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A MISÉRIA DA CRÍTICA HETERODOXA: AFINAL POR QUE OS JUROS REAIS SÃO ELEVADOS NO
BRASIL?
Samuel Pessoa

Versão 2.1 – 22 de setembro de 2018

INTRODUÇÃO
A economia brasileira passa provavelmente por sua maior recessão desde o início do século XX.
No quadriênio terminado em 2017 a renda per capita será aproximadamente 9,5% inferior à
renda per capita em 20131. A perda de produto total será de 6,1%. A maior perda de produto
em quadriênios desde 1900 fora de 1,2% no quadriênio terminando em 1984.
Crise dessa dimensão não resulta de erros de manejo de política macroeconômica em um ou
dois anos. É comum economistas heterodoxos alegarem de que o ajuste fiscal de 2015 – que
promoveu segundo os cálculos da Secretaria de Política Econômica contração fiscal de 1 ponto
percentual do PIB – causou a reversão de crescimento de 0,5% em 2014 para uma queda de
3,8% em 2015. Essa afirmação não tem nenhum suporte na evidência empírica. Em particular os
multiplicadores fiscais teriam que ser extremamente elevados para justificar a crise.
A crise tem duas raízes. A primeira foi a piora fiscal que houve de 2008 até 2014. Nesse período
o superávit primário do governo central reduz-se de 2,7% do PIB para -1% do PIB. Esses dados
tabulados por Gobetti e Orair (2017) já consideram somente receitas recorrentes e limpam os
dados das pedaladas fiscais.
Com exceção do ano de 2009, em função do choque externo de setembro de 2008, em todo
esse período houve sinais claríssimos de que a economia operava a plena capacidade: inflação
em alta; juros reais elevados; salário crescendo acima da produtividade; taxa de desemprego
em queda; elevação do déficit externo; e elevação do déficit primário do setor público. Não foi
por falta de demanda que a economia desacelerou-se. Por exemplo, o impulso fiscal em 2014
foi de 2 pontos de percentagem (pp) do PIB. Nos sete anos entre 2008 e 2014 o impulso fiscal
foi negativo somente em 2011 em 0,5 pp do PIB. Em todos os outros anos entre 2008 e 2014 o
impulso fiscal foi positivo em 0,9 pp do PIB em média. A piora fiscal colocou a dívida pública em
trajetória ascendente.
A segunda raiz da crise é a política intervencionista que passou a pautar a formulação da política
econômica desde a troca de guarda na Fazenda com a saída de Antônio Palocci e a entrada de
Guido Mantega2. Após anos de crescimento da produtividade total dos fatores – a taxa média
de crescimento da PTF entre 2004 a 2011 foi de 2,3% ao ano – ela apresenta crescimento nulo
no triênio 2012-2014. Se considerarmos somente o biênio 2012-2013 o crescimento médio da
PTF foi de 0,5% ao ano. Se considerarmos taxas médias quadrianuais anualizadas de crescimento
da PTF elas crescem de 2001 até 2007 quando atinge 2,7%. A partir de ai um longo processo de
queda atingindo 1,7% para o quadriênio terminado em 2013 e 0,6% para o terminado em 2014.

1
Saberemos com certeza em 2019 com a divulgação das contas nacionais definitivas de 2017.
2
Alguns itens do intervencionismo foram implantados antes da saída do Antônio Palocci da Fazenda. Por
exemplo, a alteração do plano de negócio da Petrobrás e a elevação dos requerimentos de conteúdo
nacional para o setor para os leilões de blocos de prospecção e exploração em 2005.
2

A forte desaceleração da economia consequência da redução da taxa de crescimento da


produtividade agravou o problema de solvência do Tesouro. A solvência, medida pela evolução
da relação dívida-PIB, piorou pelos dois motivos: o numerador, a dívida, passou a crescer mais
rapidamente em função da irresponsabilidade fiscal, e o denominador, o PIB, passou a crescer
mais lentamente.
Uma das características do intervencionismo foi promover forte sobreacumulação de capital em
setores cuja rentabilidade era baixa. Os exemplos mais flagrantes foram a indústria naval e toda
a cadeia de petróleo em particular o refino. Adicionalmente, vultosos empréstimos subsidiados
estimularam sobreinvestimento na indústria automobilística, tanto de automóveis de passeio
quanto de caminhões. Rapidamente foi construída grande capacidade ociosa na indústria. No
caso da indústria automobilística a nova capacidade produtiva maturou simultaneamente ao fim
de um longo ciclo de renovação da frota. Um setor que ao longo de anos operou com três turnos
passou a operar com 50% de ociosidade. No setor sucroalcooleiro a política econômica
estimulou grandes investimentos no primeiro governo Lula com longos prazos de maturação. O
endividamento do setor subiu muito. Quando a capacidade produtiva ficou pronta a política de
controle de preço da gasolina inviabilizou financeiramente o setor. Todo o setor de construção
civil se preparou para eliminar em alguns anos o histórico déficit habitacional. Havia elevado
otimismo entre os empresários do setor com o programa MCMV. Além dos enormes erros de
desenho do programa, inclusive do ponto de vista urbanístico, o programa supunha que a
capacidade do Tesouro em subsidiar a aquisição de unidades habitacionais pelo público de baixa
renda fosse ilimitada. O esgotamento financeiro do Tesouro produziu forte parada no setor.
Além do descuido da responsabilidade fiscal nas contas da União, o Tesouro Nacional, quando
da gestão Arno Augustin, compactuou com a irresponsabilidade fiscal dos Estados. Fato que está
na raiz do atual desastre das contas de diversos Estados.
As instituições fiscais construídas ao longo do segundo mandato de FHC tinham com suposto
que a economia política brasileira é tal que em nosso sistema político o único agente que tutela
a estabilidade macroeconômica é o executivo nacional. Os demais agentes políticos – seja
executivos subnacionais, ou o poder legislativo – são avaliados pelas suas bases políticas em
função das políticas públicas locais. Tanto a lei de responsabilidade fiscal quanto a renegociação
das dívidas dos Estados com a União tinham esse entendimento. Consequentemente nossas
instituições fiscais foram desenhadas de forma a amarrar muito os entes subnacionais e deixar
o espaço dicionário da política fiscal para o Tesouro Nacional.
Quando tivemos como secretário do Tesouro alguém não comprometido com a
responsabilidade fiscal criou-se as condições para a construção da grave crise fiscal que nos
metemos. Desse ponto de vista é muito difícil desenhar instituições que sejam imunes a um
poder executivo nacional que seja irresponsável fiscalmente. O motivo é que a maneira de
impedir o desastre é reduzir em muito o espaço para a discricionariedade da política fiscal. Mas
essa redução amarraria em demasia a política fiscal. Ou seja, não parece ser possível a
construção de instituições fiscais que sejam imunes ao não entendimento por parte dos gestores
públicos na União da importância da responsabilidade fiscal.
O objetivo desse trabalho é analisar a contribuição do pensamento econômico heterodoxo
brasileiro para a construção de uma ideologia, muito popular na academia brasileira, de que não
há restrição de recursos na economia. Essa ideologia está na raiz, penso eu, dos erros de política
3

econômica cometidos desde 2009 que resultaram na grave crise fiscal e na crise mais profunda
dos últimos 120 anos.
Além dessa ideologia que na prática elimina a noção de restrição de recursos outra ideologia foi
fundamental para o desastre dos últimos anos. Trata-se do entendimento de que o
desenvolvimento é fundamentalmente fruto do intervencionismo estatal no estabelecimento
da natureza do processo de desenvolvimento e em políticas de desenvolvimento setorial que
subsidiem certos setores em detrimento de outros. Esse item será fruto de outro trabalho. No
presente trabalho investigaremos o pensamento heterodoxo brasileiro e suas implicações para
o desarranjo fiscal construído a parti de 2009.
O argumento básico é que no Brasil popularizou-se uma leitura radical da contribuição de Keynes
que na prática considera que não há restrição de recursos. O particular entendimento da
heterodoxia brasileira de que as economias operam permanentemente abaixo da plena
capacidade e o particular entendimento do princípio da demanda efetiva (PDE) de que todo
investimento cria a sua própria poupança acabou por criar o caldo de cultura que permitiu o
descalabro fiscal. Evidentemente somente a ideologia não explica tantos erros. A economia
política e os interesses dos grupos de pressão que se beneficiam do desarranjo fiscal jogou papel
relevante. No entanto, é ideologia cria o caldo de cultura sobre o qual os vermes dos interesses
particulares procriam.
Segue à introdução a exposição da teoria macroeconômica tradicional. O foco será nas teorias
de determinação dos juros reais, da inflação e do emprego. Em seguida apresento minha leitura
da visão heterodoxa desses mesmos temas. Ficará evidenciada a dificuldade que essa corrente
de pensamento tem em tratar do tema da inflação. Após apresento a dificuldade que a
heterodoxia tem de ler a construção neoclássica e segue minha crítica ao pensamento
heterodoxo. O texto termina com uma rápida conclusão.
TEORIA CONVENCIONAL
O pensamento convencional ou ortodoxo ou mainstream considera que a inflação é sinal de
excesso de demanda e a taxa de juros é o instrumento regulador do excesso de demanda.
Adicionalmente, considera que a decisão de consumir (e, portanto, a decisão de não consumir
ou de poupar) é fruto de escolha racional em função da alocação ao longo do tempo
(intertemporalmente) dos recursos.
A teoria neoclássica da taxa de juros elaborada de forma definitiva no clássico The Theory of
Interest de Irving Fisher publicado originalmente em 1930 estabelece que a escolha de consumo
e poupança depende essencialmente do risco – se a percepção de risco é maior o consumo será
menor – e do desejo de suavizar consumo ao longo do tempo. O juro é um fenômeno real que
ocorre mesmo em uma economia não monetária.
Suavizar consumo ao longo do tempo significa consumir além da renda se a pessoa acredita que
no futuro a renda será muito maior do que a renda corrente, e consumir aquém da renda se a
pessoa acreditar que no futuro a renda será menor do que a renda corrente. Por esse motivo
entende-se que em sociedades em que não há um sistema público de previdência há fortíssimo
estímulo a poupança para constituir um fundo que será consumido quando o indivíduo perder
a capacidade laboral. O mesmo ocorre se não houver serviço público de saúde e outros seguros
públicos, como, seguro desemprego, auxílio doença e aposentadoria por invalidez.
4

