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Uma revista contra a corrente nº4 - dexembro de 2018

COMO SOBREVIVER AO NOVO DICIONÁRIO POLÍTICO


carta ao LEITOR

Comemorando O que foi uma dificuldade gigantesca desde que


criamos o Senso Incomum até hoje, no entanto,

um ano difícil tem mais a ver com uma crise de identidade:


afinal, vamos comentar notícias, o que sempre
gera um bom público e nos coloca na “infantaria”
Definitivamente, 2018 vai ser sempre lem- do debate público, tendo nossos textos usados
brado na história brasileira como o ano em que quase como armas nas redes sociais, ou vamos
a esquerda, outrora hegemônica, perdeu, com cuidar de temas eternos, que diminuem nosso
desonra e sem brios, a narrativa que tinha para alcance para menos de um vigésimo da opção
dominar o povo. Nós, do Senso Incomum, anterior (numbers, numbers, numbers), mas
podemos ter um certo orgulho em sermos ao nos permite um aprofundamento muito maior
menos coadjuvantes neste processo, trabalhan- em temas que são realmente importantes, e nos
do há anos, quando ainda éramos apenas uns quais nossa contribuição pode ser realmente
loucos na praça gritando em cima de caixotes. única, e não mais uma voz na multidão?
Hoje, muito do que falávamos naquela lon- Para resolver este impasse, faremos gradati-
gínqua época pré-impeachment se concretizou vamente algumas pequenas mudanças (algumas
diante dos olhos da população. delas já começamos a implementar, e nossos
Uma sensação que muitos de nossos leitores leitores não devem ter sentido). E começamos
nos relatam é a de saber antes. De ver as notícias retomando nossa revista, justamente pensando
e perceber que os jornalistas e intelectuais estão neste propósito: aqui, sem a pressa dos textos
desesperados, tentando entender algum fenô- terçando armas nas redes sociais, podemos fazer
meno que já explicamos em minudências meses artigos longos, lidar com questões complexas
ou anos antes. É exatamente nestas horas que que precisam ser refletidas lenta e individual-
temos o sentimento de dever cumprido. Quan- mente, ao contrário dos nossos podcasts, além
do, afinal, anos de sacrifício longe de um grande de não ficarmos reféns do “formato internet”,
canal de mídia, onde teríamos tudo pronto, va- ou mesmo da redação jornalística.
lem a pena. Esperamos que apreciem nossa primeira
Porém, 2018 foi um ano cheio. É até estra- tentativa. Uma análise lingüística sempre foi
nho pensar em como manter um site numa era pedida por nossos leitores. Pode ser o primeiro
em que as redes sociais divulgam informações sinal de que estamos caminhando na direção
numa velocidade tão aterradora que um texto correta, visando um ano que promete muito
curto já está defasado em relação a tweets. Por para quem tem antevisão e sabe se preparar para
isso, para que tenhamos um site renovado para o que poucos ainda pensaram.
2019, após muitos estudos, reuniões, alguns
testes que nossos leitores nem perceberam (cre-
mos), vamos tentar algumas coisas diferentes Flavio Morgenstern
neste ano em que tudo está sendo renovado. Editor-chefe
As novidades das mídias vocês conhecerão
aos poucos, ainda que com todos os atrasos ge-
rados por um ano de eleições e otras cositas más.
ARTIGO EXCLUSIVO

Machista,
homofóbico,
racista, fascista:
Como sobreviver ao novo vocabulário político

Por Flavio Morgenstern

N
ão se trata apenas de palavras, e desviar bilhões em contratos via Odebre-
nem mesmo de conceitos: acre- cht e amigos do rei.
ditava-se mesmo que a eleição
Não foi apenas uma campanha de
de Bolsonaro nunca se concretizaria tão
marketing para uma eleição em um país
somente repetindo-se tais palavras como periférico como o Brasil: toda uma menta-
um mantra: machista, homofóbico, racista. lidade, perpassando pelo globo inteiro, foi
Em situações extremas, o que equivale a 2 construída tão somente para se construir
segundos após o abracadabra, largar-se-ia este mantra. Não há escritos a respeito,
o dictum mortal: fascista, quase sempre mas parece mesmo que os usuários vicia-
vindo no piloto automático, seguindo a dos em -istas e -fóbicos acreditam que toda
trilha de corpos deixada pela infantaria, a história mundial aconteceu tão somente
coroando o bolo cerejosamente. Seria fácil para que nossa vida hoje se resumisse a
como roubar doce de criança, ou como perseguir quem é homofóbico, machista,

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

racista – e chamá-los de “fascistas” por goebbelsiana de um vocabulário digno de


conta disso. Esta seria toda a aventura do George Owell.
ser humano, toda a sua glória e seu código Fosse a linguística uma ciência mais
moral. Se houve fala, alavanca, guerras, realista e menos infiltrada por ideologias,
arte, filosofia, ciência e a catedral de Notre teríamos o maior estudo de destruição
Dame, tudo foi para que, um dia, no fim de cérebros pela repetição de um slogan
da história mais hegelianamente dialético político desde, perdão o clichê, o Terceiro
possível, estivéssemos em redes sociais re- Reich. O fenômeno dos totalitarismos en-
clamando do machismo, da homofobia e sejou uma miríade de obras sobre o estudo
do racismo, ou, ainda melhor: declamásse- das linguagens que foram a sua base. Uma
mos tais palavras o tempo todo, certos de sociedade inteiramente baseada no contro-
que com isso somos os heróis mundiais da le de pensamento só poderia ser realizada
luta contra o fascismo. Sem precisar cavar com uma nova linguagem, reducionista,
trincheiras ou de fato aprender algum trei- repetitiva, simplista, completamente ca-
namento militar para enfrentar nazistas: ricata, exagerada e apartada da realidade.
seria suficiente repetir com gosto tais lo- O século XX foi a era de romances como
cuções fortíssimas, poderosas, que exigem 1984 [https://amzn.to/2zbW4o7], O Pro-
uma circunspecção absoluta, mais até do cesso [https://amzn.to/2QPkzyt], Laranja
que a de uma oração sobre um caixão em Mecânica [https://amzn.to/2QKP9JC],
um velório, e toda a seriedade da existência Fahrenheit 451 [https://amzn.to/2Th-
estaria ali invocada – tudo aquilo ao qual g5SZ] e Admirável Mundo Novo [ht-
se resume a vida adulta. Use qualquer uma tps://amzn.to/2S1WCUV], mas também
destas palavras mágicas e podemos tornar de estudos como LTI: A Linguagem do
o ar tão carregado e pesado que se tem a Terceiro Reich [https://amzn.to/2OOH-
impressão de que seria possível cortá-lo dF8] e Introdução às Linguagens Totali-
com uma faca. tárias [https://amzn.to/2FrysBN], apenas
Ou ao menos assim seria, se algo do para ficar naqueles que mais diretamente
que essas palavras carregam de significado estudaram as relações entre linguagem e
correspondesse à realidade dos fatos – ou, totalitarismo.
ao menos, caso tivessem algum pingo de Já o que se vê no século XXI é um fe-
verdade, se não fossem tão repetidas papa- nômeno completamente inédito, aliando a
gaiosamente por quem quer ensinar novos política de massas, a comunicação plastifi-
modos (nem sempre bons), calar oponen- cada, a simplificação absoluta do vocabu-
tes, expurgar a cultura e mesmo construir lário, a ideologia premente mascarando a
toda uma civilização com base na repetição própria seiva da vida e a rapidez da comu-

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

nicação da internet (que aboliu a vírgula sim ideologicamente. Seu objetivo é uma
na língua portuguesa falada pelos jovens) estratégia de tomada de poder através da
para criar uma nova forma de comunica- manipulação da consciência, e não escon-
ção e convencimento que . A linguagem der a realidade para uma massa já domina-
de 1984 era o mascaramento da realidade da.
para que os habitantes do continente de Se o Grande Irmão era uma manifes-
Oceania vivessem protegidos do mundo tação de soberania infinita de um poder
real pelo poder estatal total do Grande Ir- constituído, capaz de garantir que a liber-
mão. Já a linguagem totalitária digital do dade é escravidão e demonstrar sua força
século XXI não está ligada a um grande coercitiva para tentar provar o ponto (ou
Partido-Estado, a uma força bruta para se livrar de reclamantes), no mundo frag-
impedir que se observe a realidade. Parece mentado do século XXI tudo é uma estra-
muito mais uma linguagem tribal, de clãs tégia político-eleitoral burocrática – difícil
se matando entre si, criando cizânias e mu- conversar com uma pessoa ideológica sem
ros de separação sem tijolos: a linguagem se ter a impressão de que se está assistindo
cifrada do século XXI está mais interessada ao horário político, ainda que o assunto
em delimitar fronteiras entre grupos que seja culinária ou uma viagem para a Tai-
não estão geograficamente separados, mas lândia. Tudo hoje é um ritual de iniciação

