumo futuras (pois estaremos escolhendo entre
uma multiplicidade de coisas semelhantes). E aí, a indicação fará muita diferença. Por exemplo: se
um ex-aluno seu, após tornar-se o líder bem-sucedido de uma corporação, identificar em seu curso o
“pulo do gato” que o levou às conquistas pessoais que teve, provavelmente ele será seu maior vendedor
e lhe trará muitos clientes, sem nenhum custo para você.

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Indicadores operacionais e econômicos
Sumarizando o que foi dito até aqui, concluímos que a avaliação de um sistema de
produção e serviços deve procurar equilibrar cinco interesses principais:
a maximização dos resultados pelo pleno aproveitamento das oportunidades de demanda
(a busca da EFICÁCIA);
a minimização dos custos pela eliminação de desperdícios, dimensionamento apropriado
dos ativos necessários para a operação e seu pleno aproveitamento (em sentido amplo, a
busca da EFICIÊNCIA);
a satisfação dos clientes, dos acionistas, dos colaboradores e a atenção à utilidade social e
sustentação ambiental (a busca da QUALIDADE);
a mediação equilibrada entre custos e benefícios com foco no ótimo global (a busca da
PRODUTIVIDADE) e
o aprimoramento virtuoso e sustentado do valor ofertado aos clientes e a saúde
econômica do negócio, objetivando sua permanência, seu desenvolvimento e a realização
de sua missão (a busca da EFETIVIDADE).

Para orientar o sistema de produção na direção da excelência operacional, um gestor de


operações precisa de um sistema de indicadores que inspire e referencie os colaboradores de modo
a que as decisões cotidianas ocorram em sintonia com o rumo desejado para o negócio.

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A Figura 2 resume o que foi dito. O ponto de partida é ter o cliente e seu desejo traduzidos
nas especificações (a QUALIDADE). A par e passo, no dia a dia (ou até no “hora a hora”), metas
de produção para estimular a busca dos resultados (a EFICÁCIA) e padrões econômicos para
referenciar o esforço de redução de custos (a EFICIÊNCIA) devem ser estabelecidas e publicadas
pela gerência.

Figura 2 – As dimensões do diagnóstico operacional – extraído de Costa e Jardim (2017).

Em um horizonte de tempo um pouco maior (a semana ou o mês, por exemplo), é feita


a avaliação do custo-benefício (a PRODUTIVIDADE). E a verificação da satisfação de todos
os stakeholders em uma avaliação retrospectiva faz-se em um prazo comparativamente mais
longo (a EFETIVIDADE).
Note-se que, embora o diálogo direto com os colaboradores se dê com base nesse tipo de
indicadores operacionais, desenvolve-se em correspondência, como já comentado no primeiro
módulo desse texto, um fluxo de valor econômico correspondente subjacente.
Assim, procurando associar as dimensões operacionais e econômicas, poder-se-ia dizer que
relacionados às ações voltadas à EFICÁCIA e à EFICIÊNCIA estão os faturamentos, as despesas
e, consequentemente, o FLUXO DE CAIXA da empresa. De modo análogo, pensando no
horizonte de análise e planejamento, pode-se imaginar, no médio prazo, uma correspondência

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entre o desafio operacional da PRODUTIVIDADE e a verificação econômica da
LUCRATIVIDADE, do mesmo modo que a EFETIVIDADE da operação, quando se trata de
um sistema privado, estará naturalmente vinculada ao RETORNO SOBRE O
INVESTIMENTO, no longo prazo.

Conclusão do módulo
Interpretar seu sistema de Produção e Serviços e definir os indicadores que representam a
“saúde operacional” desse sistema é um desafio cada vez mais decisivo nas organizações. A grande
questão realmente não está em resolver contas, mais, sim em quais contas fazer.
Neste módulo procuramos debater sobre as diferentes dimensões da “saúde operacional”
que deveriam ser consideradas e balanceadas para uma gestão virtuosa.
Não se deve subdimensionar a relevância dessa discussão. Indicadores são fundamentais na
gestão, por várias razões.
Primeiro: indicadores apontam não só o que se passou, mas interferem no futuro,
induzem comportamento. Uma bem-humorada versão do dito popular diz com razão: “diga-
me como me medes e eu te direi como me comporto”. Há muita sabedoria nessa afirmação –
e bom ensinamento.
Se você é gerente do sistema, é preciso descobrir e publicar um conjunto de métricas que
sejam simples de entender, fáceis de operar e que induzam ações de aprimoramento e motivem
sua equipe. Esse conjunto de indicadores deve ser tal que mobilize o time, de forma equilibrada,
em torno das várias dimensões que citamos: a eficácia, a eficiência, a qualidade, a produtividade e
a efetividade.
Note que esses termos são tipos de contas, não as contas propriamente em si. Então, cabe a
você refletir sobre qual indicador em cada categoria é mais expressivo e bolar a conta que melhor
o revela. Veja isso como algo dinâmico, como uma agenda para o foco de melhoria.
Use esses cinco ângulos como uma bússola. Ao preparar um mural – para, por exemplo,
motivar seus colaboradores em certo setor – pense em dividi-lo em áreas (por exemplo: uma área
para uma das 5 categorias citadas) e apresente em cada área ao menos um indicador que capture o
que é relevante ali, naquela seção. Isto é: considerando a responsabilidade naquela área ou setor,
pergunte-se: para esta área, qual poderia ser o indicador de EFICÁCIA? Como se traduz para esta
área o desafio da produção, a meta? Depois: o que nesta área caracteriza o bom aproveitamento
dos recursos? Pense em qual é o ativo importante a ser acompanhado de perto ali e que controle
poderia ser feito para estimular seu operador a estar atento com o uso desse ativo. Então, veja qual
acompanhamento de qualidade é pertinente, e assim por diante, fazendo o mesmo com a
PRODUTIVIDADE e a EFETIVIDADE.

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Note que para cada área os indicadores podem ser diferentes, já que as áreas são diferentes e
desempenham papéis diferentes no fluxo de valor. Por exemplo, um indicador de qualidade para
a equipe do salão de um restaurante pode ser algo ligado à satisfação dos clientes com o serviço; ao
mesmo tempo, nesse mesmo restaurante, pode haver outro acompanhamento na cozinha, por
exemplo, algo que estimule a equipe da cozinha a monitorar a validade e o frescor dos
ingredientes. Seja qual for a área em foco e sua responsabilidade, entretanto, procure fazer com
que toda a gestão visual, em qualquer ponto da rede de operações, tenha um padrão de modo a
fazer com que os indicadores variem e que, no entanto, as cinco dimensões estejam sempre de
algum modo contempladas e equilibradas.
Observe também que o indicador escolhido por você pode ser algum aspecto indireto. O
importante é que ele “emocione” de algum modo seu colaborador, que estimule seu
comportamento proativo na direção do aprimoramento. Assim, por exemplo, suponha a
existência de uma área de retaguarda automatizada em que o operador tenha pouco arbítrio sobre
o ciclo da máquina – imagine, por exemplo, que ela funcione autonomamente, sem a intervenção
dele. Em uma hipótese como essa, pode ser indicado que o gerente estabeleça como indicador de
performance para essa área algo que indiretamente afete o resultado, mas que possa ser gerenciado
diretamente pelo operador – o tempo para preparar a máquina ou o tempo para providenciar
reparo quando surge algum problema, por exemplo.
Outro ponto: indicadores não são para ficar na parede. Dê vida a eles. Estabeleça uma
rotina gerencial, faça um giro diário na oficina, converse com as pessoas, ajude-as a relacionar suas
ações com os índices apresentados no mural, faça com que elas visualizem o impacto de suas
iniciativas de ajuste e melhoria na evolução desses índices. E quando a evolução do indicador se
estabilizar, quando ele não provocar mais nenhum desafio, troque-o por outro que esteja mais
alinhado com suas preocupações nesse momento.
Por fim, de tempos em tempos traga todo mundo para acompanhar também como ficaram
os indicadores globais do negócio. É importante que todos percebam a ligação entre seus
objetivos, padrões e especificações locais e os objetivos, padrões e especificações globais. Uma
dica: não se esqueça de incluir na pauta dessa reunião o reconhecimento das ideias e ações de
melhoria que fizeram a diferença no período. E aproveite para desafiar o grupo revendo as metas,
quando possível.

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MÓDULO III – O GERENCIAMENTO
DAS OPERAÇÕES COM BASE NA TEORIA
DAS RESTRIÇÕES

Vimos a importância de entender a produção como uma rede de processos. Vimos também
as várias dimensões da saúde operacional que o gerente de operações deve buscar potencializar e
equilibrar no seu processo decisório. Neste terceiro módulo, analisaremos como devemos agir para
um gerenciamento apropriado da cadeia de valor na direção do ganho econômico.
Abordaremos em particular a proposta da Teoria das Restrições, que se baseia em cinco
etapas de raciocínio e propõe um ciclo de gestão e aprimoramento de um sistema de produção e
serviços que pode ser muito útil para quem tem a responsabilidade de administrar uma operação.
Senão, vejamos:
Passo 1 – Identificar o gargalo – em relação a um objetivo pré-definido.
Passo 2 – Explorar e proteger a capacidade de produção do gargalo na sua plenitude.
Passo 3 – Subordinar a gestão dos não gargalos ao ritmo de produção do gargalo.
Passo 4 – Investir para remover a restrição.
Passo 5 – Se a uma nova restrição surgir, voltar ao Passo 1.

Quando entendemos que processos estão por trás de praticamente toda a produção de bens
e serviços no mundo contemporâneo, a racionalidade da Teoria de Restrições cresce de interesse.
É fácil perceber que as restrições de capacidade não precisam ser limitações de máquina. Podem
ser – e frequentemente são – limitações de transporte, de espaço de armazenagem, de capacidade
de venda, de distribuição, de suprimento, de dinheiro, daí a ampla aplicabilidade dessa
abordagem.
A analogia hidráulica
Tomemos como referência o sistema de produção e serviços apresentado na figura 3, em
que sete materiais básicos são transformados e montados por sete processos de produção, sendo
então levados por um canal de distribuição até um posto varejista para atender uma demanda.

Figura 3 – Exemplo de uma rede de operações

Vamos entender com cuidado o que está aí representado, pois o entendimento dessa figura
é essencial para a compreensão das discussões deste módulo. Cada caixa é um recurso ou conjunto
de recursos integrados que realiza determinado processo. Como mencionado na legenda, a
primeira linha de cada caixa a identifica univocamente com letras (de A a G, no caso de materiais)
ou algarismos romanos (de I a IX, no caso dos processos). Os processos de I a VII são de
manufatura; o processo VIII dá conta de atividades de distribuição; e o processo IX é um processo
de venda. A caixa X identifica a demanda potencial de mercado.
Em cada caixa, o número apresentado na quarta linha (última linha) diz respeito à
capacidade técnica padrão do recurso considerado em certo período de tempo; trata-se da
capacidade que, por exemplo, aparece no manual da máquina fornecido pelo fabricante ou que foi
determinada tecnicamente pela Engenharia de Processos a partir de um estudo de movimentos e
tempos. Já o número citado acima (na terceira linha de cada caixa) representa a capacidade prática
máxima do recurso, conforme vem sendo demonstrado por seu uso recente, ou mais
especificamente: o limite real de esse recurso produzir, nas condições atuais de processamento.
Observe-se que a Capacidade Prática (CP) tende a ser inferior ou igual à capacidade técnica padrão
(CT), pois as condições operacionais reais que encontramos no mundo comumente não são as
ideais consideradas no cálculo teórico de CT.
No caso dos Materiais (caixas de A a G), os números citados representam a capacidade de
fornecimento dos fornecedores homologados. Do mesmo modo os números apresentados na caixa

42
DIST representam a capacidade de transporte do canal de distribuição; os números na caixa
LOJA descrevem a capacidade de venda do ponto de varejo; e o número na caixa MERCADO
corresponde à demanda potencial pelo produto ofertado por essa cadeia de suprimento.
Por fim, considere ainda que o fluxo segue sempre da esquerda para a direita, conforme as
setas, e que todas as capacidades de todos os processos estão expressas utilizando sempre a mesma
unidade de medida, qual seja a quantidade necessária para compor 1 produto acabado. Isto é: se a
capacidade de fornecimento, processamento, distribuição ou venda descrita na caixa menciona o
valor 200, por exemplo, isso significa que o processo considerado consegue, respectivamente,
suprir, transformar, transportar ou vender as quantidades intermediárias necessárias para compor,
no fim das contas, a produção de 200 produtos acabados.
Para entender o fluxo processado nessa rede de processos, imagine que ele representa um
fluido escoando por uma tubulação (ou mais precisamente uma rede de tubulações afluentes que
convergem para um tubo principal). Nessa analogia, é importante perceber que as capacidades
práticas de cada recurso (figura 3) se assemelham às “bitolas” de cada seção da tubulação.

O recurso crítico
Observando o fluxo representado na figura 3, tente responder à seguinte pergunta: qual a
máxima quantidade de produtos acabados que essa rede é capaz de suprir?
Ora, se pensarmos na analogia hidráulica de um líquido passando por um cano, será fácil
perceber que nenhuma quantidade de produto pode sair pela boca final da tubulação se não
passar antes pela menor seção intermediária, não é mesmo? Assim, a bitola do segmento mais
estreito da tubulação limitará a vazão total do sistema (ou quantidade produzida). Pouco importa
se os recursos que antecedem esse segmento limitante têm mais capacidade (ou uma bitola mais
larga) que ele; um eventual excesso produzido nesses recursos não passará pelo “gargalo” formado
ali à frente, e o fluxo será contido por essa limitação mais severa. Da mesma forma, inócuas serão
grandes capacidades nos segmentos posteriores a esse gargalo, pois essas capacidades nunca serão
de fato aproveitadas em sua plenitude, já que o suprimento desses recursos está condicionado à
quantidade que é liberada pelo gargalo.
De forma simplificada podemos dizer que o recurso crítico é aquele que tem o maior déficit de
capacidade quando confrontado com a demanda. Para identificar esse recurso, primeiro devemos ter
claro qual é nosso objetivo para, em seguida, comparando a demanda para cada recurso com as suas
capacidades práticas, identificar então o recurso que, adicionada uma unidade a mais de capacidade,
traria uma unidade a mais no resultado global (relacionado ao objetivo selecionado).
Na rede considerada – admitindo que nosso objetivo fosse atender plenamente a demanda –, o
suprimento de Material C, os processos I, II, III e V, o canal de distribuição e o processo de venda
estariam despreparados para atender ao volume de vendas potencial. Entretanto, veja que de nada

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adiantaria obtermos uma unidade a mais de C, prover uma unidade de capacidade a mais nos
processos I, II e V, ou ainda adicionar uma unidade de capacidade a mais nos processos de
distribuição ou venda. Isso não traria nenhum impacto no resultado, pois o recurso III tem uma
restrição mais limitante do que todos esses citados. Daí, infere-se que nesse caso nosso gargalo aqui
seria o recurso III, o mais restritivo. De fato, o recurso III é o único que, se fosse adicionada uma
unidade de capacidade a mais, imediatamente nos traria impacto de igual monta no resultado final.

Os recursos não críticos


Se o recurso III na rede da figura 3 é nosso recurso crítico (nosso gargalo), então todos os
outros recursos que tenham capacidade excedente ou mesmo que sejam menos restritivos que eles
são denominados recursos não críticos. Na figura, seriam não críticos nesse momento todas as
fontes de suprimento, todos os processos – exceto o III e os processos de distribuição e vendas.
Observe que se assim é, por definição, um recurso não crítico sempre terá folga de capacidade.
A implicação desse fato é que – segundo a Teoria das Restrições – os recursos não críticos devem
sempre ter sua operação subordinada à restrição, porque não faz sentido esses recursos estarem
ativados todo o tempo, aproveitando suas capacidades no limite. Se isso ocorrer – como por
exemplo ocorreria se algum recurso anterior ao gargalo no fluxo providenciasse uma entrega maior
que 600, que é a capacidade máxima do recurso III nesse momento –, haverá desperdício, formação
de estoques, filas e antecipação de gastos, já que essa produção excessiva acabará ficando retida
posteriormente à espera de processamento na restrição.
Observe-se também que os recursos não gargalos posicionados após o Recurso III ficarão
também limitados ao processamento de 600 unidades – nesse caso, não por uma decisão gerencial
de limitar sua ativação, mas, sim, pelo fato de que não terão material para processar mais que 600,
já que são supridos pelo gargalo.

A capacidade do sistema é igual à capacidade do gargalo


Se o gargalo – por definição – é o recurso com menor capacidade de entrega em relação à
demanda alocada ao sistema, então pode-se concluir que a capacidade máxima de um sistema é a
capacidade máxima desse recurso crítico, o recurso mais limitante da rede, sua mais aguda restrição.
Assim, se esse sistema quiser faturar “mais” (ou produzir mais), não há outra forma senão esse
recurso limitante produzir mais.
A conclusão oposta também é bem importante: uma hora perdida no gargalo corresponderá
no mínimo a uma hora perdida no resultado global (pois, como vimos, por definição, o gargalo é
aquele recurso que tem sua capacidade plenamente utilizada, não tem folga; portanto, se perder
produção não terá como recuperar em seguida).

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É uma constatação um tanto óbvia, quando temos o fluxo representado em nossa frente na
figura 3. Observe, porém, que não é assim tão óbvio perceber isso quando o que está diante de
nós é uma extensa rede de suprimentos, reunindo vários processos que se integram, mas são
geridos autonomamente, com políticas gerenciais e características operacionais distintas. Nessa
circunstância, muitas vezes é difícil ver o todo; frequentemente não percebemos bem onde está a
restrição e acabamos gerenciando mal o fluxo de produção ao longo da rede.