A teoria convencional estuda a formação da taxa de juros em duas estruturas demográficas


distintas e em uma terceira estrutura híbrida das duas anteriores. Na primeira, chamada de
modelo de horizonte infinito, as pessoas nunca morrem e, mais importante, nunca perdem a
capacidade laboral. A vida é infinita e a capacidade de trabalho também. A justificativa para essa
estrutura é que uma família pode ser entendida como uma dinastia. E a dinastia nunca morre e
sempre pode trabalhar. Para que esse modelo seja válido é necessário supor que a forma como
os pais valorizam os filhos é qualitativamente equivalente à forma como os pais valorizam eles
mesmos. Nessa estrutura a dinastia funciona como um demandante ou ofertante residual de
recursos a certo custo. Se a taxa de juros for acima de certo valor a dinastia sempre poupará. O
processo de acumulação de capital que resultará dessa poupança forçará o retorno do capital
para baixo. Analogamente se a remuneração do capital for abaixo de certo valor haverá
permanentemente consumo acima da renda. A redução do estoque de capital elevará o retorno.
Por esse motivo nessa estrutura e no longo prazo a taxa de juros terá que ser dada por:
𝑔
𝑟 = 𝜌 + 𝜎, (1)

em que 𝑟 é a taxa real de juros que no longo prazo será a remuneração do capital sem risco
líquida da depreciação; 𝜌 é a taxa de desconto intertemporal; 𝑔 é a taxa de crescimento da renda
do trabalho; e 𝜎 é a elasticidade de substituição intertemporal no consumo.
A ideia é que se a taxa de juros for maior do que o lado direito da equação haverá acumulação
de capital e vice versa de for menor. O primeiro termo do lado direito, a taxa de desconto
intertemporal, é o prêmio que o consumidor cobra para deixar de consumir hoje uma unidade
e poder consumi-la no futuro, quando seu consumo hoje e no futuro for o mesmo. Diversos
autores consideram que essa taxa está associada à probabilidade de morte. Em condições de
horizonte infinito, em que a pessoa nunca morre, a taxa de desconto intertemporal tem que ser
nula, segundo esses autores.
O segundo termo do lado direito é proporcional ao crescimento da renda do indivíduo. Quanto
maior o crescimento da renda mais a pessoa estará disposta a tomar crédito contra renda futura
para consumir hoje. O consumidor tentará suavizar o ganho de renda futura. O parâmetro de
1
proporcionalidade é dado pelo inverso da elasticidade de substituição intertemporal, 𝜎. Quando
menor a elasticidade de substituição maior será a resposta dos juros ao crescimento da renda.
A segunda estrutura formal em que a formação da taxa de juros é estudada pela teoria
convencional é o modelo de gerações sobrepostas ou gerações imbricadas. Nessa estrutura
formal as pessoas nascem, tornam-se adultas, isto é, adquirem capacidade laboral, e
envelhecem, isto é, perdem capacidade laboral, e, finalmente, morrem. A hipótese dessa
estrutura formal é que a ligação que há entre pais e filhos é qualitativamente diferente da
ligação que há entre a mesma pessoa ao longo do tempo. E, portanto, não é possível tratar uma
dinastia como uma entidade eterna. As gerações estão desconectadas entre si.
A maior implicação dos modelos de gerações sobrepostas é que não há agora um demandante
e um ofertante residual de recursos a uma dada taxa de juros. E, portanto, não há garantia de
𝑔
que haverá convergência da taxa de juros para 𝜌 + 𝜎. Deixa de existir uma amarração de longo
prazo para a taxa de juros. Em particular é perfeitamente possível a taxa de juros ser negativa.
Se uma sociedade não tiver um sistema público de aposentadoria, por exemplo, jovens em plena
capacidade laboral pouparão para a velhice mesmo que os juros sejam negativos. O custo de
5

bem estar de consumo nulo na velhice é alto o suficiente para justificar elevadas taxas de
poupança mesmo que a juro muito baixo ou negativo.
Di Nardi e colaboradores (2010) mostram que boa parcela da poupança dos idosos se deve
menos ao desejo de deixar heranças mais aos elevados e imprevisíveis custos médicos.
Analogamente, Kopecky e Koreshkova (2014) mostram para a economia americana que o risco
de terminar a vida em um asilo cujo custo médio é de U$5 mil mês explica boa parte da poupança
individual. Para ambos os trabalhos, devido ao elevado risco – é difícil saber o tempo de
sobrevida, as condições de sobrevida e, portanto, o gasto com hospitais e asilos – maiores
seguros públicos a gastos privados com saúde e asilos teria forte impacto sobre o bem estar das
pessoas mesmo das pessoas de renda mais elevada.
Nessas estruturas, por não haver um demandante ou ofertante residual de recursos, há ligação
direta entre o juro real e a oferta de outros ativos financeiros, como, por exemplo, dívida
pública. Nesse sentido em modelos de gerações sobrepostas o juro real de longo prazo deixa de
ser um fenômeno puramente real e desconectado dos ativos financeiros.
A terceira estrutura formal empregada para investigar a formação da taxa de juros e o equilíbrio
macroeconômico das economias, híbrida das outras duas, considera, como no modelo de ciclo
de vida ou gerações imbricadas, que as pessoas nascem, apresentam vida ativa no mercado de
trabalho, se retiram do mercado de trabalho e morrem. No entanto, elas têm filhos e a conexão
que têm com seus filhos, e estes com os pais, é qualitativamente equivalente à ligação que os
indivíduos têm consigo mesmo. Tecnicamente, o consumo do filho (ou do pai) sensibiliza a
função utilidade do pai (ou do filho) de forma equivalente a que sensibiliza a própria função
utilidade do filho (ou do pai). Por isso essa estrutura formal é chamada de modelos com
altruísmo bilateral.3 Laitner (1992) mostra que nessa estrutural forma se houver alguma
restrição ao crédito, se os pais não puderem legar dívidas para seus filhos e se houver choques
na renda do trabalho o modelo reproduz fatos estilizados do modelo de gerações sobrepostas –
a economia funciona com uma economia em que não há um demandante ou ofertante residual
de recursos, ou seja, a oferta de longo prazo de capital não é perfeitamente elástica – além de
ser estrutura ideal para tratar de diversos temas associados ao envelhecimento. Essa estrutura
formal é particularmente útil para estudar poupança e envelhecimento em sociedades em que
a muita transferência de recursos e cuidados entre as gerações como é o caso das sociedades
orientais.4
O importante a reter por ora é que para a teoria convencional o juro real é um fenômeno real e
o fenômeno que é monetário é a inflação. Evidentemente há uma complexa interação entre o
fenômeno real e o monetário – visto que o juro real é o juro nominal líquido da inflação – mas
a essência da formação da taxa de juros é real e não monetária. A formulação tradicional
consegue justificar os baixíssimos juros reais vigentes nas economias desenvolvidas bem como
os baixos juros e as elevadíssimas taxas de poupança vigente nos países asiáticos
particularmente a China. Passemos a esses dois pontos.
Juros negativos nos países desenvolvidos. Há dois grupos de explicação dos motivos dos juros
reais estarem muito baixo nos anos em seguida à crise do subprime de setembro de 2008. Um

3
Ver Laitner (1992) para uma exposição teórica com algumas simulações.
4
Ver Imrohoroglu e Zhao (2017) para um exemplo recente.
6

grupo se utiliza da estrutura de horizonte infinito e outro grupo da estrutura de gerações


sobrepostas. As explicações são complementares mas não está claro qual é o peso de cada uma
delas.
As explicações que partem do modelo de horizonte infinito podem ser classificadas em três
grupos. Há a explicação que enfatiza um longo ciclo de desalavancagem das economias.5 Seja
para o Japão, em que as firmas ficaram muito endividadas após o estouro da bolha de ativos em
meados dos anos 90, ou seja, para a economia americana, em que as famílias ficaram muito
endividadas após o estouro da bolha imobiliária, houve, em resposta ao endividamento forte
elevação da poupança que reduziu os juros. Os juros baixos são um processo transitório mas
que pode ser alongar por décadas enquanto o processo de redução do endividamento continua.
No longo prazo após o fim do processo de desalavancagem a taxa de juros retornaria para o
valor dado por (1).
Um possível motivo adicional, para os juros serem baixos, é a elevação da percepção de risco.
Em um contexto de horizonte infinito se houver risco e se não houver mecanismo que consiga
assegurar esse risco a taxa de juros será menor do que o valor dado por (1). Podemos escrever
que a diferença entre o lado direito de (1) e a taxa de juros será dada por uma medida do risco
na economia.6 Formalmente:
𝑔
𝜌 + 𝜎 − 𝑟 = Risco. (2)