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

para se encontrar uma turma para chamar artes, como na música, por exemplo).
de sua, uma ideologia que se quer para vi- Assim, o usuário de termos cheios
ver. Mais do que um partido, uma filiação, de -ismos e -fobias estaria do lado certo,
trata-se de uma linguagem de um gueto belo, moral, justo e inteligente dos seres
global: uma feminista em Vila Isabel se pensantes, enquanto aquela parcela da hu-
sente conectada às “lutas” das feministas manidade que não está lutando contra o
da Macedônia sem saber onde apontá-la no “patriarcado”, o “racismo estrutural” ou a
mapa, tudo contra o grande “patriarcado”. “transfobia” com uma linguagem fanática
Ou ainda com as Suffragettes britânicas da e histérica seriam atrasados, preconceituo-
virada do século passado. Ou até mesmo sos, obscurantistas, irracionais e não-estu-
com as iranianas, desde que não precisem diosos dos únicos temas da vida.
pensar nas questões políticas que oprimem
mulheres no Irã ou em Cuba, no Congo ou Ainda melhor: o usuário de termos
na Venezuela, e tentar conectá-las com os crê-se possuidor de um “linguajar técnico”
partidos no Brasil que defendem tais regi- poderoso e confiado apenas aos iniciados,
mes. Não seria preciso muito mais do que um segredo alquímico, sem notar que sua
isto para perceber que o tal “patriarcado” retórica é pura repetição do que está na
e o “capitalismo neoliberal” tão criticados primeira página de qualquer grande jornal
podem proteger muito mais as mulheres – ou, pior, de novelas como Malhação e
do que o sistema de clãs das culturas não- programas de auditório da Rede Globo. A
-ocidentais. crença no potencial “superior” da palavra
(mais acadêmica, mais técnica, aparentando
Temos, então, a primeira chave de en- mais complexidade desvelada sob a supe-
tendimento do novo linguajar que grassou restrutura da sociedade do que a conversa
pelo mundo. É uma linguagem de códi- da tia Lourdes) faz com que o usuário de
gos, como a de sociedades secretas, que termos se sinta cada vez mais inteligente
marcam o pertencimento a um grupo ou quanto mais repete roboticamente um
facção, embora tal grupo seja global, não jargão, atrofiando o cérebro e diminuindo
tenha um ritual de filiação claro e os bônus seu horizonte de conhecimento.
da agremiação não sejam muito maiores do
que acreditar piamente que se descobriu Este vocabulário pasteurizado é como
uma interpretação cabal para os problemas droga: vicia, e tem-se a sensação de que
da vida – sempre de maneira tão reducio- não se experimentou verdadeiramente a
nista que parece deixar os reducionistas do vida sem ele. E quanto mais se acredita na
passado parecendo gênios da complexida- palavra – como se ela precisasse mesmo de
de (o mesmo efeito que acontece hoje nas crença, de uma fé religiosa e obediência

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

extrema e integral –, mais se acredita que debate contra uma pessoa normal: é uma
se explicou tudo das tessituras do real, mais palavra que pode ser usada simplesmente
se “enxerga” patriarcado e racismo e trans- para tudo. Machismo seria um comporta-
fobia por aí, mais se acredita piamente que mento negativo, mas também uma estru-
se descobriu a pedra filosofal de interpre- tura fundante da sociedade (ou do Cosmo
tação de todos os problemas desde o Big bíblico), assim como uma filosofia, uma
Bang. As palavras, esvaziadas de conteúdo estética, um marketing. Machismo nunca
até mais não poder, se tornam totens, íco- precisa ser definido: apenas está aí, no ar,
nes a serem glorificados, altares de sacrifí- e quando o usuário de termos se vê numa
cio, sítios sagrados, sangue derramado por situação de enrascada em um debate, bas-
deuses que precisam ser comungadas pelos ta apelar para a nova técnica da dialética
iniciados com frequência cada vez maior. erística: sacar a bomba-ninja “machismo”,
Apenas enfiando um “homofóbico” e um traçar o limite exatamente onde seu adver-
“fascista” a cada 5 minutos o usuário de sário está e se colocar contra o machismo
termos, o crente no significante acredita que para justificar o que pensa, mantendo seus
está sendo inteligente, interessante e de erros, suas contradições, suas falhas lógi-
fato do lado correto da humanidade, e não cas, de referência e de caráter.
andando com obscurantistas teocráticos É assim que se faz o feminismo – não
do capitalismo patriarcal e homofóbico. à toa, foi o único dos grupos de usuários
Podemos analisar como esse reducio- de termos que grassou pela sociedade com
nismo absoluto (é até difícil imaginar rapidez espantosa e absurda, sucesso não
como algo pode ser mais reducionista no alcançado por outros movimentos iden-
planeta) se aplica, traçando algumas pistas titários de esquerda como o movimento
de como lidar com esse novo vocabulário negro ou a “comunidade LGBTI”. Só era
político, que ainda não foi estudado nem necessário dizer que é contra o machismo,
de soslaio – que dirá como realmente deve termo carregado de acepções negativas, e
ser estudado. amplo o suficiente para incriminar Deus e
o mundo, e voilà: temos uma nova femi-
nista na área. O “patriarcado” (sempre um
Machismo termo vem com uma série de sub-termos
de estrutura portentosa) é basicamente
A mais abrangente das palavras foi a aquilo que permite que um homem fique
nota tônica na nova linguagem nos últi- numa posição melhor do que uma mulher,
mos anos. O usuário do vocábulo “ma- mesmo que sua base seja biológica – logo,
chismo” tem uma vantagem inicial em um logo, definirão como “patriarcado” o fato

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

de homens poderem fazer xixi de pé. O homem, ou aquele que impede e proíbe
machismo é o que impede que uma mu- o sexo com prostitutas, impedindo que
lher faça o que quer, em qualquer situação, mulheres disponham de sua sexualidade
caso a caso. E feminismo, portanto, seria como desejam em nome de uma moral
defender a mulher em uma situação em rigorosamente idêntica àquela que mais
que haja um conflito entre um homem e combatem?
uma mulher – ainda que a busca por novos
Machismo (e o mesmo vale para “pa-
problemas comece a considerar que femi-
triarcado”, ainda que este seja apenas na
nismo envolve até não usar o “estereótipo
forma um pouco mais específico) funciona
de gênero” de roupas cor-de-rosa para
como os significantes flutuantes1 de que nos
meninas.
fala Claude Lévi-Strauss: signos linguísti-
Funciona inclusive para situações con- cos com significado em branco, podendo
traditórias. A questão mais simples para se significar qualquer coisa conforme a von-
lidar com feministas é perguntar a respeito tade do usuário de termo. Lévi-Strauss,
da prostituição: afinal, é um direito da que ministrou aulas no Brasil, estudou
mulher usufruir do próprio corpo como a religião da Polinésia, percebendo que
quer, sem imposições do patriarcado reli- nas línguas austronésias a palavra “mana”
gioso, dando livre vazão à sua sexualidade, significa força, ou prestígio – porque se
seu corpo, suas regras, ou a prostituição trata da força de criação efetiva do mundo,
é na verdade um ato do próprio patriar- através da natureza. Assim, “mana” é uma
cado opressor que objetifica a mulher, palavra usada com qualquer sentido: pode
comercializa sua feminilidade, trata como significar guerra ou paz, o furor das tem-
mercadoria a sua dignidade? Onde está pestades ou a calmaria de uma planície, o
o tal do “empoderamento”: no apoio à poder político ou o amor, um casamento
prostituição, permitindo o sexo livre das
ou um funeral. O “poder” de mana é o
amarras da religião e da moral ultrapassada
poder divino de criar algo, então mana é a
e reacionária, ou na exigência da proibição
força vital do cosmo, significando as estre-
da prostituição e no endurecimento das
las ou as formigas, a espada ou o perdão
penas pelo comércio de sexo, punindo os
jurídico.
homens por serem tarados que tratam a
mulher como um cavalo, quando deveriam O funcionamento com “machismo” é ri-
ter uma moral sexual rigorosa, baseada no gorosamente o mesmo. Para as feministas,
auto-controle e na dignidade da mulher? a disposição dos céus em relação ao homem
E onde está o patriarcado: é o que permi-
te sexo com prostitutas, “favorecendo” o 1 https://en.wikipedia.org/wiki/Floating_signifier