A eficiência de um recurso não gargalo não melhora a


eficácia do sistema
Outra constatação relevante: se os não gargalos têm, por definição, mais capacidade de
produção que o gargalo e, como vimos, devem ter seu acionamento limitado ao nível de produção
daquele, então pode-se concluir que ganhos de eficiência em um recurso não gargalo não trarão
impacto no volume de produção. Isto é: não repercutirão no faturamento.
Reflita: o não gargalo já tem folga; não opera em sua plenitude porque não deve, porque
não seria bom para o negócio. Então, se ele se tornar mais eficiente e gastar menos tempo para
fazer o que fazia, o que aumentará não será seu nível de produção (que deverá continuar restrito
pelo nível do gargalo); o que mudará será sua ociosidade, que nesse cenário aumentará (a menos
que a capacidade dele seja reduzida).
Relevante é frisar, porém, que, como apresentado no módulo II, a produtividade é um
balanceamento entre resultados e esforços. Se essa melhoria de eficiência no não gargalo vier a
corresponder a uma redução de despesas operacionais, pode essa ação ser positiva para o “gastar
menos”, ainda que não contribua para o “fazer mais”.

O ciclo de melhoria preconizado pela Teoria de Restrições


Com base nessas reflexões, a Teoria das Restrições propõe um ciclo de gestão e
aprimoramento de um sistema de produção e serviços que pode ser muito útil para você que tem
a responsabilidade de administrar uma Operação. Vejamos:
Passo 1: identificar o gargalo (pressupõe que você tenha claro seu objetivo).
Passo 2: explorar e proteger a capacidade de produção do gargalo em sua plenitude.
Passo 3: subordinar a gestão dos não gargalos ao ritmo de produção do gargalo.
Passo 4: investir para remover a restrição.
Passo 5: se uma nova restrição surgir, voltar ao passo 1.

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Explorando a capacidade de produção do gargalo em
sua plenitude
Em geral, quando detemos nosso olhar em um processo de produção buscando entendê-lo
com detalhes, nós nos surpreendemos com a quantidade de oportunidades de melhoria que logo
aparecem. Comumente, percebemos que há tempos e movimentos que não agregam valor algum
e que podem ser imediatamente eliminados sem nenhum prejuízo. Há outros tempos que talvez
possam ser eliminados se alguma melhoria ou mudança for implementada nas condições de
trabalho vigentes e, por fim, há o conjunto de operações e atividades que de fato agregam valor ao
cliente. E é surpreendente constatar que, esse último conjunto, frequentemente, é o menor.
Explorar a capacidade do gargalo na plenitude é concentrar 100% de sua ativação nessas
atividades que contribuem de fato diretamente para a agregação de valor. Por exemplo: às vezes o
gargalo funciona durante o dia ou reduz seu ritmo de produção como se fosse um outro recurso
qualquer, mas, se uma hora perdida ali é uma hora irrecuperável na produção total, não seria o
caso de estabelecermos uma política diferenciada? Há muitas ações gerenciais que podemos fazer
nesse sentido. Por exemplo:
a) planejar com cuidado as paradas desse recurso: pensar em substituições ou em apoio
durante as paradas com refeições, lanches, reuniões – ainda que para manter o ritmo
pleno desse recurso tenhamos de gastar um pouco mais, sendo um gargalo,
possivelmente vale mantê-lo a todo vapor;
b) trabalhar em hora ou turno extra;
c) pensar a manutenção preventiva do recurso com cuidado, para reduzir as perdas de
tempo com manutenção corretiva;
d) conscientizar as equipes e pré-planejar ações de contingência, de modo a responder
rapidamente a eventuais problemas que surjam;
e) trabalhar com lotes de produção um pouco maiores no gargalo para que a troca do
produto que está sendo feito ali seja feita poucas vezes ao longo da jornada de trabalho,
reduzindo assim, perdas de produtividade com preparações de máquina;
f) mobilizar as equipes para as melhorias de processo e
g) entre outras ideias para aproveitar o gargalo plenamente.

Outra linha de ação plausível é avaliar se outros recursos poderiam assumir serviços hoje
alocados ao gargalo, mesmo que não tão eficientemente quanto ele. Veja: a capacidade do gargalo
é o limite do sistema. Qualquer peça ou serviço feito a mais – ainda que de modo lento e
ineficiente – será uma venda, um serviço a mais faturado. Logo, considere também, em seu
esforço de melhor aproveitar seu gargalo, hipóteses adicionais como:
h) redirecionar, para uma máquina ou recurso alternativo, alguns dos serviços que estão
sendo processados no gargalo;

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i) alugar uma máquina alternativa ao gargalo, ainda que seja menos eficiente ou traga
dispêndios extras ou
j) subcontratar algum desses serviços que estão retidos no gargalo.

Ações como as de A a G da lista acima poderiam corresponder, por exemplo, a melhorar o


Processo III de nossa rede, de modo que sua capacidade prática evoluísse até, por exemplo, sua
capacidade nominal (de 600 para 700). Como o Processo III é o gargalo do sistema (e continuaria
a sê-lo mesmo com a melhoria), esse aprimoramento teria como impacto um aumento de 100
unidades no resultado global, como é assinalado na figura 4.

Figura 4 – Explorando a capacidade de produção do gargalo em sua plenitude

Protegendo a capacidade do gargalo


O aproveitamento pleno da capacidade de produção preconizado pela Teoria das Restrições
como forma de potencializar o resultado global do sistema passa também pela ideia de proteger
essa capacidade contra dois tipos de interferência.
A primeira ameaça são os problemas de qualidade. Muitas vezes quando pensamos nos
desperdícios relacionados à falta de qualidade focalizamos os materiais gastos a mais, ou o trabalho
feito à toa. Esses custos são reais e nocivos. Entretanto, se estamos falando de um gargalo, há outro
custo ainda mais relevante: o faturamento perdido. Se um recurso gargalo trabalha todo um ciclo seu
em algo que depois será jogado fora, a perda não é só o “lixo” gerado; trata-se, na verdade, de um
produto a menos na venda, pois não haverá como recuperar essa perda de produtividade.
Dessa forma, o aconselhamento da Teoria das Restrições aqui é: assegure-se de que o
gargalo trabalha só com materiais bons – ainda que para isso um controle adicional precise
eventualmente ser feito antes do gargalo; estando em risco o faturamento, esse custo
frequentemente se paga.

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A outra proteção preconizada pela Teoria das Restrições refere-se a manter uma provisão de
materiais como segurança justamente antes do posto de gargalo. Esse estoque de segurança visaria
desacoplar a operação do gargalo da operação dos não gargalos que o antecedem, garantindo assim
que eventuais problemas de produção ou fornecimento não paralisem o funcionamento normal
do gargalo. A essa proteção, dá-se o nome de “Pulmão de capacidade”. No módulo 5,
debateremos com mais detalhe essa questão dos estoques.
Observe na figura 5 como esses pulmões seriam localizados. Perceba que eles ficariam
posicionados imediatamente antes do Processo III (gargalo) e seriam compostos de um estoque de
segurança formado por semiacabados oriundos do processo I e itens comprados no Material E.

Figura 5 – Protegendo a capacidade de produção do gargalo

Subordinando os não gargalos ao ritmo de produção


do gargalo
Estando o gargalo apto a funcionar em sua máxima potência e estando a qualidade e o
provisionamento contínuo de seu suprimento garantidos, o resultado global do sistema está em
princípio potencializado. É hora então de minimizar os esforços para maximizar a produtividade.
A oportunidade que se coloca diz respeito ao aproveitamento racional dos não gargalos.

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Observando a figura 6, podemos identificar ali três diferentes tipos de recursos não gargalos.

Figura 6 – os três tipos de recursos não críticos

O primeiro grupo desses recursos não gargalos é formado por aqueles que antecedem
diretamente o gargalo no fluxo (área em rosa na figura). Especificamente referimo-nos ao Processo
I e às fontes de suprimento de Material A, Material B, Material C e Material E.
O segundo grupo de recursos não críticos reúne aqueles recursos que, embora não se
relacionem diretamente com o gargalo, alimentam o fluxo de produção dele oriundo (área azul na
figura). Repare, por exemplo, o fluxo afluente à linha principal, formado pelo Material D e pelo
Processo II, e observe também aquele composto pelo Material F e pelo Processo V e, por fim, o
Material G.
Por fim, o terceiro grupo de recursos não gargalos é formado pelos recursos que o sucedem
em linha direta (área verde na figura 6). Isto é: os Processos IV, VI e VII, o Canal de Distribuição
VIII e a Loja IX.
No vocabulário da Teoria das Restrições, os dois primeiros grupos (áreas rosa e azul)
formam a dita Região Não Crítica; já o terceiro grupo de processos (área verde) e o gargalo
(área amarela) compõem o que denominamos Região Crítica. Vejamos a seguir o porquê
dessa conceituação.

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Gerenciando os recursos não críticos que estão antes do
gargalo
Pensemos primeiro sobre a área rosa da Figura 6: Processo I (capacidade igual a 1.200) e
fontes de suprimento de Material E (capacidade igual a 4.000); de Material A (capacidade igual a
5.000), de Material B (capacidade igual a 6.000) e de Material C (capacidade igual a 1.250). Não
obstante todos esses processos tenham capacidade maior que a do gargalo (capacidade melhorada
igual a 700), não há sentido em fazer em nenhum deles mais que os 700 que serão feitos no
Processo III, tampouco requisitar aos fornecedores de A, B, C e E mais que essa quantidade.
Se algum desses processos ou fornecedores da área rosa operar em um ritmo mais veloz que
o gargalo à sua frente, o que acontecerá? Esses materiais excedentes ao limite de processamento no
gargalo certamente ficarão represados! Haverá nessa hipótese três penalizações correlatas: um
capital (estoque) será imobilizado à toa, e, portanto, estaremos arcando com um custo de perda de
outras possíveis oportunidades de investimento; arcaremos desnecessariamente com despesas
operacionais de armazenagem; e o fluxo de caixa será prejudicado pela antecipação de
desnecessária de uma despesa que poderia ser feita só mais adiante.

A produção puxada e a produção empurrada


Como devemos então acionar esses recursos constantes da região rosa da figura 6? Ora, não
podemos deixá-los operar no limite de sua capacidade. Eles NÃO devem se guiar pelo que podem
ou pelo que são capazes de fazer. Não! Esses recursos devem ter seu acionamento guiado pela
necessidade de processamento do gargalo à frente.
No jargão de Operações, quando um processo faz tudo o que pode (“olhando para o
próprio umbigo”) e passa adiante sua produção, dizemos que ele está “empurrando a produção”.
Ao revés, se, em lugar de fazer o que é capaz, o acionamento desses recursos é feito em função da
necessidade imediata de seu cliente interno (ou de um gargalo à frente), dizemos que isso é
“produção puxada”.
Do exposto, conclui-se que os processos que antecedem um gargalo devem ser “puxados”
por ele, não devendo nunca acionar toda a capacidade de produção.

Gerenciando os recursos não críticos que suprem o fluxo


oriundo do gargalo
E quanto a recursos como os descritos em azul na figura 6, aqueles que não estão nem a jusante
nem a montante do gargalo, mas, sim, em afluentes do fluxo principal? Como devem ser acionados?

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Reflita: a produção oriunda desses processos em linhas afluentes vai se compor com a produção
que é oriunda do gargalo, certo? Então, se esses recursos operarem livremente usando toda a
capacidade, farão produtos que não seguirão em frente por falta dos correspondentes componentes
críticos que deveriam se acoplar a eles. Podemos, assim, concluir que esses recursos – exatamente
como os produzidos pelos processos que antecedem o gargalo – também não devem ser acionados por
seu próprio potencial, ao contrário: devem também ser puxados para evitar a formação de estoques
não planejados nesses pontos de confluência.
Em resumo: os processos cuja produção conflui para o fluxo oriundo do gargalo devem ser
“puxados” por ele, e não acionar toda a capacidade de produção.

Gerenciando os recursos não críticos que seguem o gargalo


E quanto aos processos pós-gargalo como aqueles representados na região verde da figura 6?
Bem, nesse caso temos uma situação de fato um pouco diferente, porque não há risco de
formação de estoques ou antecipação desnecessária que solicite nossa preocupação! Veja:
diferentemente dos processos que compõem as regiões rosa e azul, os processos IV, VI e VII, o
canal de distribuição VIII e a loja IX que compõem a região verde jamais conseguirão processar
mais que 700 produtos. Isto porque, mesmo que tenham capacidade de produção, transporte ou
venda para tal, não terão materiais suficientes para fazê-lo, já que a limitação do gargalo os deixará
“sem alimento”.
Como então devemos gerenciá-los? A recomendação da Teoria das Restrições é que esses
recursos sejam acionados tão logo seja possível, no primeiro momento viável, dentro da lógica de
“produção empurrada”. Ora, se já fizemos todo o esforço para fazer esses produtos passarem pelo
gargalo, a prioridade nesse caso é encerrar esse “atravessamento” o mais rapidamente; portanto, quanto
mais cedo eles forem expedidos e faturados, melhor para o fluxo de caixa e o resultado econômico.
Duas reflexões cabem aqui. A primeira: o que ocorreria se, por exemplo, o recurso VIII,
ocasionalmente, tivesse um problema ou até mesmo quebrasse? Afinal, recursos com folga
também quebram! Nessa hipótese, haveria, sim, uma formação de fila entre os recursos VII e
VIII; mas veja que filas como essa, que eventualmente se formam após um gargalo em função de
problemas ocasionais que porventura podem surgir, são filas efêmeras, que se dissiparão
naturalmente tão logo o recurso com problema volte à condição normal de operação. Tomemos
como exemplo o recurso VIII: se ele ficar em manutenção durante um tempo, haverá formação de
fila antes dele; mas, assim que ele voltar a operar normalmente sua capacidade de processamento
(1.200 por unidade de tempo) em relação ao fluxo que chega do gargalo (700 por unidade de
tempo), será mais que suficiente para recuperar o atraso.

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Uma segunda reflexão pertinente: qual seria o risco de acionarmos esses processos pós-
gargalo de acordo com a demanda de seu cliente interno? Por que não os acionar também de
forma puxada como pensamos ser o melhor para os processos da região rosa e azul? Isso não
evitaria a hipótese de formação de filas citada no parágrafo anterior?
A resposta é: sim, evitaria. Porém, note que se toda a produção da rede for puxada, desde o
ponto de venda até os pontos de suprimento, estaremos sujeitando o gargalo às instabilidades dos
recursos não gargalos que o sucedem. Isto é, a operação III (nosso gargalo na figura) poderia
eventualmente parar se algum dos recursos à frente tivesse uma pequena avaria. Como vimos, se
isso ocorresse, a produção global do sistema seria irremediavelmente prejudicada, já que uma hora
perdida no gargalo é irrecuperável, por definição.
Do exposto conclui-se: os processos que sucedem um gargalo devem ser “empurrados” por
ele (para que não o exponham a riscos derivados de flutuações em seus processamentos).

Dividindo a rede de suprimentos em região crítica e região


não crítica
Temos já a esta altura uma proposta global para o acionamento do sistema como um todo.
E como vimos, do ponto de vista do acionamento dos processos, a recomendação é simples.
Quem está depois do gargalo no fluxo (incluindo-se o próprio gargalo) deve ter sua produção
empurrada, isto é: disparada no primeiro momento possível! E todos os demais recursos devem ter
produção puxada, isto é: disparada apenas conforme a necessidade do gargalo!
Agora reflita: algo que você não deixa para depois, que você processa tão logo possa, você chama
isso de crítico ou não crítico? De crítico, não é verdade? Uma coisa que não tem folga, que não deixo
para depois, que faço na hora mais cedo, é algo crítico! É por isso que a Teoria das Restrições se
refere aos recursos da região verde da figura 6 como a Região Crítica da rede de suprimentos.
Por oposição, os processos que, na figura 6, compõem as regiões em azul e vermelho –
aqueles que devem ser acionados por fluxo puxado, apenas no momento da necessidade,
compõem o que a Teoria chama de Região Não Crítica da rede de suprimentos.

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A figura 7 resume a discussão que fizemos até aqui. Note que as regiões azul e rosa foram
reunidas em uma única, agora gravada em marrom e denominada região não crítica. A área verde
transformamos em abóbora para aproximá-la da cor amarela do gargalo, caracterizando-se assim a
região crítica.

Figura 7 – A rede de suprimentos e o acionamento ideal da Teoria das Restrições

Protegendo o fluxo de produção oriundo do gargalo


Você deve ter observado que, na figura 7 – além da divisão da rede em relação à criticidade
para acionamento dos processos registrada na legenda de cor –, incluímos também outros
pulmões além dos anteriormente discutidos. Trata-se agora dos chamados pulmões de prazo,
estoques de segurança planejados, também preconizados pela Teoria das Restrições. São estoques
intencionalmente colocados na rede visando garantir o cumprimento de prazos. A ideia é que –
tendo o gestor feito todos os esforços para garantir o aproveitamento pleno do gargalo – seria
lamentável que o fluxo oriundo do recurso crítico ficasse agora retido, retardando em
consequência um faturamento planejado, pelo simples fato de que um componente faltou para
um processamento não crítico, subsequente no fluxo.
Por exemplo: imagine que nos custou grande energia garantir que o Processo III conseguisse
liberar todos os 700 produtos (ou serviços) dentro do prazo. Agora imagine que, em seguida, o
material (ou cliente, ou informação) oriunda do Processo III não pudesse ser operado no Processo
VI pela falta ocasional do componente G, um material comprado cuja disponibilidade na fonte de
suprimento (2.000 por período) é bastante maior que a necessidade (700 que vêm do gargalo).
Seria uma lástima, não? Seria ruim para o fluxo de caixa, que teria uma entrada de dinheiro
postergada desnecessariamente, e também para o cliente, que esperava que o prazo de entrega
fosse cumprido.

