Вы находитесь на странице: 1из 36

E s p a n h o l • F r a n c ê s • I n g l ê s • I t a l i a n o • P o r t u g u ê s

Quando a morte O que os adventistas têm Política na


para compartilhar com a
ainda não existia comunidade científica? igreja
REPRESENTANTES REGIONAIS CO NTE Ú DO
DIVISÃO AFRICANA CENTRO - ORIENTAL
P.O. Private Bag 00503 Mbagathi, Nairobi, QUÊNIA
Andrew Mutero, muteroa@ecd.adventist.org
Magulilo Mwakalonge,
mwakalongem@ecd.adventist.org
ARTIGOS
DIVISÃO EURO -ASIÁTICA
Krasnoyarskaya Street 3, 107589 Moscou, RÚSSIA
Ivan Ryapolov, iryapolov@esd.adventist.org
Kasap Gennady, gkasap@esd.adventist.org
05 “QUANDO A MORTE AINDA
NÃO EXISTIA”: O TESTEMUNHO
DIVISÃO INTER AMERICANA
P.O. Box 830518, Miami, FL 33283-0518, E.U.A.
DA CRIAÇÃO BÍBLICA
Gamaliel Florez, florezga@interamerica.org
A visão bíblica da morte é essencialmente diferente
Al Powell, powellal@interamerica.org da que é proposta pela evolução.
Hiram Ruiz, ruizhi@interamerica.org Jacques B. Doukhan
DIVISÃO INTEREUROPEIA
Schosshaldenstrasse 17, 3006 Bern, SUÍÇA
Marius Munteanu,
O QUE OS ADVENTISTAS TÊM
10
marius.munteanu@eud.adventist.org
Jonatan Tejel, jonatan.tejel@eud.adventist.org
PARA COMPARTILHAR COM A
DIVISÃO NORTE-AMERICANA
9705 Patuxent Woods Dr., Columbia, COMUNIDADE CIENTÍFICA?
MD 21046-1565, E.U.A. Somente quando os cristãos forem confiáveis
Larry Blackmer, larryblackmer@nadadventist.org nas áreas que os cientistas conhecem é
Armando Miranda, que serão confiáveisnas áreas que eles
armandomiranda@nadadventist.org
Tracy Wood, tracywood@nadadventist.org
desconhecem.
Ben Clausen
DIVISÃO NORTE-ASIÁTICA DO PACÍFICO
P.O. Box 43, Koyang Ilsan 411-600, COREIA
Richard Sabuin, richard.sabuin@nsdadventist.org

15
Nak Hyung Kim, nhkim@nsdadventist.org
DIVISÃO SUL-AMERICANA
POLÍTICA NA IGREJA –
Caixa Postal 02600, Brasilia, 70279-970 DF, BRASIL A ADMINISTRAÇÃO MORAL
Edgard Luz, edgard.luz@adventistas.org
Carlos Campitelli, DO PODER
carlos.campitelli@adventistas.org A necessidade urgente é de que os membros e
líderes da igreja saibam como usar a política de
DIVISÃO DO PACÍFICO SUL
Locked Bag 2014, Wahroonga, N.S.W. 2076, maneira ética e sábia.
AUSTRÁLIA Lowell C. Cooper
Carol Tasker, caroltasker@adventist.org.au
Nick Kross, nkross@adventist.org.au
DIVISÃO SUL-AFRICANA E DO
OCEANO ÍNDICO
P. O. Box 4583 Rietvalleirand 0174, ÁFRICA DO SUL

SEÇÕES
Mozecie Kadyakapita,
kadyakapitam@sid.adventist.org
Busi Khumalo, khumalob@sid.adventist.org
DIVISÃO SUL-ASIÁTICA
P. O. Box 2, HCF Hosur, 635 110 Tamil Nadu, INDIA
R. N. Prabhu Das, prabhudasrna@sudadventist.org 3 EDITORIAL 28 PERFIL
Mohan Bhatti, mmbhatti@rediffmail.com
O chamado para servir Rosana Alves
Ramesh Jadhav, rameshjadhav3383@gmail.com Gary Blanchard Entrevista de Julián Melgosa
DIVISÃO SUL-ASIÁTICA DO PACÍFICO
P.O. Box 040, 4118 Silang, Cavite, FILIPINAS 20 PERSPECTIVA 32 LIVROS
Lawrence Domingo, ldomingo@ssd.org A religião é causa de violência? The Power of Physical Exercise:
Jobbie Yabut, jyabut@ssd.org Raúl Esperante A practical guide to be healthy
and in shape
DIVISÃO TR ANSEUROPEIA
119 St. Peter’s St., St. Albans, Herts, AL13EY, LOGOS Resenha de Nilde Itin
INGLATERRA 24 Amor: indo além da ética para
Daniel Duda, dduda@ted.adventist.org aceitar a presença de Deus Protest & Progress: Black
Zlatko Musija, zmusija@ted.adventist.org em nossa vida Seventh-day Adventist Leadership
Tihomir Lazic, tlazic@ted.adventist.org and the Push for Parity
Alexandar S. Santrac
DIVISÃO AFRICANA CENTRO - OCIDENTAL Resenha de Emil Dean Peeler
22 Boîte Postale 1764, Abidjan 22,
COSTA DO MARFIM
Juvenal Balisasa, balisasa@icloud.com
Ugochukwu Elems, elems@wad.adventist.org

2 DIÁLOGO 30 • 3 2018
E D ITO R I A L

Esta revista internacional de fé, pensamento e

O CHAMADO PARA SERVIR


ação é publicada três vezes ao ano, em cinco
edições paralelas (português, espanhol, francês,
inglês e italiano), sob o patrocínio da Comissão de
Apoio a Universitários e Profissionais Adventistas
Jovens (Caupa), orgão da Associação Geral dos
Adventistas do Sétimo Dia.

E
Volume 30, Número 3
Copyright © 2018 pela CAUPA.
m todo o mundo hoje, muitos estudantes universitários e jovens Todos os direitos reservados.
profissionais estão ouvindo o chamado para servir – o chamado Diálogo Universitário afirma as crenças
para serem testemunhas de Jesus, mesmo quando esse chamado fundamentais da Igreja Adventista do
Sétimo Dia e apoia a sua missão. Entretanto,
envolve viver perigosamente entre grandes riscos e ameaças para os pontos de vista publicados na revista
o testemunho cristão. Afinal, o próprio Senhor Jesus advertiu: representam o pensamento independente
dos autores.
“Eu os estou enviando como ovelhas entre lobos. Portanto, sejam pruden- Editorial
tes como as serpentes e simples como as pombas” (Mateus 10:16). Editora-Chefe: Lisa M. Beardsley-Hardy
Os jovens estão respondendo ao chamado de Cristo para o serviço em Editores Associados: John M. Fowler,
Hudson E. Kibuuka
missão e estão dedicando um ano de seu tempo para participar do projeto Coordenadoras da Área Editorial: Valérie
One Year in Mission (OYiM)1 [Um Ano em Missão], como uma maneira Moorooven, Gabriela de Sousa Matías e
Roberto Iannó (Italiano)
de viver perigosamente para Cristo. Nas faculdades e universidades, nos Revisora: Karina C. Deana (português)
locais de trabalho e nas vizinhanças em todo o mundo, há pessoas per- Beverly Rumble (inglês)
Editor da Resenha de Livros: Aleksandar Santrac
didas em busca de esperança, com o coração aberto para Deus. Elas são Diagramadora: Claudia Suzana R. Lima
como um campo pronto para a colheita. Se você já morou próximo a um Correspondência Editorial
pomar, conhece essa dura realidade: o que está maduro vai apodrecer, se Diálogo
não for colhido! Quando Deus chama um missionário, é porque há uma 12501 Old Columbia Pike
Silver Spring, MD 20904-6600 U.S.A.
alma madura e pronta para ser colhida. Mas temos que nos apressar!
Telefone 301-680-5073/5065
PLURALISMO RELIGIOSO FAX Fax 301-622-9627
O inimigo não quer que atendamos ao chamado urgente para sermos E-mail: mooroovenv@gc.adventist.org
(Inglês e Francês)
missionários. Satanás introduziu inúmeras formas para evitar que alcan-
desousag@gc.adventist.org
cemos aqueles que ainda não estão salvos. Uma dessas maneiras é um (Espanhol e Português)
vírus malicioso chamado pluralismo religioso, a filosofia de que todas as Comissão CAUPA
religiões são igualmente válidas e todas são caminhos que levam a Deus Presidente: Thomas L. Lemon
Vice-presidentes: Abner de los Santos,
e à salvação. Robert Jeffress relata que “70% dos americanos com alguma Geoffrey G. Mbwana, Ella S. Simmons
afiliação religiosa dizem que muitas religiões – não somente a sua – pode Secretário: Mario E. Ceballos
Secretarios Asociados: Lisa M.
conduzir à vida eterna”.2 Beardsley-Hardy, Gilbert R. Cangy
Secretário Associado: Jiwan S. Moon
Essa filosofia de que “todos os caminhos levam a Roma” é enganosa, Assistente Legal: Thomas E. Wetmore
exatamente porque soa tão inclusiva e tão tolerante. Reflita sobre ela por Membros: Gabriel Begle, Anthony Bosman,
Gabriela de Sousa Matías, Ganoune A.
um momento. Se a salvação pudesse ser alcançada por qualquer outro Diop, Falvo Fowler, Anthony Kent, Hudson
meio que não fosse através de Jesus, então, por que falar sobre a cruz? O E. Kibuuka, Justin Kim, Peter N. Landless,
Faith-Ann A. McGarrell, Linda Mei Lin Koh,
pluralismo religioso torna a cruz de Cristo desnecessária e o evangelismo Valérie Moorooven, Lydia Muwanga, Clinton
L. Wahlen, Tracy Wood
sem sentido. Felizmente, temos as próprias palavras de Cristo para nos
Correspondência sobre circulação: Deve
manter no caminho certo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, nin- ser dirigida ao Representante Regional da
guém vem ao Pai senão por Mim” (João 14:6). E temos também o teste- Caupa na região em que reside o leitor. Os
nomes e endereços desses representantes
munho do Espírito Santo, por meio dos apóstolos: “Não há salvação em encontram-se na página 2.
nenhum outro, pois, debaixo do Céu não há nenhum outro nome dado Website http://dialogue.adventist.org
aos homens pelo qual devamos ser salvos” (Atos 4:12). Website for Italian http://educazione.
avventista.it/dialogue/
Quando Jesus estava no Jardim do Getsêmani, e o peso dos pecados do
Website: http://dialogue.adventist.org
mundo – os seus e os meus – quebrantava o Seu coração, de fato, Ele per-
Website para o italiano http://educazione.
guntou a Seu Pai se não poderia ser de outra maneira: “Meu Pai, se possível, adventista.it/dialogue/
afasta de Mim este cálice” (Mateus 26:39). Mas, notadamente, Deus ficou Impressão e Acabamento: Casa Publicadora
em silêncio. Se realmente houvesse muitos caminhos para Deus, Ele teria Brasileira 9519/34896
falado, resgatado Seu Filho e feito do pluralismo religioso um caminho Referências Bíblicas: Salvo outra indicação,
aceitável para a salvação. Mas Deus emudeceu! Isso porque Jesus é o único os textos bíblicos citados na Diálogo foram
extraídos da Nova Versão Internacional .
caminho. A cruz é apenas o meio.

DIÁLOGO 30 • 3 2018 3
A Bíblia ensina que o Céu é o nosso lar, e Jesus é o e fizeram os acertos para que eles recebessem estudos
caminho. Você acredita nisso? Se sim, você sabe o essen- bíblicos de um casal pastoral, Ralph e Ardyth Trecartin.
cial para ser uma testemunha e se tornar um missioná- Dentro de pouco tempo, o jovem casal foi batizado, e seu
rio! Lamentavelmente, há bilhões no mundo hoje, de bebê foi dedicado na Igreja Adventista do Sétimo Dia.
toda nação, tribo, língua e povo, que desejam ir a Deus, Eu sou particularmente grato porque esse casal res-
mas não sabem “o Caminho”. Daí, o chamado de Cristo pondeu ao chamado de Deus e nos alcançou, pois eu
por voluntários, por missionários do evangelho. Se era aquele bebê que foi dedicado. Passados cinco anos,
nenhum missionário responder ao chamado de Cristo, meus pais também atenderam ao chamado de Deus e
muitos vão morrer em seus pecados, “sem esperança e se tornaram missionários no Malawi, África. Eles dedi-
sem Deus” (Efésios 2:12). caram os 40 anos seguintes para pregar o evangelho às
crianças do sistema educacional adventista. Meu irmão,
CADA UM ALCANÇANDO UM Jason, agora atua como CEO no Hospital Malamulo,
Quando levamos em consideração o tamanho das em Makwasa, Malawi, e eu trabalho como diretor do
cidades onde muitos de nós vivemos e a população que Departamento de Jovens na sede da Associação Geral
mora dentro e ao redor das universidades onde estuda- dos Adventistas do Sétimo Dia. Como tudo isso acon-
mos, podemos ficar pensando de que maneira seremos teceu? Tudo porque duas famílias ouviram o chamado
capazes de fazer a diferença. Mas nunca devemos nos de Deus e nos alcançaram. Nossa família era como um
esquecer de que as pessoas são alcançadas uma por fruto maduro e nós fomos colhidos. Quando Deus vê
vez. Cada um alcançando um! Esse é o plano bíblico. um coração aberto para Ele, Ele envia um missionário.
Deus não enviou um exército para redimir Seu povo Você consegue ouvi-Lo chamando?
da conspiração genocida de Hamã, mas enviou uma
pessoa – Ester – para corajosamente transmitir a men-
sagem dada por Deus ao rei e salvar Seu povo. Daniel Gary Blanchard
alcançou uma pessoa – o chefe dos oficiais – e, através MDiv pela Universidade Andrews, Michigan,
dele, esteve diante do rei da Babilônia para revelar a EUA, é diretor do Departamento de Jovens na
grande atuação de Deus ao longo da história. Como Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia
Jesus alcançou a cidade de Samaria? Por meio de uma em Silver Spring, Maryland, EUA.
mulher, para quem Ele revelou a “Água Viva” (João
4:10), e ela a levou a toda a cidade.
Há vários anos, um jovem casal e seu filho ainda
NOTA S E REFERÊNCIA S
bebê se mudaram para um local nas redondezas de
Gorham, no Maine. Eles estavam “sem esperança e sem
1. Para saber mais a respeito desses jovens adultos, guiados para
Deus”. Justamente do outro lado da rua, morava um a missão do evangelismo nas cidades, acesse a página da inter-
casal adventista do sétimo Dia, cujos nomes eram Earl e net: http://youth.adventist.org/OYIM.
2. Robert Jeffress, Not All Roads Lead to Heaven: Sharing an
Doris Gilman, que conhecia o evangelho da esperança. Exclusive Jesus in an Inclusive World (Grand Rapids, Mich.: Baker
Os Gilmans fizeram amizade com seus novos vizinhos Books, 2016), p. 22.

Lightstok.com

4 DIÁLOGO 30 • 3 2018
A RTI GO

“QUANDO
A MORTE
AINDA NÃO
EXISTIA”:

Gettyimage
O TESTEMUNHO DA
CRIAÇÃO BÍBLICA
JACQUES B. DOUKHAN

A visão bíblica da morte é essencialmente diferente da que


é proposta pela evolução. Enquanto a crença na evolução implica que
a morte está inextricavelmente entrelaçada à vida e, portanto, deve
ser aceita e, mais cedo ou mais tarde, administrada, o ensino bíblico
da criação implica que a morte é um absurdo a ser temido e rejeitado.

DIÁLOGO 30 • 3 2018 5
A
s pessoas interpretam a origem da morte palavra tôb, lança luz sobre o significado da palavra.
de forma diferente, dependendo se elas Enquanto lōʾ ṭôb (“não bom”) faz uma alusão negativa
aceitam a teoria da evolução ou o relato ao ato perfeito e completo do primeiro relato da cria-
da criação bíblica. Enquanto a evolução ção2, a frase ṭôb wārā (“bom e mau”), a palavra e o seu
ensina, com base na observação, que a oposto, sugere que a palavra tôb (“bom”) deve ser com-
morte é um processo natural e necessário na dura bata- preendida como que expressando uma noção distinta
lha pela vida – isto é, que a morte faz parte da vida – a e diferente de rā (“mau, mal”). O fato de a criação ser
Bíblia nos diz, ao contrário, que a morte não fazia parte “boa” significa que ela não continha nenhum mal.
do plano original de Deus. Com base no testemunho O reaparecimento da mesma frase em Gênesis 3:2
da criação bíblica, quatro argumentos podem ser usados confirma esse argumento a partir de outra perspectiva.
para apoiar essa afirmação: O conhecimento do bem e do mal, sugerindo discerni-
mento, conhecer a diferença entre o certo e o errado, foi
1 O mundo foi criado originalmente “bom”; possível somente quando “Adão foi como um de nós em
relação à capacidade de distinguir entre o bem e o mal”
O mundo criado, portanto, “ainda não” havia (minha tradução literal). O verbo hāyâ (“foi”) está no
2
sido afetado pela morte; tempo passado perfeito e se refere a uma situação pas-
sada. Somente enquanto Adão e Eva foram como Deus,
3 A morte não foi planejada; e não tendo pecado ainda, isto é, possuindo a perspectiva
do puro “bem”, é que eles ainda eram capazes de distin-
E a morte já não mais existirá no mundo novo e guir entre o bem e o mal.
4
recriado da esperança escatológica. A mesma linha de raciocínio pode ser percebida, de
forma mais ou menos paralela, em relação à questão
O “BOM” DA CRIAÇÃO da morte, que está em nosso contexto, imediatamente
A obra divina da criação, em cada estágio de seu relacionada à questão do conhecimento do bem e do
progresso, é inequivocamente caracterizada pela pala- mal. Na verdade, a árvore da vida está associada à
vra tôb, (“bom”) (Gênesis 1:1, 4, 10, 18, 21, 25) e, no árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis
final do último passo, como ṭôb mĕʾōd (“muito bom”) 2:9), por estarem localizadas no mesmo lugar, “no
(Gênesis 1:31). O significado da palavra hebraica tôb meio do jardim” (Gênesis 2:9; 3:3). Adão e Eva esta-
necessita ser esclarecido aqui. Na verdade, a ideia de vam ameaçados de perder a vida, assim que eles deixas-
“bom”, no hebraico, tem um sentido mais completo e sem de distinguir entre o bem e o mal (Gênesis 2:17).
abrangente que o que está implícito na tradução em Pois, da mesma forma que o bem (sem o mal) é o único
português. Ele não estaria limitado à ideia de “função”, caminho para ser salvo do mal, a vida (sem a morte) é
significando que apenas a eficiência da operação é o que o único antídoto para a morte.
se pretende aqui.1 Ao contrário, a palavra tôb pode tam- É digno de nota também que essa apreciação divina
bém se referir à beleza estática (Gênesis 24:16; Daniel de “bom” não diz respeito a Deus. Diferente dos relatos
1:4; 1 Reis 1:6), especialmente quando está associada à egípcios da criação, que enfatizam que Deus tudo criou
palavra rāʾâ (“ver”) como é o caso no relato da criação apenas para Seu próprio bem, para Seu próprio deleite
(Gênesis 1:1, 4, 10, 12, 18, 21, 31). e que Sua descendência foi apenas acidental,3 a Bíblia
A palavra tôb pode ter também uma conotação ética insiste em que a obra da criação foi deliberadamente
(1 Samuel 18:5; 29:6, 9; 6, 9; 2 Samuel 3:36) – um sen- planejada para benefício de Sua criação e essencialmente
tido que é evidenciado no contexto do relato da criação, projetada para o “bem” dos seres humanos (Salmo 8).
especialmente ao Deus reconhecer que: “Não é bom Na verdade, os dois textos paralelos sobre a criação, em
que o homem esteja só” (Gênesis 2:18). Essa declaração Gênesis 1 e 2, indicam que reinava perfeita paz inicial-
divina implica claramente numa dimensão relacional, mente. Em ambos os textos, o relacionamento da huma-
incluindo a ética, a estética e até mesmo o amor e a feli- nidade com a natureza é descrito em termos positivos
cidade emocional (Gênesis 2:23; cf. Salmo 133:1). Essa de domínio e responsabilidade. Em Gênesis 1:26, 28, o
avaliação divina é particularmente significativa, pois verbo rādâ (“ter domínio”), que é usado para expressar
parece estar em conexão direta com o primeiro relato da o relacionamento da humanidade com os animais, é
criação, que foi considerado “bom”. um termo que pertence à linguagem da aliança entre os
No segundo relato da criação (gênesis 2:4-25), a suseranos e seus vassalos (ver 1 Reis 4:24; Salmo 72:8)
palavra tôb ocorre cinco vezes, portanto, exercendo um e o domínio real (ver Números 24:19), sem qualquer
papel de palavra-chave, em resposta às sete ocorrências conotação de abuso ou crueldade. No texto paralelo
de tôb no primeiro relato da criação (Gênesis 1:1-2:3). de Gênesis 2, o relacionamento da humanidade com
Esse eco entre os dois relatos da criação, relacionado à a natureza é também descrito nos termos positivos da