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

e a mulher é machista. O mito fundador é defendeu as mulheres na história, muitas


machista. A moral é machista – ainda que vezes, foram justamente instituições que
se escorem nela e em seu vocabulário pró- as feministas considerariam suas inimigas
prio, como “dignidade”, quando precisam públicas número 1, como a Igreja, a moral
explicar o que vai de mal com as mulheres. ou a família tradicional. Ninguém em sã
O sexo é machista. A média percentual de consciência chamaria tais instituições de
salários é machista. A Câmara dos Depu- “feministas”, embora seja com tal simpli-
tados é machista. Os banheiros separados ficação absurda que o feminismo seja de-
são machistas. Pagar a conta é machista. finido, da boca para fora. É claro e lógico
que, na verdade, por trás do nome fantasia,
Cavalheirismo é machismo. A divisão
esconde-se a razão social: o feminismo é
social do trabalho é machista. Não haver
uma forma de se fazer política, usando-se
muitas mulheres no curso de engenharia
uma oposição entre homens e mulheres
aeronáutica é machista. Se não souber do
para definir culpados e inocentes. Homens
que está falando, na dúvida, é machista.
progressistas aderem ao discurso, como ri-
O feminismo hoje é tratado como “defe- cos sempre aderiram ao discurso pobrista
sa da mulher”, simplesmente isso, toda vez da antiga esquerda, sem prejuízo para suas
que é citado na grande mídia. Ora, quem relações – pelo contrário, quanto mais até

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

se efeminam para se adequar ao discurso blogs de feministas falando o dia inteiro


feminista, conseguem mais sucesso com de machismo, o que varia de pais conser-
o sexo oposto, ao menos dentro de suas vadores à falta de personagens femininos
bolhas ideológicas. no último jogo de tiro que saiu para Xbox.
O feminismo ganha, portanto, pelo A estratégia do termo “machismo”,
generalismo absoluto. Basta dizer a uma então, é o controle completo, visando des-
mulher que ela é feminista quando de- truir algo fundante da sociedade ocidental
fende uma pauta feminina, seja não usar (e que raríssimos sabem definir, ou enten-
chapinha ou ter uma fila só para mulhe- der o que teria de ruim): o patriarcado, a
res na lanchonete da faculdade, e pronto: instituição que garante aos pais um poder
inventamos mais uma causa feminista. O sobre os filhos que o Estado não possui.
feminismo se multiplica como ervas na De fato, é difícil dissociar o feminismo do
plantação por não ser uma doutrina, não marxismo, se Marx, com todos os precon-
ter uma pauta clara, senão por ser um ceitos de época e anacronismos para a nova
guarda-chuva para agremiar unidas todas esquerda, foi tão certeiro em definir o fim
as capilosas correntes da esquerda, com da família como seu objetivo, substituindo
medo de que um dito fora do lugar seja o patriarcado pelo Estado controlando os
considerado “machismo”, o que imedia- filhos desde tenra idade – projeto levado
tamente não seria considerado um deslize a cabo na União Soviética ainda em 1919
ou desatenção pelo usuário do termo, mas pela pedagoga soviética Zlata Lilina, que
sim uma excomunhão gigantesca, como se preconizava um “amor racional” no lugar
um comentário fora do lugar o jogasse na do “amor egotista” das famílias, sugerindo
extremissíssima-direita. que, no comunismo, as famílias deixariam
O controle de linguagem do feminismo, de usar o pronome “eu” em referência a
portanto, é muito mais completo, abran- um filho, pois todos seriam uma proprie-
gente, totalitário e impiedoso do que o dos dade coletiva da sociedade.
seus termos amigos. Também é o mais en- Curiosamente, se fosse definido, pes-
fadonho: tratar absolutamente tudo como quisado historicamente, o patriarcado se-
patriarcado e machismo cansa qualquer ria a maior defesa das mulheres já feita. O
um, e exige um revisionismo tão constan- patriarcado é a instituição que troca a base
te da realidade que as feministas sempre nuclear da sociedade do pertencimento a
amarguram o mesmo destino: abandonar uma etnia ou extração social para uma fa-
todos os amigos para ficar apenas com os mília. Na prática, o que isso implica é uma
novos ideólogos da turminha, e ler única nova imposição ao homem: toda relação
e exclusivamente literatura “permitida”: sexual com sua conseqüência inevitável em

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

certos períodos acarreta a ele uma obriga- apenas repetindo um bordão? O feminis-
ção. Ele é que terá de prover, ser o respon- mo acaba convencendo muito mais pela
sável, ainda que financeiro, pelo filho, e não tal “sororidade”, pela versão feminina da
mais o corpo social, o Estado ou alguma irmandade, pela promessa de pertenci-
organização baseada em trabalho. O filho mento a um gigantesco clã de pessoas com
ou filha carregará seu nome por último, frustrações que irão se ajudar mutuamente,
para que toda a sociedade saiba quem é do que pela sua linguagem. Afinal, já ten-
o responsável. Em uma sociedade não-pa- taram classificar candidatos a presidência
triarcal, como muitas pagãs, a criança logo como “machistas” em mais de um país. O
pertence ao exército, como em Esparta, ou resultado foi pífio. As próprias mulheres,
à classe superior, como em Roma. O que mais preocupadas com segurança ou em
mantém a África tão pobre, dizimada por cuidar de famílias com filhos contra a imo-
conflitos étnicos internos entre clãs rivais, ralidade reinante não ligam para vocabulá-
sem perspectiva de enriquecimento, de rio de internet. Mas a dinâmica semântica
criar alguma liberdade e atuação na vida e pragmática do termo permanecerá como
longe de conflitos armados, é justamente estudo de caso ao se lidar com a grande
a falta de um patriarcado: sem o patriar- mídia.
ca, resta o clã, o exército, a tribo coletiva
(em tempos modernos, o chão da fábrica).
Basta-se ler quantas mulheres mendicantes Homofobia
e se rendendo à prostituição existem nas
histórias antigas, em estratos ainda tribais, O novato na turma, homofobia (e seus
ou como modernamente a presença de congêneres, como LBGTfobia ou transfo-
uma figura paterna em casa é absoluta- bia) é o mais vitimista dos termos da mo-
mente mais determinante para a felicidade dinha. A aceitação dos homossexuais na
de uma criança e para evitar que ela caia sociedade sempre foi permeada por confli-
no crime, nas drogas ou na depressão do tos, mas acelerou de maneira brusca na se-
que ser rica. gunda metade do século XX. Foi ainda em
A vantagem do feminismo é ser genéri- 1952 que Alan Turing foi processado na
co. A desvantagem é justamente sua força Inglaterra por ser homossexual, tendo sua
diluída: o tal “machismo” é algo tão difí- nacionalidade negada, mesmo que tenha
cil de ser definido que apenas as próprias sido o matemático e químico responsável
feministas conseguem se preocupar com por desvendar os códigos de criptografia
a acusação depois de umas 5 repetições. da comunicação dos nazistas, permitindo
Como querer reclamar de toda a sociedade que os Aliados finalmente obtivessem as

