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O autismo à luz da esquizofrenia e da paranóia

Nancy Katan-Beaufils
Há cerca de oito anos, Marc Strauss e eu fazemos um trabalho de reflexão sobre a apresentação de pacientes crianças no
âmbito da Seção Clínica. A apresentação clínica faz parte da grande tradição médica de ensino junto aos leitos. Na
psiquiatria francesa, uma marca prestigiosa foi deixada pelas famosas lições das terças-feiras de Charcot, assistidas por
Freud no Hospital de Salpétrière durante os anos de 1885 e 1886 (Charcot 1887). Aluno de Clérambault, Jacques Lacan
levou adiante, durante toda sua vida, a prática da apresentação de pacientes no Hospital Saint Annc de Paris (Lazarus-
Matet & Leguil 1991; Vaissermann 1988: 109).
De Charcot a Lacan, o percurso parte do saber médico e se dirige para a escuta do sofrimento do sujeito. Nas observações
de Charcot — sábio e médico —, é surpreendente o fato de que ele só se interessa pelo sujeito, se este não fala.
Contrariamente, a psicanálise se interessa pelo sujeito que fala, e nisso consiste o grande paradoxo existente no trabalho
com os autistas: os psicanalistas tentam distinguir o que pode ser a psicanálise para as crianças desprovidas, durante a
maior parte do tempo, dos meios de expressão verbal a partir da experiência que eles têm com os sujeitos falantes.
De fato, essas crianças, sejam elas autistas ou psicóticas, falem ou não, têm a particularidade de estar na linguagem e fora
do discurso. A perturbação da ordem simbólica é tal que o sujeito, deixado fora de combate no que diz respeito aos
significantes que o constituem, é entregue sem mediação ao gozo, que se desencadeia como um intruso no real do corpo.
Na falta de suplência à foraclusão do Nome-do-Pai por identificação imaginária com o desejo da mãe ou por uma
metáfora delirante, a psicose da criança tem sua estrutura desnudada, o que faz da clínica da criança psicótica uma clínica
do real, uma clínica da catástrofe, por vezes nos limites da psicanálise.
A descrição do autismo por Léo Kanner
Todo analista guarda a lembrança de uma criança autista, conhecida em uma ou outra instituição, O diagnóstico é feito à
primeira vista, não tendo ocorrido qualquer mudança em sua descrição clínica desde o artigo pioneiro de Léo Kanner,
intitulado “Autistic disturbances of affetive contact” (1943).
Nesse artigo, são relatados onze casos “particularmente fascinantes”. Vejamos como Donald, o primeiro deles, é descrito:
1 Do original: “L’Autisme au regard de la schizophrénie et de la paranoïa”, La Cause

Freudienne, n. 23. Tradução: Consuelo Pereira de Almeida


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Ele parecia sempre voltar para sua casca e viver consigo mesmo [...1 Durante o segundo ano, desenvolveu uma mania de
girar os cubos, as panelas e outros objetos redondos. [.1 Tinha repugnância de brincar com as [outrasj crianças. [...j
Desenvolveu o hábito de sacudir a cabeça. {. .] Os rituais verbais e as expressões sem sentido eram seu modo habitual de
comunicação. [...j Sua mãe devia se submeter aos seus desejos; caso contrário, gritava escandalosamente.
A observação desses casos permitiu a Léo Kanner agrupar suas características em uma única síndrome. A desordem
fundamental é a inaptidão que essas crianças têm de estabelecer relações normais com as pessoas e reagir normalmente às
situações desde o início de suas vidas. Elas agem “como se estivessem hipnotizadas”, permanecendo em uma “extrema
solidão autística”. Mesmo que algumas crianças autistas consigam falar, nenhuma daquelas observadas por Kanner chegou
a utilizar a linguagem para se comunicar. Nesse momento, o próprio Kanner chegou à conclusão de que havia uma
“perturbação do contato afetivo” no autismo, termo hoje um pouco vago e que não nos basta.
Primeiro exemplo clínico
No primeiro ano de trabalho da seção clínica de “crianças”, examinamos um menino autista que, se posso dizê-lo,
encarnava o estereótipo ou o retrato falado do autista. Stéphane tem aproximadamente dez anos — tempo do fracasso
escolar e da rejeição de algumas instituições de tratamento ambulatorial. Está sentado no chão, perto de um aquecedor. Ele
se balança, com o olhar vago; ele olha sem ver. Assim que nos aproximamos dele e começamos a falar, se põe numa
atitude de escuta, bate em seus ouvidos e em seguida solta dois ou três gritos roucos.
A gravidez de sua mãe foi difícil. No momento do nascimento, ele teve depressão respiratória e sofrimento fetal.
Imediatamente levado para a mesa de reanimação, apresentou uma estenose subglõtica. A mãe apenas o viu, não o escutou
gritar. Mais tarde, ela me diria: “Você me compreende, é como se eu não tivesse tido um bebê, eu nem mesmo o escutei
gritar”.
Durante cinco anos, Stéphane foi reanimado, dilatado, traqueostomizado, contaminado, entubado, aspirado; descobriu-se
que ele tinha cardiopatia, foi operado, esteve no hospital ou no centro de saúde e apresentou grandes transtornos de
comportamento que o levariam para um hospital psiquiátrico. Enquanto isso, seu pai desapareceu e sua mãe, depressiva,
se suicidou durante sua permanência no hospital psiquiátrico.
Passado o primeiro momento de fascinação estarrecida ou de fuga, o analista, confrontado com o real insuportável dessa
clínica, com essa causa já quase perdida de saída, só pode abordar tal enigma do autista por uma dialética que vai da
invenção à conceitualização. A margem da psicanálise as invenções se multiplicaram durante os últimos vinte anos: quer
se trate da psiquiatria de setor com tomada de posições políticas, de instituições como Bettelheim ou Bonneuil, quer das
clínicas para psicóticos no campo, de banhos terapêuticos,