6 DIÁLOGO 30 • 3 2018
aliança. O ser humano dá nomes aos animais e, dessa objeto (“os céus e a Terra”), sugere que a conclusão
forma, não somente indica o estabelecimento de uma aponta para o mesmo ato da criação, como o faz a
aliança entre a humanidade e eles, mas também declara introdução. Na verdade, esse fenômeno dos ecos vai
o seu domínio sobre eles (ver Gênesis 41:45).4 Que a inclusive mais além dessas duas linhas. Gênesis 2:1-3
morte e o sofrimento não fazem parte desse relaciona- ecoa Gênesis 1:1, utilizando a mesma frase, mas em
mento é claramente sugerido em Gênesis 1, pelo fato ordem inversa: as palavras “criou”, “Deus”, “os céus e
de que esse domínio está diretamente associado ao ali- a Terra”, de Gênesis 1:1, reaparecem em Gênesis 2:1-3
mento designado aos seres humanos e aos animais; está como “os céus e a Terra” (v. 1), “Deus” (v. 2), “realiza-
limitado ao que as plantas produzem (Gênesis 1:28-30). ra na criação” (v.3) [criara – ARA]. Essa estrutura e a
Em Gênesis 2, a mesma harmonia é retratada no fato de inclusão de “Deus criou” ligando Gênesis 1:1 e Gênesis
que os animais são designados a proporcionar compa- 2:3 reforçam a estreita relação entre as duas seções, no
nheirismo aos seres humanos (Gênesis 2:18). início e no final do texto, confirmando novamente
A essa altura do relato, o relacionamento da huma- que a criação a que se refere o fim do relato é a mesma
nidade com Deus não havia sofrido nenhuma pertur- criação que foi referida no início do relato bíblico. O
bação. A perfeição desse relacionamento é sugerida por evento da criação, que se encontra em Gênesis 1:1 a 2:4
meio de uma descrição dessa relação feita somente em (primeira parte) é contado, portanto, como um evento
termos positivos: Gênesis 1 menciona que a humanida- completo. Não complementa uma obra feita anterior-
de foi criada “à imagem de Deus” (Gênesis 1:26, 27), e mente em um passado distante (a teoria lacuna), nem
Gênesis 2 relata que Deus esteve envolvido pessoalmen- deve ela ser complementada em uma obra posterior do
te na criação dos seres humanos e soprou neles o fôlego futuro (teoria da evolução).
de vida (Gênesis 2:7).
Da mesma forma, o relacionamento entre o homem e O “AINDA NÃO” DA CRIAÇÃO
a mulher é perfeitamente puro. A perfeição da unidade Parece que todo o relato do Éden foi escrito com
conjugal é indicada ao ser mencionado que a humani- base na perspectiva de um escritor que já sabe das
dade foi criada como “homem e mulher” (Gênesis 1:27), consequências da morte e do sofrimento e, portanto,
e em Gênesis 2, por meio de uma declaração de Adão descreve esses eventos de Gênesis 2 como uma situa-
a respeito de sua esposa como sendo “ossos dos meus ção de “ainda não”. De maneira bastante significativa,
ossos, e carne da minha carne” (Gênesis 2:23). Toda a palavra terem (“ainda não”) é citada duas vezes na
a criação é descrita como perfeita. Diferentemente da introdução do texto (Gênesis 2:5), definindo o tom
antiga tradição egípcia sobre as origens, que pressupõe de toda a passagem. E mais adiante no texto, a ideia
que o mal já estava presente no cenário da criação, a de “ainda não” está, na verdade, implicitamente indi-
Bíblia não deixa espaço para o mal na criação original. cada. O āfār (“pó da terra”), do qual a humanidade
De maneira significativa, no final da obra realizada por foi formada (Gênesis 2:7), antecipa Gênesis 3:19: “ao
Deus, a própria ideia de perfeição é expressa por meio pó voltará”. A árvore do conhecimento do bem e do
da palavra wayĕkal (Gênesis 2:1, 2), para qualificar toda mal (Gênesis 2:17) antecipa o dilema da humanidade
a criação. Essa palavra hebraica, geralmente traduzida mais tarde confrontada com a escolha entre o bem e
por “concluídos” (NVI) e “acabados” (ARA), transmite o mal (Gênesis 3:2-6). A tarefa dada à humanidade
mais do que a simples ideia cronológica de “fim”; ela foi šāmar (“guardar”) o jardim em seu estado original,
também implica na ideia quantitativa de que não falta que implica no risco de perdê-lo, portanto, antecipa a
nada e de que não há nada a acrescentar, confirmando decisão de Deus em Gênesis 3, de expulsá-los do jar-
novamente que a morte e todas as formas do mal esta- dim (v. 23) e confiar a guarda (šāmar) do jardim aos
vam totalmente ausentes desse quadro. querubins (Gênesis 3:24). Essa mesma palavra (šāmar)
Além do mais, o texto bíblico não permite a especu- é usada em ambas as passagens, mostrando a ligação
lação de uma pré-criação na qual a morte e a destruição entre elas; a primeira aponta para a última, sugerindo a
estivessem envolvidas. Os ecos entre a introdução e a situação de “ainda não”. Da mesma forma, o motivo de
conclusão indicam que a criação a que se refere a con- vergonha em Gênesis 2:25 aponta para a vergonha que
clusão é a mesma que é mencionada na introdução. Adão e Eva sentiriam tempos depois (Gênesis 3:7).5 A
“Os céus e a Terra” mencionados em Gênesis 2:4 mesma ideia é transmitida através do jogo de palavras
(primeira parte), ao ser concluído o relato da criação, entre ʿārôm (“nu”) e ʿārûm (“astúcia”) da serpente; a
são os mesmos de Gênesis 1:1, que é a introdução ao primeira (Gênesis 2:25) é aqui também uma prolepse 6
relato da criação. Os ecos entre as duas frases em des- [antecipação] e aponta mais à frente para a última
taque são significativos. (Gênesis 3:1), para indicar a tragédia que se iniciará
O fato de que o mesmo verbo bārāʾ (“criou”) é mais tarde (Gênesis 3:1) através da associação entre a
usado para designar o ato da criação, e com o mesmo serpente e os seres humanos, a qual ainda não ocorreu.7

DIÁLOGO 30 • 3 2018 7
A MORTE NÃO FOI PLANEJADA
A inversão da criação. O texto bíblico (Gênesis Para os autores bíblicos, a morte
3) nos fala que um evento não planejado aconteceu e
inverteu o quadro original de paz em um quadro de
é uma contradição para o Deus
conflito:8 conflito entre os animais e os seres humanos Criador, que é vida em Si mesmo.
(Gênesis 3:1, 2, 13, 15), entre o homem e a mulher Santidade, que é a plenitude da
(Gênesis 3:12, 16, 17), entre a natureza e os seres huma-
nos (Gênesis 3:18, 19) e, finalmente, dos seres humanos vida, é incompatível com a morte.
contra Deus (Gênesis 3:8-10, 22-24). A morte faz sua
primeira aparição quando um animal é morto para ao pecado humano, conforme citado em Romanos 6:23,
cobrir a nudez do ser humano (Gênesis 3:21), mas agora tendo em vista que o pecado pertence essencialmente
ela está claramente delineada no horizonte para toda a à esfera humana. É digno de nota que, na Bíblia, a
humanidade (Gênesis 3:19-24). A bênção de Gênesis 1 e primeira e a última aparições da morte na história da
2 foi substituída pela maldição de Gênesis 3:14, 17. Na humanidade estejam associadas ao pecado e ao destino
verdade, o equilíbrio ecológico original foi perturbado,
humano (Gênesis 2:17; Isaías 25:8; Apocalipse 21:3, 4).
e somente um novo evento – o pecado da humanidade
Assim, a visão bíblica da morte é essencialmente
– é o culpado por isso.
diferente da que é proposta pela evolução. Enquanto a
A visão bíblica da morte. É significativo ver que a
grande maioria das ocorrências da palavra técnica para a crença na evolução implica que a morte está inextrica-
morte, mût, refere-se aos seres humanos, raramente aos velmente entrelaçada à vida e, portanto, deve ser aceita
animais (Gênesis 33:13; Êxodo 7:18, 21; 8:9, 13; 9:6, 7; e, mais cedo ou mais tarde, administrada, o ensino
Levítico 11:39; Eclesiastes 3:19; Isaías 66:24), e nunca bíblico da criação implica que a morte é um absurdo a
é usada para as plantas em si. A mesma perspectiva é ser temido e rejeitado. A evolução ensina uma submis-
refletida no uso da palavra nepeš (“vida”) cujo ponto são intelectual à morte.
de partida é o equivalente ao da morte,9 que também A visão hebraica da morte também se mantém à parte
se aplica geralmente aos humanos, algumas vezes aos no antigo Oriente Próximo. Embora os cananeus e os
animais, mas nunca para as plantas. A razão para essa antigos egípcios achassem a morte algo normal ou a
ênfase na morte humana (versus animais e plantas) negassem através dos mitos dos deuses da morte (Mot e
reside na preocupação bíblica pela salvação humana e o Osíris), A Bíblia confronta a morte proferindo um grito
lugar da consciência e da responsabilidade humana no existencial de revolta e um suspiro de saudade (Jó 10:18-
destino cósmico. Isso porque a morte está relacionada 22; 31:35, 36; Romanos 8:22). Para os autores bíblicos,
Gettyimage

8 DIÁLOGO 30 • 3 2018
a morte é uma contradição para o Deus Criador, que é A leitura literária dos textos de Gênesis sugere que
vida em Si mesmo. A expressão frequentemente profe- existe mesmo uma deliberada intenção de enfatizar estas
rida, “Deus [ou o Senhor] está vivo [hay]”, é uma das razões para justificar a ausência da morte na criação:
frases mais usadas a respeito de Deus.10 Santidade, que 1. Em Gênesis 1, há a repetição da palavra tôb por
é a plenitude da vida, é incompatível com a morte. A lei sete vezes, chegando à sétima sequência em ṭôb mĕʾōd
mosaica proíbe o consumo de sangue de animais, exata- (“muito bom”).
mente porque “a vida da carne está no sangue” (Levítico 2. Em Gênesis 2, a dupla repetição da palavra terem
17:11); os cadáveres eram considerados impuros, e qual- (“ainda não”), e a prolepse antecipando o “ainda não”
quer pessoa que tocasse em um corpo morto também de Gênesis 3.
estaria impura por sete dias, e durante esse período Se, com base nas atuais observações, a evolução não
ficaria fora do santuário e do povo de Israel (Números pode conceber a vida sem a morte, a fé na criação leva-
19:11-13). Os sacerdotes, por serem consagrados a Deus, -nos, de maneira sobrenatural, para além dessa realida-
eram proibidos de se aproximar de uma pessoa morta; de, a fim de entendermos que, realmente, a morte nada
eram proibidos de entrar em um cemitério ou de par- tem a ver com a vida.
ticipar de um funeral, exceto de um parente próximo
(Ezequiel 44:25). Todos esses mandamentos e rituais A versão original deste artigo foi impressa como um capítulo em The
Genesis Creation Account and Its Reverberations in the Old Testament, publi-
eram destinados a reafirmar a vida e a dar significado à cado por Gerald Klingbeil (Berrien Springs, Michigan, Andrews University
atitude hebraica com relação à morte “como sendo uma Press, 2015). Foi ligeiramente editorado e condensado para a publicação
na Diálogo e usado com permissão.
intrusa e o resultado do pecado.” 11

QUANDO A MORTE NÃO MAIS EXISTIR Jacques B. Doukhan


Não deve ser nenhuma surpresa, então, o fato de os DHebLit, pela Universidade de Estrasburgo e
profetas bíblicos terem entendido a esperança e a salva- ThD, pela Universidade Andrews, é professor de
ção apenas como a recriação total de uma nova ordem Hebraico e Exegese do Antigo Testamento no
em que a humanidade e a natureza desfrutarão da últi- Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia,
ma reversão de Deus, quando a criação será totalmente em Berrien Springs, Michigan, EUA.
“boa” novamente, “não mais” será afetada pelo pecado e
não haverá mais morte (Isaías 65:17; 66:22; Apocalipse 1. Ver John H. Walton, The Lost World of Genesis One, Ancient
21:1-4). Nessa nova ordem, o “bem” não estará mais Cosmology and the Origins Debate (Downers Grove, Ill.: IVP
NOTA S E REFERÊNCIA S

Academic, 2009), p. 51, 149-151.


misturado com o “mal”, assim como a morte não mais 2. Ver James McKeown, Genesis (The Two Horizons Old Testament
estará misturada com a vida. Será uma ordem em que a Commentary; Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 2008), p. 33.
glória de Deus ocupa todo o espaço (Apocalipse 21:23; 3. Ver James Allen, Genesis in Egypt: The Philosophy of Ancient
Egyptian Accounts (Yale Egyptological Series 2; New Haven,
22:5). A esperança para a nova criação dos céus e da Conn.: Yale University Press, 1988), p. 43, 44.
Terra, onde a morte não mais vai existir, se torna mais 4. Cf. Umberto Cassuto, A Commentary on the Book of Genesis
(Jerusalem: Magnes Press, 1974); Claus Westermann, Creation
uma confirmação de que a morte não era parte da cria- (London: Society for Promoting Christian Knowledge, 1974), p. 85.
ção original de Deus. 5. B. N. Wambacq, “Or tous deux étaient nus, l’homme et la femme,
mais ils n’en avaient pas honte (Gênesis 2:25),” in Mélanges bib-
liques en hommage au R.P. Beda Rigaux (A. Descamps and A. de
CONCLUSÃO Halleux, eds.; Gembloux: Deculot, 1970), p. 553-556.
A narrativa bíblica das origens ensina que a morte 6. Jerome T. Walsh, “Gênesis 2:46-3:24: A Synchronic Approach,”
Journal of Biblical Literature 92 (1977): 164. Cf. Doukhan,
não era parte da criação original, por quatro razões Genesis Creation Story, (Andrews, Mich.: Andrews University
fundamentais: Press, 1978), p. 76.
7. Ver Walsh, “Gênesis 2:46-3:24,” p. 161-177. Ver também Luis
1. A morte não era parte da criação porque o relato Alonso-Schökel, “Sapiential and Covenant Themes in Gen 2–3,”
Theology Digest 13 (1965): 3–10; Doukhan, Genesis Creation Story,
qualifica a criação como “boa”. 76; Yosef Roth, “The Intentional Double-Meaning Talk in Biblical
Prose” [Heb], Tarbiz 41 (1972): p. 245-254; Jack M. Sasson, “wĕlōʾ
2. A morte “ainda não” existia porque o relato é carac- yitbōšāšû (Gênesis 2:25) and Its Implications,” Biblica 66 (1985):
terizado como uma situação de “ainda não”, com base p. 418.
na perspectiva de alguém cuja condição já está afetada 8. Ver McKeown, Genesis, p. 37.
9. Ver J. Illman, “mût, ‫תּומ‬,” Theological Dictionary of the Old Testament
pela morte e pelo mal. (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1996), 8: p. 191.
10. Ver Josué 3:10; 1 Samuel 14:39; 25:34; Ezequiel 5:11; etc.
3. A morte ocorreu devido ao pecado da raça huma- 11. Elmer Smick, “mût, ‫תּומ‬,” Theological Wordbook of the Old Testament
na, que resultou numa reversão da intenção original de (Chicago, Il.: Moody Press, 1980), 1:497.
Deus para com a criação.
4. O fato de que a morte não se destinava a fazer parte
da criação original de Deus é evidenciado na futura
recriação dos céus e da Terra onde a morte estará ausente.

DIÁLOGO 30 • 3 2018 9
A RTI GO

Gettyimage
Somente quando os cristãos
BEN CLAUSEN forem confiáveis nas áreas
que os cientistas conhecem

O QUE OS
é que serão confiáveis nas
áreas que eles desconhecem.

ADVENTISTAS
N
o período em que estudava para obter

TÊM PARA
minha graduação em Física Nuclear,
nossa equipe de pesquisa utilizava os
aceleradores de partículas durante as 24
horas do dia, sete dias por semana. Ao

COMPARTILHAR
pedir para não participar da pesquisa aos sábados, meu
professor se esforçou ao máximo para fazer os ajustes
necessários. Com isso, sempre me perguntavam sobre
as crenças adventistas. Eu poderia dar uma lista de

COM A
doutrinas; o colega que me perguntasse ouviria educa-
damente e acabaria aí. Haveria uma maneira melhor de
compartilhar minha fé?