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Observe que o mesmo risco haveria em todos os pontos de confluência da rede posteriores
ao gargalo. Assim, seria indicado manter proteções entre o Processo II e o Processo IV, entre o
Processo V e o Processo VII e, como já mencionado, entre a fonte de suprimento de G e o
Processo VI. Esses seriam os pulmões de prazo, no caso.
Registre-se que essa proteção não necessariamente precisa ser feita com estoques físicos. Em
uma rede na qual se articulam processos de prestação de serviços, por exemplo, essa proteção pode
ser implantada por meio de uma “antecipação” planejada da produção do recurso supridor.
Para que fique mais claro: tomando como exemplo agora a conexão entre o Processo II e
Processo IV, haveria duas hipóteses de implementação: a) planejo, imediatamente antes do
Processo IV, um estoque físico de itens preparados antecipadamente pelo Processo II (e nesse
caso o Processo II passa a ser puxado pelo “esvaziamento” desse estoque); b) mantenho o
acionamento do Processo II diretamente vinculado ao ritmo do Processo IV, mas o faço com um
antecipação planejada de tempo em relação ao momento da real utilização.

Tambor, pulmão, corda


Essa proposta de gestão do fluxo logístico da Teoria das Restrições é comumente
apresentada pelo tripé “Tambor–Pulmão–Corda”, em inglês drum-buffer-rope. Esse é um jargão
bem difundido em publicações sobre o tema.
Traduzindo e relacionando com o que vimos até aqui: o tambor é o gargalo; é ele que deve
ditar o ritmo. Já os pulmões, como vimos, devem ser provisionados em pontos estratégicos da
rede, para proteger a capacidade do gargalo e o fluxo de produção dele oriundo.
Por fim, a corda representa a ideia da produção puxada, que já mencionamos. Observe-
se, porém, que na Teoria das Restrições a ênfase está mais na otimização do ganho econômico
e no balanceamento do fluxo, e não tanto na fluidez e no balanceamento de capacidade. A
“corda” da Teoria das Restrições puxa a retirada dos itens dos almoxarifados, a partir do
interesse direto de processamento do gargalo. Diferencia-se nesse sentido sutilmente da
produção puxada mais tradicional, onde o acionamento de um recurso é comandado pelo
consumo do cliente interno imediato.
Esse é um ponto relativamente difícil de vislumbrar, algo que deverá ficar mais claro nos
dois próximos módulos, quando confrontarmos as ideias aqui propostas pela Teoria das
Restrições com aquelas preconizadas pelo Pensamento Enxuto (tema do módulo 4) e refletirmos
sobre o dimensionamento de estoques de segurança (tema analisado no módulo 5).

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Investindo no gargalo
Antes de ser percebida como uma Teoria de Gestão de Operações, a Teoria das Restrições foi
uma arquitetura de software, implementada em uma tecnologia disseminada na indústria com o nome
de Optimized Production Technology (OPT) – em português, Tecnologia da Produção Otimizada.
O criador dessa tecnologia foi o físico Eliahau Goldrat, que fez Escola e uma legião de
seguidores que desenvolveram e ampliaram essa visão. Segundo eles, a proposta de acionamento
expressa na figura 7 é a solução ótima para a gestão do fluxo ali representado.
Nessa visão, apenas após equilibrar todo o sistema nos termos propostos (e, portanto,
quando todo o proveito possível do ativo instalado estiver sendo cientificamente extraído dele),
deveríamos passar para o passo seguinte, em que então buscaríamos ampliar a capacidade do
gargalo, via investimentos.
Essa ideia de melhoria escalonada – em que primeiro se identifica o gargalo atual da rede e
o aproveita plenamente para só então partir para novo investimento – seria o caminho indicado
para a máxima rentabilização do dinheiro investido pelos acionistas. É preciso, entretanto, estar-
se atento para a dinamicidade implícita nessa proposta, já que, ao investir na ampliação de um
gargalo é possível e, mesmo provável, que um novo gargalo surja. E, se assim for, toda a gestão da
rede terá que ser reestruturada para esse novo cenário.

Reestruturando a gestão do sistema diante do novo gargalo


Suponhamos para análise, por exemplo, que após estabilizar o fluxo de produção como
proposto na figura 7, um investimento tenha sido decidido para duplicar a capacidade de
produção do Processo III, que passaria a ter então uma capacidade de operar 1.400 peças (ou
serviços) no período considerado.
Se isso acontecesse, qual seria a nova capacidade do sistema? 1.400 peças?
Não! A nova capacidade do sistema não seria o dobro da anterior. Seria apenas 900, pois
um novo gargalo se estabeleceria, agora derivado da limitação de capacidade do recurso II, que,
nesse novo cenário de capacidade, passaria a ser o mais restritivo.
Não podemos deixar a inércia tomar conta de nosso raciocínio. Se o gargalo mudou, temos de
retornar ao início do ciclo de melhoria, qual seja: procurar melhorar o Processo II para aproveitá-lo
até seu limite (1.000). Em seguida, protegê-lo. Após, organizar o acionamento dos demais recursos
dentro da premissa que aqueles que compõem a região não crítica devem ser puxados e os que estão na
região crítica devem ser empurrados. Depois, devemos planejar as proteções de prazo e, então, após
reestabilizar o fluxo nesses novos termos, pensar em novos investimentos.

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A figura 8 ilustra como ficariam as mudanças na gestão da rede de suprimentos decorrentes
da duplicação da capacidade de operação do Processo III e providências descritas no parágrafo
anterior. Compare-a com a figura 7 para perceber bem as mudanças na gestão do fluxo que a
Teoria das Restrições sugeriria.

Figura 8 – Se o gargalo muda de lugar toda a gestão da rede tem de ser revista

Conclusão do módulo
É fato que a Teoria das Restrições foi concebida inicialmente para tratar do
processamento de materiais em plantas industriais. Entretanto, com o passar do tempo, a
força dessa ideia ganhou espaço em muitas áreas do conhecimento até ser reconhecida como
uma teoria de ampla aplicabilidade.
Quando entendemos que processos estão por trás de praticamente toda a produção de bens
e serviços no mundo contemporâneo, a racionalidade da Teoria de Restrições cresce em interesse.
É fácil perceber que as restrições de capacidade não precisam ser limitações de máquina. Elas
podem ser – e frequentemente são – limitações de transporte, de espaço de armazenagem, de
capacidade de venda, de distribuição, de suprimento, de dinheiro, etc.
Por vezes, as restrições podem mesmo ser mentais, métodos de planejamento que
imobilizam nossa ação, crenças, paradigmas.

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Por fim, interessante é notar que – admitindo um processo contínuo de remoção de gargalos,
depois a subordinação dos não gargalos e, então, o investimento – no limite, esse ciclo de melhoria
tende a nos levar a uma rede de suprimentos em que a restrição principal será, por fim, a venda, o
mercado. Nessa circunstância, o pulmão de capacidade funcionaria como um estoque regulador, e
toda a rede de suprimentos seria puxada a partir do “esvaziamento” desse pulmão. Alcançando esse
estágio, os esforços gerenciais deverão então se concentrar em vendas como forma de maximizar o
resultado econômico do sistema. A figura 9 ilustra esse cenário hipotético.

Figura 9 – No limite, removidas as restrições de capacidade, o gargalo será a demanda

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MÓDULO IV – O GERENCIAMENTO
DAS OPERAÇÕES COM BASE NO
PENSAMENTO ENXUTO

Não obstante o mérito do ciclo de melhoria proposto pela Teoria das Restrições, examinado no
módulo anterior, duas pressões do mundo contemporâneo podem sugerir outra postura. Referimo-
nos à concorrência cada vez mais acirrada e global e à inovação tecnológica, que oferecem agora
infinitas possibilidades de convergência entre os produtos físicos e a inteligência digital.
Em razão dessa dinamicidade do mundo à nossa volta, em determinadas situações, devemos
ter um olhar mais incisivo, mais transformador em relação à realidade corrente dos nossos
sistemas de produção e serviços.
É nesse contexto que analisamos neste quarto módulo o Pensamento Lean. Trata-se de uma
evolução de práticas industriais bem-sucedidas que tiveram a sua máxima expressão no
desempenho bem-sucedido da Toyota. Com base nessa experiência, cunhou-se o termo Lean –
“magro”, em inglês – em contraponto à “gordura organizacional”.
Segundo pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), essa tecnologia
poderia ser narrada a partir da enunciação de cinco princípios básicos, quais sejam:
a) Adotar o “interesse do cliente” como o critério básico para orientar toda as decisões da
operação, sejam elas de longo, médio ou curto prazo.
b) Definir, a partir da orientação citada no primeiro passo, o que é desperdício tratando os
obstáculos ao fluxo como obstáculos a remover, assim como o mau uso dos recursos e
irracionalidades.
c) Remover os obstáculos identificados, alterando o sistema para garantir o fluxo contínuo
de valor até o cliente.
d) Reestruturar o sistema para lidar com a variedade de forma a permitir que a produção se
faça no ritmo da demanda.
e) Engajar os colaboradores da linha de frente na solução de problemas, visando à resposta
rápida às paradas de produção e à mudança cultural no sentido da responsabilização e
do aprimoramento contínuo.

A metáfora da reforma e da revolução


Em tese, a racionalidade debatida no módulo anterior é a forma correta e científica de lidar com
as restrições de uma rede de suprimentos. Presume-se que a rentabilidade máxima do capital do
acionista investido na operação advirá da gestão otimizada dos ativos ali instalados. E isso de fato faz
todo sentido! Cabe notar, porém, que o raciocínio ali descrito de algum modo considera que os
objetivos e condições de contorno vão se manter relativamente estáveis durante o ciclo de melhoria.
Entretanto, no mundo contemporâneo, cenários que outrora tendiam a ser duradouros
e estáveis começam a ser rapidamente desestabilizados. De um lado, há a competitividade
ligada à globalização, à abertura de mercados, ao trânsito de informações livre e rápido, à
concorrência acirrada, fenômenos que vêm se acelerando inexoravelmente desde as últimas
décadas do século passado.
Do outro lado, a inovação tecnológica oferece infinitas possibilidades de convergência entre
os produtos físicos e a inteligência digital, um novo mundo que se avizinha na oferta de bens e
serviços com sistemas de produção capazes de tomar decisões quase autônomas. Referimo-nos
aqui às possibilidades de consumo derivadas da internet das coisas, robotização, drones, impressão
3D e 4D, máquinas e materiais conectados agindo de forma praticamente autônoma com apoio
de inteligência artificial e imensos bancos de dados.
Essa dinâmica do mundo à nossa volta pode sugerir que busquemos em lugar do método
“reformista” da Teoria das Restrições um método mais “revolucionário”, em que o sistema de
produção seja de fato percebido como uma arma, não só de rentabilização econômica, mas
também, e principalmente, como um instrumento da vantagem competitiva.
Um exemplo simples: imagine que fôssemos participar de uma corrida de Fórmula 1 e
estivéssemos ainda com procedimentos de troca de pneus antiquados que nos tomassem 1 minuto a
cada parada no box. Ora, diante de tal restrição, o piloto talvez optasse por uma corrida cautelosa,
desacelerando um pouco antes das curvas, evitando frenagens frequentes, de modo a assim diminuir o
desgaste dos pneus e evitar a necessidade de parada nos boxes. É possível que essa seja de fato a melhor
decisão, a tática ótima de corrida diante da restrição “troca lenta de pneus”. Entretanto, como bem
sabemos, ainda que a “restrição” dos pneus seja brilhantemente gerenciada, no mundo de hoje, esse
piloto não ganhará corrida alguma, pois o que ele precisa fazer, imediatamente, é modificar
estruturalmente seu sistema, seu “modo de produção” – quem sabe a ponto de trocar seus quatro
pneus em três ou dois segundos, para que então possa competir efetivamente.

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Não se está aqui afirmando que essa lógica “revolucionária” possa ser feita a qualquer hora
ou em qualquer situação. Muitas vezes nossos sistemas têm de fato restrições difíceis de remover,
por exemplo: equipamentos muito caros, limites impostos pela tecnologia, por uma fonte de
suprimento restrita, ou carências orçamentárias, dificuldades que nos impedem de ampliar o
espaço disponível, ampliar as equipes, etc.
Outras vezes, porém, e esse é o fato que queremos aqui ressaltar, os gargalos que estão retendo
nosso resultado são mais conceituais do que práticos. São crenças, dogmas, formas de pensar que
poderiam ser revistos se estivéssemos dispostos a olhar a cena a partir de outro ponto de vista.
De algum modo, essa é a perspectiva do Pensamento Enxuto, Lean Thinking, em inglês,
tema deste módulo. Essa forma Lean de pensar é uma evolução de práticas industriais bem-
sucedidas que tiveram sua máxima expressão na experiência bem-sucedida da Toyota. Essa
empresa, nas duas últimas décadas do século passado, protagonizou uma incrível história de
ascensão nos mercados mundiais, tendo se tornado líder no competitivo mercado de automóveis
onde a General Motors reinava há então quase 60 anos.
Feito tão notável chamou a atenção de empreendedores e acadêmicos. Pesquisadores do
MIT (Massachusetts Institute of Technology), por exemplo, decidiram visitar a empresa para
entender por dentro os processos gerenciais que nutriram aquela rápida evolução da posição
competitiva. A partir dessa experiência, cunharam o termo Lean, “magro” em inglês, em
contraponto à “gordura organizacional’, expressão normalmente usada para se referir aos
desperdícios de um sistema de produção. Segundo esses pesquisadores, a filosofia de produção da
Toyota (ou na visão desses pesquisadores do MIT: o Pensamento Enxuto) poderia ser narrada a
partir da enunciação de cinco princípios básicos. Vejamos cada um deles a seguir.

Entender o valor desejado pelo cliente


Tome como ponto de partida a figura 9, a última apresentada no módulo anterior. Ali o
gargalo é o “mercado” e todo o sistema de produção está preparado para entregar ao cliente
rapidamente o valor que ele deseja, a partir de um estoque de proteção regular. Essa imagem, que
no imaginário da Teoria das Restrições será alcançada pelo ciclo virtuoso da remoção sucessiva e
paulatina dos gargalos de capacidade, é para o Lean o alvo que deve desde o início (e sempre)
nortear todas as escolhas operacionais, táticas e estratégicas que viermos a tomar, desde o primeiro
momento do raciocínio.
Note que, embora pareça simples, há aqui algo bem desafiador. Em geral, quando
analisamos um processo objetivando sua melhoria, nossa primeira tendência é investigar as
máquinas, os recursos produtivos, o ciclo do processo. Afinal de contas, eles estão ao nosso lado, ao
alcance das mãos. E seu uso ineficiente prejudica o resultado. De fato, combater tais ineficiências

61
é uma boa medida. Debatemos já sobre isso: o aproveitamento racional e inteligente dos ativos é
uma dimensão muito importante para o resultado da gestão.
Mas quando adicionamos a esse olhar uma perspectiva externa, mais global, talvez percebamos
como desperdícios não apenas as máquinas paradas, as coisas jogadas fora, mas também os obstáculos
ao fluxo, as coisas que paralisam o ciclo do produto, alongam o tempo de atravessamento. De fato, se
ficarmos excessivamente concentrados no perímetro local em análise, na máquina, a tendência é que
nos concentremos em eliminar esses (e talvez apenas esses) problemas.
O Pensamento Lean sugere que a referência para nossa análise deve ser a global e que,
portanto, o ponto focal da análise deve ser o interesse do cliente final. Uma operação virtuosa que
não considera diretamente o interesse do cliente em suas escolhas de processo pode até ser
inteligente e racional na perspectiva do provedor, mas estará exposta à derrocada em um mercado
competitivo, em que inovações de valor são frequentes, a variedade é agora a regra e a atitude de
compra do cliente é cada vez mais volátil.

62
Examinemos um exemplo simples. Veja a figura 10. Três coisas são feitas em um posto de
montagem, e há um esforço significativo para trocar o produto que se está montando, isto é:
passar de X para Y ou para Z. Imagine por exemplo que há um tempo para preparar o
equipamento toda vez que se faz a troca. Se fizermos um X, depois um Y, depois um Z, depois
um X e assim por diante, o equipamento estará muito mal aproveitado no final da jornada de
trabalho. No fim, ele terá sido usado produtivamente apenas uma parte do dia; na outra parte, a
disponibilidade do equipamento terá sido desperdiçada com essas trocas frequentes.

Figura 10 – Três diferentes produtos montados no mesmo posto de trabalho

63
O que sugerirá o pensamento racional se a referência for a perspectiva local? Ora, faça logo
todos os Xs, depois faça os Ys e então por fim os Zs. Assim, no fim do dia, apenas duas
preparações de equipamento terão sido feitas (ou três, se você quiser deixar o equipamento
preparado para o dia seguinte nas mesmas condições em que começou pela manhã). Veja a figura
11. Além de um melhor aproveitamento do equipamento de montagem, essa forma de produzir
trará menos esforço, mais facilidade na operação, e será mais confortável agir assim.

Figura 11 – Produzindo em lotes, para o posto de montagem ficar mais eficiente

64
Analisemos agora a cena com os olhos dos clientes. Suponha que eles – os clientes –
chegam ao sistema cada qual com sua demanda de forma alternada. Ora, se fizermos todos os Xs
previstos para o dia de uma vez só, isso nos tomará um tempo. Quem atenderá os clientes que
esperam por Y ou Z nesse período? De um lado, a utilização de um “lote econômico” para a
produção de X favorece a utilização e aproveitamento útil do posto de trabalho. Mas, por outro
lado, na perspectiva do cliente, que quer Y ou Z, isso significará uma lentidão no atendimento, a
menos que mantenhamos estoques de Y e Z (o que vai tornar esses produtos mais caros para os
clientes, no fim das contas) para garantir o atendimento imediato desses clientes enquanto
estivermos ocupados com a produção de X.
Esse é apenas um exemplo de como a racionalidade no uso do recurso nem sempre caminha
de mãos dadas com o interesse do cliente. Aliás, frequentemente esses objetivos conflitam. Na
hipótese Lean, que parte da perspectiva de que o amanhã será cada vez mais competitivo, o que
deve nortear a forma como organizamos o processo deve ser o interesse do cliente.
Pode ser fácil falar, mas, na verdade, é difícil fazer isso. Temos dois olhos apenas e ambos
sabem bem olhar para o outro. O Pensamento Lean, entretanto, solicita um olhar introspectivo,
apontado para o que fazemos, como um “terceiro olho”, externo a nós, que nos olhasse com os
olhos do cliente.