Assim, se, por exemplo, os títulos do Tesouro Americano são enxergados como porto seguro
para riscos que de outra forma não são asseguráveis os juros pagos por esses títulos serão
menores do que os demais juros a diferença sendo dada pela percepção que o público tem na
qualidade desses títulos de assegurar esses riscos não asseguráveis. Se, em função do
crescimento da economia mundial, fruto, por exemplo, da emergência da Ásia, não houver
simultaneamente a elevação da oferta de títulos com essas características a diferença em (2)
elevar-se-á.7
Finalmente segue de (1) que uma redução da taxa de desconto intertemporal, 𝜌, em função, por
exemplo, de elevação da expectativa de vida, ou uma redução da taxa de crescimento da renda,
fruto, por exemplo, de redução da taxa de crescimento do progresso tecnológico, g, podem
explicar redução dos juros reais. Este último fator tem sido lembrado como possível explicação
para a queda dos juros nas economias desenvolvidas.
Dois outros fatores frequentemente lembrados como explicações da queda da taxa de juros,
ainda em um contexto de horizonte infinito, são alteração da natureza do progresso técnico
recente, muito poupadora em capital, e a piora da distribuição de renda, que reduz a demanda
por consumo.
As empresas modernas do paradigma tecnológico da informação têm muito menos capital físico
do que as empresas do paradigma tecnológico da segunda revolução industrial, isto é, do aço,
energia elétrica, e do motor de combustão interna. Compare, por exemplo, a Apple com a
General Motors. O capital da Apple é não tangível associado às patentes e à capacidade
intelectual de seus técnicos. O capital físico da Apple é pequeno em comparação com o valor da

5
Ver Rey (2017) e as referências.
6
Ver Aiyagari 1994.
7
Ver Del Negro e colaboradores 2017.
7

empresa relativamente à GM, por exemplo. Aparentemente o progresso técnico reduziu a


quantidade de poupança real necessário para construir as novas empresas, o que contribui para
reduzir a taxa de juros.
Adicionalmente o progresso técnico poupador de capital concentra muita riqueza, muito valor,
nas mãos das pessoas que promovem a inovação. Pessoas talentosas inovadoras ficam muito
ricas. Um crescimento que ocorre com inovações tecnológicas que concentram a riqueza gera,
se a propensão a consumir for menor para os muitos ricos do que a família de renda média ou
mais pobres, elevação da taxa de poupança. Esse fato é agravado pela globalização que permite
que uma inovação tenha uso mais amplo e, portanto, aumenta o mercado consumidor acessível
à inovação e, portanto, o valor da patente e outros intangíveis associados às novas tecnologias.
Todos esses motivos arrolados até agora para descrever a queda da taxa de juros que ocorreu
nos países desenvolvidos em particular após a crise de setembro de 2008 aplicam-se na
estrutura de modelos de gerações sobrepostas. Com gerações sobrepostas há o efeito adicional
da necessidade de poupar para a velhice. E, como vimos, juros baixos podem agravar essa
necessidade: como o rendimento da aplicação reduz-se a pessoa para garantir um padrão de
vida na velhice terá que poupar ainda mais. Se a expectativa de vida cresce a necessidade de
poupar eleva-se.
Eggertsson e colaboradores (2017), a partir de um modelo de gerações sobrepostas calibrado
para a economia americana, decompõe a queda de 4 pontos percentuais (pp) que houve na taxa
de juros na economia americana entre os anos 70 e agora. Concluem que a queda da taxa de
crescimento tecnológico, a elevação da expectativa de vida e a redução da taxa de crescimento
populacional explicam redução dos juros em 6pp, enquanto que a elevação do estoque de dívida
como proporção do PIB explica elevação da taxa de juros em 2pp.
O melhor entendimento da queda dos juros reais nas economias desenvolvidas ainda é um tema
em aberto. Como vimos há diversos fatores. Esses diversos fatores não são excludentes mas
complementares mas ainda não há consenso no peso de cada fator. Mas já há uma lista que
parece ser exaustiva do fenômeno.
Finalmente há um terceiro motivo para juros baixos em países cuja moeda funciona como um
porto seguro. Um ativo é um porto seguro ou um ativo seguro “se for um instrumento de dívida
simples cujo valor se espera seja preservado durante crises sistêmicas”.8 O caso paradigmático
é das notas do Tesouro americano. Esses ativos acabam pagando um prêmio de seguro na forma
de juros mais baixos. Se ocorrer da economia mundial crescer e simultaneamente a oferta de
ativos que sejam percebidos como porto seguro não se eleva os juros pagos por papeis com esta
característica reduz-se.9
Juros baixos na China. A China deveria ser um padrão, benchmark como dizem os americanos,
para os heterodoxos estudarem a economia brasileira. A China é uma economia com a renda
per capita próxima da brasileira e com um nível de desigualdade próximo da desigualdade
brasileira mas com taxas de juros muito menores do que as nossas. Seria interessante que os
economistas brasileiros heterodoxos oferecessem uma resposta do por que de a China ter juros
tão baixos. Será que a elevada taxa de poupança por lá está associado aos juros baixos?

8
Caballero e colaboradores (2017), página 29.
9
Esse tema é elaborado em Caballero e colaboradores (2017).
8

A China apresenta taxas de poupanças elevadíssimas ao redor de 50% do PIB, algo nunca visto
em outras economias mesmos em economias asiáticas. Entender os juros baixos na China é
equivalente a entender os motivos das taxas de poupança serem tão anormalmente elevadas.
Há hoje literatura ampla que identifica os diversos fatores que explicam as elevadíssimas taxas
de poupança. Todas elas abordam diferentes aspectos do modelo de Irving Fisher. A poupança
constitui escolha individual com o objetivo de transferir renda no tempo, seja para fazer frente
a perda da capacidade laboral, deixar herança aos filhos, fazer frente a riscos típicos de uma
sociedade de mercado em que o estado de bem estar social é pouco desenvolvendo (como risco
de desemprego e de doença), ou para enfrentar situação de restrição ao crédito.
Nos anos 90 a taxa de poupança da China subiu acentuadamente. Chamon e Prasad (2010)
mostram que essa elevação não poderia ser explicada pelo padrão normal da evolução da
poupança ao longo do ciclo de vida: a poupança cresce ao longo da vida produtiva e cai
gradualmente na aposentadoria. Identificam diversos fatores que explicam o padrão observado
de elevação da poupança entre os jovens e elevação da poupança dos mais velhos. A
liberalização dos diversos mercados fez com que as famílias tivessem que poupar para adquirir
moradia, saúde e educação nos níveis superiores. A elevação da poupança entre os mais velhos
pode ser explicada principalmente por necessidade de fazer frente à incerteza quanto aos gastos
com saúde.
Nesse período diversos trabalhadores de empresas estatais perderam a estabilidade no
emprego e passaram a se defrontar com risco de desemprego. Liu Zheng e colaboradores (2014)
documentaram que boa parcela da acumulação de riqueza desses trabalhadores das empresas
estatais ocorreu em função da elevação do risco de desemprego. O trabalho empregou os
servidores públicos da administração direta, que mantiveram a estabilidade no emprego, como
grupo de controle.
Ou seja, o processo de introdução de instituições de uma economia de mercado em uma
economia que era de planejamento central, sem que simultaneamente se tenha construído um
Estado de bem estar social explica, por um lado, a enorme elevação da taxa de crescimento da
renda, e, por outro, a enorme elevação da proporção da parcela poupada dessa renda adicional.
Chamon e colaboradores (2013) documentam o impacto sobre a elevação da poupança
associada à fortíssima elevação na variância da renda. Adicionalmente mostram que a reforma
previdenciária de 1997, que reduziu para a geração mais velha que ficou no regime de transição
a taxa de reposição das aposentadorias urbanas de 75% para 60%, desempenha papel
importante no aumento da poupança no período.
Wei e Zhang (2011) sugerem que o desequilíbrio entre os sexos – fruto da política de filho único
e da norma social que responsabiliza o filho homem pela manutenção dos pais na velhice – pode
explicar a elevação da poupança entre os pais com filhos homens para torná-los mais atraentes
no mercado de casamento, por meio, por exemplo, da compra de um apartamento. Os pais com
filhas já tiveram que elevar sua poupança pois não terão filhos que se dedicarão a eles na velhice.
Trabalho recente de Imrohoroglu e Zhao (2017) sugere que boa parcela da elevação da taxa de
poupança nas últimas décadas na China pode ser explicada pela interação entra a queda do
9

números de filhos em função da política de filho único10 e as limitações da seguridade social


chinesa para a terceira idade.
A elevada taxa de poupança na China tem múltiplas causas mas todas elas casos especiais do
modelo de Fisher. Poupar envolve escolha individual e a troca no tempo.
A baixa poupança no Brasil. O Brasil é a imagem especular da China. Por aqui desde os anos 70
a taxa de poupança caiu uns 7 pp do PIB. Nos anos 70 ela rodava a uns 23% do PIB e atualmente
roda a uns 16% do PIB. Essa queda ocorreu exatamente no período que pela evolução da
demografia a taxa de poupança deveria ter aumentado.
Entre os anos 70 e hoje passamos pelo processo de redemocratização que colocou na agenda o
gasto social e a necessidade de construção de uma rede ampla e abrangente de seguros
públicos. Entre 1992 e 2014 o gasto primário da União saiu de 11% do PIB para 20%. Como
mostrado por Almeida e colaboradores (2015) esse aumento espetacular do gasto público
ocorreu em rubricas ligadas aos gastos sociais e aposentadorias, dos trabalhadores da iniciativa
privada e do serviço público.
De fato estudo de Brito e Minari (2015) sugere que as elevadas taxas de reposição de nosso
sistema previdenciário garantem para 95% da população ocupada renda igual ou superior à
renda obtida ao longo da vida ativa. Ou seja, a atitude racional é não poupar para a velhice.
A impressão de que o gasto previdenciário no Brasil é excessivo é corroborada por estudos que
mostram que nosso gosto com previdência é muito superior aos gastos de outros países com a
mesma taxa de dependência, isto é, a razão entre a população com 65 anos ou mais e a
população em idade ativa, isto é, entre 20 e 64 anos11.
Também construímos ao longo das últimas três décadas um Estado de bem estar social que
oferta diversos programas que reduzem o risco às famílias. Temos o serviço único de saúde, o
programa de seguro desemprego, o programa bolsa família, entre tantos outros. Todos eles
caminham na direção de reduzir a taxa de poupança da economia. Enquanto a China passou
pelo bônus demográfico em um período de redução do gasto social e forte elevação do risco
individual, pelo processo de construção dos mercados, o Brasil, ao longo do período do bônus
demográfico, construiu instituições que reduziram o risco. Lá a taxa de poupança subiu muito
por aqui ela caiu muito. O bom estar no Brasil hoje é bem maior do que na China. Para as
próximas gerações valerá o contrário. Como aponta Eduardo Giannetti da Fonseca no seu “O
valor do amanhã” temos dificuldade com ações que tenham custo no curto prazo e ganhos no
longo.
Há evidências de que as baixas taxas de poupança explicam os elevados valores para os juros
reais brasileiros. Há dois canais. O primeiro é por equilíbrio de fluxo. As baixas taxas de poupança
produzem tendência permanente a excesso de demanda. Os juros elevados reduzem a demanda
e equilibram e o mercado de bens e contem a inflação.12