do uso da música ou da cor, todas essas invenções representam tentativas desesperadas de fazer alguma coisa por “essas
crianças”, como se diz corrente- mente, a favor desses sujeitos “verbosos” para quem “há um peso das palavras”, como
disse Lacan (Lacan 1975b: 14).
De fato, o início de tudo reside na linguagem. Por ocasião de uma recente jornada sobre o autismo realizada em Créteil, no
início de abril de 1992, Robert e Rosine Lefort fizeram uma exposição exemplar e magistral que resumia seus trabalhos
sobre o autismo e a psicose da criança. Retomarei aqui os pontos essenciais de clínica psicanalítica.
O autismo precoce se manifesta no nascimento, na primeira relação entre a criança e a mãe. Lembremo-nos da fala da mãe
de Stéphane: “Eu nem mesmo o escutei gritar, é como se eu não tivesse tido um bebê”. Freqüentemente, nenhum grito,
nenhum choro, vem manifestar uma demanda, uma necessidade. Nem o olhar nem as mãos da criança testemunham uma
relação de objeto. O olhar é vazio. Sem qualquer relação de objeto, o autista não tem Outro. E como se ele não tivesse
nascido, como se não existisse para ele um mundo exterior, o balbucio inicial da vida relacional.
O sujeito se constitui por meio da satisfação de necessidades, ou seja, é pelo grito e pela resposta dada pelo Outro que se
articulará a demanda do sujeito e se fará presente o desejo do Outro. Em um primeiro tempo, o balbuciar do bebê é um
significante que não demanda nada. E um S, sem 2’ do qual a criança goza de maneira autista. Normalmente a voz da mãe,
sinal de uma presença se ela se torna objeto, engendra o S2 pelo processo de alienação/ separação. Sem a constituição do
par significante S1-S,, há somente gozo autista com foraclusão do Outro. O sujeito não pode ser representado por um
significante para um outro significante ou, como lembrou Esthela Solano, há foraclusão do S,. No autismo, o Outro se
reduz a uma ausência. Compreendemos, portanto, o impasse significante do autista e o mutismo que disso provém, pois
não se pode falar do “lugar de uma ausência”.
O autista. contudo, por mais mudo que seja, está na linguagem sem ter entrado no discurso. Ele não se dirige ao Outro,
não acede ao símbolo; permanece petrificado no nível de um S1 sem 5,, em um real dificilmente simbolizável. O único
significante privilegiado pelo autista é aquele da ausência real do Outro. E o que pretendo ilustrar aqui com algumas
seqüências clínicas de Stéphane, das quais já falei a propósito da entrada em análise da criança psicótica com base em
artigo de Freud “Construções em análise” (1937) e em “O Seminário, livro 15: o ato analítico” (1967-68), de Lacan. Pode-
se, aliás, estabelecer um tríptico a partir dos conceitos de invenção, de construção e de ato analítico.
Em sua primeira sessão, Stéphane vem de bom grado ao meu consultório. Ele se deita no divã, se levanta; vai, vem, sai e
retorna. Tira seus sapatos, calça-os; manifesta certo contentamento em poder ir e voltar, divertindo-se com as portas, que
abre, fecha ou mesmo bate. Eu então lhe digo: “Fechar para estar seguro. Quando há buracos, isso vem de toda parte”.
Stéphane pára imediata-