COMUNIDADE
Em minha pesquisa atual sobre as placas tectônicas,
datação radiométrica e rochas graníticas, descobri que
o relato bíblico das origens não é muito fácil de ser
confirmado pela ciência. Os criacionistas apresentam

CIENTÍFICA?
muitas sugestões, mas elas exigem pesquisas para serem
confirmadas. Além disso, pode haver certa dificuldade
de confirmação científica pelo fato de as questões quanto

10 DIÁLOGO 30 • 3 2018
às origens terem a ver com eventos únicos, e não com viesse causar obstáculos ao cristianismo. Depois da
processos contínuos. Seja como for, os criacionistas não apresentação de sua palestra, um cético lançou uma
possuem um modelo científico melhor, assim, o que se pergunta bombástica. O palestrante o encurralou com
poderia dizer aos colegas cientistas que fazem perguntas outras perguntas que o fizeram parecer um tolo. O aluno
a respeito desse assunto? cristão ficou satisfeito, pois o “defensor do Senhor” havia
Depois de ter sido questionado recentemente sobre triunfado. Foi então que ouviu uma mulher dizer a outra
a minha disposição de fazer apologética, escrevi uma à saída: “Não me importo se o palestrante está certo.
longa resposta descrevendo o objetivo de minha vida, Não concordo com sua postura. Ganhar pessoas é mais
que é compartilhar Jesus, o cristianismo e a mensagem importante do que vencer pelos argumentos.”
adventista. A seguir apresento algumas de minhas ideias
sobre como e o que compartilhar no meio acadêmico. UMA MANEIRA MELHOR
Embora o isolamento e as reprovações feitas por
ABORDAGENS DEFICIENTES NO João Batista tenham o seu lugar,11 podemos buscar
COMPARTILHAR em Deus a melhor maneira de compartilhar de nossa
Primeiramente, gostaria de compartilhar como penso fé em cada situação.
que a abordagem não deve ser feita. Ao procurar con- Ellen White afirmou: “Atraímos as pessoas a Cristo
quistar as pessoas hoje, somos tentados a utilizar os não as fazendo desacreditar naquilo em que acreditam,
mesmos métodos que Jesus foi tentando a utilizar ao ser de maneira ruidosa, dizendo a elas quão erradas elas
provado no deserto1: operar um milagre para suprir uma estão e quão certos nós estamos, mas mostrando a elas
necessidade, transformar as pedras em pão; fazer uso uma luz tão bela que elas desejarão conhecer a fonte
do mistério para manipular e causar deslumbramento dessa luz de todo coração.12
ao saltar do pináculo do templo e, finalmente, apelar Em seu artigo sobre Apologética Cristã,13 C. S. Lewis
para a força da autoridade a fim de governar com poder. escreveu que “a ciência distorcida em benefício da apo-
Jesus se negou a operar essas formas de sinais e maravi- logética seria pecado e tolice”, e defender as doutrinas
lhas que o povo desejava ver (João 4:48).2 em um debate é “espectral”, porque se baseia “em si
As abordagens contraproducentes contêm fortes argu- mesma”. Um cristão pode fazer muito mais escrevendo
mentos que condenam as ideias equivocadas e apresen- “um bom livro popular sobre qualquer forma de ciên-
tam as características mais objetáveis dos oponentes. cia” do que por apologética direta. No final da vida,
No entanto, até os oponentes mais acirrados devem Lewis “abandonou a abordagem apologética” e “vol-
ser tratados com respeito e deferência.3 A comunidade tou a contar histórias […] para transmitir as grandes
secular acredita que é a “religião dogmática conservado- verdades espirituais” que podem roubar “os dragões
ra que causa danos” e é responsável pela longa e cruel vigilantes do passado.”14 Ele disse que o cristianismo
história das cruzadas, do jihad, da inquisição e dos não é “um argumento que requer seu consentimento,
massacres.”4 Um “cristão que se tornou ateu e depois se mas […] uma Pessoa que pede a sua confiança”, pois a
tornou um seguidor de Cristo” sugeriu cinco maneiras crença em uma teoria é proporcional à evidência, mas
de não abordar os ateus: atacar a ciência; dizer a eles a confiança em uma pessoa é baseada na experiência.15
que não têm moral; proferir frases prontas; ignorar suas Semelhantemente, Kierkegaard falou a respeito da razão
ideias e, sob hipótese alguma, entrar em discussão.5 O como um salto para a fé,16 e Chesterton disse: “Você
termo compartilhar envolve uma abordagem melhor que somente pode encontrar a verdade baseada na lógica, se
a apologética, pois não enfatiza o argumento. já tiver encontrado a verdade sem ela.”17
Compartilhar não exige que se diga tudo (ver Isaías Em Atenas, Paulo usou a lógica e a filosofia. Ao desco-
53:7). Por várias razões, Jesus pediu que o leproso cura- brir que isso produzia poucos resultados, decidiu evitar a
do ficasse em silêncio.6 Depois da confissão de Pedro, elaboração de argumentos em Corinto.18 Lá ele não usou
Jesus recomendou que os discípulos não dissessem nada, o “discurso eloquente de sabedoria”, mas disse: “Decidi
porque havia tanto “falso conceito do Messias, que um nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo” (1 Coríntios
anúncio público do Mesmo não lhes daria ideia exata 2:1-5). Paulo lhes mostrou “um caminho mais excelente”,
de Seu caráter e de Sua obra.”7 Os três discípulos que com o maior deles sendo o amor (1 Coríntios 12:31; 13).
presenciaram a transfiguração de Cristo não deveriam Pessoalmente, acredito que os métodos usados por
compartilhar a experiência com outros, porque “apenas Jesus, conforme descritos em O Desejado de Todas as
despertaria o ridículo, ou ociosa admiração”.8 Deus não Nações, consistem no melhor guia para compartilhar a
é mencionado no livro de Ester, e ela não revelou sua nossa fé. No Sermão do Monte, Jesus “não atacou, toda-
origem judaica, mesmo assim, era fiel. Os valdenses via, diretamente os erros do povo”, no entanto, “ensinou-
levavam bíblias consigo, secretamente, e compartilhavam -lhes alguma coisa infinitamente melhor.”19 “Os homens
o evangelho somente com aqueles em quem confiavam.9 podem combater ou desafiar a nossa lógica, […]; mas a
Um relato em Humble Apologetics10 ilustra a possibi- vida de amor desinteressado é um argumento que não
lidade de vencer a batalha, mas perder a guerra. Um pode ser contradito.”20 Na Sua maneira de tratar com
aluno cristão de um campus secular estava preocupado Tomé, “Jesus não esmagou Tomé com censuras, nem
com o fato de que um apologista cristão convidado entrou com ele em discussão. Revelou-Se ao duvidoso.”21

DIÁLOGO 30 • 3 2018 11
Aprendi com minha esposa a melhor maneira de com- Jó compreendeu o contexto global depois que Deus o
partilhar. Durante os anos que passei na universidade, questionou a respeito da natureza (Jó 42:3). Deus disse
decidi utilizar o método científico para escolher uma a Isaías: “Assim como os céus são mais altos do que a
companheira. Fiz uma lista de atributos do lado esquer- Terra, também os Meus caminhos são mais altos do que
do de uma folha de papel, uma lista de moças que me os seus caminhos, e os Meus pensamentos, mais altos do
interessavam na parte superior e então preenchi os requi- que os seus pensamentos” (Isaías 55:9).29 “Precisamente
sitos de acordo com o perfil de cada uma. Considerei as como Deus realizou a obra da criação, jamais Ele o reve-
opções, decidi com quem deveria me casar, convidei-a lou ao homem; a ciência humana não pode pesquisar
para encontros e a pedi em casamento. O método cien- os segredos do Altíssimo. Estabeleçam alvos elevados,
tífico funcionou muito bem, pois estamos casados há 40 e não poupem esforços para alcançá-los.30 “[…] Ideias
anos. No entanto, aprendi, desde então, que para isso é infinitas não se podem corporificar perfeitamente em
necessário que haja mais do que apenas evidência e lógica. finitos veículos de pensamento. Em lugar de as expres-
A melhor maneira significa muito mais do que ter o sões da Bíblia serem exageradas, […] as fortes expressões
melhor modelo científico, ou provar que estamos certos, se enfraquecem ante a magnificência da ideia.”31
ou batizar mais pessoas.22 O alvo é compartilhar da O cristianismo apresenta mais opções, inclusive ter-
melhor maneira a respeito de Cristo como Deus: um ceiras opções: nem o publicano, nem o fariseu (Lucas
Deus poderoso que faz muito mais do que os seres huma- 18:14); nem o filho pródigo, nem o irmão mais velho
nos podem explicar e um Deus bom, em quem podemos (Lucas15:11-32); nem a idolatria, nem regras rígidas;32
confiar em face do mal. nem sobre os ímpios, nem sobre os justos (Eclesiastes
7:16, 17). Não foi a esposa de Jó, que lhe disse para
UM DEUS PODEROSO REPRESENTA UMA amaldiçoar Deus e morrer (Jó 2: 9), nem foram seus
PERSPECTIVA MUITO MAIOR amigos que defendiam a Deus, mas foi Jó a quem Deus
A criação de Deus é fascinante, poderosa e reinter- elogiou (Jó 42: 7). Jó disse: “Embora Ele me mate, ainda
pretada de maneiras muito mais amplas pela ciência. assim esperarei nEle; certo é que defenderei os meus
A cosmologia progrediu para o heliocentrismo e o caminhos diante dEle” (Jó 13:15).
Universo em expansão. A física foi revolucionada pela O cristianismo amplia a vida e expande as iniciativas.
relatividade, pela mecânica quântica e pela teoria do Não há nada de errado com a ambição de “estar no topo
caos. A geologia foi transformada pela energia universal da grandeza intelectual”. É necessário que os jovens
explicativa das placas tectônicas. “estabeleçam alvos elevados, e não poupem esforços
À medida que o conhecimento avança, o materialis- para alcançá-los”.33 Pessoas seculares e bem-educadas
mo puro é visto como sendo cada vez mais insatisfató- não ficarão satisfeitas em ter Deus em uma caixa 34
rio. A matemática tem os teoremas da incompletude ou crenças que alegam ter todas as respostas. Elas são
de Gödel. A nova física perde por completo o determi- curiosas, abertas ao aprendizado e ao crescimento, com
nismo, a objetividade e o reducionismo. O Big Bang 23 uma ampla gama de interesses.
e a segunda lei da termodinâmica 24 apontam para um Assim como Jesus usou as parábolas com fatos do
começo e para “Alguém que deu origem a esse começo”. dia a dia para exemplificar princípios divinos, a cultura
A sintonia fina das constantes físicas parece indicar um popular de hoje pode servir de ilustração para uma pers-
Universo projetado para a vida.25 O complexo projeto pectiva cristã mais ampla aos amigos seculares. O livro
biológico sugere a necessidade de um “Projetista”26. A de Carl Sagan35 e o filme Contact, por exemplo, revelam
consciência humana expressada no autoconhecimento a busca de um cientista por algo mais. Depois de ler Lost
e no livre-arbítrio implica uma “Consciência Maior”. Paradise [Paraíso Perdido], Mary Shelley escreveu o clás-
Um de meus alunos, vindo da África do Sul, foi atraído sico Frankenstein, sobre um monstro por ela criado, mos-
para a ciência e se afastou da igreja durante a adolescência. trando os perigos da ciência. The Giver36 e o filme que
Ele descobriu, porém, que a ciência é fria e sem respostas dele originou em 2014, ilustram os problemas de uma
para o dilema do sofrimento e seu propósito. Ele voltou sociedade sem liberdade ou sentimentos. Um colega de
para Deus através da influência de um cientista judeu mes- geologia recomendou o livro Story of Your Life [História
siânico,27 que apresentou um seminário sobre a fina sinto- da Sua Vida],37 que serviu de base para o filme Arrival,
nia do Universo e a improbabilidade da evolução da vida. lançado em 2016, tendo como tema o tempo, o livre-
Os materialistas sabem como as coisas funcionam, -arbítrio e o determinismo. No final de uma viagem a
mas não porquê. No início, Charles Darwin apreciava um campo geológico na Escandinávia, meus colegas dis-
a poesia, Shakespeare, a música e o cenário, mas mais cutiram extensamente o best-seller do New York Times,
tarde essas coisas se tornaram apenas um mecanismo no qual o autor descreveu de forma bem-humorada a sua
para as leis de pulverização além dos fatos. Wladimir tentativa de obedecer à Bíblia de forma literal.38
Lenin não suportava flores e música, porque elas o obri- O sábado simboliza tudo isto: Deus é o Senhor do
gavam a dizer coisas gentis e tolas. 28 Alguma coisa mais tempo. Deus é Todo-sabedoria, por isso nós adora-
é necessária – o propósito, o significado e a bondade, e mos no sétimo dia, mesmo sem entender exatamente
não somente o acaso sem esperança. O mal precisa ser como Ele tudo criou em sete dias. Nós adoramos o
reparado com um final feliz, não pela aniquilação. Criador, não a criação ou a criatura.39 Não precisamos

12 DIÁLOGO 30 • 3 2018
nos preocupar em tentar explicar a criação e o Dilúvio de Jesus (Mateus 26:6-13). A hora do juízo (Apocalipse
cientificamente. Um Deus pessoal separou um tempo 14:7) está baseada na maneira como tratamos os menos
para estar conosco por amor, não forçados pelo medo. afortunados entre nós (Mateus 25:31-47). Jesus usou
o sábado para curar50 e está preocupado com o modo
UM DEUS BOM REPRESENTA UMA BÊNÇÃO como as pessoas são tratadas (Isaías 58). A mensagem
PARA A SOCIEDADE de Elias faz parte da mensagem final sobre os relaciona-
Abraão, José, Daniel e todo o povo hebreu deveriam mentos restaurados (Malaquias 4:5, 6).
ser uma benção entre as nações.40 “Unicamente o método
de Cristo trará verdadeiro êxito […]. [Ele] ministrava- LIÇÕES DA MINHA VIDA
-lhes às necessidades e granjeava-lhes a confiança”,41 Um renomado geólogo que conheci num congresso
“misturando-Se com eles como alguém que lhes desejava em 2011, na Espanha, demonstrou interesse em cola-
o bem-estar.”42 Paulo chegou a dizer: “Embora seja livre borar com nossa pesquisa sobre granito, realizada no
de todos, fiz-me escravo de todos, para ganhar o maior Peru. Ao descobrir que meu nome estava ligado aos
número possível de pessoas” (ver 1 Coríntios 9:19-23). criacionistas na Internet, ele reconsiderou seus propósi-
Construir pontes usando o “modelo do sal” é uma alter- tos. No entanto, depois de me fazer uma visita e de ver
nativa missionária para o “modelo de fortaleza”.43 Podemos meu nome associado a várias publicações sobre física
apresentar um Deus cuidadoso em face do mal, uma nuclear, ele ficou satisfeito. Desde então, temos conver-
comunidade segura, acolhedora e plena da graça diante sado sobre Galileu, sobre a teodiceia, as eleições de 2016
do fracasso, e a ciência em ação para tornar o mundo nos Estados Unidos, o descanso no sábado, o complexo
um lugar melhor. Os questionamentos virão com base registro geológico e os líderes da igreja. Ele enfatiza que
no estilo de vida. O famoso ateu Christopher Hitchens, eu deveria estudar Deus através de ambos os livros: a
disse o seguinte, a respeito de sua amizade com um cristão natureza e a Bíblia, e que Jesus queria alcançar as pesso-
evangélico: “Se todos, nos Estados Unidos, tivessem as as. Ele sugeriu o seguinte: a ciência não tem a intenção
mesmas qualidades de lealdade, cuidado e preocupação de destruir a fé, pois elas podem ser compatíveis; a igreja
pelos outros que Larry Taunton tinha, estaríamos vivendo será deixada para trás se fechar suas portas à ciência.
em uma sociedade muito melhor do que a que vivemos.”44 Nosso grupo de pesquisas tem uma porta aberta para
O cientista cristão será uma pessoa responsável, um a comunidade científica, e não pratica a pseudociência.
colega confiável, que usa de precaução com as evidências,
Outros breves exemplos baseados em muitas experi-
especialmente aquelas que dizem respeito às origens:45
ências pessoais que me foram dadas por Deus:
não espere que a ciência prove a Bíblia. Seja criterioso
em evocar o uso que Deus faz do fiat [“Haja”] durante • Dar um estudo bíblico sobre “o estado dos mortos”
o processo. Seja sensato em julgar a comunidade cien- para um colega batista, enquanto trabalhava para
tífica como particularmente sinistra ou preconceituosa. uma companhia de petróleo em Houston.
Trabalhe dentro do prazo convencional da bolsa de • Incluir, em minha dissertação de doutorado, entre
estudos e publique a sua pesquisa. Problemas com o os agradecimentos, “a minha gratidão ao Criador,
modelo padrão não significam automaticamente que por fazer de nosso mundo natural um fascinante
sua alternativa seja a melhor. Teste as ideias criacionis- tema de estudo”.
tas com base nos dados da natureza e assuma só o que • Distribuir O Grande Conflito aos estudantes de
puder ser apoiado por eles. Trabalhe de acordo com um pós-graduação em física; O Desejado de Todas as
modelo construtivo do quadro geral em vez de atacar as Nações e um livro missionário adventista para meus
características dispersas dos modelos existentes. Somente professores e Bíblias na língua russa para os cientis-
quando os cristãos forem confiáveis nas áreas que os
tas enquanto realizávamos pesquisas naquele local.
cientistas conhecem é que serão confiáveis em áreas que
eles desconhecem.46 Várias situações proporcionaram oportunidades para
Mentes virtuosas47 demonstram o que significa amar a conversas e fazer novas amizades: na ocasião em que
Deus com “todo o seu entendimento” (Mateus 22:37): ter fui entrevistado para trabalhar em uma companhia de
coragem para ouvir ideias profundamente ameaçadoras; petróleo, um geólogo notou as aulas de religião em meu
ter discernimento para considerar outras possíveis expli- histórico escolar e expressou sua crença. Um físico em
cações; ter curiosidade além de uma resposta superficial Moscou perguntou-me sobre a origem do mal e nós
ou simplista; ser honesto na apresentação sem distorção continuamos a nos corresponder periodicamente por
ou manipulação; ter humildade medida pela consciência muitos anos. Um ateu e ex-adventista enviou um e-mail
de estar diante de um Deus infinito e onisciente. um tanto hostil, mas obteve uma “resposta branda”, e ele
“A última mensagem de graça a ser dada ao mundo se tornou um correspondente regular, a quem finalmente
é uma revelação do caráter do amor divino.”48 Não é pude fazer uma visita em sua própria casa. Os colegas da
a “verdade teológica” dos “fanáticos religiosos”, mas área de ciências têm expressado seu interesse no estilo de
a “verdade genuína, segundo se manifesta na vida”.49 vida adventista de saúde. Vários geólogos convidados para
No evangelho eterno a ser dado ao mundo (Apocalipse uma viagem de pesquisa em campo no Peru têm partici-
14:6) está incluído o relato da mulher que lavou os pés pado conosco da oração antes das refeições, como tam-