10
Zhang (2017) apresenta artigo de revisão com os efeitos sobre as escolhas familiares da política de
filho único.
11
Ver Rocha e Caetano (2008).
12
Hausmann (2008) documenta que a taxa de poupança é baixa no Brasil. Segura-Ubiergo (2012)
documenta o elevado juro neutro no Brasil e o papel da taxa de poupança em sua determinação e Magud
10

Há sinais de que a taxa de poupança no Brasil se eleva quando a poupança pública sobe. Por
exemplo, entre 2000 e 2004 a taxa de poupança subiu de 14% do PIB para 19% para um período
em que o crescimento não se alterou apreciavelmente, apesar da enorme volatilidade.
Aparentemente a elevação da poupança pública em 3 pontos percentuais do PIB em 1999 e a
manutenção desse ajuste fiscal por um longo período explica parte da elevação da poupança
total em quase 5 pontos percentuais. Esse resultado vai ao encontro da importância da baixa
poupança pública para explicar os juros elevados no Brasil13 e da evidência de que as economias
não se comportam segundo a hipótese de equivalência ricardiana, principalmente as economias
em desenvolvimentos ou emergentes.14
Evidentemente em uma economia aberta é possível equilibrar o mercado de bens elevando a
absorção de poupança externa. O diferencial de juros pagos pelo Tesouro Nacional em relação
a um título americano aumenta quando a percepção de risco de solvência da dívida publica
piora. E, evidentemente, a baixa poupança pública eleva o risco país. Assim, há limites estreitos
em tapar nossa deficiência de poupança doméstica com absorção de poupança externa se o
risco país for elevado.15
Um estudo econométrico. Base de dados recente do FMI coleta a informação de gasto com
previdência como proporção do PIB. Para uma amostra de 101 países, o Brasil encontra-se entre
os 10% que mais gastam com previdência. Consideramos valores médios para o período entre
2010 e 2016.
Evidentemente é possível que o gasto seja normal ou não em função das características do país.
Uma sociedade envelhecida deve gastar relativamente mais com previdência.
Assim, em um posto no Blog do Ibre (https://blogdoibre.fgv.br/posts/o-impacto-do-elevado-
gasto-previdenciario-no-brasil-na-poupanca-domestica) em coautoria com meu colega Carlos
Eduardo Soares Gonçalves, professor titular da FEA-USP, fizemos um estudo no qual o gasto
público com previdência é “explicado” pelo PIB per capita do país, a razão de dependência – isto
é, a razão entre a população com 65 anos e a população entre 20 e 64 anos – e a origem do
sistema jurídico do país, se francês ou inglês.
O resultado é que o gasto previdenciário brasileiro em excesso ao “normal” da média
internacional – este “normal” seria o gasto explicável por aqueles três fatores – foi de 7 pontos
percentuais do PIB. Da amostra de 101 países, após a Ucrânia somos o país que mais gasta com
previdência – isto é, o que tem o maior excesso em relação ao “normal” tal como definido acima.
O segundo passo no estudo foi investigar o impacto desse excesso de 7 pontos percentuais com
previdência sobre a taxa de poupança. O FMI divulga dados de taxa de poupança doméstica,
privada e total, para aqueles mesmos 101 países. É possível, portanto, investigar o impacto do
excesso de gasto previdenciário sobre a taxa de poupança.
O segundo passo do estudo considerou o gasto público previdenciário como proporção do PIB,
a razão de dependência, uma variável de qualidade institucional e o crescimento econômico.

e colaboradores (2012) mostram que o juro neutro brasileiro é sistematicamente superior ao obsevado
em outros países da América Latina.
13
Seguria-Ubiergo (2012).
14
Lopez e colaboradores (2000).
15
Barbosa e colaboradores (2016) investigam o juro neutro da economia brasileira em um contexto de
economia aberta.
11

Encontrou-se que o excesso de gasto previdenciário de 7 pontos percentuais do PIB explica


redução da poupança privada em 2 pontos percentuais do PIB e da poupança do setor público
em 3 pontos percentuais do PIB. Ou seja, se nosso gasto com aposentadorias fosse em linha com
a média das economias, nossa taxa de poupança em vez dos 15% do PIB, seria em torno de 20%.
Desnecessário dizer que a taxa de juros de equilíbrio seria mais baixa.
A elevação da poupança privada em 2 pontos percentuais do PIB, para uma queda de 7 pontos
percentuais com gasto previdenciário, sugere que há uma taxa de substituição de 30%
aproximadamente entre redução do benefício público, de um lado, e a elevação da poupança
privada, do outro.
Este resultado foi obtido na comparação de inúmeros países em um determinado período. Mas
será que uma reforma da previdência que reduzisse o gasto público com benefício
previdenciário em 7 pontos percentuais efetivamente elevaria a poupança privado em 2 pontos
percentuais, isto é, será que haveria uma substituição entre benefício previdenciário e poupança
privada de 30%?
Diversos estudos que investigam a reação das famílias após reformas previdenciárias sugerem
que 30% é um bom estimador para essa taxa de substituição.16 O fato da evidência
microeconômica concordar com a evidência macroeconômica com dados de secção transversal
de países reforma este resultado.
A moeda. Até o momento o juro é um fenômeno totalmente real e ocorre perfeitamente em
uma economia de trocas. Mas a economia de mercado é uma economia monetária. Os preços
são definidos em unidades monetárias e a taxa de juros é definida em termos nominais.
Evidentemente o juro nominal e o juro real são ligados pela equação de Fisher:
𝑅 = 𝑟 + 𝐸𝜋,
em que 𝑟 é a taxa de juros real, 𝑅 é a taxa de juros nominal, 𝐸𝜋 é a expectativa de inflação. Em
geral em uma economia monetária os contratos são fixados em termos nominais mas as pessoas
se comportam a partir das taxas de juros reais. Os contratos, portanto, embutem uma
expectativa de inflação. Muitas vezes há cláusulas explícitas de indexação, particularmente para
contratos para prazos longos.
Na teoria convencional o juro é um fenômeno real, a inflação é um fenômeno monetário e,
portanto, pela equação de Fisher o juro nominal é um fenômeno que tem um componente
nominal e outro real.
No modelo padrão a variável de política econômica é o juro nominal. A expectativa de inflação
é dada por alguma regra e, portanto, o juro real é dado pela equação de Fisher. Para o modelo
da chamada síntese neoclássica-keynesiana a expectativa é formada por algum mecanismo de
atualização das expectativas em função do erro cometido no período anterior. Essa hipótese é
chamada de expectativa adaptativa. O modelo opera da seguinte forma:17

 A política monetária fixa o juro nominal;

16
Para um sumário da evidência empírica veja a quarta seção em Lachowska e Myck (2018).
17
Uma referência básica do modelo tradicional com expectativas adaptativas encontra-se no capítulo
VIII de Simonsem (1983).
12

 A regra de formação de expectativa inflacionária fixa o juro real por meio de equação
de Fisher;
 O juro real determina a demanda agregada e o produto e, em função da capacidade
produtiva da economia, determina o hiato de recursos ou o excesso (ou carência) de
demanda;
 O hiato de recursos determina, pela curva de Phillips (regra de fixação dos preços), a
inflação corrente;
 Alguma teoria de portfólio determina a quantidade nominal de moeda compatível
com a política monetária (isto é, os juros nominais praticados) e demais variáveis que
influenciam a escolha de alocação de portfólio;
 No longo prazo existe um juro real, dado pelos parâmetros da demanda agregada,
conhecida por curva IS, que, na ausência de choques, mantém o hiato zerado e a
inflação corrente igual à sua expectativa.
Muitas vezes o modelo monetário descrito nos itens acima está inserido no interior de um
modelo macroeconômico de crescimento, com um das duas estruturas que consideramos, seja
modelos de horizonte infinito ou modelos de gerações sobrepostas. Nesse caso o juro real que
mantém o hiato zerado e a inflação corrente igual à sua expectativa é o juro real dado pela
expressão (1) ou seu equivalente no modelo em questão.
A versão moderna do modelo macroeconômico básico, conhecida por versão novo keynesiana
apresenta essencialmente os mesmos ingredientes e resultados.18 A diferença maior é que a
expectativa é prospectiva e derivada em função da própria estrutura do modelo, hipótese
conhecida por expectativas racionais. Ou seja, tudo se passa como se os indivíduos conhecessem
a forma de operação do modelo e calculassem suas expectativas de acordo. É amplamente
conhecida que a hipótese de expectativas racionais é muito menos ingênua do que parece à
primeira vista. Além de demandar muito da capacidade cognitiva do indivíduo ela considera um
complexo mecanismo de compatibilização das escolhas individuais. Assim, apesar de mais
simplória parece-me que na maioria das vezes o modelo tradicional da síntese neoclássico-
keynesiana funciona melhor com relação à hipótese de formulação da expectativa.
Outra diferença dos modelos novo keynesianos com os modelos mais antigos é a forma de
fixação de preços: em vez de firmas operando em competição perfeita considera firmas
operando em competição monopolística e fixando preços do seu produto por meio de alguma
regra que estabelece alguma periodicidade e forma de fixação de preços. O preço, por sua vez,
é escolhido de forma a maximizar a rentabilidade esperada futura do negócio em função do
preço praticado.
Finalmente há uma regra para a política monetária. A regra, conhecida com regra de Taylor,
estabelece que a diferença entre a taxa nominal de juros fixada pelo banco central e o juro
nominal de equilíbrio, dado pela soma do juro real de equilíbrio da economia e a meta de
inflação, será proporcional à diferença entre a inflação corrente e a meta inflacionária e que a
constante de proporcionalidade seja positiva é superior a um. Essa última condição, conhecida
por princípio de Taylor, é suficiente para que o sistema seja dinamicamente estável, ou seja, o