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

primeiras grandes vitórias significativas Bem diferentemente da “sociedade


sobre o Terceiro Reich. patriarcal”, a questão da sexualidade e da
A questão dos homossexuais com a homossexualidade humana é envolta em
religião, sobretudo a religião cristã, nunca mistérios ainda insondáveis pela ciência
foi bem compreendida pela mentalidade moderna. De todo modo, é nítido que há
secular moderninha. Em Roma, o verda- uma glorificação e um incentivo brutal ao
deiro berço do cristianismo, o homosse- homossexualismo hoje. Qualquer crítica,
xualismo era comumente praticado na qualquer aversão, qualquer pensamento
época de Jesus, mas não como uma “opção contrário, qualquer comentário que não
sexual” como é hoje descrito. Em Roma, seja o da aceitação absoluta, irrestrita e
sociedade extremamente estratificada e em inquestionável é tratado como preconcei-
que o sexo manteve relações de poder de to, como “ódio” (outro termo que virou
maneira mais brutal do que em Sodoma, moda), como intolerância irracional, como
a aristocracia pagã satisfazia muitas vezes se as pessoas acordassem mesmo como um
seus desejos com os escravos, criando uma vulcão em erupção destruindo todos aque-
relação sexual não calcada na anatomia, mas les que não têm a mesma sexualidade que
no status, na vassalagem. A idéia de que eles.
homens confinados em ambientes fecha- E com isto, conseguimos entender por
dos com outros homens, como presos ou que a palavra “homofobia” virou tão po-
marinheiros, praticam o homossexualismo derosa em tão pouco tempo. Ninguém
com base na força, dá uma boa visão do que usava este vocábulo há pouco mais de 10
de fato está em jogo quando o cristianismo anos, ou pensaria em uma construção tão
prega tanto contra o homossexualismo, os chiquetosa, “ho-mo-fo-bia”. Mas o termo
efeminados, os abusos aos mancebos. O homofobia já deu um passo além do mero
cristianismo preconiza uma ordem sexual “machismo”: se o machismo é indefinido,
baseada na anatomia, e não no domínio e se exige uma crença mútua também do
do forte contra o fraco (Sócrates comenta ouvinte para se entender o que raios é o
o mesmo 4 séculos antes, em O Banque- patriarcado e por que seria tão opressor,
te). Com crianças nascendo de uma famí- o termo “homofobia” já avançou para
lia, e não de reproduções cruzadas entre um comportamento bem mais definido e
escravos como se fossem cavalos, os filhos objetivo. E o melhor: adentrando na zona
têm a quem recorrer para sua proteção, ao de valores, crenças e métodos da esquerda.
invés de serem necessariamente escravos e Ora, homofobia, ao menos em sentido
propriedade, inclusive sexual, de quem for mais estrito, seria uma manifestação de
mais forte. preconceito e de agressão contra homos-

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

sexuais. Mesmo o cristão mais militante mesmo termo que usa para descrever a falta
contra o que a religião considera uma de- de gays entre os CEOs de empresas, além
generação não costuma querer se associar de decretar todas as vitórias possíveis no
à idéia de preconceito e de agressão (nova- campo axiológico da discussão, passa-se
mente: ainda apenas no sentido estrito da a definir tudo pelos termos da esquerda,
palavra homofobia). Assim, já temos, só com os métodos da esquerda, aceitando-se
com o uso do termo, uma pré-vitória: de- as exigências da esquerda; vide quantos
finimos o debate em termos valorativos do conservadores eleitos recentemente cria-
campo da esquerda. O que não concorda ram políticas dirigidas especificamente
com ela é, imediatamente, tratado como para a população gay, geralmente advindas
preconceito e agressão. Irracionalidade e de políticas de esquerda. Nem sempre é
violência. Quer um cenário melhor para se uma desvantagem social, mas vê-se como
iniciar uma discussão? o discurso, os valores, a metodologia e a
Se a palavra já dá uma pré-vitória inicial heurística para se encontrar uma verdade
pensando-se em um sentido mais estrito, funcionam sempre por uma analogia.
basta-se usar “homofobia” em sentido O mecanismo mais poderoso no uso
lato para a vitória ser acachapante. Se a da palavra “homofobia” opera com a cul-
homofobia concreta é repudiada mesmo pabilização: a analogia do preconceito ou
pelos mais brucutus dos conservadores violência contra gays transformada em
quando possuem uma moral de paz, basta- uma culpa coletiva de toda a sociedade,
se dissolvê-la em uma homofobia abstrata passando a tratar aqueles que não aceitam
para manter o debate com a direita tentan- a visão da esquerda em sua integridade
do se defender a partir de uma camisa de (ou, mais exatamente, da new left) como
força. A sociedade é homofóbica, a falta de culpados imediatos. Enquanto isso, al-
beijos gays na novela das 9 é homofobia, guém que defenda o movimento gay (não
não casar gays na Igreja é homofobia, não os gays, mas o movimento gay) é colocado
haver gays entre os ministros do novo pre- automaticamente como juiz, promotor e
sidente é homofobia. júri do caso. Se alguém é religioso, e a reli-
Aqui percebemos que o modo de pen- gião é homofóbica, e espancar um gay até a
samento dos usuários de termos não de- morte é homofobia, logo, qualquer pessoa
pende muito da lógica, e sim da analogia. religiosa é praticamente um espancador
É um pensamento literalmente analógico. de gays até a morte por puro preconceito.
Ao tratar o espancamento de um homos- Pode soar bobo, exagerado, grotesco em
sexual com luzes fosforescentes na ma- simplismo: basta observar como pensam os
drugada simplesmente por ser gay com o jovens millenials indo votar pela primeira

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

vez na esquerda para perceber como é exa- razoavelmente livres do Ocidente. Com
tamente o que pensam, o grau máximo de medo de se associar às noções de precon-
abstração e destreza mental que possuem. ceito e de intolerância, que lembram os
Mas foi com tal estrutura de pensamen- momentos mais concretamente violentos
to, com este arcabouço “intelectual” que das ditaduras e totalitarismos do século
se quis ganhar eleições, pautar políticas, XX, a civilização do diálogo, do logos, da
definir o que é bom ou ruim através da re- filosofia e da livre discussão prefere des-
petição ad nauseam de “especialistas” dan- truir o princípio da liberdade de expressão,
do entrevistas em programas vespertinos considerando melhor manter as posições
na TV. Mesmo a esquerda menos radical, “irracionais” e “intolerantes” fora do de-
como a dos socialistas fabianos do PSDB, bate.
muito mais ligada à social-democracia de A questão é sempre delicada – pense-se
fato do que a questões culturais, apelou na no caso do nazismo, e se toda e qualquer
repetição do bordão dos termos da moda sociedade realmente está madura para po-
para tentar crescer perante o público. E der lidar com um Mein Kampf vendido em
nessa toada, em pouco tempo estão todos cada banca de jornal –, mas é temeroso ver
os políticos criando leis específicas para um princípio tão importante ser desmem-
grupos identitários que fazem peso para brado violentamente, sem nenhuma vergo-
a esquerda, variando de cota para gays e nha, tudo por conta de uma analogia. Não
travestis até punições pesadas para os ho- se quer punir aquele que prega enforcarem
mofóbicos, como igrejas que se recusem os gays em praça pública ou aqueles que
a celebrar um casamento gay, ainda que os matam às pauladas – para estes, já existe
contra os preceitos de sua religião (caso lei. Quer se punir exatamente o padre ou
da Dinamarca): em nome do combate ao pastor, o tiozão do pavê contando piada,
discurso de ódio, à intolerância e ao pre- a velhinha que acha o casamento gay um
conceito (a própria irracionalidade), cria- horror, o dissidente cuja reputação a es-
-se um aparato de leis draconianas, igno- querda quer assassinar por ter feito uma
rando preceitos básicos do Ocidente como piada com sexo gay no passado (como
a liberdade de expressão, apenas para um aproximadamente 100% da humanidade).
grupo não se sentir ofendido. Se o “patriarcado” do feminismo é um
É curioso notar como a questão da signo flutuante, usando-se o vocabulário
homofobia permitiu que a agenda da técnico da lingüística, a homofobia parece
esquerda avançasse incrivelmente na mais a “metáfora conceitual” de que fala
última década de uma maneira que a o lingüista marxista George Lakoff. São
esquerda nunca conseguiu fazer nos países metáforas fundantes da sociedade, quase