DIÁLOGO 30 • 3 2018 13
bém do culto todas as manhãs e do descanso no sábado. Theology and Ethics, Walter Hooper, ed. (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans,
1970), p. 89-103, especialmente p. 92, 93 e 103.
Os princípios éticos da Universidade de Loma Linda, 14. Lisa M. Beardsley, “Stealing Past Watchful Dragons: Communicating
With the Postmodern Mind”, Diálogo 21:1 (2009), p. 3, 4.
cujo objetivo é beneficiar a comunidade, têm sido espe- 15. C. S. Lewis, “On Obstinacy in Belief”, em The World’s Last Night and
cialmente significativos para muitos colegas de geologia. Other Essays (New York: Harcourt: 1973), p. 13-30, especialmente p.
26: https://archive.org/details/worldslastnighta012859mbp.
Um deles, da Colômbia, apreciou muito a estátua do 16. Søren Kierkegaard, Kierkegaard’s Concluding Unscientific Postscript
Bom Samaritano que foi erguida no campus. Outro (Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1944), p. 15,
90-96, 105, 306, 340, 343.
com quem me hospedei na Rússia desejou beneficiar 17. G. K. Chesterton, “The Maxims of Maxim”, Daily News (25 de
Fevereiro de 1905). In Defense of Sanity: The Best Essays of G. K.
a comunidade da qual fazíamos parte e algum tempo Chesterton, Dale Ahlquist, Joseph Pearce, and Aidan Mackey, eds. (San
depois me convidou para visitar seus alunos em uma Francisco, Calif.: Ignatius Press, 2011), p. 90; https://books.google.
com/books?id=A9IwDwAAQBAJ.
universidade americana. Um ateu com quem fiz uma 18. Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 1986), p. 244.
amizade improvável enquanto participávamos de um 19. , O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa
congresso na África do Sul, desde então, faz questão de Publicadora Brasileira, 1990), p. 299.
20. Ibid., p.141; ver também p. 340; , Parábolas de Jesus
mencionar que sou cristão sempre que nos encontramos. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1996), p. 231.
Quando ele perguntou em que os adventistas acreditam, 21. ,O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1990), p. 808; ver também p. 350; ,
apreciou muito a resposta que lhe dei, ao dizer que o Parábolas de Jesus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1996), p. 57.
nosso objetivo é tornar o mundo um lugar melhor. 22. , Profetas e Reis (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
1992), p. 367-368; ver também Isaías 19:24, 25.
Algumas amizades resultaram em um relacionamento 23. Robert Jastrow, God and the Astronomers (New York: Norton, 1978),
p.115, 116.
adventista mais próximo. Um colega de física pediu 24. Crosbie Smith e M. Norton Wise, Energy and Empire: A Biographical
para ir à igreja conosco. Ajudei um estudante de física Study of Lord Kelvin (Cambridge, U.K.: Cambridge University Press,
1989), p. 331, 332, 535.
russo a estudar na Virgínia, EUA, onde ele começou a 25. E.g., Paul Davies, God and the New Physics (New York: Simon &
frequentar a igreja adventista local. Uma família culta, Schuster, 1983).
26. E.g., William A. Dembski e Michael Behe, Intelligent Design:
com quem minha esposa trabalhava, ficou impressio- The Bridge Between Science and Theology (Downers Grove, Ill.:
InterVarsity Press, 1999).
nada com os médicos de Loma Linda; tornaram-se 27. David Block, “For Heaven’s Sake: A Jewish Astronomer’s Odyssey”,
membros da igreja e mais tarde passaram a ser nossos Issues 7:8 (July 1, 1991); https://jewsforjesus.org/publications/
issues/issues-v07-n08/for-heaven-s-sake-a-jewish-astronomer-s-
vizinhos. Como resultado de uma disciplina que ajudei odyssey/.
a ministrar na universidade, um aluno vindo de um 28. Philip Yancey, Rumors of Another World: What on Earth Are We
Missing? (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 2003), p. 23.
país comunista tomou sua decisão: “Decidi aceitar Deus 29. Ver também: White, O Desejado de Todas as Nações, p. 330; Mateus
19:26; João 16:12; 1 Coríntios 1:25ff.
como meu único Criador e Salvador.” 30. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Os adventistas têm algo a oferecer, e os métodos usa- Brasileira, 1995), p. 113.
31. , Mensagens Escolhidas (Tatuí, SP: Casa Publicadora
dos por Jesus funcionam! Brasileira, 1985), vol. 1, p. 22.
32. ,O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1990), p. 29.
Ben Clausen 33. , Mensagens aos Jovens (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 1985), p. 36.
MS em Geologia, pela Universidade de Loma Linda, 34. J. B. Phillips, Your God Is Too Small (New York: Macmillan, 1961), p.
Califórnia, EUA; PhD em Física Nuclear pela Universidade 37-40.
35. Carl Sagan, Contact (New York: Simon & Schuster, 1985).
do Colorado, EUA, é cientista pesquisador sênior no 36. Lois Lowry, The Giver (New York: Houghton Mifflin Harcourt, 1993).
Geoscience Research Institute e no Department of Earth 37. Ted Chiang, Stories of Your Life and Others (New York: Penguin
Random House, 2002), p. 91-145.
and Biological Sciences, também na Universidade de 38. A. J. Jacobs, The Year of Living Biblically: One Man’s Humble Quest to
Loma Linda. E-mail: blausen@lly.edu Follow the Bible as Literally as Possible (New York: Simon & Schuster,
2007).
39. Ou a besta de Apocalipse Revelation 14:9-11.
40. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1990), p. 27; Gênesis 12:2, 3; ver também:
1. Philip Yancey, The Jesus I Never Knew (Grand Rapids, Mich.: Gênesis 18:18; 22:18.
Zondervan, 1995), p. 69-81, especialmente p.74. 41. , A Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP: Casa Publicadora
NOTA S E RE FE RÊ NCIA S

2. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Brasileira, 1997), p. 143.
Publicadora Brasileira, 1990), p. 198. 42. Ver Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa
3. , Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, Publicadora Brasileira, 1990), p. 151; ver também: João 17:15.
2005), p. 199-202, 557, 574-576; , Testemunhos Para a 43. Jon Paulien, Present Truth in the Real World: The Adventist Struggle to
Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), v . 6, p. 120-123; Keep and Share Faith in a Secular Society (Nampa, Idaho: Pacific Press,
ver também: 1 Pedro 3:15; Ellen G. White, O Desejado de Todas as 1993), p. 80-82; ver também: Mateus 5:13, 14.
Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990), p. 260, 261. 44. Larry Alex Taunton, The Faith of Christopher Hitchens: The Restless
4. Steven Weinberg, Dreams of a Final Theory: The Scientist’s Search for Soul of the World’s Most Notorious Atheist (Nashville, Tenn.: Nelson
the Ultimate Laws of Nature (New York: Random House, 1993), p. 258. Books, 2016), xv.
5. Mike McHargue, “How Not to Debate an Atheist: Five Arguments to 45. See Randall W. Younker, “Integrating Faith, the Bible, and Archaeology:
Avoid When Discussing Religion With an Atheist”, Relevant (1º de maio A Review of the ‘Andrews University Way’ of Doing Archaeology”, in
de 2014): https://relevantmagazine.com/god/worldview/how-not- The Future of Biblical Archaeology: Reassessing Methodologies and
debate-atheist. Assumptions, James Karl Hoffmeier e Alan Ralph Millard, eds. (Grand
6. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Rapids, Mich.: Eerdmans, 2004), p. 43-52, especialmente a 52.
Publicadora Brasileira, 1990), p. 264, 265. 46. Mark A. Noll, The Scandal of the Evangelical Mind (Grand Rapids, Mich.:
7. Ibid., 414. Eerdmans, 1995), 202, 203; citação de Agostinho.
8. Ibid., 426. 47. Philip E. Dow, Virtuous Minds: Intellectual Character Development
9. Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: Casa Publicadora (Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press, 2013); ver também: Frank M.
Brasileira, 1988), p.70, 71. Hasel, “Virtuous Thinking: Loving God With Heart and Mind”, Adventist
Review 195:1 (5 de janeiro de 2018), p. 19-23.
10. John G. Stackhouse, Jr., Humble Apologetics: Defending the Faith Today
(Oxford: Oxford University Press, 2001), xiii‒xvi. 48. White, Parábolas de Jesus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
1996), p. 415; ver também: , O Desejado de Todas as
11. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990), p. 347.
Publicadora Brasileira, 1990), p.150, 215-219, 274-276.
49. ,O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa
12. Madeleine L’Engle, Walking on Water: Reflections on Faith and Art Publicadora Brasileira, 1990), p. 309; ver também: João14:6.
(Colorado Springs, Colo.: Water Brook Press, 1980), p.140, 141.
50. Mateus 12:10-13; Lucas 4:31-39; 13:10-13; 14:1-6; John 5:1-16;
13. C. S. Lewis, “Christian Apologetics”, em God in the Dock: Essays on 7:23; 9.

14 DIÁLOGO 30 • 3 2018
A RTI GO

POLÍTICA
LOWELL C. COOPER

NA IGREJA

A ADMINISTRAÇÃO MORAL DO PODER

Gettyimage
A
política geralmente traz consigo uma
A necessidade urgente conotação negativa. Normalmente se
pensa que a atividade política envolve
é de que os membros e uma conduta ética comprometida, dis-
torção da verdade, endosso temporário
líderes da igreja saibam de grupos de interesses especiais e intensas críticas
sobre os pontos de vista e caráter dos oponentes. Se
como usar a política você é identificado como um “líder político”, prova-
velmente não vê isso como um elogio.
de maneira ética e Falar de “política na igreja” envolve dizer que há
um elemento estranho na organização, que serve para
sábia; evitar o mau uso minar a esperada pureza do processo e o foco definido
na missão. Muitos preferem pensar que a igreja deve
intencional ou acidental estar acima da política. Este artigo afirma que a polí-
da política; e garantir que tica é uma parte necessária da vida em comunidade
– até mesmo na vida da igreja – e que os princípios
os processos políticos espirituais devem nortear a administração do poder.
As sociedades, com exceção das ditaduras, operam
resultem em bem para com base na política. Toda organização precisa de
um sistema de estrutura e autoridade. A política é
toda a igreja. o processo de organizar a distribuição do poder e o

DIÁLOGO 30 • 3 2018 15
ambiente para o controle de valores na sociedade. Caso des e relacionamentos na equipe de liderança. A coesão
contrário, a vida se torna uma busca pela sobrevivência da equipe de liderança e da família foi ameaçada pelo
por meio da força bruta. Na sociedade civilizada, a políti- interesse próprio e pelo orgulho. Quão apropriado é que
ca é uma característica necessária da vida com os outros. essa passagem bíblica tenha terminado com as palavras:
A política ganhou uma imagem um tanto negativa “E o Senhor ouviu isso.”
por causa do comportamento e de práticas questionáveis No início de seu reinado, o rei Roboão recebeu um
empregadas por pessoas ou grupos que advogam causas e pedido para diminuir o peso dos impostos de seus cida-
ideologias específicas. Um martelo pode ser usado para dãos. Ele consultou pessoas mais velhas que tiveram
pregar um prego que prende dois pedaços de madeira. Ou experiência sob o reinado do rei Salomão. Eles o acon-
o martelo pode ser usado para quebrar uma janela e facili- selharam a adotar a atitude de servir o povo. Roboão
tar a entrada do ladrão que vai roubar uma casa, ou ainda rejeitou seu conselho. Então pediu conselho aos seus con-
para ferir um oponente. A política, da mesma maneira, temporâneos, que o advertiram: “Assim dirás a eles: ‘Meu
pode ser usada para propósitos bons ou corruptos. dedo mínimo é mais grosso do que a cintura do meu
A igreja também emprega procedimentos políticos pai. Pois bem, meu pai lhes impôs um jugo pesado; eu
para determinar quem tem autoridade e como a organi- o tornarei ainda mais pesado. Meu pai os castigou com
zação funcionará. A igreja é uma organização dinâmica, simples chicotes; eu os castigarei com chicotes pontiagu-
não estática. Ela opera em um ambiente de mudanças e dos.’ [...] E o rei não ouviu o povo” (ver 1 Reis 12:1-15).
emprega processos políticos para permanecer relevante. Esse incidente e suas consequências revelam um
A política é necessária na igreja! A necessidade urgente monarca afirmando que ele está acima de todos, e não o
é de que os membros e líderes da igreja saibam como primeiro entre os iguais. Sua liderança foi caracterizada
usar a política de maneira ética e sábia; evitar o mau uso por um espírito arrogante e duras práticas autoritárias.
intencional ou acidental da política; e garantir que os Um resultado imediato foi a dissolução da identidade
processos políticos resultem em bem para toda a igreja. nacional das doze tribos em dois regimes concorrentes
Essa abordagem levanta imediatamente considerações e, por vezes, adversários.
éticas e morais. Como cristãos, não podemos simples- Jeroboão fez duas imagens de bezerro de ouro e
mente ignorar a espiritualidade quando pensamos em estabeleceu centros de adoração em Betel e em Dã,
política. Eugene Peterson faz uma importante obser- porque ele não queria que seu povo continuasse indo a
vação a respeito das implicações políticas da liderança: Jerusalém para os cultos de adoração (1 Reis 12:25-33).
“Tendo em vista que a liderança é necessariamente um Suas manobras políticas colocaram a religião a serviço
exercício da autoridade, ela facilmente se torna um exer- do estado. Ele manipulou as práticas religiosas para
cício do poder. Mas, assim que isso acontece, ela começa consolidar e concentrar o poder.
a causar danos tanto ao líder quanto ao liderado.”1 Os líderes às vezes alegam que suas ideias têm origens
A política é um elemento necessário e apropriado na divinas. 1 Reis 13 descreve a missão de um “homem de
vida da igreja. Mas a política da igreja deve ser estrutu- Deus” que foi confrontado por um profeta já idoso com
rada em uma plataforma ética bastante diferente daque- o que dizia ser uma mensagem vinda de fonte divina.
la que geralmente prevalece na sociedade. Mas ele estava mentindo. Acreditar na mentira levou o
“homem de Deus” à morte. Quando um líder espiritual
A POLÍTICA EM AÇÃO: EXEMPLOS NA BÍBLIA afirma: “Deus me enviou esta mensagem para você”, a
A Bíblia traz vários exemplos da política em ação mensagem subliminar é: Eu sou infalível. Questionar ou
dentro de uma comunidade religiosa. Esses exemplos me desafiar é desrespeitar a Deus. Infelizmente, um líder
ilustram tanto a gestão apropriada como a gestão inade- pode ser tentado a empregar essa estratégia por razões
quada do poder e da informação, como também os ins- puramente pessoais e para exercer poder.
trumentos políticos empregados para alcançar os resul- Num contexto de ambição pessoal, a mãe de Tiago
tados desejados, embora nem sempre sejam exemplares. e João, dois discípulos de Jesus, pediu a Ele: “Declara
Gênesis 11:4 descreve o desejo de uma população: que no Teu Reino estes meus dois filhos se assentarão
“Construir uma cidade, com uma torre que alcance um à Tua direita e o outro à Tua esquerda. [...] Quando
os céus. Assim nosso nome será famoso e não seremos os outros dez ouviram isso, ficaram indignados com os
espalhados pela face da Terra.” O medo é um motivo dois irmãos” (Mateus 20:20-24).
comum para a ação política e, neste caso, induz à ação Jesus aproveitou essa oportunidade para expressar um
coletiva para estabelecer um ambiente seguro. princípio duradouro quanto à liderança política cristã:
Miriã e Arão expressaram seu preconceito e ciúme “Vocês sabem que os governantes das nações as domi-
quando “começaram a criticar Moisés porque ele havia nam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas.
se casado com uma mulher cuxita. ‘Será que o Senhor Não será assim entre vocês. Pelo contrário, quem quiser
tem falado apenas por meio de Moisés?’ – perguntaram. tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem
‘Também não tem Ele falado por meio de nós?’” O quiser ser o primeiro deverá ser escravo; como o Filho do
preconceito étnico, o ciúme vocacional e a rivalidade homem, que não veio para ser servido, mas para servir e
doméstica foram combinados para envenenar as atitu- dar a Sua vida em resgate por muitos” (Mateus 20:25-28).