18
Veja Galí (2015) para uma apresentação padrão de livro texto.
13

sistema converge para uma posição com inflação igual à meta de inflação e hiato de produto
igual a zero.
VISÃO HETERODOXA
O maior problema da heterodoxia é que ela não tem um modelo amarrado de determinação da
renda, do emprego, dos juros e da inflação. É difícil saber exatamente qual é a visão ou a
explicação que o pensamento heterodoxo oferece. A heterodoxia, por exemplo, não tem uma
interpretação clara dos motivos dos juros reais serem elevados no Brasil apesar da inflação ser
permanentemente elevada. O que se segue é um esforço de tentar organizar o pensamento
heterodoxo.
A heterodoxia brasileira trata como demarcação essencial entre o pensamento ortodoxo e o
pensamento heterodoxo o princípio da demanda efetiva (PDE) e a causalidade entre poupança
e investimento. Ou seja, o corte entre as duas tradições seria que no pensamento ortodoxo ou
da corrente principal do pensamento econômico ou ainda pensamento clássico a causalidade
seria da poupança para o investimento. Ou seja, a poupança seria um pré-requisito para
financiar o investimento. Na tradição heterodoxa, diferentemente, o PDE aplicar-se-ia e a
causalidade seria de investimento para a poupança.
Essa leitura da heterodoxia está equivocada. Em termos muito gerais os modelos ortodoxos
aceitam qualquer configuração. Em particular investimento e poupança são simultaneamente
determinados de sorte a não fazer sentido a causalidade. Nos modelos aplicados na tradição
novo keynesiana, modelos discutidos na seção anterior e hoje amplamente empregados por
Bancos Centrais mundo afora, claramente o PDE se aplica. São modelos em que a causalidade
segue das variáveis de gasto para o produto, e que, portanto, não há necessidade de poupança
prévia para financiar o investimento.
Mas o que é exatamente o PDE? Segundo Possas (1987):
“Em qualquer ato de compra e venda tomado isoladamente, produz-se um fluxo
monetário – pagamento de um lado e recebimento de outro – decorrentemente de
uma única decisão autônoma: a de efetuar determinado dispêndio. Portanto,
tomando-se o conjunto de transações efetuadas numa economia mercantil durante
um período de tempo arbitrário, o fluxo monetário total de receitas, idêntico ao de
despesas, a elas correspondente terá sido determinado pelas decisões individuais
de gasto dos agentes econômicos na aquisição de mercadorias (bens e serviços).”
(página 51)
A ideia é relativamente simples e segue diretamente dos escritos de Keynes: em uma economia
monetária a moeda permite que as decisões de gasto (ou de dispêndio) tenham total autonomia
com relação às receitas. A receita será o resultado das decisões individuais de despesa.
A ideia é que em uma economia monetária o investimento não é restrito pela poupança
macroeconômica – não é necessário haver poupança prévia para financiar o investimento – mas
o investimento é somente restrito pela disponibilidade de poder de compra, por parte dos
empresários (ou agentes econômicos que irão investir).
Em uma economia monetária o sistema bancário pode oferecer crédito. O crédito é um poder
de compra criado pelo sistema bancários que não guarda relação direta (ou não é diretamente
14

restrito) pela acumulação de rendas passadas. Simplesmente o banco pode criar poder de
compra e transferi-lo ao empresário se o banco avaliar que são boas as condições de
repagamento do empréstimo. O empresário de posse desse poder de compra vai às compras:
contrata trabalhadores, constrói prédios, adquire máquinas e, no final, terá uma nova planta
produtiva operando. Não foi necessário haver poupança prévia para financiar a construção da
nova planta produtiva. Em geral parte dos recursos financeiros foi acumulado na forma de lucros
retidos em particular para reduzir o risco para o banco de financiar 100% do negócio. Mas em
tese em uma economia monetária 100% do investimento poderia ter sido financiado por meio
de poder de compra transferido ao empresário pelo sistema bancário. Mesmo o poder de
compra acumulado na forma de lucros retidos não constitui poupança macroeconômica.
Constitui simplesmente uma poupança financeira acumulada na forma de papel moeda em
poder do público ou algum tipo de depósito bancário.
A decisão de investimento do empresário gerará renda: cada decisão de gasto produzirá um
fluxo de renda que será computado pelo IBGE como pertencente ao produto interno bruto da
economia. A própria formação de renda derivada das decisões de dispêndio feitas pelo
empresário gerou a poupança que financiou o investimento.
Há, portanto, duas dimensões da poupança. Há a poupança financeira, quer seja na forma de
poder de compra acumulado em uma conta em função, por exemplo, de lucros retidos no
passado, ou poder de compra criado e transferido pelos bancos ao empresário na forma de
empréstimo. Há a poupança macroeconômica ou real que é a parcela da renda (ou do produto)
que não foi consumido. O PDE estabelece que a poupança macroeconômica é determinada pelo
investimento.
Como vimos, e diferentemente da percepção da heterodoxia brasileira, não há nenhuma
incompatibilidade teórica entre os modelos neoclássicos ou ortodoxos e o PDE. A diferença,
penso eu, encontra-se em consequências radicais que a heterodoxia deriva do PDE que não são
derivadas pelo pensamento convencional. Neste ponto é importante lembrar que o PDE
estabelece a causalidade entre as variáveis de gasto e a produção (ou a renda) nominal. Não
está claro na operação do PDE como que a determinação da renda ou produto nominal, dado
pela soma das quantidades produzidas respectivamente multiplicadas pelos preços, será
distribuída entre maiores níveis de produção e maiores níveis de preços.
É útil lembrar que para Keynes é natural que as economias operem em dois regimes muito
distintos: além do pleno emprego dos fatores de produção e aquém do pleno emprego. Se a
economia encontra-se aquém do pleno emprego o PDE será resolvido por elevação de
quantidade produzida com estabilidade de preços; se a economia encontra-se além do pleno
emprego o PDE será solucionado por meio de aumento de preços (inflação) e manutenção das
quantidades. Essas duas passagens do Keynes posterior à publicação da Teoria Geral são
suficientes para convencer o leitor que Keynes entendia perfeitamente bem a noção de restrição
de recursos e de pleno emprego de fatores. Escrevendo para a revista The Times em 12 de
janeiro de 1937 afirmou:19

19
Para os escritos de Keynes sobre inflação veja Humpfrey (1981). Os textos de Keynes publicados no The
Times em 1937 estão reproduzidos no final da publicação de Hutchison (1977) às páginas de 65 até 77.
15

“It is natural to interject that it is premature to abate our efforts to increase


employment so long as the figures of unemployment remain so large. In a sense
this must be true. But I believe that we are approaching, or have reached, the point
where there is not much advantage in applying a further general stimulus at the
centre. So long as surplus resources were widely diffused between industries and
localities it was no great matter at what point in the economic structure the impulse
of an increased demand was applied. But the evidence grows that - for several
reasons into which there is no space to enter here - the economic structure is
unfortunately rigid, and that (for example) building activity in the home counties is
less effective than one might have hoped in decreasing unemployment in die
distressed areas.” (Reproduzido em Hutchison (1977) nas páginas 65-66.)
Novamente em 11 de março de 1937 na mesma The Times:
“To begin with, what do we mean by ‘inflation’? If we mean by the term a state of
affairs which is dangerous and ought to be avoided – and, since the term carries to
most people an opprobrious implication, this is the convenient usage – then we
must not mean by it merely that prices and wages are rising. For a rising tendency
of prices and wages inevitably, and for obvious reasons, accompanies any revival of
activity. An improvement in demand tends to carry with it an increase in output and
employment and, at the same time, a rise in prices and wages. It is when increased
demand is no longer capable of materially raising output and employment and
mainly spends itself in raising prices that it is properly called inflation. When this
point is reached, the new demand merely competes with the existing demand for
the use of resources which are already employed to the utmost.” (reproduzido em
Hutchison (1977) à página 74.)
Keynes claramente considera que a economia do Reino Unido atingia em 1937 os limites da
capacidade produtiva. Diferentemente da visão atual – que considera que a política monetária
é o instrumento correto para o manejo da demanda agregada ao longo do ciclo econômico –
Keynes considerava que o melhor instrumento fosse a política fiscal. Recomendava no texto
publicado no The Times no dia 13 de janeiro de 1937, também reproduzido em Hutchison
(1977), que os impostos fossem elevados, o investimento público reduzido e que as importações
fossem estimuladas, com vistas e combater o excesso de demanda.
A hipótese deste trabalho é que a absorção pela heterodoxia brasileira do pensamento de
Keynes considera que quase permanentemente a economia brasileira encontra-se aquém do
pleno emprego e, portanto, que há sempre espaço para que políticas de estímulo a demanda
agregada sejam eficazes em produzir crescimento econômico. No limite o crescimento
econômico no longo prazo seria um problema de demanda e não de oferta. Certamente tem e
terá dificuldade de entender o processo inflacionário.
A dificuldade de tratar do tema da inflação é muito clara nos escritos de Kalecki. Tomemos, por
exemplo, seu texto Theory of Economics Dynamics, cuja primeira edição é de 1952 a edição
revista é de 1965. Não há no volume uma teoria de inflação e, portanto, o texto somente trata
da determinação dos juros nominais. No capítulo 6 os juros de curto prazo são determinados
pela relação entre a oferta de moeda e a demanda de moeda por motivo transacional. Os juros
de curto prazo será o determinado pelo equilíbrio entre oferta de demanda de moeda por
16