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como arquétipos jungianos. Lakoff, por Racismo


exemplo, acredita que o Estado é visto de
duas maneiras distintas, pela esquerda e
O que nos leva a entender o termo mais
pela direita. Enquanto a esquerda o enxer-
pesado de todos. Racismo, bem diferen-
garia como um pai bondoso, a direita o
temente do patriarcado e da homofobia,
encararia como um pai punitivo. Assim, a
é algo extremamente objetivo e repudiado
palavra “Estado” evoca sentimentos com-
por toda a sociedade. O racismo é de fato o
pletamente diferentes conforme o ouvinte.
irracionalismo bruto, o preconceito maior,
Embora o princípio esteja certo, Lakoff
a cisão do povo, a brutalidade em formato
ignora que ele próprio, como um ativista
de pensamento. O racismo já causou mor-
do Partido Socialista, acaba por tentar,
ticínios, e não é preciso pensar apenas no
com sua própria teoria, também causar
nazismo: basta-se lembrar das limpezas ét-
uma boa impressão da esquerda e de suas
nicas em Kosovo em 1998 ou no conflito
gloriosas boas intenções com o Estado,
entre tutsis e hutus em Ruanda. A menta-
até mesmo quando elas acabam gerando o
lidade racista é considerada o mal em si,
pior totalitarismo que a Terra já conheceu.
repudiada por conservadores e revolucio-
De todo modo, o termo “homofobia” nários. Fora uns esquisitões que ninguém
também é usado como uma metáfora con- leva a sério, ninguém advoga uma postura
ceitual de conseqüências políticas – e de racista em grande escala. Bem o oposto:
mentalidade – gigantescas na sociedade. racismo é um xingamento que não se dei-
Todos morrem de medo de serem associa- xa barato, e ambos os lados do espectro
dos à violência (ou mesmo ao preconceito) político preferem jogar essa batata quente
contra gays, ainda que sob a mira de uma um no outro, ao invés de negá-lo.
metáfora poderosa condensada na palavra O racismo, curiosamente, nasce do
“homofobia”, que pode ser aplicada sem mesmo espírito tribal que estudamos an-
nenhuma mudança a um assassinato ou à teriormente: quebrado o princípio de uma
recusa de cotas para gays no serviço públi- transcendência que esteja acima de todos
co. É uma espécie de novo mito fundador os homens e permita uma universalidade
lingüístico: a nova sociedade é fundada no saber, na conduta humana e no padrão
pelo sangue da homofobia, e qualquer coi- moral, todos voltam à sua própria tribo
sa que a lembre, que possa ser usada como primitiva, ao culto dos ancestrais de seu
metáfora para aquela violência, passa a ser clã, ao fechamento em guetos. Por ser um
o brasão de divisa do bem e do mal. pensamento que permeia toda a huma-
nidade, é interpretado por progressistas

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

como ligado ao passado e, portanto, como glorificar culturas que se consideravam ra-
algo “conservador”, pois só a sua moderna ças superiores, mas eram negras, portanto,
ideologia poderia livrar a humanidade de tudo muito belo e moral, pois o problema
mais este obscurantismo irracional. sempre está nos brancos.
Infelizmente, a nova esquerda, para Este, claro, é o racismo “histórico” e an-
tentar uma nova vitória do marxismo ao tropológico, que seria conhecido se fosse
reinventá-lo, alçou à glória todos os com- estudado sem amarras politicamente cor-
portamentos e manifestações “étnicas” retas e sem uma visão pós-colonialista e re-
(entendidas como: não-brancas), sem vanchista da história. Até mesmo biólogos
saber, ou até mesmo sabendo, que tais o conhecem melhor do que historiadores.
culturas não buscam uma universalidade, Mas, claro, como não é o nazismo e nem
e sim um fechamento em círculos cada vez o KKK, nunca é chamado de “racismo”,
menores. Se o divórcio da revelação e da embora sua base seja a mesma: abandonar
evangelização universalizante fez com que a universalidade permitida por uma trans-
alemães buscassem deuses nórdicos e uma cendência que permite uma verdade única
raça pura perdida supostamente a Islândia e evangelizadora, voltando-se ao mundo
no começo do século XX, livrando-se de tribal de valores definidos apenas em gue-
todo elemento estrangeiro ao novo corpo tos de descendentes comuns.
tribal do “espaço vital germânico”, hoje é
moda falar em “religiões de matriz africa- O único componente curioso e impres-
na”, que tratam as tribos africanas como sionante no que acontece modernamente é
superiores às demais etnias, inclusive afri- que justamente a tradição ocidental é que
canas, que não sejam descendentes diretas hoje é chamada de racista, com sua unida-
de seus “deuses”. de de sentido apartada de um componente
étnico, com suas leis calcadas em compor-
Obviamente, como é uma espécie de
tamento, e não em grupos “raciais” (nem
“racismo do bem”, é glorificado e defendi-
as monarquias tinham como fulcro uma
do contra o “passado colonial” dos bran-
etnia – pelo contrário, os casamentos eram
cos – aquele colonialismo que substituiu
mais comemorados quanto mais longín-
disputas tribais na África, por exemplo,
quos fossem os cônjuges).
com roubo de mulheres de tribos rivais no
tacape para serem escravas sexuais, pelo Com efeito, hoje em dia a moda é uma
“terrível racismo” de viverem sob a Magna espécie de resgate forçado de qualquer
Carta, com representantes eleitos. É exata- coisa (frise-se: qualquer coisa, mesmo) que
mente o que está por trás (ou por baixo) seja “étnica”, como uma manifestação
de todos os discursos históricos atuais: cultural extremamente relevante e rica,

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que teria sido ignorada ou menosprezada admirados), mas justamente elementos de


pelos brancos. A imposição é feita justa- uma cultura de massa (aquela tão criticada
mente para forçar um olhar de desgosto pela Escola de Frankfurt) que descarta toda
por quem está acostumado com uma cul- a noção de beleza, inteligência, de algo
tura tradicional. Basta ligar no programa admirado por ser admirável, para apenas
da Fátima Bernardes, a Regina Casé com forçar a população a gostar de algo objeti-
programa diário e matinal, e a chance de vamente sem valor, simplesmente por que
se estar discutindo como há “preconceito” não ouvir o último rap ou a último degrau
contra alguma cultura “alternativa”, seja descido pela turma do funk-putaria seria
cortes de cabelo ou funk, seja islamismo ou considerado racismo. O objetivo aqui é
ter filhos depois dos 60, é quase de 100%. realmente não permitir mais uma pedra
Hoje, pululam oficinas, cursos, palestras de sobrevivência da antiga cultura judaico-
e um milhão de comentários em progra- -cristã, já que tudo na sociedade de massas
mas de auditório a respeito de como todos digital é intermediado pela grande mídia.
viraram racistas violentíssimos do dia para Quem iria ler Shakespeare e seu glorioso
a noite, e como os brancos precisam conhe- Othello se o que importa na rodinha é
cer e respeitar a cultura negra. Não se trata, Ludmilla?
é claro, de Aleijadinho, Morgan Freeman, E então entendemos como, diferen-
Cruz e Souza, Stanley Jordan, Machado de temente do machismo e da homofobia,
Assis ou Lima Barreto, mas de Emicida, o termo racismo opera como uma de-
MC Carol, Marcelo D2, Marielle Franco, monstração de poder já constituído, uma
Taís Araújo, Crioulo, Carol Konká, Preta reforma já sendo realizada na sociedade
Gil (o que faz? do que vive?), Spartakus, (sobretudo na cultura) há muito mais do
Gaby Amarantos e outras sumidades sem que uma ou duas décadas – afinal, não é de
as quais a cultura brasileira estaria muito hoje que se reconhece o problema do racis-
bem, obrigado, para não dizer que tería- mo, mas com ele se permitiu um discurso
mos espaço em nosso HD mental para de destruição de padrões que nada tem a
as coisas com as quais realmente importa ver com negros (como o feminismo nada
gastar neurônios. tem a ver com mulheres ou o movimento
Ninguém imporia tal agenda “cultural” gay nada tem a ver com a preocupação da
isso de graça, à toa, sem algum objetivo. maior parte dos gays). Justamente porque
Justamente para se defender os negros, que o racismo é conhecido objetivamente, ele é
sofreram com a escravidão e a segregação o pior dos palavrões: raros se importam de
na América, não usam os seus melhores e serem chamados de “machistas”, “misógi-
mais admirados exemplos (universalmente nos” (vocábulo do qual poucos conhecem