16 DIÁLOGO 30 • 3 2018
Há um flagrante contraste entre a orientação política tornassem cristãos. Entretanto, a questão urgente era se
da liderança na vida pública e o que deve ocorrer na vida eles poderiam se unir à igreja sem passar pela prática judai-
da igreja. A grandeza nos reinos do mundo é demonstra- ca da circuncisão como um sinal de inclusão na aliança.
da pelo status – exercício do poder. A grandeza no reino A controvérsia foi intensa. Pedro, um judeu, contou
de Deus é revelada pela função – servir. novamente como Deus o levou dramaticamente a uma
“Os fins justificam os meios” é uma filosofia política nova compreensão a respeito dos gentios: de que eles
tentadora, mas que envolve consequências devastadoras. eram aceitos por Deus e que os gentios conversos rece-
A narrativa bíblica do julgamento e crucificação de beram o Espírito Santo. Paulo e Barnabé descreveram o
Jesus (João 18 e 19) expõe os comportamentos políti- fruto de seu ministério entre os gentios. Tiago, o líder
cos revoltantes que foram empregados com o objetivo óbvio em Jerusalém, explicou como aceitar os gentios
de garantir o resultado desejado – a morte de Jesus. conversos era uma atitude coerente com os ensinos do
Observe como: Antigo Testamento. O concílio de Jerusalém adiou a
• Os líderes religiosos conspiraram para destruir sessão com uma decisão que acomodava os diferentes
Jesus. pontos de vista sobre como as pessoas experimentam e
demonstram o discipulado.
• Judas aceitou um suborno para trair Jesus. Esse drama ilustra a organização dos grupos de
• Jesus foi preso com base em falsas acusações. pressão, a convocação de representantes no processo de
• Pedro, temendo por sua segurança, negou conhecer tomada de decisão em um grupo, o exame objetivo de
Jesus. evidências e experiências, a reflexão cuidadosa sobre a
• O juiz, Pilatos, não viu nenhuma culpa em revelação de Deus nas Escrituras e a óbvia operação do
Jesus, mas ofereceu, para aplacar a ira da turba, a Espírito Santo no tempo presente.
opção de soltar Jesus ou Barrabás, um conhecido Demonstrações de lealdades sectárias e as preferências
prisioneiro. Então Pilatos, contra suas próprias pessoais frequentemente provocaram agitações políti-
convicções, finalmente acabou cedendo à pressão e cas. O apóstolo Paulo, na primeira carta aos Coríntios,
libertou Barrabás. capítulos 1 e 3, repreendeu os crentes que haviam ado-
tado o espírito de partidarismo político ou teológico:
Os principais responsáveis pela morte de Jesus eram “[...] cada um de vocês afirma: ‘Eu sou de Paulo’; ‘eu de
pessoas extremamente religiosas. A religião nem sem- Apolo’; ‘eu de Pedro’; e ‘eu de Cristo’” (1 Coríntios 1:12).
pre purifica a política. Em vez disso, a própria religião Para Paulo, essa forma de orientação sectária era uma
pode ser empregada como um instrumento político e indicação de pensamento carnal, não espiritual.
utilizada de maneira indevida para favorecer interesses O comportamento pessoal, mesmo quando não per-
pessoais corruptos. cebido como sendo abertamente político, pode refletir
Reinhold Nieburhr observou que “a religião não é formas de ansiedade enraizadas em impressões sociais
simplesmente, como muitas vezes se supõe, uma busca sobre si mesmo ou sobre as próprias associações feitas. O
humana, inerentemente virtuosa, por Deus. Ela é mera- apóstolo Paulo, ao relatar novamente um confronto com
mente um campo de batalha final entre Deus e a autoes- Pedro, escreveu: “Pois, antes de chegarem alguns da parte
tima do homem. Nessa batalha, mesmo as práticas mais de Tiago, ele comia com os gentios. Quando, porém, eles
piedosas podem ser instrumentos do orgulho humano.”2 chegaram, afastou-se e separou-se dos gentios, temendo
A preocupação legítima por direitos iguais e igual tra- os que eram da circuncisão. Os demais judeus também se
tamento frequentemente provoca movimentos políticos. uniram a ele nessa hipocrisia, de modo que até Barnabé
Em Atos 6, lemos: “Naqueles dias, crescendo o número de se deixou levar” (Gálatas 2:12, 13).
discípulos, os judeus de fala grega entre eles queixaram-se Pedro estava agindo por medo, não por convicção.
dos judeus de fala hebraica, porque suas viúvas estavam Dessa forma, Paulo se opôs a ele e o reprovou de manei-
sendo esquecidas na distribuição diária de alimento” (v. 1). ra direta. “Pedro viu o erro em que havia caído, e procu-
A dimensão política aqui envolvia percepções de injustiça rou imediatamente reparar, tanto quanto possível, o mal
e/ou desigualdade. A situação pode ter surgido de um que causara. Deus, que conhece o fim desde o princípio,
preconceito deliberado ou má administração e supervisão permitiu que Pedro revelasse essa fraqueza de caráter,
deficiente. Quando a situação chegou ao conhecimento para que o provado apóstolo visse nada haver em si de
dos discípulos, eles agiram muito rapidamente. Os sete que se pudesse vangloriar. Mesmo os melhores homens,
diáconos nomeados tinham todos nomes especificamente se entregues a si próprios, errarão no julgamento.”3
gregos. Foi essa uma resposta tanto política quanto prag- Pedro retornou rapidamente a uma perspectiva cor-
mática para reafirmar a igualdade? reta sobre o evangelho. Tornou-se um dos principais
O concílio de Jerusalém (Atos 15) representou um defensores do evangelho da graça e um fiel apóstolo
divisor de águas na história da igreja cristã primitiva. Os dAquele que o chamou para ser um pescador de (todos)
desafios em relação às ideias prevalecentes, normas cul- os homens. A última visita de Paulo a Jerusalém (Atos
turais, valores e tradições dentro da teologia e da prática 21 a 25) mostra que a igreja ali permanecia claramente
levaram à ação política. Era aceitável que os gentios se dividida entre gregos e hebreus. Pouco depois que Paulo

DIÁLOGO 30 • 3 2018 17
e seu grupo chegaram a Jerusalém, o próprio Paulo continuou, com Paulo finalmente sendo escoltado para
foi ao encontro de Tiago. Os dois líderes estavam de o julgamento em Roma.
pleno acordo quanto à teologia do evangelho. Tiago, Os acontecimentos ligados à visita de Paulo a
porém, estava preocupado com as práticas culturais. Jerusalém ilustram uma série de motivações e condutas
Paulo, sendo judeu, havia demonstrado como um judeu políticas questionáveis. Alguns podem questionar a dis-
poderia viver entre os crentes gentios. A questão agora posição de Paulo em passar pelos ritos da purificação.
era como um judeu deveria viver entre os crentes judeus. Pode parecer que ele estava fazendo um compromisso
A fim de evitar controvérsia e corrigir informações político. Numa análise mais de perto dos fatos, pode
erradas sobre Paulo, Tiago o convenceu a passar pelo ser mais correto concluir que Paulo estava fazendo uma
ritual da purificação. No final da purificação, Paulo foi concessão em relação à cultura e não se comprometendo
ao templo, onde judeus da Ásia o viram e “agitaram toda com os princípios do evangelho.
a multidão e o agarraram” (Atos 21:27). Então, líderes da O breve estudo dos momentos políticos na história
multidão começaram a espalhar falsas informações sobre bíblica é suficiente para mostrar que os povos religiosos e
Paulo. Além disso, acusaram Paulo de ter levado gregos as organizações religiosas não estavam imunes a compor-
para o templo, pois “profanaram esse lugar santo”. tamentos políticos corruptos e deficientes. A realidade
Paulo estava preso e, sabendo que o tempo do seu de viver em comunidade envolve, necessariamente, a
martírio se aproximava, declarou sua cidadania roma- política – os processos de administração do poder, da
na, que também era uma manobra política. A tensão autoridade e das ideias.

COMO OS LÍDERES CRISTÃOS DEVEM AGIR? portamento que ilustram seu envolvimento de forma
A partir dessas ilustrações, surgem perguntas importantes: apropriada na vida política da organização. Essas formas
Quais são os comportamentos políticos apropriados de comportamento incluem:
para os líderes em uma organização religiosa?
O que constitui o processo político na igreja?
Presume-se que cada líder em uma organização cristã • Um registro do compromisso com a transpa-
vá exercer sua função com base nos valores espirituais rência.
vindos de um crescente relacionamento espiritual com • Honestidade e integridade – viver o que
Jesus. Assim, espera-se que cada líder reflita a imagem prega. As pessoas vão discernir as caracte-
de Cristo em todo o tempo. Entretanto, todo líder rísticas repetitivas dos atos da liderança e
necessita reconhecer quão fácil é permitir que questões tirarão conclusões a respeito do caráter e dos
pessoais influenciem o comportamento de um líder. motivos.
Uma das tarefas mais difíceis da liderança é a pessoa • Preocupação deliberada pela conformidade e
ser honesta consigo mesma diante de Deus. É muito sim- justiça.
ples usar a linguagem espiritual e uma capa de piedade
• A humildade, combinada com a autocons-
religiosa para camuflar os interesses pessoais. O primeiro
ciência de que ninguém está certo todo o
comportamento político da liderança é estar em paz com
tempo.
Deus e manter esse relacionamento. Ao assim fazer, dará
mostras de seu comportamento, influenciará a conduta e • Compromisso de servir em vez de receber
levará reflexão moral às próprias meditações. Quando os honras.
líderes cuidam em manter sua vida particular com Deus, • Respeito e civilidade para com os oponentes.
sua vida pública cuidará de si mesma. • Coragem para resistir aos grupos de interes-
Em sua carta à igreja em Corinto, Paulo lembrou: “Eu ses especiais.
mesmo, irmãos, quando estive entre vocês, não fui com • Sistema integrado de pensamento – compre-
discurso eloquente nem com muita sabedoria para lhes ensão de como tudo está conectado.
proclamar o mistério de Deus. Pois decidi nada saber
entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado. E • Disposição de ouvir outras perspectivas.
foi com fraqueza, temor e com muito tremor que estive • Compromisso com a não violência e meios
entre vocês. Minha mensagem e minha pregação não pacíficos.
consistiram de palavras persuasivas de sabedoria, mas • Buscar habitualmente colaboração e parceria.
consistiram de demonstração do poder do Espírito, • Atenção constante para com a construção
para que a fé que vocês têm não se baseasse na sabedoria da verdade.
humana, mas no poder de Deus” (1 Coríntios 2:1-5).
Pressupondo que a vida pessoal dos líderes com Deus • Respeito constante pela diversidade.
recebe os devidos cuidados, há várias formas de com-

18 DIÁLOGO 30 • 3 2018
AMBIENTE POLÍTICO: ESTABELECIMENTO E
MONITORIZAÇÃO
Como uma organização (como é a igreja) pode estabe-
lecer e monitorar seu próprio ambiente político e proces-
sos relacionados para que não seja precisamente descrita
como uma “organização política”?
Qualquer esforço válido – seja espiritual, político, eco-
nômico, acadêmico ou caritativo – necessita de um siste-
ma de organização para existir por qualquer período de
tempo e alcançar os objetivos compensadores. A igreja é
uma organização tanto religiosa como política. Ao longo
dos séculos, seu foco na missão e na exaltação de Jesus
como seu líder a têm elevado acima da política comum.
No entanto, compete às organizações da igreja garantir
que o caráter de sua atividade política venha conferir

Lightstock
credibilidade à sua proclamação. As seguintes práticas, no
mínimo deveriam estar evidentes, de imediato:

CONCLUSÃO
• Procedimentos claramente definidos (ou A política, mesmo na igreja, é inevitável. Embora a
seja, constituições e estatutos, políticas e política possa ser facilmente corrompida e mal utilizada
práticas). para fins partidários ou pessoais, os líderes e organiza-
• Composição dos representantes dos grupos ções podem empregar a política de maneira apropriada.
de tomada de decisão. Quando aplicada no contexto do evangelho, a política
pode levar à paz, à reconciliação e ao avanço da missão,
• Distribuição da autoridade cuidadosamen- em vez de promover a dissensão e a divisão.
te designada e documentada. A tendência humana é a de exercer poder e autoridade,
• Procedimentos e disposição para manter pelo menos em certo grau, no interesse de si mesmo – o
líderes responsáveis. desejo de ser o primeiro, de subir a escada do sucesso, de
• Dialogar/escutar o suficiente antes de as derrotar os competidores, de ser considerado poderoso,
decisões serem tomadas. de obter prestígio e louvor. Uma liderança semelhante
• Verificação das informações em vez de à de Cristo significa exercer o poder e autoridade para
confiar em rumores e pressuposições. o bem dos outros. Os líderes cristãos não abandonam o
uso da autoridade, mas, ao contrário, exercem seu poder
• Respeito pelo papel exercido por uma com base no serviço sacrificial para o bem de outros.
imprensa independente.
• Uso apropriado da tecnologia na comuni-
cação. (A tecnologia pode ser mal-utilizada Lowell C. Cooper
como um meio de ampliar a política.) M.Div. pela Universidade Andrews; M.P.H. pela
• Comunicação das informações em Universidade de Loma Linda, foi vice-presidente
tempo hábil. da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo
• Reconhecimento do princípio da autoridade Dia, Silver Spring, Maryland, EUA.
majoritária enquanto se preserva o respeito Seu e-mail: cooper@gc.adventist.org.
pelas necessidades e opiniões das minorias.
A maioria nem sempre está certa.
• Submissão pessoal dos membros e dos gru- NOTA S E REFERÊNCIA S
pos de líderes ao senhorio de Jesus Cristo.
1. “Introduction to 2 Corinthians,” Eugene H. Peterson, THE MESSAGE:
• Honestidade quanto às motivações pessoais. The New Testament, Psalms, and Proverbs (Colorado Springs, Colo.:
Navpress, 1996), p. 1587.
• Sensibilidade para com a diversidade, 2. Reinhold Niebuhr, Nature and Destiny of Man, Vol. 1: Human Nature
incluindo o impacto da cultura, geografia (Louisville, Ky., Westminster John Knox Press, 1996), p. 200.
e circunstâncias locais. 3. Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 1986), p. 198.
• Processos de tomada de decisão que envol-
vam e dependam da oração, reflexão espiri-
tual e discernimento dirigido pelo Espírito.

DIÁLOGO 30 • 3 2018 19
P E R S PEC TI VA

Gettyimage
A RELIGIÃO É CAUSA
DE VIOLÊNCIA?
RAÚL ESPERANTE

H
á alguns meses, enquanto visitava um
famoso parque geológico, iniciei uma
conversa com o guia turístico dizendo
Raras vezes a religião ensina a ele que eu era cristão. Ele admitiu que
o uso da violência para cresceu como cristão devotado, mas que
mais tarde em sua vida definiu que Deus ou não existe,
promover a mensagem, ou não Se importa. A religião promove a violência, disse
ele. Portanto, ele não acredita que a religião seja algo
embora alguns defensores bom, e assim rejeitou Deus, optando pelo ateísmo.
extremos de uma religião Meu guia turístico não está sozinho. Foi-se o tempo
em que, por centenas de anos, a religião era vista como
possam ceder à violência a principal solução para os problemas mais profundos
como meio para a sua da humanidade, e os fiéis se refugiavam na fé em
busca de conforto íntimo, paz social e mantinha um
propagação ou justificação. sentimento de dependência de Deus para experimentar
o significado e relevância na vida. Hoje, a ideia bas-
Nós, como cristãos, tante difundida de que a religião promove a violência
devemos ser os primeiros a causa divisão na sociedade, aumenta cada vez mais a
tendência de rejeitar conscientemente a religião ou,
reconhecer isso. por conveniência, optar por não ser religioso. Revistas,
periódicos e jornais populares aderem abertamente a
essa ideia e promovem o ateísmo ou o agnosticismo,

20 DIÁLOGO 30 • 3 2018
permanecendo sem compromisso com questões de fé. Assim, uma das razões pelas quais os ateus alegam que
Essas percepções negativas ou neutras sobre religião são a religião desencadeia a violência é que eles ignoram a
bastante comuns no meio acadêmico e também onde se diferença entre os adeptos genuínos da fé e os extremistas
esperaria clareza quanto às ideias religiosas. que distorcem as mensagens religiosas. Os extremistas
Várias razões contribuem para tais percepções nega- não representam a religião genuína, e o retrato que
tivas sobre religião. O ataque contra a ela surge basi- fazem da religião é impreciso e falso. Isso é verdade tanto
camente dos defensores do chamado “novo ateísmo”, nas culturas cristãs como em outras culturas. Pode ser
que não somente questiona a existência de Deus, mas verdade que aqueles que aderem a uma religião venham
também estimula a ideia de que as pessoas não neces- a ceder aos atos de violência, mas essa violência não faz
sitam de religião para viver uma vida com propósito. parte do sistema de crenças dessa religião. Raras vezes
Os fundamentos do novo ateísmo são encontrados nos a religião ensina o uso da violência para promover a
escritos de autores contemporâneos como Sam Harris, mensagem, embora alguns defensores extremos de uma
Christopher Hitchens, Daniel Dennett e Richard religião possam ceder à violência como meio para a sua
Dawkins. Esses e outros autores similares não veem a propagação ou justificação. Nós, como cristãos, devemos
religião como algo que contribua positivamente para ser os primeiros a reconhecer isso; afinal, a história cristã
a vida humana e a felicidade; ao contrário, eles veem a tem suas cruzadas e outras formas de abuso. A questão,
religião como o problema e julgam a sua prática como no entanto, é se a religião é ruim e deveria ser banida
sendo a responsável por muitos males sociais, como a (conforme alguns ateus afirmam), pois alguns religiosos
violência, o terrorismo, a intolerância, o fanatismo, etc. extremistas misturam a violência com motivações e fins
De que maneira devemos considerar tais alegações que religiosos. A questão fica sem sentido se voltarmos e
argumentam ser a religião uma fonte de violência? fizermos a pergunta: Os esportes devem ser proibidos
O argumento comum por traz dessa posição pode por causa da violência que eles podem promover?
ser assim resumido: a religião gera violência, a religião
é anticientífica, a moralidade bíblica é aterrorizante PERGUNTAS PARA O CÉTICO
e incita a violência, o evangelismo e as tentativas de Seguindo a sugestão de Chamberlaim2, tenho que
conversão (especialmente à religião bíblica) propiciam fazer algumas perguntas para o cético: Você pode citar
a intolerância e o fanatismo; a religião leva seus fiéis a exemplos de guerras e violência geradas pela religião? A
imporem a moralidade aos outros, etc. O argumento religião ou o abuso da religião são causas de violência?
parece contraintuitivo porque, tradicionalmente, a reli- A religião cristã genuína não tem sido uma influência
gião tem sido associada à paz; portanto, assim, muitas positiva nas várias culturas humanas? Não é verdade
pessoas religiosas ficam surpresas quando os outros que a falta de religião e o ateísmo têm ocasionado grande
ligam sua fé à violência. Mesmo assim, o neo-ateísmo violência e crueldade? A violência e a coerção na socie-
tem obtido êxito ao espalhar a ideia de que a religião dade acabariam se a religião fosse erradicada? Essas
tende a promover a violência. perguntas são bastante relevantes. Quando faço essas
Uma acusação como essa, contra a religião, pode ser perguntas às pessoas que atacam a minha fé, elas per-
verdadeira? Ou a causa real pode estar em outro lugar? cebem que nunca pararam para pensar nesses pontos.
Tenho notado que os desafiadores da religião não con- Voltando ao meu guia turístico. Quando ele afirmou
seguem distinguir entre os extremistas de uma deter- que a religião era algo ruim porque causa violência, eu
minada religião e os adeptos normais dessa religião. segui a estratégia de fazer mais perguntas e lhe disse:
O extremista está presente em todos os grupos sociais “Por favor, dê exemplos de guerras desencadeadas pela
– sejam eles religiosos, raciais, políticos ou mesmo nos religião.” Minha experiência com os ateus revela que a
esportes. Geralmente, esses grupos são formados por maioria deles não consegue dar exemplos que apoiem
uma maioria pacífica (os adeptos normais) e por uma tais afirmações. O guia hesitou por alguns momentos
minoria de extremistas. Os fãs dos esportes são um bom e então veio com a primeira e a segunda guerras mun-
exemplo para ilustrar essa dupla composição: a maioria diais. Mas nós sabemos que essas duas guerras não
deles gosta de acompanhar e torcer por seu time, mas foram causadas por ideologias religiosas. Esse exemplo
alguns são os extremistas que ocasionalmente se com- ilustra as dificuldades que os céticos têm em susten-
portam de maneira violeta e destrutiva. A posição de tar seus argumentos. Alguns podem apontar para as
Paul Chamberlain é bastante apropriada: “Sempre que Cruzadas (dos séculos 11 ao 13), as séries de expedições
tomamos sobre nós a responsabilidade de descrever e militares que foram organizadas pelos cristãos europeus
avaliar os ensinos de um grupo que não seja o nosso, para invadir o Oriente Médio, em nome de uma guerra
devemos fazê-lo com muito cuidado para não darmos santa, para recuperar a Terra Santa que estava nas mãos
a importância indevida às vozes dos extremistas dentro dos muçulmanos, levando muitos à morte e destruição
desse grupo. Se falharmos aqui, vamos correr o risco de em todos os continentes. Não foi isso uma violência
retratar uma visão minoritária extrema, que é rejeitada em nome da religião? Se as cruzadas geraram violência
pela maior parte dos membros do grupo como se fosse o entre os seguidores de duas religiões, o que dizer da
sistema de crenças dos seus adeptos normais.”1 Inquisição, um tribunal eclesiástico estabelecido pela