mente, olha-me com gravidade e esboça um sorriso. Suas fungadas e os sons guturais que emite me levam a
lhe falar dos atos de engolir e respirar. Stéphane se detém, funga olhando para longe, chupa com sua boca e
engole ruidosamente.
Em outra sessão, marcha e bate palmas cada vez mais ruidosamente, e depois bate na mesa. Eu lhe digo:
“Bater... mamãe, ela deixou você no hospital quando você ainda nem sabia se iria poder respirar ou não”.
Stéphane pára... faz movimentos de deglutição e sucção, emitindo seu primeiro som humano... como um
suspiro, um “ah...” prolongado. Juntando bolinhas de poeira sobre o chão do consultório, fabrica um fio
espesso, senta-se no chão com os joelhos afastados e se balança para frente e para trás. Põe o fio na boca,
como uma cânula, e faz um ruído que imita a máquina de assistência respiratória. De novo, suspira um “ah...”
modulado. Impressionada pela cena, contento-me em lhe dizer: “Que barulho!”, encerrando a sessão.
Em outra ocasião, Stéphane entra no consultório, retira seus sapatos e se deita de costas no divã. Põe sobre o
ventre a almofada do divã e a aperta com suas pernas, respirando ruidosamente, como se imitasse uma cena
primitiva ou antes uma autogeração pela máquina, significando para mim a ausência radical de seu Outro.
E verdade que minhas intervenções tiveram uma eficácia simbólica que operou sobre o real do autismo de
Stéphane; como se diz, ele pôde ser pacificado, ou mesmo humanizado. E verdade também que pôde enunciar
alguns fonemas e inclusive dizer “mamãe”, mas de todo modo ele permaneceu esse objeto em sofrimento que
não pode aceder a uma emergência subjetiva. Como lembrou Robert Lefort em Créteil: “Mesmo se o autista
se torna capaz de algum tipo de aprendizagem, não se aprende a ser um sujeito, pois o significante deve ser o
significante do Outro. Petrificado sob um S1 sem S2, o autista permanece no lugar de objeto de gozo, pois a
emergência do sujeito necessita da presença de um segundo significante”. Aliás, com outras crianças, seja no
momento da instauração da transferência, seja por “um dizer que não” a uma certa forma de gozo, tudo
testemunha um desejo mais que decidido do analista; situando-se no lugar de uma ausência, ele às vezes pode
obter alguns efeitos clínicos que o sustentam em seu trabalho.
Como diz Rosine Lefort, a cura do autista só pode ter um efeito fundamental: “a irrupção da fala”. Mas se a
análise visa desencadear o nascimento do sujeito através do desencadeamento de um parto, há, por isso,
modificação subjetiva e passagem do autismo à psicose? Há constituição de um Outro por isso? E “qual é esse
Outro que continua a falar no sujeito?”
Segundo exemplo clínico
Abordarei mais de perto essas questões com o auxílio de outro exemplo clínico. Há algum tempo, examinei o
jovem Grégoire, também com aproximadamente dez anos. E comum considerar que o diagnóstico de autismo
pode ser feito logo à primeira vista. Lacan, todavia, em O Seminário, livro III: as psicoses,

nos ensinou que “as primeiras orientações de uma boa investigação das psicoses poderiam ser deixar falar o maior tempo
possível”. Depois disso, acrescentou, “pode-se ter uma idéia” (Lacan 1955-6: 137).
Não sabia nada sobre Grégorie. Ao entrar no consultório, ele, que tinha se mostrado muito receptivo na sala de espera,
hesita algum tempo antes de passar pela porta, esconde seu rosto ë pede que algumas pessoas que crabalham na
instituição em que residia há três anos saiam da sala. Concordo com seu pedido. Imediatamente após a entrada, ele se põe
a procurar sob o leito e nos armários outras pessoas que poderia conhecer para que ela também saíssem. Enquanto ele abre
os armários em que estão arquivados os prontuários, testo rapidamente sua capacidade de leitura. Reconhece algumas
letras, mas não sabe ler, embora mais tarde se mostre muito hábil com algarismos e jogos eletrônicos.
Grégorie senta-se em uma pequena cadeira perto da porta, e dela não sairá durante toda a conversa. Rapidamente, constato
a desordem de suas referências familiares e geográficas. Confunde irmãs e primas e não sabe explicar onde fica a cidade
em que passa as férias com sua família. A seu pedido, saimos do consultório para procurar um dicionário na secretaria.
Para esse menino que não sabe ler, a busca de um nome no dicionário se mostra absolutamente inoperante. Insatisfeito,
tem necessidade de um dicionário de nomes próprios, e de passagem me explica que seu sobrenome é um nome próprio,
mas que não está no dicionário.
Grégorie me ensina que teve dificuldades escolares desde o maternal e que sempre esteve sob os cuidados de uma
instituição de saúde mental em Paris. Ele se inquieta com a duração de nossa entrevista e me pergunta ansiosamente: “A
sessão dura cinqüenta minutos?”. Está perplexo com tanta gente dentro do consultório. Para ele, em excesso, o que fará
com que não lhe sobre nenhuma vaga no estacionamento. Grégoire mostra para mim que sabe contar os estudantes. Aliás,
referindo-se a cifras, me diz estar certo de que a França ganhará cem medalhas nos Jogos Olímpicos de Inverno. Tão logo
lhe peço para desenhar, começa a separar os lápis em ‘aqueles que escrevem’ e ‘aqueles que não escrevem’. Enquanto
desenha um homenzinho reduzido a um aglomerado de formas geométricas, ele me conta sobre um programa de televisão
em que objetos falam com ele. Os garfos, os olhos, lhe dizem: “Dólares, dólares!”. Grégoire está intrigado com a presença
dos estudantes; em determinado momento, petrificado, ele pára, olha para eles e me diz surpreso: “E eles escrevem tudo
isso!”. Respondo que sim.
Grégoire manifesta algumas emoções durante a entrevista: a evocação de uma intervenção cirúrgica, de perturbações
antigas das quais não quer mais falar ou de pesadelos que ainda parecem ser causa de uma angústia muito viva. Apenas no
fim da sessão, na sala de espera, sua mãe me diz que às vezes ele tem comportamentos bizarros e que pode se mutilar
quando colérico.
Após a entrevista, consigo mais dados de sua história familiar: o avô paterno se enforcou quando o pai de Grégoire tinha
vinte anos; a avó materna pôs no