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

o significado), ou mesmo de “homofóbi- defesa estrita de idéias de esquerda – mas,


cos” (expressão que já virou piada). Já ser entre esquerdistas, é só dizer que é “teoria
chamado de “racista” é um anátema social da conspiração”, afinal, que esquerdista
entre todos, não apenas entre esquerdistas. E, conhece a história do Klan? Apela-se cor-
como nos outros termos, passa a ser usado retamente para a ignorância da platéia, que
de maneira abstrata, genérica, indefinida também nada saberá sobre o KKK, e logo
e, claro, para tudo o que não é racismo. se diz que é mais uma maluquice da direita
Faz parte da tática descrita por Ben olavete.
Shapiro: a esquerda usa muito o termo E, claro, invocar a ignorância absoluta
“fascista” justamente contra quem ela sabe das ligações de temas como aborto e eu-
que tem mais repúdio contra o fascismo. genia, tão comum a nazistas e socialistas
De que adiantaria chamar um oficial da fabianos, que sempre andaram lado a lado,
Waffen SS paramentado com suásticas de pensando-se em diminuir a população
“nazista”? Ele se sentiria ofendido? Mas se economicamente indesejável. Como hoje
uma pessoa normal fosse assim chamada, o aborto é uma das pautas mais urgentes
ela tenderia a se calar, ou não defender da esquerda, o discurso permanece rigo-
mais o mesmo argumento, com medo da rosamente idêntico, apenas trocando-se
associação a algo que ela própria considera os substantivos para termos mais politica-
terrível. Basta este entendimento para per- mente corretos – “população indesejada”
ceber que toda vez que o debate político revela a agenda coletiva, então basta falar
recai no uso de termos histericamente hi- em “gravidez indesejada” e até se diz que
perbólicos, a quem entende mesmo de lin- se está lutando pelo direito das mulheres,
guagem, o esquerdista confessa que apenas “sobretudo negras, que não podem fazer
passa a sua vida atual xingando as pessoas, um aborto seguro e legal”, de diminuírem
disfarçado de um vocabulário técnico que sua própria população, favorecendo a dos
nem é capaz de entender (ainda que tanto brancos. E lembremo-nos de que “patriar-
repita que estudou História). cado”, sendo um termo sempre vaporoso,
Racismo, portanto, é mesmo um pala- também pode ser usado neste momento,
vrão. Mas seu sentido histórico e real não para dizer que as mulheres não podem se
é entendido de fato pela esquerda, que livrar de seus filhos como lixo hospitalar
se julga hoje a única força anti-racista, pelo “machismo” da sociedade.
esquecendo seu passado escravagista na Mas, mesmo sendo um palavrão de fato,
América, por exemplo. O caso mais típi- ainda assim a esquerda moderna consegue
co é alegar ignorância sobre o KKK, um diminuir o seu peso, ciando quimeras aca-
braço armado do Partido Democrata com dêmicas como “racismo estrutural”, para

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

mais uma vez fazer com que toda a socie- Quando lembramos que boa parte da
dade pague a conta do racismo, sobretudo visão globalista do mundo se baseia na
os inocentes do crime. Com interpreta- idéia de substituição populacional (méto-
ções forçadas como a “dívida histórica”, dos de controle de natalidade são sua maior
tratam como criminosos, preconceituosos obsessão), e como enxergam nos negros
e culpados por um dos maiores flagelos uma massa com muito mais facilidade
da história não os seus proponentes, mas de aceitar um discurso de ódio à tradição
pessoas que nada tinham a ver com o pato judaico-cristã do que os brancos, vemos
– até mesmo, por exemplo, descendentes ainda um segundo objetivo na glorifica-
de italianos, alemães e japoneses da região ção da cultura trash com a marca de ser
Sudeste, que vieram substituir os negros “negra”: uma verdadeira mudança de por-
na lavoura ainda antes da abolição da es- ta-vozes da cultura, e qualquer resistência
cravidão, já que o escravo negro estava se será sufocada com a acusação de racismo
tornando muito caro (quem pensaria em (“quantos negros existem no canal de TV
cotas para italianos e alemães de olhos do concorrente?”).
azuis e japoneses?). Há ainda um terceiro objetivo: tudo
Todos, então, seriam racistas (como de- fica marcado e segmentado. Tal já acon-
clarado expressamente por pessoas como tecia com os negros há muito (quem
Alexandr Dugin), e os brancos não mais não lembra da polêmica quando a revista
seriam apenas as pessoas que estão na dian- “Raça” foi lançada?), que não apenas têm
teira econômica da sociedade moderna, e produtos próprios, como são os únicos na
sim seriam todos criminosos que merecem população a poderem usar certos termos
ser exterminados por serem racistas, into- ou fazer certos comentários – todo grupo
lerantes, preconceituosos e terem tudo o de pagode dos anos 90 explorou a idéia da
que tem na base do escravagismo. É nítido “negritude”, enquanto até obras literárias
que algumas mentes mais irascíveis, com descrevendo a beleza de mulheres brancas
traumas familiares e prontos para adotar passaram a ser rejeitadas no cânone literário
uma ideologia de discurso facilmente pa- a ser lido por estudantes pelo “eurocentris-
pagaiado para chamar de sua, já estão to- mo”. Se tudo tem uma marca, como um
mando esse discurso desabridamente, com produto para negros, tudo está protegido
milhares de perfis no Twitter e Facebook por um órgão estatal ou para-estatal para
gritando que querem brancos apenas no continuar existindo como cultura. Em um
espeto, sem que nenhum veículo de mídia país em que os artistas e o poder políti-
reclame minimamente de um novo racis- co estão sempre trocando favores, vemos
mo surgindo. rapidamente, em questão de poucos anos,

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

como quem define tudo o que uma boa nir um tipo de discurso que é considerado
parcela dos jovens pensa muda radical- tirânico e perigoso se dito por uma par-
mente, para celebridades fabricadas com cela da população, e a coisa mais normal
muito dinheiro público, como porta-vozes da vida se usado por outro. A linguagem
de massas, simplesmente por saberem re- moderna, global, unificada, pública, na
bolar e passarem em algum teste de sofá verdade cada vez mais se parece com um
da Rede Globo. código de seita.
O controle da linguagem, que talvez
nunca tenha sido propriamente pensado ou Linguagem de seita
antevisto, mas que acabou sendo o grande
efeito dos totalitarismos, acaba tendo ain-
O que permite alguma esperança é jus-
da um novo efeito com o termo racismo:
tamente compeender esta nova linguagem
apenas os negros podem dizer certas coi-
pela chave de uma linguagem universal
sas. Um rapper pode se chamar “Crioulo”,
contra uma linguagem de tribo. Como não
mas o tabu da linguagem nunca permitiria
são tribos propriamente, com origem étni-
que se usasse esse mesmo termo para um
ca comum, seu funcionando na verdade se
negro. Nenhuma brincadeira politicamen-
assemelha às seitas. Até mesmo imitando
te incorreta em grau máximo a permite.
algumas teatrices, como certos ritos de
E o mesmo efeito é válido inclusive para
passagem, rituais de iniciação, comporta-
eufemismos – como a palavra “moreno”,
mentos obrigatórios, vestimentas, cortes
que, pela sua indefinição semântica, virou
de cabelo etc.
um palavrão ainda pior, por acabar deixan-
do escapar que está lidando com um tabu, Para lidar com este cenário, facilita en-
mas que é usada livremente em qualquer tender as diferenças de uso de cada um dos
letra de pagode. É o único momento de termos.
“auto-gozação” permitido pela nova men- O machismo, o mais amplo, é a glória
talidade: este, e o quanto os gays podem dos anti-feministas: é uma terminologia
usar termos depreciativos uns com os ou- que se auto-destrói por ser hoje, talvez,
tros, mas o movimento gay considera uma o vocábulo com menos sentido definido
opressão análoga à do Estado Islâmico se sendo usado no Ocidente. Estudiosos
algum hétero usa um termo “sensível” a um críticos do feminismo já perceberam que,
gay. Políticas de redes sociais já censuram ao se tentar traçar o que é o pensamento
posts com palavras ofensivas, baseadas no feminista, sua linha de raciocínio, seus ar-
“discurso de ódio”, e leis são criadas (ou gumentos, métodos e aplicações em casos
impostas) globalmente para se tentar pu- concretos, não se tem uma doutrina estru-