DIÁLOGO 30 • 3 2018 21
Igreja Católica a partir do século 13 para organizar A VIOLÊNCIA DECORRENTE DA FALTA DE
procedimentos e perseguições, a fim de acabar com RELIGIÃO
a heresia na igreja? E então, poderíamos dizer que o A história confirma que houve mais atos brutais em
contínuo conflito que existe entre Israel e a Palestina, países que aboliram a religião e introduziram sistema-
resultando em anos de animosidade, lutas e destruição, ticamente uma filosofia ateísta para governar a política
seja uma questão religiosa ou devido a outros fatores? da sociedade. A brutalidade causada por pessoas não
Culminando todas as atividades terroristas, temos o religiosas é tão evidente e generalizada que mesmo os
ataque de 11/9 ao World Trade Center e ao Pentágono. novos ateus a reconhecem. Richard Dawkins, o famoso
Foi a religião a causa dessa cruel e desumana destruição? ateu sincero, concorda. Ele diz que pessoas não religiosas
Embora as respostas a essas perguntas não sejam também cometem atos de violência e crimes, mas afirma
fáceis, uma leitura superficial da história mostrará que que não há um caminho lógico da não religiosidade para
a falta de religião ou o banimento da religião em uma a violência e, portanto, a falta de religião não é a causa da
sociedade é mais provável que gere a violência e feroci- violência em si. O fato é que apenas alguns atos de vio-
dade desumanas. Leve em consideração, por exemplo, a lência foram causados por pessoas que por acaso não são
Revolução Bolchevista de 1917. Uma das primeiras coi- religiosas, mas que a falta de religião não é a motivação
sas que a revolução fez foi abolir a religião e impor uma para agir com violência. “O que importa não é se Hitler e
ideologia ateísta em toda a Rússia e USSR. Nenhum Stalim eram ateus, mas se o ateísmo influencia sistemati-
outro país antes havia adotado abolir a religião como camente as pessoas a fazerem coisas ruins. Não há a menor
política oficial, e essa política não foi abandonada até o evidência de que isso acontece. [...] Stalin foi contundente
final dos anos 1980. Durante esse longo período em que a respeito da Igreja Ortodoxa Russa e também quanto ao
a Rússia baniu a religião oficialmente, houve ausência cristianismo e a religião de forma geral. Entretanto, não
de violência e prevalência de paz social? O veredito da há evidência de que o ateísmo motivou a sua brutalidade.
história é um enfático “Não”! Na verdade, durante esse Indivíduos ateus podem fazer coisas más, mas eles não
período de várias décadas, a brutalidade, violência, pri- fazem coisas más em nome do ateísmo.”3
sões em massa, perseguição (lembram-se dos gulags?) e É surpreendente que Dawkins tenha feito tais afirma-
agressões cruéis foram infligidas sobre pessoas religiosas ções. Primeiro, o mesmo argumento pode ser usado para
e não religiosas com o objetivo de promover o programa defender a religião: algumas pessoas religiosas causam
do regime ateu e comunista. Milhares foram mortos em alguns atos de violência, mas a própria religião não é
virtude de sua fé religiosa, inclusive dezenas de milhares caminho para a violência. Em segundo lugar, conforme
de padres ortodoxos russos, monges, freiras e pastores temos visto, a história mostra que a falta de religião tem
de muitas denominações protestantes, todos inocentes causado muito mais violência e destruição que a religião.
e pacíficos. Muitos outros foram enviados para traba- Terceiro, Dawkins admite que pessoas não religiosas se
lhos forçados e morreram em campos de concentração envolvem em casos de violência, mas nega que o ateís-
na Sibéria. Centenas de igrejas foram destruídas ou mo tenha algo a ver. Ao admitir isso, Dawkins está, na
simplesmente usadas para outros fins. A agenda ateísta, verdade, reconhecendo que grande parte da violência
com o objetivo de eliminar a religião no estado, provo- tem sido infligida por pessoas sem uma agenda religiosa.
cou uma horrenda e indescritível violência. Implicitamente, isso significa que não há esperança de
Da mesma forma, na China, a partir de 1949, os acabar com a violência eliminando a religião, pois a falta
governantes quiseram abolir a religião e visavam à de religião não necessariamente age contra a violência.
desativação do cristianismo, do budismo, do islamismo Aliás, pode-se argumentar que a ausência de religião
e de outras religiões. O comunismo se tornou a única remove a possível barreira contra a violência.
ideologia permitida, e aqueles que se opunham ou se Parece que nem a religião, nem a falta de religião são
recusavam a adotá-lo eram chamados de contrarrevolu- a origem da violência no mundo, porque a brutalidade
cionários, tornando-se vítimas da opressão. O clero foi acontece na sociedade independentemente de a socie-
preso, e as igrejas e outros locais de culto foram fecha- dade ser religiosa ou ateísta. Parece que a verdadeira
dos na tentativa de eliminar qualquer prática religiosa. causa da violência é mais profunda. Stalin, Mao, Hitler
Outros países, como o Vietnã, a Romênia, a Coreia do e outros mataram e aprisionaram pessoas religiosas, tal-
Norte e o Camboja também tiveram um retrocesso na vez porque acreditassem que a religião era perigosa para
política do estado ao eliminar a religião e as pessoas a ideologia ateísta que eles estavam procurando impor.
religiosas. A análise da iniciativa e do propósito dessas
políticas e práticas indica que a religião não foi a causa MOTIVAÇÕES CULTURAIS E POLÍTICAS
dessa violência. Ao contrário, foi a falta de religião o Estudos sociológicos revelam que atos violentos que
fator motivador por trás da agressão. Esse fato levanta parecem ser motivados por ideias religiosas, muitas vezes
outra questão: Será possível que a falta de religião seja têm estímulos políticos mais profundos. Por exemplo, ata-
um perigo real em nosso mundo? Será que o afastamen- ques terroristas feitos por certos grupos são em sua maior
to da crença em Deus é a causa real da violência? parte vistos como sendo motivados por sua teologia radical.

22 DIÁLOGO 30 • 3 2018
Entretanto, alguns estudiosos discordam. Segundo Robert visitas aos países islâmicos, tenho ouvido com frequên-
Pape, um cientista político da Universidade de Chicago e cia a condenação dos atos violentos perpetrados pelos
fundador do “Chicago Project on Security and Terrorism”, extremistas. Os cidadãos comuns não compartilham
esse ponto de vista é muito simplista. Pape e seus colegas dos motivos, dos objetivos e atos extremistas.
estudaram as formas de motivação e causas dos ataques Aquilo que é chamado de violência religiosa pode, na
terroristas/suicidas no mundo, desde 1980, analisando verdade, ter pouco a ver com religião e mais a ver com
mais de 4.600 desses ataques. Sua pesquisa mostra que a questões políticas, econômicas e culturais. A religião não
crença religiosa não é necessária nem suficiente para motivar é a principal causa da violência e, portanto, a esperança
a violência. A motivação fundamental é a política, sendo de acabar com a violência, banindo a religião, é falsa.
a religião o instrumento para recrutar seguidores4. Pape Tanto pessoas religiosas como não religiosas cometem
mostra que houve centenas de ataques suicidas seculares, atos de violência. É ingenuidade pensar que se livrar da
o que sugere que a teologia radical apenas não explica os religião acabará com a violência. Temos visto a violência
ataques terroristas. Por exemplo, de 1980 até 2003, o “líder surgir de grupos que defendem os ideais da etnia, da lín-
mundial” em ataques suicidas foi o grupo nacionalista gua, da nacionalidade, da cor da pele e de vários pontos
Tamil Tigers, centralizado no idioma, no Sri Lanka, que de vista políticos. A afirmação do ateísta de que a religião
lutava pelo que considerava serem seus direitos legítimos, é a fonte do mal e da violência no mundo não é susten-
negados pela maioria do país.5 Quer concordemos ou não tada à luz da evidência histórica. É verdade, alguns atos
com a análise de Pape, uma coisa está clara: motivações de violência derivam da religião, mas um grande número
políticas fortíssimas estão por trás de muitos atos da cha- provém da falta de religião. Algo mais profundo que a
mada violência religiosa em nosso mundo. religião acha-se no centro do problema da violência.
Outros estudos indicam que existem, por trás de mui- Salomão escreveu, há muito tempo: “Não tenha
tos casos de violência em larga escala, ameaças à herança inveja de quem é violento nem adote nenhum dos seus
e aos valores culturais, e ameaças ou insultos ao sistema procedimentos” (Provérbios 3:31). O Deus da Bíblia
de crenças de cada um. Por exemplo, Osama bin Laden odeia “ao que ama a violência” (Salmo 11:5 – ARA).
(1957-2011), em um vídeo gravado em outubro de 2001, Jesus repreendeu Pedro quando ele tirou a espada e lhe
praticamente um mês depois dos ataques de 11/9, falou disse: “Embainha a tua espada” (Mateus 26:52). Jesus
da “humilhação e desgraça” que o Islã sofreu por mais nos deixou a parábola do Bom Samaritano para nos
de “oitenta anos”.6 A quê ele estava se referindo? Estava ensinar o que devemos fazer quando nos deparamos
se referindo à divisão do Império Otomano em peque- com os que estão feridos e os que estão morrendo. Ele
nos países, feita por potências ocidentais, e à ascensão também nos ensinou que: “Se alguém o ferir na face
da moderna Turquia secularizada. Indiretamente, ele direita, ofereça-lhe também a outra” (Mateus 5:39).
reconheceu que a principal motivação por trás dos ata- Ele finalmente morreu em uma cruz, em vez de lutar
ques de 11/9 foi política e não simplesmente religiosa. contra o inimigo e aqueles que O acusaram falsamente.
A Revolução Francesa (1789-1815) foi uma iniciativa A maneira de Jesus agir é de paz, não de violência. A
sangrenta para promover os ideais seculares da liberdade religião de Jesus é uma religião de amor. Esse amor
e igualdade. Napoleão usou esses ideais para motivar “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1
milhões de soldados a imporem o domínio francês sobre Coríntios 13:7).
o continente europeu. Pelo menos quatro milhões de
Raúl Esperante
pessoas morreram por causa desse fanatismo político
PhD pela Universidade de Loma Linda,
que movia as guerras napoleônicas. Não havia nenhuma é cientista pesquisador no Geoscience Research
religião envolvida, na verdade, a religião foi declarada Institute, Loma Linda, Califórnia, EUA.
morta. O genocídio de Ruanda, que em 100 dias, no Email: resperante@llu.edu
ano de 1994, varreu entre 500 mil e um milhão de pes-
soas é outro exemplo de guerra derivada de confrontos
tribais que pouco tinham a ver com ideais religiosos. 1. Paul Chamberlain, Why People Don’t Believe: Confronting Seven
NOTA S E REFERÊ NCIA S

Challenges to Christian Faith (Grand Rapids, Mich.: Baker Books,


2011), p. 49.
CONCLUSÃO 2. Ibid., 52.
Essas amostras da história ilustram um ponto sig- 3. Richard Dawkins, The God Delusion (New York: Houghton Mifflin,
nificativo: não há causas simples para a violência no 2006), p. 309.
4. Robert A. Pape, Dying to Win: The Strategic Logic of Suicide
mundo. As forças que ficam ocultas por trás de muitos Terrorism (New York: Random House, 2005).
atos de violência são múltiplas – com destaque para os 5. Robert Pape, entrevista na NPR Radio em 21 de maio de
pontos de vista particulares, políticos e culturais. Isso 20 09. ht tps: // w w w.npr.org / templ ates/s tor y/s tor y.
php?storyId=104391493, Acessado em 3 de outubro de 2018.
explica por que a violência é praticada por pessoas reli- 6. O texto completo da declaração de Osama bin Laden, após
giosas e não religiosas, e explica também o fato de que, os ataques terroristas em Nova Iorque, em 11 de setembro de
2001, é encontrado no endereço: https://www.theguardian.com/
quando acontece a violência religiosa, ela é condenada world/2001/oct/07/afghanistan.terrorism15. Acessado em 3 de
pela grande maioria das pessoas religiosas. Em minhas outubro de 2018.

DIÁLOGO 30 • 3 2018 23
LOGO S

AMOR: O conceito bíblico de


amor não é meramente

INDO ALÉM um preceito moral, uma


expressão interpessoal da

DA ÉTICA
mais profunda emoção,
ou da mais alta virtude ou
cumprimento de todos os

PARA ACEITAR mandamentos de Deus


como um sinal de pertencer

A PRESENÇA a uma comunidade de fé


moral e doutrinariamente

DE DEUS EM
pura. É a revelação da
presença de Deus que cria
a imagem de Jesus na vida

NOSSA VIDA daqueles que O aceitam.

ALEXANDAR S. SANTRAC

Gettyimage

24 DIÁLOGO 30 • 3 2018
D
ietrich Bonhoeffer, um dos mais influen- ocupa um lugar especial na ética do Novo Testamento,
tes teólogos e ativistas cristãos, como e há uma razão para isso. O amor é certamente mais
também um célebre mártir do século 20, do que apenas uma virtude; é mais do que somente um
escreveu certa vez: “O valor da vida é princípio de comportamento. Biblicamente falando, o
medido pela dimensão do amor que ela amor é um estilo de vida e, portanto, deve ser vivido no
possui. Tudo o mais é nada, absolutamente nada, total- contexto exato da realidade divina.
mente indiferente, totalmente sem importância. [...] A Esse amor é o princípio do estilo de vida que é
vida, realmente, não é digna sequer de ser vivida sem o claramente expresso por Ellen G. White: “O amor
amor [...] O único propósito da felicidade, como tam- verdadeiro não é meramente um sentimento ou uma
bém da infelicidade, da pobreza ou da riqueza, da honra emoção. É um princípio vivo que se manifesta em ação.
ou da desgraça, de viver no próprio país ou no exterior, O amor verdadeiro, onde quer que exista, controlará a
de viver e de morrer é amar ainda mais, com todas as vida. Assim é com o amor de Deus.”4 Esse princípio do
forças, pura e completamente. É a única coisa que está amor que controla a vida é um dom de Deus, não um
além de todas as diferenças, antes de todas as diferenças, impulso relacionado à natureza emocional ou moral dos
em todas as diferenças. ‘O amor é forte como a morte’ seres humanos.
(Cantares de Salomão 8:6).”1 Por que o amor é tão especial na expressão cristã da
O amor torna a nossa vida significativa, talvez nem comunhão com Deus? Porque o apelo para amar sempre
sempre feliz, mas certamente significativa. Embora o transcende as aspirações emocionais/sentimentais ou
amor seja o mais importante e prazeroso ingrediente do mesmo éticas e morais da humanidade? Qual é a maior
fenômeno da vida humana, a maioria de nós ainda não fonte de amor e como o amor pode ser vivido em total
concorda com a natureza do amor. O amor não é fácil de consonância com essa fonte? Que tipo de conhecimento
definir. Ele desafia a lógica e resiste a qualquer definição e experiência de vida sobre o amor os cristãos devem
racional. Martin Luther King Jr., falando sobre o amor, proclamar ao mundo?
especialmente o amor em relação aos inimigos, disse:
“O significado do amor não deve ser confundido com AMOR: UM PRECEITO MORAL OU A
qualquer arroubo sentimental. O amor é algo muito mais PRESENÇA DE DEUS?
profundo que um encantamento emocional.”2 O amor de Deus, conforme revelado nas Sagradas
Afinal, o que é o amor? Frequentemente, os teólogos Escrituras e na natureza, é a mais gloriosa experiência
buscam uma compreensão do amor com base no estudo do ser humano neste mundo sem amor e com tanto
de três palavras gregas, comumente usadas para expres- desamor. O favor imerecido expresso por Deus no mila-
sar o amor: eros, philia e ágape. Meu objetivo aqui não gre de sua maravilhosa graça, que é na verdade o amor
é definir todas as nuances do amor (amor erótico, de divino, continua cativando nossa mente e nos enche de
amizade, paternal, fraternal, incondicional ou divino), admiração. Mesmo com a impressionante e inspiradora
amplamente aceitas na interpretação ético-teológica da revelação que temos nas Sagradas Escrituras, a transcen-
tradição cristã, mas destacar o fato de que o amor é dente natureza do amor de Deus é ainda extremamente
mais do que uma expressão emocional/sentimental. A difícil de compreender. João, o apóstolo, tentou imagi-
realidade e a definição completa de amor, pelo menos nar a profundeza e a amplitude dessa realidade:
na comunidade religiosa cristã, não pode ser entendido “Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor
no contexto do complexo emocional ou na estrutura procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e
volitiva da experiência humana. O amor não tem fonte conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus,
ou origem na aspiração emocional e no poder da vontade porque Deus é amor. Foi assim que Deus manifestou
dos seres humanos. o Seu amor entre nós: enviou o Seu Filho Unigênito
Além do mais, o significado de amor não pode ser ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dEle.
esgotado em nível ético. O amor não é simplesmente Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado
um preceito moral prescrito para os seres humanos a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou Seu Filho
como seres morais, e é mais do que apenas um manda- como propiciação pelos nossos pecados. Amados, visto
mento a ser cumprido. De acordo com Scott B. Rae, um que Deus assim nos amou, nós também devemos amar-
estudioso da ética extremamente respeitado nos círculos -nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus; se nos
universitários, a ética do Novo Testamento considera o amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o
amor uma virtude central.3 Aliás, nos escritos de Paulo, Seu amor está aperfeiçoado em nós” (1 João 4:7-12).
o amor ocupa o ponto mais alto na lista das virtudes Vamos desdobrar um pouco esse importante texto
(Colossenses 3:12-17; Filipenses 2:2, 3; Efésios 4:2, 3; sobre o amor. Observe que o apóstolo está aparentemen-
Gálatas 5:22, 23, 1 Coríntios 13). De todas as virtudes te começando a falar sobre o amor como um fenômeno
do evangelho ou dos elevados preceitos morais, o amor ético/moral. A ética do amor e o ato de abraçar uns