Identificar os desperdícios
O que é desperdício? Bem, essa resposta depende do que você considera valor!
Para o Pensamento Enxuto, o “juiz do valor” é o cliente final. Então, tudo o que é feito
pelo sistema de produção e não gera valor para o cliente é desperdício. Assim, se estamos fazendo
algo que não adiciona valor direto para o produto ou serviço pelo qual o cliente está disposto a
pagar, então isso é um desperdício.
O inusitado dessa definição é que coisas que faço e que considero boas práticas, coisas
racionais, econômicas ou confortáveis, coisas que sempre deram certo, decisões que no passado
me trouxeram até aqui com sucesso, à luz desse critério, passam a ser consideradas “desperdícios”
se não adicionam valor real ao produto.
Por exemplo: por uma comodidade posso preferir fazer algo de uma forma que me é
conveniente. Mas, se isso atrasa a vida do cliente, se torna o produto mais caro para ele, se
fragiliza a qualidade do que ele quer, se me torna inflexível, impontual... bem, então talvez esse
item do processo, racional, confortável e conveniente para mim, deva ser melhorado ou mesmo
removido por ser irracional, inconveniente ou desconfortável para o cliente.
Tome como referência o plano de produção ilustrado na figura 12. Suponhamos que
temos uma previsão mensal de venda para os produtos X, Y e Z (da figura 11) e que o gerente de
operações, no afã de proteger a utilização produtiva do equipamento de montagem, resolveu

65
programar a produção para que seja feita em lotes, garantindo, assim, que ao longo de um mês
apenas três vezes a produção do equipamento seja interrompida para preparação (uma vez para
começar a fazer X; outra, para Y; e outra, para Z).

Figura 12 – Qual a melhor forma de produzir esses produtos?

Não há dúvida que, ao menos em tese, esse arranjo tende a proporcionar melhor
aproveitamento do posto de montagem viabilizando a fabricação de um número maior de
produtos por unidade de tempo. Vejamos, entretanto, os desperdícios advindos dessa forma
“racional” de produzir, tomada agora a perspectiva de análise dos clientes.
Primeiro: fazer todos os Xs nos primeiros quinze dias do mês – quando a demanda por X,
na verdade, ocorre ao longo de todo o mês – nos obrigará a manter um estoque de X para o

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atendimento das duas últimas semanas. E reflita também: como será possível atender às demandas
por Y e Z nas duas primeiras semanas? Ora, teremos que manter também estoques de Y e Z,
preparados antes da hora do consumo. Em síntese: teremos que ter estoque de todos os produtos.
Há várias razões plausíveis para termos estoques (veremos algumas no próximo módulo).
Mas, na perspectiva do Pensamento Enxuto, estocar nos traz alguns custos que o cliente preferiria
certamente não ter de pagar. Por exemplo: se fazemos algo antes da hora do consumo é preciso ter
alguém para tirar essa produção antecipada da frente da máquina e levá-la para uma área de
armazenagem. Não costumamos chamar isso de desperdício, mas… como assim? O cliente está lá
na minha frente e eu estou levando o material em uma direção contrária, para um armazém, fora
do fluxo do cliente. Por quê?! Para o Lean, temos aí um desperdício!
A propósito, quem solicitou esse espaço em que será depositado provisoriamente o estoque
em processo? Foi o cliente? Se não foi… desperdício! E mais: se houver muito material no
depósito, será preciso algum tipo de controle, deverá haver pessoas para guardar o material nos
armazéns, para trazer de volta os itens para a planta, para controlar, para apoiar o controle com
sistemas computacionais, para cuidar dos computadores, para dar segurança evitando perdas e
sumiços, além de pessoas para fazer as refeições para toda essa gente comer e especialistas para
contratar as pessoas que irão realizar todas essas tarefas de apoio… Desperdícios! Conclusão: se há
vantagens na produção em lotes, há também uma miríade de transações associadas a produzir
antes da hora do consumo que precisam ser pesadas com critério no outro prato da balança.

Estabelecendo o fluxo contínuo


Tendo claro o que é valor e, derivando dessa referência o que é desperdício, a terceira ideia
do Lean diz respeito à construção de um fluxo contínuo de “valor” desde a fonte de suprimento
até as mãos do cliente final. Na prática, o que se propõe aqui é “revolucionar” o sistema para
implementar a ideia de um sistema de produção completamente articulado com a estratégia
competitiva, um sistema capaz de pôr na mão do cliente exatamente o que ele deseja, na hora e no
local que ele espera, embora o desejo dele tenda a ser cada vez mais específico, caminhando na
direção da variedade.
Embora simples de enunciar, essa transição para o fluxo contínuo de valor normalmente
encontra grandes obstáculos. E o que torna tudo mais difícil: os obstáculos aqui não são
necessariamente erros ou tolices; ao contrário, podem ser conceitos, práticas e modos de fazer
muito enraizados e, de algum modo, racionalmente defensáveis.
Referimo-nos aqui, por exemplo, aos lotes econômicos e às especializações. Veja: mesmo que
você não esteja familiarizado com esses conceitos, você possivelmente os pratica cotidianamente,
pois são ideias muito disseminadas.

67
O que é o lote econômico? É a tentativa de compensar ou reduzir o custo ou o esforço que
você teria se fosse fazer algo um por vez. A compensação mencionada seria obtida pela decisão de
fazer logo vários de uma vez. Por exemplo: dá trabalho trazer de um em um, então trago logo uma
certa quantidade, economizando transporte; é custoso comprar só uma unidade, então compro
logo um lote, aproveitando o desconto; dá trabalho preparar a máquina para fazer certo produto,
então quando vou fazê-lo faço logo vários de uma vez, evitando tempos de máquina parada.
Existe mesmo uma ciência para o cálculo de qual seria a quantidade mais indicada em cada uma
dessa situações. Enunciando de forma simples, esse cálculo é tal que busca equilibrar a economia
trazida pelo lote com o custo de manter em estoque materiais que só vão ser usados mais tarde.
Voltaremos a esse ponto em seguida, no módulo 5.
Como o nome bem diz, a essência do lote econômico é exatamente o interesse racional em
minimizar os custos. Mas é exatamente aí que mora o “perigo”. O aspecto “revolucionário”
trazido à discussão pelo Pensamento Lean é que, ao alterar o ponto de análise, isto é, ao tomar o
cliente como o árbitro do que de fato é valor (em lugar de tomarmos como referência quem presta
o serviço), nossa racionalidade não fica tão racional assim.
Tome nota: o lote é quase sempre uma estratégia a serviço do aproveitamento racional do
ativo; ele dificilmente está lá pelo interesse direto do cliente – ao contrário: ele submete o cliente a
uma lentidão de processamento que ele não deseja. Pense em você como um passageiro saindo do
trabalho e querendo ir para a casa. Abstraia-se do preço do serviço e pense apenas no valor
proporcionado a você. O que é melhor: um táxi (ou uma carona) que te pega na porta do
trabalho e te deixa em casa ou um ônibus que seguirá um roteiro intervalado e não
necessariamente direto entre os dois extremos de sua viagem? Ora, é meio óbvio, não é? O ônibus
serve a seu interesse, mas também ao dos demais passageiros. Você tem de caminhar até o ponto
para pegá-lo e, talvez, depois ainda tenha de caminhar até sua casa, já que provavelmente o ponto
não é em frente a seu local de residência. Ele fará paradas intermediárias e dará voltas que não te
interessam. Já no táxi, o prestador do serviço está integralmente concentrado em te atender.
Baseados nas premissas do Pensamento Lean, deveríamos reestruturar o fluxo de nosso
sistema de produção e serviços na direção do lote unitário. É claro que haverá um milhão de
argumentos racionais que vão se interpor e obstaculizar esse intento, pois como mencionamos não
é à toa que estabelecemos a produção em lotes. Para avançar na direção proposta pelo Lean você
precisará de duas coisas. A primeira é acreditar no virtuosismo do conceito, compreender bem
como e porque essa mudança lhe traria claras vantagens competitivas sobre seus concorrentes.
Segundo, você precisará refazer a formulação de algumas questões a que você está habituado
a responder. Isto é, se você se perguntar: como fazer para processar uma variedade de produtos se
para preparar a máquina para um certo produto isso nos toma 1 hora? A resposta sempre será:
quando ela estiver preparada, faça logo vários desses produtos. Sempre que você fizer essa
pergunta você chegará a essa mesma resposta, pois você é um pessoa sensata e racional. Mas, se
você crê que a resposta certa para enfrentar o mundo competitivo é fazer aquilo que o cliente quer
na hora (e só na hora) que ele quer, então a pergunta que você tem de se fazer é outra. Pode ser:

68
como fazer para que a preparação da máquina não demore uma hora? Será que é possível inventar
uma forma de trocar de X para Y sem paralisar a máquina?
Compare a imagem da figura 13 com a da figura 11, anteriormente apresentada. Observe
que nesse cenário ideal que representa a proposta Lean, o fluxo é contínuo, o sistema de produção
está fazendo tudo todo o tempo: X, Y e Z. Certamente, para tanto há que se dar um jeito de não
perder tempo com a troca de produto. Porém, veja que, sendo isso possível, essa forma contínua
de produção produz vantagens competitivas relevantes relacionadas à redução de custos, à maior
rapidez e à melhor qualidade – além de produzir uma cadência e uma constância que nos trarão
muita simplificação para planejar e controlar.

Figura 13 – Fluxo contínuo para garantir eficácia no atendimento da demanda

69
Por que nos traria menor custo? Porque se X, Y e Z são feitos o tempo todo, não é
necessário fazê-los de véspera; reduz-se fortemente a necessidade de estoques, o que alivia o
sistema de todas aquelas despesas que mencionamos, relativas ao carregamento de estoques.
Por que maior rapidez de resposta? Ora, o tempo de resposta a um cliente não é o tempo de
fazer seu serviço apenas. Deve-se considerar também, adicionalmente, o tempo de espera que decorre
entre o pedido do cliente ser colocado e o sistema iniciar sua produção. Observe que, se faço
determinado produto em um único lote, uma única vez no mês, então o tempo de resposta pode ser
dessa magnitude (1 mês), mesmo que o produto ou serviço demore só um minuto para ser feito. Se
fazemos todos os produtos de forma contínua, o intervalo entre acionamentos de um mesmo produto
tende a ser pequeno, o que cria a oportunidade de um tempo de resposta imediato.
Por que melhor qualidade? Como o fluxo contínuo poderia contribuir para esse aspecto? Os
proponentes do Lean mencionam três alegações nesse aspecto. Primeiro: com lotes pequenos
multiplica-se o feedback, potencializando-se assim o ciclo virtuoso da melhoria, o famoso PDCA
(planejar, executar, apontar, agir corretivamente). Isso ocorre porque com a liberação constante
de pequenos lotes temos automaticamente o feedback constante do cliente interno do processo.
Se algo segue em frente e está com problemas, o aviso se dá antes que o erro se propague. Já na
produção em lotes, se o lote é de 1.000 unidades e o primeiro sai errado, pode ser que os outros
999 reproduzam o mesmo problema antes que a causa-raiz seja detectada.
Uma segunda argumentação que associa melhoria da qualidade ao fluxo contínuo reside no fato
de que tal conceito pressupõe necessariamente – para que seja viabilizado economicamente – um
esforço grande e continuado na direção de menores e melhores tempos de troca entre produtos.
Esse é um aspecto quase paradoxal, pois, de fato, a troca do produto ou serviço (em inglês,
set-up) que está sendo feito é certamente um momento de disrupção no andamento de uma
produção, o que poderia sugerir que deveríamos sempre que possível evitá-lo (o que nesse caso
seria uma argumentação favorável à produção em lotes). Os proponentes do Lean argumentam,
entretanto, que o que traz problemas à produção é a qualidade de um set-up, e não a quantidade
deles. Mencionam que em geral quanto mais rápido um set-up, melhor ele é, pois até tornar-se
rápido certamente terá passado por sucessivos ciclos de melhoria, retirando-se dele tudo o que
poderia ser retirado e padronizando-se as atividades que permanecessem. Veja, por exemplo, a
troca de pneus da Fórmula 1. Eles trocam os quatro pneus em menos de três segundos e, se
fizerem mil trocas, provavelmente terão desempenho e qualidade melhor que eu ao trocar os
pneus de meu carro apenas uma vez.
A terceira argumentação usada para defender que a qualidade melhore com a produção em
fluxo contínuo é a avaliação de que a cadência de trabalho garante ao operador a consolidação
estável de seu aprendizado (já que o trabalho variado se repete indefinidamente). Em oposição,
na produção em lotes, embora para o operador seja mais fácil produzir um certo e único produto
repetidas vezes em sequência (por exemplo o X da figura) do que os três produtos todo o tempo
(na figura o X, o Y e o Z), essa vantagem se perde pela instabilidade no aprendizado que recua a

70
cada ciclo, a cada vez que a produção de certo produto se inicia. Mais especificamente: se você faz
X no início de um mês e só volta a fazê-lo no outro mês, o aprendizado que havia sido acumulado
no primeiro momento tende a se perder nesse intervalo de tempo entre as produções consecutivas
desse produto.

Estabelecendo o fluxo puxado e nivelado


Supondo que tenha sido possível transformar o sistema de produção nos termos
mencionados nas seções anteriores e, dessa forma, tendo sido alcançada a produção em fluxo
contínuo, o próximo passo na construção Lean diz respeito a instaurar adicionalmente a lógica de
acionamento puxado com produção nivelada.
Que ideia exatamente é considerada aqui e por quê?
Bem, do conceito de produção puxada, tratamos já no módulo anterior. Recordemo-lo!
Trata-se de acionar um processo em correspondência direta à necessidade imediata de seu cliente.
A questão que surge é: como fazer isso se há em pauta uma gama de ordens de produção
concorrendo por atendimento – cada uma com a sua especificidade?
Reexamine a figura 12 apresentada algumas páginas atrás. Considere que as quantidades
previstas de produção de X, Y e Z ali descritas derivem de uma previsão de vendas. Veja como a
estratégia de produção em lotes é pouco flexível. Se, por exemplo, já na altura do dia 20 do mês o
comercial liga para a produção e diz: “nossa previsão estava certa no que toca a quantidade total
de produtos, de fato vendemos 8.400 produtos esse mês; porém, teremos que ajustar o mix, pois
na verdade precisamos de 1.300 Zs (em lugar dos 1.200 previstos) e de apenas 4.700 Xs (em lugar
dos 4.800 previstos)”.
Veja: o volume global previsto por Vendas sequer mudou, continuou a ser 8.400 itens no
mês. Mas seria muito chato, não é? Por quê? Porque não seria possível atender à mudança do
mix. Com efeito, se essa notícia chegar no fim da terceira semana do mês (veja figura 12), a
produção já terá feito os 4.800 Xs, gerando-se assim um desperdício de 100 feitos a mais que o
necessário. E pior: não haverá tempo para produzir os 1.300 Zs ora demandados, pois a
capacidade do sistema terá sido desperdiçada com o produto errado.
A produção em fluxo contínuo abre, entretanto, uma perspectiva nova da flexibilidade.
Imagine que, em vez de trabalhar com os volumes propostos pela área comercial, você traduzisse a
previsão em “ritmos” de produção desejado. Ora, fazer 4.800 Xs, 2.400 Ys e 1.200 Zs é, na
verdade, fazer um Z para cada dois Ys e dois Ys para cada quatro Xs. Admitindo como premissa
que desenvolvemos uma célula capaz de trocar agilmente de X para Y ou para Z, então
poderíamos produzir uma sequência de sete produtos, mantendo a proporção acenada por Vendas
(por exemplo: X Y X Z X Y X), repetindo-a ao longo de toda a jornada de trabalho.

71
Se a previsão de vendas se confirmasse os volumes desejados estariam lá, prontos ao fim da
jornada; e, caso houvesse alteração no mix, seria só o caso de ajustar as proporções dessa sequência
mínima. Percebe? Nossa exposição ao futuro desconhecido estaria restrita a um horizonte de
apenas sete serviços, e, a cada fim desse ciclo, teríamos a chance de ajustar o ritmo.
De forma simplificada, o raciocínio acima é o conceito de produção nivelada do Lean. Se
trabalharmos em fluxo contínuo e com esse arranjo nivelado, dotaremos o sistema de grande
flexibilidade para ajustar-se ao mix de venda.
Nossos tempos valorizam muito a palavra proativo, mas um sistema ágil e capaz de reagir
rapidamente às mudanças de demandas é o que “humildemente” busca o Lean, com sua proposta
de fluxo contínuo e puxado – uma proposta de simplicidade para um mundo complexo.

Mobilizando as equipes para a melhoria contínua


Embora trate de ideias simples, o Pensamento Enxuto de fato altera paradigmas e
racionalidades muito consolidadas. Trata-se de uma proposta de mudança cultural, e é preciso
estar atento aos desafios subjacentes à simples implantação das ferramentas Lean. Há muitas
questões humanas envolvidas e, não à toa, quando se fala no Lean é importante valorar os
instrumentos de mobilização e empoderamento de equipes propostos nesse contexto.
Para entender a relevância dessa questão no contexto do Pensamento Enxuto, analise a figura
14. Ela é bem simples. Imagine um processo que tenha uma expectativa de produção conforme
representado pela linha diagonal principal a 45 graus do eixo x.