motivo transacional ou, de forma mais moderna, o Banco Central fixa uma taxa de juros e o
equilíbrio de mercado estabelece a quantidade de moeda. No capítulo 7 Kalecki investiga os
juros de longo prazo com dado pelos juros de curto e pela expectativa de trajetória dos juros de
curto e um prêmio de risco ou prêmio de duração. Até ai nenhuma novidade. É exatamente
dessa forma que os modelos ortodoxos tratam do fenômeno. A diferença é que temos uma
teoria para a expectativa de inflação, 𝐸𝜋, e essa teoria não parece estar presente em Kalecki.
Em um texto de 1943 Kalecki se pergunta dos motivos dos empresários em geral serem
contrários a políticas de manutenção do pleno emprego. Segundo Kalecki (1943):
“Indeed, under a regime of permanent full employment, the ‘sack’ would cease to
play its role as a disciplinary measure. The social position of the boss would be
undermined, and the self-assurance and class-consciousness of the working class
would grow. Strikes for wage increases and improvements in conditions of work
would create political tension. It is true that profits would be higher under a regime
of full employment than they are on the average under laissez-faire; and even the
rise in wage rates resulting from the stronger bargaining power of the workers is
less likely to reduce profits than to increase prices, and thus adversely affects only
the rentier interests”.
Assim, aparentemente a maior inflação é um imposto que somente é pago pelos rentistas.
Certamente o autor teria dificuldade de entender a experiência brasileira dos anos 80 e 90.
Simplesmente não há na obra de Kalecki qualquer preocupação maior com o processo
inflacionário e não há, portanto, nenhuma teoria da determinação do juro real. Essa fraqueza
da obra do autor polonês aparentemente ainda não foi superada pelo pensamento heterodoxo
brasileiro.
Além do pensamento heterodoxo brasileiro não ter uma teoria da inflação e dos juros reais
também não tem uma teoria da taxa de poupança. Como afirma Possas (1999):
“Assim a poupança, estando condenada a ser igual ao investimento, não tem
nenhuma importância econômica, ao contrário da opinião prevalecente até hoje
no senso comum dos economistas, inclusive de muitos dos que se dizem
keynesianos”. (Possas, [1999], 18.)
Segundo Possas a poupança não financia o investimento, pois lhe é posterior. Adicionalmente:
“A poupança não resulta de “atos” voluntários por parte dos agentes econômicos:
ela é, como qualquer outra variável de renda, estritamente residual, isto é,
determinada por outras variáveis (de gasto). (...) Por isso, a determinação de um
montante qualquer, individual ou agregado, de poupança não pode, em nome de
nenhuma opção teórica, e por razões de ordem lógica derivadas do PDE, ser objeto
ou resultado da vontade ou da decisão dos agentes — como, por exemplo, na forma
neoclássica ainda hoje mais difundida, deixando o consumo para uma data futura
e emprestando os recursos correspondentes em função crescente da taxa de juros.
Em poucas palavras: de acordo com o PDE, não se pode decidir o que se ganha, mas
sim o que se gasta; logo, não se pode decidir a diferença entre o que se ganha — no
caso, a renda — e o que se gasta — no caso, o consumo”. (Possas, [1999], página
27.)
17

É aqui que a heterodoxia brasileira da um passo largo na direção de acreditar em um mundo


sem restrição de recursos. Como vimos o PDE não é incompatível com o modelo tradicional. Mas
certamente acreditar que a poupança não tem nenhuma base na escolha individual é um
enorme exagero. Como explicar a baixa poupança no Brasil e a elevadíssima poupança na China?
Não há escolha que justifique a diferença? Ela não segue da diferença de incentivos ou de
instituições entre as duas economias? Ela segue do quê? O ponto é que o fato da poupança ser
tão maior na China do que no Brasil significa que o bem estar por lá é muito menor do que o
bem estar por aqui, apesar das rendas per capita serem muito próximas. Ou seja, as enormes
diferenças de taxa de poupança que há entre as duas economias encerram diferenças brutais
de bem estar. Tem implicações profundas para as vidas das pessoas. Se não é fruto de escolha,
em função de diferentes estruturas de incentivos e instituições, é fruto do quê? A impressão
que se tem é que para a heterodoxia brasileira a elevadíssima poupança na China resulta da
política macroeconômica deles e que a nossa poupança baixinha resulta de nossa política
macroeconômica. Se fizéssemos tudo como eles fazem – sem mudar as instituições que temos
– nossa taxa de poupança seria muito maior. Acreditar que as diferenças de taxas de poupança
entre duas economias com rendas per capita tão próximas e desigualdades tão próximas devem-
se à política macroeconômica de curto prazo é um pequeno delírio. Para Possas nossa baixa
poupança – e, provavelmente, nossos juros reais muito elevados – devem-se a erros de manejo
de política econômica. Toda a literatura citada na seção anterior que documenta os diversos
motivos que explicam a elevada taxa de poupança na China está errada. Pergunta, o que a
heterodoxia tem para colocar no lugar?
Como vimos na seção sobre a baixa popança no Brasil há evidência empírica associando nossa
baixa poupança a nossos gastos previdenciários muito além do que a norma internacional. Como
vimos gastamos 7 pontos percentuais do PIB mais do que nossa estrutura etária indicaria. E,
adicionalmente, se nosso gasto fosse em linha com a experiência internacional nossa taxa de
poupança deveria ser 5 pontos percentuais do PIB superior.
A economia do moto perpétuo. Os economistas heterodoxos brasileiros frequentemente
defendem que a expansão do gasto público pode ser autofinanciável.
O maior gasto público na expansão do investimento amplia a oferta de bens e serviços ao
mesmo tempo que aumenta a renda das famílias e o seu consumo. O crescimento da economia
aumenta a arrecadação de tributos, financiando o maior gasto público.
Descobriram o círculo virtuoso: o Tesouro emite dívida e o resultado é o maior crescimento
econômico e da receita de impostos. No fim do ciclo teríamos a redução da dívida pública como
fração da economia! Os economistas heterodoxos declaram sucesso onde a física fracassara: a
invenção do moto perpetuo.
Como escreveram Nelson Barbosa e José António Pereira de Souza no texto “A inflexão do
governo Lula: política econômica, crescimento e distribuição de renda”: “Em outras palavras, o
eventual financiamento do investimento público por meio da emissão de dívida não seria
necessariamente incompatível com a meta global de redução da relação dívida/PIB do setor
público brasileiro, visto que tal investimento resultaria na elevação da própria taxa de
crescimento do PIB”.20

20
Barbosa e Souza (2010), página 13.
18

A criatividade dos heterodoxos resolveu o problema da escassez. Basta gastar mais para ficar
mais rico. Se essa dinâmica fosse possível seria difícil entender o subdesenvolvimento de muitos
países. Afinal, o aumento do gasto público aumenta a renda do país.
A realidade requer detalhes que as fantasias podem ignorar. O crescimento econômico e da
arrecadação tributária deveriam ser grandes o suficiente para compensar o aumento do gasto
público. A expansão da capacidade de produção da economia deveria ser rápida o suficiente
para evitar que o resultado fosse apenas mais inflação. Por fim, o crescimento da receita de
impostos deveria ser maior do que o aumento da dívida decorrente da taxa de juros pagas aos
que aceitam a emprestar ao governo.
Bradfor DeLong e Lawrence Summers (2012) mostram que a expansão fiscal pode ser eficaz no
caso de economias com alto desemprego, inflação baixa e juros nominais nulos. Esse era o caso
da economia americana logo em seguida à crise do subprime.
Certamente não é o caso e nunca foi o caso do Brasil, como já o deixou de ser Estados Unidos.
A dívida americana deve aumentar como proporção do PIB em função da política fiscal
expansionista de Trump, como, aliás, ocorreu no período Reagan.
Entende-se porque a mensagem da heterodoxia é tão bem-vinda aos políticos populistas. Afinal,
nada melhor do que propor que quanto mais se gasta, mais rico se fica.
Outro exemplo de visão delirante da heterodoxia brasileira que acredita no moto perpétuo – o
gasto público tem um impacto tão forte sobre o crescimento econômico que ele é
autofinanciável – encontra-se no debate sobre reforma da previdência que travei com a
professora do Instituto de Economia da UFRJ, Denise Gentil, em 22 de setembro de 2017.21 A
professora não nota que a leitura dela do crescimento econômico significa que o santo graal do
crescimento é colocar o Banco Central imprimindo recursos e repassando ao Tesouro que
gastaria. Esse gasto geraria tanto crescimento econômico que a dívida se reduziria. A professora
não consegue explicar os motivos de o subdesenvolvimento ser tão comum se há forma tão
simples de crescer. Também não consegue explicar os motivos de ser consensual na profissão
que é necessário a construção de um arcabouço institucional que impeça que o Banco Central
financie diretamente o Tesouro caso contrário haverá inflação.
O que impressiona é a forma delirante como a professora debate. Seria perfeitamente racional
a professora argumentar, por exemplo, que os gastos previdenciários são muito importantes
para reduzir a desigualdade e combater a pobreza e que, portanto, é necessário aumentar
impostos – de preferência sobre os ricos – para financiar os gastos previdenciários. Mas não é
esse o debate. O debate ocorre no nível do delírio: coloque o Estado para gastar que o
crescimento virá automaticamente, e, desse crescimento virá a receita de impostos que
financiará o gasto público. A dívida pública não irá elevar-se.
Essa dificuldade de compreender o processo inflacionário parece ser congênita da heterodoxia.
No capítulo 8 do recente livro texto heterodoxo de Marc Levoie (2014) lê-se:
“The key difference, then, between the mainstream and the post-Keynesian views
of inflation is that, for the former, inflation is an excess-demand phenomenon,