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

turada (no melhor sentido do termo), mas pantes da realidade, sob o mesmo signo
um arrazoado de opiniões pessoais as mais (como piadas com louça e abusos sexuais
diversas, geralmente reduzindo qualquer em festas de faculdade).
questão a uma disputa homem x mulher, e
O feminismo, usando a expressão de
defendendo o lado feminino. O feminismo
Marx, traz o germe de sua própria destrui-
é o Show da Xuxa em formato de folheto
ção. Apesar de antigo, o fato de ter virado
filosófico.
modinha recentemente não significa que
O que feministas fazem de fato é traçar será sempre uma corrente dominante. Tem
uma linha divisória de intenções e de per- algo próximo a ser emo na década passada:
tencimento a um grupo (daí à semelhança uma falha da vida a dar tanta vergonha que
com seitas iniciáticas) ao se declararem muitas das feministas esconderão este fato
feministas. Até os símbolos feministas de suas biografias quando abandonarem o
atuais imitam a idéia de “camaradagem” movimento, a seita ou seu vocabulário.
dos marxistas, embora a “sororidade”
Chiar contra o patriarcado, afinal, não
defendida não consiga ter o mesmo efei-
deu votos a ninguém e nem tampouco fez
to de comunidade quase militar que o
com que as mulheres se arregimentassem
termo “companheiro” tem entre homens
(justamente pela natureza de agremiação contra homens, como as novas proletárias
diversa entre mulheres, que se unem em de todo o mundo, unidas. O feminismo,
uma hierarquia completamente diferente então, fica muito mais na posição de alvo
da masculina). Daí que falem em estupros fácil a ser usado como contra-exemplo do
e da pouca presença feminina em cursos que de algo a merecer alguma refutação.
de Exatas usando-se o mesmo termo. O Basta-se sempre perguntar o que é o fe-
seu recorte da realidade é um dos mais ri- minismo em uma situação com alguma
síveis já criados pela humanidade (e, para complexidade mínima e todo o discurso
aumentar o nível de hilaridade, seu único feminista desaparece, sem nem ser necessá-
argumento é repetir o mantra “vá estudar rio algum talento socrático mais avançado.
feminismo”). Tentam arregimentar di- É só lembrar do exemplo da prostituição
versas situações completamente díspares ou da pornografia: para defender as mu-
da sociedade para tentar amacetá-las em lheres, é preciso proibir mulheres de terem
uma dicotomia que soa inevitavelmente uma vida sexual completamente livre, e
derrisória. É por isso que inventam idéias voltar à moral tradicional tão criticada. A
francamente comediantes como “cultura idéia de “dignidade” da mulher depende
de estupro”, tentando misturar situações justamente do patriarcado. E aí, como é
vexatórias, mas completamente discre- que fica?

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

Já o termo homofobia exige outro homofóbica”), com o fito óbvio de culpar


tratamento. Como adentramos já nos mé- inocentes. Sempre perdendo o significado,
todos e visões da esquerda ao lidar com a que se torna nebuloso com esta tática,
homofobia usando-se este termo, trata-se acaba-se dando um peso muito grande à
antes não apenas de uma definição, mas de palavra “homofobia”, sempre cedendo um
escapar da zona de influência e contágio pouco de vitória à esquerda apenas pelo
da palavra. Soam estranhas até hoje as uso do termo. É o único efeito comum a
políticas anti-homofobia propostas por todos estes termos.
conservadores, justamente porque passam A tática para enfrentar a ideologia aqui
a ser identitárias de esquerda: uma lei con- é abordar a mesma questão das agressões
tra a agressão e o assassinato é universal e contra gays evitando-se a palavra conta-
geral, uma lei punindo especificamente a minada “homofobia”: sem propor leis
agressão e o assassinato de gays dispensa específicas, adotar a metodologia ideoló-
o princípio de que toda a sociedade é um gica, e não aceitando direitos segregados
corpo coeso, e pluribus unum, e passa a e nascentes de comportamentos sexuais,
definir o que é lícito ou ilícito pensando preferindo o direito universal e natural.
apenas em grupos de pressão. A lei não é
mais pensada para a sociedade, mas para Uma conversa envolvendo questões de
agremiações ideológicas. Se apenas políti- preconceito, sem envolver violência, terá
cas específicas para estes grupos poderiam um final bem mais feliz se algum dos falan-
protege-los (ignorando-se que já há leis tes conhecer a história da aversão cristã do
para praticamente tudo o que pedem), co- homossexualismo, tal como mostrando-se
meça-se a se acreditar que a única maneira que a defesa da liberdade de expressão foi o
de impedir que gays sejam assassinados é que permitiu que os gays tivessem alguma
fazer parte de movimentos identitários, voz na sociedade (o que nunca consegui-
pregando toda uma doutrinação ideoló- riam em outros tempos e outras culturas),
gica por todos os aparatos de controle de e hoje perderíamos, e não ganharíamos,
opinião desde tenra infância, para evitar os censurando discursos e palavras. Afinal,
“preconceitos”. quando se tem razão, por que apelar para
a força, ainda mais de políticos que podem
Como ainda pode ser abstraída e colo- mudar ao sabor do vento amanhã e sem-
cada de maneira genérica e indefinida, a pre ganharão censurando o povo, seja sob
“homofobia” também passa a ser apresen- qual pretexto for?
tada como um problema estrutural (tudo
o que representa algo da tradição deve ser No caso do racismo, todo cuidado é
abolido, por ser uma marca de uma “época pouco. Mas justamente porque não é uma

SENSO INCOMUM NOVEMBRO 2018 22


Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

questão ideológica como os ideólogos da Não aceito nem o igualitarismo degra-


esquerda pontuam: o racismo é repudia- dante dos “democratas”, nem as divisões
do por toda a população, e exatamente artificiais dos racistas, nem as distinções de
por conta disso é que é uma expressão classe dos comunistas e esnobes.
tão poderosa (e não porque só a esquer-
da se preocuparia com o tema, como os
próprios esquerdistas tentam se enganar). E ainda:
Pior: conservadores, inclusive no Brasil,
foram os campeões na luta anti-racista:
Nas condições européias, sou natural-
inspirada pela Inglaterra, supremo bastião
mente monarquista, porque a monarquia
do conservadorismo capitalista mundial,
é, basicamente, supra-racial e supra-na-
foi a família real que aboliu a escravidão,
cional. As instituições livres sobrevivem
com grandes intelectuais que hoje seriam
chamados de “extrema-direita”, como Joa- melhor não somente nas monarquias do
quim Nabuco, capitaneando as idéias abo- Noroeste da Europa, mas também na área
licionistas para a classe leitora do país. Na etnicamente mista da Europa Central e
América, o Partido Republicano foi criado Oriental. Um europeu deve preferir mo-
para abolir a escravidão, e teve de se bater narcas de origem estrangeira com esposa
com praticamente a totalidade do Partido estrangeira, mãe e filhos estrangeiros, do
Democrata para conseguir. Mesmo um que um “líder” político pertencente apai-
aristocrata austríaco como Erik von Kueh- xonadamente a uma nacionalidade, classe
nelt-Leddihn escreve sobre o assunto, num ou partido específico.
texto curiosamente chamado “O Credo de
um Reacionário”:
Basta-se comparar estes trechos a qual-
quer escrito de Che Guevara sobre os ne-
“Eu abomino o centralismo e a unifor- gros para sentir a diferença:
midade da vida em rebanho, o espírito es-
túpido racista, o capitalismo privado, bem
como o capitalismo de estado (socialismo) “Nós faremos por negros exatamente o
que contribuíram para a ruína gradual da que eles fizeram pela revolução – pelo que
nossa civilização nos últimos dois séculos.” eu quero dizer: nada.”