Figura 14 – O impacto da resposta rápida aos problemas

72
Com o passar do tempo, esperava-se que a produção fosse se acumulando em certo ritmo.
Imagine agora que na primeira hora do turno houve um problema, algo simples, um
procedimento de regulagem não cumprido, um material não providenciado, uma queda de
energia, um operador que se atrasou… Em face da essa ocorrência, imagine que o sistema
começou a trabalhar em marcha degradada, rendendo menos que o esperado, como representado
pela linha diagonal a 30 graus do eixo x. Ora, se a solução do problema não for providenciada
imediatamente, a perda global de produção ao fim do turno será grande (indicada pela
quantidade correspondente à distância vertical entre a reta que representa o objetivo e a linha
paralela inferior). Se por outro o problema for rapidamente sanado, a perda global será bem
menor, como expressa a distância vertical entre a reta que representa o objetivo e imediatamente
paralela a ela.
É uma constatação óbvia: o resultado global do sistema é diretamente proporcional à
velocidade de reação aos problemas! O que não é óbvio é por que na maioria das organizações
concentramos a responsabilidade pela solução de problemas em poucas pessoas e tratamos a
grande maioria dos colaboradores como mera “mão de obra” (em lugar de “cabeças capazes de
pensar e agir”).
Segundo estudos realizados em empresas de produção repetitiva, cerca de 80% dos
problemas que ocorrem diariamente em uma organização e causam algum transtorno no
rendimento da produção referem-se a procedimentos não cumpridos; isto é, são problemas cujas
soluções são conhecidas e que não foram usadas na hora em que deveriam ter sido.
Agora suponha, por exemplo, uma empresa que tenham 600 colaboradores. Digamos que
haja nessa empresa cerca de 30 gerentes e técnicos em áreas de suporte, como manutenção e
qualidade, e que a equipe de direção reúna ainda cinco dirigentes de alto escalão. Imagine que
você tem 600 pequenos problemas em média todos os dias, atrapalhando seu desempenho. Quem
tem mais condição de resolver rápido seus 600 problemas cotidianos? Os cinco diretores, os 30
técnicos ou os 600 colaboradores de linha de frente? Fácil, não é?
Se os colaboradores tivessem mais autonomia e estivessem motivados, se se sentissem
“gerentes” de seu perímetro de atuação e instrumentados para tal, se tivessem em seus postos de
trabalho claramente identificados os padrões e especificações que deveriam seguir e as metas que
deveriam atingir, se os planos de reação aos eventuais erros estivessem previamente mapeados e
afixados pela gerência no posto de trabalho, possivelmente teríamos um sistema vivo e altamente
dinâmico, com as pequenas questões sendo rapidamente encaminhadas. E talvez ainda sobrasse
mais tempo para que os gerentes e técnicos se concentrassem nos outros 20% de problemas mais
complexos, que talvez demandem mais expertise e tempo para serem resolvidos.
Por essa razão – e também porque em um processo de mudança cultural os valores precisam
ser claramente enunciados e propostos pela liderança, em um alinhamento de cima para baixo,
mas desenvolvidos de “baixo para cima”, para que verdadeiramente se disseminem – o

73
Pensamento Lean dá muita ênfase a coisas que muitas vezes não valoramos apropriadamente ou
consideramos secundárias.
Referimo-nos aqui à gestão do cotidiano, que tende a ser muito bem estruturada em uma
empresa Lean. Isto é: (i) indicadores bem balanceados que cobrem as várias dimensões citadas no
módulo 2 e que se desdobram, de forma coerente e orgânica, desde a alta direção até o nível do
processo; e (ii) práticas gerenciais e de reuniões, também rotineiras e padronizadas, envolvendo
todos os colaboradores todos os dias.
Por exemplo, é comum todo dia no início da jornada o chefe da área circular pela oficina,
sempre seguindo o mesmo roteiro e verificando as mesmas coisas, como que em um giro
intencional que, por ser pré-conhecido e regular, acaba gerando calma e confiança. Também é
comum vermos o chefe logo, após esse giro, reunir pequenos grupos em rápidas reuniões para
definir qual a prioridade da hora – isso tudo ocorrendo antes de qualquer reunião transversal ou
gerencial, que nas empresas Lean tendem a ser agendadas para a tarde ou para depois dessa coleta
primeira de informações sobre o andamento real da produção.
Essa proposta de empoderamento dos colaboradores – que visa a seu engajamento na
solução de problemas, bem como ao aperfeiçoamento contínuo do sistema – é também
estimulada por diversos instrumentos gerenciais conceitualmente articulados. Exemplos
relevantes são: os murais de divulgação dos sete desperdícios e dos 5S, a Gestão visual, o Kaizen4,
o SMED5, os Poka-yokes6, o A3, os Programas de sugestões para eliminação ou redução de
Muda7, Muri8, Mura9, as Ferramentas da qualidade, a Qualidade na fonte, o Soikofu10, o
Heijunka11, o Kanban12, o Balanceamento de Células, o Mapeamento do fluxo de valor, o TPM13,
o Jidoka14, entre várias outras ferramentas, conceitos e metodologias.
Havendo interesse, sugerimos que você faça uma pesquisa sobre cada um desses termos.
Você verá que algo une todos esses conceitos: são coisas simples, práticas, fáceis de comunicar,
acessíveis ao manejo de um trabalhador comum.

4
Kaizen: melhoria contínua.
5
SMED: single minute exchange of die, diz respeito à troca rápida de ferramentas.
6
Poka-yoke: dispositivos para prevenir erros.
7
Muda: desperdício.
8
Muri: sobrecarga.
9
Mura: variação.
10
Soikofu: descontentamento criativo.
11
Heijunka: produção nivelada.
12
Kanban: sinal entre o que o cliente interno dá ao supridor para iniciar reposição.
13
TPM: Total productive maintenance.
14
Jidoka: célula de trabalho semiautônoma, com capacidade de resolver os próprios problemas.

74
O Jidoka e a célula
Destacamos aqui para nossa análise mais detida os conceitos de Jidoka e de Célula, cuja
concepção dialoga claramente com o tema em pauta: aprimoramento contínuo. Jidoka é um
termo japonês que se refere a um processo semiautônomo, capaz de tomar decisões de correção de
rumo por si mesmo. Aplica-se tanto à máquina quanto ao posto de trabalho. Célula, por seu
turno, para o Lean é como uma minilinha de produção em que o operador assume a
responsabilidade por um conjunto de tarefas maior do que assumiria em uma linha de produção
tradicional. A célula é um formato de execução bastante relevante e adequado para a proposta
Lean, pois se articula com perfeição com todos os aspectos filosóficos em pauta. Vejamos isso
com mais detalhe. Examine a figura 15.

Figura 15 – Uma gama de produtos processados por uma linha única

Na figura 15, 12 diferentes produtos (de A a M) são feitos em um processo no qual oito (de
I a VIII) operações são feitas em sequência em uma linha de produção tradicional. Ora, como já
discutimos, se operarmos em lotes, quando estivermos processando A não estaremos fazendo os
demais de B a M; portanto, teremos que ter estoques de todos esses produtos. Se por outro lado
resolvermos trabalhar em fluxo contínuo puxado e de forma nivelada talvez encontremos alguma
dificuldade, pois, para tal variedade de produtos, será difícil encontrar um procedimento de
preparação de máquina eficiente, capaz de minimizar o gasto de tempo com set-ups para a troca de
um modelo por outro. Nessa hipótese, contemplar tal variedade de produtos na mesma linha
pode ser um erro, já que de fato a eficiência será baixa.

75
Como então utilizar a filosofia em um contexto como esse? A proposta é “dividir para
conquistar”. Isto é: transformar esse “continente” complexo em um “arquipélago”, um conjunto de
pequenas ilhas semiautônomas, cada qual responsável por uma família de produtos. Sim, a variedade
exigida pelos mercados cada vez mais pressiona os sistemas de produção e serviços; porém, dentro da
gama de bens ou serviços produzidos, é provável que se encontrem semelhanças entre alguns deles, do
ponto de vista de como são feitos. Então, a proposta é: examine os produtos que você faz e agrupe-os
em subconjuntos, por semelhança de processo (roteiro e tempos). Muitas vezes os produtos diferem
pelos materiais ou ingredientes que usam, mas o processo básico é semelhante.
O passo seguinte é desenvolver pequenas linhas dedicadas para a produção dessas famílias,
idealmente uma célula para cada família. Nessas linhas, tudo é planejado para que o produto seja
produzido em fluxo contínuo, de forma puxada e nivelada. Como os produtos feitos na célula
têm processos semelhantes, pode-se mais facilmente encontrar soluções de set-up rápido.
A figura 16 apresenta, a título de exemplo, como os oito recursos poderiam ser rearranjados
em células para a fabricação em fluxo contínuo, puxada e nivelada dos 12 produtos citados.

Figura 16 – Uma gama de produtos processados em quatro células

Observe que os produtos foram classificados em famílias, em função da similaridade entre


seus processos de fabricação. Em seguida, esses recursos foram divididos em grupos, e a cada
grupo restou dedicar-se à produção de uma família de produtos semelhantes. A semelhança entre
os produtos viabiliza a troca rápida entre modelos, em favor do fluxo contínuo puxado e nivelado.

76
Note que uma célula pode ter um produto com muita demanda ou vários produtos
semelhantes com pouca demanda, ou mesmo um misto dessas situações. O número de operadores
ou recursos alocados em cada célula é feito em correspondência a esse volume agregado de
produção que a célula terá de produzir em certa jornada de trabalho.
Outra consideração importante é observar que o conteúdo de trabalho atribuído a cada
recurso individualmente tende a crescer bastante nesse arranjo celular. Na figura 15, cada
operador ou recurso (entre os oito ali representados) era responsável por 1/8 da fabricação de cada
produto que passava na linha. Já no arranjo em célula da figura 16, os operadores I, II e III, por
exemplo, responsabilizam-se por 1/3 do produto; e o operador VIII chega a incumbir-se de
produzir todas as tarefas relativas ao produto M.
Temos aqui, pois, mais um paradigma a ser questionado. É bem internalizada em nós a
ideia de que uma tarefa especializada e fácil será feita de forma muito produtiva. Entretanto, o
arranjo de célula alarga o conteúdo de trabalho do operador. Teria esse requisito por polivalência
uma implicação negativa para a produtividade?
O que se vê em empresas que caminham na direção do Lean é que a mudança para o
arranjo celular – passado o momento inicial de adaptação – frequentemente traz bons resultados,
e isso ocorre por dois motivos.
Primeiro porque, embora se considere um conteúdo de trabalho maior, de forma alguma
fala-se em adotar um método artesanal ou despadronizado – ao contrário: o trabalho padronizado
faz parte das fundações da construção Lean. O que se faz aqui é simplesmente formatar de modo
padronizado um ciclo de trabalho maior, que será também repetido continuamente.
Segundo porque um ser humano não é uma máquina. Eventuais perdas de eficiência
podem ser mais que compensadas pela motivação advinda do operador ao deixar de lado um
trabalho muito fragmentado (como tipicamente a ele é alocado em uma linha de montagem
tradicional) e receber como incumbência a tarefa de montar todo um produto ou uma parte
significativa dele. Veja que o jovem trabalhador do século XXI tem interfaces mentais bastante
diferentes do jovem do início do século XX, o que faz crer que novas estratégias de motivação
sejam pertinentes.

Conclusão do módulo
O Lean costuma ser apresentado a partir da imagem de uma construção, como mostra a
figura 17. Nessa metáfora, a “construção Lean” é erigida a partir de algumas fundações, e sobre
elas estruturam-se duas colunas, quais sejam: a coluna JUST_IN_TIME, que reúne técnicas
como Mapeamento do Fluxo de Valor, Projeto e Balanceamento de Célula, Kanban, entre outras
voltadas à instauração de um fluxo contínuo de valor ao longo da cadeia de processos; a coluna
JIDOKA, que se estrutura a partir de práticas gerenciais voltadas para resposta rápida aos

77
problemas e para o empoderamento das equipes. Listam-se aí, como os “tijolos” dessa segunda
coluna, ferramentas como, por exemplo, Kaizen, A3, Programa das Sugestões, Gestão Cotidiana
da Performance e Ferramentas das Qualidade.
As Fundações revelam crenças que referenciam a abordagem Lean e revelam seu berço e
proposta original, qual seja: uma ferramenta para gerar vantagens competitivas na produção em
massa, cada vez mais pressionada pela variedade imposta pelos mercados.

Figura 17 – A construção Lean

Nesse sentido, a proposta Lean se estabelece valorizando como um de seus fundamentos o


trabalho padronizado. Embora este seja na verdade o principal pilar da produção em massa
tradicional, aqui ele é proposto simultaneamente (esse é o aspecto revolucionário implícito no
Lean) com a visão de que os processos têm que se reestruturar para atender rapidamente à
variedade de demanda trazida pelos mercados, a partir do conceito de produção nivelada.
Adicionalmente, é explicitada também como um fundamento do Lean a cultura do
aprimoramento contínuo, à qual se associa um esforço de empoderamento das equipes e de
delegação de forma a fazer com que a solução de problemas se torne um processo ágil e
protagonizado pelas equipes de linha de frente.
Embora proponha uma pauta muito contemporânea e registrando já muitos relatos de
sucesso, o Pensamento Lean não deve ser tomado como uma panaceia, o remédio que cura todos
os males. Há condições favoráveis para a implantação do Lean e há situações contraindicadas.
A ideia de um fluxo contínuo e nivelado, por exemplo, pressupõe certa estabilidade e certa
previsibilidade da demanda. Para viabilizar a agilidade pretendida no fluxo de produção, é
importante também que os tempos de reposição entre os estágios da cadeia produtiva sejam

78
pequenos. É preciso ainda que a variedade em pauta não seja explosiva e possa ser categorizada em
famílias, com recursos relativamente dedicados a células ou pequenas linhas. Se essas condições
não puderem ser preenchidas, a implantação do Lean é certamente dificultada.
Certamente é mais fácil pensar em ajustar a capacidade no formato Lean quando a
capacidade é mais maleável, mais leve. Por exemplo, se o processo é manual e só envolve pessoas, é
muito mais fácil reorganizá-lo em células autônomas, voltadas a atender ágil e integralmente os
clientes, sem maior custo. Se máquinas caras estiverem envolvidas, claro que a divisão de uma
linha em várias células pode implicar custos adicionais (se todas as células precisarem ter, por
exemplo, uma máquina dessas).
Ainda que as condições objetivas não sejam favoráveis, porém, isso não quer dizer que o
Pensamento Lean não possa inspirar a gestão a “inclinar-se” nessa direção. Isto é, se o tempo para
preparar uma máquina leva 10 horas, reduzir isso para um minuto talvez seja impossível, mas
qualquer redução que você conseguir nisso talvez viabilize economicamente também o trabalho
com um lote menor, tornando seu sistema mais veloz, mais flexível, etc.
Também a discussão humana quanto ao novo papel da liderança e quanto ao
empoderamento das equipes pode certamente ser aproveitada em qualquer contexto, ainda que a
estabilização do fluxo em um formato contínuo não possa ser alcançada.
Um último ponto: embora em muitos sistemas, como vimos, haja questões de fato
dificultadoras para pensar Lean, há também muitos outros sistemas em que as dificuldades são
apenas mentais. Na prestação de serviços, em repartições públicas, clínicas médicas, por exemplo,
há inúmeras situações em que somos submetidos a filas porque os fluxos estão simplesmente mal
organizados e o gerente é incapaz de olhar a cena com os olhos do cliente. Há situações em que
processos irrelevantes do ponto de vista de custo são aceitos como gargalos, quando poderiam ser
facilmente revertidos.
Pense, por exemplo, na quantidade de vezes que, em um restaurante, para realizar o
pagamento você espera um tempo maior do que seria razoável. Por que isso acontece? Porque há
apenas um funcionário fazendo o caixa (em um mundo no qual as máquinas de cartão de crédito
estão amplamente disseminadas e poderiam estar facilmente disponíveis).
Pesquise na memória e veja quantas vezes você esteve diante de pequenos problemas cujas
soluções eram simples – além de não oferecerem nenhum custo adicional para o provedor do
serviço e serem capazes de deixar você feliz, como cliente –, mas foram negadas simplesmente
porque a pessoa que estava interagindo com você não se sentia com autoridade para fazer o óbvio.
Pense no Caso Roda-Viva, apresentado no Módulo 2, e reflita sobre como poderia ser
impactante (e barato) se a gestão dos serviços que estão à nossa volta focasse o fluxo de valor e
desenvolvesse equipes empoderadas e capazes de resolver pequenos problemas como propõe o Lean.