DIÁLOGO 30 • 3 2018 25
aos outros em amor são os princípios indispensáveis da
experiência do chamado e da vida cristã. O amor é o Esse novo mandamento do amor não
imperativo moral do cristão, e a revelação bíblica orde- é simplesmente um 11º mandamento,
na que amemos uns aos outros assim como Cristo nos
amou. Entretanto, a questão chave é dupla: (1) Por que como alguns poderiam dizer, mas o
não somos capazes de imitar a Cristo com respeito a isso princípio fundamental de todos os
e amar a Deus e ao nosso próximo como Cristo amou? mandamentos já revelados pela von-
E (2) qual é o maior obstáculo para praticar o amor
como um princípio da vida diária, conforme é expresso tade de Deus. Esse “mandamento” é a
e esperado nesse texto? expressão do estilo de vida que se deve
Se o amor é compreendido apenas como um princípio viver na própria presença de Deus.
moral ou um dever moral, nós, obviamente, encontra-
remos algumas dificuldades. Quando olhamos para o
amor como a expressão emocional de um dever moral,
o mandamento não pode ser cumprido mental, emo- amor, mas em Deus. Essa realidade denominada amor
cional e voluntariamente; estamos além do limite dos não é produzida pelo poder da vontade humana ou por
nossos horizontes de possibilidade. Jesus tornou isso um comprometimento emocional com alguém ou por
ainda mais difícil quando ordenou que Seus discípulos meio do imperativo moral estimulado por convicções
deveriam amar uns aos outros assim como Ele os amou e dogmas.
(João 13:34, 35). Essa expectativa por parte de Jesus De acordo com João, o amor é uma manifestação
deve ter chocado os discípulos – além do mais, como da presença transcendental do próprio Deus. Se Deus
a estrutura emocional comum aos seres humanos pode é amor, então, a mais pura forma de amor não pode
alcançar uma forma extrema de sacrifício do amor ser encontrada em qualquer outro lugar, a não ser em
divino? Em verdade, esse novo mandamento do amor Deus, e no Deus encarnado – Cristo Jesus – o Senhor
não é simplesmente um 11º mandamento, como alguns do amor. Dietrich Bonhoeffer apresentou o seguinte
poderiam dizer, mas o princípio fundamental de todos argumento:
os mandamentos já revelados pela vontade de Deus. “Deus é amor; ou seja, não um comportamento huma-
Esse “mandamento” é a expressão do estilo de vida que no, uma convicção ou uma ação, mas Deus mesmo
se deve viver na própria presença de Deus. é amor. Somente quem conhece a Deus sabe o que é
O amor, entendido como um mandamento e um amor, não o contrário; não é que primeiro, por natureza
preceito moral está, portanto, condenado ao fracasso saibamos o que é o amor e, portanto, saibamos também
– conforme nossa experiência e conhecimento indicam o que Deus é. Ninguém conhece a Deus, a menos que
claramente. A demonstração de amor cristão, portanto, Deus Se revele a ele. Consequentemente, ninguém sabe
vai além dos apelos da ética. Qualquer tentativa huma- o que é o amor, a não ser pela própria revelação de Deus.
na de seguir Jesus e guardar esse mandamento de amor O amor, então, é a revelação de Deus. E a revelação de
resulta em uma clara inversão ou distorção de tudo o Deus é Jesus.”5
que Deus representa. Deve haver alguma coisa mais Os versos de 1 João 4:7-12 mostram que o amor de
profunda aqui que nos transforme ao ponto de amar Deus é revelado em Cristo que morreu como propiciação
a Deus e amar o nosso próximo universal, perfeita e pelos nossos pecados. O amor de Deus é, portanto, um ato
incondicionalmente. Deve haver um meio de cumprir de cuidado por este mundo que está perecendo, e esse
esse grandioso “mandamento”. Deus deve permanecer ato foi realizado pelo próprio Deus encarnado (a saber, a
fiel à Sua promessa de transformar Seu povo. revelação de Deus em Jesus). A revelação de Deus torna
João expressa claramente essa realidade nestas pala- o amor possível e viável. A origem do amor está nessa
vras: O amor procede de Deus; Deus mostrou o Seu presença reveladora.
amor; nisto consiste o amor – não em que nós tenhamos
amado a Deus, mas em que Ele nos amou. O AMOR COMO UMA NOVA
DIMENSÃO DA VIDA
DEUS É AMOR João diz ainda que, se amamos, Deus vive em nós. Isso
Para João, o mandamento para amar não era apenas significa que o amor é garantido quando a irresistível e
um imperativo moral, uma virtude ou um preceito, transcendente presença de Deus está presente dentro de
nem era uma demonstração sentimental/emocional nós como uma nova dimensão da vida – vida revelada
de vínculo afetivo para com o Deus de amor. Não era em Jesus. Portanto, está claro que João não falou sobre
nem mesmo um mandamento. Quando João escreveu: o amor apenas como um preceito moral ou vínculo
“Deus é amor” (1 João 4:16), a ênfase não estava no emocional, mas como uma manifestação transformada

26 DIÁLOGO 30 • 3 2018
e uma extensão da realidade divina, como a realidade com o que pudemos observar, o foco bíblico na natu-
encarnada da vida de Deus em nós. Quando a vida reza do amor de Deus é simplesmente este: O amor de
de Deus e Sua presença se estendem por meio de nós, Deus é a base do Seu caráter, tanto na revelação como
quando Deus habita em nós, somente então poderemos na redenção, como vimos na morte sacrifical de Jesus;
amar como Deus amou, poderemos amar como Cristo ele é universal e, portanto, pertence a todos aqueles que
amou (amando a Deus e amando a humanidade perfei- o reconhecem como tal, independente de quão negro
ta, universal e incondicionalmente). Quando recebemos tenha sido o seu passado ou da falta de entendimento
o Espírito de Deus (Sua presença plena) e Sua vida em quanto à verdadeira religião. Na verdade, o mundo é
toda a sua plenitude, podemos começar a amar a Deus amado antes mesmo de ter surgido na presença de Deus.
em retribuição e amar o nosso próximo. Dessa forma, Não devemos pregar o amor ao mundo como um
o amor não é apenas e simplesmente um preceito ético, preceito moral, como uma demonstração da mais pro-
ele é a própria presença de Deus. funda emoção, ou da mais alta virtude ou cumprimento
de todos os mandamentos de Deus, como um sinal de
PREGAR O AMOR COMO SENDO A pertencer a uma comunidade de fé moral e doutrinaria-
PRESENÇA DE DEUS mente pura. Em vez disso, devemos pregar a presença
Assim, pregar ou ensinar o amor significa mais do universal da revelação de Deus que transforma, molda e
que um chamado para um vínculo emocional ou um conduz até à formação da imagem completa de Jesus na
preceito moral. Um chamado inadequado como esse vida daqueles que O aceitam. A magnificente presença
não pode criar ou transformar uma comunidade reli- de Deus torna esse “mandamento” doce e desejável, e o
giosa. Ao contrário, a pregação bíblica deve insistir na faz totalmente digno de ser vivido e plenamente cum-
incorporação da própria presença de Deus na vida de prido. Deus é amor. O amor procede de Deus. “Todo
uma pessoa. Tal insistência resultará em um compro- aquele que permanece no amor permanece em Deus, e
misso sem reservas com o Jesus crucificado e ressurreto, Deus nele” (1 João 4:16).
e causará um impacto decisivo na comunidade de fé.
Diante desse contexto, a pregação do amor de Deus
irá criar um novo nascimento do amor. “Aquele que ama
é nascido de Deus e conhece a Deus”, escreveu o após- Alexandar S. Santrac
DPhil pela Universidade de Belgrado, Sérvia, e
tolo, e aqueles que passarem por essa experiência estarão
PhD pela Universidade Noroeste da África do
preparados para amar a Deus e amar a humanidade.
Sul é professor de Ética, Filosofia e Religião,
Desse modo, se mantivermos o nosso foco somente e é também presidente do Departamento de
no preceito moral e no aspecto emocional do amor, não Religião e Filosofia na Universidade Adventista
teremos a plenitude do amor de Deus. Além disso, a de Washington, Takoma Park, Maryland, EUA.
insistência na articulação da pureza doutrinária da ética
do amor de Deus como um sinal de se pertencer a uma
comunidade de amor nos levará a não sentir a presença
da encarnação viva de Deus, que é o claro significado 1. Dietrich Bonhoeffer, A Testimony to Freedom, p. 241. Quoted in A Year
NOTA S E REFERÊNCIA S

with Dietrich Bonhoeffer: Daily Meditations from His Writings, Letters


e manifestação de Seu amor. A comunidade de fé deve and Sermons, Carla Barnhill, ed. (New York: Harper One, 2005), p. 170.
não somente acreditar ou falar a respeito do amor; ela 2. Martin Luther King, Jr., Strength to Love (Minneapolis: Fortress Press,
deve realmente praticar o amor. O amor é um dom da 2010), p. 46.
presença transformadora de Deus, não um impulso que 3. Scott B. Rae, Moral Choices (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 2009),
p. 42.
emana ou é produzido por vontade humana, pela edu- 4. Ellen G. White, “The Love of God. How Manifested”, The Australasian
cação, religiosidade, espiritualidade ou crença. Somente Union Conference Record (1º de junho de 1900), art. A, par. 1 (itálico
acrescentado).
quando Deus vive em nós e manifesta Sua presença
5. Dietrich Bonhoeffer, Ethics, Eberhard Bethge, ed. (New York:
entre nós é que Seu amor se fará perfeito entre nós e Macmillan, 1965), p. 50, 51.
através de nós.
Fazer essa afirmação pode ser algo não muito agra-
dável para uma comunidade altamente dependente da
precisão de suas crenças e convicções como um sinal da
presença do amor de Deus em seu meio. Se o amor de
Deus é revelado somente entre aqueles que mantêm as
crenças corretas ou têm força de vontade suficiente para
incentivar esse preceito moral, então ele não é universal.
Se isso fosse verdade, os fariseus seriam os melhores
candidatos ao reino de Deus. No entanto, de acordo

DIÁLOGO 30 • 3 2018 27
PE R F I L

ROSANA ALVES
Diálogo com uma
neurocientista nascida
no Brasil
ENTREVISTA DE JULIÁN MELGOSA

“S
empre que olho para aquelas mãos caleja- formou, ela continuou seus estudos para obter o mes-
das, meus olhos se enchem de lágrimas.” trado e o doutorado e, a seguir, matriculou-se em dois
Isso é o que diz a Dra. Rosana Alves, ao programas de pós-doutorado para fazer especialização
se lembrar da longa e entediante viagem em Neurociência, conquistando o prêmio pelo melhor
de São Paulo, sua cidade natal no Brasil, para a atual trabalho na área de Neuroquímica, em 2004. No ano
residência em Orlando, na Flórida, EUA, onde ela é a fun- de 2013, a aspirante a especialista e pesquisadora foi
dadora e diretora acadêmica do Neurogenesis Institute convidada para trabalhar na Universidade de Toledo, em
[Instituto Neurogênese]. “Aqueles calos”, diz Rosana, Toledo, Ohio, nos EUA, com o apoio do National Institute
“eram, para mim e meus irmãos uma lembrança do amor of Health [Instituto Nacional de Saúde], o que a levou à
de meu pai e de toda uma vida de trabalho árduo por ele terceira bolsa de pós-doutorado.
realizado como empregado da construção civil.” Em 2016, a trajetória de Rosana no Brasil teve uma
Os pais de Rosana nasceram em tempos de dificul- grande virada em relação a oportunidades de pesquisa
dade financeira, mas seu coração era grande e gene- e estudo, quando ela obteve residência permanente nos
roso em amor e carinho. Logo no início de sua vida Estados Unidos, um marco que lhe permitiu prosseguir
de casados, decidiram uma coisa: fariam tudo o que em suas pesquisas e estudos como neurocientista. Pouco
estivesse ao seu alcance para dar aos filhos a melhor tempo depois, ela fundou o Neurogenesis Institute
educação possível. “Eles nos diziam constantemente [Instituto Neurogênese], do qual se tornou a diretora
que poderíamos ser qualquer coisa que desejássemos, se acadêmica. O Instituto oferece cursos relacionados à
mantivéssemos a fé em Deus e concentrássemos todos Neurociência, treinamento e oportunidades de pesquisas
os nossos esforços para atingir nosso objetivo”, lembra para profissionais de várias áreas. O Instituto é a única
Rosana. “Honestamente falando, nunca me achei muito instituição do gênero nos EUA que mantém um acordo
inteligente. Talvez, determinada. O desejo de deixar colaborativo com a Universidade de São Paulo.
meus pais orgulhosos era o que sempre me motivava a ir Os pais de Rosana abraçaram a fé adventista no ano
bem na escola. Eu não poderia decepcionar aqueles que em que ela nasceu. O lar recém-converso ao adventismo
tanto me amavam. Era esse amor que estava gravado se tornou uma grande fortaleza de amor e fé, no qual
naquelas mãos calejadas.” Rosana e seus quatro irmãos mais novos cresceram para
Quando Rosana estava pronta para entrar na faculda- amar e aguardar a breve volta de Jesus. Na igreja que
de, não teve problemas. No vestibular para Psicologia, frequenta, ela trabalha ativamente no ministério infan-
ela passou em quarto lugar entre todos os candidatos e til, no ministério da mulher e da família, e é uma forte
se matriculou na Universidade de São Paulo, na época defensora da fé adventista e seus valores. É casada com
reconhecida como a melhor instituição de terceiro André Luiz Torres Mota, consultor financeiro, e juntos
grau em Psicologia da América Latina. Depois que se têm uma filha de três anos de idade.

28 DIÁLOGO 30 • 3 2018
 Dra. Rosana, a senhora se refere com frequência à sua fé os cientistas têm investigado a capacidade do cérebro, e
em Deus como algo fundamental para a sua vida espiritual ainda estão longe de desvendar todos os seus mistérios.
e profissional. Por quê? Como um exemplo do que o cérebro pode fazer, leia o
Em uma frase apenas: Jesus em meu lar! Desde bem parágrafo a seguir:
pequena, eu sentia a bondade do Senhor através de meus
pais, que levavam muito a sério sua recém-descoberta
fé na breve volta de Jesus. Eles fizeram o máximo para DE AORCDO COM UMA PEQSIUSA
tornar essa fé o alicerce para o crescimento e desenvol- DE UMA UINRVESRIDDAE IGNLSEA,
vimento espiritual para meus irmãos e para mim. Logo NÃO IPOMTRA EM QUE ODREM AS
nos primeiros anos, fomos ensinados em casa que Deus é LTERAS DE UMA PLRAVAA ETÃSO.
o Governante Supremo de nossa vida, Aquele que conhe- A ÚNCIA CSIOA IPROTMATNE É
ce o fim desde o princípio e, acima de tudo, o Único que QUE A PIREMRIA E ÚTMLIA LTERAS
pode realizar todas as coisas em nosso favor. Nossos pais ETEJASM NO LGAUR CRTEO. O
nos mostraram que a fé em Deus é o fundamento para RSETO PDOE SER UMA BÇGUANA
uma vida frutífera e recompensadora. Como disse Jesus: TTAOL, QUE ANIDA SE PDOE LER
“Busquem, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a SEM POBRLMEA. ITSO É POQRUE NÓS
sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas” NÃO LMEOS CDAA LTERA ISLADOA,
(Mateus 6:33). Eles nos ensinaram essa verdade funda- MAS A PLRAVAA CMOO UM TDOO.
mental, e que para nós nunca falhou. Hoje, eu e minhas
três irmãs, seus esposos, meu irmão e sua esposa, e os
filhos deles, todos permanecemos fiéis dentro do reba- Embora essas palavras não estejam escritas e formu-
nho adventista. Agradeço a Deus porque a religião foi ladas como deveriam, o cérebro pode compensar essa
algo real em minha infância. Mais tarde, já adulta e uma falha. As letras corretas e a ordem certa na qual estão
profissional, vivenciei a realidade da experiência religiosa dispostas são importantes para que possam ser lidas e
em minha vida diária e em meu trabalho. compreendidas. No entanto, quando isso não aconte-
ce, o cérebro emprega a sua habilidade cognitiva para
 O que a levou a se especializar em Neurociência? atingir sua capacidade de leitura. Ele pode ler palavras
Desde criança fui fascinada pelo corpo humano e embaralhadas e ajudar a entendermos o seu significado.
como as suas várias partes funcionam. Quanto mais A capacidade do cérebro vai além disso. Você sabia
estudava a Psicologia, mais impressionada ficava com que o cérebro da mulher manifesta novas habilidades
as maravilhas do poder criador de Deus. Assim como depois que ela dá à luz um filho? É verdade! As mudan-
o salmista, eu ficava maravilhada com o que Deus fez: ças hormonais que ocorrem após o nascimento do bebê
“Eu Te louvo porque me fizeste de modo especial e são responsáveis pelas alterações anatômicas observadas
admirável. Tuas obras são maravilhosas! Disso tenho nas áreas que envolvem o raciocínio, a motivação e
plena certeza” (Salmo 139:14). As maravilhas da cria- as emoções. As principais áreas que passam por essas
ção de Deus, com as quais o Criador planejou o nosso alterações são: o hipocampo (aprendizagem e memória),
corpo, continuaram me estimulando em todo o meu o hipotálamo (associado à motivação maternal e aos
tempo de escola. Continuei lendo e buscando respostas sentimentos), a substância nigra (ou substância negra) e
até a época da faculdade, sobre a complexidade e beleza a amídala (recompensa e processamento emocional), o
das funções do organismo humano. Então, certo dia, lobo parietal (integração sensorial) e o córtex pré-frontal
em 1998, quando ainda fazia faculdade, surgiu em meu (raciocínio, planejamento e tomada de decisão). Tais
caminho a oportunidade para mergulhar nas profunde- mudanças dão à mulher maior habilidade para cuidar
zas da Neurociência. Fui convidada para trabalhar em do bebê recém-nascido. Isso é algo impressionante, e
um projeto sobre o mapeamento do cérebro na ansie- maravilhas como essas foram responsáveis por me moti-
dade (um esforço realizado por meio de uma pesquisa varem a investigar mais profundamente a Neurociência.
dirigida pelo renomado cientista Dr. Frederic Graeff).
Desde esse tempo, venho pesquisando a Neurociência já  Quais são alguns dos seus principais projetos mais
por 20 anos, e ainda sou apaixonada por ela. recentes em Neurociência?
O cérebro é um órgão incrível. Pesa aproximadamen- Um deles envolve o estudo da longevidade e da qua-
te 2% do peso do corpo, mas consome 20% do oxigênio lidade de vida. No Brasil, conforme já mencionado, eu
do sangue e 25% da glicose do corpo. Embora pese estava envolvida em projetos de mapeamento molecu-
menos de 2 quilos, o cérebro é formado por mais de lar. Esse mapeamento molecular revela caminhos que
80 bilhões de células nervosas e desempenha um papel retardam ou aceleram os processos de envelhecimento
essencial no bem-estar do nosso organismo. Por anos, e nos ajudam a entender os problemas relacionados ao