mundo uma criança anormal — qualificada de monstro — quando a mãe de Grégoire tinha doze; esta sempre teve pânico de
ter uma criança anormal e, durante muito tempo, se levantou a noite para ver se Grégoire estava morto.
Escolhi falar sobre esse menino porque não só ele foi acompanhado durante muitos anos por um analista, como também
nos dá em uma única entrevista um precioso documento clínico a respeito das perturbações da linguagem que
testemunham sua psicose.
No espaço que divide com outras crianças, Grégoire os expulsa para ter seu lugar, e em nenhum momento é alcançado
pelo público. Ao contrário, ele observa os que o observam, estabelecendo entre ele e os outros uma relação especular cm
que se instala como objeto em um Outro que lhe “faz fazer”. Constatando “e eles escrevem tudo isso!”, testemunha que se
aloja no Outro, submetendo-se a um Outro do saber que o faz calcular e contar.
O analista tenta lhe dar um lugar de sujeito, mas Grégoire não pode ocupá-lo. Mesmo se ele pode criar essa ilusão durante
um curto espaço de tempo, sua discordância simbólica logo a quebra. Grégoire fala mas não sabe ler. Embora consiga
aprender várias coisas, elas não chegam a mascarar sua deficiência de estrutura. Na busca de um “super-saber”, ele se
endereça a um grande Outro do dicionário, a fim de velar um vazio, uma falta no nível do significante, um furo, um nada
simbólico. Ele se comunica à margem da fala, e poderíamos dizer que ele “fala, mas não sabe... o que fala nele”.
Lembramos que o psicótico não está fora da linguagem, mas fora do discurso, e que a inscrição de um discurso supõc a
operação de alienação/separação. Na falta dessa operação condicionada pelo Nome-do-Pai, a criança se torna autista ou
psicótica. Para Lacan, o sujeito não é o vivente, mas sim o que o significante representa. Antes dessa representação pelo
significante, o vivente não é sujeito. O autista e o psicótico permanecem puros significantes do Outro.
A separação impossível
Para concluir, citemos um artigo de Colette Soler sobre autismo e paranóia.
Ela escreve o seguinte a respeito do lugar possível para o analista diante deles:
[...l lá onde estaria a mãe, surge o terapeuta com seu corpo e suas palavras. No plano do significante. Ele se põe no lugar
dos ditos do Outro, mesmo se ele fala muito pouco, e portanto também de resto da libido. E certo que isto tem efeitos. O
bastante para que alguns sejam otimistas.
Muitos autores descrevem os resultados, porém na maior parte das vezes eles não vão além do progresso no plano da
norma e no plano educativo. Essas crianças aprendem palavras, elas aprendem a servir-se de maneira quase apropriada e a
ser independentes quanto ao asseio. Portanto elas se civilizam um pouco. Isto já é alguma coisa, dirão alguns. Mas sempre
encontramos o mesmo obstáculo: a separação impossível. [.1 nelas não há inversão da mensagem do Outro: elas se tornam
o seu reflexo. Em outras palavras, não há separação da cadeia significante (Soler 1989b: 230-1).
254 Psicanálise e psiquiatria: controvérsias e convergéncias

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