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MÓDULO V – AS OPERAÇÕES COMO UMA
REDE INTEGRADA DE GESTÃO

As discussões que fizemos nos módulos anteriores são facilmente visualizáveis quando o
perímetro de análise é o de um único empreendimento comercial, de um setor produtivo ou
mesmo de uma corporação. Porém, as ideias e os conceitos da Teoria das Restrições e do
Pensamento Enxuto debatidos permanecem totalmente válidos também diante de contextos mais
amplos, quando abrimos o leque para alcançar os processos de toda cadeia, incluindo as atividades
dos fornecedores e dos clientes. Quando pensamos a rede de suprimentos de modo assim tão
abrangente, algumas questões novas vêm à tona, ou ao menos tornam-se mais relevantes.
Normalmente, os gestores têm um perímetro de responsabilidade ligado aos “elos”
individuais da cadeia enquanto as “ligações” tendem a ser tratadas subsidiariamente. A tendência é
que os gestores priorizem a excelência dos processos core sob a sua responsabilidade, pelos quais
são avaliados. Em consequência, há uma tendência natural para delegar a autoridade ou mesmo
terceirizar os aspectos teoricamente menos relevantes.
O foco nas atividades centrais do negócio é uma boa causa, mas a delegação coloca pressão
sobre a integração dos processos secundários, feitos mais e mais por terceiros no mundo de hoje.
Isso significa que as “ligações” precisam ser mais bem gerenciadas para que as eficiências locais
conquistadas por melhorias de processo não fiquem obstaculizadas por um mau gerenciamento da
ligação com o elo seguinte ou com o anterior.
Essa necessidade de integração é uma ideia chave quando pensamos a ideia da Gestão
integrada da rede de suprimentos. Ela presume percepções e iniciativas de natureza
cultura/comportamental, relacionadas, por exemplo, à importância que damos às relações de
parceria; aspectos conceituais, relacionados, por exemplo, ao posicionamento de estoques na rede
a partir da compreensão dos tipos e razões para se ter estoques; questões tecnológicas,
relacionadas, por exemplo, às possibilidades ligadas a inovação tecnológica em produtos, processos
e gestão.
A metáfora do desfile do samba
Há muitas coisas espetaculares em um desfile de Escola de Samba – as fantasias, a música e
a cenografia, por exemplo, estão entre elas. Além desses aspectos mais visíveis, é impressionante
também o trabalho humano e de coordenação que acontece na retaguarda. É surpreendente
porque, nessas equipes, misturam-se não só profissionais de inúmeras especialidades, mas também
uma legião de colaboradores amadores, passistas da comunidade, turistas que compraram
fantasias, além simpatizantes de vários cantos da cidade. E, entretanto, apesar de tal diversidade,
na hora do desfile, estão lá, disciplinadamente, formadas em alas, as milhares de pessoas.
Por mais plástico que seja o cortejo, entretanto, do ponto de vista da competição com as
outras Escolas, o ritmo perfeito da bateria, um samba melódico, os carros alegóricos supercriativos
e as fantasias luxuosas podem não ser suficientes para a vitória; falhas pontuais – como, por
exemplo, um pequeno vacilo do mestre-sala ou da porta-bandeira diante do júri, ou um buraco
instantâneo na evolução, ou um atraso no tempo total do cortejo – podem derrotar todo o
trabalho. Se uma ala andar bem, mas a outra ficar para trás, a harmonia perde pontos, e o esforço
de todos vai por água abaixo. No supercompetitivo certame carnavalesco do Rio de Janeiro, por
exemplo, qualquer falta ou excesso, em qualquer das alas da “cadeia produtiva do desfile”, pode
levar a Escola à derrota, por conta da perda de décimos na apuração.
Apesar dos riscos e de sua complexidade, os desfiles, em sua maioria, transcorrem
magicamente, respeitando o tempo certo, com qualidade e sem atrasos. Aparentemente, a coesão e
a solidariedade que se veem entre os participantes da Escola decorrem da existência subjetiva de
um valor global que sensibiliza a todos, como se intuitivamente estivessem conectados e
inspirados em torno de um claro propósito comum. Essa imagem do grande desfile vencedor
dialoga com a ideia de uma rede de suprimentos gerenciada de forma virtuosa.
A analogia é simples: assim como no desfile, o resultado final é o produto do esforço
harmônico de todos, em uma rede de suprimentos; esforços de diferentes naturezas precisam se
dar também de forma harmoniosa e coerente para a entrega de um valor final competitivo e
lucrativo. O virtuosismo isolado da gestão de cada elo da cadeia será uma miragem se o elo
seguinte ou o anterior estiver desalinhado. A diferença é que, na passarela, perde-se o título do
carnaval; no empreendimento comercial, perdem-se a venda e o dinheiro.

A fonte do valor global


Em uma cadeia de valor, a geração de “dinheiro novo” ocorre na ponta de venda do
produto ao consumidor final. Todas as vendas e compras entre os elos intermediários da cadeia
são, na verdade, trocas e repartições do ganho auferido na ponta. Se, na hora da venda ao
consumidor final, o produto ou serviço não apresentar vantagens comparativas em relação aos

82
concorrentes, a venda se perde e toda a cadeia de suprimentos empobrece, não apenas a loja.
Ainda que um dos elos da cadeia tenha mais poder de barganha sobre os outros e consiga manter
sua lucratividade momentânea, diante do “empobrecimento” global da cadeia esse ganho local
não será sustentável.
O ponto aqui é: o custo unitário de um produto ou serviço entregue por uma rede de
suprimentos é o resultado da soma de todos os custos de todos os elos dividido pela quantidade
final comercializada na ponta de venda. Se esse custo unitário não for competitivo, a entrada de
dinheiro externo “secará”, pois o concorrente ficará com a riqueza.
Algo semelhante ocorre também com a dimensão tempo. Todos nós (os clientes) andamos sem
tempo nesse mundo contemporâneo conturbado. Se o tempo que o produto leva para chegar ao
cliente, ao longo da rede de suprimento, é maior que aquele oferecido pelo concorrente, é grande a
chance de até mesmo o mais fiel cliente não esperar. E note que esse tempo, como o custo, é como o
tempo do desfile de carnaval: precisa da harmonia entre as alas para ser cumprido.
Pense na qualidade! Tampouco é diferente, não é? O virtuosismo nesses diferenciais
competitivos oriundos da operação – fazer certo, fazer barato, fazer rápido, fazer pontual, ser
confiável e flexível – são na verdade uma construção coletiva, e a excelência está na harmonia e no
fluxo contínuo entre os elos. Se a qualidade não tem vantagem comparativa ou se a entrega é
cara, lenta, impontual ou inflexível, quem leva o “título para casa” é o concorrente.

As parcerias e as relações ganha-ganha


Vimos que, muitas vezes, ganhos auferidos por um elo da cadeia podem significar prejuízos,
lentidão, turbulência, rigidez ou má qualidade na performance do elo que o antecede (o
fornecedor interno) ou que o sucede (seu cliente interno). Se isso acontecer – e o impacto global
não for consistentemente avaliado –, esses “ótimos locais” podem se tornar “armadilhas” ou
mesmo “miragens” para a competitividade e a lucratividade de todos.
Desperdícios, duplicação de esforços ou lentidão fragilizam a posição competitiva do produto
final em relação a de seus concorrentes. Se um fornecedor teme seu cliente ou se o cliente não confia
em seu fornecedor, provavelmente ambos farão testes de qualidade e manterão estoques para se
proteger um do outro (ainda que por razões diametralmente opostas). Quem pagará por isso? Em
última análise, será a posição competitiva do produto na ponta de venda da cadeia.
A conclusão um tanto óbvia – embora frequentemente desconsiderada – é que, se formos
capazes de desenvolver relações estáveis de parceria, grandes economias e simplificações serão
produzidas. Desconfiar custa caro, tem como consequência a criação de controles diários e
constantes. Construir confiança pode dar trabalho e eventualmente requerer algum investimento,
mas, quando ela é alcançada em uma relação de parceria, você se exime para sempre das despesas
relacionadas ao controle.

83
Suponha, por exemplo, que uma empresa precise comprar certo produto todo mês.
Compare os dois possíveis comportamentos descritos a seguir.
Primeiro: a cada mês a área de compras da empresa X faz uma concorrência, em que se
escolhe o menor preço. Suponha que em janeiro o fornecedor A vence, e o B e o C perdem. Em
fevereiro, querendo virar o jogo, o fornecedor B baixa seu preço e vence. Em março é a vez do
fornecedor C correr atrás do prejuízo e baixar seu preço mais ainda para vencer. E por aí segue a
empresa X, em tese, ganhando dinheiro com a economia de compra. Mas será mesmo?
Como não há mágica no mundo de negócios, é possível que a partir de certo instante esse
processo em lugar de corresponder a ganhos de eficiência passe a corresponder a perdas de
qualidade ou tempo. E quando isso acontece, aquilo que era para ser uma economia de compras
acaba virando perda de faturamento, problemas de qualidade, atrasos na entrega, máquinas
paradas por falta do material certo na hora certa.
Qual seria a alternativa? Bem, imagine que em vez de a empresa X fazer uma concorrência a
cada mês, incentivando os possíveis fornecedores a uma luta fratricida, ela fizesse apenas uma
concorrência, não para uma compra, mas para escolher um ou poucos parceiros. E se, por exemplo,
em vez de buscar o ganho local de uma compra com abatimento, ela buscasse o ganho global da
estabilidade e confiança? Como fazer isso? Oferecendo ao fornecedor parceiro um volume de compras
estável e previsível. Possivelmente assim, em uma lógica de confiança ganha–ganha, seria possível
reduzir estoques, duplicidades, antecipações desnecessárias. Além disso, em um ambiente de
estabilidade, o aprimoramento encontraria espaço para ocorrer de forma continuada.

Estoques: por que tê-los e por que não os ter


Já analisamos a proposta da Teoria de Restrições para a inserção de estoques na rede.
Vimos no Módulo 3: (a) pulmões de proteção da capacidade do gargalo; e (b) pulmões que
protegem as confluências de fluxo após o gargalo. Respectivamente, esses estoques ou antecipações
teriam como objetivos: (a) garantir a operação do gargalo em sua máxima capacidade,
maximizando assim o faturamento; e (b) reduzir a replicação de proteções, concentrando o
estoque de segurança apenas em determinados pontos da rede, exatamente os pontos de
convergência entre os fluxos não críticos e o fluxo crítico.
O Pensamento Enxuto, por seu turno, enfatiza fortemente a continuidade do fluxo em toda a
cadeia. Para viabilizar o fluxo nivelado, o Lean propõe a reestruturação do sistema em células focadas
na produção de famílias de produtos ou serviços, propondo também que a produção se dê de forma
puxada e nivelada, com pequenos lotes produzidos agilmente, no ritmo da demanda. Como
consequência, as propostas do Lean conseguem expressiva redução dos estoques de fluxo e ciclo, mas,
de algum modo, paga um preço ao espalhar pequenos estoques de segurança em todos os níveis da
cadeia de valor para proteger a fluidez contínua do fluxo em todas as partes do sistema.
Para compreendermos melhor essas propostas e avaliá-las criticamente, cabe-nos entender o
que são e para que servem os estoques de segurança, de fluxo e de ciclo.

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Os estoques de segurança: quando, quanto e para quê?
Se você consegue providenciar e atender o desejo do cliente, na hora em que ele te contata,
sem deixá-lo esperando, na qualidade que ele deseja, na forma como ele deseja e por um custo
atraente…, puxa! Você tem sorte! Esse é o mundo dos sonhos do gestor de Operações e é, em
última análise, a utopia do fluxo contínuo, puxado e nivelado do Lean; você pode trabalhar sem
maiores proteções. O cliente chega, você lhe entrega o produto, e pronto!
Na vasta maioria das vezes, porém, você não consegue fazer isso. Por quê? Ora, a primeira
razão é que a demanda não é tão regular assim; você pode ter uma noção da média da demanda,
mas há oscilações. Você se prepara para a média e, de repente, muita gente chega pela manhã sem
que você espere, por exemplo. Talvez não dê tempo para reagir, e seria uma lástima desapontar
seus clientes. Quiçá isso fizesse com que alguns deles, cansados da espera, resolvessem comprar na
loja ao lado.
Se há incerteza e o custo do não atendimento é relevante, faz sentido que você tenha
estoques. Mas quanto você precisa ter? Bem, há técnicas para fazer esse cálculo. Basicamente, a
ideia é a seguinte: estude o histórico de vendas, compreenda a variação a que você está exposto.
Então, analisando estatisticamente seus dados históricos, defina qual a quantidade deixará você
protegido de X% dos casos.
Observe que, se seu desejo for proteger-se de 100% das variações, você terá que ter como
estoque de proteção uma quantidade equivalente à maior variação verificada na série que você
estudou. Pode acontecer, entretanto, que o custo de manter essa quantidade extra em estoque,
para uma proteção integral da venda, não se pague. Isto é, se o custo de estocar for maior que o
risco de não atender ou atrasar uma entrega, será adequado que você defina um nível de serviço
intermediário, digamos, por exemplo, proteção para 95% dos casos. Nessa hipótese, você teria
que encontrar qual quantidade, acima da média de demanda, protegeria sua venda em 95% das
situações do histórico levantado.
Assim, estudando o passado e procurando mediar custo e oportunidade por meio do nível
de serviço, você chega à quantidade de segurança cientificamente aceitável. Note que o mesmo
raciocínio se aplica na relação com seu fornecedor. Se você não quiser sujeitar seu processo às
variabilidades do suprimento, faz sentido proteger sua operação, usando para tanto essa mesma
lógica de dimensionamento.
A incerteza – assim como o decorrente receio de perder uma oportunidade ou a
desconfiança na qualidade e pontualidade do supridor – sai muito caro em uma cadeia de valor.
A melhor saída é combater o mal pela raiz: aproximar os elos da cadeia, desenvolver confiança. Se,
porém, nas condições correntes não é possível mudar essa situação de exposição ao risco, o melhor
é se proteger e mitigar os custos decorrentes dessa proteção determinando esse estoque de
segurança cientificamente, para que ele seja não mais que apenas o mínimo necessário.

85
Observe que o estoque de segurança é, assim, uma das parcelas que compõem o estoque
total que deve haver em uma rede de operações. Trata-se de uma parcela que deve ser
intencionalmente provisionada na rede para desacoplar a operação em questão das instabilidades
ocorridas em seus processos supridores ou clientes. O fundamento básico do ESTOQUE DE
SEGURANÇA é: ao colocar uma proteção de estoques antes e depois de um elo, garante-se a
continuidade do processamento independentemente das variações que surgirem no suprimento
ou na demanda (pelo menos até o nível de serviço que probabilisticamente foi selecionado e usado
para seu dimensionamento).

Trade-offs logísticos
Sem dúvida, o estoque de segurança é uma forma de proteger a oferta de valor no ponto de
venda, mas, por outro lado, é um custo. Achar o equilíbrio nessa questão passa pelas
características da demanda, do fornecimento e mesmo de aspectos intrínsecos à natureza do item
em questão.
Imagine, por exemplo, que uma empresa – com um ponto de produção relativamente
distante das regiões de consumo – resolve abastecer seus pontos de venda por meio de depósitos
regionais. A motivação dessa distribuição escalonada seria viabilizar ganhos de escala no transporte
entre a fábrica e o depósito (em lugar de fretes individualizados correndo em paralelo). Outra
vantagem seria que, com o depósito regional, a entrega aos pontos de venda se daria de forma ágil,
reduzindo-se, assim, os riscos de falta e os custos de ressuprimento, pois o abastecimento dos
pontos de venda partiria agora de um local próximo a eles.
Por outro lado, se a empresa resolvesse centralizar o estoque abastecendo os pontos de
venda diretamente a partir de um depósito central, teria custos a mais de distribuição, mas
poderia trabalhar com menos proteção. Isso porque, ao consolidar as demandas de várias áreas, as
incertezas de algum modo se compensariam. Em outras palavras, a variabilidade da demanda em
vários pontos isolados somados tende a ser maior que a variabilidade em único ponto
consolidado. Com a centralização, também diminuir-se-iam os riscos de obsolescência, pois a
probabilidade de um item não ser vendido em um depósito único, que reúne demandas
originadas em diferentes pontos, é menor que se houver armazenamento em um ponto isolado de
venda – isso sem falar das economias de escala na atividade de armazenagem, que poderiam ser
potencializadas em um depósito maior.
A conclusão é que há aspectos favoráveis e outros desfavoráveis nessa escolha. A favor da
descentralização está tudo o que afeta, para maior, o risco de perder a venda –, por exemplo: (a)
uma alta margem de lucro na venda; (b) uma pressão competitiva alta com ameaça de perda da
venda em caso de falta ou atraso – e também tudo o que reduz o risco de manter estoques –

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como, por exemplo: (a) a estabilidade da demanda do item; (b) a rotatividade alta; (c) o custo
baixo; (d) o risco de obsolescência pequeno.
Já a favor da centralização estão os mesmos aspectos, mas ao inverso, isto é, tudo que que
aumenta o risco de manter estoques ou reduz a criticidade de uma perda de venda.

Os estoques de fluxo: quando, quanto e para quê?


Imagine agora uma situação hipotética. Não há incertezas! O cliente diz que comprará 18
itens no dia 18, às 18 horas, e lá está ele. O fornecedor diz que vai entregar 20 no dia 20, às 20
horas, e lá está ele. A qualidade é a esperada, as máquinas não quebram, os funcionários não
faltam, as regras não mudam, não há imprevistos. Em uma circunstância assim, haveria razão para
se ter estoques?
A resposta é sim! Por quê? Porque há uma outra razão logística relevante que temos de
considerar quando pensamos em provisionar estoques em uma rede de suprimento: o tempo!
Veja: se você produz ou vende algo a partir de um material entregue por alguém, há de
existir um tempo entre o instante em que você pede o ressuprimento e o instante em que ele é
entregue. Então, como você faz para atender os pedidos que porventura chegam nesse intervalo
de tempo?
Nada a ver com incertezas! É uma questão que independe da existência ou inexistência de
oscilações; para garantir a continuidade do fluxo de uma rede de suprimentos, é imprescindível
que o elo cliente tenha em mãos (ou já encomendado e a caminho) uma quantidade de material
suficiente para cobrir a demanda que vier ocorrer durante esse tempo de reposição.
Observe que o estoque de fluxo é uma segunda parcela do estoque total que deve haver
nas redes de operações. A fórmula de cálculo dessa parcela é relativamente intuitiva: tome a
demanda média do produto e multiplique pelo tempo de reposição do fornecedor. Por
exemplo: se a demanda média é 20 itens por dia e o tempo de reposição (entre pedi-los e tê-
los disponíveis para uso) é de 10 dias, então o estoque de fluxo deve ser de 200 unidades.
Essa é a quantidade mínima que garante a “cobertura” do funcionamento de um certo
processo–cliente enquanto o processo–supridor providencia e disponibiliza a quantidade que
lhe foi demandada. O fundamento básico do ESTOQUE DE FLUXO é: garantir a
continuidade do processamento enquanto a reposição é providenciada.