21
http://www.fecomercio.com.br/noticia/denise-gentil-e-samuel-pessoa-debatem-reforma-da-
previdencia-e-crescimento-economico.
19

whereas for the latter it is basically a supply-side issue. In the post-Keynesian view,
while price or wag inflation may accompany increased activity, excess demand is
generally not the cause of continually rising prices. Inflation is not the result of an
objective scarcity; it arises from conflicting views about the proper distribution of
income. The influence of demand is only an indirect one. (…)
The different interpretations of the well-known Phillips curve exemplify the
divergences between the mainstream and post-Keynesian approaches to inflation.
For mainstream authors, the Phillip curve is an example of the impact of scarcity
and market forces. For post-Keynesian authors, higher levels of activity that give
rise to lower rates of unemployment, or to falling unemployment rates, give labour
a more bargaining strength. (…) The main feature of the post-Keynesian theory of
inflation, then, is that it is based on a conflictual view of the income distribution”.
(Lavoie, [2014], 543.)
Essa visão puramente conflituosa da inflação terá dificuldade de entender os motivos dos
trabalhadores na China apresentarem elevadas taxas de poupança diferentemente do que
ocorre no Brasil.
Assim, parece-me que a visão expressa no livro texto de Lavoie concorda essencialmente com a
visão da Mário Possas e da heterodoxia brasileira. Fica a questão para a heterodoxia. Como
explicar as elevadíssimas taxas de poupança das economias asiáticas em particular da economia
chinesa e, por outro lado, como explicar as baixas taxas de poupança das economias latino
americanas e, em particular, da economia brasileira? Por que a inflação está elevada na
Argentina e baixa no Chile, por exemplo? O modelo novo keynesiano tradicional consegue
explicar perfeitamente esses fatos. Qual é a alternativa da heterodoxia?
Poupança e crescimento. Uma forma de tentar conciliar a leitura heterodoxa e a poupança
elevada dos asiáticos e a poupança baixa das economias latino americanas é considerar que a
causalidade ocorre do crescimento para a poupança. Parece ser essa a posição heterodoxa. As
políticas expansionistas na Ásia resultam em aceleração do crescimento e, pela operação do
PDE, elevação da poupança.
Quando trabalhamos com os dados agregados há suporte para a visão heterodoxa. Por exemplo,
Loayza e colaboradores (2000) documentaram que há, para dados agregados, correlação entre
elevação da taxa de crescimento da economia e elevação da taxa de poupança. Aparentemente
os autores heterodoxos subscrevem o modelo de formação de hábito que sugere que o consumo
não responde às elevações da renda que sejam percebidas como permanentes, como sugerido
pelo modelo tradicional, pois há um componente do consumo associado ao hábito.22
Os resultados macroeconômicos indicam somente correlação entre crescimento e poupança.
Como sabermos se há ou não causalidade? Os estudos com dados microeconômicos não tem
sido muito positivos para a hipótese de formação de hábitos. Dynan (2000) para a economia
americana, Chamon e Prasad (2010) para a China, Rob e Teppa (2010) para a Holanda e
Iswamoto (2013) para o Japão não encontram evidência de formação de hábito na poupança.
Rhee (2004) encontra alguma evidência estatísticas mas muito pouco significativa.

22
Ver Carrol e colaboradores (2000) para o argumento teórico.
20

Adicionalmente, o modelo padrão de formação de poupança, o modelo de ciclo de vida, prevê


que sob certas circunstâncias também haja correlação entre crescimento econômico e
poupança. No modelo de ciclo de vida a poupança individual é crescente ao longo da vida
produtiva, até atingir um máximo alguns anos antes da aposentadoria, e cai em seguida e passa
a ser negativa quando a pessoa deixa de ter renda do trabalho. Se o crescimento se acelera os
trabalhadores poupam sobre uma renda maior do que a renda que foi poupança no passado
mais distante quando os atuais aposentados – que estão despoupando – construíram seu
patrimônio. Ou seja, o crescimento econômico aumenta a poupança dos ativos o que, para uma
dada despoupança dos inativos, aumenta a poupança agregada. Evidentemente, se o regime de
aposentadoria repassar ao benefício previdenciário dos atuais inativos os ganhos de
produtividade dos trabalhadores ativos esse efeito não ocorrerá.
OS HETERODOXOS NÃO CONHECEM A ORTODOXIA
Como vimos o PDE é totalmente compatível com a teoria ortodoxa. O que incomoda a
heterodoxia com relação à ortodoxia, apesar de ela mesma não ter muita clareza desse ponto,23
é haver uma teoria de determinação dos juros reais. É o juro ser um fenômeno real e o fenômeno
monetário ser a inflação e o juro nominal.
Outro tema que a heterodoxia em geral confunde é acreditar que nos modelos tradicionais os
juros são determinados pela teoria dos fundos emprestáveis enquanto que de fato os juros são
determinados pela demanda por liquidez. Não há nenhum impedimento de que os juros,
conjuntamente com as demais taxas de retorno, sejam determinados por algum modelo de
alocação de ativos e, dado a estrutura de retornos dos ativos, seguir o equilíbrio no mercado de
fluxos, como feito, por exemplo, por Tobin (1969). O importante, do ponto de vista da ortodoxia,
é que o vetor de taxas de retorno, em que a taxa básica de juros controlada pelos Bancos
Centrais é somente uma delas, tem papel regulador da demanda agregada.
Também é comum a heterodoxia reclamar que nos modelos ortodoxos a quantidade de moeda
é exógena e que o sistema bancário não é formalmente tratado. Ambos os questionamentos
não fazem o menor sentido. Há anos que os modelos monetários, reproduzindo a prática dos
Bancos Centrais mundo afora, considera a quantidade de moeda endógena e, portanto, que as
taxas de juros são fixadas pelos Bancos Centrais. Adicionalmente, há inúmeros modelos e muita
produção teórica que trata explicitamente de modelos com um setor bancário.24
O que há e, parece-me incomoda a heterodoxia, é a noção de pleno emprego dos fatores de
produção ou de plena utilização da capacidade produtiva. Essa noção cara às teorias ortodoxas
se expressa no conceito de taxa natural de desemprego, também conhecida pela sigla em inglês
NAIRU (non-accelerating inflation rate of unemployment), ou no conceito de taxa real neutra de
juro, que é a taxa real de juros que mantém o crescimento igual ao potencial e a inflação estável.

23
Esse desconhecimento por parte dos autores heterodoxos da compatibilidade do PDE com o
pensamento convencional é surpreendente. Morani (2004) em tese de doutoramento dedicada ao tema
não abordou em nenhum momento os modelos macroeconômicos novos-keynesianos em que o PDE
aplica-se perfeitamente. Em sua avaliação das teorias neoclássicas se restringiu aos modelos de
crescimento – quer sejam modelos na tradição de Solow os modelos endógenos – que são modelos de
equilíbrio geral e um único bem no qual o PDE não se aplica.
24
Para um exemplo recente veja Brunnermeier e Sannikov (2014).
21

Para a heterodoxia na há evidência empírica de que exista uma taxa de desemprego que não
acelera a inflação.
“Indeed if it is true that there is a unique NAIRU, that really is the end of discussion
of macroeconomic policy. At present I happen not to believe it and that there is no
evidence of it. And I am prepared to express the value judgment that moderately
higher inflation rates are an acceptable price to pay for lower unemployment. But
I do not accept that it is a foregone conclusion that inflation will be higher if
unemployment is lower”.25
A heterodoxia rejeita o conceito de NAIRU e de taxa neutra de juro. É útil sabermos o que ela
coloca no lugar.
A noção de que havia um ponto a partir do qual a economia encontrava-se a pleno emprego é
claríssima em Keynes. No capítulo X da Teoria Geral afirmou:
“When full employment is reached, any attempt to increase investment still further
will set up a tendency in money-prices to rise without limit, irrespective of the
marginal propensity to consume; i.e. we shall have reached a state of true inflation.
Up to this point, however, rising prices will be associated with an increasing
aggregated real income”. (Keynes, [1964], página 118-119.)
É verdade que em mais de uma passagem da Teoria geral Keynes acredita que é mais comum a
economia estar aquém do que além do desemprego.
A construção teórica do pós-guerra – a síntese neoclássica-keynesiana – considera que as
economias de mercado oscilam em torno do pleno emprego e que um correto manejo da política
monetária é capaz de manter a economia nas proximidades do pleno emprego. Diferentemente
de Keynes, considera que o instrumento monetário é mais eficiente para estabilizar uma
economia ao longo do ciclo econômico. A política fiscal deve ser relativamente estável com a
dívida pública crescendo nas fases de baixa do ciclo econômico e subindo nas fases de alta do
ciclo econômico pois os gastos públicos são rígidos e a receita acompanha a atividade
econômica.
Falácias de composição. Em geral os economistas heterodoxos consideram que o pensamento
convencional é incapaz de tratar dos problemas de falácia de composição. As falácias de
composição ocorrem quando o comportamento individual objetiva um resultado e o resultado
agregado dos comportamentos individuais é contrário a esse objetivo inicial. A falácia de
composição mais popular é o paradoxo da parcimônia de Keynes: o resultado agregado de todos
os indivíduos tentarem aumentar suas poupanças, por meio de redução do consumo, será
reduzir a poupança agregada e, consequentemente, a poupança de todos.
No capitulo primeiro de apresentação de seu livro texto Marc Lavoie (2014) considera a
capacidade de tratar das falácias de composição uma característica dos modelos heterodoxos.
Apresenta à tabela 1.4 à página 18 a lista de paradoxos ou de falácias de composição.
De fato os modelos tradicionais não produziam essas falácias. O motivo, no entanto, não era
uma incapacidade da teoria em gerar modelos com esses resultados. Era simplesmente a
percepção de que essas falácias não descreviam as economias em seu funcionamento normal