DIÁLOGO 30 • 3 2018 29
Gettyimage
aparecimento das doenças neurodegenerativas. Minha mas também compreender o outro e interessar-se por ele.
pesquisa centralizou-se não somente no mapeamento Como adventista, descobri duas áreas nas quais tenho
molecular, mas também em questões mais práticas muito a partilhar: meu comprometimento espiritual
sobre como promover a saúde física e mental. A pes- e minha responsabilidade social. Na primeira, sempre
quisa teórica é importante, mas a teoria deve ter rele- encontro oportunidades para partilhar minha fé na
vância prática – e esse tem sido o meu foco principal. breve volta de Jesus e na observância do sábado. Ambas
Minha pesquisa resultou em um livro de fácil leitura, são essenciais para definir por que eu vivo dessa manei-
A Neurociência da Felicidade. Nesse livro, proponho ra. Minha responsabilidade social me ajuda a partilhar
mudanças de estilo de vida e apresento os meios que com outros como o meu comprometimento com o
ajudarão a pessoa a fazer essas mudanças (baseadas em trabalho acaba se tornando uma forma de apreciação à
tratamentos naturais). maravilhosa obra da criação de Deus. As maravilhas do
poder criador de Deus posso ver cada dia em meu traba-
 A senhora está envolvida com pesquisas altamente lho, de várias maneiras, por pequenas que sejam, e isso
científicas. No trabalho, tem oportunidades de partilhar me ajuda a ver, em todos aqueles com quem entro em
sua fé e convicções com seus colegas? contato, um reflexo do amor e do poder de Deus. Amar
Eu procuro ser não somente uma cientista interessada a Deus e amar o próximo deve se tornar parte da nossa
no funcionamento do cérebro humano e suas implicações vida profissional, seja ela qual for. Essa atitude levou
para a vida, mas também uma pessoa que se interessa recentemente um amigo ateu a estudar o que a Bíblia
pelos colegas e por outros no trabalho. Ser cientista não diz a respeito de se viver em um mundo complexo como
significa que a pessoa deva viver apenas nesse nível. A o nosso. Eu acredito no lema: “Estude tudo o que pode;
vida deve ser vivida no contexto dos relacionamentos, e fale tudo o que deve; viva todos os momentos.” A nossa
relacionamentos envolvem muitos fatores: amizade, par- vida é a melhor forma de partilhar nossa fé e convicções.
tilhar os sentimentos uns com os outros, estar em contato
uns com os outros para ouvir sobre suas realizações e  O que a decepciona ou frustra e o que lhe traz maior
desafios, testemunhar de sua fé e muito mais. Em todas satisfação no trabalho?
essas áreas de relacionamento, um cientista cristão deve Talvez a maior frustração seja o sentimento de solidão
encontrar maneiras de se aproximar e tocar a outra pes- profissional por não conhecer muitos neurocientistas
soa. Isso envolve não somente compartilhar a própria fé, adventistas e não ter muitas oportunidades para me

30 DIÁLOGO 30 • 3 2018
encontrar com eles e partilhar as oportunidades e desa- para mantê-la como a nossa mais alta prioridade. Minha
fios profissionais. Gostaria de saber como os outros que família é a melhor parte de mim!
exercem a mesma profissão lidam com as frustrações,
como enfrentam os desafios ao longo do caminho e como  Que conselho a senhora pode dar aos jovens que gosta-
mantêm a fé e a defendem publicamente. Gostaria que riam de dar continuidade aos estudos e seguir uma carreira
existisse uma sociedade de neurocientistas adventistas! em Neurociência?
Entretanto, nem tudo está perdido. Sinto uma grande A Neurociência envolve o estudo do desenvolvimento
satisfação quando vejo a ciência confirmando a nossa e função do sistema nervoso, que inclui o cérebro, a
posição há muito defendida quanto à relação entre a fé medula espinhal e as células nervosas de todo o corpo.
e a saúde. Sinto-me honrada por poder fazer parte dessa Os jovens que desejam seguir seus estudos nesse campo
importante jornada para descobrir de que maneira a vão encontrar muitas oportunidades e desafios. Eles
Neurociência está relacionada à saúde. podem escolher se especializar em uma parte do sis-
tema nervoso, como os neurotransmissores, ou focar
 Em síntese, qual foi a mais valiosa conclusão a que sua pesquisa em comportamentos específicos, como as
chegou em sua pesquisa? desordens psiquiátricas, ou no cérebro e seu impacto nas
Uma das minhas citações favoritas sobre o viver sau- funções cognitivas.
dável é encontrada no clássico livro de Ellen G. White, Os estudos relacionados à Neurociência nos níveis de
A Ciência do Bom Viver: “Ar puro, luz solar, abstinên- mestrado e doutorado podem abrir oportunidades aca-
cia, repouso, exercício, regime conveniente, uso de dêmicas e de pesquisa em inúmeras profissões da área da
água e confiança no poder divino — eis os verdadeiros saúde e no campo educacional, entre outras áreas. Após
remédios. Toda pessoa deve possuir conhecimentos dos a graduação, trabalhar com um grupo de pesquisas em
meios terapêuticos naturais, e da maneira de aplicá- Neurociência pode ser uma aventura emocionante.
-los.”1 Quando minha pesquisa em Neurociência con-
firma que as nossas escolhas diárias quanto ao regime  Algumas palavras finais?
alimentar, as horas de sono e exercícios exercem um Deus nos favoreceu com a capacidade de obter
forte impacto sobre a nossa qualidade de vida, desen- sabedoria e conhecimento. Esse dom e tudo o que
volvimento de doenças neurodegenerativas e a longevi- aprendemos com ele tem um propósito: glorificar o Seu
dade, agradeço a Deus por dar-nos uma mensagem de nome e nos tornar uma bênção a todos no meio em que
saúde tão maravilhosa, através do Espírito de Profecia. vivemos. Somos chamados para ser úteis e uma bênção
O que precisamos é fazer escolhas conscientes e inteli- aos outros. Tornar melhor a vida das pessoas é a minha
gentes que afetam o nosso estilo de vida. Adventismo missão e, neste momento, tenho a satisfação de estar
é mais do que teologia: é um chamado prático para cumprindo esse objetivo. Meu maior desejo é que os
um viver real. jovens também possam descobrir a sua principal missão
na vida e manter o foco nela, permanecendo sempre
 De que maneira a senhora consegue equilibrar a vida em contato com o Criador. Ele irá concretizar todos os
pessoal e familiar com sua profissão? desejos de sua vida.
Meu esposo é consultor financeiro, um trabalho que
o mantém bastante ocupado e sobrecarregado. Tenho
o meu trabalho que envolve pesquisar, escrever e com- Julián Melgosa
partilhar minha vida profissional com outros que se PhD pela Universidade de Andrews, Berrien Springs,
dedicam ao estudo da Neurociência. E temos uma filha Michigan, EUA, é diretor associado de Educação
de três anos, Angelina, muito viva, ativa e alegre, que da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo
exige atenção em tempo integral. É muita coisa para Dia, Silver Spring, Maryland, EUA. Entre suas
publicações, a mais recente é o livro The Power of
cuidar, mas meu esposo e eu aprendemos a manter nossa
Physical Exercise: Um guia prático para se tornar
profissão dentro da rota planejada e ao mesmo tempo
saudável e em forma (Espanha: Safeliz, 2018).
não negligenciar a prioridade com nossa filha. Nossa
profissão é importante, mas o dom da paternidade é um
chamado e uma responsabilidade dada por Deus. Desde
NOTA S E REFERÊNCIA S
que nossa filha nasceu, diminuí o ritmo do meu traba-
lho e meu esposo fez alguns ajustes. Quando viajamos 1. Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP: Casa
por razões profissionais, ele me acompanha e levamos Publicadora Brasileira, 1997), p. 127.

nossa filha conosco. É divertido. Somos cuidadosos em


cultivar nosso tempo juntos, em família. A família é um
dom de Deus, e precisamos fazer tudo o que podemos

DIÁLOGO 30 • 3 2018 31
LI V RO S

de exercícios físicos, autorregulados, encontrarão neste


livro um guia geral que delineia princípios, alternativas,
precauções, dicas, exemplos e sugestões de exercícios.
Estudantes, pais, professores, administradores, profissio-
nais da área da saúde, pessoas enfermas e o público em
geral encontrarão em suas páginas uma ajuda prática para
integrar o exercício físico em suas vidas.
O autor inicia a obra abordando os motivos que
tornam o exercício físico tão necessário à saúde física e
mental, ao bem-estar, à estética e à longevidade. O leitor
é levado a refletir sobre vários argumentos relacionados
à importância do exercício físico na prevenção e no tra-
tamento de uma série de condições de saúde e doenças,
como: problemas cardiovasculares, sobrepeso e obesi-
dade, acidente vascular cerebral, osteoartrite e osteo-
porose, colesterol, câncer, diabetes, cálculos biliares,
demência senil, fadiga crônica, lesões atléticas, contra-
ções musculares e a relação entre o sistema imunológico
THE POWER OF PHYSICAL e o exercício físico. Uma breve descrição do impacto do
EXERCISE: A PRACTICAL GUIDE exercício físico em problemas de saúde comuns e fatores
TO BE HEALTHY AND IN SHAPE de risco, bem como os aspectos práticos do exercício
físico são apresentados em cada caso. Uma breve seção
por Julían Melgosa (Madri, Espanha: Editora sobre dieta alimentar apresenta uma visão geral dos con-
Safeliz, 2017; 309 páginas; capa dura, disponível ceitos básicos sobre o tema, incluindo algumas receitas.
em inglês, francês e espanhol). A obra traz uma seção sobre evidências baseadas em pes-
quisas científicas que demonstram os efeitos benéficos do
Resenha de Nilde Itin exercício físico em um amplo espectro de transtornos men-
tais e na saúde e função mental em geral. O autor também

M
uito já foi dito sobre o exercício físi- aponta os benefícios do exercício físico para as pessoas que
co. No entanto, como Julián Melgosa sofrem de depressão, ansiedade, função mental prejudica-
argumenta no livro em análise, “não há da, estresse, insônia, problemas relacionados à sexualidade,
movimento suficiente em nossa vida” falta de autoestima, raiva e agressividade, vícios, anorexia e
(p. 14). Um estilo de vida sedentário bulimia, fobia social e outras questões similares.
continua a representar muitos riscos para a saúde que Melgosa desafia o leitor a integrar conscientemente
poderiam ser evitados se as pessoas fizessem aquilo para o exercício físico em sua vida diária e a experimentar a
que foram projetadas: movimentar-se. A obra apresenta diferença. Exercícios físicos atrativos e fáceis de serem
um compêndio diversificado de conceitos essenciais a seguidos para perda de peso, medidas antiestresse e pre-
respeito do exercício físico baseados em pesquisas cientí- venção e tratamento de problemas de saúde, como dor
ficas, seus benefícios, exemplos práticos e um programa nas costas, distúrbios cardiovasculares e respiratórios,
fácil de ser implantado com o objetivo de incentivar o obesidade e diabetes, osteoporose e dores reumáticas são
leitor a realizar exercícios físicos e integrá-los em sua roti- incluídos no livro. O autor também apresenta exercícios
na diária, tornando-se uma parte indispensável da vida. fáceis de serem seguidos por pessoas com necessidades
Melgosa é um educador incansável, atualmente é diretor especiais: mulheres grávidas, idosos, deficientes físicos,
associado do Departamento de Educação da Associação pessoas que estão se recuperando de doenças graves, pes-
Geral dos Adventistas do Sétimo Dia em Silver Spring, soas que estão em viagem, etc. Em resumo, o livro atesta
Maryland, EUA. Além de atuar profissionalmente como do começo ao fim que o exercício físico tem o poder de
educador, é profundamente comprometido com a promo- promover a restauração e a preservação da saúde integral.
ção de atividades em prol da saúde através da nutrição e Leia e pratique, você não vai se arrepender!
da prática de exercícios físicos. Nesta obra, ilustra através
de diagramas o poder do exercício físico na prevenção e Nilde Itin
tratamento de doenças. Ressalta também a influência do (MA, Universidad Adventista del Plata, Argentina) atuava
exercício físico na saúde mental e apresenta de forma clara como diretora associada do Departamento Infantil e da
a necessidade de as pessoas de ambos os sexos se movi- Famíla e do Ministério da Mulher da Divisão Pacífico
mentarem, a despeito de sua faixa etária e condição física. Norte-Asiático em Seul, Coréia, na época em que
Os interessados em desenvolver um programa sistemático escreveu a resenha deste livro.

32 DIÁLOGO 30 • 3 2018
LI V RO S

R
aras vezes tive a oportunidade de ler um livro
escrito com tal profissionalismo, habilidade,
honestidade, clareza e equilíbrio – especial-
mente sobre um assunto ligado a questões
delicadas de raça e justiça – como Protest and
Progress: Black Seventh-Day Adventist Leadership and the
Push por Parity [Protesto e Progresso: A Liderança Negra
Adventista do Sétimo Dia e a Pressão pela Paridade],
de Calvin Rock. Sem fazer apologia, inicio afirmando
que esse livro deveria ser leitura obrigatória para qual-
quer pessoa que tem interesse em conhecer melhor e ser
desafiada quanto à situação histórica e atual das relações
raciais dentro da Igreja Adventista do Sétimo Dia nos
Estados Unidos. Baseado em seus mais de 60 anos de
trabalho como líder respeitado, pastor, estudioso e admi-
nistrador, além dos serviços prestados nos mais altos
níveis da igreja e na área acadêmica, Rock apresenta um
retrato fascinante e perspicaz das provações e triunfos da
luta pela igualdade entre os afro-americanos, dentro da
Igreja Adventista do Sétimo Dia, durante os últimos 150
anos. A obra foi magnificamente escrita, bem documen-
PROTEST & PROGRESS: tada e cuidadosamente fundamentada.
BLACK SEVENTH-DAY ADVENTIST Mais especificamente, Rock detalha com precisão
LEADERSHIP AND THE PUSH acadêmica os quatro movimentos que surgiram ao longo
de vários períodos dentro da Igreja Adventista e aborda
FOR PARITY as atitudes e práticas racistas que comumente existiam
por Calvin B. Rock (Berrien Springs, Michigan, dentro da igreja e da sociedade. Ao lidar com cada movi-
EUA: Andrews University Press, 2018; 318 páginas, mento sucessivo, ele destaca os papéis e preocupações de
brochura). um grupo de pastores negros e líderes influentes que se
viram forçados a buscar paridade, tratamento igualitário,
Resenha de Emil Dean Peeler oportunidades ampliadas e políticas melhoradas para
organizar melhor o crescimento e a eficiência da igreja.
O livro revela que, embora a liderança negra perma-
necesse leal à doutrina e aos ensinos da Igreja Adventista
em geral, a inclusão racial de afro-americanos na orga-
nização e na liderança da igreja era inexistente dentro
de uma estrutura dominada e liderada por homens
brancos. Os quatro movimentos de protestos que Rock
explora são: (1) a pressão pela participação social e
administrativa (1889-1928); (2) a pressão para a criação
de associações para negros (1929-1944); (3) a pressão
para a criação de uniões para negros 1960-1980); e (4) a
pressão por uma aposentadoria equitativa (1998-2000).
Mesmo sendo minucioso na explanação dos fatos
históricos, contexto e justificativa para cada protesto,
Rock é cuidadoso em dar igual tratamento aos pontos
de vista e argumentação (prós e contras) vindos de vozes
Gettyimage

importantes e das principais personalidadess envolvidas


em cada movimento. A genialidade desse livro está em
que o autor analisa a perspectiva de cada personagem
descrito sem denegrir aqueles que possuíam opiniões e
pensamentos diferentes sobre como lidar com os pro-
blemas que assolaram a Igreja Adventista durante os
períodos analisados.

DIÁLOGO 30 • 3 2018 33
LI V RO S

Para mim, a parte mais satisfatória no livro é a maneira


como o autor, de maneira magistral e lógica, dissipa todos
os argumentos usados por muitos para sugerir que as
associações regionais não são mais necessárias para esta
época e deveriam ser abolidas. Ele primeiramente rela-
ciona e expande, com base bíblica, os padrões de crença
e diretrizes históricas, bem como apresenta uma visão
geral de várias declarações de Ellen White para formular
uma estrutura teológica sólida. Ele observa com preci-
são: “A verdade é que aqueles que defendem a existência
continuada das associações regionais são grandemente
pressionados a justificá-las por meio das ênfases teoló-
gicas adventistas. Não é que as Escrituras não apoiem
a sua existência, mas sim que as convicções socialmente
conservadoras, derivadas dos pressupostos teológicos ASSINE DIÁLOGO
altamente conservadores da igreja não as apoiam. Isso
porque os intérpretes adventistas das Escrituras têm, em
Você quer ser um pensador e não mera-
geral, feito isso através das lentes de suas próprias culturas mente um refletor do pensamento de
e não da cultura daqueles que são oprimidos por causa da outras pessoas? A Diálogo continua-
raça. Consequentemente, o que eles nos passam é uma rá a desafiá-lo a pensar criticamente,
doutrina sólida, mas transmitidas de forma tendenciosa como um cristão. Fique em contato
– mandamentos corretos, mas com uma hermenêutica com o melhor da ação e do pensamento
estreita” (p. 181). adventista ao redor do mundo. Se você
deseja solicitar a assinatura da Diálogo,
Rock atrai a atenção do leitor para outra observação seja em espanhol, francês, inglês ou
notável que faz em seu retrato de protesto e progresso português, escreva para Dialogue:
na história da Igreja Adventista, nos Estados Unidos. dialogue@gc.adventist.org
Embora as representações tradicionais da “igreja negra”
tenham propiciado a ilusão de uma organização unifi-
cada singular, com líderes monolíticos em seus pontos
de vista, o livro sugere que esses líderes destemidos e
muitas vezes pouco apreciados debateram apaixona-
damente entre si ao buscarem encontrar as respostas e
soluções viáveis que eram necessárias para corrigir qual-
quer injustiça ou desigualdade percebida.
O quadro que emerge da pesquisa e análise feitas por
Rock proporciona uma compreensão mais rica e mais
profunda sobre os líderes de nossa igreja, ao lutarem para
combater uma estrutura denominacional tendenciosa
dentro de uma sociedade americana branca que, de forma
rotineira, considerava as pessoas negras como inferiores. ESCREVA-NOS!
Finalmente, Rock revela uma robusta história da vida
religiosa negra que raramente, ou nunca, foi relatada. Creio Seus comentários, sugestões
que Protest and Progress seja um dos livros mais significa- e perguntas são bem-vindos.
tivos sobre a história da igreja adventista negra americana Escreva para:
já produzido até agora. Esse livro deve fazer parte de qual-
Gabriela de Sousa Matías
quer programa de curso sobre o cristianismo na América.
(Espanhol e Português)
Simplesmente excelente, inspirador e desafiador! desousag@gc.adventist.org

Emil Dean Peeler Valérie Moorooven (Inglês e Francês)


mooroovenv@gc.adventist.org
DMin pela Faculdade de Teologia de Claremont,
Califórnia, EUA, é o pastor sênior da Igreja Adventista
do Sétimo Dia de Capitol Hill, Washington, D.C., EUA, e
professor adjunto na Washington Adventist University,
Takoma Park, Maryland, EUA.

34 DIÁLOGO 30 • 3 2018
31
DIÁLOGO 30 • 3 2018 35
36 DIÁLOGO 30 • 3 2018

Вам также может понравиться