O custo global de uma compra


Note que a necessidade de o sistema provisionar Estoques de Fluxo tem implicações sobre
Compras, que deve ter sempre em perspectiva o impacto global que a compra produzirá.

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Muitas vezes, o comprador faz a concorrência comparando apenas os preços unitários de
aquisição, sem considerar que haverá um custo de “cobertura” para os tempos de reposição. Por
exemplo: comparando uma compra realizada em uma loja vizinha com outra feita em uma empresa
chinesa, é preciso somar ao preço da mercadoria chinesa o custo de manter em estoque uma
quantidade de produto para suprir a produção enquanto a mercadoria não chega. Isso sem mencionar
o fato de que, se esse fornecedor distante costuma atrasar suas entregas ou tende a apresentar uma
qualidade inferior, o custo global da compra deve considerar também que esses aspectos podem causar
perdas no volume de produção do sistema ou atrasos nos faturamentos planejados.

Os estoques de ciclo: quando, quanto e para quê?


O estoque que devemos ter em uma rede de operações tem inúmeras e diferentes
motivações. Para sabermos a quantidade correta de estoque em um sistema, é preciso que
verdadeiramente entendamos as diferentes causas que nos levam a ter estoques para então
fazermos um dimensionamento apropriado. Já vimos o papel da incerteza e do tempo de
reposição nesse planejamento. Adicionemos agora mais um elemento no nosso sistema de
produção hipotético.
Suponhamos que seguimos livres de oscilações, mas que agora tampouco existam tempos de
reposição; tudo pode ser obtido instantaneamente. Isso é impossível, não é? Mas imagine que
fosse assim: você precisa de algo, e, em um passe de mágica, a coisa está lá, materializada em sua
frente. Haveria alguma razão logística ainda para você manter estoques?
Sim, mesmo que tudo fosse absolutamente estável e tudo pudesse ser obtido
imediatamente, ainda assim poderia fazer sentido manter estoques. Por quê? Porque, além de
zelar pela estabilidade do fluxo de produção, a redução de custos e o ganho econômico também
são uma motivação primordial da Gestão de Operações.
Assim, por exemplo, se comprar 100 unidades de um item é mais barato, unitariamente, que
comprar apenas uma unidade, pode valer a pena se antecipar à demanda e comprar logo o lote. O
mesmo vale para o transporte: se há um custo para transportar, pode ser conveniente transportar logo
vários de uma vez. Se há um custo para preparar uma máquina para processamento, pode valer a
pena, após essa preparação ser feita, fabricar logo um lote de produtos.
Observe que, no parágrafo anterior, usamos sempre uma expressão de dúvida (“pode”) ao
invés de uma afirmação indicativa (“deve”). Isso porque implícita nessa questão está novamente
aqui a necessidade de avaliarmos os custos e benefícios e a busca do ponto de equilíbrio.
O equilíbrio é o fundamento básico do cálculo do lote econômico. Basicamente, se você
puder escolher o lote a ser usado em seu processo, então a quantidade econômica poderá ser
calculada, em princípio, como aquela que iguala o custo de comprar, fazer ou transportar com o
custo de armazenar. Quanto menor for o lote, mais compras, preparações de máquina ou

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movimentos você terá que fazer. Por outro lado, quanto maior o lote, maior será o estoque médio
em mãos, e mais custos de carregar estoques você terá.
Adicione-se que, além desse cálculo racional, muitas vezes, o lote a ser usado pode ter de
incluir ainda uma quantidade extra e adicional à econômica, pois pode haver questões que
transcendem nosso arbítrio, impostas por alguma condição externa incidente, que esteja fora do
nosso controle. Por exemplo: às vezes a embalagem do fornecedor impõe a você uma quantidade
mínima de compra, ou há uma razão técnica que exige uma quantidade mínima para uma reação
química, determinado tipo de processamento ou mesmo uma regulação governamental. Nessas
hipóteses, o raciocínio do lote econômico permanece válido, mas precisa ser ajustado em função
dessas restrições operacionais.
Esse estoque, cujo nome técnico é estoque de ciclo, é a terceira parcela do estoque total que
deve haver nas redes de operações. A fórmula de cálculo dessa parcela é dada, como
mencionamos, pela fórmula do lote econômico. O fundamento básico do ESTOQUE DE
CICLO é: buscar o equilíbrio entre o ganho de escala eventualmente proporcionado pela
produção em lotes e o custo de carregar estoques, derivado do aumento do estoque médio do
sistema, algo que ocorre sempre que fazemos algo antes do momento de uso.

Facilitação logística: revisitando o lote econômico


Conforme comentamos no Módulo 4, embora o lote seja sempre uma ideia racional que
busca uma economia ou uma zona de conforto, toda vez que nos antecipamos à demanda fazendo
vários lotes de uma vez (em vez de fazer apenas o que efetivamente é demandado), surgem custos
relacionados à necessidade de armazenamento, transporte até os armazéns, preservação e controle.
Esses custos podem acabar sendo mais impactantes que a economia obtida com a decisão de
comprar, transportar ou fazer vários de uma vez.
Outro aspecto é que, como enfatizado pelo Pensamento Lean, lá na ponta da cadeia está o
cliente, à espera de que seu produto seja tratado prioritariamente, e não conduzido em um lote.
Se o processamento em lote alongar o tempo de resposta, fragilizar a qualidade, ou retirar
flexibilidade do atendimento ao cliente, a consequência pode ser que ele se aborreça e desista da
compra. Se assim for, esse custo (a perda de venda, talvez o mais nocivo dos desperdícios em um
mundo competitivo) teria de ser considerado no cálculo do lote econômico também, não é? Se
esse custo entrasse na conta, nossos números provavelmente indicariam como solução mais
econômica a adoção de lotes menores que os usuais. Isso porque a possível perda de venda entraria
na equação, somando-se ao custo de armazenagem e pesando esse lado da balança.

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Operadores logísticos
A propósito, foi exatamente a pressão competitiva induzindo lotes menores de entrega um
dos fatores que abriu espaço para a integração na rede de Operações dos ditos Operadores
Logísticos. São empresas que, tendo foco nessa questão, ofertam serviços de facilitação do fluxo –
por exemplo, compactação de pequenas cargas (de diferentes clientes) para que um pequeno lote
(na perspectiva de um desses clientes) possa gozar dos benefícios de preço dados a um lote maior;
ou a kitzação de componentes no ponto de fornecimento, para que o cliente economize tempos e
esforços que não agregam valor para si, relacionados ao esforço de interagir, comprar e controlar
um grande número de fornecedores para depois reunir as partes no ponto de produção.

Os estoques sazonais: quando, quanto e para quê?


O Estoque de Segurança, o Estoque de Fluxo e o Estoque de Ciclo são as três parcelas
fundamentais que compõem o Estoque Total que deve existir em uma rede de suprimentos.
Há ainda uma quarta razão logística, que pode também justificar o armazenamento de uma
parcela adicional às já mencionadas. Trata-se do estoque sazonal. Aqui, nós nos referimos a um
fenômeno distinto da incerteza, ou flutuação aleatória. Como vimos, para lidar com flutuações
aleatórias, o estoque de segurança é o caminho.
Mas há variações que não são tão aleatórias assim! Por exemplo, no verão logicamente
sempre há mais calor que no inverno. Logo, é natural que a venda de condicionadores de ar cresça
no verão e a de aquecedores aumente no inverno. Não é uma incerteza, ao contrário: é uma
certeza. A isso nos referimos como uma tendência.
Uma tendência de crescimento ou decaimento é algo com que podemos lidar de forma mais
planejada. Examinemos, por exemplo, uma situação de produção bastante comum: imagine um
produto cuja demanda do inverno é significativamente menor que a do verão. Como fazer para
não perder vendas ao longo do ano?
A primeira hipótese seria alocar uma capacidade de processamento superior ou igual ao pico
de demanda. Nessa situação, a demanda sempre poderia ser atendida a contento. O lado ruim é
que, na baixa do inverno, a capacidade ficaria muito ociosa.
Uma alternativa seria prover capacidade apenas para a média. Evitaríamos, assim, pagar a
capacidade ociosa no inverno, mas teríamos que produzir no inverno (aproveitando a demanda
abaixo da média), estocar e então vender esse estoque no verão, quando a demanda estivesse acima
da média.
Um estoque como tal denominamos Estoque Sazonal. Seu provisionamento na cadeia de valor
depende de uma avaliação econômica. Se o custo de carregar esse estoque for menor que o custo de
carregar a capacidade ociosa na baixa estação, então ele é um estoque logisticamente justificável.

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O estoque sazonal é uma quarta parcela que pode compor o estoque total que deve haver
em uma rede de operações. O fundamento básico do ESTOQUE SAZONAL é: nivelar a
produção ao longo do período.

Como nivelar demanda e capacidade sem estoques: o caso


dos Serviços
Mas como nivelar a demanda e a capacidade se o seu sistema oferta algo intangível, algo que
não pode ser estocado? Ou se, por exemplo, o prazo de validade dele é muito curto e, mesmo
sendo tangível, o produto não é estocável?
Pense como age a indústria do turismo. Ora, na alta estação a demanda é maior, na baixa a
demanda cai. E não há como estocar diárias em quartos de hotel para vender mais tarde.
Tampouco, passagens em voos de avião, consultas médicas e aulas de violão, por exemplo, podem
ser estocadas. O que comumente se faz é tentar amenizar a tendência estimulando a demanda na
baixa. O pessoal do turismo, por exemplo, trabalha na baixa estação com preços mais baixos,
eventos, ofertas especiais para nichos de mercado, turismo de negócio, de terceira idade, educação,
aventura, etc.
Outra possibilidade é tentar “colar” a capacidade na demanda fazendo uso de mão de obra
temporária. Contratar e demitir fazem da capacidade de mão de obra um custo variável, mas a
rotatividade dificulta imensamente o aprimoramento do negócio com a perda constante de
quadros, conhecimentos e experiências.
Pode-se pensar também em uma cesta de ofertas complementares, priorizando no verão
pacotes específicos e no inverno outro tipo de pacotes de lazer voltados ao desfrute do frio. Ou,
atentar para o fato de que sempre que metade do mundo treme no frio, a outra metade se abana
no calor e que, portanto, talvez existam oportunidades de nivelamento da demanda fora do
perímetro de atuação em que estamos acostumados a operar, como exportação, por exemplo.

Outros tipos de estoques: quando, quanto e para quê?


Resumindo, os quatro tipos de estoque que examinamos são aqueles determinantes quando
analisamos a questão a partir de uma perspectiva de Operações. Mas sejamos humildes! Nem só
de operações vive a empresa.
Existem motivações “não operacionais” que podem também justificar a existência de
estoques. Por exemplo: suponha que você trabalha com uma matéria-prima cujo preço é sensível
à variação do dólar e você teve uma informação que provavelmente o dólar irá subir

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abruptamente. Ora, talvez seja um bom investimento comprar o material às pressas. Talvez seja
mesmo um ótimo negócio. Mas veja: isso não tem nada a ver com a gestão do fluxo logístico.
Nem todo estoque em um sistema tem fundamento logístico. O que não quer dizer que
não seja aceitável, até mesmo recomendável por uma razão financeira, ou especulativa. Há
também situações em que há um interesse promocional, ou uma razão comercial que dá
fundamento para a criação de um estoque provisório.
Entretanto, tomando estritamente o ponto de vista logístico, o Gestor de Operações
deve sempre considerar que cabe a ele encontrar o nível mínimo de estoque que: protege o
sistema em relação a falhas ou oscilações da demanda; garante a continuidade do fluxo;
aproveita consistentemente as oportunidades relacionadas a ganhos de escala e nivela a
produção quando relevante.
Se o nível de estoques no sistema for apenas o mínimo necessário para garantir seu bom
funcionamento, então mais dinheiro sobrará na mão do acionista no final das contas. Agora, o
que o acionista faz com esse dinheiro é uma decisão de investimento. Se a melhor opção de
investimento nesse momento for comprar estoque, então que essa compra seja feita. Mas não
confundamos isso com o que foi aqui debatido; mesmo quando por motivações financeiras é
indicada a formação de um estoque, na perspectiva de operações o gestor deve continuar
trabalhando para ter um fluxo leve na rede, sem desperdícios – até porque a circunstância pode
mudar e, se a Operação estiver mal-acostumada a um uso perdulário do material, pode
desintegrar-se diante de um novo quadro em que o material venha a encarecer subitamente.

Combatendo as causas de ter estoques


Se de um lado, como vimos, há razões que justificam a existência de estoques, mas, de
outro, há bons motivos para não os ter, então, como sair desse conflito de interesses?
A solução é: provisione cientificamente os estoques necessários (nem mais nem menos do
que é necessário) para lidar com cada uma das causas citadas. Mas, ato contínuo, imediatamente
após inserir proteções ao longo da rede, comece a combater as causas e razões que lhe induziram a
fazer isso, pois no mundo competitivo em que estamos vivendo não se deve operar com fluxos
lentos e ineficientes.
Se incertezas e desconfianças existem entre os elos da cadeia, esforce-se para integrar melhor
essas conexões entre os processos, desenvolvendo certezas e confiança. Se os tempos de reposição
entre supridor e cliente são longos, esforce-se para aproximá-los; se os ganhos de escala com o
processamento em lotes são atraentes, investigue o “porquê” disso em busca de outras formas de
fazer, de modo a garantir que as economias de escala se tornem menos relevantes.
Por exemplo: quase todas as montadoras de automóveis brasileiras organizaram seus
sistemas produtivos em condomínios, trazendo os fornecedores para um mesmo local de

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produção. Com isso, aumentaram muito a integração entre os elos da cadeia. Sendo vizinhos, o
grau de certeza no fornecimento aumenta, os tempos de reposição diminuem e as economias de
escala perdem força. Também crescem a comunicação e a cooperação, bem como há uma queda
brusca da necessidade de estoques de segurança, fluxo e ciclo.

O planejamento do quando e quanto comprar e armazenar


Embora, desde meados do século passado, já viesse se desenvolvendo no imaginário das
organizações uma visão sistêmica, incluindo em um fluxo integrado as atividades de suprimento–
armazenagem–produção–distribuição, foi nos anos 1970, com o advento das tecnologias de
informação, que a ideia de uma Gestão integrada da cadeia de suprimentos começou de fato a se
configurar com mais nitidez.
Um ponto crucial nesse caminho foi o desenvolvimento da arquitetura de software MRP
(Materials Requirement Planning Systems) – em português, Sistemas de Planejamento das
Necessidades de Material –, o que ficou muito popular na indústria, em particular naquelas de
fabricação e montagem, em que um número restrito de produtos acabados era produzido a partir
de grande quantidade de insumos.
Trata-se de uma técnica que – considerando os ESTOQUES DE SEGURANÇA, os
ESTOQUES DE FLUXO e os ESTOQUES DE CICLO, dimensionados para cada item, na
forma debatida nas seções anteriores – faz o cálculo das quantidades (o quanto) e momentos (o
quando) em que se fazem necessários os materiais em um processo de manufatura.
A lógica de cálculo do “quanto providenciar” parte da demanda bruta de produtos
acabados, que é então explodida progressivamente para encontrar as necessidades de fabricação de
componentes intermediários e de matérias-primas. Essa “explosão” (para usar o jargão do MRP) é
feita, com base na estrutura de material, representação do processo de fabricação que registra como
os produtos são feitos em termos dos componentes envolvidos e das quantidades de componentes
necessárias para as etapas de transformação.
Nesse processo de cálculo são descontados, a cada passo, os saldos que porventura já estejam
disponíveis nos almoxarifados de produtos intermediários e de itens comprados. Descontam-se
também os pedidos já realizados anteriormente de modo a não haver duplicação de providências.
Por outro lado, cuida-se para acrescentar provisão a fim de que os estoques de segurança
planejados sejam recompostos, obtendo-se, assim, como resultado final desse cálculo do “quanto”,
a demanda líquida a ser relacionada com cada item envolvido. Durante o cálculo, essas demandas
líquidas são ainda ajustadas para que os lotes especificados sejam também respeitados.
A partir daí, o cálculo do “quando” faz-se para trás no tempo, tomando-se a data necessária para
a entrega da demanda líquida calculada e deduzindo-se daí os tempos de reposição de cada item
fabricado ou comprado, até a identificação das datas onde os pedidos têm que ser providenciados.

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O planejamento integrado de materiais e capacidade
Embora essa tecnologia de planejamento de materiais (o MRP) tenha rapidamente se
disseminado na indústria, logo se percebeu a necessidade de inseri-la em uma perspectiva mais
sistêmica, integrando-a em um ciclo de planejamento que incluía também a avaliação da
capacidade. Essa evolução do MRP ficou conhecida como o “closed-loop MRP-II”; mas a sigla,
embora tenha sido mantida, alterou seu significado, passando a designar Manufacturing Resource
Planning Systems – em português, Sistemas de Planejamento dos Recursos da Manufatura.
Basicamente, o ciclo MRP-II referia-se a esse esforço de verificação das ordens emitidas do
MRP à luz das capacidades de processamento disponíveis para evitar que um plano fosse levado
para execução sem que tivesse garantia de viabilidade.