25
Citação de um texto de Wynne Godley de 1983 citado em Godley e Lavoie (2012) página 304.
22

desde que houvesse um correto manejo de política econômica que mantivesse a economia nas
proximidades do pleno emprego.
Em seguida à crise de 2008 em que diversas economias ficaram amarradas em um equilíbrio
macroeconômico com taxa básica de juro nula e desemprego de trabalho e tendência
deflacionária houve uma busca por modelos que tratassem dessa situação. Nesses modelos as
falácias de composição keynesiana ocorrem normalmente. Remeto o leitor interessado ao paper
de Eggertsson e colaboradores (2017). Lá o leitor encontrará uma longa lista de trabalhos
produzidos nos últimos anos. Neles será frequente situações em que ocorre o paradoxo da
parcimônia; o paradoxo da labuta, que ocorre quando o esforço de todos trabalharem mais
resulta em menos trabalho; o paradoxo da produtividade, em que medidas que elevem a
eficiência produtiva reduzem o produto e o emprego; e o paradoxo da flexibilidade dos salários
nominais, em que medidas que elevem a flexibilidade dos salários nominais elevam o
desemprego e o produto.
Ou seja, não há nada intrínseco ao pensamento convencional que o impeça de tratar dessas
falácias de composição. Analogamente ao princípio da demanda efetiva (PDE) o pensamento
ortodoxo ou a corrente principal do pensamento econômico consegue perfeitamente incorporar
as falácias de composição.
Mais recentemente em seguida à crise das hipotecas de baixa qualidade na economia
americana, em setembro de 2008, toda uma literatura começou a tratar das falácias de
composição associadas ao funcionamento do mercado financeiro. Surgem modelos que tratam
do paradoxo da prudência – no esforço de reduzir o risco do portfólio os investidores acabam
por reduzir a demanda por capital e, portanto, reduzir o crescimento econômico e o retorno de
todos os ativos, inclusive do ativo sem risco – e o paradoxo da volatilidade – em que longos
períodos de baixa volatilidade induzem escolhas dos investidores que acabam por construir as
condições para uma crise. O risco deixa de ser associado a possíveis estados da natureza, e
portanto exógeno, e passa a ser endogenamente construído pelo próprio funcionamento dos
mercados financeiros.26
Autericídios. É comum os economistas heterodoxos considerarem que ajuste fiscal em situações
de crise econômica representa autericídio. O impacto negativo do ajuste fiscal sobre o
crescimento econômico é tão forte que após o ajuste fiscal a dívida publica como proporção do
PIB será maior. O argumento apresenta consistência lógica. Diversos trabalhos estabelecem que
é possível haver situações em que haja austericídios.27 A dificuldade no caso da economia
brasileira são os elevadíssimos juros reais como um fenômeno aparentemente de equilíbrio. Por
exemplo, Delong e Summers (2012) investigam sob quais condições uma expansão fiscal é
autofinanciável, isto é, seu impacto sobre o crescimento da economia é tão elevado que após a
política fiscal expansionista a relação dívida-PIB cai. A condição depende das taxas de juros
serem baixas. Uma rápida inspeção na equação (7) do trabalho é suficiente para convencer o
leitor de que a economia brasileira está longe desse caso. Não há austericídio nas atuais
condições de nossa economia. Austericídio é possível para economias com juros próximos do
limite inferior de juro nominal nulo e que não tenham o instrumento monetário, como é o caso

26
Ver Brunnermeier e Sannikov (2017).
27
Para uma visão recente ver Auerbach e Gorodnichenko 2017.
23

das economias que participam da União Monetária do Euro. Neste caso o multiplicador fiscal
encontra-se nas proximidades de 4. Nada mais distante do caso brasileiro.28
Ou seja, chegamos ao problema das elevadas taxas reais de juros da economia brasileira mesmo
com inflação elevada. Para a escola de pensamento ortodoxa é sinal de que na média a
economia brasileira opera a pleno emprego e que os juros reais são sinais de uma situação de
que na média vigora excesso de demanda. É dessa forma que nós conciliamos elevados níveis
de inflação simultaneamente a elevados valores das taxas reais de juros.
CRÍTICA À HETERODOXIA
O pensamento heterodoxo é muito presente na academia brasileira. Recentemente passou a
ter forte presença e liderança na formulação da política econômica. Desde a saída de Antônio
Palocci do ministério da Fazenda no início de 2006 e o ida ao ministério de Guido Mantega a
formulação da política econômica passou para mãos de pessoas como Nelson Barbosa, Arno
Agostin, o próprio ministro Guido Mantega, Luciano Coutinho e Dilma Roussef, entre outros,
que representam essa escola de pensamento.
A grande dificuldade é que a escola heterodoxa tem uma visão crítica à corrente principal do
pensamento econômico mas tem sido muito parcimoniosa na construção de seu diagnóstico.
Suas contribuições têm, em geral, conteúdo negativo e parco material positivo e empírico. É
difícil, por exemplo, haver produção acadêmica filiada a essa corrente do pensamento
econômico que explique os motivos dos juros reais serem elevados no Brasil, apesar da inflação
ser um fenômeno persistente. Dificulta muito a formulação da política econômica. Por um lado
há uma visão crítica à corrente principal do pensamento econômico ou ao pensamento
convencional e por outro lado não há nada para se colocar no lugar.
Não é por falta de recursos. Parece haver um problema de foco no pensamento heterodoxo
brasileiro. Segundo a Wikipédia o Brasil tem 113 universidades públicas. Cada uma deve ter um
departamento de economia. Se houver em média 15 pesquisadores em cada departamento
comprometidos com o programa de pesquisa heterodoxo contratados em regime de dedicação
exclusiva teremos 1695 pesquisadores. Se a renda de cada um por mês for de R$15 mil o gasto
público por ano somente com salários de professores será de pouco mais de R$300 milhões. Ou
seja, não faltam recursos para a pesquisa no Brasil para o programa de pesquisa heterodoxo.
Surpreende que ainda não tenhamos um bom diagnóstico de nossas mazelas produzido pela
heterodoxia. Por que esse juro? Acompanhando o debate público parece que a única resposta
que a heterodoxia consegue produzir é que os juros são elevados em função de uma possível
conspiração dos banqueiros com a diretoria do Banco Central quem mantém os juros
artificialmente elevados para engordar os lucros dos bancos. Não conseguem explicar os
motivos dos juros artificialmente elevados não conseguir reduzir a inflação.
A escola de pensamento heterodoxa precisa construir a sua teoria de inflação. Como explicar a
inflação brasileira? Nós temos a nossa. Teoria convencional que enxerga a inflação brasileira
como expressão de um permanente estado de excesso de demanda. Esse permanente estado
de excesso de demanda resulta na permanente pressão inflacionária e nos juros reais elevados

28
Carrière-Swallow e colaboradores (2018) documentam que o multiplicador fiscal na América Latina
gira ao redor de 0,9.
24

como um fenômeno permanente. Há evidentemente complexidades que advém das alterações


do cenário internacional e da percepção de risco.
Não é somente no Brasil que a heterodoxia tem tido dificuldade em gerir a economia. Gestões
fortemente heterodoxas na Argentina e na Venezuela tem deixado difícil legado de inflação em
elevação e redução do crescimento econômico até chegar, no caso venezuelano, à destruição
da economia e desintegração da sociedade.
CONCLUSÃO
A construção da estabilidade macroeconômica com o plano real e, em seguida, com as
instituições fiscais – lei de responsabilidade fiscal e renegociação das dívidas dos Estados com a
União – no segundo governo FHC, foi um longo processo. Esse processo teve um novo capítulo
com a passagem do ministro Antônio Palocci no ministério da Fazenda. Houve aprofundamento
do ajuste fiscal e uma política econômica em geral muito conservadora.
A destruição de nossas instituições fiscais tem seu um primeiro evento a rejeição, no final de
2005, por parte da então ministra da casa civil, Dilma Roussef, de uma proposta de ajuste fiscal
estrutural. Vários atores naquela oportunidade foram favoráveis ao ajuste fiscal e outros tantos
contrários. Certamente Lula, pressionado pelo mensalão, resolveu mudar a rota da política
econômica.
A saída de Palocci e a ida de Mantega na Fazenda consolidou a liderança da formulação da
política econômica para a heterodoxia. O longo processo de desconstrução de nossas
instituições fiscais continuou. No início de forma imperceptível. Mesmo porque a forte elevação
da receita de impostos, bem acima do crescimetno do PIB em função da formalização da mão
de obra e do ganho de renda advindo do boom de commodities, escondeu por alguns anos o
desequilibro fiscal estrutural.
É difícil entender como que o executivo federal liderou o processo de desmonte da
responsabilidade fiscal. O funcionamento da democracia brasileira responsabiliza o executivo
federal pela estabilidade macroeconômica. A punição para um governo que lidera o desmonte
da estabilidade macroeconômica é elevada. A hipótese do trabalho é que esse desmonte
somente pode ocorrer pois a liderança da formulação da política econômica foi responsabilidade
de pessoas que tinham formação econômica em escolas heterodoxas do pensamento
econômico. Como documentei neste trabalho essa escola tem particular dificuldade em tratar
teoricamente situações de pleno emprego, com a inflação e com a determinação do juro real.
Simplesmente aparentemente não tem uma teoria para esses fenômenos. Adicionalmente essa
escola de pensamento tem uma visão absolutamente otimista quanto a capacidade do impulso
fiscal gerar crescimento e, principalmente, ser autofinanciável, isto é, o crescimento da
economia elevar-se em tal intensidade em seguida à elevação do impulso fiscal que a relação
dívida-PIB reduz-se.
Muito provavelmente a deterioração fiscal teve forte componente ideológico. Foi o que tentei
documentar nesse texto.
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