E depois: Ou este belíssimo trecho:

SENSO INCOMUM NOVEMBRO 2018 23


Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

“Os negros, os mesmos magníficos mesma forma que uma imputação de as-
exemplares da raça africana que mantive- sassinato não pode ser dissolvida por toda
ram sua pureza racial graças ao pouco ape- a sociedade. Expressões como “dívida his-
go que têm ao banho, viram seu território tórica” ou “racismo estrutural” não podem
invadido por um novo tipo de escravo: o ser levadas a sério, como se houvesse um
português. (…) O desprezo e a pobreza comportamento extremamente criminoso
os unem na luta cotidiana, mas o modo por toda a população, que precise de polí-
diferente de encarar a vida os separa com- ticas sociais de esquerda para ser corrigido.
pletamente; o negro indolente e sonhador Algo tão chocante exige responsabilida-
gasta seu dinheirinho em qualquer frivoli- de dos usuários de termos. A forma como
dade ou diversão, ao passo que o europeu personalidades como Donald Trump e Jair
tem uma tradição de trabalho e de econo- Bolsonaro foram chamados de racistas, um
mia que o persegue até estas paragens da por políticas anti-imigração desenfreada, o
América e o leva a progredir.” outro por uma montagem do CQC que le-
vam como verdadeira até hoje, demonstra
Saber, historicamente, de que lado cada o perigo que é o uso de um vocábulo tão
corrente de pensamento atual se portou é duro. E essa responsabilidade é que preci-
algo que a esquerda morre de vergonha de sa ser cobrada, invertendo-se o atual ônus
admitir, de lembrar, de deixar que as pes- imposto a inocentes.
soas saibam como foi (e tome-se torsões Criticar o abuso feito hoje através da
para dizer que, na verdade, naquela épo- palavra “racismo” também é um exemplo
ca, a esquerda era de direita e vice-versa). perfeito da vantagem de uma linguagem
Apenas este movimento já inverte a tenta- universalizante, de um discurso, de uma
tiva de incriminar alguém por defender o legislação, de um pensamento com uma
conservadorismo e um direito natural, ao base única e comum, além de um direito
invés de medidas segmentadoras. natural, de uma cultura independente de
Também é importante não permitir etnias e guetos, muito mais atrativa do que
mais a repetição da técnica dos usuários culturas “alternativas” baseadas em grupos
de termos, que dissolvem o significado de étnicos.
suas palavras preferidas, abstraindo-as de O racismo deve ser sempre dissociado
casos concretos, utilizando-as de maneira do movimento anti-racista da esquerda.
genérica, distorcida e exagerada. O racis- Este acredita que é o único a lutar contra
mo, por ser muito mais sério, não pode ser o racismo desde Gênese 1:1. E que pode
usado como uma incriminação geral, da apontar sua metralhadora “anti-racista”

SENSO INCOMUM NOVEMBRO 2018 24


Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

para tudo (cotas, aborto, Bolsa Família, Não se trata de negar o racismo, afinal, e sim
disparidade salarial média, gosto musical, de combate-lo com eficiência. A conscien-
número de apresentadores negros na TV, tização que envolve piadinhas não pode
índices de criminalidade etc) e, caso você ser o mesmo critério para se pensar em
discorde, é mais um racista a ser denun- cotas (uma questão de bons modos contra
ciado pelo crime mais horrendo já perpe- uma questão de justiça), e tampouco deve
trado pela irracionalidade humana. Não permitir que se trate todos os não-negros
é preciso muito além de se demonstrar como racistas, ou como se negros não pu-
que o valor de uma lei com igualdade dessem ser racistas, como o parece ter sido
para todos é muito maior do que uma lei Marcelo D2, ao falar de maneira deprecia-
revanchista – um discurso que, felizmente, tiva sobre Hélio Bolsonaro, tão somente
vem perdendo terreno no Brasil. Afinal, pela cor de sua pele.
não houve apenas racismo de brancos para O racismo, ao contrário do machismo
negros – os tutsis e hutus são apenas as ou homofobia, é algo real, mas igualmente
tribos mais conhecidas pelos ocidentais – imputado a inocentes (os radicais dizendo
e a política revanchista, ao fim e ao cabo, que todos os brancos merecem ser enfor-
foi a mesma que provocou o Holocausto: cados devem ser tratados apenas como o
devemos lembrar que os alemães se sen- que são: radicais que não serão levados a
tiam inferiorizados por um elemento estra- sério em número relevante).
nho e elitista em sua sociedade “original”.
Na prática, tudo o que o novo vocabu-
Utilizar a visão de que exista um “racismo
lário dos usuários de termos tenta fazer é
estrutural” para explicar casos como o da
imputar crimes a inocentes através da ge-
idosa de 106 anos assassinada a pauladas
neralização, abstração, distorção e relativi-
por R$ 30 no Maranhão2 só pode causar
nojo, mostrando a insuficiência e falsidade zação, fazendo com que a normalidade da
completa da teoria. vida seja proibida, os pensamentos sejam
censurados antes mesmo de serem formu-
É óbvio que as pessoas podem ter o lados, e tudo precise de uma nova força
direito de se sentirem mal por algo dito, política para controlar o que era normal
sobretudo repetido mil vezes, como os e funciona bem e obrigado sem controle
comentários ofensivos feitos contra negros político. Se há poucas décadas a esquerda
– e pobres – repetidas vezes em suas vidas. falava em “liberdade de expressão” única e
exclusivamente para defender sistemas nos
quais ela é suprimida, hoje a tônica é falar
2 https://g1.globo.com/ma/maranhao/noti-
cia/2018/11/18/idosa-de-106-anos-e-assassinada-a- em “discurso de ódio” e pregar a censura
-pauladas-no-maranhao.ghtml desabridamente, ainda que nunca com

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Machista, homofóbico, racista, fascista: Como sobreviver ao novo vocabulário político

este nome (lembra a ditadura militar, que cebos fracos do que mero “preconceito”,
censurou infinitamente menos). ou que uma lei anti-racismo pode ter o
Mas o problema real não está na crença efeito inverso do almejado, segregando o
atual de muitos, jurando que vivem sob o bem e o mal por cor da pele. Logo, talvez
maior sistema de racismo, machismo e ho- o usuário de termos possa perceber que o
mofobia já criado no planeta, e que tudo o mundo não funciona como na sua bolha,
que se deve fazer na vida é vociferar bastante que repete um discurso de reducionismo
contra essas palavras a cada vez que se per- fácil, justamente para conquistar muitas
de o ônibus ou se tropeça na rua. Se fosse pessoas. O problema fundamental conti-
meramente uma questão de nomenclatura, nua sendo o aparato burocrático que estes
poderíamos simplesmente sugerir outros termos carregam no bojo. Ninguém fala
termos (técnica ótima para o machismo, em machismo, em homofobia e em racis-
espinhosa para a homofobia, impossível mo hoje em dia, sobretudo quando as pa-
para o racismo). A grande questão em jogo lavras aparecem juntas (denotando o uso
é que a criação artificial desse vocabulário ideológico do termo), sem tentar fazer um
obedece a uma disciplina rígida para fins reformismo social completo.
políticos ou judiciais: a criação de leis de A linguagem de seita nunca poderá
censura, a imposição de um pensamento determinar a realidade no lugar de uma
único, a crença de que a única forma de linguagem universal, com leis universais
se livrar de “preconceitos” da velha socie- baseadas em uma moral universal. Para
dade é com um aparato burocrático e de isto, precisamos lidar com tal linguagem
força gigantesco. O resultado é sempre o trabalhando a partir do que crêem os
mesmo: o coitadismo penal absoluto para usuários de termos, de seus valores, de
o mais violento crime de sangue, andando suas crenças, até fazê-los entender a van-
de mãos dadas com gritos de ódio de uma tagem de leis universais e direitos naturais,
turba enfurecida exigindo punições draco- que são o verdadeiro alvo desta linguagem
nianas para piadinhas. doutrinada. A realidade precisa de menos
Conhecer um pouco da história real reformas do que as ideologias.
por trás destes vocábulos sempre mostra a
um usuário de termos que há um abismo
entre suas boas intenções e a realidade: ele
pode perceber que o patriarcado não é tão
ruim assim só porque ele brigou com o
seu pai, que a crítica ao homossexualismo
tinha mais a ver com a proteção a man-

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