A integração da gestão empresarial


A conexão entre essas várias esferas de planejamento induziu paulatinamente a ideia de uma
base de dados corporativa centralizada por meio da qual essas várias instâncias de planejamento
pudessem dialogar.
Vejamos: para o planejamento dos materiais é necessário saber qual é o saldo físico nos
almoxarifados. É também preciso saber quais materiais entram e saem do estoque. Dispondo
desses dados, é provável que alguém logo tenha pensado: quando o material entra no estoque não
devemos pagar aos fornecedores? Quando sai não temos a receber? Por que então não integrar
nessa base de dados o faturamento, o recebimento, a expedição, as informações do contas a
receber e do contas a pagar? E assim sendo por que não planejar o fluxo de caixa e o planejamento
financeiro também usando essas informações?
Para planejar a reposição de materiais, é preciso também ter informações sobre a demanda,
os pedidos em carteira? Poderíamos manter históricos, alimentar a atividade de marketing, a
atividade comercial.
E para planejar a capacidade no MRP-II não precisamos ter também o cadastro com os
recursos de produção, as máquinas? Por que não o enriquecer com informações sobre as pessoas?
A propósito, já que temos aí os dados sobre os colaboradores não seria o caso de integrar também
os sistemas do RH nessa mesma base de dados?
Bem, de forma simplificada foi mais ou menos isso que aconteceu. Aproveitando-se também
da rápida evolução das metodologias de sistemas e banco de dados, além da impressionante evolução
da engenharia de software e hardware, em pouco tempo as várias funções corporativas passaram a
dialogar, integrando-se por aplicativos que operavam todos em torno de uma mesma base de
informações. Surgiram daí os famosos Enterprise Resource Planning Systems (ERP) – Sistemas
Integrados de Gestão Empresarial, em português –, largamente adotados hoje no mundo empresarial
como forma de operar os vários processos corporativos de forma articulada.

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A manufatura integrada pelo computador
Enquanto na gestão os sistemas integrados de informação ganhavam corpo e abrangência,
algo semelhante se passava com as tecnologias de produto e processo, que evoluíam também
simultaneamente nutridas pelas possibilidades advindas do desenvolvimento de
microprocessadores para controlar máquinas e equipamentos. Fundiram-se, assim,
conhecimentos de Engenharia Mecânica a conceitos e técnicas de computação, eletrônica,
eletrotécnica e Pesquisa Operacional. Já nos anos 1980 o imaginário de uma fábrica automática,
sem intervenção humana, povoava os esforços de pesquisadores.
Leitores de código de barra, máquinas de controle numérico e desenvolvimentos ligados à
inteligência artificial viabilizaram um forte movimento de automação dos parques industriais,
dando ensejo ao Computer aided manufacturing (CAM) – em português, a manufatura apoiada
pelo computador.
Expressão análoga foi usada também nesse mesmo momento para a automatização dos projetos
que saíram das pranchetas dos engenheiros e designers para as telas dos computadores por meio dos
softwares de Computer aided design (CAD) – em português, o projeto apoiado pelo computador.
A visão dessas tecnologias de produto, processo e gestão funcionando de forma integrada e
articulada deu ensejo ao conceito Computer Integrated Manufacturing (CIM). Nesse contexto, os
provedores de sistemas corporativos e de automação industrial começaram a se aproximar,
buscando a conexão entre o CIM e o ERP.
Já mais recentemente se desenvolveu também o conceito Manufacturing Execution Systems
(MES). Essa sigla se refere a um conjunto de aplicações que reúne ferramentas para o
gerenciamento da operação no chão de fábrica, tais como: (i) programação da produção; (ii)
requisição de materiais; (iii) andamento da produção; (iv) indicadores de produtividade e
qualidade; (v) dados para manutenção; (vi) dados sobre os produtos, processos e máquinas, etc.
Em algumas situações de produção, a variedade de processos faz com que a função programação
e sequenciamento da fabricação adquira maior complexidade. Para fazer frente a essa necessidade,
surgiram os Advanced Scheduling and Planning Systems (APS), que são simuladores destinados a dar
apoio à tomada de decisão sobre o que fazer em cada máquina, em cada momento.

A integração da cadeia de suprimentos como um todo


O passo natural seguinte nesse esforço de integração foi buscar transcender os limites da
organização, aproximando os processos de suprimento, armazenagem e distribuição.
O Distribution Requirement Planning (DRP) – Planejamento das Necessidades de
Distribuição –, por exemplo, é um rebatimento da lógica de planejamento das necessidades de
material para o sistema de distribuição, de modo a planejar “o quanto” e “o quando” movimentar

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de cada item quando a distribuição considera uma estrutura escalonada com centros de
distribuição, armazéns regionais e centrais entre a produção e o mercado consumidor.
No caminho inverso, agora em direção ao fornecimento, ferramentas como Eletronic Data
Interchange (EDI) e as recentes possibilidades relacionadas a internet e a processamento de dados
na nuvem – entre outras inovações – começaram a ser usadas para intercambiar dados entre
clientes e fornecedores.
Consolidaram-se, assim, os softwares de Supply Chain Management (SCM) – em português,
Gestão da Cadeia de Suprimentos –, como soluções destinadas a estender a arquitetura ERP,
disponibilizando ferramentas e módulos para o planejamento e execução das transações entre os
nós contíguos da rede, o gerenciamento de clientes e fornecedores, por exemplo.

As novas possibilidades trazidas pela convergência


físico-digital
Nos últimos anos os sistemas parecem caminhar na busca de aproximação com seus
clientes. Podemos citar, entre os sistemas que exemplificam o papel da tecnologia encurtando o
caminho entre a empresa e o cliente: projetos de e-commerce, em que transações comerciais são
feitas diretamente por meio de portais de compra acessados via computadores, tablets e
smartphones; B2B (em inglês, business to business), que funciona como e-commerce entre empresas
(produtor–fornecedor); o CRM (em inglês, Customer Relationship Management), que organiza a
Gestão do Relacionamento com o Consumidor. Várias novas tecnologias armazenam
informações sobre os hábitos dos clientes e cidadãos, tentando facilitar e de algum modo prever o
comportamento futuro do consumidor (lembre-se que a incerteza e a necessidade de se proteger
do risco é uma das causas que nos fazem ter estoques e custos a mais que o necessário).
Um cenário novo se descortina a cada dia com essa vertiginosa expansão de possibilidades
associada à integração dos itens físicos com a tecnologia digital, a internet das coisas.
Possivelmente, viveremos grandes transformações nos meios e métodos que integram a Rede de
Suprimentos. É bom ficarmos bem alertas, pois há um novo cenário tecnológico e social no ar:
materiais inteligentes capazes de armazenar em si mesmos (e assumir autonomamente) diferentes
geometrias mediante determinado impulso elétrico, a chamada impressão 4D; processos de
manufatura aditiva em custo accessível para que produtos sejam fabricados nas casas das pessoas
(impressão 3D); drones capazes de levar autonomamente um item até a janela de sua casa;
tecnologias como código de barras, QR-Code, Rádio frequência (RFID), transponders, etiquetas
inteligentes que permitem de o item, ao se deslocar, informe autônoma e automaticamente sua
posição; o GPS; a internet, etc. A integração disso tudo de fato já permite que as coisas físicas se
comuniquem autonomamente com os softwares de gestão empresarial e inteligência,
anteriormente descritos, fazendo antever soluções integradas de grande impacto para a logística.

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Juntando-se a isso a disponibilidade de interfaces de acesso pessoal, como Palmtops, Tablets,
Smartphones, realmente a sensação é de que “o céu é o limite”.
É possível, por exemplo, que a comunicação automática entre materiais e máquinas resolva
para a grande indústria a grande questão da produção em massa customizada, qual seja: como
conjugar volume e ganhos de escala com variedade. Sim, essa é uma questão central para a gestão
das operações. O que quer o acionista que investiu seu capital comprando uma máquina? Ora,
que essa máquina seja plenamente utilizada! A variedade imposta pelo mercado não é boa para
isso. Para fazer vários produtos em uma máquina é preciso prepará-la para cada um deles; quanto
maior é o tempo perdido na troca de produtos, pior fica a utilização do ativo. Mas, e se máquinas
e materiais puderem resolver isso sozinhos? Nada mal, não é?

Fronteiras de pesquisa
Grandes paradoxos são trazidos por esse novo cenário da internet das coisas.
O primeiro nos remete a uma decepção. Imaginávamos tempo atrás que a inovação
tecnológica fosse nos trazer muitas facilidades práticas e que com elas fôssemos ter mais tempo
para o “ócio criativo”, o espírito, o lazer. Entretanto, as coisas se aceleraram tanto e o fluxo de
informações e demandas cresceu de tal maneira, que, mesmo municiada por um formidável
aparato tecnológico, a vida parece ter se tornado mais complexa.
É, portanto, fundamental perceber que, embora diante desse iminente cenário cibernético
que podemos já divisar, com máquinas e materiais inteligentes dialogando entre si em sistemas
altamente conectados e autônomos, nem de longe parece que a entrega de um valor útil ao cliente
esteja resolvida. Drones, impressão 3D, bigdata, entre outros inventos, abrem muitas
possibilidades, mas resolver as questões humanas apropriadamente transcende o simples uso de
tecnologias de produto e processo.
Parece possível e surpreendentemente provável que quanto mais sofisticados e autônomos
sejam os processos, mais o entendimento da cadeia de suprimentos e a gestão do fluxo de valor até
o cliente ganhem fôlego como diferencial competitivo.
Com efeito, bom esforço de pesquisa começa agora a ser feito no sentido de estender o foco
de discussão até a fase final do consumo, entendendo que a satisfação do cliente não se encerra na
venda, mas, sim, na experiência de uso (e aquisição do bem ou serviço). Pense bem: conseguimos,
em segundos na internet, comprar uma passagem para qualquer lugar do mundo. Mas quanto
tempo levamos até decidir e obter o que queremos? Que processos e escolhas mentais fazemos
para chegar a essa decisão? Será que poderiam ser facilitados?
Se entendermos a experiência de consumo como um processo, perceberemos que há um
mundo de possibilidades ligadas à melhoria da oferta de valor. Suponha, por exemplo, que um
cliente deseje fazer um folheto em uma gráfica. Frequentemente, o gerente dessa gráfica está bem

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atento à entrada do serviço na impressora, mas isso dura minutos. E, entretanto, entre o primeiro
telefonema para encomendar o serviço até o folheto estar nas mãos do cliente, passam-se dias ou
semanas, porque a experiência de consumo envolve uma série de definições, provas e contraprovas
até que a impressão seja autorizada.
Na modelagem e no aprimoramento dos processos de pré-venda e pós-venda pode estar
uma mina de vantagens competitivas. Mas o primeiro passo para explorar essa possibilidade é
entender essas etapas como processos, ainda que incluam fatos que ocorram na casa do cliente,
antes mesmo que venhamos a interagir com ele.

O novo papel da liderança


Outro ponto de reflexão que parece crucial nesse novo cenário de evolução tecnológica é o
papel das equipes na construção do valor para o cliente. Como comentamos, a aceleração dos fluxos
de informação e a multiplicação de demandas colocou muita pressão sobre os gerentes, que – por mais
sábios e consistentes que sejam – frequentemente acabam virando o “gargalo” do sistema,
centralizando e, assim, represando o processo decisório.
Nesse aspecto, o Pensamento Lean dá pistas que são virtualmente passíveis de utilização em
quase todos os sistemas. Quanto mais a tecnologia embute “inteligências” mais relevante, ficam as
equipes de linha de frente preparadas, motivadas e empoderadas para resolver pequenos problemas.
Trata-se de algo mais difícil de perceber e decidir do que, propriamente, fazer. Isso porque
há implícito na ideia de delegação e empoderamento um novo papel para as chefias, que passam a
ser mais orientadoras do que solucionadoras de problemas, mais motivadoras do que
controladoras e mais educadoras do que autoritárias. Nesse contexto da gestão de operações, o
chefe, que deve ser um “coach”, será mais e mais bem avaliado pelas ideias de melhoria que a
equipe sob sua responsabilidade inventar.

Conclusão
Na produção de bens e serviços, tudo são pessoas. Por trás do produto que você fabrica ou
do processo administrativo que você analisa, está alguém, o seu cliente, uma pessoa cuja percepção
de valor é afetada por aspectos objetivos e subjetivos, expectativas, necessidades e desejos.
Por trás das máquinas e ativos que você gerencia, está o acionista, no fim da linha, também
uma pessoa, que possui as suas ambições econômicas.
Os seus colaboradores, os seus fornecedores, idem; para onde você olhar, estarão lá, no fim das
contas: pessoas! Não são apenas mãos prontas para o trabalho, elas podem e devem participar
criativamente da construção do valor ofertado e querem se desenvolver como nós.

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O gerente de operações será cada vez mais um gestor de pessoas; e as pessoas, cada vez mais
gestoras de operações. Por quê? Porque cada vez mais as tecnologias absorverão os processos,
tornando-os mais autônomos. E, nesse mesmo tempo, tudo provavelmente seguirá se acelerando
muito, reforçando a variedade e a complexidade do processo decisório, bem como a dificuldade
de escolher e ver o todo.
Provavelmente, em um mundo pleno de ofertas de valor disputando o coração do cliente,
crescerá em importância os diferenciais produzidos pela gestão, como a qualidade, o custo, a
rapidez, a pontualidade e a flexibilidade.
Analisamos, nesta apostila, dois grandes paradigmas capazes de produzir grande impacto no
resultado das organizações, sem grandes investimentos. Foram eles: a Teoria das Restrições,
extremamente útil para gerenciar aquelas situações em que a demanda precisa acompanhar a
ampliação paulatina da capacidade, em face dos custos ou das restrições envolvidas nessa
ampliação; e o Pensamento Enxuto, bem adequado para a situação inversa, quando a capacidade
pode-se ajustar à demanda com mais facilidade.
Vimos ainda os desafios adicionais que surgem quando ampliamos o foco de análise e surge
a pressão maior pelo gerenciamento dos elos da cadeia de suprimento. A internet das coisas está
aí, descortinando um mundo de possibilidades e inovações para a integração de processos e
convergência entre o mundo físico e o digital.
Mas é preciso estar atento para não integrarmos ineficiências. É preciso enxergar os sistemas
como processos, e não deixar que o encanto pelas tecnologias locais cegue a visão global.
Se você gerencia um restaurante, uma repartição pública, uma granja, uma fábrica, um
banco, um escritório de arquitetura, uma clínica média, uma firma de engenharia, etc., esteja
atento. Temos uma grande chance de melhorar o que está à nossa volta. Podemos fazer muitas
coisas sem nenhum investimento, apenas usando a cabeça.
Use o seu bom senso – e, se possível, algumas das ideias que discutimos nesta apostila – e
melhore o que está ao seu redor. Mas não se esqueça de que a vantagem competitiva e o lucro
são mais ricos e sustentáveis se andam lado a lado com a responsabilidade ambiental e o
interesse social – esses elementos compõem o “tripé da sustentabilidade”, que devem orientar o
nosso caminho.

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BIBLIOGRAFIA
CORRÊA, H. L.; CORRÊA, C. A. Administração de produção e operações: manufatura e serviços –
uma abordagem estratégica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

COSTA, R. S; Jardim, E. G. M. Gestão de operações de produção e serviços. São Paulo: Ed. Atlas, 2017.

HILL, A.; HILL, T. Essential operations management. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2017.

SLACK; BRANDON-JONES; JOHNSTON; BETTS. Operations and process management:


principles and practice for strategic impact. [s.l.]: Pearson, 2012.

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PROFESSOR-AUTOR
Ricardo Sarmento Costa é professor da Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas
(FGV/Ebape), ministrando aulas regulares no Mestrado Executivo em
Gestão Empresarial (MEX), na Pós-Graduação em Administração (Pós
ADM), na Graduação em Administração e no Global MBA em parceria
com a Universidade de Manchester e nos MBAs da FGV.
Coordenador acadêmico do MBA em Gestão Industrial e do
MBA em Gestão da Produção e Qualidade da FGV (FGV
Management), tendo coordenado cerca de 90 turmas em Campinas,
Americana, São José dos Campos, Taubaté, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Araraquara,
Sorocaba, Marília, Bauru, Jundiaí, Piracicaba e Santo André (SP); Blumenau, Jaraguá e Camboriú
(SC); Curitiba e Londrina (PR), Belo Horizonte, Uberaba e Montes Claros (MG), Resende (RJ);
e Anápolis (GO). Coordena também cursos de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e em
Lean Manufacturing em Joinville e Manaus.
Graduou-se em 1981. Fez mestrado e doutorado em Engenharia de Produção pelo Instituto
Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), finalizando a sua pesquisa em 1996.
Durante os anos 1990, foi pesquisador visitante na Brunel University (Inglaterra) e da
University of Warwick (Inglaterra) e fez especialização na AOTS do Japão em
produtividade e qualidade.
É o fundador da Trilha da Inovação, empresa com a qual colabora desde 1999. A Trilha foi
a primeira empresa incubada no Instituto Nacional de Tecnologia, tendo sido premiada em 2005
como a melhor empresa graduada do País pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de
Empreendimentos Inovadores (Anprotec).
De 1985 a 2017, foi pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), notabilizando-se
como tecnólogo e autor dos Simuladores Trilha: Tecnologia See-The-Future do INT. Este produto
foi selecionado como finalista do Prêmio Finep de Inovação Tecnológica em 2005.
Consultor atuante no campo das modernas tecnologias de gestão de operações (e.g. Lean
Thinking, Theory of Constraints e Supply Chain Management) para empresas como: Michelin,
Nokia, Moto-Honda, Siemens, Sony, Coca-Cola (Gr. Simões), Fundição Tupy, CSN, Jabil,
CCE-Compaz, AGFA, ABNC, Masa, Vale, Transtex (Argentina), Philips MDS, Elken, FMC,
FCC, IBF, Cargil, Zen, Schemersal, Fogões Muller, Arris, Essilor e Globosat, entre muitas outras.
É autor de livros, textos e artigos publicados no Brasil e no exterior.

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